Hidrocefalia Fetal e Neonatal
Hidrocefalia Fetal e Neonatal
Hidrocefalia Fetal e Neonatal
DILATAÇÕES VENTRICULARES
CEREBRAIS
Ventriculomegalias fetal e neonatal
Paulo R. Margotto
www.paulomargotto.com.br
Prof. do Curso de Medicina da Escola Superior de
Ciências da Saúde (ESCS) /SES/DF
junho/2006
1
RESUMO
2
SIGNIFICADO PERINATAL DAS DILATAÇÕES VENTRICULARES
CEREBRAIS
Ventriculomegalias fetal e neonatal
Hidrocefalias fetal e neonatal
Paulo R. Margotto
www.paulomargotto.com.br
A paralisia cerebral (PC) é uma das mais comuns e severas seqüelas do nascimento
do pré-termo extremo, constituindo mais de 25% de todos os casos de PC na Suécia 1. Desde
os anos 90, as taxas de sobrevivência dos RN pré-termos extremos vem aumentando, em
decorrências de inovações como: maior uso de corticosteróide no pré-natal, uso cada vez
mais precoce de surfactante pulmonar exógeno, novas técnicas de ventilação, transferência
in utero. No entanto, os efeitos destas inovações na desabilidade tardia destas crianças são
muito controversos e constituem matéria de discussão2.
O estudo francês de Ancel et al2 mostrou uma prevalência de PC aos 2 anos de idade
de 20% nos recém-nascidos (RN) com idade gestacional entre 24 a 26 semanas
(corresponde a mais do que 2/3 dos casos de PC entre os RN pré-termos), comparado com
4% na idade gestacional de 32 semanas. Na população total das crianças que foram muito
pré-termos ao nascer, este estudo mostrou que 1 de cada 12 crianças teve PC (esta taxa
corresponde a quase 80 vezes mais do que as crianças nascida a termo).
Com base nos resultados dos ultra-sons cerebrais no período neonatal, o estudo de
Ancel et al2 evidenciou que 17% das crianças com hemorragia peri/intraventricular grau
III e 25% das crianças com lesão da substância branca (ventriculomegalia,
hiperecogenicidade persistente ou leucomalácia periventricular cística) tiveram PC,
comparado com 4% das crianças com ultra-sons cerebrais normais.
Outros estudos estimaram a prevalência de PC nos RN abaixo de 27 semanas entre
11% a 35%3,4.
A lesão cerebral no RN pré-termo consiste de múltiplas lesões, principalmente a
hemorragia peri/intraventricular (HP/HIV), a leucomalácia periventricular (LPV) e a
ventriculomegalia (VM). Estas constituem as maiores complicações neuropatológicas dos
RN pré-termos e são associadas com alta mortalidade e com um desenvolvimento
neurológico adverso, principalmente nas mais tenras idades gestacionais5,6,7.
A hemorragia peri/intraventricular e a leucomalácia periventricular já foram
discutidos em outros artigos8,9. Neste artigo, vamos discutir a ventriculomegalia e a
hidrocefalia fetal e neonatal, revisando o conceito, a etiologia e a fisiopatologia que
envolve a lesão cerebral. Assim será possível a melhor compreensão do prognóstico, com
3
o objetivo de identificar os fatores de risco envolvidos, prevenindo seqüelas nestes RN de
muito baixo peso. Este objetivo deve constituir o papel de todo neonatologista na Unidade
de Cuidados Intensivos.
4
As alterações cromossômicas foram relatadas em 9% dos fetos com moderadas
ventriculomegalia (no estudo de Goldstein et al10, a incidência foi de 23%-3/13 casos
examinados).
