Teoria Crítica Netflix BlackMirror
Teoria Crítica Netflix BlackMirror
Teoria Crítica Netflix BlackMirror
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Introdução
Os meios de comunicação de massa, com o passar do tempo, têm apresentado cada vez
mais iniciativas para atender os desejos de suas respectivas audiências. Pode-se perceber isso
quando se acompanha a gama de segmentos que são entregues e os diferentes tipos de
conteúdos. O resultado de tal iniciativa é a disponibilidade de conteúdos direcionados para
quase qualquer audiência possível. Os meios de comunicação aumentam seu alcance e as
grandes marcas conseguem aparecer nesse meio e com isso o lucro é induzido com o
processo.
A Indústria Cultural é um de muitos conceitos que buscam explicar a presença dos
meios de comunicação na sociedade e as consequências desse fenômeno para todo corpo
social. O contexto histórico mundial era o da 2ª Guerra Mundial, período no qual um grupo de
filósofos se dedicaram a pesquisas sobre sociedade e esclarecimento, o que veio a se chamar
de Teoria Crítica, da qual nasceu o conceito de Indústria Cultural.
Pensado por Theodor Adorno e Max Horkheimer no Instituto de Pesquisa Social, que
posteriormente, veio a ser chamado de Escola de Frankfurt, tal percepção é decorrente da
observação do capitalismo americano e da sua comparação com o sistema nazista, tendo como
base os pensamentos de Karl Marx. O fenômeno da Industria Cultural prevê que os meios de
comunicação entregam produtos culturais para o consumidor e que esse indivíduo passa a
1
Graduado em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Estácio da Bahia.
2
Mestre e Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Docente do
Centro Universitário Estácio da Bahia. E-mail: <[email protected]>.
exigir mais desse conteúdo, entregue muitas vezes apenas com uma aparência diferente, mas
dentro da lógica do “mais do mesmo”.
Diante desse contexto, este trabalho visa demonstrar como a Indústria Cultural e os
produtos formatados para o consumo das massas podem ser ensinados através da produção
ficcional. Para tanto, utilizou-se como corpus desta pesquisa de caráter qualitativo, o episódio
Fifteen Million Merits da série Black Mirror da Netflix. A escolha da série deveu-se ao fato
desta debater sobre temas caros à comunicação e sua interface com as tecnologias da
informação e comunicação. Já o episódio foi escolhido por ser um dos primeiros da série e por
apresentar questões que puderam facilmente ser relacionadas às ideais em torno da Indústria
Cultural. Portanto, o trabalho se justifica por buscar mostrar como as aulas sobre este tema
podem ser ilustradas e debatidas a partir de um produto da cultura pop, tornando os estudos
mais atrativos e contextualizados.
Industria cultural
Os estudiosos da chamada Escola de Frankfurt criticavam mass media e a
denominavam de “Indústria Cultural”. Os filósofos diziam em seus ensaios iniciais que o
consumidor se adaptava com o que lhes era entregue pelos meios de comunicação, ao ponto
de se acostumarem e começarem a exigir mais daquele conteúdo que já haviam consumido
anteriormente. Além disso, os estudiosos alegavam que tais produtos culturais, desde sua
criação, já eram pensados visando unicamente o lucro (ADORNO; HORKHEIMER, 1947;
FELIN, 2002; WIGGERSHAUS, 2002; WOLF, 1987).
No momento em que se antecedia a Segunda Guerra Mundial, Adorno e Horkheimer
(1947) idealizaram o conceito da Teoria Crítica e da Indústria Cultural. Talvez a mais forte
crítica feita à forma com que os meios de comunicação envolvem o indivíduo 3 com seus
esforços em manter o controle da sociedade. Para Wolf (1987, p. 84), “A identidade central da
teoria crítica configura-se, por um lado, como construção analítica dos fenômenos que
investiga e, por outro, e simultaneamente, como capacidade para atribuir esses fenômenos as
forças sociais que os provocam”. Em outras palavras, ela atribui o acontecimento dos
fenômenos que nela estão presentes, como a Indústria Cultural, às forças sociais, como é o
exemplo do indivíduo da Teoria Crítica que a mantém funcionando.
