A Estrutura Fundamental Da Conduta Punível Reforcado Ustm 2020

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A Estrutura Fundamental da Conduta

Punível

Por: Msc. Gonçalves Zacarias Cumbana – Docente da cadeira


de Direito Penal II na Universidade São Tomás de Moçambique.
Maputo, Dezembro de 2020

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A ilicitude e a culpa

O crime não é só a negação de valores, mas a negação de certos valores – os valores jurídicos
– criminais. A negação destes específicos valores jurídicos – criminais, ou seja, a
ilicitude é outro elemento da definição do crime que vamos analisar.
É por meio da ilicitude que vamos saber quais os comportamentos humanos são
objectos das reacções criminais e os respectivos sujeitos se deixam classificar como
criminosos; é crucial, porém, determinar o quadro daquelas específicas significações,
pondo os olhos nas quais é possível ao juiz atribuir ou negar dignidade penal às
actividades humanas submetidas ao seu julgamento.

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A ilicitude e a culpa

O grande paradigma do Direito Penal é o da determinação da ilicitude material –


do “objecto da tutela jurídico – criminal”, do objecto do crime (o que o crime visa que é
diferente da acção).
Para resolver este paradigma, Prof. BELEZA DOS SANTOS, propôs considerar a
tábua de valores ligada à concepção jurídica – filosófica que tenha individualmente o
julgador.
No entanto tais soluções não têm encontrado acolhimento, ao menos em toda a
plenitude, e ao que sabemos, nos sistemas legislativos e nos projectos mais
modernos.
É que se não pode esquecer a possibilidade de insuficiências e imperfeições
dos julgadores, suposta ainda a sua melhor boa fé.
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A ilicitude e a culpa

Entretanto, é preciso que os sistemas jurídicos – criminais formulem de maneira


tanto quanto possível exacta os seus juízos de valor. A valoração jurídico –
criminal não pode ser deixada ao arbítrio do juiz, mas deve ser formulada de
maneira tanto quanto possível precisa.
Para dar realidade a este pensamento possui a técnica legislativa um engenhoso
recurso, que consiste precisamente no tipo legal do crime. Neles descreve o
legislador aquelas expressões da vida humana que em seu critério encarnam a
negação de valores jurídico – criminais, que violam os bens ou interesses jurídico –
criminais.
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A ilicitude e a culpa

Neles vasa a lei como em moldes os seus juízos valorativos, nelas formula de
maneira típica a antijuricidade, a ilicitude criminal. Depois uma vez formulados
esses tipos legais de crime, impõe – se ao juiz como quadros, a que este deve sempre
subsumir(*) os acontecimentos da vida para lhes poder atribuir a dignidade jurídico
– criminal.
Nisto consiste precisamente a chamada tipicidade, intimamente ligada ao princípio
“Nullum crimen sine lege”, que em alguns sistemas jurídicos, como o nosso,
alcançou força de garantia constitucional. Cfr. Art. 59 CRM.
Por este caminho se alcança uma notável clareza e segurança na determinação do
âmbito daquelas condutas humanas que pertencem ao domínio do direito criminal,
fixando-se assim como que a “ Magna Carta” do criminoso.
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O tipo legal de crime como negação de valores, interesses
ou bens jurídicos

BELING, argumenta que, o tipo deveria considerar-se valorativamente neutro: a acção


seria típica sempre que, formalmente, se pudesse subsumir em uma das descrições de
conformação externa da conduta punível, independentemente da formulação de
qualquer juízo de valor; este só viria a ter lugar quando se analisasse a concordância
ou oposição entre o comportamento externo – objectivo do agente e as exigências
impostas pela ordem jurídica, isto é, precisamente, quando se analisasse a licitude ou
ilicitude daquele comportamento.

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O tipo legal de crime como negação de valores, interesses ou
bens jurídicos

O tipo, seria, por outro lado, valorativamente neutro, inteiramente estranho a todo o
juízo de valor; e, por outro lado, mera descrição objectiva de um facto externo, tendo,
portanto, natureza puramente objectiva e descritiva.
Assim sendo, o tipo legal deixa de ser mera descrição objectiva e valorativamente
neutra, de um comportamento proibido, para se tornar no portador da valoração
jurídico – criminal que o juízo de ilicitude exprime.

