Relato de Experiência 1

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Mudanças – Psicologia da Saúde, Copyright 2019 pelo Instituto Metodista de

27 (2), Jul.-Dez. 2019 Ensino Superior CGC 44.351.146/0001-57

Relato de uma experiência de estágio em Psicodiagnóstico


com crianças provenientes de famílias de baixa renda
Thalita Lacerda Nobre*
Marina Porto Vieira*

Resumo
O presente trabalho teve como objetivo apresentar a experiência de alunos e duas supervisoras no atendimento a
crianças provenientes de famílias de baixa renda, no estágio em Psicodiagnóstico Interventivo. Apresentamos a re-
levância desta prática tanto para os futuros profissionais quanto para os clientes que participam do processo. Para
ser realizado, o psicodiagnóstico em questão, seguiu-se a linha teórica fenomenológico-existencial e se desenvolveu
a partir das entrevistas iniciais (realizadas com os pais ou responsáveis), horas lúdicas (realizadas com as crianças),
até as entrevistas devolutivas (realizadas também com os pais e com as crianças). Pode-se notar, ao longo de nossa
prática como supervisoras deste estágio os benefícios que sua prática pode trazer, pois do lado do cliente, recebeu-
-se feedback das escolas e da família sobre mudanças significativas no comportamento das crianças. Pelo lado das
crianças, observou-se o desenvolvimento do exercício da autorreflexão sobre os sentimentos e resolução de conflitos
de modo mais assertivo que no início do processo. Do ponto de vista dos estagiários, pudemos observar, também,
o crescimento profissional destes, a partir desta experiência.
Palavras-chave: psicodiagnóstico – intervenção – crianças

Report of an internship experience in Psychodiagnosis with children from low


income families.

Abstract
The present study aimed to present the experience of students and two supervisors in the care of children from low
income families, in the Interventive Psychodiagnosis internship. We present the relevance of this practice to both
future professionals and for clients participating in the process. To be performed, the psychodiagnosis in question,
followed the existential phenomenological theoretical line and developed from the initial interviews (conducted with
parents or guardians), playful hours (conducted with the children) and the devolutive interviews (conducted also
with parents and children). It can be noted our practice as supervisors of this stage the benefits that their practice
can bring, because from the client side, we received feedback from schools and family about significant changes in
children’s behavior. On the children’s side, the self-reflection exercise on feelings and conflict resolution was more
assertively developed than at the beginning of the process. From the trainees’ point of view, we could also observe
their professional growth from this experience.
Keywords: psychodiagnostic - intervention – children

*Docentes do curso de pós graduação stricto sensu em Psicologia e Políticas Públicas da Universidade Católica de Santos.
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Introdução processo, acerca do mundo interno do cliente. São assi-