Da perspectiva da Indústria Cultural, a sociedade convive com uma indústria que se
sustentava devido a vontade do indivíduo de querer sempre um conteúdo similar ao que já lhe
havia sido entregue e estar sempre ligado ao consumo. É como se os meios de comunicação
trabalhassem a produção de conteúdos, visando o lucro final, que na maioria dos casos já se
3
Nas ocasiões em que aparece o termo “indivíduo”, refere-se ao indivíduo da teoria tratada na seção em questão.
mostrava certo (WOLF, 1987). Isso não se aplica somente aos meios que levam notícias, mas
também aos que produzem conteúdo para o consumo do indivíduo. No caso das narrativas do
cinema, segundo Kracauer (1987), “[…] são devaneios da sociedade, principalmente porque
os colocam em primeiro plano como de fato o são é porque, assim, dão forma a desejos que,
noutras ocasiões, são reprimidos”. Assim entende-se que os meios da indústria buscam
entregar ao indivíduo uma reprodução do que é a sociedade, mas com um tom de drama para
que seja exposto naquela obra o que está reprimido dentro do indivíduo. Isso se mostra nas
obras em que são geradas identificação por parte do consumidor e assim ele passa a querer
que seu desejo interior seja satisfeito cada fez mais em outras obras, exigindo assim,
conteúdos similares ao já oferecido anteriormente.
Quando se pensa em uma indústria que entrega exatamente o que o consumidor está
exigindo e esperando, pode-se até pensar no lado positivo da comodidade. Mas, essa não era a
abordagem dos idealizadores da Indústria Cultural. Segundo Martins (2017), a visão era
justamente o contrário: a cultura, sendo transformada pela técnica, acabava por se tornar um
produto. Para tal ponto de vista, isso pode realmente soar de forma negativa. Os estudiosos
enxergavam uma dominação da mente através da técnica, formando assim a indústria da
cultura, que é praticamente onipresente.
Para Adorno e Horkheimer (1947), a cultura foi transformada em produto, de forma
que o foco não estaria exatamente em sua qualidade mas sim no lucro que poderia gerar. A
Indústria Cultural determina o que é produto válido ou não e quando um produto não se
encaixa nos padrões estabelecidos, a indústria mostra o tamanho de sua eficiência expurgando
a obra ou o artista.
A forma com que o sistema apresenta seus produtos seria devidamente direcionada
para quem sai de sua jornada de trabalho querendo consumir obras que o façam se distanciar o
máximo possível de sua rotina do emprego. Ainda segundo Adorno e Horkheimer (1947),
“quem resiste só pode sobreviver integrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela
indústria cultural, ele passa a pertencer a ela assim como o participante da reforma agrária ao
capitalismo”. Para o indivíduo só resta se incluir ao sistema da Indústria Cultural ou tentar de
forma falha se opor a ele. No cenário da produção cultural ninguém está livre. Não importa
posição social ou se o indivíduo é contra tudo isso. Ele sempre estará inserido nesse contexto.
O sujeito da Indústria Cultural é tido com um dos mais enganados das teorias. Nesse caso isso
se intensifica, pois ele acha que por ter ciência deste poderio, pode de alguma forma estar
livre, mas este é ainda pior do que aquele que não conhece tais conceitos. E quando ele tenta
se opor, chega-se a epifania que de o sistema é muito maior do que se possa imaginar.
Black Mirror: o corpus da pesquisa
A série Black Mirror, inicialmente, foi lançada em 2011 pelo Channel 4. A partir da
temporada 03, em 2016, a série passa a ser um lançamento da Netflix. Black Mirror foi
premiada como melhor filme/minissérie para TV em 20184. Ela já está em sua quarta
temporada e não tem previsão de término até o momento. “Esta série antológica de ficção
científica explora um futuro próximo [no qual] a natureza humana e a tecnologia de ponta
entram em um perigoso conflito” (NETFLIX, 2018).
Cada episódio série conta uma história em particular que, por vezes, compartilham de
tecnologias, o que dá indícios de que podem se passar em um mesmo período da história
humana, criando assim um elo entre eles.
O episódio Fifteen Million Merits, em português Quinze milhões de méritos, é o
segundo da primeira temporada da série e possui 62 minutos. Em seu enredo, conta que, “após
fracassar em um concurso como cantora, uma mulher tem que escolher entre praticar atos
humilhantes ou voltar a viver praticamente como escrava” (NETFLIX, 2018).
Tendo um caráter qualitativo e exploratório (GIL, 2002), o estudo foi realizado
analisando-se conteúdo da estória e destacando-se os principais trechos do episódio, que
chamaremos de “cena” ou de “sequência de cenas”. O intuito foi o de apresentar a narrativa e
apontar a relação da estória contada com a teoria apreendida através da revisão de literatura
sobre a Teoria Crítica e a Indústria Cultural. É nesse sentido, que o Quadro 1 apresenta
informações decorrentes da análise da divisão do episódio segundo: a construção do enredo;
suas cenas; conceitos analisados; e a duração das cenas em minutos. Atribuímos títulos
fictícios às cenas para facilitar o entendimento e excluímos da lista, cenas nas quais não foram
identificados aspectos relevantes sobre a teoria ou que continham um conceito já mencionado
em outra oportunidade.