As anomalias do sistema nervoso central nos casos de moderada ventriculomegalia
estiveram presentes e mais de 50% dos casos, incluindo espinha bífida, malformação de
Dandy-Walker e agenesia de corpo caloso. Na série de Goldstein e col. 14, 12% dos fetos
(4/33) com moderada ventriculomegalia apresentaram anomalias do sistema nervoso
central (2 com hidrocéfalo e 2 com cisto no plexo coróide)
Quanto ao prognóstico, é interessante citar que pode haver regressão espontânea da
moderada ventriculomegalia, ocorrendo em 33,3% na série de Goldstein et al 14, estando de
acordo com os relatos na literatura (29%). Estudo de Kelly et al citado por Garel e col. 10, a
partir de uma análise de 295 fetos com ventriculomegalia isolada, demonstrou resolução
espontânea da ventriculomegalia moderada em 29% dos casos, permanecendo estável em
57% dos casos e, porém, progressão em 14% dos casos. Goldstein et al 14 explicam a
regressão observada da ventriculomegalia pelo atraso parcial ou transitório na drenagem ou
superprodução do fluido espinhal.
A completa resolução in utero da ventriculomegalia, embora globalmente favorável,
não é sempre acompanhada de prognóstico favorável10.
Quanto ao seguimento das crianças que apresentaram ventriculomegalia moderada
na vida fetal, os dados disponíveis na literatura são insatisfatórios. No estudo de Goldstein
et al14, 61,6% (16 de 26 crianças) tiveram crescimento e desenvolvimento normais na idade
de 2 anos.
O estudo de Gaglioti et al 16 mostrou que quando a ventriculomegalia constituía um
achado isolado, 97,7% dos fetos com leve ventriculomegalia (10-12 mm), 80% com
moderada ventriculomegalia (12,1-14,9mm) e 33,3% dos fetos com severa
ventriculomegalia (>15mm) estavam vivos aos 24 meses ou mais de vida. O prognóstico
neurocomportamental correspondente a essas crianças foi normal em 93% (leve
ventriculomegalia), 75% (moderada ventriculomegalia) e 62,5% (severa
ventriculomegalia). Com estes resultados, os autores estabeleceram um limite abaixo de 12
mm para a largura ventricular na definição de ventriculomegalia boderline. Os casos com
medidas acima deste valor são aqueles mais freqüentemente associados a malformações e
menos freqüentemente terão um desenvolvimento neurocomportamental normal.
Breeze et al16a relataram desenvolvimento normal em apenas 1 de 8 crianças com
severa ventriculomegalia (esta criança tinha cariótipo normal e agenesia calosa).
A presença de hemorragia intraventricular ocorre intra-útero em 1-5/10000
gestações. Entre as causas, são citadas, acidentes ou traumas durante a gestação e
trombocitopenia aloimune. No entanto, a causa nem sempre é identificada. Nem sempre é
identificada intra-útero devido a ecogenicidade isolada do sangue e do plexo coróide, sendo
confirmada logo após o nascimento ao ultra-som. O prognóstico está relacionado com a
extensão da lesão parenquimatosa. Assim, nem sempre a dilatação ventricular pós-
hemorrágica nem sempre é associada com prognóstico ruim, mesmo com moderada a
severa ventriculomegalia (Luciano R et al16b).
A presença de malformações associadas é considerada um fator de prognóstico
ruim. Também a presença do 3o ou 4o ventrículos dilatados têm sido considerado um
marcador de prognóstico ruim, assim como severas dilatações (acima de 15mm)10.
No estudo de Pilu et al11, o risco de prognóstico neurológico ruim nos fetos com
moderada ventriculomegalia (10-15 mm) foi maior no sexo feminino (22,6%) em relação
5
ao sexo masculino (4,6%: RR= 4,89; IC a 95% de 1,35-17,65). No caso da largura atrial
maior que 12 mm ou mais, os resultados foram 13,9% para o sexo feminino e 3,8% para o
sexo masculino com RR=3,6; IC a 95% de 1,035-12,84.
Uma vez identificado ventriculomegalia fetal deve ser realizada uma busca de
malformações, incluindo ecocardiograma e cariótipo. Na ausência de malformações
associadas e aberrações cromossômicas, uma moderada ventriculomegalia isolada não
progressiva permite um favorável prognóstico neurocomportamental14,15.
