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Hazrat Inayat Khan - A Mensagem Sufi-IV

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HAZRAT INAYAT KHAN

A MENSAGEM
SUFI-IV

O Caminho da Iluminação
A Linguagem Cósmica
UNIVERSALISMO
Sumário

O Mensageiro

Que é um Sufi?

O Emblema Sufi?

O Objetivo do Movimento Sufi

A Tradição do Sufismo

Mensagem Sufi

O CAMINHO DA ILUMINAÇÃO

PRIMEIRA PARTE – PENSAMENTOS SUFIS

I – Existe um Deus, o Eterno, o Único Ser, ninguém existe senão Ele

II – Existe um Mestre, o Espírito-Guia de todas as almas, que constantemente


conduz os que o seguem para a luz

III – Existe um livro santo, o sagrado manuscrito da natureza, a única escritura


que pode iluminar o leitor

IV – Existe uma religião, o inabalável progresso na direção retilínea para o ideal,


que preenche o objetivo da existência de toda alma

V – Existe uma lei da reciprocidade, que pode ser observada por uma
consciência isenta de egoísmo aliada a um senso de vigilante justiça

VI – Existe uma fraternidade, a fraternidade humana, que une os filhos da terra


indiscriminadamente na paternidade de Deus

VII – Existe uma moral, o amor que brota da autonegação e floresce em obras
de beneficência

VIII – Existe um objeto de louvor, a beleza, que eleva o coração de seus


adoradores através de todos os aspectos, do visível ao invisível

IX – Existe uma verdade, o verdadeiro conhecimento do nosso ser interior e


exterior, que é a essência de toda sabedoria
X – Existe um caminho, o aniquilamento do falso ego no ego real. Esse caminho
leva o mortal à imortalidade, onde existe a perfeição

SEGUNDA PARTE – ALGUNS ASPECTOS DO SUFISMO

O objetivo da vida

A vida terrena

Vocação

Nur-Zahur

Os Mestres

O espírito da profecia

Alguns termos esotéricos

Suma, a música dos Sufis

TERCEIRA PARTE – OS SUFIS

II

III

IV

A LINGUAGEM CÓSMICA

Capítulo I – Das Vozes

Capítulo II – Das Vozes (continuação)

Capítulo III – Impressões

Capítulo IV – Magnetismo dos seres e objetos

Capítulo V – A influência das obras de arte

Capítulo VI – A vida do pensamento

Capítulo VII – Pensamento e imaginação

Capítulo VIII – A Memória

Capítulo IX – A Vontade

Capítulo X – A Razão
Capítulo XI – O Ego

Capítulo XII – Mente e coração

Capítulo XIII – Intuição

Capítulo XIV – Inspiração


O Mensageiro

Pir-O-Murshid Inayat Khan, o iniciador do Movimento Sufi, e fundador da


respectiva Ordem, nasceu em Baroda, Índia do Sul, a 5 de julho de 1882. Suas
qualidades excepcionais, talentos artísticos e atitudes espirituais eram evidentes
desde os primeiros anos de sua mocidade. Seus poemas são inspirados e tocam
ao sublime. Músico, tornou-se famoso em toda a Índia, tanto como compositor
quanto como cantor, e foi honrado pelos potentados com títulos, jóias e dinheiro.
Estudou música, poesia, filosofia, religião comparada e misticismo com os
maiores mestres da sua terra, e então, sentindo comandá-lo, no seu íntimo, a
força impulsiva do Divino, correspondeu à exortação do seu Senhor, “Na verdade
tu és abençoado por Allah, o mais Misericordioso e Compassivo Deus; segue
meu Filho, junta o Oriente com o Ocidente, dá ao mundo a Divina Mensagem de
Amor, Harmonia e Beleza”.

Pir-O-Murshid Inayat Khan, alma verdadeiramente iluminada e mística, deixou a


sua terra natal em 1910, e viajou pela Europa e Estados Unidos da América,
recebendo constantemente a Divina Inspiração e Revelação, que ele
interpretava em linguagem humana e ofertava ao mundo. Os seus ensinamentos
incorporam a riqueza do saber que tem sido entesourado no Oriente durante
séculos, satisfazem a fome espiritual de toda alma e formam um treino seguro e
sistemático a respeito do desenvolvimento da consciência no rumo dessa
compreensão da Presença de Deus, que é a meta da humanidade.

Pir-O-Murshid Inayat Khan fundou e organizou o Movimento Sufi e deu-lhe


completa intuição em todos os seus cinco ramos de atividade. Depois,
conhecendo que a sua Missão tinha sido cumprida, obedeceu ao Chamado de
Retorno e voltou para a Índia, no fim de 1926.

Depois de fazer uma série de conferências na Universidade de Delhi, capital da


Índia Inglesa, e de ser reconhecido pelo Chefe dos Sufis na Índia, Shaikh Nizami
como seu Mestre, de todos os Sufis, conheceu que a tarefa da sua vida estava
completa. Mais tarde, como predissera, passou alguns dias no estado de êxtase,
conhecido como Samadhi e finalmente deixou o seu corpo físico a 5 de fevereiro
de 1927. Seus restos mortais jazem numa tumba entre dois Santos Sufis, em
Delhi.
Que é um Sufi?

Que é um Sufi? – É aquele que não se separa dos outros pela opinião ou dogma
e que compreende que o coração é o Sacrário de Deus.

Que deseja ele? – Remover o falso eu e descobrir dentro dele Deus.

Que ensina ele? – Felicidade.

Que procura ele? – Iluminação.

Que enxerga ele? – Harmonia.

Que outorga ele? – Amor a todas as coisas criadas.

Que obtém ele? – Uma força maior do amor.

Que perde ele? – O egoísmo.

Que acha ele? – Deus.


O Emblema Sufi

O Emblema do Movimento Sufi – um coração alado – simboliza os seus ideais.


O coração é tomado em ambos os sentidos, o celeste e o terreno. Como o centro
do ser de uma pessoa, é um receptáculo na terra, do Espírito Divino, e se eleva
ao Reino do Céu quando corresponde ao Espírito de Deus, que eternamente
procura guiar a humanidade. A elevação do coração é indicada pelas asas
abertas, e estas representam, respectivamente, desprendimento e
independência; desprendimento dos gozos mundanos e da arbitrária opinião, e
independência na consciência do Amor, da Sabedoria e do Poder de Deus.

O Crescente no coração simboliza correspondência; é o coração


correspondendo ao Espírito de Deus, que se levanta. O Crescente é o símbolo
da correspondência, porque vai ficando mais cheio, correspondendo mais e mais
ao sol. A luz, que se vê na lua crescente, é a luz do sol, e, aumentando
correspondentemente, se torna ela cheia da luz do sol. Semelhantemente, a
alma nobilitada sempre se torna uma expressão mais plena das qualidades
divinas.

A Estrela no centro do Coração representa a centelha Divina, que se reflete no


coração humano com amor, e, pela virtude do sopro Divino, pode ser soprada
até que se levante uma chama para iluminar o caminho da vida de uma pessoa.
O Objetivo do Movimento Sufi

O objetivo do Movimento Sufi é trabalhar em prol da unidade. Seu objetivo


principal é atrair a humanidade, hoje dividida em tantos setores diferentes, para
que os homens se aproximem cada vez mais e compreendam mais
profundamente a vida. É uma preparação para um serviço de âmbito mundial,
usando três caminhos principais: um dos caminhos é a compreensão filosófica
da vida, outro é estabelecer uma fraternidade entre raças, nações e crenças, e
o terceiro caminho é satisfazer a mais premente necessidade do mundo, a
religião para os dias atuais. Sua finalidade é dar à humanidade aquela religião
natural, que sempre foi a religião dela: respeitar todas as crenças, todas as
escrituras e todos os mestres. A Mensagem Sufi é um eco da eterna mensagem
divina, que sempre foi transmitida e sempre será dada ao mundo para iluminar
a humanidade. Não é uma nova religião, é a mesma mensagem dada à
humanidade. É a continuação da mesma religião antiga, que sempre existiu e
sempre existirá, uma religião que pertence a todos os mestres e a todas as
escrituras. É a continuação de todas as grandes religiões que existiram no
mundo em épocas diferentes e é uma unificação de todas elas, o que constitui e
constituiu sempre o desejo de todos os profetas.

O Movimento Sufi é composto de pessoas que possuem o mesmo ideal de servir


a Deus e à humanidade, ideal esse que impele os Sufis a devotar uma parte, ou
a vida inteira, ao serviço da humanidade, levando-a ao caminho da Verdade. O
Movimento Sufi é formado de grupos, cujos membros pertencem a todas as
religiões e, portanto, professam religiões diferentes. Todos são benvindos ao
Movimento Sufi, quer sejam Cristãos, Budistas, Parsis, Muçulmanos, etc. Não se
indaga sobre a fé ou crença de ninguém. Cada um pode continuar a frequentar
a sua igreja, a ter sua religião ou credo. Não se obriga ninguém a acreditar em
um credo ou dogma em particular. Há liberdade de pensamento. É dada uma
orientação pessoal para trilhar o caminho, quer sobre os problemas da vida
exterior, quer sobre os problemas da vida interior.

Os que fazem parte da escola esotérica do Movimento Sufi recebem, além da


orientação pessoal, ensinamentos que são transmitidos somente àqueles que
estão preparados para recebê-los. Há sutilezas de idéias, de idéias espirituais,
morais ou filosóficas, que não podem ser transmitidas imediatamente a qualquer
pessoa, mas que são transmitidas gradativamente àqueles que se mostram
suficientemente compenetrados para enveredar no caminho da Verdade.
Entretanto, todos aqueles que desejarem pesquisar a Verdade devem se lembrar
de uma coisa: o primeiro passo no caminho da Verdade é ser verdadeiro para
consigo mesmo.

O culto do Movimento Sufi é chamado “Adoração Universal”, porque nesse culto


são reverenciados todos os cultos: do Cristão, do Muçulmano, do Hebreu, do
Zoroastriano, do Budista, do Hindu. Assim, pois, quem quer a bênção de Jesus
Cristo receberá essa bênção do altar, os que procuram a bênção de Moisés
receberão a sua bênção, os que desejam a bênção de Buda também a recebem
de Buda, e assim sucessivamente, mas aqueles que procuram a bênção de
todos os grandes Profetas que vieram ao mundo em épocas diferentes, esses
recebem uma bênção global, a bênção de todos os Profetas.

O Movimento Sufi não interfere no ideal de ninguém nem na devoção que cada
um tem ao seu Mestre. Seria isso um absurdo tão grande como se pensássemos
que uma criança pode amar mais a mãe de uma outra criança do que a sua
própria mãe. Tem alguém o direito de comparar e colocar em determinado lugar
os grandes Mestres ou as Escrituras? Ninguém. Onde podemos colocar o nosso
ideal é na devoção de nosso coração ao ideal que adoramos e isso é assunto
que só a nós diz respeito. Ninguém pode interferir.

Certa vez algumas meninas brincavam e diziam: “Minha mãe é a melhor das
mães”, ao que outras retrucavam: “Não, a minha mãe é a melhor”. Todas
apresentavam argumentos, mas uma delas, que tinha mais sabedoria do que as
outras, disse: “Não é nada disso, o que é adorável é a mãe, seja ela a sua mãe
ou a minha mãe”.

Interfere o Movimento Sufi na devoção das pessoas aos seus Mestres? Nunca,
mas convida as almas a ver que a fonte e a meta de todas as sabedorias é uma
só, e que todas as bênçãos que as almas almejam vêm da mesma fonte, pois a
verdade é que existe uma só e única fonte.

Na “Adoração Universal” os Sufis colocam no altar as Escrituras de todas as


religiões enumeradas acima e colocam também velas representando essas
religiões. As diversas velas acesas significam nossa adesão aos diferentes
Mestres, religiões e escrituras, que ensinaram que existe somente uma luz,
embora existam muitas lâmpadas. Não são as lâmpadas que devem entrar
primeiramente na mente e sim a luz. É essa luz que deve ser levada em primeiro
lugar ao coração.

Jesus Cristo trouxe ao mundo o ensinamento da religião da unidade. Os


ensinamentos de Moisés e os esforços de Maomé tiveram o mesmo objetivo.
Tudo que Buda ensinou, o que Krishna pregou, pode ser resumido no seguinte:
existe uma só luz, que é a luz divina, e a direção apontada por essa luz é o
caminho que deve ser trilhado pela humanidade.
Embora o ideal Sufi seja expresso de muitas maneiras, os Sufis adoram também
o ideal do sem forma. A forma serve para ajudar os que precisam ver a forma,
pois nossa educação é baseada realmente em nomes e formas. Se não
existissem nomes e formas, não teríamos aprendido a conhecer as coisas, mas
a finalidade da forma é apenas uma questão do que está atrás da forma. É
sempre a mesma e única verdade que existe atrás de todas as religiões.
Portanto, o cerimonial do culto Sufi não deixa também de ser um ensinamento,
mas todo Sufi é livre de usar ou não usar uma forma. Um Sufi não fica limitado
a forma alguma. As formas são usadas pelo Sufi, mas as formas não o
aprisionam.

No Movimento Sufi não existe sacerdócio no sentido comum da palavra. O


sacerdócio é apenas para o cerimonial e para preencher as funções que um
sacerdote sempre exerce na vida cotidiana. Os que recebem as ordens no
Movimento Sufi são chamados Sirajs e Cherags. Não há distinção entre o
elemento masculino e feminino. A alma que se mostrar digna será ordenada.
Constitui isso um exemplo para o mundo, mostrando que em todos os lugares –
na igreja, na escola, no Parlamento ou na corte – a mulher e o homem juntos é
que contribuem para uma evolução completa. O Sufi é ao mesmo tempo um
sacerdote, um pregador, um mestre e um aluno de todas as almas que encontra
pelo mundo.

As preces Sufi Saum e Salat não são preces feitas pelo homem. São preces
enviadas do Alto, foram transmitidas da mesma forma que, em cada período de
reconstrução espiritual da humanidade, foram transmitidas as demais preces.
Essas preces têm poder e trazem bênçãos, especialmente para aqueles que
crêem.

O que representa uma prece verdadeira? Louvor a Deus. Qual é o significado da


palavra louvor? Apreço, abrir o coração cada vez mais à beleza divina
representada na manifestação. Nunca seremos bastante gratos. Devemos
ensinar às crianças e aos nossos empregados a ter apreço, não para nosso
próprio benefício, mas para que eles se beneficiem do ensinamento de que
devem dar valor e apreciar as coisas. Se isso não Ihes for ensinado, privá-lo-
emos de uma grande virtude, pois a alegria e a felicidade estão no apreço a
determinadas coisas ou certas condições. A prece treina a alma para dar maior
apreço à bondade de Deus.

A prece pode ser feita em silêncio, mas como a natureza de sensação é


psicológica, se recitarmos as palavras da prece em voz alta faremos com que
elas penetrem no Akasha do corpo, a parte etérea do corpo, e atinjam o plano
interior do nosso ser. Assim sendo, as preces repetidas em voz alta têm sobre a
alma um efeito maior do que uma prece recitada em silêncio. A prece é dada ao
homem para que se beneficie dela e não para beneficiar Deus.
A ação da prece também é psicológica, porque produz em cada átomo do nosso
corpo, imagens do pensamento que está atrás da prece. Cada átomo do corpo
reza, até as células do sangue oram. Todo ser do homem se transforma numa
prece. Assim, os movimentos que acompanham as preces têm uma ação
psicológica. A cada movimento que fazemos ao dizer as preces, segue-se uma
espécie de projeção, que fica impressa em cada átomo do nosso corpo. Nossa
circulação é afetada e todo nosso ser é afetado pela circulação, até a nossa pele.
A Tradição do Sufismo

Pir-O-Murshid Inayat Khan definiu o Sufismo como a filosofia do Amor, da


Harmonia e da Beleza. É um reconhecido caminho místico da devoção, tem
existido no Oriente há mais de um milhar de anos, mas a sua tradição pode ser
rastreada pelo menos até o tempo de Abraão, o pai de quatro grandes religiões,
e que foi ele mesmo iniciado no antigo culto religioso do Egito. A Confraria dos
Essêneos, existente ao tempo de Jesus, era indubitavelmente Sufi. No sentido
verdadeiro da palavra, o Sufismo tem existido desde o nascimento da raça
humana e todos os grandes Mensageiros, Profetas, Santos e Mestres hão sido
Sufis. Neste aspecto ideal o Senhor Buda foi mais um Sufi do que um Budista,
justamente como o Senhor Jesus foi um Sufi antes que um Cristão, porque
ambos tornaram realidade a bênção da Consciência de Deus e apontaram o
caminho dela para os outros seguirem. No seu mais profundo aspecto, o Sufismo
corresponde àquela Companhia de todas as almas iluminadas, que formam a
corporação do Mestre, o Espírito de Guia, a que se referem os Místicos Cristãos
como a Igreja Oculta, iluminada pela Luz de Cristo, que governa e dirige todas
as formas exteriores de religião. Cada época do mundo tem visto almas
iluminadas, e assim como é impossível limitar a sabedoria a nenhum período,
lugar ou povo, assim também é impossível datar ou localizar a origem do
Sufismo.
Mensagem Sufi

A Mensagem de Deus tem sido enviada à terra aonde quer que o clamor da
humanidade chegue a um certo ponto, e tem sido outorgada numa forma
apropriada às necessidades do tempo; mas, em essência, é a mesma
eternamente. “Deus fala a seus filhos através dos lábios do homem”. Seus
Mensageiros Divinos têm sido muitos, e incluem Rama, que trouxe a Mensagem
da Sabedoria; Buda com a Mensagem da Compaixão; Zoroastro deu a
Mensagem da Pureza; Moisés, a Mensagem da Lei; Cristo foi portador da
Mensagem do Sacrifício de Si Mesmo, e Maomé deu a Mensagem da Unidade.

A Mensagem da Verdade Divina surgiu para o Mundo Ocidental em 1910 com


Pir-O-Murshid Inayat Khan. Ele incorporou numa forma moderna e universal a
Essência da Verdade e Sabedoria dos Místicos Sufis do Oriente, e profetizou
que o Sufismo se tornaria a religião e Filosofia das futuras gerações. Em si
mesmo, o Sufismo não é um culto novo, posto que sua clara exposição da
Verdade Divina e da natureza imortal do homem constitui uma Revelação para
o mundo.

A mensagem Sufi é a resposta Divina ao clamor humano da hora presente por


Paz, Amor e Felicidade, e estes ele os dá pela concepção de Deus imanente,
não distante, mas presente dentro do coração de cada indivíduo.

Não traz novas teorias, ou doutrinas, para se adicionarem àquelas já existentes,


que atrapalham a mente humana. O de que o mundo precisa hoje é a mensagem
de Amor, Harmonia e Beleza, cuja ausência é a única tragédia da vida. A
Mensagem Sufi não dá uma nova lei, mas desperta na humanidade o espírito de
fraternidade, com tolerância da parte de cada um para com a religião do outro,
com perdão de cada um para a falta do outro; ensina a plenitude de pensamento
e a consideração, de maneira a criar e manter a harmonia na Vida. Ensina a
servir e ser útil, o que pode, somente, fazer frutífera a vida no mundo, e em que
reside a satisfação de cada alma.

O Movimento Sufi tem crescido rapidamente durante os ultimas anos, sendo hoje
uma organização internacional com a sua sede em Genebra.
O CAMINHO DA ILUMINAÇÃO
Sumário

O CAMINHO DA ILUMINAÇÃO

PRIMEIRA PARTE

Pensamentos Sufis

SEGUNDA PARTE

Alguns Aspectos do Sufismo:

O Objetivo da Vida

A Vida Terrena

Vocação

Nur-Zahur

Os Mestres

O Espírito da Profecia

Alguns Termos Esotéricos

Alif

Suma, a música dos Sufis

TERCEIRA PARTE

Os Sufis
O CAMINHO DA ILUMINAÇÃO

PRIMEIRA PARTE

Pensamentos Sufis

I – EXISTE UM DEUS, O ETERNO, O ÚNICO SER, NINGUÉM EXISTE SENÃO


ELE.

O Deus do Sufi é o Deus de todas as crenças, é o Deus de todos. Nomes não


fazem diferença alguma para ele. Allah, Deus, Gott, Dieu, Khuda, Brahma ou
Bhagivan, todos estes nomes e muitos outros são nomes de Deus. Entretanto,
Deus, para o Sufi, está acima da limitação que o nome encerra. O Sufi vê Deus
no sol, no fogo, no ídolo que é adorado por diversas seitas e O reconhece em
todas as formas do universo, embora saiba que Deus está acima de todas as
formas: Deus está em tudo e tudo está em Deus, Deus é o Visível e o Invisível,
o Único Ser. Para o Sufi Deus não é somente crença religiosa, Deus é também
o ideal mais alto que a mente humana pode conceber.

Esquecendo seu ego e aspirando atingir o Ideal Divino, o Sufi caminha


incessantemente, durante a vida inteira, na senda do amor e da luz. Em Deus o
Sufi vê a perfeição de todas as coisas que estão ao alcance do homem. Seu
olhar olha Deus como o amante olha sua bem-amada e aceita tudo na vida como
sendo enviado por Deus, com perfeita resignação. Para o Sufi, o nome sagrado
de Deus é como um remédio para um doente e o pensamento divino é a bússola
que governa o navio até o porto da imortalidade. O ideal de Deus, para o Sufi é
como um elevador que o transporta para a meta eterna, em cuja realização vê o
único objetivo de sua vida.

II – EXISTE UM MESTRE, O ESPÍRITO-GUIA DE TODAS AS ALMAS, QUE


CONSTANTEMENTE CONDUZ, OS QUE O SEGUEM PARA A LUZ.

O Sufi compreende que, embora Deus seja a fonte de todos os conhecimentos,


da inspiração e da orientação, o homem é o veículo escolhido por Deus para
transmitir ao mundo Seu conhecimento. Deus transmite Seu conhecimento por
meio de alguém que, aos olhos do mundo, é um homem, mas é Deus em
consciência. A alma amadurecida recebe as bênçãos do céu e Deus fala por
intermédio dessa alma. Apesar de Deus estar ocupado falando através de todas
as coisas, é preciso usar os lábios do homem para falar ao ouvido surdo de
muitos homens. Deus tem sempre assim procedido, como podemos verificar na
história da humanidade. Todos os grandes Mestres que viveram em épocas
passadas, foram esse Espírito-Guia vivendo a vida de Deus em forma humana.
Em outras palavras, a forma humana do Espírito-Guia cobria-se com roupagens
diferentes que eram usadas pela mesma pessoa. Deus em forma humana
parecia diferente em cada uma das vestes com que se cobria. Vemos de um lado
Shiva, Rama, Krishna, de outro lado Abraão, Moisés, Jesus, Maomé e outros
conhecidos e desconhecidos da história, sempre personificando o mesmo e
único Ser.

Os que viam o homem e conheciam Deus, reconheciam Deus em qualquer forma


ou aspecto exterior em que Ele se manifestava, mas os que viam apenas a
aparência não encontravam Deus na forma humana. Para o Sufi, pois, existe
apenas um Mestre, embora seja chamado por diversos nomes em vários
períodos da história e esse Mestre vem constantemente à Terra para despertar
a humanidade do sono, desta vida de ilusões, guiando o homem para a frente,
para a perfeição divina. À medida que o Sufi progride, com essa perspectiva em
mente, reconhece como mestre não só os santos como os sábios, os tolos, os
piedosos e os pecadores e jamais permite que o Mestre – que é apenas Um e o
Único Ser, que é assim e sempre será – desapareça de sua visão.

A palavra Persa para Mestre é Murshid. O Sufi reconhece o seu Murshid em


todos os seres do mundo. Está pronto a aprender do jovem e do velho, do letrado
e do iletrado, do rico e do pobre, sem fazer questão de quem recebe o
aprendizado. Começa então a ver a luz do Risalat (a tocha da Verdade)
brilhando à sua frente em cada ser e em cada coisa do universo. Desta forma vê
o Rasul (o Portador da Mensagem Divina) como uma entidade viva, à sua frente.
Tem então a visão de Deus, da divindade adorada, em Sua imanência,
manifestando-se na natureza. A vida para ele passa a ser uma perfeita
revelação, interna e externamente.

Não é por outro motivo que, aferrando-se frequentemente à personalidade do


seu Mestre particular, proclamando sua superioridade sobre os outros Mestres
e aviltando um Mestre igualmente estimado pelos outros, os homens separaram-
se uns dos outros e se guerrearam, dando origem às facções e discórdias que a
história registra entre os filhos de Deus.

O Espírito-Guia pode ser explicado da seguinte forma: assim como no homem


existe uma faculdade que o leva para a arte, a música, a poesia, a ciência,
também existe nele a faculdade espírito, ou Espírito-Guia. É mais apropriado
chamar essa faculdade de espírito, porque ela é a suprema faculdade da qual
se originam todas as outras. Assim como notamos que em cada pessoa existe
uma faculdade artística mas nem todos são artistas, que todos podem sussurrar
uma melodia, mas um entre mil é músico, também cada um de nós possui a
faculdade espírito de alguma forma e num grau limitado, mas o Espírito-Guia é
encontrado realmente entre alguns poucos da raça humana.

Um poeta Sânscrito escreveu: “As jóias são pedras, mas não são encontradas
em qualquer lugar; a árvore do sândalo é uma árvore, mas não cresce em
qualquer floresta. Assim como há muitos elefantes, mas um só é o rei dos
elefantes, também existem seres humanos em todo o universo, mas o verdadeiro
ser humano é raramente encontrado”.

Quando conseguimos elevar-nos acima dessa faculdade e meditamos sobre o


Espírito-Guia, verificamos que ele está consumado no Bodhisatva, o Mestre
Espiritual ou Mensageiro Divino. Há o ditado: “O reformador é a criança da
civilização, o profeta é seu pai.” Esse espírito sempre existiu e sempre existirá e
assim, de tempos em tempos, a Mensagem de Deus é transmitida ao homem.

III – EXISTE UM LIVRO SANTO, O SAGRADO MANUSCRITO DA NATUREZA,


A ÚNICA ESCRITURA QUE PODE ILUMINAR O LEITOR.

Muitos consideram escrituras sagradas somente certos livros ou documentos


escritos pela mão do homem e que foram cuidadosamente preservados como
sagrados para entrega à posteridade como revelação divina. Os homens lutam
e discutem sobre a autenticidade desses livros, recusando-se a aceitar qualquer
outro livro com características semelhantes. Aferram-se, assim, ao livro e
perdem o sentido do seu conteúdo, formando diversas seitas. O Sufi em todas
as eras sempre respeitou todos esses livros e encontrou no Vedanta, no
Zendavesta, na Kabala, na Bíblia, no Corão, enfim, em todas as escrituras
sagradas, a mesma Verdade que lê no incorruptível manuscrito da natureza, o
único Livro Sagrado, o modelo perfeito e vivo que ensina a lei interior da vida.
Diante do manuscrito da natureza todas as escrituras são pequenos tanques
d’água comparados com o mar.

Aos olhos do homem que sabe ver, cada folha de árvore é uma página do livro
sagrado que contém a revelação divina e ele se inspira, em todos os momentos
de sua vida na leitura constante e na compreensão da escritura sagrada da
natureza.

Quando o homem escreve, grava caracteres na rocha, na folha, no papel, na


madeira ou no aço. Quando Deus escreve, seus caracteres são as criaturas
vivas.

Quando os olhos da alma se abrem e a visão se torna penetrante, o Sufi pode


ler a lei divina no manuscrito da natureza. O que os Mestres da humanidade
ensinaram a seus discípulos foi colhido da mesma fonte. Expressaram-se muito
pouco em palavras e preservaram a verdade interior quando não mais estavam
presentes para revelá-la.
*

IV – EXISTE UMA RELIGIÃO, O INABALÁVEL PROGRESSO NA DIREÇÃO


RETILÍNEA PARA O IDEAL, QUE PREENCHE O OBJETIVO DA EXISTÊNCIA
DE TODA ALMA.

Em Sânscrito religião é chamada Dharma, que significa dever. O dever de todo


homem é religião. Diz Sá’di: “Toda alma nasce com um determinado objetivo. A
luz desse objetivo está acesa na alma”. Isso explica bem o ponto de vista do Sufi
que, com sua tolerância, deixa que cada um trilhe seu próprio caminho. Não
compara seus princípios com os dos outros e permite que todos tenham
liberdade de pensamento, já que ele próprio é um livre pensador.

Na concepção do Sufi a religião é o caminho que conduz o homem à realização


do seu ideal terreno e celestial. O pecado e a virtude, o certo e o errado, o bem
e o mal, não são a mesma coisa para todos os homens: variam de acordo com
o grau de evolução e condições de vida de cada um. Assim, o Sufi pouco se
importa com o nome da religião ou o lugar da adoração. Todos os lugares são
sagrados para adorar Deus e todas as religiões conduzem à religião de sua alma.
“Eu TE vi na Ka’ba sagrada e também TE vi no templo do ídolo”.

V – EXISTE UMA LEI DA RECIPROCIDADE, QUE PODE SER OBSERVADA


POR UMA CONSCIÊNCIA ISENTA DE EGOÍSMO ALIADA A UM SENSO DE
VIGILANTE JUSTIÇA.

O homem consome a vida na procura de tudo que lhe parece aproveitável e


absorvido no seu egoísmo, com o tempo perde o contato até com seus
verdadeiros interesses. O homem instituiu leis que lhe favorecem, pelas quais
obtém o máximo dos outros. Chama isso justiça e chama de injustiça apenas o
que os outros lhe fazem. O homem não terá uma vida pacífica e harmoniosa com
seus semelhantes se não despertar dentro de si o senso de justiça, através de
uma consciência completamente isenta de egoísmo. Assim como as autoridades
judiciárias intervêm entre duas pessoas em litígio, pois sabem que têm o direito
de intervir quando as duas partes estão cegas pelo interesse pessoal, o Poder
Todo-Poderoso intervém em todas as disputas, pequenas ou grandes.

É a lei da reciprocidade que salva o homem de se expor aos mais altos poderes
da justiça, pois um homem prudente tem menor chance de ser levado aos
tribunais. O senso de justiça é despertado numa mente perfeitamente sóbria, isto
é, em quem está livre da intoxicação da juventude, da força, do poder, da
riqueza, do comando, do berço ou posição na vida. Parece haver lucro quando
nada se dá mas se toma, ou quando se dá menos e se toma mais, mas em
ambos os casos existe na realidade um prejuízo maior que lucro, pois o lucro
assim obtido cobre com uma camada o senso íntimo de justiça. Quando grande
quantidade dessas camadas cobre a visão, o homem fica cego até diante de seu
próprio lucro. É como se permanecesse na sua luz própria. “Quem for cego na
Terra continuará cego no outro mundo”.

Embora as diversas religiões tenham leis diferentes ao ensinar ao homem como


deve agir harmoniosa e pacificamente com seus semelhantes, todas elas contêm
esta verdade: “Faça aos outros o que queres que façam a ti”. Ao receber um
favor de alguém o Sufi realça o seu valor. Ao aceitar o que lhe fazem demonstra
reconhecimento.

VI – EXISTE UMA FRATERNIDADE, A FRATERNIDADE HUMANA, QUE UNE


OS FILHOS DA TERRA INDISCRIMINADAMENTE NA PATERNIDADE DE
DEUS.

O Sufi sabe que a vida que emana do ser interior se manifesta na superfície de
várias formas. Neste mundo de multiplicidade o homem é a manifestação mais
bela, pois realiza em sua evolução a unidade do ser interior, até nas variadas
formas da vida exterior. Contudo, o homem evolui para seu ideal, o único objetivo
de sua vinda à terra, unindo-se aos outros homens.

O homem une-se aos outros homens por laços de família. É o primeiro passo na
sua evolução. No entanto, em eras passadas, as famílias lutavam entre si e
vingavam-se mutuamente por gerações inteiras, cada qual considerando sua
causa a única causa verdadeira e justa. Hoje o homem mostra que evoluiu,
porque une-se aos vizinhos e concidadãos e até mesmo desenvolve o espírito
de patriotismo para com o país onde nasceu. Mostra atualmente uma grandeza
maior que seus antepassados no que diz respeito à convivência e, todavia, foram
os homens assim unidos nacionalmente os responsáveis pela catástrofe das
guerras modernas, que serão olhadas pelas gerações vindouras à mesma luz
que hoje olhamos as famílias feudais de antigamente.

