Gilberto Safra Artigo
Gilberto Safra Artigo
Gilberto Safra Artigo
Gilberto SAFRA
Instituto de Psicologia USP
PUC/SP
Para Winnicott, o bebê humano precisa criar o objeto que suprirá as suas
necessidades. É esta experiência que dará as condições para a realização das
potencialidades inerentes à sua singularidade. As suas necessidades são não só
os aspectos fundamentais para sua sobrevivência física, mas também as funções
proporcionadas pelo meio ambiente para a sua realização psíquica. As suas
características singulares integram-se na experiência intersubjetiva com sua mãe.
Este primeiro momento do encontro do bebê com sua “mãe devotada comum”
inscreve na vida psíquica da criança uma experiência estética de encanto,
abrindo-se a vivência de ilusão. A mãe se fez à “imagem e semelhança de seu
bebê”. Este acontecimento possibilita o início da constituição da subjetividade da
criança.
1
transformacional. Este objeto é identificado experimentalmente pelo infante com
processos que alteram a experiência de self. Ele afirma:
Ainda não totalmente identificada como um outro, a
mãe é experienciada como um processo de transformação e
esta característica dos primeiros tempos de vida perdura em
certas formas da busca do objeto na vida adulta, quando o
objeto é procurado por sua função de indicador da
transformação. Assim, na vida adulta, o que se procura não é
possuir o objeto: melhor dizendo, o objeto é perseguido para
que se renda à ele como meio que altera o self, onde o sujeito
como suplicante sente-se agora como o receptor dos cuidados
ambiento-somáticos identificados com as metamorfoses do
self.(p.28-29)
O self não se instaura de forma definitiva, mas sim em ciclos. O indivíduo pode ter
elementos de seu self que se inscreveram no encontro com o outro e muitos
outros que não chegaram a evoluir e se simbolizarem. Este fenômeno leva o
indivíduo a experimentar a necessidade de encontrar um objeto que possa
promover a evolução dos aspectos de seu self que não chegaram a acontecer
pelo encontro com um outro ser humano, condição necessária para colocar em
marcha o processo de simbolização necessário ao devir do self.
2
Percebe-se na situação analítica que o indivíduo concebe a dimensão do sagrado
a partir da matriz decorrente das diferentes experiências que trouxerem a
metamorfose de self, através da vivência de encanto.
Nem sempre as situações que levam o indivíduo a viver o sentido de sagrado está
relacionada com a religião professada pelo paciente. Na maior parte das vezes,
muito tempo passa na vida de uma pessoa até que ela possa viver o sentido de
sagrado na religião em que nasceu. Esta possibilidade parece acontecer no
momento em que o paciente consegue fazer da religião convencional, uma
experiência subjetiva. O indivíduo apreende de maneira pessoal a religião
convencionada. Apesar de muitas vezes participar das cerimônias oficiais de um
determinado culto religioso, tem delas uma interpretação idiossincrática, fenômeno
transicional em que a pessoa vive, ao mesmo tempo, o público e o pessoal. Trata-
se do fenômeno descrito por Winnicott, como elemento de criação do mundo: a
apercepção criativa.
3
Penso ser necessário discriminar o sentimento religioso, do sentimento de
sagrado. No sentimento religioso encontramos, freqüentemente, um sentimento de
reverência, de solenidade frente ao Outro Absoluto. Na vivência do sagrado o
indivíduo pressente o Ser, e vive uma transformação em seu self, não é relevante
para essa experiência a consciência de um outro.
Winnicott resitua o sujeito humano enfatizando que o ser se constitui quando cria,
desta forma mostra que, segundo o seu ponto de vista, o homem caracteriza-se
pela capacidade de criar símbolos e realidades, onde a sua própria vida é a sua
obra ao mesmo tempo em que é o ícone do seu ser.
Referências Bibliográficas