O neonatologista ao receber um RN com história de ventriculomegalia fetal deve se
informar se a ventriculomegalia foi aparentemente isolada ou associada com outras
anormalidades e se foi transitória, unilateral ou leve. O ultra-som deve ser realizado para a
detecção de malformações cerebrais, entre as quais a hipoplasia ou aplasia de corpo caloso,
Síndrome de Dandy-Walker, lisencefalia, holoprosencefalia, esquisencefalia e estenose de
aqueduto de Sylvius. Investigar erros inatos do metabolismo. Muitas malformações são
diagnosticadas intra-útero, mas em 16-25% dos bebês com ventriculomegalia
aparentemente isolada haviam malformações associadas somente diagnosticadas após o
nascimento como: lesões cardíacas, atresia de esôfago e renal e anormalidades genitais.
Aneuploidia tem sido relatada em 3% das ventriculomegalias isoladas e em 36% quando
associada a malformações. A trissomia do 21 tem sido associada com ventriculomegalia
isolada em 3,8%13.
Ventriculomegalia moderada não progressiva unilateral de 11-13mm foi relatada
como uma variante do normal da anatomia fetal com um prognóstico neurológico
favorável. Senat et al 17 relataram um desenvolvimento cognitivo normal nestes casos em
88%. Os fetos com ventriculomegalia isolada devem ser acompanhados com ultra-som até
ao final do terceiro trimestre. Achiron et al 18 relataram desenvolvimento neurológico
normal em 80% dos casos com ventriculomegalia unilateral (diferença maior do que 2,4mm
na largura dos ventrículos). Segundo estes autores israelenses, algum grau de assimetria dos
ventrículos laterais existe no cérebro fetal humano. Assimetria ventricular lateral isolada
provavelmente não é clinicamente significativa e pode ser considerada uma variante do
normal, mais do que um achado patológico.
HIDROCEFALIA CONGÊNITA
6
-Primário (31%; média de QI:74,2): hidrocéfalo comunicante, estenose do aqueduto,
atresia do foramen e outras formas de hidrocéfalo obstrutivo.
-Disgenético (56%; média de QI: 52,4) associado com espinha bífida, crânio bífido,
malformação de Dandy-Walker, holoprosencefalia, hidranencefalia, lisencefalia, cisto
congênito e outros.
-Secundário (13%; média de QI 26); tumor cerebral, doenças hemorrágicas e vasculares,
infecção, trauma, coleção de fluido subdural e outros.
Tipos de hidrocefalias19
7
Figura 1. RN a termo, sexo feminino, com hidrocéfalo congênito diagnosticado ao nascer,
observando-se extrema atenuação do manto cerebral na região occipital. O RN foi
encaminhado à neurocirurgia do Hospital de Base de Brasília para derivação ventrículo-
peritoneal. As sorologias para infecções perinatais crônicas foram normais (Margotto,PR;
Castro J; HRAS/SES/DF)
8
espástica, assim como a hipoplasia e a contratura do polegar. Caracteriza-se pela dilatação
do ventrículo lateral e terceiro ventrículo (o quarto ventrículo é normal) sem outras
anormalidades19.
PROGNÓSTICO
(consulte Ventriculomegalia Cerebral Neonatal a seguir)
9
Manuseio
10
Fig 4.Tomografia computadorizada de um RN com hidrocéfalo congênito. Em (A) observa-
se total ausência de reconhecível manto cerebral na região occipital e extrema atenuação do
manto anteriormente. Em (B), TC aos 11 meses após a derivação ventrículo-peritoneal,
onde se observa grande aumento da espessura do manto cerebral26.
11
pressão intracraniana se deve a alta complacência do tecido cerebral no cérebro do RN
prematuro (alto conteúdo de água, pobreza relativa de fibras mielinizadas e relativos
grandes espaços subaracnóideos)29.
Observações que podem ser de auxílio na distinção entre hidrocéfalo e
ventriculomegalia por perda de tecido cerebral (hidrocéfalo ex-vácuo) incluem a rápida
taxa de aumento do tamanho ventricular, proeminente dilatação dos cornos temporais dos
ventrículos laterais ou 3o ou 4o ventrículos, o contorno periventricular hiperecóico
(resultado do acúmulo de LCR transependimal) e identificação de hidrocéfalo comunicante
pela diminuição do tamanho ventricular após a remoção do LCR30. Há sugestão que a
evidência ecogênica de hemorragia subaracnóidea nas cisternas basais, fissura silviana e
espaço espinhal subaracnóideo pode ser um predictor independente de ventriculomegalia
progressiva necessitando de derivação30.