Existem compromissos raciais que cada vez mais alargam o círculo de unidade,
mas há sempre uma raça que despreza outra. Os compromissos religiosos
representam um ideal ainda mais elevado, mas surgiram deles várias seitas, que
se opuseram e se desprezaram entre si milhares de anos e foram as
responsáveis pelas separações e divisões sem fim entre os homens. O germe
da separação existe até no vasto campo da fraternidade. Embora a idéia da
fraternidade esteja disseminada, não será perfeita enquanto separar os homens.

O Sufi sabe disso e livra-se das barreiras do nacionalismo, do racismo e da


religião, unindo-se à fraternidade humana, que está isenta das diferenças e
distinções de classe, casta, credo, raça, nação ou religião e une a humanidade
na fraternidade universal.

*
VII – EXISTE UMA MORAL, O AMOR QUE BROTA DA AUTO-NEGAÇÃO E
FLORESCE EM OBRAS DE BENEFICÊNCIA.

Os Mestres ensinaram à humanidade diversos princípios morais através de


muitas tradições, princípios diferentes, mas que são gotas da mesma fonte.
Quando olhamos um curso d’água vemos que existe apenas uma corrente,
embora ela ao cair se transforme em diversas gotas. Existem muitos princípios
morais iguais a muitas gotas que caem de uma fonte, mas há somente uma
corrente, que é a fonte de tudo: o amor. Do amor nasce a esperança, a paciência,
a resignação ao sofrimento, o perdão, a tolerância, e todos os princípios morais.
Todas as obras de bondade e beneficência, a adaptabilidade, uma natureza
acomodada, mesmo a renúncia, são apenas frutos do amor. Os grandes e raros
seres de escol, que há séculos representam o ideal para o mundo, possuíam um
coração inflamado de amor. Todos os males e pecados são frutos da falta de
amor.

A voz do povo diz que o amor é cego. Na verdade o amor é a luz da visão. Os
olhos podem ver apenas a superfície; o amor pode ver muito mais fundo. A
ignorância é motivada pela falta de amor. Assim como acontece com o fogo, que
quando não se inflama faz somente fumaça e quando se inflama faz surgir a
chama que ilumina, acontece o mesmo com o coração: é cego quando ainda não
se desenvolveu, mas quando o fogo que existe dentro dele é aceso, surge a
chama que iluminará o caminho do viajante da mortalidade para a vida eterna.
Os segredos da terra e do céu são revelados ao homem que possui um coração
amoroso. O homem que ama adquire o conhecimento perfeito de si próprio e dos
outros. Não só se comunica com Deus como se une a Ele.

Escreveu Rumi, um poeta Sufi: “Um viva a ti, ó amor, doce loucura! A ti que curas
todas as nossas enfermidades! Que és o médico de nosso orgulho e do nosso
amor-próprio! Que és nosso Platão e nosso Galeno.”

VIII – EXISTE UM OBJETO DE LOUVOR, A BELEZA, QUE ELEVA O


CORAÇÃO DE SEUS ADORADORES ATRAVÉS DE TODOS OS ASPECTOS,
DO VISÍVEL AO INVISÍVEL.

Consta do Hadith: “Deus é beleza e ama a beleza”.

Uma prova dessa verdade é o homem, o herdeiro do Espírito de Deus. Tem


beleza e ama a beleza, embora o que é belo para um não é belo para outro. O
homem cultiva o senso da beleza à medida que evolui e prefere o mais alto
aspecto da beleza ao seu aspecto menos elevado. Quando, entretanto, puder
contemplar a visão suprema da beleza no invisível através de uma evolução
gradativa, oriunda do louvor da beleza do mundo visível, então toda sua
existência transformar-se-á numa única visão de beleza.
O homem adora Deus contemplando a beleza do sol, da lua, das estrelas e dos
planetas. Adora Deus nas plantas, nos animais. Reconhece Deus na beleza dos
méritos do homem e com sua perfeita visão da beleza tem encontrado a fonte
de toda a beleza no invisível, de onde tudo emana e onde tudo mergulha.

O Sufi sabendo disso adora a beleza em todos seus aspectos. Vê a face do Bem-
Amado em tudo que é visto. Vê o espírito do Bem-Amado no invisível. Assim,
sempre que olha, vê na sua frente o seu ideal de adoração. “Para qualquer lado
que eu olhe vejo Tua face sedutora, para qualquer lugar que eu me dirijo chego
à Tua morada”.

IX – EXISTE UMA VERDADE, O VERDADEIRO CONHECIMENTO DO NOSSO


SER INTERIOR E EXTERIOR, QUE É A ESSÊNCIA DE TODA SABEDORIA.

Disse Hazrat Ali: “Conheça-te a ti mesmo e conhecerás Deus”. O conhecimento


do ser floresce e resulta no conhecimento de Deus. O auto-conhecimento dá
uma resposta às seguintes perguntas: De onde vim? Eu existia antes de ter
consciência de minha existência atual? Se eu existia, em que condições existia?
Existia como um indivíduo como sou hoje, ou como uma multidão, um inseto, um
pássaro, um animal, um espírito, um djin ou um anjo? O que acontece na morte,
a cuja mudança toda criatura está sujeita? Por que fico aqui na terra durante um
certo tempo? Que objetivo devo eu alcançar aqui na terra? Qual é o meu dever
na vida? Em que consiste minha felicidade? O que torna minha vida miserável?
Os seres cujos corações foram iluminados pela luz vinda do alto, começam a
meditar sobre estes assuntos, mas os seres cujas almas já estão iluminadas pelo
conhecimento do seu eu interior, têm perfeita compreensão desses assuntos.
São essas almas iluminadas que levam aos indivíduos ou às multidões o
benefício de seu conhecimento, para que até mesmo os homens cujos corações
ainda estão apagados e cujas almas não foram ainda iluminadas, possam
palmilhar o caminho que conduz à perfeição.

É por este motivo que os ensinamentos são dados aos povos em várias línguas,
há várias formas de adoração e há princípios diferentes em várias partes do
mundo. A verdade é uma só. É sempre a mesma. É mostrada em espectos
diferentes apropriados para os povos em determinadas épocas. Só os que não
compreendem isso é que zombam da fé dos outros, condenando ao inferno ou
à destruição os que não consideram sua fé a única e verdadeira fé.

O Sufi reconhece que o conhecimento do próprio ser é a essência de todas as


religiões. Descobre isso em todas as religiões, vê a mesma verdade em cada
uma delas e considera, portanto, todas as religiões como uma só. Assim,
compreende o que Jesus quis dizer: “Eu e meu Pai somos um”. A diferença entre
a criatura e o Criador está nos lábios e não na alma. É este o significado da
expressão união com Deus. Na verdade é dissolver o falso ego no conhecimento
do verdadeiro eu, que é divino, eterno e todo-penetrante. “Aquele que alcançou
a união com Deus perdeu seu próprio eu”, disse Amir.

X – EXISTE UM CAMINHO, O ANIQUILAMENTO DO FALSO EGO NO EGO


REAL. ESSE CAMINHO LEVA O MORTAL A IMORTALIDADE, ONDE EXISTE
A PERFEIÇÃO.

“Eu me diluí no nada, desapareci e, reparem, estou bem vivo”.

Os que conhecem o segredo da vida sabem que a vida é uma só, embora tenha
dois aspectos: um, a vida imortal, toda-penetrante, a vida silenciosa; outro, a vida
mortal, ativa, que se manifesta em várias formas. Pertencendo a alma ao
primeiro aspecto, à vida imortal, ilude-se, torna-se impotente e prisioneira, ao
experimentar a vida em contato com a mente e o corpo, que pertencem ao
segundo aspecto, à vida mortal. A satisfação dos desejos do corpo e as fantasias
da mente não são suficientes para o objetivo da alma que, sem dúvida, deve
experimentar seu próprio fenômeno no visível e no invisível, embora sua
tendência é ser ela mesma e não outra coisa qualquer. Quanto à ilusão, faz a
alma sentir-se impotente, mortal e prisioneira, leva-a a sentir-se fora de seu
ambiente. Esta é a tragédia da vida, que faz do forte e do fraco, do rico e do
pobre, enfim, de todos, seres insatisfeitos à procura constantemente de algo que
não sabem o que é. O Sufi compreende isso e segue o caminho do auto-
aniquilamento. Guiado por um Mestre nesse caminho, vê no fim da jornada que
o destino era ele próprio, como disse Iqbal: “Vaguei à procura do meu próprio
ser. Fui o viajante e sou o destino”.
SEGUNDA PARTE

Alguns Aspectos do Sufismo

O OBJETIVO DA VIDA
Às vezes as almas se perguntam: “Por quê estou na terra?” Tal pergunta é feita
conforme a evolução da inteligência de cada uma. Um homem pode dizer: “Estou
na terra para comer, beber e me divertir”. Até os animais fazem isso, mas o que
mais realizou ele como ser humano? Outro homem afirma: “O importante é o
poder e posição”. É preciso que se saiba que poder e posição são transitórios.
O poder tem altos e baixos. Tudo que temos foi tirado dos outros de alguma
forma e os outros, por sua vez, estão esperando de mãos abertas se apoderar
do que possuímos.

É comum ouvir alguém dizer: “Estamos na terra para receber honrarias”. Neste
caso alguém terá que ficar em posição de inferioridade para que seja dada a
honraria que o outro procura obter, mas, por sua vez, esse homem pode ser
relegado a um plano inferior se aparecer outro candidato mais ávido de
honrarias. Podemos achar que o mais importante é sermos amados, mas é
preciso não esquecer que a nossa beleza, que faz com que alguém nos ame, é
transitória. Nossa beleza pode empalidecer quando comparada com a beleza
dos outros. Ao procurar o amor de alguém não ficamos apenas dependentes
desse amor, ficamos também desprovidos de amor. Pensar que é aconselhável
amar alguém que mereça nosso amor, é um engano, pois o objetivo do nosso
amor pode sempre nos causar desapontamentos e tal pessoa talvez nunca seja
o nosso ideal. Somos levados a supor e crer que a virtude é a única coisa de
valor na vida, mas notamos que o maior número de sofredores de alucinações
morais é encontrado entre as pessoas que consideramos justas.

Assim, pois, o único objetivo de nossa vida, se quisermos encontrar um, é


preencher com sucesso as exigências da vida. À primeira vista parece estranho
que tudo que a vida exige deva ser levado em consideração e valha a pena ser
conhecido, mas se estudarmos mais profundamente a vida, notaremos que as
exigências do nosso ser exterior são as únicas que conhecemos e ignoramos as
exigências do nosso verdadeiro ser, da nossa vida interior. Por exemplo,
sabemos que queremos boa comida e belas roupas, que desejamos conforto na
vida e todas as conveniências para que possamos nos movimentar, que
queremos honrarias, fortuna e meios que nos facilitem satisfazer nossa vaidade,
enfim, queremos tudo que no momento parecem ser as exigências da vida, mas
nada disso e nem a alegria de possuir todas essas coisas permanecem sempre
conosco. Pensamos então que era pouco o que possuíamos, que se tivéssemos
mais, quem sabe, ficaríamos satisfeitos e se tivéssemos ainda mais um pouco
teríamos o suficiente para suprir nossas necessidades. Não é exato. Mesmo que
o universo inteiro estivesse ao nosso alcance, seria impossível satisfazer
plenamente as exigências da vida. Prova isso que nossa verdadeira vida tem
exigências diferentes das exigências com as quais estamos familiarizados, que
a vida não se satisfaz somente com o prazer experimentado por nosso ser
individual, quer também o prazer de todos ao nosso redor. Não desejamos uma
paz momentânea, mas uma paz eterna. Não queremos amar o bem-amado
preso nos braços da mortalidade, precisamos de um bem-amado que esteja
constantemente ao nosso lado, não queremos ser amados apenas hoje e talvez
não ser amados amanhã. O que desejamos é flutuar no oceano do amor.

Por este motivo o Sufi procura Deus como seu amor, seu amante e seu bem-
amado, seu tesouro, sua posse, sua honra, sua alegria, sua paz. Somente
chegando até Deus, fazendo essa aquisição com perfeição, é que o Sufi supre
todas as exigências da vida tanto na terra como no mundo após a morte.

Novamente, pois, pode-se dizer que existe um objetivo acima de cada objetivo e
há um objetivo abaixo de cada objetivo e todavia não existe nenhum objetivo
acima e abaixo de todos os objetivos. A criação existe porque existe.

A vida é uma viagem de um pólo a outro. A perfeição da vida consciente é o


destino final da vida imperfeita. Em outras palavras, cada especto da vida neste
mundo de multiplicidade evolui gradativamente da imperfeição para a perfeição.
Se a evolução da vida não fosse assim por natureza, não haveria diferença entre
a vida e a morte, porque a vida na superfície nada mais é que um fenômeno do
contraste. Esta é uma outra maneira de explicar o objetivo da vida.

A VIDA TERRENA
Podemos tentar ver as coisas sob o ponto de vista de outra pessoa e também
sob nosso próprio ponto de vista, dando liberdade de pensamento a todos,
porque nos mesmos exigimos essa liberdade. Podemos tentar apreciar o que é
bom em outra pessoa e não notar nela o que consideramos um mal. Se alguém
age egoisticamente em relação aos demais, podemos achar isso muito natural,
porque o egoísmo faz parte da natureza humana. Assim não ficamos
desapontados. Se, porém, os egoístas somos nós, é preciso começarmos a nos
esforçar para perder o egoísmo. Não há nada que não possamos tolerar e não
existe ninguém a quem não podemos perdoar. Nunca duvide daqueles em quem
confia, nunca odeie os que ama, nunca derrube os que você um dia elevou em
sua estima. Faça de todos que encontrar um amigo. Faça um esforço para ser
amigo daqueles que considera pessoas difíceis. Fique indiferente a essas
pessoas somente no caso de não ser bem-sucedido em seus esforços. Nunca
tente romper uma amizade uma vez feita.

Se alguém nos fizer mal, tentemos pensar que merecemos isso de uma certa
forma, ou então que a pessoa que nos fez mal não sabe o que fez. Lembremos
que todas as almas que se elevam na vida recebem grande oposição do mundo.
Tem sido assim com todos os profetas, santos e sábios. Portanto, ninguém pode
esperar que isso não lhe aconteça. É a lei da natureza e é também o plano de
Deus em ação, preparando algo desejável. Não há ninguém superior ou inferior
a nós. Devemos ver em todas as fontes que suprem nossas necessidades uma
só fonte – Deus – única fonte. Se admiramos, reverenciamos e amamos alguém,
tenhamos em mente que fazemos isso a Deus. Devemos procurar Deus na
tristeza e na alegria. É preciso agradecer sempre a Deus. Não lamentemos o
passado nem nos preocupemos com o futuro. Tentemos apenas tirar o maior
proveito do presente. Não pensemos em fracasso, pois mesmo numa queda
encontramos sempre um degrau para subir. Para o Sufi, cair e levantar pouco
significa. Não devemos nos arrepender pelo que tivermos feito, porque
pensamos, dizemos e fazemos o que queremos. Não tenhamos medo das
consequências ao fazer o que queremos na vida, pois o que tiver que acontecer,
acontecerá.

VOCAÇÃO
Todo ser tem uma determinada vocação. Tal vocação é a luz que ilumina sua
vida. O homem que despreza sua vocação é uma lâmpada apagada. O homem
que procura sinceramente seu verdadeiro objetivo na vida, é procurado pelo
objetivo. Quando o homem se concentra na busca do seu objetivo, nota que uma
luz começa a brilhar na confusão que existe dentro de si, luz essa chamada
revelação, inspiração, ou outro nome que se lhe queira dar. A desconfiança faz
o homem errar. A sinceridade conduz o homem diretamente ao objetivo.

Cada um de nós possui seu círculo de influência, grande ou pequeno. Quantas


almas e mentes estão envolvidas em nossa esfera de influência! Quando nos
elevamos essas almas e mentes se elevam conosco; quando caímos, elas
também caem. As dimensões do campo de influência de um homem
correspondem à extensão de sua compaixão ou, podemos dizer assim,
correspondem ao tamanho de seu coração. Sua compaixão mantém sua esfera
de influência. Dando maior expansão ao coração o homem aumenta essa esfera
de influência. Retirando ou diminuindo a compaixão, sua esfera de influência se
dissolve e se dispersa. Se o homem prejudicar os que vivem e se movem dentro
do seu círculo de influência, ou os que dependem dele e de sua afeição, na certa
será prejudicado. O lugar em que mora, casa, palácio ou choupana, a satisfação
ou insatisfação com o que o rodeia, são frutos do seu próprio pensamento.
Agindo sobre seus pensamentos, os pensamentos dos que estão perto também
fazem parte de seus próprios pensamentos. Alguns pensamentos o deprimem e
o destroem, outros o encorajam e o apoiam, na mesma proporção em que ele
com sua frieza repele os que dele se aproximam ou atrai os que o procuram por
sua solidariedade.

Cada um de nós compõe a música de sua vida. Se injuriarmos, criaremos


desarmonia. Se nossa esfera estiver perturbada, ficaremos também perturbados
e a melodia da música da nossa vida será dissonante. Se contribuirmos para a
alegria dos outros e para que sintam gratidão, acrescentaremos grande mérito à
nossa vida e nos tornaremos muito mais vivos. Nossos pensamentos serão
afetados consciente ou inconscientemente e lucraremos com a alegria ou
gratidão de nossos semelhantes, nosso poder e vitalidade aumentarão e a
música de nossa vida tornar-se-á mais harmoniosa.

NUR-ZAHUR
De acordo com o ponto de vista Sufi, o universo nada mais é que uma
manifestação do Ser Divino. Na terminologia Sufi essa manifestação divina
chama-se Nur-Zahur. O Deus Supremo, abandonando Sua existência de Ser
Único e Exclusivo, caminhou, digamos assim, o mais possível em direção à
superfície. Manifestou-se na superfície através de Sua atividade. Usando Sua
vontade impulsionadora dessa atividade, desceu do céu à terra. Partindo do
estado menos consciente de Sua existência, cego e ignorando Seu ser como
ocorre com a rocha, foi pouco a pouco despertando e tomando consciência das
coisas que O rodeavam na superfície. No Corão encontramos esta mesma idéia
de que o mundo foi criado das trevas. Gradativamente, à proporção que a
jornada se desenvolve, o Ser interior chega à condição de planta, flor e fruto,
depois ao estado de verme, germe e animal, até que Ele se manifesta como
homem, o Ashraf al-Makhluqát, o senhor deste universo e o controlador dos
céus. Alcança no homem a meta final do Seu destino, quando então Se realiza
como Ser integral, o que não havia realizado até então. É como está escrito na
Bíblia: “Deus fez o homem à sua imagem”.

Diz Hazrat Ali: “O segredo de Deus pode ser estudado na Sua natureza”. O
viajante que caminha a pé, via de regra, acende sua tocha quando chega a noite.
O mesmo acontece com o Viajante Celestial. Vendo que as trevas das esferas
inferiores do Seu caminho estão deprimindo-O, acende uma tocha. A luz dessa
tocha é chamada, no Corão, de Nur-o Mohammadi. Essa tocha guiou-O na
superfície, para que pudesse distinguir com clareza e encontrar o caminho de
volta. Aos olhos do homem que sabe, essa luz – Nur – é o verdadeiro Maomé.
Foi essa luz que emitiu seus raios através de todos os Mestres da humanidade
e é conhecida como Luz-Guia.

A função dos objetos luminosos é espalhar luz à volta. Todavia, um raio de luz
vindo diretamente desses objetos luminosos iluminará mais do que a luz
espalhada em toda a volta. Notamos a mesma coisa se observarmos a luz do
sol. As almas que estavam na zona do raio da Luz-Guia, intencionalmente ou
por acaso, foram as que o mundo conheceu como os escolhidos de Deus. Viram
Deus mais cedo, ouviram Deus mais depressa, estiveram mais perto de Deus
que as outras almas. Essas almas podem ser chamadas de eleitas de Deus,
como consta da “Canção em louvor da Alma do Santo”:

Diante da alma virtuosa,


Servos de Deus e até anjos se curvam.
A seus pés de lótus, a meta tão ambicionada,
Os peregrinos cansados chegam ao fim da jornada
Para receber o perdão de seus pecados.
Assim como Deus vem ao encontro do santo e cura o homem,
Feliz é aquele em cujo coração a visão mística é revelada.

Desde a criação do homem todas as almas que estavam sob essa luz se
tornaram Mestres e vieram ao mundo umas após as outras, ligadas pelo elo de
uma corrente, que primeiramente nasce no mais íntimo do ser e depois se alarga
e se expande no universo.

Os santos, sábios e místicos, ao deixarem as esferas mais elevadas, são


atraídos por essa luz e nela procuram refúgio contra as nuvens negras da vida.
Os seres invisíveis, que flutuavam nessa luz, mesmo antes da criação do
homem, são os anjos.

A luz divina vem brilhando sobre os reinos mineral e vegetal. Neles podemos
também observar o fenômeno dessa luz, embora seu completo esplendor seja
visto somente no ser humano. Pode-se ver essa luz na inteligência evoluída e
pode ela ser observada no sistema cósmico e nos reinos mineral e vegetal. A luz
do sol brilha na lua e nos planetas. Cada estrela nada mais é que um reflexo
dessa mesma luz. Assim, todo sistema cósmico é iluminado apenas pelo sol.

No reino vegetal vemos uma pequena planta, um fruto ou uma flor espalhando
influência à sua volta, cobrindo depois de um certo tempo uma parte da floresta
com a mesma fruta doce ou com o mesmo perfume da flor.

Quando observamos com mais atenção o reino animal, vemos em alguns


animais o dom especial da inteligência. Vemos que entre os pássaros existe um
líder para cada bando. Especialmente entre os elefantes da floresta existe o
elefante sábio, que caminha à frente da manada carregando um tronco de árvore
com a tromba. Usa-o como bengala e com ele examina o caminho que pisa para
descobrir algum buraco. Faz isso não só para sua segurança como também para
proteger os companheiros. Na selva pode-se ver um grupo de macacos
obedecendo ao comando de um deles. Depois que ele pula os outros o imitam.
As raposas e os cães na selva têm entre eles um que é mais prudente e que dá
o alarma diante de qualquer perigo. Num bando de pássaros existe um pássaro
sábio e corajoso que lidera todo o bando. O mesmo acontece com muitos outros
pássaros e animais. Essa faculdade de liderança aliada à maturidade da
inteligência, preenche o objetivo da manifestação na evolução humana.

O Corão diz que o homem foi escolhido para ser o Califa de todos os seres, o
que pode ser bem compreendido se atentarmos para o fato de que todos os
seres do mundo servem ao homem, são por ele controlados, e obedecem as
suas leis, O homem usa esses seres para o fim que deseja. Além disso, é o
homem que corretamente pode ser chamado de semente de Deus, pois só no
homem é que a inteligência se desenvolve na sua forma mais perfeita, permitindo
que ele não só aprecie as obras de Deus como O adore. Ao homem é dada a
capacidade de alcançar a auto-suficiência e a consciência toda-penetrante da
vida eterna de Deus. O homem realiza sua perfeição em Deus. Deus realiza sua
perfeição no homem.

Vemos a tendência de liderança em escala menor nos pais. Qualquer que seja
seu modo de vida, desejam que os filhos se beneficiem com suas experiências,
querem que os filhos vivam dignamente. Há muitas pessoas neste mundo cheio
de egoísmo que advertem os amigos sobre o perigo de se extraviarem. Numa
comunidade é comum vermos um líder que sacrifica a vida e seu bem-estar em
benefício de seus semelhantes unindo-os numa cadeia de amor e harmonia. A
mesma qualidade de auto-sacrifício, mas num grau mais elevado de evolução,
vamos encontrar nos Mestres da humanidade, que agem como representantes
do Governo Infinito e que são conhecidos no mundo como Mensageiros. Entre
eles existem almas santas de diversas hierarquias, chamadas pelos Sufis de
Wali, Ghauth, Qutb, Nabi e Rasul.

Esses Mensageiros são diferentes em hierarquia, conforme a profundidade de


penetração no mundo invisível ou o espaço que ocupam na consciência
universal, e também de acordo com a extensão do círculo da humanidade
colocado aos seus cuidados para liderar. Nabi é o guia de uma comunidade,
Rasul é o portador de uma mensagem para toda a humanidade. Cada um tem
um determinado ciclo de tempo para trazer sua mensagem.

Podemos nos certificar disso se fizermos um estudo inteligente do cosmos. As


leis da natureza nos ensinam, e provam ao homem que sabe, a influência que
cada planeta exerce sobre as almas, quer individual quer coletivamente, como
famílias, nações e raças. Até mesmo sobre o universo inteiro notamos essa
influência. As condições de vida de cada um e de todos os seres são regidas
pela natureza do planeta sob cuja influência estão colocados. O planeta age
como um governante sobre nascimentos, mortes, altos e baixos, sobre todos os
assuntos. Se os planetas, que são reflexos do sol, têm poder sobre os assuntos
da vida exterior do homem, como deve ser imensamente maior o poder dos
homens conscientes de Deus, que são um reflexo da luz divina, de cuja luz o sol
é apenas uma simples sombra! São eles os Avatads, que os Hindus chamam
de Avatars. Estão no poder não como acontece com os reis que governam por
algum tempo apenas durante a vida na terra, permanecem no poder mesmo
depois que deixam o plano terrestre. Aquele que sabe reconhece nos Mestres
da humanidade não só os propagadores da Mensagem Divina, como também os
soberanos espirituais, os controladores do universo, durante os ciclos que são
destinados a viver na terra.

OS MESTRES
Cada um dos aspectos da vida de um indivíduo e da vida do mundo, tem seu
ciclo. Na vida do indivíduo a primeira parte corresponde do nascimento à morte,
a segunda parte da morte até a assimilação no Infinito. Os sub-ciclos da vida do
homem vão da infância à juventude, onde termina uma parte, e da juventude à
velhice, a conclusão. Há ainda outros ciclos inferiores: infância, meninice,
juventude, maturidade, senilidade. Existem ciclos de queda e elevação do
homem. Assim, existe um ciclo de vida na terra, o ciclo da criação do homem e
sua destruição, o ciclo do reinado das raças e das nações e o ciclo do tempo
como ano, mês, semana, dia e hora.

A natureza de cada um desses ciclos tem três aspectos: princípio, clímax e fim,
chamados de Uruj, Kemal e Zeval ou por exemplo a lua nova, a lua cheia e a
lua minguante; o nascer do sol, o zênite e o ocaso. Esses ciclos, sub-ciclos e
ciclos inferiores e os três aspectos de sua natureza são divididos e distinguidos
pela natureza e curso da luz. Assim como a luz do sol, da lua e dos planetas
representa a parte mais importante da vida na terra, quer individual quer
coletivamente, a luz do Espírito-Guia também divide o tempo em ciclos. Cada
ciclo está sob a influência de um determinado Mestre, que possui diversos
controladores sob suas ordens trabalhando como trabalha a hierarquia espiritual,
que controla os assuntos de todo o universo, principalmente os assuntos que
dizem respeito às condições espirituais internas do mundo. Os Mestres tem
vindo à terra em grande número desde a criação do homem. Apareceram com
nomes e formas diferentes, mas Deus estava disfarçado neles, pois Deus é o
único Mestre da eternidade.

Rejeitando o Mestre desconhecido e acreditando somente no Mestre que


conheceu, o homem viveu nas trevas por muitos séculos. Se o homem
acreditava numa determinada mensagem não aceitava uma nova mensagem
trazida por outro Mestre, que era estranho para ele. Isso causou grandes
transtornos na vida de todos os Mestres. O homem recusava-se a crer nos
Mestres e em seus ensinamentos passados e futuros, se seus nomes não
estivessem mencionados nas tradições em que ele acreditava ou se não tivesse
ouvido o nome desses Mestres nas histórias transmitidas durante séculos ao seu
povo. Assim, as pessoas da parte do universo que haviam reconhecido os
profetas Hebreus, não reconheciam, por exemplo, os Avatars como Rama e
Krishna Vishnu e Shiva, simplesmente porque não conseguiam encontrar tais
nomes em suas escrituras. O mesmo ocorria com a outra parte da humanidade,
que não incluía entre seus Devatas (divindades, encarnações divinas), Abraão,
Moisés ou Jesus, porque não encontravam seus nomes nas tradições com as
quais estavam familiarizados. Mesmo que fosse verdade que Brahma foi o
mesmo Devata a quem os Hebreus chamavam de Abraão e Cristo foi o mesmo
Mestre que os Hindus chamavam de Krishna, o homem não teria reconhecido
como a mesma pessoa aqueles a quem deram nomes diferentes, tendo um
conceito maior de um e um conceito menor de outro.

Os Mestres não eram iguais na aparência física, mas eram um só em espírito.


Se não fosse assim, como poderiam todos eles ter revelado a mesma e única
verdade? Os Mestres da humanidade foram os irmãos mais velhos a guiar os
irmãos mais moços com seu amor fraternal e por amor ao Pai. É humano ter
comiseração por nossos semelhantes quando lutam por alguma coisa que não
conseguem obter. É um prazer ajudá-los a atingir o ideal por que lutam.

Isso é bem ilustrado pela fábula de Ramachandra. Conta o Purana que certa vez
Sita, esposa de Ramachandra, estava como guardiã de Vashita Riti em
companhia de seus filhos. O filho mais moço Lahu foi visitar a cidade vizinha e
viu Kalanki, um belíssimo cavalo, galopando pela cidade sem cavaleiro. Quando
perguntou que cavalo era aquele, responderam-lhe que se tratava de um cavalo
que havia sido deixado solto e quem conseguisse agarrá-lo tornar-se-ia rei. O
jovem ficou tentado e correu atrás do cavalo para agarrá-lo. Correu durante muito
tempo e nada conseguiu. Sentiu-se frustrado por não ter conseguido agarrar o
cavalo. Quando chegava perto dele pensando que ia agarrá-lo, o cavalo
escapulia de suas mãos. Chegando ao desapontamento total, viu seu irmão que
vinha procurá-lo a pedido da mãe. Disse-lhe que não voltaria enquanto não
agarrasse o cavalo. Disse-lhe o irmão mais velho: “Não é essa a maneira de
pegar um cavalo. Ao invés de correr atrás do cavalo, corra ao encontro dele”.
Este conselho fez com que o irmão mais moço agarrasse imediatamente o
cavalo. Os dois irmãos foram à presença do pai Ramachandra, que os abraçou
e reconheceu a orientação de um e a obra do outro.

Todos os mestres que vieram à terra, ensinaram às comunidades ou grupos do


lugar onde nasceram, profetizaram a chegada do próximo Mestre e previram a
possibilidade e necessidade da continuação da Mensagem Divina até sua final
realização.
O fato dos Mestres virem sucessivamente não significa que deveriam trazer
Mensagens diferentes e sim que deveriam vir para corrigir as alterações feitas
na Mensagem anterior por seus seguidores e também com o fim de revivificar os
princípios e adaptá-los à evolução dos tempos, relembrando a mesma Verdade
à mente humana, Verdade essa que havia sido ensinada pelos Mestres
anteriores, mas que a memória dos homens havia esquecido. Não se tratava de
uma mensagem pessoal do Mestre e sim da Mensagem Divina. Os Mestres eram
obrigados a corrigir os erros cometidos, devido à má interpretação das religiões,
renovando assim a mesma Verdade trazida pelos Mestres anteriores e que, com
o passar dos tempos, havia sido desviada de seu verdadeiro caráter. Por
ignorância o homem preocupou-se em discutir sobre nomes e aparências dos
Mestres, sobre tradições, princípios e seus grupos limitados, esquecendo-se de
que são eles uma só pessoa naquilo que os une.

As mensagens são diferentes umas das outras na aparência externa. Cada


mensagem é transmitida de acordo com o grau de evolução da humanidade,
com o fim de acrescentar um capítulo especial ao curso da sabedoria divina.
Certas leis e princípios eram prescritos pelos Mestres e eram adequados ao país
onde a mensagem era difundida, ao clima, à época, aos costumes, hábitos e
necessidades.