Este trabalho pretende apresentar a experiência de nalamentos, pontuações, clarificações, que permitem, ao
alunos e duas supervisoras no atendimento a populações cliente, buscar novos significados para suas experiências,
de baixa renda, em Psicodiagnóstico Interventivo, com apropriar-se de algo sobre si mesmo e ressignificar suas
crianças. experiências anteriores. (p.26).
A Universidade em que o mesmo foi realizado,
mantinha, na ocasião, em sua grade curricular algumas Destacamos, também, que tais práticas de estágio ti-
disciplinas práticas objetivando aos alunos a prática em veram como eixo teórico norteador a linha fenomenológi-
estágios profissionalizantes, principalmente voltadas aos co-existencial, que tem como pressuposto a compreensão
discentes dos últimos anos universitários. do ser-no-mundo, ou seja, buscou compreender o que o
Com especificidade à Psicologia, possuía e possui sujeito poderia ser capaz de apreender as situações que
centros de Psicologia Aplicada, onde se propõe a oferecer se apresentam a ele, para assim, traçarem-se estratégias
estágio supervisionado aos estudantes de Psicologia, bem para atuações possíveis.
como acolher a demanda de atendimento psicológico A respeito da especificidade de cada um, bem como
(em diversas modalidades) da comunidade em que se os aspectos que os compõem e que nos permitem desta-
encontram inseridos. car como relevantes para a promoção de saúde mental da
Uma das modalidades oferecidas é a realização de população de baixo nível social e cultural, comentaremos
processo psicodiagnóstico voltado a crianças e adolescen- nos itens a seguir, destinados ao desenvolvimento do tema.
tes que, de acordo com o Projeto Pedagógico do curso, Entende-se que, através do estudo de caso, um tipo
tem por objetivo a promoção, o diagnóstico e tratamento de abordagem qualitativa, o relato das experiências na clí-
de atenção à saúde, relativos à dimensão comportamental nica de Psicologia da Universidade possa trazer reflexões
e subjetiva do indivíduo. e entendimento sobre este modelo de atuação.
O referido estágio foi realizado por alunos do pe-
núltimo ano do curso, em presença do supervisor. De 1. Desenvolvimento
acordo com o currículo, tal prática foi dividida em dois
semestres, sendo que, no primeiro semestre de cada ano 1.1 As bases do Psicodiagnóstico
era intitulado de Psicodiagnóstico compreensivo e, no As bases da avaliação psicológica se encontram atre-
segundo semestre, passava a receber o nome de Psico- ladas à aplicação de testes, já que no inicio desta prática,
diagnóstico interventivo. entre o final do século XIX e início do século XX, os
Isto porque, no primeiro semestre de cada ano, os psicólogos realizavam somente a função de testólogos
alunos iniciavam sua experiência com este tipo de atuação, (Cunha, 2000).
buscando, fundamentalmente, compreender a criança ou Nesta mesma linha de raciocínio, Ocampo e Arzeno
o adolescente em sua integralidade, de modo global, isto (1981, p. 13) entendem que o psicólogo, no inicio de
é, levando em consideração o contexto familiar e sócio- sua pratica em avaliação psicológica, tendia a sentir que
-cultural em que se inseria e, a partir dessa percepção, sua tarefa residia em cumprir uma solicitação “...com as
poderiam compreender como se constituem os sintomas características de uma demanda a ser satisfeita seguindo
que podem ou não ser expressos na queixa inicial trazida os passos e utilizando instrumentos indicados por outros
pelos pais ou responsáveis. (psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurologista, etc.).”
No semestre seguinte, a disciplina de estágio passava Deste modo, o contato com o paciente tinha como prin-
a intitular-se “Psicodiagnóstico Interventivo” pois, além cipal objetivo a investigação do comportamento diante
de buscar essa compreensão global do sujeito (criança de determinados estímulos apresentados.
ou adolescente), a atuação dos futuros profissionais em A partir dos anos 70 e 80 do século XX, a avaliação
psicologia, juntamente a seus supervisores, visava a inter- psicológica sofreu uma transformação em seus objetivos.
venção no sentido de promover bem-estar a esse sujeito Passou-se a ampliar a atuação do psicólogo na área de
que se pretende cuidar. avaliação, não somente como aquele que usava testes
Segundo Donatelli (2014): para investigar uma queixa levantada por um médico ou
outro profissional, mas como aquele que, diante de uma
As intervenções no Psicodiagnóstico Interventivo se queixa, pode lançar mão de diversas estratégias de avalia-
caracterizam por propostas devolutivas ao longo do ção psicológica a fim de buscar respostas para questões