# Trecho do episódio Conceito analisado Período da cena
Apresentação
1 Apresentando a realidade A sociedade de consumo De 2:22 até 7:33
2 O consumo do inútil A adaptação dos produtos De 11:48 até 12:27
Criação de celebridades
3 Celebridades tornando-se modelo de consumo De 12:29 até 12:39
como modelo
Complicação
4 A necessidade do real A futilidade dos produtos massificados De 17:21 até 23:30
5 A audição de Abi A industria destruidora De 27:37até 39:07
6 O arrependimento de Bing Consequências do consumo De 40:46 até 44:12
7 A revolta contra o sistema Pessoas enganadas se achando acima do sistema De 44:13 até 47:30
Clímax
A audição de Bing e a
8 O indivíduo da Teoria Crítica De 49:15 até 56:55
tentativa falha de se opor
Desfecho
O império da Indústria
9 O tamanho da Indústria Cultural De 57:59 até 60:33
Cultural e reflexão
4
Ver <https://www.omelete.com.br/series-tv/black-mirror-uss-callister-vence-como-melhor-filme-feito-para-tv>.
Quadro 1 – Listagem e descrição dos trechos analisados do episódio “Quinze milhões de méritos”.
Na estória, as pessoas trabalham de maneira uniforme e para que sua jornada não se
torne mais desgastante do que já é, são “presenteadas” por programações que lembram muito
os produtos entregues pela Indústria Cultural. Cada trabalhador consome um tipo de conteúdo
adequado ao seu tipo. Adorno e Horkheimer (1947) também falam que o indivíduo consume
conteúdos somente para aliviar sua jornada de trabalho seguinte e que a indústria se encarrega
de alcançar todos os públicos para que ninguém consiga não consumir seus produtos.
Na cena 2, pode-se ver que Kai (Colin Carmichael), um dos habitantes, está
escolhendo itens para o seu avatar. Isso não é gratuito, ele precisa pagar com méritos pelos
quais ele pedalou para conseguir. Deve-se observar que mesmo com todo esforço que se tem
para conseguir os méritos, os indivíduos acabam gastando com o que se pode considerar
irrelevante ou fútil.
Adorno e Horkheimer (1947) criticam o consumo do inútil quando dizem que o
consumidor tende a receber e aceitar tais conteúdos, baseado na promessa feita pelos
produtores de forma intrínseca de que seus desejos serão completamente satisfeitos quando
esses produtos forem consumidos. A sociedade em geral estaria em uma lógica de consumo
contínuo baseada nas promessas propagandas, que ao final só visam o lucro. Por outro lado, o
consumidor está acostumado a esperar por mais destes produtos, tornando-se “refém” desta
indústria.
Na cena 3, no monitor de um dos habitantes, é mostrado o depoimento de uma artista
que antes pedalava diariamente para obter méritos até que conseguiu ser aprovada em um
programa de talentos, vivendo assim uma carreira de sucesso com uma vida mais promissora.
Temos então um exemplo de como a Indústria Cultural utiliza pessoas também como produtos
formatados para o consumo das massas. Adorno e Horkheimer (1947) dizem que os produtos
da Indústria Cultural já são produtos muito antes até de serem apresentados ao público para o
consumo. “Os talentos já pertencem à indústria muito antes de serem apresentados por ela: de
outro modo não se integrariam tão fervorosamente” (ADORNO, HORKHEIMER, 1947, p.
57). A exemplo de pessoas que integram reality shows, mesmo antes de chegarem a se
apresentar, elas já se preparam de acordo com os estilos e formatos aceitos por aquele
programa. É papel da Indústria Cultural introduzir isso no comportamento sem que esses
talentos potenciais possam perceber. Quando chegam a esses programas, são moldados para
serem apresentados às massas.
A complicação do enredo se inicia quando Bing conhece Abi, que estava cantando e
assim ganha a atenção do rapaz. Em outra oportunidade, na cena 4, Bing se mostra insatisfeito
com a realidade em que vive e diz que nada ali passa de coisas fúteis. Ele tenta convencer Abi
a participar do reality show de talentos Hot Shot, mas ela não gosta da ideia, inclusive por não
possuir méritos suficientes. Bing insiste, oferecendo seus méritos e alegando ser esta a coisa
mais real que ele havia visto no último ano. Após muita insistência, Abi aceita o convite e
considera a possibilidade de escapar daquela situação massificada na qual se encontravam e
que é apresentada no segundo plano da cena, que mostra um panorama da multidão de
trabalhadores confinados em uma construção fechada (Figura 2).