Para poder atrair a humanidade e pudesse ela receber a Mensagem que traziam,
era necessário que os Mestres reivindicassem para si uma posição excepcional.
Alguns desses Mestres eram chamados Avatar, encarnação de Brahma, como
Vishnu, Shiva, Rama e Krishna, enquanto que outros eram chamados de
Payghambar, profeta intercessor. Seus adeptos tinham discussões tolas a
respeito da grandeza de suas pretensões, sobre o que faziam e ensinavam, ou
sobre o modo de vida que levavam, admirando e odiando ao mesmo tempo, de
acordo com suas preferências pessoais.

A Mensagem Divina sempre é enviada à terra através de almas


convenientemente dotadas. Por exemplo, no tempo em que a riqueza era
apreciada, a mensagem foi difundida pelo Rei Salomão. No tempo em que a
beleza era adorada, José, o mais elegante, difundiu a mensagem. Quando a
música era considerada celestial, David propagou a mensagem por meio de
cânticos. Quando havia curiosidade pelos milagres, Moisés trouxe a sua
mensagem. Quando o sacrifício era apreciado em alto grau, Abraão foi
encarregado de trazer a mensagem. Quando a hereditariedade era reconhecida,
Cristo trouxe a mensagem. Quando a democracia tornou-se necessária, Maomé
trouxe sua mensagem como o servo de Deus, um homem igual aos outros, que
vivia no meio de todos. Isso colocou um ponto final na necessidade de outros
profetas, devido à natureza democrática da proclamação e mensagem de
Maomé, que proclamou o la elaha ill’Allah, que significa: nada existe, somente
Deus existe”. Deus constitui todo o ser – sozinho, individual e coletivamente – e
toda alma tem dentro de si a fonte da Mensagem Divina. Por este motivo é que
não há mais necessidade da mediação de uma terceira pessoa como salvador
entre o homem e Deus. O homem já evoluiu bastante para conceber a idéia de
Deus como sendo tudo e tudo sendo Deus e tornou-se suficientemente tolerante
para crer na Mensagem Divina transmitida por uma pessoa igual a ele, sujeita a
nascer e morrer, ter alegrias e tristezas e todas as vicissitudes naturais da vida.

Todos os mestres, de Adão a Maomé, têm sido a encorporização do Mestre


ideal. Ao mencionar-se Jesus Cristo, que disse: “Eu sou Alpha e Ômega, o
princípio e o fim”, não significa que o nome ou a pessoa visível de Jesus Cristo
é Alpha e Ômega, quer dizer que o Espírito-Mestre que existe dentro de Jesus
Cristo é Alpha e Ômega. Esse espírito é que reivindicava ser Alpha e Ômega,
movido por sua realização passada, presente e futura e confiante na sua
eternidade. É o mesmo espírito que falava através de Krishna e dizia:
“Aparecemos na terra quando o dever está corrompido”. Isso foi dito muito antes
da vinda de Cristo. Durante sua absorção divina Maomé disse: “Eu existia muito
antes desta criação e continuarei a existir depois dela ser assimilada”. Consta
das tradições sagradas: “Nós te criamos de Nossa Luz e da tua luz Nós criamos
o universo”. Isso não foi dito referindo-se à pessoa física de Maomé, por cujo
nome era conhecido. Referia-se ao espírito que falava através de todos os lábios
abençoados e, todavia, continuava esse espírito sem ter forma, nome,
nascimento e morte.

Todavia o mundo cego, absorvido pelos fenômenos e impressionado com um


determinado nome e forma, aferra-se a nomes e esquece-se do ser verdadeiro.
Essa ignorância tem separado os filhos dos homens e, tem sido a causa de
muitas divisões. Afasta os homens uns dos outros pelas próprias ilusões, quando
na realidade existe uma só religião, existe um único Mestre e existe um só Deus.
O homem sempre considerou como verdadeira religião a fidelidade ao Mestre
em quem acreditava. Considerava infração à fé crer no Mestre que estava para
vir. A alegoria que se segue trata desse assunto.

O ESPÍRITO DA PROFECIA
Havia um homem que vivia com a mulher e os filhos numa pequena vila. Ouviu
uma voz que veio do fundo de sua alma. Renunciou à vida com a família e partiu
para a floresta, para uma montanha chamada Sinai, levando consigo o filho mais
velho, o único filho já crescido. As crianças que ficaram com a mãe e que tinham
uma vaga lembrança do pai, perguntavam às vezes onde ele estava, ansiosas
por vê-lo. A mãe contou-lhes que o pai havia partido há muito tempo e talvez já
tivesse morrido. Às vezes, para amenizar as saudades dos filhos, ela dizia:
“Talvez seu pai volte ou mande notícias, pois prometeu isso ao partir”. Muitas
vezes as crianças choravam pela ausência do pai, pelo seu silêncio. Quando
sentiam a falta dele, confortavam-se com a esperança “talvez ele volte para ficar
conosco como prometeu”.

Depois de algum tempo a mãe faleceu. As crianças passaram a ter tutores


encarregados de cuidar delas e de administrar os bens deixados pelos pais.
Decorridos alguns anos, quando na face lisa do irmão mais velho que partira
apareceu a barba, quando sua fisionomia alegre foi substituída por uma
expressão séria e sua bonita pele tornou-se escura pela prolongada exposição
ao sol, ele voltou ao lar. Partira com o pai coberto de grandeza e voltava pobre.
Bateu na porta. Os criados não o reconheceram e não lhe permitiram a entrada.
Sua linguagem era diferente. A longa permanência num país estranho tinha feito
com que se esquecesse de tudo. Disse às crianças: “Vinde irmãos, sois os filhos
do meu pai. Vim da parte do nosso pai que está em completa paz e feliz em seu
retiro no deserto, que me enviou para vos transmitir seu amor e sua mensagem,
para que vossas vidas possam se tornar dignas de ser vividas e que tenhais
grande felicidade ao encontrar vosso pai que vos ama intensamente”.

As crianças perguntaram: “Como é possível terdes sido enviado pelo nosso pai
que partiu há tanto tempo e nunca nos enviou qualquer notícia?”. Respondeu o
irmão: “Se vós não podeis compreender, chamai vossa mãe que poderá
explicar”. Mas a mãe havia morrido, dela só ficara a sepultura é nada mais podia
explicar. O irmão voltou a falar: “Consultai vossos tutores. Talvez possam contar-
vos, recordando o passado ou pelo que ouviram de nossa mãe, as palavras que
nosso pai proferiu sobre a minha chegada”. Os tutores tinham se tornado
negligentes, indiferentes, cegos, perfeitamente felizes com a posse de toda
aquela fortuna, desfrutando do tesouro em ouro confiado à sua guarda, usando
seu poder incontestável e tendo completo domínio sobre as crianças. O primeiro
pensamento que os tutores tiveram ao saber que o irmão havia voltado foi de
aborrecimento, mas quando o viram ficaram bastante despreocupados, pois não
viram nele nenhum vestígio do que havia sido. Como notaram que ele não tinha
poder nem riqueza e estava completamente mudado na aparência, nas roupas
que usava, enfim, em tudo, não lhe deram a mínima importância. As crianças
perguntaram ao irmão: “Com que autoridade proclamais ser o filho do nosso pai
que há tanto tempo desapareceu e é bem provável que esteja no céu?”, ao que
ele respondeu: “Eu vos amo, ó filhos do meu pai, embora não possais me
reconhecer. Se não podeis me reconhecer como vosso irmão, tomeis minhas
palavras de ajuda como se fossem as palavras de vosso pai, fazendo o bem na
vida e evitando o mal, pois todo o trabalho tem uma recompensa”.

Os irmãos mais velhos, a quem a vida já havia endurecido, não lhe deram
atenção. Os menores eram ainda muito jovens para compreender, mas os do
meio, ao escutarem as palavras do irmão mais velho, seguiram-no
tranquilamente, conquistados pelo seu magnetismo e encantados com sua
personalidade, de onde jorrava o amor.
Os tutores se alarmaram ao pensar que as crianças confiadas à sua guarda
pudessem abandoná-los e pensaram: “Algum dia, mesmo os que ficaram,
poderão ficar encantados com a magia desse homem e o controle que temos
sobre eles com a posse da riqueza que Ihes pertence, nosso conforto nesta casa,
nossa importância e dignidade, tudo isso ficará diminuído perante seus olhos e,
assim, não podemos mais deixar as coisas como estão”. Resolveram matar o
homem. Incitaram os irmãos que haviam ficado dizendo-lhes que sentiam
piedade pelos queridos irmãos que haviam se extraviado e tinham abandonado
o lar e o conforto a que estavam habituados, fazendo-lhes ver que as
reivindicações do irmão mais velho não tinham nenhum fundamento.

Procuraram o homem, prenderam-no, amarraram seus braços e pernas e


jogaram-no no mar. As crianças que o consideravam seu guia e irmão choraram
e se lamentaram. O irmão consolou-os: “Voltarei para junto de vós, ó filhos de
meu pai. Não percam as esperanças. O que vós não compreendeis por serdes
jovens vos será ensinado plenamente. Como este povo comportou-se comigo de
uma maneira tão cruel, ser-lhes-á mostrado o que acontece com os que não
deram atenção à mensagem do nosso pai trazida pelo próprio filho. Vós sereis
iluminados, ó filhos de meu pai, com a mesma luz que me trouxe aqui para vos
ajudar”.

Esse homem era exímio nadador. O mar não tinha poder para afogá-lo. Deu a
impressão de ter afundado, mas livrou as mãos e pés das cordas com que o
haviam amarrado, ergueu-se acima das águas e começou a nadar
magistralmente como havia aprendido. Partiu ao encontro do pai no deserto,
contou-lhe as experiências de sua longa jornada, demonstrou seu amor e desejo
de obedecer à vontade do pai e cumprir todos os seus mandamentos, ir
novamente ao encontro dos filhos de seu pai com redobrada força e poder, a fim
de conduzi-los ao ideal que era o único desejo do pai.

Depois de alguns anos novamente apareceu um portador da mensagem do pai.


Não insistiu em provar que era o filho do pai, mas tentou ajudar os irmãos,
guiando-os para que alcançassem o ideal prescrito pelo pai. Os tutores, que já
haviam sido importunados pelo outro homem que chegara e partira, passaram a
insultá-lo. Apedrejaram-no e afastaram-no para longe de sua presença, mas ele,
com o poder, a força e a coragem renovados, tendo acabado de chegar e
estando ainda sob a influência poderosa do pai, defendeu-se corajosamente com
a espada e o escudo e refugiou-se entre os irmãos que o tinham seguido e
simpatizado com ele na visita anterior, que lhe disseram: “Não há dúvida de que
aquele que veio antes de vós e que nossos irmãos não reconheceram e atiraram
no mar, foi enviado por nosso pai. Estávamos aguardando sua chegada, pois
prometeu voltar”. Respondeu ele: “Fui eu quem prometeu. Voltei para perto de
nosso pai e retorno agora, porque a promessa que vos fiz era de duas espécies:
“Voltarei” – disse àqueles que souberam me reconhecer apesar da roupa que
usava, diferente mas adequada àquele tempo e condições; Enviarei um outro
ou Um outro virá – disse para os que provavelmente ficaram confusos diante
de minha aparência exterior. Disse-lhes que não recusassem a palavra de
orientação enviada por nosso mui amado pai”. Suas palavras foram bem
compreendidas, mas houve relutância em reconhecê-lo como o primeiro enviado
com quem tinham se avistado e cuja volta aguardavam. Ele falava, suas obras
mostravam os sinais do pai, mas os irmãos aferravam-se à imagem do enviado
anterior e esqueciam suas palavras e esqueciam o pai.

As crianças menores, porém, que não o conheciam, sentiam que havia entre
eles um parentesco sanguíneo, pois não só seus corações não estavam
empedernidos como suas idéias não estavam muito enraizadas. Amaram-no e
reconheceram-no. Sua experiência agora era muito maior que a experiência da
vez anterior, ocasião em que os outros irmãos, insuflados e influenciados pelos
tutores, haviam lutado e se rebelado contra tudo que havia feito. Apesar de toda
resistência e sofrimento, guiou os filhos do seu pai, tantos quantos lhe foi
possível guiar, até que o nome do pai fosse novamente glorificado e seus irmãos,
direta ou indiretamente, fossem conduzidos através das complicações do mundo
e dos segredos do céu.

Esta história é uma descrição do que aconteceu na vida dos Mensageiros,


especialmente Jesus Cristo e Maomé, e as palavras Pai, Filho e Irmão são
simples metáforas. Sempre houve um Mestre e Ele será sempre o Único Mestre.
Todos os nomes combatidos pelo mundo são os nomes usados pelo Mestre e
todas as formas físicas dos seres adorados pelo mundo que buscam a Verdade,
são Suas formas. Assim, embora haja tolos que não aceitem a Mensagem,
existem os sábios que a aceitam.

ALGUNS TERMOS ESOTÉRICOS


A inteligência tem dois aspectos: o intelecto e a sabedoria.

INTELECTO é o conhecimento dos nomes e formas, de seu caráter e natureza,


adquirido no mundo exterior. Surge numa criancinha ainda no berço, quando
começa a ficar curiosa a respeito de tudo que vê. A criança armazena na mente
as diferentes formas e imagens que vê e as reconhece como complemento de
seu conhecimento da variedade das formas. Por este meio o homem recolhe na
mente o conhecimento das inúmeras formas do mundo inteiro e conserva-as.
Algumas destacam-se luminosamente, predominam e encobrem as outras. O
homem retém também as formas que lhe interessam. A natureza das formas é
a predominância de umas sobre as outras, na proporção de sua concretização
material. Quanto mais concretas forem as formas, mais luminosas parecem ser.
Assim sendo, o homem intelectual tem interesse na variedade das formas e sua
lei de mutações. Como o conhecimento é o alimento da alma, o homem
intelectual pelo menos torna-se vivamente interessado em conhecer nomes e
formas e chama a isso aprender. Aprender passa a constituir o seu mundo,
embora isso não lhe dê nunca um senso de conforto imutável, nem consiga ele
uma paz duradoura.

SABEDORIA é o contrário do conhecimento acima mencionado. O


conhecimento é iluminado pela luz interior e chega com a maturidade da alma,
quando a visão se abre para a semelhança que existe em todas as coisas e
seres e para a unidade dos nomes e formas. O sábio penetra no espírito de todas
as coisas. Vê o humano no macho e na fêmea e na origem racial que une as
nações. Vê o humano em todos os povos e a imanência divina em todas as
coisas do universo, até que a visão de todos os seres se torne para ele na visão
do Único Ser, o Deus muito belo e muito amado.

Ao dar uma definição de alguns termos usados no esoterismo, podemos dizer


que o estado consciente é o despertar da faculdade do conhecimento.
Conhecimento é aquilo que a consciência é, cônscia. Consciência é um
sentimento que nasce quando a consciência conserva à sua frente numa
balança, de um lado uma ação, e do outro lado um ideal. Inteligência é a
faculdade da consciência de agarrar e aprender, a qual por todos os meios
reconhece, distingue, percebe e concebe tudo o que existe à volta.

IGNORÂNCIA é o estado da mente quando. está na escuridão.

Quando as vibrações mentais fluem para o plano astral sem uma direção
consciente, chamam-se Imaginação. Quando têm uma direção consciente,
chamam-se Pensamento. Quando a imaginação trabalha durante o sono,
chama-se Sonho.

IMPRESSÃO é um sentimento que surge como uma reação, quando recebemos


um reflexo do mundo exterior (físico, mental ou astral).

INTUIÇÃO é uma mensagem interior, dada em forma de advertência ou


orientação, que é percebida pela mente independentemente de qualquer fonte
exterior.

INSPIRAÇÃO é o aparecimento de uma corrente vinda do fundo do coração dos


djins e que se manifesta no campo da poesia, da música, da pintura, da escultura
ou de outra arte.

VISÃO é um sonho espiritual que se assiste acordado ou adormecido. Chama-


se sonho porque o esplendor da visão dá ao vidente impressão de estar meio
adormecido, mesmo estando acordado.

REVELAÇÃO é o descobrimento do ser interior. A consciência, através da


manifestação, ao chegar à superfície, volta as costas para o mundo interior, cuja
visão assim se perde para ela, mas quando a consciência começa a olhar para
o interior, descobre o mundo invisível e Choudatabaq ou os 14 planos, que são
constituídos de 7 céus e 7 terras, são revelados. Está escrito no Corão: “O véu
será retirado dos teus olhos e tua visão tornar-se-á penetrante”.

ANIQUILAMENTO (Fanà) é a mesma coisa que perder o falso ego (Nafs), o que
novamente culmina no que se chama Vida Eterna Baqà.

ALIF (primeira letra do alfabeto árabe, que se escreve como um traço vertical).

No livro sobre a vida de Bullah Shah, o grande santo de Panjab, há uma


passagem muito instrutiva sobre os primeiros ensinamentos que recebeu
quando foi à escola com os meninos de sua idade. O professor ensinou-lhes a
primeira letra do alfabeto árabe, Alif. Os outros meninos da classe aprenderam
todo o alfabeto, enquanto Bullah Shah continuava a se aperfeiçoar na primeira
letra. Depois de algumas semanas o professor viu que o menino não se
adiantava e não passava da primeira letra Alif. Achou que era um menino
deficiente. Mandou-o de volta à casa dos pais com o seguinte bilhete: “Seu filho
é deficiente. Não posso ensinar-lhe”.

Os pais fizeram pelo filho tudo que puderam. Colocaram-no sob a direção de
vários professores, mas não fez nenhum progresso. Ficaram desapontados. Por
fim o menino fugiu de casa para não ser um fardo para a família. Foi viver na
floresta e passou a ver a manifestação do Alif na floresta; havia tomado a forma
da grama, da folha, da árvore, do galho, da fruta e da flor. O mesmo Alif
manifestava-se como montanha e como morro, como pedra e como rocha.
Presenciou o mesmo Alif como germe, pássaro e animais. Viu o Alif em si próprio
e nos outros. Pensava em um, via um, sentia um, realizava um. Nada mais que
isso.

Depois de ter aprendido bem essa lição voltou para cumprimentar seu velho
mestre, que o havia expulsado da escola. O mestre, absorvido na visão da
multiplicidade das formas, já havia esquecido aquele aluno, mas Bullah Shah
não podia esquecer seu velho professor, que lhe havia ensinado a primeira e a
mais inspirada das lições, que tinha enchido quase toda a sua vida. Curvou-se
humildemente perante o mestre e lhe disse: “Preparei a lição que vós tão
bondosamente me ensinastes. Podereis ensinar-me mais alguma coisa que
deva ser aprendida?” O professor achou graça e pensou: “Depois de tanto tempo
este simplório ainda se lembra de mim”. Bullah Shah pediu permissão para
escrever a lição e o professor zombeteiramente respondeu: “Escreva-a naquela
parede”. Bullah Shah escreveu o sinal do Alif na parede e ela se partiu ao meio.
O professor ficou atônito com o milagre assombroso e disse: “Tu és meu mestre.
O que aprendeste com a letra Alif eu nunca consegui aprender com todo meu
saber”. E Bullah Shah cantou uma canção cuja letra é a seguinte:

Amigo, abandona agora teu conhecimento,


Um Alif é tudo de que necessitas.
Sobrecarregastes minha mente ao ensinar
E enchestes teu quarto de livros.
Mas o verdadeiro conhecimento perdeu-se na busca do falso.
Assim, amigo, abandona agora a busca do teu saber.

Todas as formas parecem derivadas de outras e todos os números são derivados


da letra Alif, uma linha vertical, que originariamente foi derivada de um ponto e
representa um zero, nada. (Em árabe o zero escreve-se como ponto.) É natural
que todos nós quando escrevemos façamos um ponto logo que a pena toca o
papel. As letras que formam as palavras escondem sua origem. Da mesma
maneira a origem do Único Ser está oculta na Sua manifestação. É por este
motivo que Allah, cujo nome vem de Alif, está oculto sob Sua própria
manifestação. A mesma forma da letra Alif é o número um. Em ambos os
aspectos essa forma revela seu significado, cujo significado é visto na natureza
em várias formas e em todos os aspectos. É como escreveu Omar Khayyám:

Talvez um fio de cabelo divida o falso e o verdadeiro.


Um simples Alif seria a chave – se a pudesses encontrar – para a casa do tesouro
e, quem sabe, também para a casa do Mestre.
Minha alma falou: “Desejo o conhecimento místico.
Se estiver em teu poder, ensina-me”.
Falei eu: “Alif”.
A alma respondeu: “Não digas mais nada;
Quando se está na própria casa uma só letra basta”.

“SUMA”, A MÚSICA DOS SUFIS


Todas as pessoas que conhecem os Sufis e o Sufismo sabem que a música
representa um grande papel nas suas realizações espirituais. Uma escola Sufi
especial – Chishtis – tem grande interesse na música. Chamam a música de
Ghiza-i-ruh, o alimento da alma e ouvem o Qawwali, cânticos especiais
cantados durante a cerimônia Suma, uma assembléia contemplativa musical.
Nessa assembléia é como se existisse uma vida poderosíssima raramente
encontrada em qualquer outro lugar. A atmosfera fica carregada de magnetismo,
harmonia e paz, emitidos pelas almas iluminadas presentes à cerimônia. O
Shaikh ou o Mestre, senta-se no centro e os demais Sufis sentam-se à sua volta.
Um após o outro invocam os nomes sagrados de Deus, repetindo Suras do
Corão, alternadamente. É uma introdução para afinar os corações dos presentes
com seus próprios diapasões, corações que já estão preparados pelo Zikr, a
contemplação esotérica.
O método de contemplação dos Sufis coloca seus corações em ritmo,
regularizando até a circulação e as pulsações. Todo o mecanismo do corpo
torna-se rítmico. Quando a mente também entra em ritmo, despertada que foi
para se integrar no tom da música, todo o ser do Sufi torna-se musical. É por
este motivo que o Sufi pode se harmonizar com cada um em particular e com
todos. A música faz com que todas as coisas do mundo se tornem vivas para o
Sufi e ele próprio está vivo para tudo. Começa a compreender que a vida é uma
coisa morta para muitas pessoas e que existem seres neste mundo que estão
mortos para a vida.

Há graus diferentes de evolução e por isso os versos cantados pelo Qawwals


(cantores da cerimônia Suma) são de várias espécies. Alguns versos louvam a
beleza do ideal que os Sufis experimentam ao atingir o estágio Fana-fi-Shaikh.
Nesse estágio incluem-se os que consideram a imanência divina como o ideal,
caminhando na terra.

Há versos que falam dos altos méritos do “ideal-no-nome-e-não-na-forma”, que


atraem os que estão no estágio Fanà-fi-Rasul. Não viram o ideal, não ouviram
sua voz, mas conheceram e amaram esse ideal, o único que existe e até agora
desconhecido.

Há versos que falam do ideal acima dos nomes e formas. Os que estão no
estágio Fanà-fi-Allah são os que se integram nesses versos. Têm consciência
do seu ideal acima dos nomes e das formas, das qualidades e dos méritos, ideal
esse que não pode ser confinado no conhecimento, porque está acima de todas
as limitações. Muitas vezes o advento do ideal é expresso em versos
descrevendo a doçura da voz, a beleza do semblante, a graça dos movimentos,
o louvor, os méritos, as qualidades e os sedutores caminhos do ideal. Há
também versos que falam do amor do que ama, da sua agonia com a separação,
sua prudência na presença da bem-amada, sua humildade, seus ciúmes e
rivalidades, todas as vicissitudes naturais de um amante. É uma combinação de
poesia, música e arte. Não é uma simples canção. Cria uma visão total do reino
da música na mente do Sufi, que é capaz de visualizá-la em ambientes positivos.
Em outras palavras, o Sufi com o auxílio da música cria na imaginação sua visão
ideal.

Os cânticos Qawwali expressam a natureza do amor, do amante e da bem-


amada. Nesses cânticos a poesia do Sufi supera os poemas de amor conhecidos
do mundo, pois nessa poesia é revelado o segredo do amor, do amante e da
bem-amada, três em uma só pessoa. Afora a filosofia do ser total, pode-se notar
a delicadeza e a complexidade dos poemas Sufis, ricos de coisas convencionais
e ornados de metáforas. Hafiz, Rumi, Jami e muitos outros poetas Sufis falaram
do segredo do ser interior e exterior usando a terminologia do amor.

Os Qawwals, os cantores, cantam os versos de forma clara, para que cada


palavra seja inteligível aos participantes e para que a música não esconda a
poesia. Os que tocam a tabla, espécie de tambor Indiano, e que acompanha os
cantores, dão ênfase aos acentos e mantêm um ritmo uniforme, para que o eu
do Sufi, já afinado com a música, possa se unir ao ritmo e harmonia da música.
Nessas ocasiões o estado do Sufi se modifica. Sua natureza emocional nesses
momentos age plenamente. Sua alegria e sentimento não podem ser explicados.
As palavras são inadequadas para expressá-los. Esse estado é chamado Hál ou
Wajad, a êxtase sagrada, e é olhado com muito respeito pelas pessoas
presentes à assembléia. Wajad significa presença e Hál significa estado.

O estado de êxtase não é diferente do estado natural do homem quando se


comove ao ouvir uma palavra bondosa proferida por alguém, quando é levado
às lágrimas ao se separar de quem ama, quando parte o objeto de seus amores
ou quando se sente arrebatado com a chegada da bem-amada há tanto tempo
esperada. Em se tratando de um Sufi esse sentimento torna-se sagrado, já que
seu ideal é mais elevado.

Peregrinação é a mesma coisa que uma viagem comum. A única diferença está
no objetivo. Quando se viaja, a finalidade é mundana, enquanto que a
peregrinação é feita com um objetivo sagrado. Algumas vezes ao ouvir música,
o Sufi fica profundamente comovido, outras vezes as lágrimas dão vazão aos
seus sentimentos e muitas vezes todo o seu ser, cheio de música e alegria,
expressa-se em movimentos que, na terminologia Sufi, chama-se Raqs.

Quando o homem analisa o mundo objetivo e descobre o ser interior, sua


primeira e última lição é que toda a visão da vida é criação do amor. Sendo o
amor vida, fará com o tempo que tudo seja nele absorvido.

O homem que ama a Deus, cujo coração está cheio de devoção, é o que pode
se comunicar com Deus, não o que faz um esforço intelectual para analisar Deus.
Em outras palavras, o que ama a Deus é o que pode se comunicar com Ele, não
o que quer estudar a natureza de Deus. O eu e o tu dividem e, não obstante, o
eu e o tu constituem as condições necessárias para o amor. Embora o eu e o tu
dividam a vida em duas, o amor une os dois pela corrente que se estabelece
entre eles. Chamamos essa corrente de comunhão. Ela flui entre o homem e
Deus. Para responder às perguntas: “O que é Deus? O que é homem?” podemos
dizer que a alma, consciente de sua existência limitada é o homem. A alma
refletida pela visão do ilimitado é Deus. Em palavras mais simples: o homem
consciente de si mesmo é homem e o homem consciente do seu ideal mais
elevado é Deus. Pela comunhão entre os dois, com o tempo ambos passam a
ser um só, pois na realidade eles já são um. Entretanto, a alegria da comunhão
é ainda muito maior do que a alegria da união, pois toda a alegria da vida reside
no pensamento do eu e do tu.

Tudo que o homem considera belo, precioso e bom não se encontra


necessariamente numa coisa ou numa pessoa: é encontrado no seu ideal. O
objeto ou a pessoa fazem o homem criar na mente a beleza, o valor e a bondade.
O homem crê em Deus e faz de Deus o ideal de sua adoração para poder
comungar com alguém, ter alguém para quem possa levantar os olhos e
depositar inteira confiança. Acredita que Deus está acima deste mundo indigno
de confiança e que pode confiar na Sua misericórdia, ao ver à sua volta apenas
o egoísmo. Este é o ideal que, representado por uma pedra e colocado num altar,
chama-se ídolo de Deus. Quando o mesmo ideal é levado a um plano mais
elevado e é colocado no altar do coração, passa a ser o ideal de Deus, com
Quem o crente entra em comunhão e com cuja visão sente-se feliz, tão feliz
como pode alguém ser feliz na companhia do Rei do Universo.

Quando este ideal é transportado para um plano ainda mais elevado, penetra no
real e a verdadeira luz manifesta-se ao homem piedoso. O que já era um crente
se transforma no homem que atingiu a realização de Deus.
TERCEIRA PARTE

Os Sufis
I
O que é um Sufi? Estritamente falando, todo aquele que procura a Verdade
eterna é realmente um Sufi, quer tenha esse nome ou não. Como, porém, o
homem procura a Verdade de acordo com seu ponto de vista, frequentemente
acha difícil acreditar que os outros, tendo pontos de vista diferentes, estão
procurando a mesma Verdade e cheguem a ela embora em graus diferentes.
Este é realmente o ponto de vista do Sufi, diferente dos outros somente pelos
constantes esforços que faz para compreender que cada um, seguindo seu
próprio gênero de vida, ajusta-se ao esquema geral e por fim alcança não só seu
próprio objetivo, como o objetivo final de toda a humanidade.

Assim, cada um pode ser chamado de Sufi, quer esteja procurando compreender
a vida quer esteja disposto a acreditar que todos os demais seres humanos
também acharão e tocarão o mesmo ideal. Quando uma pessoa opõe-se ou
impede a expressão de um grande ideal e está pouco disposta a acreditar que
se unirá aos seus semelhantes, logo que tiver penetrado profunda e
suficientemente na verdadeira alma, está impedindo a si mesma realizar o
ilimitado. Todas as crenças são simplesmente graus de clareza da visão. Todas
fazem parte do mesmo oceano da verdade. Quanto mais for isso compreendido,
mais fácil será ver a verdadeira relação existente entre todas as crenças e mais
vasta será nossa visão de um e único grande oceano.

As limitações e barreiras são inevitáveis na vida humana. Formas e convenções


são naturais e necessárias, mas não há dúvida que elas dividem a humanidade.
Sábio é aquele que se comunica com todos apesar das barreiras.

Qual é a crença do Sufi em relação à vinda de um Mestre Mundial ou, como


dizem alguns, à segunda vinda de Cristo? O Sufi é livre em suas crenças e
descrenças e dá completa liberdade aos outros de ter opiniões próprias. Não há
dúvida alguma que, se um indivíduo ou uma multidão acreditarem que virá um
Mestre ou um Reformador, certamente que esse Mestre ou Reformador virá para
eles. Da mesma forma, se outros não acreditarem na sua vinda, para esses o
Mestre ou o Reformador não virá. Para os que esperam que o Mestre venha em
forma humana, um homem trará a Mensagem. Para os que esperam o Mestre
em forma feminina, uma mulher será portadora da Mensagem. Aqueles que
chamam Deus, Deus aparecerá. Os que batem às portas de Satanás, ele
responde. Há uma resposta para cada apelo. Para o Sufi o Mestre nunca está
ausente, quer venha numa forma ou milhares de formas. O Mestre é sempre um
e o mesmo para o Sufi. Ele o reconhece em tudo. Todos os Mestres que o Sufi
vê são seu único Mestre. Para um Sufi o ser interior, o ser exterior, o reino da
terra, o reino do céu, o ser total, são seu Mestre. Aproveita todos os momentos
de sua vida para adquirir conhecimentos. Para alguns o Mestre já veio e partiu,
para outros o Mestre pode ainda vir, mas para um Sufi o Mestre sempre esteve
com ele e com ele permanecerá eternamente.

Qual a posição do Sufi em relação a Cristo? A pergunta feita pelo próprio Jesus:
“O que pensais vós de Cristo?” por si só fornece a resposta. A ênfase está no
“vós”. Há tantos pensamentos sobre Cristo quantas são as pessoas que os
expressam. O Sufi não se limita a expressar esses pensamentos. Cristo é o
nome do ideal do Sufi ou Rasul, como é chamado em Árabe. Tudo que está
centralizado no Rasul está centralizado no Cristo. As duas concepções são uma
só. Todos os nomes e funções que serviram para criar uma concepção do Cristo,
do Profeta, do Sacerdote, do Rei, do Salvador, do Noivo, do Amado, são
compreendidos pelo Sufi. Pela constante meditação o Sufi realiza todos esses
aspectos do Ser único e mais além, Allah ou Deus.

II
Sobre a iniciação na Ordem Sufi, a primeira tendência do homem é querer saber
algo diferente do que é ensinado abertamente pelo mundo. Sua vontade é
procurar saber alguma coisa que não sabe bem o que é. Sabe que os opostos,
o bem e o mal, o certo e o errado, o amigo e o inimigo, não estão separados uns
dos outros como em geral se pensa.