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COM CRIANÇAS PROVENIENTES DE FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA

que se apresentam e daí em diante, poder sugerir alguns – Classificação nosológica: realizada para a testagem
possíveis caminhos para a solução de pontos em conflito. de hipóteses iniciais utilizando-se como referência os
É neste sentido, também, que Ancona-Lopez foi critérios diagnósticos.
precursora na introdução do modelo de Psicodiagnóstico – Diagnóstico diferencial: utilizado com o fim de
interventivo no Brasil, propondo que o processo se tor- realizar diagnósticos alternativos, uma vez que se observe
nasse ativo e cooperativo entre psicólogo e cliente. A ideia algumas inconsistências ou irregularidades no quadro de
de que se trata de um processo investigativo se manteve, sintomas.
porém com a possibilidade de intervenção do psicólogo. – Descrição: meio pelo qual se busca obter as for-
Cunha (2000) define o psicodiagnóstico como: ças e as fraquezas, além de descrever o desempenho do
cliente.
...um processo científico, limitado no tempo, que utiliza – Avaliação compreensiva: busca-se avaliar o funcio-
técnicas e testes psicológicos, em nível individual ou namento da personalidade com o intuito de compreen-
não, seja para entender problemas à luz de pressupostos der seu nível e a partir daí propor recursos terapêuticos
teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos, seja adequados.
para classificar o caso e prever seu curso possível, comu- – Entendimento dinâmico: tem o intuito de obter
nicando os resultados, na base dos quais são propostas explicações acerca do comportamento que, muitas vezes,
soluções, se for o caso. (p. 26). encontram-se inacessíveis na entrevista. Auxilia no esta-
belecimento do foco terapêutico.
Deste modo, podemos diferenciar o psicodiagnóstico – Prognostico: objetiva a determinação do provável
do diagnóstico psicológico, sendo que o primeiro, con- curso que tomará o caso.
forme Cunha (2000) e Arzeno (1995) entendem, implica – Prevenção: tem o intuito de “antever” questões
na utilização de testes e outros instrumentos relevantes uteis a serem tratadas.
para um estudo em profundidade sobre a personalidade – Perícia forense: objetiva a avaliação psíquica a fim
do sujeito, ao passo que no diagnóstico psicológico, os de obter dados quanto à sanidade ou competências do
testes podem, nem sempre ser utilizados. sujeito. (Cunha, 2000).
É importante ressaltar que acreditamos que na Ressaltamos que na proposta da disciplina de estágio
atualidade e no contexto em que temos experienciado o em psicodiagnóstico que realizamos, os objetivos residem
psicodiagnóstico, a utilização de testes não tem se apre- na avaliação compreensiva, seja na primeira etapa (durante
sentado como a principal ferramenta do processo. Junto o primeiro semestre de cada ano), seja na segunda etapa
a essa, temos observado que há outras estratégias eficien- (durante o segundo semestre de cada ano).
tes e eficazes para o trabalho investigativo de crianças e A seguir exporemos a respeito da especificidade do
adolescentes que têm sido inclusas e delas se obtém bons processo que realizamos no centro de Psicologia Aplicada
resultados. No item a seguir, relataremos algumas delas. da Universidade em questão.
Com relação à realização do processo, podemos
compreender que este possui alguns critérios a serem 1.2 A especificidade do psicodiagnóstico realizado
seguidos que o caracterizam. Porém, não se deve acreditar Antes de descrever a especificidade da prática, é
que um processo será igual para todos os clientes, já que importante ressaltar que, na atualidade, o psicodiagnóstico
cada um deve ser entendido em sua singularidade. Em pode contar com diversos referenciais teóricos, filosóficos
outras palavras, as intervenções seguem alguns pressu- e práticos (Vieira, 2009). A abordagem fenomenológico-
postos comuns, contudo as estratégias são definidas de -existencial tem sido uma das mais utilizadas já que,
acordo com o caso especifico a ser tratado. conforme afirma Azevedo (2002), este modo de compre-
De acordo com Cunha (2000), além da singularidade ensão do ser humano aceita a prática do psicodiagnóstico
do cliente, também devem ser levados em consideração como descrição e compreensão global dos fenômenos da
os objetivos que se pretende atingir com o processo. De existência humana e suas rupturas, não utilizando-as para
acordo com a autora, podem ser os seguintes: rotular como doença mental ou no campo da adequação
-Classificação simples: quando o resultado obtido ou não adequação, mas sim para aquilo que causa sensa-
pelo examinando é comparado com o resultado da po- ção de estranheza e sofrimento.
pulação correspondente e daí em diante os dados são É desta forma que Ancona Lopez (2002) compre-
classificados.