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O tipo objectivo: classificação dos tipos de crime em função
dos seus elementos

Para além de só caso a caso ser possível definir rigorosamente os elementos do


roubo, do homicídio, etc, atentando na lei positiva, é um facto que há certos
elementos comuns a todos os tipos de crime. E é em função dessas características
comuns que é possível não só enunciá-los, mas também fazer algumas classificações
básicas de tipos de crime, que não têm apenas interesse especulativo ou dogmático,
têm interesse efectivo, na medida em que implicam certas consequências, por
exemplo, na teoria da participação criminosa, na teoria da tentativa e da frustração,
etc.

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O agente: diferentes graus de determinação

Em primeiro lugar, um crime tem sempre um agente. Só que esse agente tanto pode
ser qualquer pessoa, isto é, um tipo de crime tanto pode partir de uma definição
deste género: “ aquele que fizer isto ou aquilo”, “qualquer pessoa que…”é punido com uma
certa pena, como pode restringir o âmbito possível dos agentes. Se virmos por
exemplo o art. 155 do C.P que define o crime de homicídio, por exemplo o art.178
que define o crime da castração e mutilação genital, por exemplo o art. 163 que
define o auxílio ao suicídio, todos geralmente começam por uma expressão do
género: “aquele que…”. Isto quer dizer que em princípio qualquer pessoa pode ser
agente de um destes crimes.

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O agente: diferentes graus de determinação

Para além deste tipo de crimes que têm esta definição muito geral do agente do
crime, há alguns crimes que pressupõem não ainda uma pessoa qualificada por um
qualquer dever jurídico ou por uma qualquer situação juridicamente definida, mas
que pela própria definição do comportamento, delimitam os possíveis agentes do
crime: na definição do nosso C.P antigo, por exemplo, o crime de estupro e o
crime de violação* , pelo menos em autoria imediata, só podem ser praticados por
pessoas do sexo masculino (arts. 392º e 393º). É possível que uma mulher seja
autora mediata ou instigadora de um crime de violação, mas o autor imediato tem de
ser necessariamente um homem, quer dizer em relação ao estupro, quer em relação a
violação.
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O agente: diferentes graus de determinação

Também por exemplo, - e ai já há uma implicação de certo modo jurídica da situação


do agente – num crime de adultério*, o autor tem de ser uma pessoa casada. Aí já
não é qualquer pessoa que como autor principal pode praticar o crime de adultério.
Por outro lado, acontece por vezes que o agente do crime é definido em termos da
relação com o ofendido do crime; é o caso do crime de lenocínio (art.227, alínea c.),
isto é, da perversão ou prostituição, por parte de um ascendente, de um seu
descendente, e aí o agente tem, também por definição legal, de ser alguém numa
relação de parentesco ascendente/descendente para com o ofendido nesse crime.

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Os crimes específicos próprios e impróprios

Mas, para além destes casos em que não há uma definição absolutamente geral do
agente, mas há esta limitação ainda não juridicamente muito nítida, há certos crimes em
relação aos quais os agentes são definidos fundamentalmente através da titularidade de
uma certa situação juridicamente definida.
Por exemplo: o art. 477 (Prevaricação), define o crime de prevaricação dizendo: “o juiz
que, por favorecimento ou por ódio, proferir sentença definitiva manifestamente injusta….” ( a ideia é
de que um juiz não faz objectivamente justiça num caso concreto, mas por favor ou por
ódio profere uma sentença injusta, tendo consciência disso e fazendo-o
intencionalmente) – aqui o agente do crime só pode ser um juiz.
É costume chamar em geral aos crimes de que não pode ser agente qualquer pessoa,
mas dos quais só pode ser agente uma pessoa com certas qualidades e principalmente
com qualidades que consistam na titularidade de uma situação juridicamente definida –
crimes específicos.
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O tipo legal de crime como negação de valores, interesses ou
bens jurídicos

O tipo, seria, por outro lado, valorativamente neutro, inteiramente estranho a todo o
juízo de valor; e, por outro lado, mera descrição objectiva de um facto externo, tendo,
portanto, natureza puramente objectiva e descritiva.
Assim sendo, o tipo legal deixa de ser mera descrição objectiva e valorativamente
neutra, de um comportamento proibido, para se tornar no portador da valoração
jurídico – criminal que o juízo de ilicitude exprime.