Sente que seu coração está mais predisposto à compaixão que nunca. Seu
senso de justiça deseja julgar primeiro a si próprio antes de julgar os outros. Tudo
isso prova que o homem deve procurar um guia que o conduza através desses
caminhos desconhecidos. Principalmente depois de ter lido ou ouvido falar algo
sobre Sufismo, pensa que já é um verdadeiro Sufi, que está sintonizado com o
círculo Sufi. Sente-se então atraído para o espírito do Mestre, de cujas mãos
deve receber a iniciação. Depois de estudar os livros publicados pelo Movimento
Sufi, ou depois de falar com o Murshid (Mestre), surge nele o sentimento de que
a Mensagem é autêntica e verdadeira.

Surge então a pergunta: o que significa iniciação? Iniciação ou Bayat, em termos


Sufis, antes de mais nada tem algo a ver com o relacionamento entre o discípulo
e o Mestre. Murshid ou Mestre é o conselheiro do discípulo no caminho
espiritual. Nada dá ou ensina ao discípulo (mureed), porque não pode dar o que
o discípulo já possui e não pode ensinar o que a alma do discípulo já sabe. O
que o Murshid faz na vida do discípulo é mostrar-lhe como ele próprio pode
desimpedir o caminho que conduz à luz que existe dentro do seu ser usando
seus próprios recursos. Este é o único objetivo da vinda do homem à terra. O
objetivo da vida pode ser obtido sem um guia especial, mas tentar isso dessa
maneira é o mesmo que um navio tentasse atravessar o oceano sem uma
bússola. Receber iniciação, portanto, significa entregar-se confiante nas mãos
de um guia espiritual para assuntos espirituais.

O passo seguinte é decidir o seguinte: “se devo ter um guia, quem será ele?”
Não há um carimbo para identificar a espiritualidade, nem um selo de perfeição
estampado na testa de ninguém permitindo que se possa dizer: “Esta é a pessoa
de cujas mãos receberei iniciação”. Para constatar o mérito não podem ser
levadas em consideração nem a aparência nem as palavras. A única coisa em
que se deve confiar é na atração que a alma da pessoa exerce sobre nosso
coração. Mesmo assim é bom se convencer se é o mal atraindo a maldade que
existe dentro da pessoa, ou se é Deus atraindo o que existe de bom dentro dela.

Há três maneiras de confiar: a primeira é não confiar em alguém até que com o
tempo esse alguém prove ser digno de confiança. Os que confiam desta maneira
não tiram nenhum proveito no caminho espiritual, porque continuarão agindo
como espiões, experimentando e testando seu Mestre com os olhos focalizados
para baixo. Assim fazendo, conseguem ver apenas o ser imperfeito do Mestre e
jamais poderão ver a beleza do seu ser perfeito, que está acima e além dos
limites de sua visão.

A segunda maneira de confiar é ter confiança e continuar confiando até que a


pessoa prove ser indigna de tal confiança. Os que confiam desta forma estão em
melhores condições que os primeiros, pois a confiança que depositam torna sua
visão aguçada e são muito maiores suas perspectivas de desenvolvimento.
contanto que ao longo da jornada sejam guiados pela inteligência.

A terceira maneira de confiar é ter absoluta confiança numa pessoa e continuar


confiando até que tal confiança prove ser verdadeira. Esta é a confiança dos
devotos. São esses discípulos que fazem o Murshid. São esses adoradores que
fazem Deus. “Pela fé cria-se uma linguagem para a rocha que fala conosco como
se fosse Deus, mas quando falta fé, até Deus, o Ser Eterno, está morto como
uma rocha”. As palavras proferidas por um Murshid são tão inúteis para uma
mente incrédula como inútil é um remédio para o doente descrente.

Para ser um iniciado na Ordem Sufi, pois, é preciso ter boa vontade para
concordar com seus ensinamentos e objetivos, boa vontade para deixar de dar
importância às diferenças existentes nas várias crenças do mundo e ver em
todos os Mestres a personificação do Espírito Divino. É preciso que o candidato
não esteja seguindo outro curso de treinamento espiritual. Se já segue um
treinamento espiritual, porque ir a um outro Mestre? Seria o mesmo que navegar
em dois barcos com um pé em cada barco. Cada barco segue uma rota diferente
e embora os barcos se encontrem no fim no mesmo porto, durante o trajeto o
navegante se afoga. Ninguém deve procurar a orientação de dois Mestres ao
mesmo tempo, a menos que haja falta de paciência da parte de um ou falta de
confiança da parte do outro, devendo ainda assim ficar com o primeiro.

Os objetivos de uma pessoa ao receber iniciação de um Mestre são: realização


do seu eu interior e exterior, conhecer e comunicar-se com Deus, o Único Deus
que o mundo adora, acender o fogo do amor divino, a única coisa que tem valor,
ser capaz de ler o que está escrito no manuscrito da natureza e poder ver o
mundo invisível, aprender a se controlar, acender a tocha da alma e atear o fogo
do coração, viajar por essa existência real e alcançar nesta vida a meta que é
destino de todas as almas alcançar no fim da jornada. É melhor alcançar a meta
final no claro do que ser transportado na escuridão. “Quem for cego na terra,
cego será no outro mundo”.

Assim, pois, uma pessoa não pode ser iniciada por amor à curiosidade, para
saber o que existe numa Ordem secreta. Tal pessoa naturalmente não poderá
ver o que deseja, pois só os olhos da sinceridade podem ver. Os olhos da
curiosidade são cobertos com uma catarata de dúvidas e, portanto, já estão
cegos. Não se é iniciado também com a finalidade de obter vantagens materiais
nas ocupações. Iniciação não é um processo científico, não é invenção de um
engenheiro ou um empreendimento comercial, nem é coisa que possa ser
roubada ou algo a ser comprado. É revelação que renasce a cada instante, que
não pode jamais ser roubada por um ladrão. O único processo para se auferir
lucro é usar de retidão. Quando a luz está encoberta por uma camada de mato,
nem mesmo o Jam (o copo de bebida) do mistério, roubado do Jamsheyd, de
nada servirá senão para ser usado como um vaso para guardar terra.

Não se procura ser iniciado para alcançar a felicidade. É verdade que ninguém
obtém sabedoria sem tirar dela uma certa vantagem, pois é muito mais vantajoso
ser sábio que ignorante, mas não é para isso que se empreende a jornada.
Todavia, à proporção que o Sufi progride no caminho espiritual, sente uma paz
maravilhosa que, inevitavelmente, vem da presença constante de Deus.

Muitas pessoas que professam crenças e fés diferentes, têm escrito sobre a
prática da presença de Deus e todos falaram da felicidade que tiveram na Sua
presença. Assim, não será surpresa se também o Sufi, se quiser falar nisso, dê
seu testemunho de gozar de idêntica felicidade. O Sufi não reivindica para si
maior felicidade que para seus semelhantes, porque é um ser humano e está
sujeito a todas as fraquezas da espécie humana. No entanto, os outros podem
avaliar sua felicidade melhor que suas palavras poderiam expressar. A felicidade
experimentada com a presença de Deus não tem paralelo no mundo, por mais
precioso que seja o que possuímos. Todos que experimentam tal felicidade
afirmam a mesma coisa.
Quem tem princípios muito enraizados e não quer abandoná-los não deve
receber iniciação. Deve descobrir que os alicerces que construiu não
correspondem ao edifício a ser agora erigido sobre esses alicerces. Esse tipo de
pessoa é a que gosta de ir de um mestre a outro, de um método a outro, e nunca
será capaz de obter aquilo que só pode ser obtido pela constância. Os que
querem ensinar enquanto estão aprendendo, não devem se colocar no lugar de
discípulos, devem vir como mestres.

Há condições impostas a um candidato à iniciação? Não é preciso ter medo de


receber a iniciação, pensando que está assumindo algo que não será capaz de
cumprir. É apenas uma questão de foro íntimo se não quiser progredir além de
um certo ponto. O que acontece quando alguém é iniciado é que passa a ser,
desde o momento que recebe a iniciação um irmão de todos os membros do
Movimento Sufi, de todos os outros Sufis que estão fora do Movimento, de todos
que conhecem a Verdade, quer se considerem ou não Sufis, e de todos os seres
humanos, sem distinção de casta, credo, raça, nação ou religião. O iniciado
passa a ser o companheiro de todas as almas iluminadas dos Sufis que vivem
na terra e dos que partiram para o outro lado da vida. O iniciado, pois, fica ligado
à cadeia dos Murshids (Mestres) e Profetas, ficando em condições de receber
a luz que circula através dessa corrente, através da cadeia dos Mestres e é o
confidente do Murshid e da Ordem. O iniciado, portanto, assume no seu coração
o compromisso de usar, com o máximo de sua habilidade, todos os
ensinamentos e práticas Sufis que lhe forem transmitidos, não fazendo uso deles
para fins egoísticos. Esses ensinamentos têm se mantido secretos há milhares
de anos. Sendo assim, por que deveriam sair da Ordem Sufi sem autorização do
Pir-O-Murshid?

A seguinte pergunta pode ser feita: “Por que o segredo sobre esses
ensinamentos? Se são verdadeiros, por que não divulgá-los? Tal atitude pode
dar a impressão de que o segredo está sujeito a censuras”. A resposta,
entretanto, é multo simples: há necessidade de se manter um certo segredo,
pois, se não fosse assim, algumas concepções Sufi poderiam facilmente ser mal
compreendidas e mal-usadas ao serem transmitidas ao público em geral. O
discípulo zeloso não falará nelas sem levar na devida consideração o auditório.
Outro ponto é que, quando um mestre não depende absolutamente de seus
discípulos, prefere selecioná-los. Se alguém quiser aprender com o melhor
professor de violino, procurará um virtuose famoso, mas talvez o violinista não
se interesse em perder tempo com tal aluno. Talvez se interessasse se tivesse
certeza que o aluno iria cumprir fielmente tudo que lhe fosse recomendado e
chegasse ao ponto em que chegou o próprio professor. Qualquer instrução que
transmitisse ao aluno deveria naturalmente ser mantida em segredo. Seria um
assunto pessoal. O aluno poderia transmiti-la aos seus futuros alunos mais tarde,
mas não poderia mandar imprimi-la e fazê-la circular indiscriminadamente. O
segredo nada mais é que isso. Pode-se também dizer que cada escola, ao dar
uma instrução especial e individual ao iniciado, confia em que haverá
consideração da parte do que aprende, em retribuição à pessoa que o ensinou.
Todos os ensinamentos podem ser mal interpretados e desvirtuados, dando a
impressão de serem ridículos. Fazer isso com os ensinamentos Sufis, consciente
ou inadvertidamente, não ajudará o discípulo, absolutamente. Um determinado
remédio pode ser bom para um doente em certa ocasião, mas não quer dizer
que deva ser usado por todos os doentes. Não seria vantajoso para ninguém se
tal remédio fosse aconselhado indiscriminadamente. Se houvesse necessidade
de dizer a composição desse remédio, o médico não deixaria de dar tal
informação.

Quando há necessidade de explicar os ensinamentos Sufis o Murshid explica-


os. Nos livros publicados pelo Movimento Sufi constam muitos desses
ensinamentos. Não se pode dizer, pois, que esses ensinamentos são mantidos
em segredo completo. Os pensamentos mais íntimos, aos quais o Sufi está
acostumado, naturalmente não são divulgados indiscriminadamente, da mesma
forma que uma pessoa não fala de seus assuntos particulares com estranhos.

A fruta precisa ter um certo grau de amadurecimento para se tornar doce ao


paladar. Também a alma precisa ter um certo desenvolvimento antes de usar a
sabedoria com sabedoria. O possuidor de uma alma evoluída mostra a fragrância
de sua alma na atmosfera que o rodeia, na cor, na expressão da fisionomia e na
doçura da personalidade, como a flor, que espalha seu perfume à volta, e a fruta,
que, quando está madura, modifica a cor e se torna doce.

Como é natural, muitos perguntam: “Por que razão os que estão acordados não
despertam do sono da confusão os povos da terra?” A resposta é a seguinte:
não é aconselhável que crianças pequeninas, cuja felicidade é cochilar, sejam
acordadas. O crescimento delas depende do sono. Se ficarem muito tempo
acordadas adoecem e não serão tão úteis no lidar com os assuntos da vida
quando crescerem. Quando pequeninas as crianças precisam de mais sono e
devem dormir. Tal é a natureza das almas imaturas: são crianças, embora
estejam em corpos de velhos. Suas fantasias, alegrias e encantos relacionam-
se com coisas sem importância na vida, assim como a vida das crianças é
absorvida por doces e brinquedos. Portanto, os que estão acordados caminham
vagarosa e suavemente, com medo que seus passos possam perturbar o cochilo
dos que dormem. Acordam somente, enquanto caminham, os que encontram
agitando-se no leito. A estes, os viajantes do caminho espiritual estendem a mão
silenciosamente. É por este motivo que o caminho espiritual é chamado de
caminho místico. Não é indelicado acordar alguns e deixar muitos adormecidos,
mas é grande bondade deixar cochilar aqueles que precisam dormir.

Durante o período de aprendizagem o iniciado deve evitar fazer coisas


prodigiosas, pretender mostrar que sabe ou possui algum poder extraordinário e
pouco familiar aos seus semelhantes, expulsar demônios, comunicar-se com
espíritos, interpretar o caráter das pessoas, ler a sorte, demonstrar que sabe
muito mais que os outros, ao conversar sobre assuntos espirituais e desejar
aprovação. Deve também ser evitado: a beatice, o excesso de retidão, ensinar e
aconselhar os outros antes de aprender a conhecer-se a si mesmo, o que é tão
perigoso como dar a uma outra pessoa um remédio que o médico prescreveu
para ele próprio.

Enquanto for um discípulo, deve manter o hábito da disciplina, o que faz do aluno
o discípulo ideal. A auto-negação é a principal religião. Só é aprendida pela
disciplina. É tão necessária no caminho do discípulo, como é para o soldado no
campo de batalha. Quando não há disciplina, o discípulo resiste justamente ao
que deseja aniquilar ao receber iniciação. “Ser mestre está no servir. Somente o
que serve é que pode se tornar mestre”.

Deve também o discípulo ter uma atitude respeitosa para com seu Mestre, não
com o intuito de elevar a dignidade do Mestre aos seus próprios olhos ou aos
olhos dos outros. O intuito é aprender a ter uma atitude respeitosa para com
quem a merece. O discípulo então pode desenvolver, em sua natureza, o mesmo
respeito por todos, como uma garotinha que aprende a lição da maternidade ao
brincar com bonecas. Respeitar os outros significa tirar de si uma excessiva
vaidade, vaidade essa que constitui um véu entre o homem e Deus.

Durante b período de aprendizagem o iniciado deve usar a sobriedade, ter a


mente uniforme, disposição para a seriedade, regularidade em tudo, ser assíduo,
ter desejo de solidão, comportamento reservado, maneiras simples, vida pura e
meditações espirituais diárias e ininterruptas.

O Sufi é o estudante de dois mundos: do mundo interior e do mundo exterior. O


mundo interior equivale ao que popularmente se chama outro mundo, devido à
crença bastante difundida a respeito do fator tempo, considerado o fator mais
importante da vida, de que vivemos uma vida hoje e viveremos outra vida em
outra época. O Sufi sabe que não é assim. O mundo exterior tem dois aspectos:
o mundo social, no qual estamos vivendo, e o mundo maior, que é o tema da
história, passado, presente ou profético. Só o discípulo pode entrar no Seu
mundo interior, embora possa aprender muita coisa sobre esse mundo com o
esoterismo, uma matéria que também tem dois aspectos: as forças da mente e
da luz divina. A força da luz divina é a verdadeira meta da investigação Sufi, é
seu Shekinah, seu Santíssimo, seu Santuário.

III
É o Sufismo uma religião? Deve ter ficado claro, pela explicação anterior, que a
religião do Sufi não se separa das religiões existentes no mundo. Os povos
sempre discutiram em vão sobre nomes e vidas de seus Salvadores, ao invés
de se unirem na Verdade que Ihes é ensinada. Vestígios da Verdade podem ser
encontrados em todas as religiões, mesmo se uma Comunidade chamar a outra
de pagã, infiel ou bárbara. Há indivíduos que alegam que as escrituras de sua
religião são as únicas verdadeiras, o lugar de adoração de seu povo a única
morada de Deus. Sufismo é um nome dado a uma certa filosofia por aqueles que
não aceitam a filosofia. Não pode, pois, ser chamado de religião. Encerra uma
religião, mas não é propriamente uma religião. Sufismo é religião; se alguém
quiser aprender religião, mas está acima da religião, pois é a luz, o sustento de
todas as almas e eleva o ser mortal à imortalidade.

Como se apresentam as coisas atualmente, cada um afirma que sua religião é a


melhor. Tem assim sua própria religião. O Sufi tem grande tolerância com todas
as religiões. Considera todas as religiões sua religião. Sendo assim, o Sufi não
pertence a uma religião porque todas as religiões são sua religião. Vê as religiões
como vê as diversas classes existentes numa escola: alguns alunos estão numa
classe e outros em classes mais adiantadas, isto é, estudam mais
profundamente a vida. Em todas as classes há estudantes que estudam e
estudantes que gostam de brincar.

Dizer: “Não pertences à minha religião e só minha religião é verdadeira”, é o


mesmo que dizer: “Não és um advogado, um comerciante, um intelectual. Tua
maneira de viver é falsa, deves ser o que eu sou”. Dizer: “Todos que pertencem
à minha religião serão salvos”, é como dizer. “Todo advogado, todo comerciante,
todo intelectual (conforme o caso) é sério e executa suas funções de maneira
perfeita”. Muitos falam em Cristãos no nome e em Cristãos verdadeiros. É
apenas outra maneira de dizer que alguns levam a sério suas obrigações e
outros levianamente.

É Sufismo uma crença? O que se quer dizer com a palavra crença? Faz parte
da natureza da mente humana crer. Descrer acontece depois. Nenhum
descrente nasceu incrédulo. Se uma alma não tivesse crença desde que nasceu,
jamais teria conseguido aprender a falar. Todo conhecimento do homem foi
adquirido através da crença. Quando a crença se fortalece pelo conhecimento,
o homem começa a descrer das coisas que não se ajustam ao seu conhecimento
e das coisas que não se ajustam ao seu conhecimento e das coisas que sua
razão não pode justificar. Deixa então de acreditar nas coisas em que acreditou
um dia. Um descrente é aquele que trocou sua crença pela descrença. A
descrença frequentemente obscurece a alma, mas muitas vezes a ilumina. Há
um ditado Persa: “Até que a crença se transforme em descrença e a descrença
novamente se transforme em crença, um homem não é um verdadeiro
Muçulmano. Quando, porém, a descrença se transforma num muro e se antepõe
a uma maior penetração da mente na vida, aí então a descrença escurece a
alma, pois não há mais oportunidade para um maior progresso. O orgulho e a
satisfação do homem pelo que sabe limita o campo de sua visão”.
Um constante por quê? ergue-se na mente do homem inteligente. Quando esse
por quê? recebe uma resposta da vida que o satisfaça, o homem progride cada
vez mais e penetra em todos os diferentes planos da vida. Quando, porém, esse
por quê? não recebe uma resposta satisfatória da vida, surgem a dúvida, a
consternação e o descontentamento, que resultam em confusão, perturbação e
desespero. Às vezes é pior a crença que a descrença. Isto acontece quando o
homem, escudado em sua fé, impede seu próprio progresso, não permitindo que
sua mente vá além da pesquisa da vida, recusando orientação e conselhos dos
outros porque só deseja preservar sua crença. É assim que uma crença
preservada como uma virtude, transforma-se no maior dos pecados. Pela prática
e com o tempo tanto a crença como a descrença se transformam em tendências
naturais. O indivíduo propenso à crença cria o hábito de acreditar em todas as
coisas e em tudo. O descrente, com o tempo, tende a descrer de tudo, o certo e
o errado. Temperamento otimista é o da pessoa que crê. O pessimismo, via de
regra, faz parte da natureza do incrédulo. Os Profetas sempre prometeram uma
recompensa aos que crêem e ameaçaram os incrédulos com um castigo, porque
só na vida de um crente há possibilidade de iluminação espiritual. O descrente
cobre a alma com sua própria descrença.

A tendência dos Sufis é reconhecer 4 estágios da crença:

IMAN-E MUHMIL – quando alguém acredita numa coisa em que os outros


acreditam. Embora forte a sua crença, se os que o rodeiam mudam de crença,
também muda a sua.

IMAN-E KAMIL – o estágio seguinte. É a crença do idealista que tem fé nas


escrituras de sua religião e no seu Salvador. Acredita porque está registrado nas
escrituras ou foi ensinado pelo Salvador. Sua crença, portanto, não se modificará
com o tempo, mas pode vacilar se, por qualquer motivo, a razão despertar em
sua alma. Sua crença pode até ficar obscurecida, como a luz de uma vela se
torna obscurecida quando nasce o sol. Quando nasce o sol da inteligência, ele
rompe e espalha as nuvens da emoção e da devoção criadas pela crença.

HAQ AL-IMAN – o terceiro estágio da crença. Quando o homem crê porque a


razão lhe permite crer. Esse homem viaja pela vida com uma tocha na mão. Sua
crença é baseada na razão e não pode ser extirpada a não ser por uma razão
ainda maior, pois só o diamante corta outro diamante e só a razão subjuga a
razão.

AIN AL-IMAN – o quarto estágio, é uma crença de convicção. Não só a razão,


mas cada parte do ser humano, ficam convencidos e têm certeza da verdade
das coisas. Nada na terra poderá modificar tal crença. Se alguém disser a quem
tem essa crença: “Não atravesse neste lugar, há água aqui” dirá: “Não é água, é
terra. Posso ver por mim mesmo”. É como se visse com os olhos tudo em que
acredita. É a crença do vidente, cujo conhecimento é sua testemunha ocular.
Sua crença, portanto, durará eternamente. Como é natural, à medida que a alma
evolui de estágio em estágio, rompe com a crença primitiva e adota a última.
Esse rompimento da crença é chamado pelos Sufis de Tark, que significa
abandono do ideal humano, abandono do ideal celestial, abandono do ideal
divino e até o abandono do abandono. Isso leva o vidente às plagas da Última
Verdade.

“Verdade é uma coisa em que não se pode falar plenamente. Aquilo em que se
pode falar não é precisamente a Verdade”.

O Sufismo é Muçulmano? O Sufi é um Maometano? Quando alguém se une a


uma comunidade Sufi está se associando aos Muçulmanos? Um Sufi é um
seguidor do Islã? A palavra Islã quer dizer paz. É a palavra Árabe para paz. Paz
na língua Hebráica é Salem (jeru-salem). A paz e o estabelecimento da paz em
toda a parte, é o objetivo do mundo.

Mas, se seguir o Islamismo significa aderir obrigatoriamente a um determinado


rito, se ser um Maometano significa conformar-se com certas restrições, como
pode o Sufi ser incluído nessa categoria quando se coloca acima das limitações
desse tipo? Por não seguir o Corão não significa que o Sufi não concorde com
ele. O Sufi reconhece escrituras que outros desprezam, mas não segue nenhum
livro especial. Os homens brilhantes como Attar, Shams-e Tabrèz, Rumi, Sa’di e
Hafiz, expressaram seus pensamentos com completa liberdade de linguagem.
Para um Sufi a revelação é a qualidade inata de todas as almas. Há um
incessante fluxo da corrente divina que não tem começo nem fim.

Qual a posição do Sufismo em relação ao Cristianismo? O Sufi reserva um lugar


na sua compreensão para abrigar todos os ensinamentos contidos na Fé Cristã
e não pode haver nenhum antagonismo na mente de quem compreende. A obra
dos místicos Cristãos prova a intensidade de suas pesquisas e sua devoção ao
Bem-Amado. E só existe um Bem-Amado. Na devoção ao Sagrado Coração
encontramos um elo com a filosofia Sufi, que reconhece e pratica essa devoção
no seu sentido mais verdadeiro.

Sufismo é misticismo? Embora o verde seja considerado a cor da Irlanda, não


se pode dizer que o verde pertença exclusivamente ao povo Irlandês. Todos
podem usar o verde, cor que se vê em todo o universo. Assim, os místicos do
Islã eram chamados Sufis, mas o Sufismo, a sabedoria divina, destina-se a
todos. Não é limitada a determinadas pessoas. O Sufismo existe desde o
primeiro dia da criação. Continuará a ser difundido e existirá até o fim do mundo.
Sufismo é misticismo se alguém quiser ser guiado por ele no desdobramento da
alma, mas paira acima do misticismo.

Sufismo é teosofia? Os Sufis não se fixam em crenças e descrenças. O único


sustento da alma do Sufi é a Luz Divina e através dessa luz vê claramente seu
caminho. Crê no que vê com essa luz. Não crê cegamente no que não vê. No
entanto os Sufis não interferem na crença ou descrença de seus semelhantes,
pois pensam que talvez uma parcela maior de luz tenha iluminado o coração de
uma pessoa. Por isso ela vê e crê no que o Sufi não pode ver ou crer. Pensam
que talvez uma parcela menor de luz fez com que a visão dessa pessoa ficasse
nublada e não pode ver e crer no que o Sufi vê e crê. Assim, pois, os Sufis
entendem que crença e descrença dependem do grau de evolução de cada alma
individualmente. O trabalho do Murshid é acender o fogo existente no coração
e a tocha da alma de seus discípulos, dando liberdade para que escolham suas
crenças e descrenças enquanto percorrem o caminho da evolução. No fim,
contudo, todos acabam tendo a mesma crença Huma man am, isto é, “Eu sou
tudo que existe”. Todas as outras crenças nada mais foram que uma preparação
para essa convicção final que, na terminologia Sufi, chama-se Haq al-Iman.

Se a palavra teosofia for considerada como significativa de certas crenças e


descrenças rígidas, há uma diferença com o Sufismo. Crenças e descrenças são
a causa de sectarismos, tornando os homens cegos ante a visão da unidade da
existência em todos os seus aspectos. Havendo qualquer restrição ao
pensamento, deixa de ser Sufismo.

Sufismo é uma escola de pensamento? A sabedoria não se restringe a um ponto


geográfico no mapa como um país, uma cidade, um edifício ou um local de
reuniões. Sufismo não pode ser corretamente descrito como uma escola de
pensamentos se isso significa instruir pessoas sobre uma determinada doutrina.
Pode corretamente ser chamado de escola de pensamentos no sentido de que,
através do Sufismo, aprende-se sabedoria, da mesma forma que numa escola
aprende-se uma outra espécie de sabedoria. O Sufismo está acima da filosofia.

IV
Com respeito à atitude do Sufi sobre o certo e o errado – concepções criadas
pelo homem – pode-se perguntar se o que fazemos tem importância.

A resposta é a seguinte: tem importância para os que se importam e não tem


importância para os que não se importam. Neste particular, se o Sufi tem algo a
dizer ao seguidor do Sufismo é que evite fazer o que o impede de cumprir o
objetivo de sua vida interior e exterior; que não aja contra seu ideal, porque isso
nunca lhe trará benefícios. Não se sentirá satisfeito consigo mesmo e a
desarmonia no seu ser interior e exterior impedirá que tenha paz, seu maior
desejo. Sem paz a vida se torna infeliz. Correto é o caminho reto que a alma
tende a tomar na vida. Quando o homem se desvia, abandonando o caminho
reto na vida, por negligência ou ignorância, por fraqueza ou tentação, podemos
dizer que está errado.

O que é o bem e o mal? Há duas respostas para essa pergunta. A primeira é:


bem é o que você considera bom e cujo efeito lhe é agradável tanto no início
como no fim. Mal é o que você considera mau e cujo efeito lhe é desagradável
tanto no início como no fim. Se o bem e o mal não têm efeito agradável ou
desagradável a princípio, ou têm efeito contrário no início, se realmente são
agradáveis ou desagradáveis aparecerá no fim. A segunda resposta é: tudo que
parece bom ou ruim são extremidades. opostas de uma linha e é difícil dizer onde
acaba o mal e começa o bem, pois o mal e o bem são termos de comparação.
Um bem menor parece um mal, quando comparado com o bem maior. Um mal
menor, em comparação com o mal maior, parece o bem. Se o mal não existisse,
o bem não teria valor. Se não houvesse a injustiça, a justiça não seria apreciada.
Assim, também, a plenitude da alegria da vida é expressa pela dualidade.

Por que existe tanto sofrimento na vida quando Deus é descrito como
misericordioso? Se Deus fosse um ser separado do homem e se Ele se
regozijasse com o sofrimento humano, poderia ser culpado mas, na
compreensão do Sufi, Deus é o sofredor e é o sofrimento e no entanto está acima
de todos os sofrimentos. Isso pode ser compreendido não apenas acreditando
em Deus, mas conhecendo-O. Suponhamos que suas mãos deixassem cair um
enorme peso nos seus pés e os ferisse. Suas mãos seriam culpadas? Não, pois
elas compartilhariam da dor que você sentiria nos pés. Embora seus pés é que
pareceriam estar machucados, todo seu ser também sofreria. Na realidade todo
o seu ser estaria ferido e as mãos compartilhariam da dor dos pés. Assim
acontece com Deus. Nossa verdadeira vida é Deus e Ele não está isento do
sentimento de alegria ou de dor que nós temos. Na verdade Deus sente o que
imaginamos sentir. Não obstante, o Ser Perfeito de Deus coloca-O acima das
alegrias e sofrimentos da terra. Nossa imperfeição nos impõe limitações e,
portanto, ficamos sujeitos a alegrias e sofrimentos, por menor que sejam.

De acordo com as idéias Sufis, a diferença entre o pecado e a virtude é igual à


diferença entre o bem e o mal. São termos comparativos. A virtude menor
comparada com a virtude maior parece pecado. O pecado menor comparado
com o pecado maior é considerado virtude. A tendência da alma é fazer o bem.
Só quando a alma se sente impotente sob o jugo do ser inferior é que se inclina
para o mal.

Podemos ainda dizer que o pecado e a virtude são padrões do bem e do mal,
criados pelos Mestres das religiões. Os padrões da moral mantêm a ordem no
mundo. A destruição da ordem é a causa do declínio da religião. É a responsável
pelas guerras, fome e catástrofes. A fim de manter a ordem, Mensageiros vêm à
terra de tempos em tempos, controladores espirituais são enviados para diversos
pontos do universo.

Pode-se perguntar: “Por que palmilhar o caminho da retidão e da piedade, por


que o Senhor gasta sua vida ensinando e pregando à humanidade?” É muito
natural. Todo coração amoroso e iluminado almeja ver os outros partilhar de sua
visão de glória. Por outro lado, parece que há certas pessoas que se sentem
felizes em pecar. Não há então nenhuma restrição a ser imposta ao pecado? A
resposta e: o pecado nunca pode fazer ninguém feliz. Mesmo se houvesse
prazer em pecar no instante em que se está pecando, o pecado repercutiria.
Essa repercussão de uma nota falsa soaria mal e nunca seria agradável ao
ouvido musical. Se uma pessoa realmente se sentisse feliz com seu pecado,
contentar-se-ia e acharia que ele era realmente uma virtude. Para nós o ato
dessa pessoa é pecaminoso unicamente porque o julgamos pelo nosso ponto de
vista. Assim sendo, o Sufi segue seu próprio caminho e se abstém de julgar os
outros.

Se existe apenas uma diferença de comparação entre o bem e o mal, o pecado


e a virtude, por que deve haver um castigo para o mal e uma recompensa para
o bem? O efeito do bem é a recompensa do bem. O efeito do mal é o castigo do
mal. Devido à nossa visão limitada talvez atribuímos esses efeitos a uma terceira
pessoa, a um ideal divino. Como explicar então a crença do ortodoxo que afirma
que se uma pessoa não pedir perdão antes de morrer, seus pecados não serão
perdoados por Deus? Parece difícil acreditar que uma pessoa, que levou toda
vida pecando, possa ser perdoada mediante um simples pedido feito na hora da
morte. A explicação é a seguinte: é absolutamente certo que uma vida inteira de
pecados pode ser perdoada pela Misericórdia Divina num segundo, assim como
uma solução química pode tirar rapidamente manchas de muitos anos existentes
na superfície de uma rocha. A verdadeira questão está no pedido: se é feito com
sinceridade. Não é um assunto tão fácil como parece ser. E um assunto que diz
respeito à Misericórdia Divina. Se uma pessoa continua a cometer pecados, a
cada pecado perde a crença no julgamento do Ser Divino e no Seu poder.
Portanto, essa pessoa plantou a semente da descrença no próprio coração. A
planta cresceu regada pelos pecados que cometeu. Assim sendo, como é
possível tal pessoa, de um momento para outro, ter uma crença suficientemente
forte para acreditar na Misericórdia Divina? Para ela a coisa mais simples se
transforma na coisa mais difícil.