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ende que o psicodiagnóstico passa a ser, na atualidade, rapeuta (estagiário) buscasse desconstruir a situação
uma construção pautada “...na experiência do sujeito de si apresentada pelos pais ou responsáveis da criança ou
mesmo com o outro.” (p. 93). Neste sentido, o psicólogo adolescente, a fim de investigar seu significado principal,
não ocuparia o lugar do detentor do saber, mas sim, a que até então se encontrava velado. Em outras palavras,
voltar seu trabalho para a compreensão da experiência da em um primeiro momento, buscou-se escutar a queixa
relação entre ele e o sujeito, bem como daqueles que o advinda do discurso dos pais e não toma-la como verda-
cercam, como o meio familiar, social e escolar. de absoluta sobre o que se deve compreender da criança
Pode-se dizer, com isso, que o fazer do psicólogo e sim, como algo que se fala sobre ela e que pode ser
amplia-se, exigindo deste uma maior maturidade para um material útil para se compreender sobre o que possa
compreender seu papel ativo e participante, para o en- estar ocorrendo com ela. De acordo com Ancona-Lopez
tendimento do paciente e sobre as possibilidades de (2002), deste modo, “a queixa deixou de ser vista de
encaminhamento feitas posteriormente. modo isolado para tornar-se via de acesso ao mundo do
Além disso, uma das contribuições do psicodiagnós- sujeito, a seus objetos intencionais, e aos conflitos nele
tico fenomenológico-existencial, segundo Yehia (2002) é instalados...” (p. 94) e é, por meio da queixa, que se pode
a reavaliação dos papéis desempenhados pelo cliente e buscar o esclarecimentos dos significados ali presentes
pelo psicólogo. O cliente se torna um parceiro ativo e para que houvesse ressignificação e se modificassem os
envolvido no trabalho de compreensão e em sua eventual modos da criança estar consigo e com o outro.
sequência. Assim, no psicodiagnóstico infantil, a partici- O terapeuta deveria se prestar à tarefa de identificar
pação dos pais se faz de extrema importância, uma vez a experiência do outro, bem como seu significado e, para
que a criança tende a sentir-se mais livre para envolver-se isso deveria, segundo podemos compreender, buscar
no processo quando observa o empenho dos pais, no “enxergar o mundo com as lentes do outro”, com a lente
trabalho em conjunto com o psicólogo para compreensão desses pais, que veem essa criança. É importante ressaltar,
e intervenção em seus aspectos emocionais. que em momentos posteriores, de encontro com a crian-
Diante disso, o processo psicodiagnóstico, aqui ça, também era recomendado que o estagiário (terapeuta)
discutido, foi realizado em modo grupal pois se baseia buscasse compreender o mundo da criança a partir das
no entendimento de Ancona-Lopez (2002) que se trata lentes da mesma.
de uma “...prática colaborativa, contextual e interven- É desde este contato inicial que o psicólogo deveria
cionista” (p. 87), na qual podemos, por meio do grupo, gerar condições para que os pais se engajassem no pro-
compreender o sujeito em situação social. cesso de criação de sentido, pois este sentido, dado por
No que tange ao atendimento dos pais, o grupo eles, poderia fazer toda a diferença durante a intervenção
pode ser eficaz para que assim estes possam sentir que que se realizou com a criança ou adolescente.
“não estão sozinhos”, uma vez que encontram outros Esta entrevista inicial era feita simultaneamente
pais buscando outros estagiários em psicologia para os com os pais das crianças que buscavam atendimento e se
auxiliarem. utilizava da “técnica do cochicho”, tal qual proposta por
Com relação às crianças, Munhoz (2002) destaca que Yehia. Assim, em um mesmo espaço físico (sala de aten-
a intervenção grupal permite a observação da interação dimento) ocorriam, ao mesmo tempo, todas as entrevistas.
entre elas e o ambiente, com outras pessoas e consigo Os estagiários trabalhavam, em geral, em duplas e eram
mesma, além de permitir comparar seu desenvolvimento atendidos os pais de cerca de seis crianças. O supervisor
biopsicossocial ao de outras crianças de mesma faixa de estágios permanecia presente durante os cinquenta
etária que utilizam o serviço. minutos de atendimento, atendendo eventualmente os
O processo é dividido em algumas etapas, como estagiários em suas dificuldades. De acordo com Ancona-
discutiremos a seguir: -Lopez (2002), a aplicação dessa técnica e realizada desse
A primeira etapa referia-se ao momento em que modo, “...propõe que alunos e supervisores trabalhem
os pais ou responsáveis procuravam o atendimento e o conjuntamente com os clientes.” (p. 81). Do ponto de
contato inicial com o terapeuta (estagiário) se estabelece. vista dos pais, tem-se uma tendência a sentirem-se con-
Nesse momento inicial, os estagiários eram orientados a fortáveis, uma vez que não se colocam como o centro
praticar a escuta da queixa, buscando acolher os pais em das atenções e do ponto de vista do aluno (estagiário),
sofrimento e compreender o campo fenomenal do sujeito. podem “...experimentar o contato com o cliente e assistir
Para que isso ocorresse, foi necessário que o te- ao manejo do grupo pelo supervisor” (Ancona-Lopez,