Na Figura 5 as medidas do crescimento dos ventrículos laterais nos RN pré-termos
utilizando o ultra-som na fontanela anterior no corte coronal a nível do foramen de Monroe
(medidas A a C) e no corte sagital (medidas D e E), segundo Levene31.
12
medidas que ultrapassam 15mm, encaminhamos a neurocirurgia para avaliar a
possibilidade de derivação. As Figuras. 6 e 7 evidenciam dois casos, um de dilatação
ventricular (resolução espontânea) e outro de hidrocéfalo pós-hemorrágico (drenagem
ventricular). A Figura 8 mostra o ponto de corte entre as duas situações.
13
Fig 7.Hidrocéfalo pós-hemorrágico. A. Hemorragia peri/intraventricular grau 2 no
ultra-som em corte coronal (seta). B. Ultra-som em corte sagital mostrando sangue no
ventrículo (setas). C. Severa dilatação ventricular com duas semanas. D. Tamanho
ventricular após a drenagem ventricular externa por uma semana32
14
Fig.9 (vide texto). Margotto PR, Castro J. HRAS/SES/DF.
Fig. 11 Fig.12.
(vide texto). Margotto PR, Castro J. HRAS/SES/DF.
-HIDROCÉFALO PÓS-HEMORRÁGICO
15
intraventricular; tamanho ventricular ou leve dilatação ventricular na época do diagnóstico
da hemorragia intraventricular e a minoria dos RN com severa hemorragia intraventricular).
Os restantes 35% dos RN com hemorragia intraventricular desenvolvem dilatação
ventricular progressiva lenta (ocorre em semanas, sendo secundário a múltiplos pequenos
coágulos através dos canais do LCR, impedindo a circulação e reabsorção do LCR)29,30,33 .
Na experiência de Murphy et al 34, envolvendo 248 RN com idade gestacional média de
26,8+/-2,6 semanas com HP/HIV (incidência de 25%), ¼ apresentou dilatação ventricular
pós-hemorrágica; 38% apresentaram uma parada da dilatação; dos 62% restante, 48% não
necessitou de intervenção cirúrgica e 34% recebeu ou drenagem ventricular externa ou
derivação ventrículo-peritoneal; 18% morreram. O maior predictor de prognóstico adverso
foi a severidade da hemorragia.
A seguir, exemplo de um RN que apresentou hemorragia peri/intraventricular grau III
bilateral, acompanhada de infarto periventricular à esquerda com formação de cisto
porencefálico (Figuras 13.A e B) que evoluiu para hidrocéfalo pós-hemorrágico (Figura 14
– observar o cisto porencefálico comunicando-se com o ventrículo esquerdo) sendo
transferido para a neurocirurgia do Hospital de Base de Brasília, onde foi realizada
derivação ventrículo-peritoneal.
16
Fig. 14 (vide texto). Margotto, PR, Castro J. HRAS/SES/DF.
17
A seguir, RN com hemorragia grau III e infarto hemorrágico (Figura 15) com
evidência anatômica (Figura 16).
Figura 16. Cortes cerebrais realizados por Margotto PR, evidenciando a hemorragia
intraventricular e o extenso infarto hemorrágico à esquerda do caso descrito na Figura 15
(Margotto PR, HRAS/SES/DF).
-Mecanismo
18
ocorrer em dias30,35. Hidrocéfalo subagudo crônico pode ocorrer em semanas, sendo
secundário a araquinoidite na fossa posterior com obstrução do fluxo do líquor
cefaloraquidiano do quarto ventrículo ou por obstrução do aqueduto por coágulos
sanguíneos ou por debris. Devido ao pobre desenvolvimento das granulações aracnóides no
período pré-natal, parece que uma via alternativa linfática, perivascular e vias na dura
possam estar envolvidas. É possível que fatores de crescimento tais como o fator-beta 1
(está elevado nos LCR após a hemorragia intraventricular, sendo mais alta nos pacientes
que necessitaram de derivação), juntamente com outros fatores presentes no LCR como
conseqüência da hemorragia, tais como a trombina, promovam o crescimento de tecido
conectivo dentro das leptomeninges, levando a uma aracnoidite e contribuindo para a
redução da absorção do LCR36.