Por esta razão é que os Mestres da humanidade ensinam ao homem a fé, como
primeira lição da religião. Os que são perdoados pelos pecados da vida inteira,
os que sempre acreditaram que a qualquer momento a morte poderia chegar e
se abstiverem de fazer qualquer coisa que não estivesse de acordo com o prazer
do Senhor, mas que, devido a imperfeição humana, falharam em agir
corretamente – foram esses os que mais ardentemente pediram o perdão de
Deus.
A LINGUAGEM CÓSMICA
sumário

A LINGUAGEM CÓSMICA

I – Vozes

II – Vozes (continuação)

III – Impressões

IV – O Magnetismo dos Seres e Objetos

V – A Influência das Obras de Arte

VI – A Vida do Pensamento

VII – Pensamento e Imaginação

VIII – Memória

IX – Vontade

X – Razão

XI – O Ego

XII – Mente e Coração

XIII – Intuição

XIV – Inspiração
CAPÍTULO I

Das Vozes

A manifestação em todos os seus aspectos é um disco a reproduzir a voz. Essa


voz é o pensamento do homem. Não há lugar nenhum no mundo – deserto,
floresta, montanha, casa, cidade ou metrópole – em que não haja uma voz
fazendo-se constantemente ouvir. A voz uma vez ali gravada, continuará a ser
ouvida. Sem dúvida essas vozes possuem um limite: podem persistir por
milhares de anos, podem durar vários meses, alguns dias, algumas horas ou
alguns momentos. Tudo que é criado intencionalmente ou não, tem vida,
nascimento e morte. Em verdade, tudo tem começo e fim.

Podemos notar esse fato se sentirmos a atmosfera de diversos lugares. Quando


nos sentamos nas rochas ou em qualquer outro lugar nas montanhas, muitas
vezes sentimos vibrações deixadas por alguém que ali esteve sentado. Ao
sentarmos num lugar ermo da floresta, podemos sentir a história do lugar. Talvez
ali tenha existido uma cidade, uma casa, morasse gente e agora é um lugar
ermo. Começamos a sentir toda a história do lugar, que passa a se comunicar
conosco.

Cada cidade tem uma voz particular, ou por outra, a voz nos fala de quem morou
na cidade, como vivia o povo e o seu estilo de vida. A voz refere-se ao grau de
evolução dos moradores, narra seus feitos, fala do resultado do seu
comportamento. As pessoas percebem as vibrações das casas mal-
assombradas unicamente devido a sua atmosfera agitada e tensa. Essas
vibrações muitas vezes são sentidas distintamente. Não há cidade ou lugar
algum que não tenha adquirido sua própria voz.

Estamos nos referindo à voz que ficou gravada num determinado lugar, de tal
forma que se transformou num disco no qual foi gravado o que lhe foi transmitido,
consciente ou inconscientemente. Há uma voz que predomina onde muitas
pessoas viveram, mais distinta que as outras vozes. Do mesmo modo que
podemos sentir o que um compositor quer transmitir através da música que
compôs, tocada por diversos instrumentos, as diferentes vozes emitidas em
conjunto também produzem um efeito. Esse efeito, para quem pode ouvir as
vozes em conjunto, assemelha-se ao som de uma sinfonia.

Quando ouvimos essa voz numa cidade, numa nova metrópole, passamos a ter
um pensamento coletivo especial. É uma espécie de voz do passado e voz do
presente, a voz de todos numa só voz, que produz um efeito peculiar, muito
especial. Nessa voz está toda a tradição. Quem pode ouvir claramente essa voz,
sente como se a cidade estivesse contando seu passado e seu presente.

Em certos lugares remotos, às vezes, as vozes ficam sepultadas e há uma


espécie de tom harmônico, mais delicado e suave. As vozes se extinguiram, mas
as vibrações permaneceram, transformando-se em atmosfera. Se tal lugar tiver
sido um deserto, a voz ainda se torna mais audível, porque está na sua
atmosfera natural, mais inspiradora, mais elevada. Se por esse deserto
passaram viajantes, suas vozes chegarão até nós. Ouvimos muito melhor do que
em geral percebemos e sentimos a voz nas metrópoles ou cidades, pois, em
contato com a natureza, a voz perde seu artificialismo e se une a ela. O homem
perto da natureza sente-se predisposto à bondade, fazendo de sua vida uma
espécie de sonho, um romance, uma peça lírica. Até seu pensamento, como
pensamento humano, começa a cantar em contato com a natureza.

Quando Abraão voltou do Egito, depois da iniciação nos Mistérios da Vida,


dirigiu-se a Meca. Colocou ali uma pedra em memória da iniciação que acabara
de receber na antiga Escola Esotérica do Egito. A voz que ficou gravada na
pedra, emitida pela alma cantante de Abraão, continua a vibrar até hoje e é
audível para aqueles que a podem ouvir. Desde aquela época, profetas e
videntes fazem peregrinações para ver essa pedra chamada Kaába. A voz
continua a ser ouvida, ainda está viva. Um lugar como Meca, um deserto, sem
coisa alguma de interesse, onde a terra não é fértil nem o povo muito evoluído,
onde não existe nenhum tipo de negócio ou indústria florescente, nenhuma
escola científica ou artística – constitui enorme atração para milhões de pessoas,
levadas somente pelo espírito de peregrinação. Qual o motivo da peregrinação
e o que é a pedra? É a voz que ficou gravada naquele lugar, numa pedra, pedra
que foi colocada para falar e que fala realmente àqueles que têm os ouvidos
abertos.

O pensamento do homem evoluído tem um poder maior do que o conteúdo do


pensamento, porque o homem é a vida do pensamento e o pensamento é o
invólucro que cobre essa Vida. Talvez Abraão não pudesse gravar a impressão
daquele momento numa outra pedra, a primeira impressão depois de sua
iniciação. Talvez naquele momento a impressão estivesse mais intensa que em
qualquer outra ocasião de sua vida, antes ou depois da iniciação. Disse Abraão:
“Coloco aqui esta pedra em memória da iniciação, de Deus, que deve ser
compreendido como o Único Deus. Que esta pedra permaneça neste lugar
eternamente, como um templo”. Abraão não era rico e, portanto, não podia
construir um templo senão com aquela única pedra. E esse templo tem
sobrevivido à passagem dos tempos, muito mais que outros construídos com
materiais dispendiosos.
Este é apenas um exemplo. Existem inúmeros outros, se quisermos procurá-los.
Citemos a atmosfera de Benares e as vibrações de Ajmer, na Índia. Em Ajmer
viveu, meditou e morreu o Khwaja Moin-ud-Chishti e lá está o túmulo do santo.
Há uma constante vibração no ar, tão forte que se um meditativo ali sentar-se
desejará ficar para sempre. O túmulo foi construído onde viveu o santo e hoje
está situado no centro da cidade, mas apesar disso ainda se sente uma
atmosfera de campo, pois era aquele o lugar onde o santo se sentava e meditava
sobre o Saut-e Sarmad, ou a sinfonia cósmica. A música cósmica que Chishti
continuamente ouvia impregnou aquele lugar.

O pensamento das pessoas que até hoje visitam o túmulo de Chishti não
contribuiu para manter a atmosfera do lugar, o pensamento delas é que foi
adicionado à atmosfera local, como acontece com os instrumentos: havendo
uma flauta, o som do clarinete, da trombeta ou do trombone é adicionado ao som
da flauta, contribuindo para o volume do som, mas há sempre um instrumento
que se destaca, que toca a primeira parte. É a voz principal que se ergue como
um sopro. As outras vozes, atraídas pela voz principal, criam ao redor da voz
principal uma forma, mas o sopro permanece como vida. A forma pode ser
composta ou decomposta, mas o sopro permanece como vida.

Aconteceu um fato maravilhoso durante a existência do Khwaja de Ajmer Moin-


ud-Din Chishti. Veio de Bagdá, para visitar o santo, um grande mestre, o Khwaja
Abdul Qadir Jilani, uma alma muito elevada. O encontro desses dois grandes
homens em Ajmer foi notável. O visitante era muito rigoroso em suas práticas
religiosas. Seu povo não usava música nas suas meditações. Como era natural
e a fim de respeitar a doutrina do visitante, o Khwaja de Ajmer, Chishti, teve que
se sacrificar e deu instruções para abolir a música na meditação que seria feita
com o outro Khwaja. Quando chegou o momento em que a música deveria ser
tocada, a sinfonia começou a ser tocada. Todos escutaram-na. O Khwaja Abdul
Qadir Jilani notou que a música estava sendo ouvida sem ser tacada. Disse ao
santo: “Mesmo que a religião proíba a música, a proibição é para os outros, não
para vós.”

O lugar onde alguém costuma sentar-se e meditar sobre qualquer assunto, capta
seu pensamento e registra o que foi falado, de forma que nenhum homem pode
esconder seu pensamento ou sentimento, que ficam registrados até mesmo no
lugar em que estava enquanto pensava. As pessoas sensíveis captam quando
se sentam naquele lugar. Algumas vezes o efeito é inteiramente contrário. É
quando alguém senta-se num lugar determinado e no momento que se senta,
sente ou capta um pensamento que lhe é totalmente estranho, um sentimento
que não lhe pertence. No lugar em que se sentou existia aquele pensamento,
aquele sentimento, a vibrar. Assim, como um assento pode conservar as
vibrações do pensamento por muito mais tempo que a vida da pessoa que
pensou ou falou, também fica uma influência no lugar em que nos sentamos, em
que moramos, onde pensamos e sentimos, onde tivemos alegrias e onde
tivemos tristezas e isso continua por tempo incomparavelmente mais longo que
a vida de quem falou ou pensou.

Os antigos construíam o túmulo dos que morriam onde sempre se sentavam,


onde deixaram sua atmosfera, onde tinham vivido. O túmulo era um marco a
indicar que ali se sentou o morto. Na Índia, onde usam a cremação, é comum
construírem um assento, como marco, no lugar onde a pessoa falecida deixou
suas vibrações. Tal pessoa não está ali sepultada, seu corpo foi cremado, mas
o marco é colocado em memória do morto.
CAPÍTULO II

Das Vozes (Continuação)

O segredo da benção que se busca nos lugares sagrados está no seguinte


princípio: o lugar santo deixou de ser um lugar qualquer, passou a ser uma
entidade viva. Os Profetas de todos os tempos proclamaram o nome de Deus. A
Lei do Ser Divino na Terra Santa continua viva, atraindo o mundo inteiro.

Dizem que sempre brotam rosas na sepultura do Mestre Sufi Sáadi ou Sa’di. Seu
túmulo nunca está sem rosas, o que não é difícil acreditar porque Sáadi escreveu
o livro “O Jardim das Rosas” pensando na Beleza. Embora o corpo dele não mais
exista, a beleza do seu pensamento continua tão viva como na época em que a
expressou. Não será surpresa alguma se, ainda por muitos séculos, as rosas
continuarem a florir no lugar onde Sáadi foi sepultado.

Muitas vezes nos admiramos ao saber que os Hindus, dotados de uma forte
mentalidade filosófica e que penetram profundamente no misticismo, acreditam
num rio sagrado. Acreditam realmente no rio sagrado, mas no sentido simbólico.
Um rio sagrado tem outra significação: os grandes Mahatmas, que vivem no
topo do Himalaia, onde nasce a torrente que forma os rios Ganges e Jumna, rios
esses que tomam direções diferentes até se juntarem novamente e formarem
um só rio – sabem realmente o que representa esse fenômeno tão profundo no
seu simbolismo e verdadeiro significado. No seu simbolismo, vemos que os dois
rios começam como um só e se separam depois, formando dois rios. Depois de
separados milhares de milhas, são atraídos um para o outro. Juntam-se
novamente num lugar chamado Sangam, em Allahabad, lugar de peregrinação.
Isso mostra, em sua interpretação e em seu verdadeiro significado, o ideal de
toda a manifestação: a manifestação é una no início, dual depois e termina numa
só, na unidade. Há mais: os pensamentos dos grandes Mahatmas, fluindo com
a água, misturam-se com a corrente viva do Ganges, desaguando no mundo. A
água transmite as vibrações desses grandes Seres, fala com uma voz que possui
forças, que desperta, que traz bênçãos, pureza e unidade, para quem puder ouvi-
la.

Os que não têm consciência dessas bênçãos são também abençoados quando
se banham no rio, porque o rio não tem somente água, contém pensamentos da
mais alta vitalidade, pensamentos que têm força e vida. Os que compreendem,
conhecem seu segredo. Muitos poemas em Sânscrito falam dos videntes que
ouviam, nas ondas do Ganges e do Jumna, a voz das almas evoluídas e sentiam
sua atmosfera, como se fosse uma corrente da respiração desses seres
espiritualizados, transmitida através da água.

Em Meca existe um tanque cuja água foi bebida pelos Profetas de todos os
tempos. Esse tanque é chamado Zemzem. Não bebiam apenas a água do
tanque, tiravam dela o que lá havia sido colocado. Por sua vez, deixavam na
água tudo que tinham para lhe dar. Atualmente os peregrinos que visitam esse
tanque recebem a água como bênção.

Na Índia há um lugar onde um grande curador costumava sentar-se. Durante


toda sua vida curou milhares de doentes. Fez muitas curas instantâneas. No
lugar onde se sentava fizeram sua sepultura. Até hoje o povo é atraído à sua
tumba. Muitos são curados imediatamente ao colocar as mãos nesse lugar
chamado Miran Datar.

Há uma história no Oriente sobre cinco irmãos que decidiram fazer uma viagem.
Cada um era dotado de certo poder. Ao chegarem a um determinado lugar,
constataram que haviam perdido seu poder. Ficaram confusos, desapontados.
Procuraram saber o motivo de tal acontecimento, até que o mais sábio, usando
sua força de concentração, achou finalmente o motivo: era efeito do lugar. O
lugar havia perdido a vida, era um lugar morto. Todos que ali chegavam sentiam
como se não tivessem mais vida. A vida interior fugia-Ihes. Vemos o mesmo
acontecer com um solo usado milhares de anos e que perdeu a força, a vitalidade
da terra. Se o solo pode perder sua vitalidade exterior, internamente a vitalidade
– a respiração do solo – pode também desaparecer. Muitas vezes sentimo-nos
mais inspirados num determinado lugar e noutro sentimo-nos deprimidos.
Sentimo-nos confusos num lugar e noutros estúpidos. Nada encontramos que
nos possa interessar e nada, nos atrai. Pensamos que talvez seja efeito do
tempo, mas há lugares cuja natureza é bela exteriormente, possuem clima
admirável e, no entanto, não nos sentimos inspirados. Se um artista nasceu num
país sem vida, seu talento não se desenvolverá ali, porque não tem com que se
nutrir. Seu impulso artístico fica paralisado. Até uma planta não se basta a si
mesma: precisa de ar, sol e água. Um Profeta, entretanto, pode reviver um solo
morto apenas passando por ele.

Séculos atrás Jelal-ud-Din Rumi disse que o fogo, a água, a terra e o ar são
apenas coisas para o homem, mas para Deus são seres vivos que trabalham
sob Seu comando. O significado das palavras de Rumi é que todos os objetos e
todos os lugares são como discos de vitrola: o que neles foi gravado é
reproduzido e ouvido quer pela alma quer pela mente do homem, de acordo com
seu grau de evolução.

Acredita-se atualmente na chamada psicometria. O que é psicometria? É


aprender a linguagem dos objetos, porque os objetos falam. É saber que além
da cor ou da forma de um objeto, há nele alguma coisa que nos fala. Venha isso
do objeto ou da pessoa que o usou, de qualquer forma existe.
Às vezes trazemos para casa um objeto. Logo que ele penetra no recinto outros
objetos começam a se quebrar. Enquanto esse objeto permanecer na casa
sempre haverá uma espécie de prejuízo. Pode criar desarmonia, doenças ou má
sorte. Os que sabem do efeito psicológico que certos objetos podem trazer,
sempre evitaram comprar objetos velhos, por mais belos e preciosos que
fossem. Compram sempre para seu uso um objeto novo. Sem dúvida isso não
se aplica às jóias, que devem ser antigas. Entretanto, verificamos que são as
jóias, mais que qualquer outro objeto, que causam efeito sobre uma pessoa,
sobre seu caráter, vida, negócios e sobre tudo que a rodeia. Podemos obter uma
pérola que traga boa sorte desde a hora que a compramos ou pode ela causar
um efeito contrário. Em geral ninguém pensa nisso e no entanto o efeito é
precisamente o mesmo, é contínuo.

O que uma pessoa usa pode ter um efeito sobre sua saúde, estado mental,
sentimentos. Se usa uma jóia, talvez haja nela uma voz falando há milhares de
anos. Quanto mais antiga a jóia, mais tradição possui. Fala por si. Pessoas
intuitivas, de grande sensibilidade e sentimento, podem receber
conscientemente as vibrações das pedras antigas. Essas pedras parecem que
falam com tais pessoas. Aliás, tudo que se dá a alguém, em forma de alimento,
doce, bebida, frutas ou flores, transmite também um pensamento e um
sentimento, produzindo efeitos. Entre os Sufis do Oriente existe o hábito de dar
um pedaço de pano, uma flor, ou uma fruta, alguns grãos de milho. Atrás desse
hábito há um significado: não é o ato de dar o objeto que é importante, o
importante é o que se transmite ao objeto.

Sabemos muito pouco quando afirmamos “Creio naquilo que vejo”. Seria
verdadeiramente maravilhoso se todos pudessem saber como trabalha a
influência, como falam o pensamento e o sentimento e como disso partilham os
objetos. Como acontece com o pensamento e o sentimento, transmite-se vida e
influência através de um objeto.
CAPÍTULO III

Impressões

Em muitos lugares antigos existem pedras gravadas e raízes esculpidas com


desenhos artísticos. Algumas vezes há caracteres escritos que ninguém pode
decifrar. Estão gravados sobre uma rocha, montanha ou pedra. Entretanto, uma
pessoa com o dom da intuição pode ler o que está escrito, através das vibrações
emitidas e da atmosfera circundante. Os caracteres estão gravados
externamente, mas internamente são como um disco que fala
permanentemente, que está sempre transmitindo o que foi nele gravado.
Nenhum viajante que tenha a faculdade intuitiva aberta, negará o fato de que
viu, em terras de antigas tradições, inúmeros lugares que, digamos assim,
cantam alto a história do passado.

Notamos o mesmo na atmosfera que rodeia as árvores nas florestas, nos jardins.
A atmosfera expressa o passado. Sentimos as impressões ali deixadas por
aqueles que se sentaram debaixo das árvores. Frequentemente ouve-se falar de
um povo que é supersticioso com uma árvore que chamam de mal-assombrada.
Isso acontece mais no Oriente. Singelamente falando, há uma vibração criada,
consciente ou inconscientemente, por alguém que lá viveu sob a proteção da
árvore e que meditou sobre determinado pensamento e sentimento. A árvore se
apossou dessas impressões e passou a expressá-las. Talvez isso tenha sido
esquecido, mas a árvore continua repetindo o que lhe foi transmitido, pois a
árvore, mais facilmente que uma rocha, pode exprimir a voz que penetrou no seu
interior. Nos países tropicais onde, nos tempos antigos, as pessoas viajavam a
pé através de bosques e florestas, as árvores captaram tudo que o povo pensava
e sentia. Os que têm abertas suas faculdades intuitivas, podem escutar o que
ficou gravado nesses lugares muito mais claramente do que se ouvissem um ser
vivo falando.

A mesma coisa ocorre com os animais de estimação, que vivem e partilham do


pensamento e do sentimento do homem. Há uma superstição especialmente
com os cavalos. Os especialistas são extremamente cuidadosos ao comprar um
cavalo. Querem que tenha boas vibrações. Levam em consideração a saúde e
a progênie do animal. Às vezes um cavalo de muito boa progênie e perfeitamente
saudável, pode trazer infelicidade. A explicação é que o desaponto de alguém
que cavalgou o animal permaneceu nele e ficou registrado no coração do cavalo.
Talvez tal pessoa tenha se modificado, mas a impressão que o cavalo captou
perdura.

Fiquei certa vez muito impressionado no Nepal ao apreciar um cavalo e um


elefante reservados para o Marajá. Parecia que aqueles dois animais estavam
conscientes do cavaleiro. Pela dignidade que ostentavam via-se que sabiam que
pertenciam a um Marajá. Nos movimentos do cavalo, no olhar do elefante, podia-
se sentir a presença de um Marajá. Não apenas isso, tudo que pertencia ao
Marajá – prazer ou sofrimento, vida e expressão – parecia ter ficado impregnado
e registrado nos animais. O mais surpreendente é que o elefante não era maior
que os outros elefantes, quando sabemos que às vezes é o tamanho que dá
dignidade ao elefante. Nem o cavalo era maior que os outros cavalos, mas o
tamanho não importava, era o espírito, a vida, que se podia ver naqueles
animais, expressando o sentimento que estava em seus corações.

Isso nos serve de alerta e nos conduz a um outro campo do pensamento: o efeito
que uma associação pode criar numa pessoa, isto é, associação com uma
pessoa triste, feliz, tola ou sábia, associação com uma pessoa possuidora de
uma mente nobre ou com uma pessoa de condição inferior. O associado
compartilha com a pessoa com a qual se associa e vibra com aquilo com que
compartilha. Vemos isso e quase podemos ouvir isso falado na atmosfera da
pessoa, na sua expressão, modo de falar, enfim, em todas as suas ações. Por
mais feliz que seja uma pessoa, se associar-se com uma pessoa infeliz terá uma
linha melódica de infelicidade. Tal melodia continua, canta a sua canção
separada de toda a sinfonia, tem seu tom especial, pode ser sempre distinguida.
Um sábio que tenha se associado a um tolo, entra noutra faixa de vibração. É
uma melodia inteiramente diferente, numa clave diferente e seu tom não é o
mesmo do canto original. Quem se associa a uma pessoa de mente nobre de
alta qualidade, a despeito de todas as deficiências, pode distinguir uma linha
melódica que se destaca, distintamente audível para os corações que sabem
escutar.

Não é coisa de somenos importância uma associação. É de grande importância


do ponto de vista psicológico. Ai está toda a diferença, pois um sábio nem
sempre influenciará positivamente um tolo e nem sempre uma boa pessoa
influenciará positivamente uma pessoa má. A que é positiva não pode ser
sempre positiva. Há ocasiões em que pode ser negativa, como uma alternativa.
Há, assim, grande sabedoria no ditado: “Diga-me com quem andas que eu te
direi quem és”. No Oriente esse pensamento é uma constante, principalmente
sob o ponto de vista espiritual.

Para o homem que anda em busca da verdade espiritual, a associação com


amigos que trilhem o mesmo caminho é mais preciosa que qualquer outra coisa
no mundo. Tudo o mais vem depois. Uma associação é considerada a coisa
principal e mais importante no caminho espiritual.
CAPÍTULO IV

Magnetismo dos Seres e Objetos

Ao fazer qualquer coisa, não só colocamos nosso magnetismo, como


transmitimos àquilo que fazemos, a voz da nossa alma. Por exemplo, não é difícil
a um intuitivo encontrar no alimento que está comendo o pensamento da
cozinheira. Não vê somente o grau de evolução da cozinheira, também o que
estava ela pensando no momento de preparar a comida. Se a cozinheira estava
irritada ao cozinhar, se estava resmungando, carrancuda, perturbada ou infeliz,
tudo isso foi transmitido ao preparar o alimento. O conhecimento desse fato fazia
com que os Hindus só tomassem como cozinheiro alguém de alta casta dos
Brâmanes, de grande evolução espiritual, cuja vida era pura e cujos
pensamentos eram elevados. Só uma pessoa nessas condições era admitida
como cozinheiro. Não se trata de um costume do passado, é um hábito ainda
em uso atualmente. O Brâmane, que algumas vezes é o Guru, o Mestre de
outras castas, pode também ser cozinheiro. Além do mais, nos tempos antigos,
quando a personalidade humana era cuidadosamente observada em tudo que
fazia, cada pessoa, fosse qual fosse sua linhagem ou posição social, sabia
cozinhar e preparar pratos para si e seus amigos. Era sinal de grande apreço e
afeição para com as pessoas convidadas, parentes ou amigos, a anfitriã
apresentar-lhes pratos por ela mesma preparados. Não era o prato o importante,
era o pensamento da pessoa ao prepará-lo.

A vida moderna parece ter afastado muitas das considerações de caráter


pessoal, mas quer no Oriente quer no Ocidente, houve tempo em que toda jovem
sabia tricotar ou tecer. Era costume oferecer a um irmão, irmã, namorado ou
parente, alguma coisa feita manualmente. Atualmente compra-se facilmente um
objeto na loja. Ninguém sabe quem o fez, se o fez relutantemente, resmungando,
ou de que maneira. Especialmente nessa época, em que o operário vive
revoltado, é uma grande interrogação o que o artesão transmite aos objetos
feitos para nosso uso. Uma jovem ao costurar para alguém que ama, coloca
naturalmente em cada ponto um pensamento de amor. Se há amor e afeição,
cada ponto produzirá um novo pensamento e completará o pensamento de amor,
auxiliando plenamente naquilo que toda alma necessita: amor.

Que dizer, pois, de vagões, carros e navios usados com risco de vidas humanas?
Por quem são feitos? Qual seria o estado mental dos construtores do navio
Titanic que soçobrou ao ser inaugurado? Será que havia alguém com espírito
pacificador ensinando-os a manter um certo ritmo mental enquanto o navio era
construído?

Tudo que é fabricado tem uma influência mágica. Se é feito com um pensamento
inteiramente em desacordo com o que é exigido, pode trazer perigo ao que está
sendo fabricado. Por exemplo: um navio, trem, vagão ou automóvel. Muitas
vezes, sem razão aparente, encontramos um bote em perigo ou um objeto que
se quebra sem justificativa plausível. Quando estava sendo fabricado houve um
grande pensamento de destruição. Esse pensamento continuará atuando e
muitas vezes mais forte e vivo que o próprio objeto. Dá-se o mesmo na
construção de uma casa. Os pensamentos transmitidos a ela pela pessoa que a
construiu ou pelos operários têm grande influência.

O pensamento ligado às coisas é uma força vital. Podemos defini-la e chamá-la


de força vibratória. Na concepção de um místico, as vibrações são consideradas
tendo três aspectos: vibrações audíveis, vibrações visíveis e vibrações
perceptíveis. As vibrações transmitidas a um objeto nunca são audíveis e visíveis
e sim perceptíveis. Perceptíveis a quê? A faculdade intuitiva do homem. Isso não
quer dizer, porém, que uma pessoa que não tenha faculdade intuitiva, não
perceba a vibração. Percebe-a, mas inconscientemente. Em resumo, sabemos
que há um pensamento ligado a todas as coisas que um indivíduo ou um grupo
de pessoas fazem. Tal pensamento produzirá resultados correspondentes.

A influência colocada nas coisas corresponde à intensidade do sentimento. Uma


nota soa de acordo com a intensidade com que é tocada. Uma nota tocada no
piano continua ressoando por longo tempo. Se for tocada com menor
intensidade, sua ressonância será menor. Naturalmente isso tem relação com a
força com que se toca a nota e com o instrumento usado. Pode acontecer a
corda de um instrumento continuar vibrando por tempo muito longo e noutro
instrumento a corda não vibrar por tanto tempo e logo silenciar. O efeito, pois,
depende do instrumento que for usado e das vibrações emitidas.

Deus está em todas as coisas, mas o objeto é o instrumento e o homem é a vida


propriamente dita. O homem dá vida ao objeto. Quando uma coisa está sendo
feita, é nesse exato momento que recebe a vida. A vida prossegue como a
respiração num corpo. Isso nos leva à idéia de que, se levarmos flores para um
doente acompanhando-as de um pensamento de pronto restabelecimento, as
flores transmitirão ao doente o pensamento de cura. Quando o doente olhar para
as flores receberá a cura nelas colocadas pelo ofertante. Um manjar ou um doce,
qualquer coisa que levamos a um amigo com um pensamento de amor, cria um
efeito harmonioso e feliz. Por este motivo, uma pequenina coisa dada ou
recebida com amor, com um pensamento de harmonia e bondade, tem muito
mais valor que o próprio objeto, porque o importante não é o objeto em si, mas
o sentimento que está atrás dele. Não nos ensina isso que nem sempre é
importante fazer ou preparar as coisas na nossa vida diária e sim dar às coisas
que fazemos e preparamos um pensamento harmonioso e construtivo? Que
fazer as coisas com esse pensamento tem um efeito mil vezes maior que o seu
valor real?

Isso também nos ensina que, ao fazermos determinada coisa, estamos


executando algo importante. Se adotarmos essa atitude, se mantivermos esse
pensamento na mente, compreenderemos que não estamos apenas fazendo
uma determinada coisa, estamos produzindo algo que deve permanecer vivo.
Não é abrir diante de nós um vasto campo de trabalho que pode ser executado
facilmente sem grande custo ou esforço? O resultado do nosso trabalho será de
importância muito maior do que poderíamos pensar ou imaginar. Não é também
grande bênção sermos capazes de fazer uma coisa de enorme importância sem
demonstrar qualquer pretensão? Até ao escrever uma carta colocamos nela, às
vezes, algo que as palavras não podem expressar. Esse algo a carta transmite.
Se uma palavra tiver sido escrita com um pensamento de amor, terá um efeito
muito maior que talvez milhares de palavras. Não ouvimos quase uma carta
falar? Nem sempre lemos apenas o que nela está escrito. Ela traz até nós a
personalidade de quem a escreveu, sentimos seu estado de espírito ao escrevê-
la, sua evolução, seu prazer, desprazer, alegria ou tristeza. Uma carta transmite
muito mais do que nela está escrito.

Pensemos nas grandes almas que vieram à terra em diversas épocas.


Enfrentaram situações adversas, encontraram dificuldades sobre dificuldades
para cumprir o seu dever. Entretanto, fizeram uso da palavra, usaram sua voz
cheia de vida. Essa voz cheia de vida continuou a ser ouvida mesmo depois que
partiram, com o tempo se espalhou pelo universo inteiro, e cumpriram, essas
grandes almas, o objetivo de sua vinda à terra. O efeito daquele momento de
pensamento talvez levasse muito tempo para criar alguma coisa, mas foi algo
que valeu a pena, alguma coisa acima da compreensão humana.

Se pudéssemos compreender, pelo menos, o que é o espírito, estimaríamos


muito mais o ser humano. Confiamos tão pouco no homem! Acreditamos tão
pouco nele! Respeitamo-lo tão pouco! Estimamos tão pouco suas possibilidades!
Se conhecêssemos o que se oculta atrás de cada alma, atrás da alma forte e da
alma fraca, saberíamos que existem nelas todas as possibilidades. Jamais
subestimaríamos ninguém nem faltaríamos com respeito ao homem, a despeito
de todas as suas falhas. Reconheceríamos que é o Criador criando através da
multiplicidade das formas, o Único Criador. Tudo que é construído, preparado,
feito e composto, é feito pelo Ser Único trabalhando através do mundo da
variedade.
CAPÍTULO V

A Influência das Obras de Arte

Há sempre um sentimento oculto nas obras de arte legadas ao mundo,


independentemente da arte com que foram executadas e das idéias por elas
transmitidas. Na época em que visitei Berlim, vi ao redor do palácio do Kaiser
uma série de estátuas. Em toda parte havia uma obra de arte representando uma
idéia de terror e de destruição. Logo que as vi pensei: “Não é de admirar que
certas coisas tivessem acontecido, pois toda essa estatuária foi produzida
antecipando o que iria acontecer”.

Uma obra de arte pode ser bela à vista, pode ter sido feita com grande esmero,
mas o que representa é a mente do artista que a criou. O efeito que a obra causa
não é uma sugestão exterior, é o que ela clama em altos brados, isto é, é a voz
emitida pelo coração do artista. Em cada quadro, em cada estátua, em cada obra
de arte, podemos constatar este fato: há uma voz oculta a dizer continuamente
para que fim foi criada a obra de arte.