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2002, p. 81). bém influenciado pela abordagem de ensino. Não se deve


Na semana seguinte, em geral procedia-se a Entre- também, conforme a autora, deixar de lado a observação
vista de Anamnese. Para esta sessão procurava-se montar do ambiente físico da escola.
um roteiro, já que seria usada entrevista semi-dirigida. A Visita Domiciliar também era, em alguns casos,
Este roteiro incluía tópicos referentes à história de vida empregada. Embora não fosse uma prática comumente
da criança que poderiam ajudar no entendimento da realizada, ela permitia ter maior entendimento das rela-
queixa e tópicos referentes à história clínica, ou seja, o ções que se estabeleciam na família e o conhecimento do
surgimento e evolução da queixa, assim a forma como espaço da criança na residência.
os pais e outras pessoas lidavam com ela. Com relação ao uso de testes, poderia ser realiza-
Em geral, na terceira sessão, os estagiários tinham do, a medida em que se observasse, a partir dos dados
o primeiro contato com a criança. Este encontro se dava obtidos até então, a necessidade de se investigar, mais
na sala de atendimento, com a presença dos estagiários e profundamente, por meio de instrumentos específicos,
das crianças, sob o olhar do supervisor de estágios (que o que poderia estar ocorrendo em determinadas áreas,
permanecia na sala de atendimento, observando). Antes como cognitiva, afetiva, etc. Nesse sentido, a preocupação
de proporem o uso da caixa lúdica, os alunos pergunta- que o estagiário deveria ter giraria em torno da correta
vam à criança se elas sabiam o motivo de estarem ali e era escolha da(s) técnica(s), sua organização para a aplicação
esclarecido a criança que o que ela fizer não seria relatado (em sala exclusiva) e a consideração de que, conforme
a ninguém, a menos que ela própria quisesse contar. A propõe Cunha (2000), “...o foco da testagem deve ser o
seguir, as crianças se dirigiam ao material disponibilizado: sujeito, e não os testes.” (p. 113). Isso porque, acredita-
brinquedos e material gráfico, conforme desejassem, e mos que a escolha e aplicação de qualquer técnica deva
eram observadas pelos estagiários. Quando se aproxi- se fundamentar na compreensão da criança que está em
mava do término da sessão, as crianças eram convidadas processo psicodiagnóstico.
a guardar o material lúdico e cada dupla de estagiários Após 12 sessões, aproximando-se o final do semestre
dialogava com a criança sobre as impressões que teve, a letivo, refletia-se em supervisão sobre todo o processo
partir do que observou, entendendo as situações clínicas de construção e os resultados de todo material obtido
como metáforas de situações vividas. Esse diálogo partia na investigação acerca da criança, sua família e outros
do princípio de que a criança era participante essencial condicionantes. Esta compreensão permitia ao estagiá-
do processo psicodiagnóstico. rio elaborar o material de devolutiva, por meio de uma
Após algumas sessões (pelo menos 4, que nessa história a ser apresentada à criança.
experiencia configurava por volta de um mês) com as O uso de histórias na psicoterapia com crianças
crianças os pais eram chamados para uma Entrevista de inicialmente foi proposto por Gardner (1993). Outros
Acompanhamento (Devolutiva Parcial). O objetivo deste autores também relatam o emprego desta técnica, como
encontro seria o de dividir com os pais as impressões que anteriormente, Oaklander (1980), a partir da perspectiva
os estagiários tiveram a respeito da criança, assim como gestáltica e no Brasil, Safra (1984), além de Ancona-Lopes
obter informações adicionais que pudessem ajudar na (2002), foram os principais expoentes.
compreensão da criança. Assim, fazíamos duas entrevistas devolutivas. A
Muitas vezes sentia-se a necessidade de se utilizar da primeira com a criança e a segunda com os pais. O livro,
Visita Escolar, quando observava-se que se tratava ou de com o resultado de todo trabalho realizado, era lido à
uma queixa de aprendizagem ou quando sentia-se a ne- criança na Entrevista Devolutiva. Ela recebia o livro e o
cessidade de obter mais dados em um ambiente de estudo levava para casa, onde poderia reler sempre que quisesse.
e socialização importantes para a formação da criança. Na semana seguinte eram recebidos os pais. Neste
Segundo Maichin (2011) “diversos são os pontos impor- dia, era lido para eles o relatório escrito para eles onde
tantes a serem observados em uma escola” (p. 211). A aparecia a compreensão que se teve acerca da queixa e
autora destaca, entre outros, as relações humanas, “ponto seus determinantes.
fundamental na construção de uma rede de significados
na vida da criança” (p. 211), aspecto bastante influenciado 2. Conclusões
pela abordagem de ensino adotada pela escola. Ainda de Pode-se concluir que esta modalidade de estágio
acordo com Maichin (2011) é importante ser observado permitiu ao aluno de graduação em Psicologia, às crian-
a forma como se dá o processo de aprendizagem, tam- ças e também a seus pais, uma experiência de grande