19
acetazolamida e furosemide não é nem segura e nem efetiva para o tratamento da dilatação
ventricular pós-hemorrágica e, portanto, não pode ser recomendada como terapia para o
hidrocéfalo pós-hemorrágico. Punções lombares também não resultaram na redução da
necessidade de derivação ventrículo-peritoneal ou de desabilidade neurológica (houve
aumento de infecção)41. A terapia fibrinolítica intraventricular também não diminuiu a
necessidade da derivação ventrículo-peritoneal e não diminuiu a mortalidade42.
20
Fig. 18 A e B (vide texto). Margotto, PR, Castro J. HRAS/SES/DF.
Recentemente tem sido realizada uma nova abordagem com a finalidade de remover
sangue e citocinas do sistema ventricular com o objetivo de prevenir o hidrocéfalo pós-
hemorrágico. No estudo piloto de Whitelaw et al 47 o ativador tecidual de plasminogênio foi
administrado intraventricular 8 horas antes dos ventrículos serem irrigados com LCR. Os
resultados preliminares mostraram que 74% dos pacientes com dilatação ventricular
progressiva pós-hemorrágica não requereram derivação e que 42% foram normais. Mais
estudos são necessários para validar este método inovador para a prevenção da ocorrência
ou progressão da hemorragia intraventricular, com o objetivo de melhorar o prognóstico
das crianças com hidrocéfalo pós-hemorrágico.
Descompressão ventricular
21
-Quando há sangue ou elevada concentração protéica
Vários estudos têm evidenciado maior risco para seqüelas neurológicas nos RN com
hidrocéfalo pós-hemorrágico, especialmente aqueles que necessitaram de colocação de
derivação ventrículo-peritoneal.
22
cistos localizados). Tradicionalmente a ventriculomegalia e o hidrocéfalo tem sido
interpretados como seqüela de hemorragia intraventricular, mas há uma evidência cada vez
maior que a ventriculomegalia quase sempre reflete algum grau de lesão da substância
branca. Esta evidência é patológica (a lesão da substância branca freqüentemente está
presente nas crianças que morrem com ventriculomegalia) e prognóstica (o risco de
desenvolvimento anormal nas crianças com ventriculomegalia é semelhante às crianças
com lesão da substancia branca).
O artigo de Leviton et al28 resume as evidências de que a ventriculomegalia é melhor
vista como uma forma de lesão da substância branca. O estudo de Kuban e col. 51 dá suporte
a este ponto de vista. Neste estudo, os RN com ventriculomegalia apresentam um risco
quase 50 vezes maior de ter ecogenicidade ou ecoluscência parenquimatosa, em relação aos
RN sem hemorragia intraventricular e ventriculomegalia. A hemorragia intraventricular
pode contribuir de alguma forma na patogênese da lesão da substância branca, mas não
tanto quanto a ventriculomegalia. Segundo Kuban et al 51, embora a ventriculomegalia possa
ser um marcador indireto da lesão da substância branca, muitos RN neste estudo com
ventriculomegalia foram identificados precocemente (dentro de semanas de nascimento),
tornando assim improvável a hipótese que a lesão da substância branca levaria a algum grau
de atrofia, resultando no hidrocéfalo ex-vácuo. Embora a maioria dos RN com
ventriculomegalia apresente hemorragia intraventricular, isto não é universalmente
verdadeiro. A persistente ventriculomegalia nos RN que não apresentam hemorragia
intraventricular sugere ter ocorrido injúria pré-natal ou a falta de um desenvolvimento
normal da substância branca. A ventriculomegalia, evento que ocorre mais nos RN de
menores idades gestacionais, permite a entrada de entidades tóxicas ao cérebro,
possivelmente citocinas, para a substância branca, devido o rompimento do epêndima da
parede ventricular.