Muitas vezes o artista não tem noção do que está criando e segue a própria
imaginação. Pode até trabalhar em desfavor de sua obra de arte, criando um
efeito que não desejou nem para si nem para a pessoa a quem se destina o
trabalho. Fui visitar certa vez um templo. Não o achei belo. Era porém uma obra
admirável, única no gênero. Tão depressa comecei a penetrar no esquema de
cores das pinturas, nas características proeminentes daquele templo, fiquei
surpreendido ao pensar como era possível que ele tivesse sobrevivido por tanto
tempo. Há muito deveria ter deixado de existir. Algum tempo depois soube que
o templo tinha sido destruído. Veio-me o seguinte pensamento: o construtor do
templo estava tão absorvido com seu esquema que tinha olvidado a harmonia
do espírito que deveria ter presidido o respectivo plano. O resultado foi um
fracasso total.

Uma vez fui levado por uma amiga a ver as pinturas feitas por seu marido. Logo
que as contemplei deduzi toda a história do artista: como aquela alma tinha
vivido, as agonias por que tinha passado. Estava tudo expresso nos seus
quadros. E qual era o estado de espírito da viúva, a possuidora daqueles
quadros? Só havia nela tristeza e depressão.

É sempre bom um artista recear fazer uma obra que possa produzir um efeito
indesejável, pois assim será bastante cuidadoso. Se quiser saber o efeito que
seu trabalho causará, descobrirá. É muito fácil entusiasmar-se com a idéia
pitoresca, mas nunca deve deixar de pensar que o importante não é somente a
idéia e sim o que ela vai transmitir e o efeito que vai causar. Será um efeito
construtivo ou destrutivo? Por exemplo, nos navios, especialmente os que
navegam o canal da Mancha, a primeira coisa que se vê ao entrar no camarote
é o cartaz ensinando a colocar o colete salva-vidas no caso de naufrágio. É a
primeira coisa que impressiona o passageiro, como um presságio. Certamente
a finalidade do cartaz é instruir, mas não é uma instrução boa, psicologicamente
falando. Essas instruções são necessárias, mas não seria melhor distribuir
cartazes ilustrados depois que o navio zarpasse e os passageiros já estivessem
acomodados? Também é imprudente – talvez fosse melhor usar uma outra
palavra – colocar numa sala de aulas ou numa capela, cenas de morte, mesmo
sendo de Santos e Mestres, que nunca morrem por serem imortais.

Dá-se o mesmo com a poesia. Há entre os Hindus uma psicologia da poesia,


ensinada ao poeta antes de lhe ser permitido fazer poesia: a poesia não deve
exprimir apenas ritmo, o vôo da mente e do pensamento, fazer poesia significa
construir alguma coisa, fazer algo de construtivo e também – porque não dizê-lo
– fazer algo de destrutivo, pois a poesia, às vezes, tem efeito sobre a
prosperidade ou o declínio dos grandes seres, em cuja honra é feita. Há uma
ciência ligada à poesia. Pode-se falar bem de uma personalidade através da
poesia, mas a construção das palavras ou a idéia atrás dela, pode lhe ser
prejudicial. Pode não só ofender a pessoa para quem foi feita, como também
pode seu efeito refletir-se sobre o poeta e destruí-lo para sempre, no caso de se
tratar de um homenageado de personalidade forte.

Pode-se argumentar: “O drama e a tragédia não causam um mal?” Há muitas


coisas que nos ofendem, mas há muitas coisas que são ofensivas e
interessantes. Além disso, há pessoas cujas mentes são mais atraídas para a
tragédia do que para qualquer outra coisa. Isso é natural, porque há uma ferida
no seu coração e essa chaga, avivada por um momento, produz uma sensação
talvez mais agradável. Chamemos essa sensação de dor, mas é uma dor
agradável quando a ferida é tocada. Sem dúvida, excesso de tragédia não é
aconselhável para ninguém, mas a natureza artística de uma pessoa que ama a
poesia, encontra alguma coisa na tragédia. Seria realmente privar-se de um
grande prazer não ler Shakespeare. Quando a poesia é feita para uma
determinada pessoa, um rei, um soberano, ou quem quer que seja, produz o
efeito adequado. A poesia de Shakespeare é universal e foi escrita para ser lida
por todos. Entretanto uma peça pode causar um efeito simples ou um efeito
complicado.

O que foi dito acima está de acordo com o ponto de vista psicológico, o que não
quer dizer que é o ponto de vista de um Sufi. Os Sufis são apaixonados por
poesia. Sua paixão pela poesia vai algumas vezes muito longe, a ponto de
expressar por meio dela seus sentimentos de aspiração, ansiedade, mágoa
profunda e desapontamento. Mas isso não é psicológico e, segundo a psicologia,
nada correto.

Dá-se o mesmo com a música. É muito interessante como um musicista faz uma
espécie de música mágica descrevendo uma inundação, como uma cidade foi
destruída e tudo que nela existia desapareceu. No momento isso pode lhe
parecer um divertimento, uma fantasia de imaginação, mas produz uma
influência.

O mais interessante é que através da arte, da poesia, da música, ou através dos


movimentos executados na dança, é criado um pensamento ou sentimento, cujo
efeito é o resultado da ação. A arte, por assim dizer, é o invólucro. Em cada plano
é necessário um invólucro, a fim de expressar a vida nesse plano. Assim, a
música é um mundo, a poesia também é um mundo e a arte um outro mundo.
Quem aprecia a arte é aquele que vive no mundo da arte e a conhece. Portanto,
aquele que vive no mundo da música aprecia a música. Para penetrar
profundamente na arte da música, deve-se viver nela e observar o mundo da
música com mais atenção. Em outras palavras, não basta ser musical e encher
o coração e a alma de música, deve-se também desenvolver a faculdade da
intuição, para poder ver com maior clareza.

Como é maravilhoso notar que a arte boa ou má, em cada um de seus aspectos,
é uma coisa viva, falante! Não admiramos somente o que vemos nos afrescos
dos velhos palácios da Itália e na arte reproduzi da na estatuária dos templos
antigos. Essas obras de arte contam a história do passado. Falam do artista que
as criou, do seu estágio de evolução, da sua motivação, da sua alma e do espírito
daquele tempo. O que nos ensina que nossos pensamentos e sentimentos são
inconscientemente gravados em todas as coisas que fazemos e usamos, seja
um lugar, rocha, árvore, onde nos sentamos ou naquilo que preparamos. Na arte,
contudo, um artista completa a música de sua alma, a música da sua mente. Não
se trata de um efeito automático, é um efeito consciente um efeito que muitas
vezes resulta num outro efeito. É uma prova de que não é suficiente para nós
apenas aprender arte ou nos ocuparmos com ela. Como complemento da arte
devemos estudar a sua psicologia, porque é através da arte que realizamos
nosso objetivo na vida.
CAPÍTULO VI

A Vida do Pensamento
Deus é Onisciente, Onipotente, Onipresente, o Único Ser, sugerindo-nos que o
Absoluto é um Ser Vivo, o Ser Único, que não existe o que chamamos morte,
nem o que chamamos fim, que toda coisa, todo ser, toda partícula tem uma
continuidade, porque a vida é eterna.

Fim ou morte é apenas uma transformação. Por conseguinte, todo pensamento


que passou pela mente, cada sentimento uma vez vivido pelo coração, cada
palavra proferida e sobre a qual nunca mais se pensou, cada ação praticada e
esquecida, tem vida e continua a viver. É como um viajante que levasse consigo
algumas sementes e que, ao caminhar, lançasse-as na terra. Quando as plantas
crescessem naquele lugar, o viajante nunca as veria. Lançou apenas as
sementes e elas germinaram. A terra as recebeu, a água as fez brotar, o sol e o
ar ajudaram o seu crescimento.

A vida é urna acomodação e tudo nela uma vez nascido – pensamento, palavra,
ação ou sentimento – é tratado, cultivado e levado à frutificação. Dificilmente
pensamos que tal coisa possa acontecer, pensamos apenas que se tratam de
pensamentos, palavras, ações ou sentimentos que não mais existem, que o que
foi feito acabou, ou ainda, que sentimos algo que não mais sentimos. Mas houve
apenas uma transformação, da qual estamos conscientes. Avistamos
determinada coisa e ela desaparece. Pensamos que como não mais a vemos
ela desapareceu, mas é um engano, ainda existe. Continua a existir e segue seu
curso porque tem vida. Em tudo há vida. A vida simplesmente vive; tudo sendo
vida, não existe a morte.

Sem dúvida alguma, nascimento, morte, começo, fim, são nomes dos diferentes
aspectos do trabalho mecânico do universo. É uma espécie de trabalho
automático, que nos dá a idéia de alguma coisa que começou e alguma coisa
que terminou.

Quando tocamos um sino, o ato de tocar foi apenas um rápido momento e no


entanto a ressonância continua. Enquanto é audível, a ressonância perdura e
dela tomamos conhecimento. Mas a ressonância continua, segue seu curso e
não é mais audível e, entretanto, continua a existir em alguma parte.

Uma pequena pedra atirada no mar põe a água em movimento. Não nos damos
ao trabalho de pensar até onde essa vibração atua no mar. O que podemos ver
são as pequenas ondas e círculos que a pedrinha produziu. Vemos apenas isso.
Entretanto, a vibração que a pequena pedra produziu no mar segue muito mais
além do que o homem pode imaginar. O que chamamos espaço é um mundo
muito mais delicado. Se chamarmos esse espaço de mar, é um mar de líquido
muito mais delicado. Se o chamarmos de terra, é uma terra incomparavelmente
mais fértil que a terra que conhecemos. A terra recebe tudo, alimenta, germina
e permite que tudo nela cresça, aquilo que nossos olhos não vêem os nossos
ouvidos não escutam.

Esse pensamento não nos torna responsável por todo movimento que fazemos,
por toda idéia que emitimos, por todo o sentimento que passa pela nossa mente
ou nosso coração? Se soubermos utilizar nossa atividade, se soubermos dirigir
nossos pensamentos, expressá-los com palavras, fazê-los avançar com nossos
movimentos, senti-los, para que criem sua própria atmosfera, não haverá um
momento da nossa vida desperdiçado. Que tremenda responsabilidade! A
responsabilidade de cada homem é maior que a responsabilidade de um rei. É
como se cada homem tivesse seu próprio reino pelo qual fosse responsável, um
reino que não é menor que qualquer outro reino conhecido, mas
incomparavelmente mais vasto que os reinos da terra. Isto nos ensina a pensar
e a conscientizar, a sentir nossa responsabilidade a cada movimento que
fazemos. O homem, entretanto, não sente isto, não se conhece e não procura
conhecer o segredo da vida. Segue como um ébrio ao caminhar pelas ruas. Não
sabe o que está fazendo, se é bom ou mau.

Como pode viver um pensamento? De que maneira vive? Possui para viver um
corpo, uma mente, uma respiração? Sim. A primeira coisa que precisamos saber
é que uma respiração, vinda diretamente da Fonte, procura um corpo, uma
acomodação, onde possa funcionar. Um pensamento é como um corpo,
pensamento que vem da Fonte como um raio do Espírito e que pode ser
comparado ao sol.

Isso faz do pensamento uma entidade que vive como entidade. Essas entidades
são chamadas na linguagem Sufi de Muwakkals, que quer dizer elementais.
Vivem e têm certo objetivo a cumprir. O homem dá-lhes condições de nascer e
por trás delas há um objetivo que Ihes dirige a vida. Imaginai como é terrível, na
abstração de um momento, alguém exprimir indignação, paixão ou rancor, pois
uma palavra expressa em tal momento vive e executa seu objetivo. É como se
um indivíduo criasse ao seu redor um exército de inimigos. Talvez um
pensamento tenha vida mais longa que outro. Depende da vida que lhe foi dada.
Se o corpo é mais forte, vive mais tempo. Da energia da mente depende a força
da entidade-pensamento.

Perguntaram-me um dia com que se parecem os elementais. Respondi: “Os


elementais se assemelham exatamente aos seus pensamentos. Se seus
pensamentos forem pensamentos de seres humanos, os elementais terão
formas humanas, se seus pensamentos forem de animais, os elementais terão
formas de animais, porque os elementais são feitos de seus pensamentos”.

Os elementais são criação do homem. Quando os ventos sopram e as


tempestades rugem causando destruições, vemos nisso uma ação automática
ou mecânica da natureza. Mas não é somente uma ação mecânica, há influência
dos sentimentos do homem. São os sentimentos intensos do ser humano que
dirigem tal ação. Esses sentimentos se transformam em seres imensos, os seres
que dirigem. Eles impulsionam como uma bateria. Estão por trás dos ventos e
das tempestades, das inundações e dos vulcões. Assim também os
pensamentos que pedem bênçãos, como chuva, por exemplo, atraem a
misericórdia de Deus. No Oriente a chuva é chamada Mercê Divina. A luz do sol
quando o céu está claro, outras bênçãos da natureza, o ar puro que a tudo causa
alegria, a primavera, as boas colheitas, os frutos, as flores e os vegetais, todas
as bênçãos que nos vêm da terra ou do céu, também são dirigidas por forças
ocultas. Assim como o trabalho mecânico da natureza eleva para o céu os
vapores e juntos formam nuvens que causam a chuva, também os pensamentos
e sentimentos, as palavras e ações, têm um trabalho mecânico a fazer. Esse
trabalho dirige a ação do universo. É uma demonstração de que não há somente
um trabalho mecânico da natureza, há também a inteligência humana laborando
mecanicamente, dirigindo todo o trabalho da natureza.

Isto nos dá uma idéia da responsabilidade do homem, maior que a de qualquer


outro ser vivo no mundo. Consta do Corão que Deus disse: “Oferecemos nossa
confiança ao céu, à terra e às montanhas, mas eles não se atreveram a recebê-
la. O homem, entretanto, aceitou nossa confiança”. Essa confiança é a nossa
responsabilidade, não só responsabilidade para com aqueles que nos cercam,
com os que encontramos na vida diária, com o trabalho em que estamos
empenhados e com o nosso interesse na vida, mas a responsabilidade também
em relação a toda a criação, com o que contribuímos para esta criação, se é
conveniente para criar melhores e mais harmoniosas condições nas esferas, no
mundo e na terra. Se assim fizermos, compreendemos nossa responsabilidade.
Se ficarmos alheios é porque não temos ainda conhecimento do objetivo da
nossa existência na terra.

Há a fase da meninice, durante a qual a criança nada sabe. Destrói coisas belas
e de valor por curiosidade e fantasia. Quando a criança cresce, começa a sentir
sua responsabilidade. O sinal de maturidade é o sentimento de
responsabilidade. Assim, quando uma alma amadurece, começa a sentir sua
responsabilidade. A partir desse momento, sua vida começa. Quando a alma
renasce, ou nasce de novo, começa realmente a viver, porque enquanto ela não
nascer novamente, não entrará no reino de Deus. O reino de Deus está na terra.
O homem não conhecerá o reino de Deus enquanto não estiver consciente de
sua responsabilidade. Ao tornar-se consciente de sua responsabilidade, o
homem desperta para o reino de Deus, o berço da alma.
Em apoio dessa idéia existe no idioma Sânscrito uma palavra que é usada para
designar as pessoas conscientes de Deus. Essa palavra é Brahman, o Criador.
Tão logo a alma assimila essa idéia, começa a saber que exterior ou
interiormente cada momento de sua vida é criativo. Se é responsável por sua
criação, é responsável também por todos os momentos de sua vida. Nada mais
na vida será desperdiçado. Qualquer que seja a condição da alma, desamparada
ou infeliz, ainda assim sua vida não pode ser desperdiçada, pois ela é a força
criativa que trabalha através de cada movimento, cada pensamento, cada
sentimento. Está sempre fazendo alguma coisa, criando.

Existe outra palavra em Sânscrito para Brahman: Duija, que significa a alma que
renasceu. Do momento que tudo é compreendido a alma nasce de novo. A
realização da vida passa a ter um novo enfoque, nosso plano de vida se modifica
e diferente se torna nossa ação.

Se avançarmos mais um pouco neste assunto, vemos que há almas que


aparentemente não estão fazendo coisa alguma e pensamos: “Acho que são
pessoas altamente espiritualizadas, mas afinal que estão fazendo?” O que em
geral se conhece sobre a palavra fazer é atrapalhar, tumultuar, ou estar ocupado
o tempo todo. Se algo não é importante, mesmo assim deve ser feito. Esse é o
pensamento. Mas quando um indivíduo chega a um determinado estágio de
desenvolvimento, está fazendo sempre alguma coisa, mesmo se exteriormente
não der essa impressão. Está fazendo interiormente trabalhos mais importantes
do que demonstra exteriormente.

Relatemos a estória de um Madzub, uma pessoa que não é considerada atuante


pelo mundo. Muitos julgam que um Madzub não é muito equilibrado, mas no
Oriente algumas pessoas sabem algo a respeito desses seres e os respeitam.
Havia há muitos anos um Madzub em Caxemira. O Marajá permitia que ele
perambulasse pelo palácio e jardins ou onde quisesse ir. Deram-lhe um pedaço
de terra para morar. Habitualmente permitiam-lhe passear por todos os cantos
do jardim do Marajá. No jardim havia um canhão-miniatura de brinquedo e
algumas vezes o Madzub gostava de brincar com ele. Apanhava o canhão,
girava-o para o sul, para o norte, ou outras direções e o colocava no mesmo
lugar. Pegava-o novamente e o colocava em diferentes posições, fazendo toda
a sorte de trejeitos. Depois de tudo isso, ficava contente. Parecia que estava
tomando parte numa batalha e sentia-se vitorioso e feliz. Toda vez que ele agia
desse modo, o Marajá Ranjit Singh dava ordens ao exército para se preparar
para a guerra e sempre era bem-sucedido. A guerra estava em curso havia
muitos anos, mas prosseguia lentamente sem que nada acontecesse. Toda vez
que o Madzub brincava com o canhão, o sucesso era certo.

Houve em Hyderabad um Madzub que tinha o hábito de insultar todo mundo.


Usava tantos nomes que o povo dele se afastava. Mas a despeito de todos os
insultos, um homem atreveu-se a chegar perto dele. Perguntou-lhe o Madzub:
“O que desejas?” e o homem respondeu: “Tenho um caso no tribunal que vai ser
julgado daqui há seis dias e não tenho recursos. Que devo fazer?” O Madzub
falou: “Conte-me seu caso, mas não me conte senão a verdade”. O homem
contou-lhe tudo. Ele escutou e escreveu no chão o seguinte: “Parece-me que
não há nada neste caso. Deve ser decidido favoravelmente”. E acrescentou:
“Está acabado, pode ir”. No dia da audiência o homem foi ao tribunal. Da parte
contrária haviam muitos advogados e procuradores, do seu lado ninguém,
porque era um pobre coitado. O juiz ouviu ambas as partes e depois proferiu a
sentença usando as mesmas palavras que o Madzub tinha escrito no chão.

A explicação? As palavras de Cristo: “Entrai primeiro no reino de Deus...”


explicam bem isso, isto é, toda alma tem em si o reino de Deus. Ser consciente
desse mistério da vida é abrir os próprios olhos para o reino de Deus e então
qualquer coisa que a pessoa fizer passa a ter um significado e uma influência
que nunca se perde. Se a coisa não se materializar não importa, será
espiritualizada. Nada se acaba e nada se perde aqui. Se não foi produzido neste
plano, foi produzido num outro plano, mas mesmo assim é refletido neste plano,
porque há sempre uma ação e reação entre os dois planos. Isto significa apenas
que, se o que uma pessoa fizer não se materializar neste plano, está sendo
refletido do outro plano para este plano e depois se materializará. Eis tudo. Se
alguém pensar: “Não consegui materializar meu desejo”, é porque o tempo e as
condições não permitiram que a coisa se materializasse, mas uma vez emitido
um pensamento será um dia materializado.
CAPÍTULO VII

Pensamento e Imaginação

Há cinco aspectos da mente. O mais conhecido é o que chamamos de mente, a


mente que cria pensamentos e imaginações. A mente é o solo em que plantas
crescem em forma de pensamentos e imaginações. Ali vivem. Embora no solo
da mente exista uma vegetação contínua e sempre renovada, as plantas e
árvores se ocultam à nossa vista e só as novas plantas que surgem é que ficam
diante da nossa consciência. Esse o motivo de não pensarmos muito sobre os
pensamentos e imaginações passados e que não estão mais diante de nós. De
qualquer modo, quando desejamos achar um pensamento já emitido, não é difícil
achá-lo imediatamente, porque continua a existir.

A parte que a consciência não vê imediatamente é chamada de subconsciência.


O que se chama consciência permanece na superfície, tornando clara para nós
aquela parte de nossos pensamentos e imaginações que acabamos de criar e
que ainda estamos ocupados em olhar. Todavia, uma vez que uma imaginação
ou pensamento foi criado, continua a existir.

Em que forma existe? Na forma criada pela mente. A alma toma uma forma no
mundo físico, uma forma que tomou por empréstimo do mundo. Do mesmo
modo, o pensamento toma a forma que tomou emprestado do mundo mental.
Uma mente lúcida, portanto, pode dar ao pensamento uma vida distinta, uma
forma distinta. Uma mente confusa produz pensamentos indistintos. Nos sonhos
vemos como isso é verdadeiro: os sonhos dos que possuem uma mente lúcida
são claros e distintos, os sonhos dos que têm a mente pouco clara, são confusos.
É muito interessante notar como são belos os sonhos dos artistas, dos poetas e
dos musicistas, porque vivem numa atmosfera de beleza e pensam na beleza.
Os sonhos dos que têm a mente repleta de dúvidas, temores e confusões, têm
o mesmo caráter do estado de suas mentes.

É uma confirmação de que a mente dá um corpo ao pensamento, que a mente


dá a cada pensamento uma forma e essa forma permite ao pensamento viver. A
forma de um pensamento não é conhecida apenas por aquele que pensa, é
também conhecida por quem reflete o pensamento, em cujo coração o
pensamento é refletido. Há, portanto, uma comunicação silenciosa entre as
pessoas. As formas de pensamento de uma pessoa refletem-se na mente de
outra. Essas formas de pensamento são mais poderosas e mais claras que as
palavras. São muitas vezes mais impressivas que uma palavra proferida, porque
a linguagem é limitada, enquanto o pensamento tem um campo de expressão
muito mais vasto.

A imaginação é um pensamento descontrolado. Respondendo à pergunta: “É


bom ter uma imaginação forte?”, é muito bom sermos fortes. Se uma pessoa tem
bastante força sua imaginação é forte, forte é seu pensamento e sua própria
pessoa torna-se forte. Além disso, ter uma imaginação forte significa força que
emana da própria pessoa e atinge alvos fora do seu controle. Uma imaginação
forte, entretanto, nem sempre é promissora. O que é desejável é a força do
pensamento. Qual a definição de pensamento? Pensamento é a imaginação
autodirigida e autocontrolada.

Se o pensamento tem um corpo, está ele preso a algum lugar ou se espalha


igualmente em todo o universo? É uma pergunta sutil. Em primeiro lugar
pergunto: se uma pessoa está numa prisão, seu pensamento também está
aprisionado ou pode ela ir onde quiser em pensamento, sair da prisão? Certo
que pode sair da prisão em pensamento. O corpo é que está na prisão, a mente
do prisioneiro pode ir a qualquer parte. Pode acontecer um pensamento
produzido no mundo mental tornar-se cativo devido ao seu objetivo ou motivos,
sua origem ou sua aplicação numa determinada esfera, confinado a um horizonte
em que está sendo elaborado seu destino. Apesar disso é um pensamento e é
capaz de chegar numa fração de segundos a todas as partes do universo.

Há outro aspecto muito interessante quando estudamos a natureza da mente:


toda mente atrai e reflete pensamentos da sua espécie, justamente como existe
uma parte da terra mais propícia à plantação de flores, outra mais adequada à
árvores frutíferas e ainda outra parte onde só crescem plantas inúteis. Portanto,
um reflexo que é emitido por uma mente e cai sobre outra mente, cai somente
sobre a mente que o atraiu. É por isso que se diz que o semelhante atrai o
semelhante. Se um ladrão vai a Paris, se quiser pode se encontrar com um outro
ladrão. Facilmente achará o lugar onde vive esse ladrão. Logo o verá, porque
sua mente tornou-se um receptáculo da mesma espécie de pensamento. Assim
que seus olhares se cruzarem, uma comunicação se estabelece, porque os
pensamentos são semelhantes.

Notamos, observando a vida cotidiana, como o semelhante atrai o semelhante.


O motivo é que a mente desenvolveu um certo caráter a aparecem nela as
formas-pensamento desse caráter. É muito interessante ver esse fenômeno na
vida comum e constantemente essa verdade surge à nossa frente.

As mentes elevadas sempre refletirão e atrairão pensamentos elevados. De


onde quer que venham, esses pensamentos são captados pelas mentes
elevadas. São atraídos para o terreno da mente previamente preparado para
recebê-los. Uma mente vulgar é atraída por e para coisas vulgares. Por exemplo,
quem tem o hábito de criticar os outros, está sempre com os ouvidos abertos ao
criticismo, porque é um assunto que lhe interessa e lhe dá grande prazer. Não
pode resistir à tentação de ouvir falar mal dos outros, porque é a coisa mais cara
ao seu coração e também gosta de falar mal de seus semelhantes. Para os
ouvidos de quem esses pensamentos não interessam, é uma nota estranha e
dissonante que não deseja ouvir. Seu coração não sente nenhum prazer nisso,
o que deseja é se ver livre de tudo que é desarmonioso. Por este motivo o mundo
da mente é o reino do homem, é propriedade sua. O que o homem semeia colhe.
Tudo que criar na sua propriedade que se chama mundo da mente, terá vida e
se reproduzirá.

Entretanto agora na parte mais profunda a metafísica: o que forma a imagem do


pensamento? É uma pergunta muito sutil. Um cientista materialista dirá que
existem átomos do pensamento que se agrupam e criam a forma. Quando se
ajuntam compõem a forma do pensamento. Se quiser falar mais objetivamente,
dirá que no cérebro há pequenas imagens de pensamentos justamente como no
cinema, imagens que se movem sucessivamente e completam a forma. Dirá isso
porque o cientista não quer ir além do corpo físico e quer achar o segredo da
vida no corpo e no mundo físico.

Na realidade, o cérebro é somente um instrumento que torna os pensamentos


mais claros. O pensamento é muito maior, mais vasto, mais profundo e muito
mais elevado que o cérebro. A imagem do pensamento é feita pelas impressões
da mente. Se a mente não tivesse recebido impressões o pensamento não seria
claro. Por exemplo, um cego que nunca viu um elefante, não pode ter uma idéia
desse animal, porque na sua mente não foi criada a forma-elefante. Assim, sua
mente não pode ajudá-lo. A mente deve primeiro conhecer uma coisa e depois
compô-la. A mente é um depósito de todas as formas que uma pessoa já tenha
visto. Mas – pergunta-se – uma forma não pode ser refletida na mente de um
cego? Pode, mas permanecerá sempre incompleta. Se um pensamento for
projetado num cego, ele o capta pela metade porque não recebe o que deve
receber da própria mente. Recebe apenas o reflexo projetado. Tem, assim, uma
idéia vaga da coisa e não pode torná-la clara para si mesmo, porque sua mente
ainda não formou a idéia.

A forma-pensamento que a mente retém é refletida sobre o cérebro. O cérebro


assemelha-se a uma chapa fotográfica. O pensamento cai sobre o cérebro
justamente como um reflexo cai sobre a chapa fotográfica, quer o pensamento
da própria pessoa, quer o pensamento de outra pessoa. Há, porém, outro
processo: o pensamento revelado, justamente como se revela uma chapa
fotográfica. Como se revela um pensamento? Há alguma solução na qual se
mergulhe o pensamento, como acontece com a revelação da chapa fotográfica?
Sim, há essa solução e ela se chama inteligência. O pensamento é revelado
através da nossa própria inteligência e se torna mais claro aos nossos sentidos
interiores. Entende-se por sentidos interiores a parte interna dos cinco sentidos,
pois, externamente são os cinco órgãos que nos dão idéia dos cinco sentidos.
Na realidade há um só sentido. Através dos cinco diferentes órgãos externos
experimentamos diferentes sensações e isto nos dá uma idéia dos cinco
sentidos.

Há imaginativos que chegam a conceber diferentes cores de pensamentos,


imaginações e sentimentos e diferentes formas imaginárias de pensamentos e
sentimentos. Isso, sem dúvida alguma, é mais simbólico que tangível. A cor de
um pensamento corresponde ao estado da mente. Mostra o elemento a que
pertence o pensamento: se pertence ao elemento fogo, elemento água ou
elemento terra. Significa, por exemplo no caso do elemento fogo, que o fogo está
atrás do pensamento, que o fogo produz a sua cor e envolve o pensamento como
uma atmosfera. Quando os imaginativos vêem a forma-pensamento na forma de
cor, o que envolve o pensamento corresponde ao caráter desse pensamento.

Um pensamento ligado a lucros terrenos pertence ao elemento terra. Um


pensamento de amor e afeição representa o elemento água, espalha simpatia.
Um pensamento de vingança e destruição, de injúria e de maldade, representa
o fogo. Um pensamento de entusiasmo, coragem, quietude, paz, representa o
éter. São estas as características predominantes dos pensamentos em conexão
como os cinco elementos.

Não há superioridade de um elemento sobre o outro. A superioridade do


pensamento está na perspectiva da mente. Por exemplo, uma pessoa em pé
num terreno, vê um horizonte à sua frente. É a sua perspectiva. Outra pessoa
que está no topo de uma torre, tem à sua frente um horizonte mais vasto. Sua
perspectiva é diferente. Conforme a perspectiva o pensamento é superior ou
inferior. Além disso, ninguém pode se referir a um pensamento, a um quadro do
pensamento, e dizer: “Este é um pensamento inferior” ou então “Este é um
pensamento superior”. O pensamento não é uma moeda que pode ser inferior
ou superior. O que faz um pensamento inferior ou superior é a sua motivação.

A forma-pensamento tem também um efeito, um efeito sobre o aspecto e a


expressão de uma pessoa, pois o pensamento tem uma linguagem especial que
se manifesta numa espécie de escrita, se soubermos ler o que está escrito. Essa
linguagem pode ser lida na face e na figura de uma pessoa. De uma certa forma
todos conseguem ler, mas não é fácil decifrar as letras ou o alfabeto dessa
língua. Há um mistério, mas o que abre a porta da linguagem do pensamento
são as vibrações e a direção das vibrações. Um pensamento age sobre a figura
de uma pessoa e ao seu redor, manifesta-se nos olhos e no ser visível. Existe
uma lei que governa o trabalho do pensamento, essa lei é a lei da direção, que
determina se as forças devem se encaminhar para a direita ou para a esquerda,
para cima ou para baixo. A direção das vibrações do pensamento produz um
quadro, de maneira que um vidente pode ver esse quadro tão claramente como
se lesse uma carta. Indubitavelmente não é necessário que um vidente leia o
pensamento através da forma visível de uma pessoa. Ele não seria um vidente
se não estivesse apto a receber uma reflexão, se nele não se refletissem os
pensamentos, o que torna as coisas muito mais claras. Além do mais, não
precisa ver o quadro do pensamento na forma visível para conhecê-lo, a
atmosfera da pessoa se encarrega de contar-lhe. O próprio pensamento brada:
“Eu sou o pensamento”, seja ele qual for, porque o pensamento tem uma
linguagem, uma voz. O pensamento tem respiração e vida.
CAPÍTULO VIII

A Memória

A memória é uma faculdade mental tão distinta quanto a mente, é uma máquina
registradora que registra tudo que vê por meio dos cinco sentidos. O que é visto,
ouvido, aspirado, tocado e provado é registrado na memória. Uma forma, uma
pintura, uma imagem vista, permanecem, às vezes, na memória toda a vida, se
forem bem registradas por ela. No convívio social ouvimos muitas palavras e, no
entanto, só algumas que a memória registrou é que ficam para sempre
registradas e se tornam vivas. Dá-se o mesmo com a música. Quando ouvimos
uma música maravilhosa e a mente a registrou, ela permanece eternamente. A
memória é uma máquina tão viva que podemos reproduzir a qualquer tempo o
que nela está registrado, porque esse registro nunca se apaga. Se sentimos o
cheiro de um bom perfume, sempre nos lembraremos dele. O sentido do paladar
permanece conosco e o sentido do tato é retido pela memória.