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importância. Isto porque, no que se refere aos alunos, crianças, favorecendo o diálogo com os pais e as escolas,
foi dada a oportunidade de eles realizarem leituras e se além de propiciar boa formação aos futuros profissionais
aproximarem tanto da técnica quanto da teoria fenome- psicólogos.
nológico-existencial.
A presença do supervisor durante os atendimentos Referências
permitiu que, no momento posterior à sessão, fossem Ancona-Lopez, M. (Org) (2002). Psicodiagnóstico: Processo de intervenção. São
Paulo: Cortez.
apontados e discutidos alguns pontos que necessitavam Ancona-Lopez, M. (2002). Introduzindo o psicodiagnóstico grupal interventivo:
ser mais bem observados. No que tange ao raciocínio uma história de negociações. In M. Ancona-Lopez (Org.). Psicodiagnóstico:
Processo de intervenção. São Paulo: Cortez.
clínico, foi possível observar que os alunos tendiam a Azevedo. D.C. (2002). Análise situacional ou psicodiagnóstico infantil: uma
desenvolver, diante desta experiência proposta, a capa- abordagem humanista-existencial. In Angerami-Camon, V.A. Psicoterapia
cidade de articular conceitos teóricos com a prática e a fenomenológico existencial. São Paulo: Pioneira Thompson.
Becker, E., Donatelli, M., Fleury, S. & Mary Dolores, E. (2004). Psicodiagnós-
capacidade de compreender a demanda psicológica do tico e livro de história: possibilidade de uma experiência integradora na
cliente (indivíduo e/ou instituição), além de elaborar o entrevista devolutiva para crianças. In: Programas e Resumos: Conf. Internacional
de Avaliação Psicológica Forma e Contexto. Braga: Univ. do Minho.
material de devolutiva para a criança e o relatório aos pais Cunha, J. A. e Colaboradores (2000). Psicodiagnóstico-V. 5ª. ed. Porto Alegre:
(e/ou escola) a partir dos dados obtidos. Artmed.
Finalmente, conforme a proposta desse estudo, no Donatelli, M. F. (2005). A compreensão da religiosidade no Psicodiagnóstico interventivo
Fenomenológico-Existencial. Tese (Doutorado). PUC-SP, São Paulo, SP.
que se refere à população usuária do serviço, tivemos Donatelli, M. F. (2014) Psicodiagnóstico interventivo fenomenológico existen-
retornos bastante significativos das escolas e especiali- cial. In Ancona-Lopez, S. (org). Psicodiagnóstico interventivo: evolução de uma
prática. 1.ed. São Paulo: Cortez.
dades médicas que encaminharam as crianças ao serviço. Gardner, R.A. (1993) Storytelling in psychotherapy with children. New Jersey:
Acreditamos que precisamos de pesquisas posteriores Jason Aronson.
para mensurar as mudanças ocorridas pós intervenção Maichin, V. (2011). Os diversos caminhos em psicoterapia infantil. In Ange-
rami, V. A. (org). O atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial. São
psicodiagnóstica. Porém, foi possível obter como feedback Paulo: Cengage Learning.
a observação de mudanças positivas no comportamento Munhóz, M. L. P. (2002). A Criança Participante do Psicodiagnóstico Infantil Grupal.
In Ancona-Lopez, M. (Org). Psicodiagnóstico: Processo de intervenção.
da maior parte das crianças durante o processo. São Paulo: Cortez.
A quase totalidade das crianças vincularam-se aos Oak1ander, v. (1980). Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e
terapeutas e deixavam o processo a contragosto, porém, adolescentes. São Paulo: Summus. 
Ocampo, M. L. S. & colaboradores (1981). O Processo Psicodiagnóstico e as Técnicas
ao receberem na entrevista devolutiva o livrinho com a Projetivas. São Paulo, Martins Fontes.
história de seu processo, tendiam a sentirem-se como fun- Safra, G.(1984). Um método de consulta terapêutica através do uso de histórias infantis.
Dissertação (Mestrado). Instituto de Psicologia da Universidade de São
damentais ao processo, que sabiam que um dia acabaria. Paulo.
Na relação entre pais e filhos, pudemos observar o Trinca, W. (1984). Diagnóstico Psicológico – a prática clínica. São Paulo: EPU.
estabelecimento de uma escuta mais atenciosa deles em Vieira, M.A.S.D. (2009). Da família ao grupo social: a complexidade do psicodiagnóstico
infantil grupal. (Artigo inédito). Monografia do curso de especialista em
relação ao que as crianças expressavam, muitas vezes, terapia de casais e famílias pelo CAEP – centro de atendimento e estudos
não em palavras, mas em comportamentos diferentes do em psicodrama em parceria com a PUC-Goiás, GO.
Yehia, G. Y. (2002). Reformulação do papel do psicólogo no psicodiagnóstico
esperado por eles. fenomenológico-existencial e suas repercussões sobre os pais. In Ancona-
Assim, acreditamos que mediante esta proposta de -Lopez, M. (org). Psicodiagnóstico: processo de intervenção. São Paulo: Cortez.
estágio em psicodiagnóstico oferecido pela Universidade,
Submetido em: 29-4-2019
pudemos contribuir com a sociedade de nossa região, Aceito em: 24-11-2019
auxiliando no desenvolvimento emocional saudável de

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