Na coorte de RN com LPV, no estudo de Pierrat et al 52 a ventriculomegalia foi um
bom predictor de paralisia cerebral (29 de 30 RN com ventriculomegalia ao redor do termo
desenvolveram paralisia cerebral). No entanto, é importante ter em mente que
ventriculomegalia pode estar presente ao redor do termo em RN que apresentaram
hemorragia intraventricular durante o período neonatal. Nestes RN, a ventriculomegalia
pode ser devida a leve dilatação ventricular pós-hemorrágica que improvavelmente leva a
déficit neurológico. Há sugestão de que o aumento dos ventrículos, quando pertencente à
lesão da substância branca, é mais irregular no que diz respeito à forma.
A ventriculomegalia sem evidência de aumento da pressão intracraniana pode
também representar um predictor sensível de deficiência tanto cognitiva como motora. No
estudo de Whitaker et al7, aproximadamente metade dos casos de retardo mental aos 6 anos
em RN de muito baixo peso foi atribuída a lesões parenquimatosas/ventriculomegalia
independente de outros fatores.
No estudo de Ment et al53, aos 4,5 anos de idade nos RN pré-termos com
ventriculomegalia (Figura 20) a termo (moderada ventriculomegalia: 10-15 mm e severa
ventriculomegalia: >15 mm, medida realizada a nível no corpo médio do ventrículo lateral
em corte sagital) foi o mais importante predictor de QI abaixo de 70 (OR de 19; 95% IC:
4,5-80,6). Das crianças com ventriculomegalia a termo, 55% tiveram um QI <70 em
comparação com 13% das crianças sem ventriculomegalia a termo, a despeito de maior
vantagem educacional das mães das crianças com ventriculomegalia. Os déficits nas
crianças com ventriculomegalia a termo eram mais pronunciados nos testes de avaliação da
habilidade visual motora. Das crianças com ventriculomegalia, a paralisia cerebral ocorreu
23
em 45% comparado com 7% das crianças sem ventriculomegalia. Estes dados sugerem que,
para o RN pré-termo, a ventriculomegalia a termo é conseqüência da vulnerabilidade do
cérebro em desenvolvimento.
Fig. 20. Ultra-som no corte sagital evidenciando ventrículo lateral normal (imagem
superior) e ventriculomegalia a termo (imagem inferior). As setas indicam o ponto de
referência na medida dos ventrículos53.
24
fugal. Os estudos clínicos informam que estas crianças com ventriculomegalia sofrem não
somente anormalidades nos testes de resposta evocada visual, como também no
desempenho motor visual. Os dados do presente estudo de Ment et al53 provêem adicional
evidência da associação das anormalidades visuais com ventriculomegalia a termo nos RN
de muito baixo peso ao nascer aos 4,5 anos de idade corrigida.
25
A B
Fig. 21. RN com 7 dias, 39 sem 5 dias, com diagnóstico de hidrocefalia intra-útero.
A ultra-sonografia (A) e a correspondente tomografia computadorizada (B) mostram
desproporcional aumento do ventrículo direito (colpocefalia). A regularidade da parede
ventricular não sugere a presença de distúrbios de migração neuronal. (Margotto, PR Castro
J, HRAS/SES/DF).
26
desenvolvimento organizacional do córtex cerebral. Estas alterações podem ser reversíveis
com a correção precoce do hidrocéfalo (melhora tanto a sinaptogênese, como o déficit de
aprendizado)29,62,63,64.
Del Bigio68, em modelos animais, evidenciou edema e lesão axonal dentro de dias
após início do hidrocéfalo, sendo seguido por gliose, atrofia da substância branca, e em
alguns animais, grande cavitação da substância branca. Estas alterações são semelhantes às
vistas na leucomalácia periventricular, sugerindo o papel da isquemia na lesão cerebral
27
causada pelo hidrocéfalo. O afinamento do corpo caloso e compressão ou atrofia da
substância branca são achados consistentes dos cérebros hidrocefálicos. Algumas destas
lesões calosas são causadas por estiramento. Estes insultos podem resultar em desconexão
hemisférica.