As coisas não são registradas na memória como fazemos com um livro de notas.
O livro de notas não tem vida e o que nele é registrado é coisa morta. A memória
ao contrário é viva. O que fica na memória, portanto, tem vida, é uma sensação
viva. Uma recordação agradável registrada pela memória é, às vezes, tão
preciosa que desejamos sacrificar o nosso mundo objetivo por ela.

Ao visitar certa vez uma viúva, fiquei muito sensibilizado. Seus parentes
mostraram desejo que eu a aconselhasse a frequentar a sociedade novamente,
a conviver com as pessoas, enfim levar uma vida mais social. Quando comecei
a aconselhá-la ela me disse gentilmente: “Todas as experiências da vida social,
embora agradáveis, não me dariam nenhum prazer. Minha única alegria é a
lembrança do meu amado. Tudo o mais não me faz feliz e me deprime. Minha
felicidade está em pensar no meu ente querido”. Não disse mais uma palavra
para que modificasse seu estado de espírito. Seria imperdoável de minha parte
– pensei – afastá-la da sua alegria. Se a lembrança do marido fosse para ela
uma infelicidade, poderia ter-lhe falado como desejavam os parentes, mas para
ela a lembrança do marido era a sua única e verdadeira felicidade. Uma grande
estima foi só o que senti por ela. Não consegui pronunciar mais nenhuma
palavra.

Na memória está o segredo do céu e do inferno. Como disse Omar Khayyam no


seu livro Rubayat: “O céu é a visão do desejo satisfeito e o inferno é a sombra
de uma alma em fogo”. O que é isso? Onde está? Somente na memória. A
memória, pois, não é uma coisa pequena, não é algo oculto no cérebro, é uma
coisa viva, uma coisa tão vasta que a mente limitada não pode conceber. É uma
coisa que em si mesma constitui um mundo.

Perguntam então: “Que acontece a uma pessoa quando perde a memória? A


perda da memória é ocasionada por uma desordem no cérebro?” Não. Em
primeiro lugar nunca se perde realmente a memória. Uma pessoa pode perder a
memória, mas a memória não se ausenta da pessoa, porque a memória é o
próprio ser do indivíduo. O que acontece é que a desordem do cérebro faz com
que o cérebro não mais consiga distinguir o que a memória contém. Portanto,
uma pessoa que perdeu a memória devido a uma desordem do cérebro, continua
a ter memória. A memória ficará mais clara para tal pessoa depois da morte,
porque a mente é totalmente diferente do corpo. Mente é uma coisa à parte,
independente do corpo. A mente depende do corpo para viver as experiências
exteriores vividas através dos sentidos, mas a mente independe do corpo para
reter os tesouros que colecionou no mundo exterior.

Como estamos acostumados a experimentar tudo por meio do veículo corpo, até
mesmo os nossos sentimentos, somos dependentes do corpo por algum tempo,
mas isso não quer dizer que não podemos experimentar tudo que pertence à
mente sem o auxílio do corpo. Além disso, se alguém se elevar acima do seu ser
objetivo, encontrará sua memória intacta. O que sucede é que a memória não
pode simplesmente funcionar num cérebro em desordem, mas as impressões
durante o tempo em que a pessoa perdeu a memória, continuam a ser
registradas. Voltam mais tarde. Quando alguém perde a memória, a memória
deixa de fazer o registro das coisas que vê.

Ter boa memória não é somente uma boa coisa, é uma bênção, é sinal de
espiritualidade, porque é uma demonstração de que a luz da inteligência está
clara, iluminando cada partícula do cérebro. Uma boa memória é o apanágio das
grandes almas. Além disso, a memória é o tesouro onde está guardado o nosso
conhecimento. Se um homem não puder extrair o conhecimento coletado de sua
memória, o que aprendeu nos livros tem muito pouco valor.

Um dia, depois de seis meses do meu Mestre me ter recebido como discípulo,
começou a falar sobre metafísica. Como tinha inclinação pela metafísica, fiquei
contente com a oportunidade. Durante esses seis meses nunca fiquei
impaciente, nunca me mostrei ansioso de conhecer mais alguma coisa além do
que me era permitido conhecer. Contentava-me plenamente em ficar aos pés do
Mestre. Isso bastava-me. Entretanto, foi um grande estímulo para minha mente
ouvi-lo falar de metafísica. Assim que tirei do bolso meu caderno de notas, o
Mestre parou de falar no assunto, não quis mais prosseguir. Naquele dia aprendi
uma lição: o Mestre me fez ver que o caderno de notas não devia ser o depósito
dos meus conhecimentos, havia um caderno de notas vivo que era a minha
memória, o verdadeiro caderno de notas que seria meu toda a vida e que eu
levaria comigo quando a vida na terra se extinguisse.

É lógico que as coisas terrenas devem sempre ser anotadas no papel, números
e ocorrências, mas o que se refere a assuntos espirituais, à lei divina, é de muita
importância para ser registrado num simples caderno de notas, deve ser
entesourado na memória, pois a memória não é apenas uma máquina
registradora, é um terreno fértil. O que ali é colocado está em constante
criatividade, está fazendo alguma coisa. Portanto, nós não possuímos somente
alguma coisa que depositamos, também há juros.

Mas aprendemos pelo caminho Sufi a apagar do nosso registro uma memória
viva de algo que aconteceu no passado. É um trabalho que realizamos por meio
da concentração e da meditação. Não é fácil, é bastante difícil, mas é uma das
coisas mais valiosas. É por isto que nós, os Sufis, mantemos nossos
ensinamentos livres das especulações, crenças, doutrinas e dogmas, pois
acreditamos no trabalho feito dentro de nós mesmos. Que aconteceria se uma
determinada coisa Ihes fosse dita hoje, passassem a acreditar nela, e no dia
seguinte duvidassem e não mais acreditassem? Se Ihes fosse dito que existe
uma casa, um palácio, no sétimo céu, o que Ihes serviria isso? Serviria apenas
como objeto de curiosidade e não os levaria a parte alguma. Assim, por meio da
meditação, alcançamos nós mesmos todas essas coisas. Podemos extirpar da
memória o que quisermos e, assim, ficaremos aptos a construir nós mesmos o
nosso céu, controlar a mente e fazê-la trabalhar como um artista trabalha uma
tela, reproduzindo nela o que quiser. Eis aí o segredo do esoterismo.

Como é possível alguém destruir pensamentos indesejáveis? Devem ser sempre


destruídos por quem os criou? O criador do pensamento é que deve destruí-lo,
mas não está nas mãos de todos destruir um pensamento. Contudo, a mente
que conseguiu o completo domínio, que pode criar o que bem lhe aprouver, pode
também destruir o que criou. Quando estivermos aptos a reproduzir na tela do
nosso coração tudo que desejarmos e apagar tudo que quisermos, teremos
chegado à mestria, o domínio completo, que nossa alma tanto almeja.
Preencheremos o objetivo que nos trouxe à terra e seremos donos do nosso
destino. É difícil, mas é esse o objetivo que devemos ter sempre em mira, que
devemos tentar atingir.

Às vezes, devido à excessiva pressão exercida sobre a memória, ela se


enfraquece. Quando fazemos esforço para lembrar, criamos uma tensão sobre
uma coisa que é natural: a memória. A natureza da memória é lembrar, mas ao
fazermos pressão sobre ela e lhe ordenarmos: “Tem que recordar”, ela esquece.
O simples fato de termos feito pressão sobre a memória, bastou para que se
esquecesse.

Não devemos tentar impressionar mais profundamente a mente do que ela já é


impressionada normalmente. Não é necessário usar o cérebro quando
quisermos recordar porque, ao usar o cérebro, apenas exercemos sobre ele uma
pressão. A memória é uma faculdade à disposição do homem e está sob seu
comando. Se o homem quiser saber alguma coisa que esteja armazenada na
memória, saberá instantaneamente sem pressionar o cérebro. A memória é uma
máquina automática e sua função é transmitir instantaneamente ao homem tudo
que ele quiser saber.

Se a memória não funcionar deste modo, algo está errado. Certamente a


associação de idéias é um auxílio. É como acontece com uma pessoa que, tendo
afastado da mente o pensamento de um cavalo, se lembrasse dele passando
por uma cocheira. A força de vontade não deve ser usada para recordar, basta
a atenção. É errado o que muitas pessoas dizem atualmente sobre a maneira de
recordar: para recordar as coisas basta querer. O querer enfraquece as pessoas
e além disso, é absolutamente necessário haver equilíbrio perfeito entre a
atividade e o repouso.

A memória jamais se perde, o que acontece é que quando a mente está abatida
a memória se torna confusa, porque a tranquilidade da mente é que nos faz
distinguir tudo que está na memória. Quando a mente está sobrecarregada,
quando alguém não está tranquilo, naturalmente está incapacitado de ler tudo
que a memória registrou. Não é verdade que a memória deixe escapar o que
nela foi registrado, apenas acontece que o homem perde o ritmo de sua vida
pela superexcitação, nervosismo, fraqueza nervosa, ansiedade, preocupações,
temores e confusões. É isso que causa uma espécie de perturbação na mente.
Nesse estado de perturbação ninguém pode ver distintamente o que a memória
registrou. Por exemplo, quem não consegue decorar, a primeira coisa que deve
fazer é tranquilizar a mente para que ela tenha condições de decorar. É uma
maneira mental, mas há uma maneira de melhorar a memória no campo físico:
comer menos, dormir normalmente, não trabalhar e não se preocupar
demasiadamente, afastando da mente toda ansiedade e temor. Não é preciso
trabalhar a memória para torná-la clara. Para torná-la perfeitamente clara, basta
o homem fazer de si um indivíduo tranquilo, rítmico e pacífico.
CAPÍTULO IX

A Vontade

Vontade não é UMA força e sim TODA a força que existe. Como Deus criou o
mundo? Pela vontade. Por conseguinte, o que chamamos força de vontade é na
realidade uma força de Deus que, por ser reconhecida como potencialidade pelo
homem, cresce e prova que é o fenômeno mais importante da vida. Se existe
um segredo que possa ser visto oculto no mistério do mundo fenomênico, é a
força de vontade. Tudo que fazemos física e mentalmente se completa pela força
de vontade. Nossas mãos, apesar de seu perfeito mecanismo, não segurarão
um copo d’água se não forem acionadas pela força de vontade que o sustenta
firme. Um indivíduo pode parecer muito saudável, mas se lhe faltar força de
vontade não será capaz de se manter em pé. Não é o corpo que nos faz
permanecer em posição vertical, é a nossa força de vontade, que sustenta o
nosso corpo e o faz mover-se. Os pássaros na realidade não voam com as asas,
voam impulsionados pela força de vontade. Os peixes não nadam com o corpo,
nadam pela força de vontade. Quando o homem tem vontade de nadar, nada
como um peixe.

O homem tem sido capaz de executar coisas maravilhosas usando sua força de
vontade. O sucesso e o fracasso são fenômenos da vontade. O que leva uma
pessoa ao sucesso é apenas o fenômeno da vontade. Quando a vontade está
ausente, falha o indivíduo, embora qualificado e inteligente. A vontade, portanto,
não é uma força humana, é uma força divina que trabalha no homem. O trabalho
executado pela vontade na mente é ainda muito maior, pois nenhum homem
pode sustentar na mente uma idéia por um momento sequer a não ser que tenha
força de vontade. Se uma pessoa não consegue se concentrar, se não pode fixar
seu pensamento por um momento sequer, falta-lhe força de vontade, pois a
vontade é que sustenta o pensamento.

Vamos agora à pergunta: de que é feita a força de vontade? Na linguagem


poética força de vontade é amor e, em termos metafísicos, amor é força de
vontade. Se alguém diz que Deus é amor, quer dizer realmente que Deus é
vontade, porque o amor de Deus se manifestou depois da criação e a criação foi
a vontade de Deus. Assim, pois, o aspecto original do amor é vontade. Quando
alguém diz “Gosto de fazer isto” realmente quer dizer “Farei isto”, uma expressão
mais forte que significa: “Gosto imensamente de fazer isto”.
Outrossim, vontade e consciência são a mesma coisa fundamentalmente. Essas
duas expressões usadas para significar a mesma coisa, fazem delas, entretanto,
coisas distintas. Essa dualidade é produto da unidade. O próprio Ser de Deus é
vontade na expressão e é consciência na reação. Em outras palavras, na ação
é vontade, no silêncio é consciência, como acontece fundamentalmente com o
som e a luz, que são uma e mesma coisa. Num estado a fricção das vibrações
produz a luz, noutro estado as mesmas vibrações produzem o som, que é
audível. É por este motivo que a natureza e o caráter do som e da luz são uma
e mesma coisa. E assim são a natureza e o caráter da consciência e da vontade,
porque tanto uma como a outra pertencem ao próprio Ser de Deus.

Diz o Corão: “Faça-se e fez-se”. É uma chave para a entrada no mundo dos
fenômenos. Para o mundo em progressão, para o pensamento avançado, é a
chave para se compreender como a manifestação passou a existir. A
manifestação veio a lume em resposta à Vontade que se expressou dizendo:
“Faça-se” e a manifestação se fêz. Este fenômeno não pertence apenas à origem
das coisas, pertence à existência de todas as coisas, a todo o processo da
manifestação.

Estamos aptos a olhar toda a criação como um mecanismo, como acontece com
o homem moderno, e não paramos para pensar como um mecanismo pode
existir sem um engenheiro. O que é um mecanismo? É somente uma expressão
da vontade de um engenheiro, que o fabricou para atender certas exigências.
Como não vemos diante de nós o engenheiro e apenas vemos o mecanismo,
envolvemo-nos nas leis que regem o funcionamento do mecanismo e nos
esquecemos completamente do engenheiro, a cujo comando obedece todo o
mecanismo em funcionamento. Como disse Rumi, o grande inspirador e filósofo
Sufi, no seu livro Masnavi: “A terra, a água, o fogo e o ar parecem ao homem
coisas ou objetos, mas para Deus são seres vivos. São Seus servos obedientes
e obedecem à Vontade Divina”. Herdamos parte dessa Vontade como herança
divina. A consciência dessa herança divina é que a torna maior. Se dela não
estivermos conscientes, tornar-se-á menor.

A atitude otimista diante da vida desenvolve a vontade. A atitude pessimista


reduz a vontade, rouba-lhe a grande força que tem. Se, portanto, há alguma
coisa na vida que refreie nosso progresso, é a nossa própria pessoa. Foi provado
milhares de vezes que não há maior inimigo do homem que ele próprio, pois
diante de cada fracasso quer interpretá-lo de acordo com o seu ponto de vista.

A terra apodera-se da semente e da semente nasce uma planta. O mesmo


acontece com o coração: apodera-se da semente do pensamento e dela também
nasce uma planta, cujo fruto é a realização. O que é de grande importância não
é somente o pensamento, mas a força para manter o pensamento. Portanto, o
fator coração, fator que sustenta o pensamento, é de suma importância para a
consecução do objetivo da vida. Às vezes ouvimos alguém dizer: “Tento o mais
que posso, mas não consigo concentrar minha mente, não posso tranquilizá-la”.
Há verdade nisso, mas não é verdade que tal pessoa tenha tentado o máximo.
O máximo não termina aí, o máximo é o que nos leva realmente à realização
do objetivo.

A mente é precisamente como um cavalo teimoso. Trazei um cavalo selvagem


e atrelai-o a uma carruagem. Para o cavalo selvagem é uma experiência tão
estranha que ele escouceia, salta, galopa e procura destruir a carruagem.
Igualmente para mente é uma coisa estranha e pesada tentar fazê-la fixar-se
num pensamento e sustentá-lo algum tempo. A mente se rebela porque não está
acostumada à disciplina. A mente é capaz de por si só sustentar um pensamento.
Apossa-se de um pensamento decepcionante, de uma dor, de um agravo, de
uma tristeza ou fracasso tão firmemente que é difícil alguém livrar da garra da
mente aquilo que ela mesma se apossou. Quando, entretanto, pede-se à mente
que se aposse de um determinado pensamento, ela responde: “não quero me
apossar desse pensamento”. Mas uma mente disciplinada pela concentração,
pela força de vontade, torna-se escrava do homem. Quando a mente passou a
ser escrava do homem e não o homem o escravo da mente, de que mais precisa
ele? O mundo do homem passará a ser o mundo dele próprio. O servo
transformou-se no senhor do reino.

É provável que muitos queiram perguntar: “Por que não deixar a mente livre
como nós somos livres?” Mas o homem e a mente não são duas coisas
diferentes. Seria o mesmo que dizer: “Deixemos o cavalo ser livre e o cavaleiro
também”. Se deixarmos o cavalo livre talvez ele queira ir para o sul e o cavaleiro
para o norte. Como poderiam cavalgar juntos? Alguns podem também dizer:
“Sejamos livres e a vontade será livre”. Mas o que somos nós afinal? Não somos
nada sem disciplina. A disciplina tem um lugar de destaque na vida do homem.
A autodisciplina embora pareça difícil e tirânica a princípio, no fim faz da alma a
mestra do eu. Não foi em vão que os grandes sábios e adeptos levaram uma
vida ascética. Tinham um objetivo em vista. Não é uma coisa que deve ser
seguida por todos, mas compreendida. Devemos compreender, por exemplo, o
que desejavam fazer de suas vidas, o que desejavam realizar. Essa vida de
autodisciplina visava ao desenvolvimento da força de vontade.

Tudo que nos falta na vida tem origem na falta de vontade. Todas as bênçãos
que recebemos vêm por meio da força de vontade. Alguns pensam que não
depende deles próprios a força de vontade, que ela é dada a certos homens
como graça, como bênção. Não depende de nós mesmos porque ela é o próprio
ser do homem. Sem dúvida é graça e é bênção, mas mesmo assim deve ser
encontrada dentro de nós, porque a força de vontade é o nosso próprio ser.
CAPÍTULO X

A Razão

Diante de nós abre-se um vasto campo de pensamento ao analisarmos o


significado da palavra razão. Primeiramente, o benfeitor e o malfeitor encontram
sempre uma razão para justificar seu procedimento. Quando duas pessoas
brigam, ambas dizem que o direito está do seu lado. Por que? Porque cada
indivíduo tem sua razão, mas para uma terceira pessoa a razão de um parece
mais razoável que a razão do outro, ou talvez diga que nenhuma das partes tem
razão e que a razão está do seu lado. Todas as desavenças, argumentos e
discussões baseiam-se na razão.

No entanto, se analisarmos bem a razão, ela nada mais é que ilusão, ilusão que
mantém o homem em constante perplexidade. A causa de toda desarmonia e de
todos os desacertos, está na falta de compreensão da razão alheia. O que é
razão? – pergunta-se. A que lugar pertence? A razão pertence tanto à terra como
ao céu. É celestial no que tem de mais profundo e é terrena na sua parte
superficial. O que enche o vácuo que existe entre a terra e o céu na forma da
razão, é a sua parte do meio, a parte intermediária, que a une. Portanto, a razão
pode ser a coisa mais confusa ou mais iluminadora. A parte mais profunda da
razão é o raciocínio mais perfeito e pertence ao céu. Há um outro raciocínio que
pertence à terra. Se perguntarmos a alguém: “Por que tirou a capa de chuva de
fulano?”, é possível que responda: “Porque estava chovendo”. Sem dúvida
procurou uma razão para justificar seu procedimento, mas precisa de uma outra
razão que o leve a pensar: “Não devia ter tirado a capa de uma outra pessoa.
Embora estivesse chovendo, a capa não é minha”. É uma outra razão. Os
ladrões e assassinos não têm sua própria razão? Às vezes são boas razões,
mas são superficiais. Não diz um ladrão para justificar o roubo: “Que significa
para o dono disto tudo, tão rico, perder esse dinheiro? Aqui estou eu, um homem
pobre, que pode fazer melhor uso desse dinheiro. Não vou roubar toda a fortuna,
apenas tirar a quantia que necessito. Vai me ser útil, porque posso fazer o bem
com o dinheiro”.

A razão é a serva da mente. Se a mente tem vontade de elogiar alguém, a razão


imediatamente apresenta mil coisas a seu favor para exaltá-lo. Se a mente quer
odiar alguém, logo apresenta talvez vinte argumentos a favor desse ódio. Assim,
um amigo amável acha mil coisas boas e belas no amigo e um adversário achará
mil defeitos na melhor pessoa do mundo, porque encontra razões para tal.
Na conversação francesa ouve-se constantemente a frase: “Vous avez raison”,
tens razão. Podemos dizer que cada um tem sua razão. Não é só algumas vezes
que alguém tem razão. Todos têm sempre uma razão. Depende da razão: é a
razão terrena, a razão celestial ou a razão intermediária? É bastante
compreensível que a razão celestial não se harmonize com a razão terrena.

Com relação à essência das coisas: onde podemos encontrar a razão? Onde
podemos saber algo sobre ela? A razão terrena aprende-se com a vivência de
nossas experiências do mundo. Quando dizemos: “Isto é direito e aquilo é
errado”, foi o resultado do nosso aprendizado na terra, em que nos ensinaram a
achar que uma coisa é certa e outra é errada. Ambas as coisas nada
representam para uma criança inocente, que por sua pouca idade nada sabe
sobre o certo e o errado porque ainda não adquiriu a razão terrena. Há uma
razão que está acima da razão terrena. Aquele homem da história que tirou a
capa do companheiro, tinha sua razão e desculpou-se dizendo que a tirou
“porque estava chovendo”. Mas acima dessa razão vamos encontrar uma outra
razão, a que fez o homem pensar: “você tirou a capa, mas ela não lhe pertencia”.
É uma outra razão, a razão atrás da razão.

Ainda existe um outro senso da razão: a razão celestial. Nem todos


compreendem essa razão. É a razão que videntes e sábios descobrem dentro
de si, assim como os místicos e profetas. As religiões são fundadas sobre a
razão celestial. No solo dessa razão brotam, como plantas, as idéias do
misticismo e da filosofia, que dão flores e frutos. Quando é pedido ao discípulo
que escute a razão do Mestre e não a discuta, é para que reconheça que atrás
da razão do Mestre está razão celestial e saiba que chegará um dia na vida em
que seus olhos serão abertos para a razão primordial. Como se chama essa
razão? Bodhisatva. Satva significa essência e Bodhi ou Buddh significa razão.
Dessa palavra originou-se o título Gautama Buddha.

Como chegar a essa razão? Entrando no ritmo chamado Satva. Existem três
ritmos: Tammas, Rajas e Satva. Conhece a razão terrena o indivíduo que vive
no ritmo Tammas. O homem cujo ritmo de vida é Rajas conhece não só a razão
terrena como a razão oculta atrás de uma razão. Aquele que começa a ver ou
viver no ritmo Satva, principia a ver a causa de todas as razões, a que está na
parte mais profunda de todos os seres. É a razão de Deus.

A razão está ligada a um impulso e está vinculada a um pensamento. A razão


vinculada a um pensamento é a parte intermediária da razão. A razão ligada a
um impulso é a parte inferior da razão, enquanto que a razão inspiradora, a parte
mais alta da razão, é a razão celestial. Essa razão revela a luz divina. Essa luz
vem através do despertamento para essa razão, que vamos encontrar vivendo
no coração de Deus.

Contam a seguinte história: Moisés estava percorrendo um país em companhia


de Khidr. Khidr era o Murshid (Mestre) de Moisés, quando estava sendo
preparado para sua missão de profeta. A primeira lição de disciplina dada a
Moisés foi ficar calado, não falar, em qualquer circunstância. Andaram por
lugares lindos. Mestre e discípulo não proferiram uma só palavra. O Mestre
exultava diante da beleza da natureza e o discípulo sentia a mesma exaltação.
Chegaram às margens de um rio. Moisés viu uma criancinha se afogando e a
mãe chorando e gritando porque nada podia fazer. Moisés não conseguiu manter
silêncio, ficar de lábios cerrados. Quebrou a disciplina e exclamou: “Mestre,
Mestre, salve a criança. Está se afogando”. Khidr apenas disse: “Cala-te”. Mas
Moisés não podia ficar calado e repetiu: “Mestre, Mestre, salve a criança. Está
se afogando”. O Mestre repetiu: “Cala-te”. Calou-se Moisés, mas sua mente
estava inquieta. Não sabia o que pensar. Perguntou a si mesmo: “Como o Mestre
pode ser tão desatencioso, tão inconsiderado, tão cruel, ou será que é um
incapaz?” Não podia compreender o que estava acontecendo, não ousava emitir
tal pensamento e no entanto o episódio trouxe-lhe tremendo desconforto.
Caminharam mais um pouco e viram um navio afundando. Moisés disse: “Mestre,
aquele navio está afundando, vai soçobrar”. Novamente o Mestre ordenou-lhe
que não falasse. Moisés calou-se, mas aquele desconforto aumentava. Quando
chegaram ao destino, Moisés disse ao Mestre: “Mestre, pensei que fosseis salvar
aquela inocente criança do afogamento e também que salvásseis o navio que
estava naufragando, mas não fizestes nada. Não compreendo e gostaria de ter
uma explicação.” E o Mestre falou: “O que você viu eu também vi, ambos vimos.
Portanto não havia necessidade de me dizer o que estava acontecendo, porque
eu vi. Se eu tivesse pensado que o melhor era interferir, teria feito isso. Por que,
então, toda aquela preocupação de chamar minha atenção e estragar seu voto
de silêncio?” Continuou: “A criança que estava se afogando mais tarde iria criar
um conflito entre duas nações. Milhares de vidas seriam destruídas nessa luta.
Com seu desaparecimento foi afastado o perigo que ela representava”. Moisés
olhou para o Mestre com a surpresa estampada no rosto. Khidr continuou a
explicar: “O navio que estava naufragando era um navio de piratas que navegava
para atacar e afundar um navio de peregrinos, pilhar e trazer para seu
esconderijo o que pudessem. Acha que nesses casos você e eu podemos nos
arvorar em juízes? O Juiz está oculto, conhece tudo sobre Suas ações e Seu
trabalho. Quando disse que ficasse quieto, deveria ter cerrado os lábios e
observar tudo silenciosamente, como fiz”.

Há um verso Persa que diz: “O jardineiro é quem sabe qual a planta que deve
ser cultivada e a que deve ser cortada”.

Será essa a nossa atitude? Não devemos ir ajudar? Sim, podemos ajudar. Mas
também se uma pessoa espiritualizada não faz aparentemente o que dela
esperamos, não é preciso falar-lhe sobre isso, pois devemos saber que há uma
razão. Não é preciso julgá-la, porque quanto mais evoluímos mais nossa razão
é diferente. Assim ninguém tem poder para julgar ninguém, o que deve fazer é
agir da melhor maneira possível.
Sem dúvida a educação atual constitui grande obstáculo para as crianças. São
ensinadas a raciocinar livremente com os pais. Com esse raciocínio livre, quando
chegam a uma certa idade não param para pensar. Antes de pensar
argumentam, discutem e perguntam: “Por que não?”, “Por que?” Dessa maneira
jamais chegarão à razão celestial, pois para chegar a ela é preciso ter uma
atitude respondente e não uma atitude exercitante. O que uma criança hoje em
dia aprende é uma atitude agressiva. Quer impor aos outros o seu conhecimento.
Por não possuir uma atitude respondente perde a criança a oportunidade de
chegar à essência da razão, o espírito de Bodhisatva. Eis a grande dificuldade
na vida das almas evoluídas. O que aconteceu com Jesus Cristo? Havia a razão
terrena de um lado e do outro a razão celestial.

Certa vez ao olhar para meu Murshid (Mestre) surgiu-me o seguinte pensamento:
“Por que uma alma tão elevada como a do meu Murshid usa chinelos bordados
a ouro?” Controlei-me imediatamente, tudo não havia passado de um
pensamento apenas. Jamais meus lábios deixariam passar tal pensamento e já
o havia controlado. Mas o pensamento tinha sido emitido e como eu não podia
abafar minha insolência com os lábios e o meu coração era um livro aberto para
o meu Mestre, ele imediatamente leu meu pensamento. Sabem a resposta que
me deu? “Tenho a meus pés os tesouros da terra”.

Certa vez um Mestre foi à cidade e voltou comentando: “Estou tão alegre, como
estou contente! Senti uma grande exaltação na presença da bem-amada”. Um
dos discípulos pensou: “Encontrou uma bem-amada e sentiu grande exaltação,
que maravilha! Vou até lá para ver se encontro uma bem-amada”. Andou pela
cidade e voltou dizendo: “Que coisa horrível, como o mundo é terrível! Todos
pareciam querer engolir um ao outro, foi esse o quadro que vi. Só senti
depressão, como se todo meu ser tivesse sido cortado em pedaços”. “Você está
certo”, disse o Mestre. O discípulo indagou o motivo dele, o Mestre, ter ficado tão
exaltado com a visita à cidade e ele sentiu como se tivesse sido cortado em
fatias. “Simplesmente não pude suportar, foi horrível!” finalizou o discípulo. E o
Mestre apenas disse: “Você não andou no mesmo ritmo que eu”. O que o Mestre
quis dizer foi que não se tratava do ritmo vagaroso de andar, mas do ritmo em
que a mente se move, do ritmo a que se chega à observação. Aí é que está a
diferença entre uma pessoa e outra, é isso que cria harmonia entre as pessoas.

Quem diz “não quero ouvir tua razão”, sem dúvida alguma tem razão para dizer
isso, como todos têm suas razões, mas melhoraria sua razão se pudesse ouvir
a razão dos outros e pudesse também entendê-la. A razão oriunda da mente
humana é como se fizesse círculos. A mente de uma pessoa fez um círculo num
minuto, a de outra fez o mesmo círculo em cinco minutos. A razão não é igual. A
mente de uma outra fêz um círculo em quinze minutos e sua razão é diferente.
Quanto mais tempo levar, mais largo é o horizonte de sua visão e será assim a
sua perspectiva na vida.
O raciocínio é uma escada. Por essa escada podemos subir e podemos cair,
porque se o raciocínio não nos ajudar a subir pode nos ajudar a descer. Se para
cada passo que se dá para subir há uma razão, há também uma razão para cada
passo para baixo. Sem dúvida que tal distinção existe para permitir que
compreendamos que há realmente uma só razão, que é uma faculdade.
Podemos dividir o corpo humano em três partes, mas ele continua sendo um
corpo, é uma pessoa. A razão é um grande fator. Tem em si possibilidades de
trazer inúmeras maldições e bênçãos.
CAPÍTULO XI

O Ego

Meditando sobre o sentido e o sentimento ou sobre a tendência que nos leva a


dizer sobre a palavra eu, não é fácil explicar seu significado e caráter porque o
eu está acima da compreensão humana. Por esse motivo, quando alguém quer
explicar o eu mesmo para si próprio, aponta para o que se encontra mais perto,
isto é, seu corpo e diz: “Este meu corpo é que chamo de eu”. A alma precisando
se identificar com alguma coisa identificou-se com o corpo, o invólucro da alma.
O homem sente e compreende seu corpo por ser o que lhe está mais próximo e
também porque o corpo para ele é inteligível. O que o homem, portanto, conhece
como sua propriedade é o corpo. É a primeira coisa que toma conhecimento na
vida. Chama o corpo de meu corpo e identifica-se com ele. Se perguntarmos a
uma criança: “Onde está o menino?”, apontará imediatamente para o corpo. O
corpo é o que a criança está vendo e o que ela imagina ser.

Foi assim que a alma criou sua concepção e essa concepção da alma é tão
profunda que passa a chamar todos os outros objetos, pessoas ou seres, cores
ou linhas, por nomes diferentes. A alma não concebe tudo isso como seu, porque
já possui sua concepção: é o corpo, a primeira coisa que conheceu ou imaginou
ser. Tudo mais que a alma vê é através do veículo-corpo, considerando-o como
coisa diferente, separada.

E assim está criada a dualidade da natureza, o “eu” e o “tu”. Como o “eu” é a


primeira concepção da alma, ela passa a se interessar profundamente pelo corpo
e apenas parcialmente pelas outras coisas. Tudo o que nela existe além do corpo
e que a alma não reconhece como seu, chama de acordo com seu
relacionamento com o corpo. A alma estabelece esse relacionamento chamando
de meu o que está entre o eu e o tu, por exemplo: “tu és meu irmão, ou minha
irmã ou meu amigo”. Cria um relacionamento e de acordo com ele, o outro objeto
ou a outra pessoa ficam mais perto ou mais longe da alma.