Bing alega que a única coisa que é real nesse contexto é a dor e o sofrimento e desafia
os jurados a mostrarem pra ele alguma coisa real. Isso remete ao que Adorno e Horkheimer
(1947) dizem sobre que é a própria indústria determina o que é válido ou não. Os autores
destacam que quando a Indústria Cultural julga algo como “não adequado” ao seu sistema, ela
mesma se encarrega de aplicar uma espécie de risco para tal produto.
Bing complementa dizendo que o consumo desse tipo de conteúdo de baixa qualidade
é a forma que as pessoas encontraram para se desligarem, pelo menos por alguns minutos, da
realidade depressiva em que vivem. Bing diz que tudo que eles compram ou sonham ter é
“forragem” e “coisas inúteis” e que, na maioria das vezes, nem sequer existem (de forma
tangível). Ele alega que os dias se passam e tudo que eles fazem é mais do mesmo dia após
dia, pedalando para alimentar algo que nem sabem o que é. Adorno e Horkheimer (1947)
abordam uma questão similar quando dizem que o consumidor aceita o que é entregue pela
Indústria Cultural, pois é a única alternativa para escapar nem que seja um pouco da realidade
trabalhosa que tem. Ainda segundo os autores, na maioria dos casos, as pessoas consomem
tais conteúdos para que possam se preparar para retornar ao trabalho na jornada seguinte.
Em seguida, Bing culpa os jurados (ou o sistema) por estragarem a única coisa real
que ele já pôde ter. Ele deixa bem claro que o sistema é o culpado por manipularem e
adaptarem Abi como um produto e uma piada entre outra milhões de piadas mais. Bing faz
questão de descontar todo o seu ódio nos jurados e encerra sua fala ofegante, gerando silêncio
absoluto por alguns segundos. Enfim um dos jurados, impressionado, diz que aquilo havia
sido a apresentação mais sincera que ele já havia visto desde o início do Hot Shot. De pronto,
todos aplaudem Bing, que não sabe como reagir. O jurado diz que concorda que o sistema é
de fato como a sua crítica, que ele tem autenticidade e que quer vê-lo falar exatamente aquilo
outra vez. Então, Bing recebe a proposta de apresentar seu desabafo toda semana em um dos
canais desse jurado. A cena se finaliza com a plateia gritando para que o candidato aceite o
horário no programa e Bing, mesmo sem ter consumido a “complacência”, se vê no dilema de
permanecer pedalando ou transformar seu discurso em mais um produto da mídia.
Observa-se aqui que, segundo Adorno e Horkheimer (1947), até mesmo a iniciativa
que serve para criticar o sistema da Indústria Cultural, tende a ser adaptado para o consumo
das massas. Vale ressaltar todo ódio que Bing carregava ao entrar no palco e dizer tudo que
estava acumulado dentro de si. Mas, ainda assim, o sistema que se assemelha a Indústria
Cultural consegue encontrar uma forma de transformar o ideal de Bing em produto cultural e,
consequentemente, em lucro.
O desfecho da estória é apresentado na sequência de cenas 9, na qual Bing é
apresentado no seu destino escolhido, após a audição. Mostra-se o cenário das bicicletas
novamente, mas a bicicleta que seria dele está ocupada por outra pessoa. Um dos habitantes
muda de canal e chega ao de entretenimento adulto, no qual é transmitida uma programação
em que a atriz é novamente Abi, que desta vez está visivelmente sob efeito de substâncias
entorpecentes. Percebe-se que ela já está acostumada a sua nova realidade.
Quando é o monitor de Kai que está em evidência, quem se ver em uma transmissão é
Bing, que está fazendo o mesmo que fez no palco do Hot Shot: desabafando sobre o sistema,
enquanto ameaça tirar a própria vida. Esta cena traz a mesma ironia da Indústria Cultural: até
mesmo os produtos que a criticam ainda sim são produtos, que querendo ou não passam pelo
crivo da indústria. Enquanto Bing critica o lançamento de novas roupas de avatar, Kai faz a
escolha dessas roupas. A reflexão que fica é que mesmo sendo o sistema tão criticado, o
público opta por ele e pelo seus produtos culturais.