A lesão axonal que ocorre na substância branca com a severa ventriculomegalia tem
sido mediada pelo cálcio (a lesão do epêndima pelo hidrocéfalo permite que haja um
aumento de Ca++ no LCR que alcança os vulneráveis axônios e glia, onde se acumula
gradualmente nos axônios estirados com subseqüente lesão) . Este fato ocorre em um
período de dias a meses. Isto explicaria a disfunção oligodendroglial observada nos
cérebros hidrocefálicos73. Com este conhecimento, foi testado, experimentalmente, o uso de
nimodipine, um agente bloqueador do canal de cálcio tipo-L para melhorar os efeitos
adversos da hidrocefalia, sendo observado maior espessamento caloso nos animais tratados
(este efeito protetor deste bloqueador do canal de cálcio provavelmente tenha resultado da
melhora do fluxo sanguíneo, embora não possa ser excluída a prevenção do influxo de
cálcio mediado por processo proteolítico)74.
28
Kempley et al 76 avaliaram a velocidade do fluxo sangüíneo na artéria cerebral
anterior de 6 prematuros com hidrocéfalo pós-hemorrágico antes e após a drenagem do
líquor cefalo-raquidiano em 23 ocasiões. Houve um significante aumento da velocidade do
fluxo sangüíneo cerebral após a drenagem (reflexo da diminuição do volume de sangue
cerebral29).
29
Fig.24A
Fig. 25: Atrofia do copo caloso (vide texto). Margotto PR. Hospital Unimed
Brasília.
30
Fig. 26. Degeneração walleriana (vide texto). Margotto PR. Hospital Unimed
Brasília.
Figura 27. Redução volumétrica dos gânglios da base (vide texto). Margotto PR.
Hospital Unimed Brasília.
Nos últimos anos o desenvolvimento do cérebro tem recebido uma grande atenção,
principalmente em duas áreas. A primeira se refere às células troncos cerebrais encontradas
no tubo neural e na zona ventricular do córtex cerebral e os mecanismos envolvidos na sua
proliferação e diferenciação em neurônios e glia. A segunda área de atenção da pesquisa se
refere aos sinais hierárquicos envolvidos na migração dos neurônios do epitélio
31
germinativo para o córtex ao longo da glia radial. O papel vital das células Cajal-Retzius
tem sido elucidado. Estas células se localizam na zona marginal, secreta reelina (uma
glicoproteina extracelular envolvida na migração neuronal e laminação) que por sua vez
estimula receptores do sistema de sinalização intracelular em resposta a precursores neurais
e mediam a migração e a estratificação destes no córtex cerebral78.
No passado, pelo efeito óbvio do hidrocéfalo não tratado, pensava-se que o aumento
da pressão intracraniana com o acúmulo de LCR no cérebro seria o responsável pela lesão
cerebral. Assim, a maioria dos estudos se concentrou na avaliação da eficácia da derivação
do LCR, como colocação de derivação. No entanto, o hidrocéfalo de início fetal resulta em
uma grande variedade de deficiências nas crianças afetadas que são prevenidas ou
recuperadas pelo tratamento através da colocação de uma derivação. Os dados recentes dão
suporte que estas deficiências resultam de um deficiente desenvolvimento cortical devido à
obstrução do LCR nos estágios fetais. Há um corpo de evidências sugerindo o papel
fisiológico do LCR no desenvolvimento do cérebro. O LCR contém fatores de crescimento
e citocinas secretadas do plexo coróide e do órgão subcomissural, que são moduladores
conhecidos da neurogênese e diferenciação. Constituintes do LCR mudam durante o
desenvolvimento e são capazes de contactar células no parênquima cortical. Manipulação
experimental do volume do LCR ou do conteúdo do fator de crescimento pode resultar em
falha do desenvolvimento cortical e/ou hidrocéfalo 78,79.