As outras experiências da alma no mundo físico, nas esferas mentais, formam


uma espécie de mundo à sua volta. A alma vive nesse mundo, mas nunca sente,
ou considera, por um momento sequer, que é o eu. Reservou e aprisionou o eu
numa coisa: no corpo. Todas as outras coisas considera estranhas, diferentes,
e pensa: “Está perto de mim, é querido porque está relacionado comigo, porque
está ao meu lado, mas não é o eu. Para a alma o eu, é uma entidade separada,
cuja função é apanhar e coletar tudo o que uma pessoa é capaz, passando a
constituir seu próprio mundo.

À proporção que o homem evolui cresce, torna-se um grande pensador e sua


concepção do eu se enriquece. Com esse enriquecimento começa a ver mais
além e diz: “Não existe só o corpo, existe também o pensamento, que sinto que
é o meu pensamento, há a imaginação que é a minha imaginação, há meus
sentimentos, que também fazem parte do meu ser. Portanto, não sou meu corpo,
sou também minha mente”. Nesse segundo passo que a alma dá na direção da
realização, começa a sentir e dizer: “Não sou só um corpo físico, sou também
mente”. A plenitude dessa realização faz com que o homem afirme: “Sou um
espírito”, o que quer dizer: “Sou três coisas: corpo, mente e sentimento com os
quais me identifico e elas constituem o ego”.

Quando a alma avança mais um pouco no caminho do conhecimento, começa a


ver que existe algo que sente e tende a chamar de eu, é o sentimento do eu. Ao
mesmo tempo, tudo com que se identifica não é propriamente ela, a alma.
Quando essa idéia surge no coração do homem, tem início a jornada no caminho
da Verdade. Começou a análise. O homem começa a pensar: “Esta mesa é
minha”; “Esta cadeira é minha”. “Tudo que chamo de meu a mim pertence, mas
não é realmente o eu.” Surge-lhe outro pensamento: “Identifico-me com este
corpo, digo que é “meu corpo” como diria “esta é minha cadeira ou minha mesa”,
mas o ser que é o eu na realidade é algo separado, é aquele que tomou até este
corpo para seu uso. Portanto, este meu corpo é apenas um instrumento. E
continua a pensar: “Se este corpo não é o que posso chamar de eu, o que é ele
então? É minha imaginação, com a qual devo me identificar?”. O homem chama
todas essas coisas de “minha imaginação”, “meu pensamento” ou “meu
sentimento”, mas até o pensamento, o sentimento ou a imaginação não são o
verdadeiro eu. O que chama de eu permanece inalterável, mesmo depois que o
homem descobre a falsa identidade.

Nos 10 Pensamentos Sufis lê-se que “a perfeição é alcançada pelo


aniquilamento do falso ego”. O falso ego é aquilo que não pertence ao ego
verdadeiro, aquilo que o ego, erroneamente, concebeu como seu próprio ser.
Quando há uma separação por meio de uma melhor compreensão da vida, o
falso ego é aniquilado. Não é preciso o homem se desenvolver para conseguir
esse aniquilamento. Para aniquilar o corpo ou a mente, o que o homem precisa
fazer é uma auto-análise e perguntar: “Onde me situo? Situo-me como um ser
distante, exclusivo? Se sou um ser remoto e exclusivo, preciso descobrir.” Agora
a questão é começar a descobrir o que é.

Logo que esse descobrimento é feito, o homem começou seu trabalho no


caminho espiritual. Para fazer com que os olhos se vejam, é preciso usar um
espelho para que os olhos vejam seu reflexo. Assim também, para que o ser
verdadeiro, o ser total se manifeste, é preciso que o corpo e a mente se
convertam num espelho, para que nele o ser verdadeiro possa se ver e
compreender que é um ser independente. Chega-se a essa realização pelo
caminho da iniciação, através do caminho da meditação, pelo conhecimento
espiritual, tornando-nos um espelho perfeito.

Para explicar essa idéia, os faquires e dervixes contam a seguinte história: um


leão vagava pelo deserto. Encontrou um filhote de leão brincando com as
ovelhas. O pequeno leão estava sendo criado com as ovelhas e nunca tivera
oportunidade de saber o que era. O leão ficou muito surpreendido ao ver que
quando as ovelhas começaram a fugir de medo dele, o leãozinho as
acompanhou. Pulou no meio do rebanho gritando: Parem, mas as ovelhas
continuaram a correr e o leãozinho também. O leão passou a perseguir somente
o pequeno leão dizendo-lhe: “Espere, quero falar com você” e o filhote
respondeu: “Estou tremendo de medo, não posso ficar diante de vós”. “Por quê
– perguntou o leão – está correndo com as ovelhas se você é um filhote de leão?”
“Não sou leão, disse o leãozinho, “sou uma ovelha, estou tremendo de medo,
deixe-me ir para junto das ovelhas”. “Venha comigo”, disse o leão, “acompanhe-
me que quero lhe mostrar o que você é antes de deixá-lo partir”. Dirigiu-se a um
poço e fêz com que o leãozinho se debruçasse e olhasse. “Agora”, disse o leão,
olha para mim e para você. Não somos parecidos ou iguais? Você não é uma
ovelha, é igual a mim, um leão”.

Pelo processo espiritual aprendemos a tirar os véus da ilusão que cobrem o falso
ego. O aniquilamento do falso ego é tirar os véus que o cobrem. Logo que a
ilusão desaparece, o verdadeiro ego aparece e reconhece seu valor. Com essa
realização a alma entra no reino de Deus, com essa realização a alma nasce de
novo, há, portanto, um renascimento que lhe abre as portas do céu.

A alma não precisa que o corpo e a mente existam para sua autoconsciência. A
alma não depende para viver da mente e do corpo, assim como os olhos não
dependem do espelho para viver. Os olhos dependem do espelho apenas para
ver seu reflexo. Sem o espelho os olhos poderão ver tudo que quiserem, menos
a si mesmos. Um exemplo é a inteligência. A inteligência não pode se conhecer
se não tiver alguma coisa inteligível em que se apoiar. Só assim a inteligência
se realiza. O homem que tem um dom poético, que nasceu poeta, jamais poderá
se realizar como poeta se não escrever sua poesia e se seus versos não tocarem
uma corda dentro do seu coração. Só assim poderá dizer que é um poeta. Até
então havia dentro dele o dom da poesia, mas não sabia que existia.

Os olhos não se tornam poderosos por que se viram no espelho. São poderosos,
mas só sabem o que são realmente, quando vêem seu reflexo no espelho. O
prazer está na realização dos próprios méritos, dos próprios dons, daquilo que
possui. Nessa realização é que está o mérito. Seria sem dúvida motivo de
tristeza se os olhos pensassem: “Somos tão mortos como este espelho” ou se
mirassem o espelho e pensassem: “Não existimos a não ser como espelho”. O
falso ego, portanto, é a maior de todas as limitações.

Pergunta-se: “Embora a alma se sinta à parte dos outros seres, não se sente
una com Deus?” Nem mesmo com Deus. Como poderia? Uma alma cativa de
uma falsa concepção, que não pode remover a barreira que existe entre ela e o
vizinho, como pode remover a barreira que existe entre ela e Deus, que ainda
não conhece? Apesar de tudo, a crença da alma em Deus é uma concepção,
porque foi ensinada por um sacerdote, consta da escritura sagrada ou porque os
pais disseram que existe um Deus. Apenas isso. Essa alma sabe que existe um
Deus em algum lugar, mas está sempre sujeita a mudar de crença. Infelizmente,
quanto mais avançar, intelectualmente, mais se afastará da crença. Crença que
uma inteligência pura não pode conservar sempre, não avança muito. O objetivo
da vida é preenchido pela compreensão da crença. Lê-se no livro Gayan: “O
descobrimento de Deus se dá quando há o descobrimento da alma”.

Não é fácil na morte a alma se desfazer da mente e do corpo, quando sabemos


que na vida é difícil se desfazer dos pensamentos de depressão, das tristezas e
desilusões. Guardamos em nossos corações as impressões de felicidade e
tristeza do passado e também preconceitos de ódio, amor e devoção, tudo que
penetrou profundamente dentro de nós. Se o ego permanecer na prisão que
construiu à sua volta, essa prisão continuará a existir. Só há um meio de se livrar
dela: o autoconhecimento.

O ego propriamente dito nunca é destruído, é a única coisa que vive e é o sinal
da vida eterna. O segredo da imortalidade está no conhecimento do ego. Quando
lemos no Gayan que a “morte morre e a vida vive”, o ego é que é a vida, o falso
estado é que é a morte. O falso desaparecerá um dia, o verdadeiro sempre será.
Isso acontece com a vida: o ser verdadeiro que vive é o ego. Ele vive e tudo o
mais que tomou emprestado dos diversos planos e esferas, em que se perdeu,
é expulso. Não vemos essa expulsão em nosso próprio ser? As coisas que não
pertencem ao nosso ser não permanecem nele, nem no sangue, nem nas veias,
nem em qualquer outro lugar. O corpo não conserva tais coisas, repele-as. O
mesmo acontece em todas as esferas: não retêm o que não Ihes pertence. Tudo
que é de fora mantêm afastado. O que pertence à terra é conservado na terra, a
alma repele. Destruição do ego é apenas uma maneira de dizer, não se trata de
destruição e sim de descobrimento.

Quase sempre os homens têm medo de ler os livros Budistas, porque a


interpretação de Nirvana é dada como aniquilamento. Ninguém quer ser
aniquilado. Por isso há pessoas que têm medo da palavra aniquilamento. É
apenas uma questão de palavra. A mesma palavra em Sânscrito é muito bonita:
Mutki. Os Sufis chamam Fanà. Se traduzirmos essa palavra para o inglês temos
Annihilation ou aniquilamento. Quando compreendemos o seu significado
verdadeiro, quer ela dizer ir através de ou passar através de. Passar através
de quê? Da falsa concepção, o que precisamos fazer em primeiro lugar.
Chegaremos depois à verdadeira realização.
CAPÍTULO XII

Mente e Coração

Existem quatro coisas: a vontade, a razão, a memória e o pensamento que,


aliadas à quinta coisa principal, o ego, constroem o coração. Essas cinco coisas
podem ser chamadas coração, mas, para dar um nome definido às diferentes
partes do coração, chamamos de mente a superfície do coração e chamamos
de coração a parte profunda da mente.

Se imaginarmos esse coração uma lanterna, a luz dentro da lanterna é o espírito.


Chamamos a lanterna de lanterna e não de luz porque não pensamos na luz
dentro dela. Quando há luz, nem nos lembramos da palavra lanterna e
chamamos a luz de luz. Quando chamamos o coração de espírito, não significa
espírito destituído de coração. Também no caso da lanterna não significa a luz
sem a lanterna e sim a luz dentro da lanterna, sendo que o uso correto da palavra
espírito é somente para designar a essência de todas as coisas. O espírito é a
luz e a vida essenciais, de onde todos nós viemos. Entretanto, usamos a palavra
espírito, também no seu sentido limitado, como a luz que é do sol, a luz toda-
penetrante e que ao mesmo tempo é a luz da lanterna e que chamamos
igualmente de luz. É comum as pessoas chamarem um lugar no peito de
coração. É que existe um órgão de carne no nosso peito muito sensível ao
sentimento. Como, naturalmente, o homem não pode entender a idéia da
existência de um coração fora do corpo, concebe a idéia do coração fazendo
parte do seu corpo físico.

O ego mantém-se isolado das quatro faculdades acima mencionadas, ou sejam,


vontade, razão, memória e pensamento. Justamente como os quatro dedos e
um polegar. Essas quatro faculdades são faculdades, mas o ego é uma
realidade. Mantém e acomoda dentro de si as outras quatro faculdades e para
fazer distinção entre o ego e essas quatro faculdades diferentes é que
chamamos de ego.

Há uma diferença entre pensamento e imaginação: imaginação é um trabalho


automático da mente. Se a mente é refinada, a imaginação também o é. Se a
mente é grosseira, a imaginação só pode ser grosseira. Se a mente é bela, o
resultado é uma bonita imaginação. O pensamento também é uma imaginação,
mas é uma imaginação sustentada, controlada e dirigida pela vontade. Portanto,
quando dizemos: “Eis uma pessoa meditativa”, quer dizer que essa pessoa não
pensa ou age por impulso. Mostra que, atrás de tudo que faz, há uma força de
vontade que controla e dirige a ação da mente.

Assim como a superfície do coração é conhecida como imaginação e


pensamento, o fundo da mente, que é o coração, é conhecido como sentimento.
Há nove sentimentos principais, que podem ser denominados por alegria, pesar,
cólera, paixão, compaixão, apego, medo, perturbação e indiferença. Os
sentimentos não estão limitados a esses nove, mas conquanto distinguimos
numerosos sentimentos, vamos reduzi-los a esses nove sentimentos distintos
que fazem parte das nossas experiências da vida. Existem seis doenças que
pertencem ao coração: paixão, cólera, desvairamento, presunção, ciúme e
cobiça.

O coração é um dos corpos da alma, o primeiro corpo da alma, que caminha com
a alma na sua longa jornada, acompanhando-a na sua viagem de retorno. O
coração é a mesma coisa que o corpo angelical. O mundo dos sentimentos é
mais elevado que o mundo do pensamento. Pode-se dizer que de certa forma o
coração está mais perto da alma e a mente mais perto do corpo. A alma
igualmente experimenta através de todo o ser, através do corpo, da mente, do
coração, como acontece nos diferentes planos da existência.

Quanto mais pensamos no coração mais constatamos que, se há algo que possa
nos falar de nossa personalidade, é o coração. Se há algo que nos faz sentir ou
contribui para que possamos nos conhecer, saber o que realmente somos, é o
coração, o que ele contém. Logo que o homem compreende a natureza, o caráter
e o mistério do coração, passa a entender a linguagem de todo o universo.

A percepção tem três processos: um deles pertence à superfície da mente, que


é o pensamento. O pensamento se manifesta à mente como forma, linha e cor
definidas. O outro processo da percepção é o sentimento. A percepção é sentida
por outra parte completamente diferente do coração, é sentida pelo recôndito do
coração, não pela superfície do coração. Assim, quanto mais estiver desperta
numa pessoa a qualidade-coração, mais ela percebe os sentimentos alheios.
Essa pessoa é uma sensitiva, porque para ela os pensamentos e sentimentos
dos outros são claros. Quem vive na superfície do coração tem capacidade para
perceber claramente os sentimentos. Há uma diferença entre a evolução do
homem que vive na superfície do coração e o homem que vive nas profundezas
do coração. Em outras palavras, há uma diferença entre aquele que vive na sua
mente e aquele que vive no seu coração.

Mas há o terceiro processo de percepção. A percepção não se processa nem


mesmo pelo sentimento, processa-se por aquilo que podemos chamar de
linguagem espiritual. Essa linguagem vem da parte mais profunda do coração. É
a voz do espírito. Não pertence à lanterna, pertence à luz, que na lanterna se
torna mais clara e mais distinta. Essa percepção pode ser chamada intuição.
Não há nome mais adequado.
Se quisermos estudar a vida em toda sua plenitude, esses três processos da
percepção devem ser desenvolvidos. Só assim o homem será capaz de estudar
profundamente a vida. Só pelo estudo profundo da vida é que o homem poderá
formar um juízo perfeito.
CAPÍTULO XIII

Intuição

A intuição brota do fundo do coração humano. Tem dois aspectos: a intuição que
depende da impressão recebida do exterior e a intuição que não depende de
qualquer impressão exterior. Chamamos de impressão ao primeiro aspecto e de
intuição ao segundo aspecto. Intuição é uma faculdade delicada. É, portanto,
uma faculdade feminina, porque provém da sensibilidade e por natureza a
mulher é mais intuitiva do que o homem.

Quantas vezes ouvimos alguém dizer: “Este homem causa-me uma certa
impressão” e não haver nenhuma razão a justificar tal impressão. Talvez a
pessoa que proferiu a frase nem seja capaz de encontrar um motivo plausível
que justifique sua impressão, mas, apesar disso, a impressão é correta. Há
pessoas, e até certos povos, que são intuitivos por natureza. Para um intuitivo
não há necessidade de conhecer uma pessoa para saber tudo acerca dela, basta
vê-la por alguns momentos. Logo que os olhos do intuitivo caem sobre a pessoa,
instantaneamente surge uma impressão do primeiro aspecto, isto é a intuição
que depende da impressão exterior. O homem possuidor de uma mente
delicada, tranquila, em geral tem intuição. O que possui uma mente grosseira e
inquieta, não tem intuição. Intuição é super-sentido e pode ser chamada de sexto
sentido. É a essência de todos os sentidos. Quando alguém diz que está
sentindo alguma coisa, não significa que tem razões objetivas para provar o que
está sentindo, simplesmente sentiu sem que tenha havido qualquer razão
externa ou sinais objetivos.

A intuição que não depende da impressão exterior, é de natureza ainda mais


profunda. Ocorre da seguinte forma: antes da pessoa fazer alguma coisa, já sabe
o que advirá de seu ato, antes de dar início a um empreendimento já previu seu
resultado. Muitas vezes a intuição é uma espécie de direção que surge do
âmago, uma espécie de aviso interior.

Como é percebida a intuição? Primeiramente expressa-se na linguagem do


sentimento. Esse sentimento espalha-se dentro do horizonte da mente, toma
uma forma, tornando uma idéia mais narrativa. A mente dá uma forma à idéia e
a linguagem interpreta para nós a idéia. Assim sendo, a intuição pertence ao
coração sensível.
A intuição tem três condições diferentes, cuja finalidade é se tornar bastante
clara e ser distinguida, a saber: sentimento, imaginação e uma frase. Alguns
ouvem a voz da intuição quando ainda estão no primeiro processo de
desenvolvimento. São os mais capacitados para perceber a intuição e são
chamados de intuitivos. Outros distinguem a intuição quando ela se expressa no
campo do pensamento. Há ainda outros que distinguem a intuição somente
quando ela se manifesta na forma de uma frase.

O intuitivo é um indivíduo bom, amoroso, de coração puro, um homem de boa


vontade. Intuição nada tem a ver com erudição. Um homem iletrado pode ser
muito mais intuitivo do que um muito qualificado, porque o campo da intuição é
completamente diferente do campo do conhecimento. A intuição vem de outra
direção.

É frequente um intuitivo cometer um erro ao captar a intuição e não saber se ela


é correta, porque a intuição vem de um lado e a mente reage de outro lado. O
intuitivo fica sem saber se se trata de intuição ou ação da mente. Se ficar
desapontado, perde a fé em si mesmo e reagirá, como é natural, não querendo
mais pensar em intuição, fazendo com que essa faculdade diminua dia a dia.

É preciso que saibamos, em primeiro lugar, que captar uma intuição é uma das
coisas mais difíceis, porque imediatamente entram em ação, de um lado, a
intuição e, de outro lado a mente. É como se as duas extremidades de uma vara
se movessem para cima e para baixo e não conseguíssemos notar qual das duas
se elevou em primeiro lugar. Precisamos, pois, analisar bem a ação da nossa
mente, como se tivéssemos uma ardósia à nossa frente. Enquanto estivermos
olhando, é preciso que sejamos capazes de afastar as impressões que surgem
de todos os lados e fixar a mente exclusivamente no nosso ser interior. Através
do desenvolvimento da concentração e da quietude da mente, podemos nos
sintonizar com o diapasão, ou som padrão de afinação, até atingir a percepção
da nossa intuição. Se ficarmos desapontados com a percepção da intuição, não
percamos a coragem, continuemos, mesmo que pareça estarmos incorrendo
sempre em erros. Se perseverarmos, chegaremos à correta percepção da
intuição.

Os impulsos do intuitivo são frequentemente guiados pela intuição. Os impulsos


de quem não possui intuição podem provir de uma outra direção, da superfície.
O impulso ideal é o dirigido pela intuição. Impulso é como um pequeno pedaço
de palha flutuando na superfície da água: a palha transforma-se em impulso
quando é empurrada pela onda que vem de trás. Do mesmo modo o homem é
elogiado quando seu impulso é correto e apontado como culpado quando seu
impulso é incorreto. Se pudéssemos ver o que se oculta atrás do impulso, não
seríamos tão afoitos em expressar uma opinião sobre o assunto.

O sonho é uma coisa maravilhosa, um fenômeno da mente. No sonho não


funciona apenas a imaginação e o pensamento, também a intuição. As intuições
que surgem no estado de vigília, aparecem no estado de sonho e se tornam mais
claras. Nessa ocasião, como é natural, estamos concentrados, com os olhos
fechados para o mundo exterior, mas mesmo assim ainda existe o seguinte
problema: logo que a intuição Surge do íntimo, a imaginação aparece da
superfície e não sabemos como distingui-las. Eis o motivo de muitos sonhos
serem tão confusos: uma parte do sonho expressa alguma verdade e outra parte
do sonho é confusa.

Não há sonho sem significado. Se o sonho não tiver nada a ver com a intuição,
será mera atividade automática de tudo que nossa mente produziu durante um
dia de trabalho, passando automaticamente diante de nossos olhos como uma
fita de cinema. Mas mesmo atrás disso há um significado, pois nada é projetado
na tela da mente que não tenha raiz no solo do coração, produzindo desse solo
do coração flores e frutos. Se a intuição estiver trabalhando no sonho, o sonho
será uma narrativa de alguma coisa do passado, do presente ou do futuro.

Um homem muito evoluído não sonha muito. Também uma pessoa muito densa,
que nunca se preocupou que seu cérebro funcionasse, não sonha muito. Está
feliz e contente e não tem a mínima preocupação em pensar. Não tem muitos
sonhos. Não pensem que é raro encontrar tais almas. Estamos com muita
frequência encontrando almas que consideram um transtorno o ato de pensar.
Preferem não se preocupar com pensamentos.

A mente exerce uma reação sobre o corpo. O corpo reage sobre a mente.
Portanto, é natural que uma irregularidade no corpo físico lance uma sombra na
mente e produza na mente a mesma desordem. Os sonhos que constantemente
mostram sufocações, os sonhos que incluem afogamentos e incapacidade de
andar e falar, não são devido ao estado de saúde. São resultados das
impressões conservadas pela mente. São uma espécie de desordem psíquica
da mente, de uma doença da mente. A mente deve ser curada desse mal. Os
sonhos que incluem vôos, estão muito ligados a idéias biológicas. Expressam
também psicologicamente o contínuo esforço da alma para se elevar acima da
escravidão da limitação imposta pela vida na terra. Esses sonhos de vôos
significam igualmente uma jornada a ser empreendida pelo homem no futuro. É
a dança da alma que faz uma pessoa cantar durante o sono.

Há um tipo de sonho em que tudo aparece às avessas, como um espelho que


mostrasse gorda uma pessoa que é magra ou uma pessoa magra quando ela é
gorda, ou ainda uma alta quando é baixa e uma baixa quando é alta. A mesma
coisa acontece com a mente, onde as coisas aparecem justamente ao contrário
do que são. Esse defeito pode ser atribuído à mente. A mente está, digamos
assim, de cabeça para baixo e é por isso que o indivíduo vê tudo às avessas,
especialmente no estado de sonho. Às vezes o sonho mostra exatamente o
oposto do que aconteceu, do que é, e do que vai acontecer. Se o indivíduo não
compreender esse tipo de sonho, interpreta-o como o vê, justamente ao contrário
do que deve ser.

O sonho simbólico é trabalho de uma mente sutil. É um dos mais maravilhosos


trabalhos da mente. Quanto mais sutil a mentalidade, mais sutil será o símbolo
em que se expressam a imaginação ou o pensamento. É por isso que tem sido
sempre fácil aos místicos ver a evolução de uma pessoa através de seus sonhos.
Quanto mais sutis os sonhos, mais sutil é o indivíduo na sua evolução. A virtude,
no entanto, não está apenas na sutileza, está na simplicidade. Os poetas,
músicos, pensadores, escritores, pessoas imaginativas, têm sonhos
maravilhosos. O esplendor desses sonhos está na sua magnífica simbologia.

Há sonhos que podem ser chamados de visões. São reflexos. Reflexos das
pessoas, de suas mentes, de mundos, dos planos em que a mente está
focalizada. Se a mente estiver focalizada no mundo exterior, os sonhos virão
desse mundo exterior. Se alguém focalizar a mente sobre si mesmo, no sonho
aparecerão seus próprios pensamentos. Se a mente estiver focalizada em
determinada pessoa, essa pessoa e tudo que estiver no seu íntimo se refletirão
no sonho. Se a mente estiver focalizada num determinado plano de existência,
as condições desse plano serão refletidas na mente. As condições dos sonhos
serão as que prevalecerão após a morte.

Quanto mais profundamente penetrarmos neste assunto, mais certeza teremos


que é pela compreensão dos sonhos, sua natureza, mistério e caráter, que
podemos entender todo o segredo da vida.
CAPÍTULO XIV

Inspiração

Inspiração é uma forma mais elevada da intuição, porque surge como uma idéia,
como um tema completo com sua improvisação, como uma frase criativa de um
poema. Inspiração é uma torrente, torrente de coisas espetaculares e
maravilhosas. Um ser realmente inspirado, um escritor, um poeta ou um
compositor, não importa o tipo de atividade, do momento que recebe uma
inspiração se sente satisfeito, não consigo mesmo, mas satisfeito com a
inspiração que acabou de receber. A inspiração foi um grande alívio para essa
alma, pois estava tentando captá-la e lhe foi dado justamente o que desejava
obter. Recebeu o que pediu. É por esse motivo que chamam a inspiração de
recompensa da alma.

A ansiedade não nos faz receber o que desejamos. Não fazemos poesia
forçando o cérebro e não compomos uma peça musical preocupando-nos
constantemente. Quem fizer isso não está recebendo uma inspiração. A pessoa
que recebe uma inspiração é sempre tranquila e inteiramente despreocupada
com o que está por acontecer. É verdade que todos nós queremos receber
alguma coisa, queremos ardentemente criar, mas só focalizando a mente na
Mente Divina é que o homem recebe a inspiração, consciente ou
inconscientemente. O fenômeno é de tal grandeza e tão maravilhoso que a
alegria que a inspiração proporciona não pode ser comparada com qualquer
outra alegria no mundo. Essa alegria levam os gênios inspirados à êxtase. É um
prazer quase indescritível. É uma elevação do sentimento. Quando a mente
humana está focalizada na Mente Divina, o homem se eleva da terra. A
inspiração vem da Mente Divina. O que os grandes músicos, poetas,
pensadores, filósofos, escritores e profetas legaram ao mundo foi sempre de
caráter muito elevado. Entretanto, nem todas as almas compreendem seu
legado e por isso não podem apreciá-lo em toda sua plenitude. Se pudessem
imaginar a alegria da inspiração que eles receberam, veriam como é difícil
expressá-la em palavras. É uma inspiração que começa quando o sinal de Deus
é revelado ao homem. Os homens geniais materialistas, entretanto, por mais
materialistas que sejam, começam a admirar o Espírito divino quando recebem
uma inspiração.

Como surge a inspiração? Como um quadro já pronto? Como uma carta escrita?
Não. A inspiração aparece no artista como se sua mão fosse dirigida pela mão
de outra pessoa, como se seus olhos estivessem fechados e seu coração aberto.
O artista desenhou alguma coisa, pintou algo, mas não sabe quem realmente
pintou ou quem desenhou. A inspiração vem a um músico como se alguém
estivesse tocando ou cantando e ele estivesse apenas registrando a música que
encantou sua alma. Ao poeta a inspiração vem como se alguém estivesse
ditando e ele apenas anotando. Não há esforço do seu cérebro, nenhuma
ansiedade quando recebeu a inspiração.

Assim, como é natural, muitas pessoas confundem inspiração com comunicação


com os espíritos. Pessoas inspiradas sentem-se felizes atribuindo a inspiração
a um espírito, sabendo que ela não vem só delas, mas a inspiração não é sempre
uma comunicação do espírito. Pode vir de um ser vivo na terra ou alguém que já
partiu da terra, mas a mais perfeita das inspirações vem sempre da Mente Divina
e deve ser creditada somente a Deus. Mesmo se uma inspiração vier por meio
da mente de uma pessoa viva na terra ou através de uma alma que partiu para
o outro lado da vida terrena, mesmo assim veio de Deus, pois todo conhecimento
e sabedoria pertencem a Deus.

Há três formas de inspiração oriunda da mediunidade de um ser vivo: quando


estiverem na presença de uma pessoa que inspira, quando estiverem nos
pensamentos de um ser que pode inspirar e quando seus corações estiverem
perfeitamente tranquilos e a inspiração puder fluir do coração do inspirador para
seus corações. É como o rádio: às vezes sintonizamo-nos com uma determinada
faixa de onda e esperamos ouvir música. Outras vezes não conseguimos
nenhuma sintonização. Mas o rádio continua o mesmo rádio. Se a transmissão
não for feita através do rádio não pode ser ouvida, mas o som continua a existir.
Da mesma forma recebemos a inspiração por intermédio das três fontes
diferentes mencionadas.

A inspiração tem diversos processos. Tudo depende da maneira como o coração


é focalizado no Espírito Divino. O coração de um homem talvez esteja focalizado
diretamente com o Espírito Divino e o coração do outro não, porque para este
último essa focalização é uma coisa remota. Seu coração está focalizado no
centro e o centro é que está focalizado no Espírito Divino. É um engano dos
seres humanos atribuir a inspiração a um ser limitado, que não é nada mais que
uma sombra que oculta Deus. Ademais, quando alguém acredita que um antigo
egípcio veio do outro mundo para inspirá-lo, ou um índio veio para conduzi-lo no
caminho que está trilhando, está construindo uma parede entre ele e Deus.

Ao deixar de receber tudo diretamente da fonte perfeita e toda-suficiente, esse


alguém está criando uma pintura baseada na sua idéia limitada, levantando um
biombo entre ele e Deus. Para um gênio, a maneira mais fácil é transformar-se
num cálice vazio, isento do orgulho de ser um sábio ou da presunção de ter
grandes conhecimentos, é ser inocente como uma criança, sempre pronta a
aprender tudo que lhe é ensinado. A alma que se transforma numa fonte divina
é aquela que voltou a ser criança perante Deus, desejosa, e ao mesmo tempo
ansiosa, de expressar através de si mesma a música divina. Da sua fonte
levanta-se a inspiração divina, transmitindo beleza a todos que dela se
aproximam.

Há ainda um outro passo mais avançado: é quando o homem não mais se


considera um simples poeta, músico ou filósofo e se transforma apenas num
instrumento de Deus. Deus começa a falar com ele através de tudo, não só numa
melodia, como num verso, na cor ou na luz. Ele, o homem, começa a se
comunicar com Deus de todas as maneiras. Tudo passa a ser comunicativo, o
que vê acima ou abaixo, à direita ou à esquerda, no plano celestial ou terreno.
Começa a falar com Deus. Esse passo avançado chama-se revelação.

Na história de Moisés há o seguinte episódio: estava ele olhando o fogo quando


assava o pão e viu uma luz no alto da montanha. Para captar aquela luz Moisés
subiu ao topo da montanha. Lá chegando viu que o fogo havia se transformado
em relâmpagos. Não conseguiu suportar aquela intensidade e caiu. Quando
recobrou os sentidos começou a se comunicar com Deus.

É uma alegoria. Moisés estava à procura da luz para sustento de sua própria
vida. Era preciso subir aos planos mais elevados. Não lhe era possível alcançar
aquela luz na terra, onde se achava. Era necessário subir ao topo. Não encontrou
só uma luz, encontrou relâmpagos, uma luz acima da capacidade de Moisés
aguentar. Caiu no chão. O que significa essa queda? Cair é tornar-se nada, é
esvaziar-se. Quando Moisés chegou ao estado de esvaziamento, seu coração
ficou sonoro e ele começou a se comunicar com Deus em todas as Suas
manifestações na terra, na rocha, na árvore, na planta, nas estrelas, no sol e na
lua. Qualquer coisa que Moisés via entrava imediatamente em comunicação com
sua alma.

E foi assim que todas as coisas passaram a revelar a Moisés suas naturezas e
segredos. A respeito dessa revelação escreveu Sa’di: “Quando a alma aprende
a ler, cada folha de árvore se transforma numa página da Escritura Sagrada”.

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