A última cena do episódio acontece com Bing encerrando a transmissão e guardando
em uma caixa protetora o caco de vidro, que outrora havia sido usado de forma genuína. Mas,
naquele momento, nada mais era que um apetrecho adaptado para a produção de um novo
conteúdo. O episódio se encerra com Bing em um quarto bem maior do que antes, mas ainda
preso no sistema que ele mesmo continua a criticar, mas desta vez ele ganha méritos com isso.
O último quadro do episódio mostra Bing contemplando a vista da janela, o que aparenta ser
uma floresta sem fim ou, talvez, apenas mais um monitor que transmite tal imagem, dando a
entender que o que mudou foi apenas o tamanho de sua “cela”, nome que ele mesmo
denominou em seu desabafo no reality show.
Diante do visto, pode-se considerar que as pessoas não estão insatisfeitas com a
existência de um sistema que logra a sociedade, mas sim de estar abaixo dele e não ganhar
nada com isso. A partir do momento em que se tem uma sensação de poder, a insatisfação é
tomada pelo sentimento de realização. Mesmo Bing tendo alcançado um status social elevado,
ele ainda estava no radar do sistema em que ele vivia. A posição social não seria capaz de
livrar o indivíduo se ser alvo do conteúdo massificado.
Ao fim do episódio tem-se a reflexão sobre o conceito idealizado por Adorno e
Horkheimer quando dizem que “Quem resiste só pode sobreviver integrando-se. Uma vez
registrado em sua diferença pela indústria cultural, ele passa a pertencer a ela assim como o
participante da reforma agrária ao capitalismo” (ADORNO, HORKHEIMER, 1947, p.108).
Mesmo Bing imprimindo todo o seu ódio contra a realidade em que vivia, o que falou
mais alto foi a conveniência de ter a possibilidade de deixar de pedalar. De semelhante modo,
conceitos de idealistas estariam sujeitos a “cair por terra” frente a oferta da possibilidade de
também ganhar isso.
Adorno e Horkheimer (1947) criticam o sistema da Indústria Cultural, pois segundo
eles ninguém consegue se ver livre. Indo mais além, eles dizem que o mais enganado de todos
é o que acha que por conhecer o sistema, está livre e que pode se opor a ele. A visão
apocalíptica é clara e a perspectiva que se tem da sociedade é de que não há futuro positivo
em um sistema como esse.
Conclusão
O presente trabalho permitiu analisar conceitos teóricos que demonstram sua
importância para a áreas da comunicação. Consideramos que esta iniciativa obteve sucesso,
devido a estratégia de aplicação de um produto cultural, que alcançou recordes de audiência,
para que fossem explicados conceitos caros à comunicação, a partir das ideias apresentadas
neste episódio. O trabalho deixa claro que, através do uso da ficção como uma facilitadora
pode-se entender melhor conceitos teóricos, por vezes, considerados pelos estudantes difíceis
de se entender, como é o caso da Indústria Cultural e dos produtos formatados para o
consumo das massas, sendo estes os temas centrais deste trabalho.
Consideramos esta metodologia de ensino uma alternativa de aula que se aproxima das
chamada metodologias ativas, as quais buscam inserir no processo de ensino-aprendizagem
tecnologias, conteúdos diversificados e atividades, que coloquem o aluno no centro de seu
processo educativo, quebrando a linealidade e estimulando a participação crítica e lúdica.
Portanto, como trabalhos futuros, sugerimos o uso de tais conteúdos para a apresentação e
ilustração de outras teorias da comunicação.
Voltando para o conteúdo analisado, concluímos que mesmo Black Mirror, que neste
episódio faz questão de imprimir uma crítica à grande mídia e às consequências que ela traz
para o corpo social, ainda assim não estaria excluída de um possível sistema de Indústria
Cultural. Mesmo fazendo todas os apontamentos que faz, a série se utiliza de um serviço pago
de streaming para entregar seu conteúdo. Ou seja, mais um produto cultural que enquadra
quase que perfeitamente nos requisitos da Indústria Cultural. Portanto, talvez nós,
consumidores da série, é que sejamos a “piada final” de Black Mirror.
REFERÊNCIAS
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, v. 5, n. 61, p. 16-17,
2002.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, p. 97-118, 1995.
LEMOS, André. Isso (não) é muito Black Mirror: passado, presente e futuro das tecnologias
de comunicação e informação. Salvador: EDUFBA, 2018.
MARTINS, Luís Mauro Sá. Teoria da comunicação: ideias, conceitos e métodos. Editora
Vozes Limitada, 2017.