32
epitélio germinativo do córtex em desenvolvimento. Uma vez removidas do seu ambiente
in vivo, as células corticais proliferaram normalmente. LCR extraído dos ventrículos
dilatados dos cérebros afetados foi capaz de inibir a proliferação de células normais. Assim,
os autores levantaram a hipótese que o LCR tem um papel potencial no processo do
desenvolvimento cerebral. O acúmulo de LCR pode resultar em um anormal
desenvolvimento cortical através do acúmulo de fatores inibitórios a proliferação neuronal
normal78.
33
O ultra-som Doppler, pode ser de auxílio na identificação de RN com aumento da
pressão intracraniana, assim como na determinação da necessidade e o melhor momento
para realizar uma derivação.
Seibert et al85 relataram, inicialmente em animais que o índice de resistência (IR) ou
índice de Pourcelot (velocidade máxima da sístole-velocidade máxima da diástole /
velocidade máxima da sístole86) correlaciona-se linearmente com o aumento da pressão
intracraniana. Assim que a pressão intracraniana aumenta, o fluxo tende a ser afetado mais
durante a diástole do que na sístole, resultando em maior IR. A colocação da derivação
diminui significativamente o IR. Em RN normais, o IR está em torno de 0,75 ± 0,0887.
Segundo Hill e Volpe88, o aumento da resistência ao fluxo na artéria cerebral
anterior no hidrocéfalo infantil é mais provavelmente pelo estiramento e compressão destas
artérias pelos ventrículos dilatados. A diminuição dos ventrículos pela ventriculostomia ou
derivação ventrículo-peritoneal foi acompanhado de queda do IR.
Pople et al.89 correlacionaram o IR com o aumento da pressão intracraniana em
crianças com bloqueio da derivação ventrículo-peritoneal e um IR elevado, com uma
sensibilidade de 56% e especificidade de 97% na predicção deste bloqueio.
Goh et al 90 relataram significante correlação entre pressão intracraniana e IR, com
queda significante do IR após ventriculostomia e derivação ventrículo-peritoneal.
Taylor e Madsen91 relataram significante correlação entre alteração no IR durante a
compressão da fontanela e elevada pressão intracraniana: o IR aumentou significativamente
nos RN com aumento da pressão intracraniana e já no RN sem hipertensão intracraniana, o
IR se alterou muito pouco. Estes autores não detectaram alteração no IR após remoção do
LCR, assim como não detectaram correlação entre IR e hipertensão intracraniana. Segundo
Taylor92, a explicação desta resposta baseia-se na hipótese de Monro-Kellie, segunda a
qual o volume do cérebro, o líquido cefaloraquidiano, o conteúdo vascular e outros
componentes intracranianos são constantes. Durante a compressão (compressão leve do
transdutor sobre a fontanela por 3 a 5 segundos), em crianças normais, o líquor e o sangue
se distribuem em outros compartimentos para compensar o aumento de volume resultante
da compressão com conseqüente aumento da pressão intracraniana (nestes casos, o IR
muda muito pouco); já nas crianças com hidrocefalia e hipertensão intracraniana, esta
compensação não ocorre, havendo aumento importante, da hipertensão intracraniana com
alteração da perfusão cerebral e aumento do IR.
Os autores concluem que a mudança do IR durante a compressão da fontanela é um
melhor predictor de hipertensão intracraniana do que o IR obtido sem a compressão da
fontanela, podendo esta técnica ser usada na monitorização da efetividade de terapias não
cirúrgicas nas crianças com hidrocefalia.
A presença de diástole reversa sem compressão da fontanela é fortemente sugestiva
de aumento da pressão intracraniana e para estes pacientes, não se recomenda a compressão
da fontanela92.
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93. Agradecimentos ao Dr. Sérgio Luiz Lira Costa, Coordenador Pediátrico da
Unidade de Emergência do Hospital Doutor Armando Lages, Maceió, (AL) pela
revisão do texto e a Dra. Marta David Rocha (ESCS/HRAS) pela realização da
Capa.
Paulo R. Margotto
AOS 5 D 205
70660-054
xxx6132333614; xxx6199868953
[email protected]
www.paulomargotto.com.br
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