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Os crimes específicos próprios e impróprios

Simplesmente, se uma pessoa não é funcionário público praticar actos idênticos a estes
tipos de crime, não é condenada, porque não pode ser, por peculato e concussão, mas
pode ser condenada por crimes que são idênticas a estes, embora punidos com uma
pena diferente, que em relação à concussão é o crime de extorsão (art.301) e ao
peculato é o abuso de confiança (art.302). No primeiro caso, há um crime dito
extorsão, que é um crime não específico – qualquer pessoa o pode praticar e há depois
uma autonomização da extorsão com outro crime chamado aqui concussão para os
empregados públicos. Daí que se diga que estes crimes (peculato e concussão) são
crimes específicos impróprios. Impróprios porque não existem apenas para aquelas
pessoas definidas naquele tipo de crime; são apenas variantes de um crime fundamental
que pode ser praticado por qualquer pessoa.
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ANÁLISE DOS TIPOS LEGAIS DE CRIMES

CRIMES DE ACÇÃO E DE OMISSÃO

É claro que num certo sistema jurídico, enformado pelo princípio “nullum crimen sine
lege”,terão de ser delineados tantos tipos legais de crimes quantos os específicos
valores jurídicos que o direito criminal quer proteger.
O estudo da tipicidade coincide, pois com o estudo da parte especial dos códigos
criminais.
Podemos dizer que, todo o tipo legal contém a descrição de um facto
criminoso. Este facto criminoso pode consistir:
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ANÁLISE DOS TIPOS LEGAIS DE CRIMES

Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão


Há no entanto, outro tipo de crime omissivo, o comissivo por omissão ou omissivo
improprio, no qual o dever de agir é para evitar um resultado concreto. Nesses crimes, o agente
não tem simplesmente a obrigação de agir, mas a obrigação de agir para evitar um resultado, isto é,
deve agir com a finalidade de impedir a ocorrência de determinado evento.
Nos crimes comissivos por omissão há, na verdade, um crime material, i.e, um crime de resultado. Na
verdade, nos crimes comissivos estamos diante de uma norma proibitiva. Sempre que um
determinado desenvolvimento causal for favorável, o Direito, em virtude dos fins a que se
propõe, ordena que o homem não interfira nesse processo causal para, com a sua interferência,
não vir a ocasionar um resultado indesejável, um resultado socialmente danoso. O Direito
ordena-lhe, portanto, uma abstenção, proíbe que aja, para não causar um prejuízo.
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ANÁLISE DOS TIPOS LEGAIS DE CRIMES

a) Numa mera actividade que se proíbe. O preenchimento destes tipos resulta


meramente de o agente fazer alguma coisa que não deve. São os crimes de mera actividade
(ex. Crimes formais);
b) Na realização ou perigo de realização de um evento através de uma
actividade de um agente. Nestes casos, o preenchimento do tipo legal de crime
resulta de o agente fazer alguma coisa que não deve, na medida em que causa um
evento descrito no tipo. São os crimes de resultado sob a forma de comissão por acção (crimes de
resultado);
c) Na ausência de uma certa actividade. O preenchimento deste delito resulta
tão-só de o agente não levar a cabo alguma coisa que se exige. São os crimes de omissão
pura;
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ANÁLISE DOS TIPOS LEGAIS DE CRIMES

d) Na realização ou perigo de realização de um evento na medida em que o


agente o não evita. Nestes casos, o preenchimento do tipo legal de crime resulta de
o agente deixar de levar a cabo uma actividade que obstaria à produção do evento
descrito no tipo. São os crimes de resultado sob a forma de comissão por omissão.

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Crimes formais e materiais

Na medida em que é indiferente a realização de um certo evento, no sentido de um


certo resultado, de uma modificação do mundo exterior, causada pela actividade
contida num certo tipo legal de crime, denominam-se os delitos que daí resultam de
delitos formais. Estes abrangem, pois, os delitos de mera actividade e de omissão
pura. Quando a realização de um certo evento, no sentido indicado, interessa à
valoração objectiva concreta num certo tipo legal, estamos em face de delitos ou
crimes materiais. Estes abrangem, pois, os delitos de comissão por acção e os de
comissão por omissão.

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Crimes formais e materiais

O interesse da distinção está, além do mais, em que não é possível a figura da


frustração nos delitos formais.
Pode também à valoração objectiva interessar um certo resultado e todavia, por
certas razões, não se exigir a sua produção para considerar o respectivo crime como
consumado. É o caso do envenenamento (art.162 do Código Penal). Nestes casos,
está-se em face de delitos substancialmente materiais e tipicamente formais – ou de
mera actividade ou de omissão. Não pode, pois, relativamente a eles, distinguir-se
entre frustração e consumação.

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O agente: diferentes graus de determinação

Para além deste tipo de crimes que têm esta definição muito geral do agente do
crime, há alguns crimes que pressupõem não ainda uma pessoa qualificada por um
qualquer dever jurídico ou por uma qualquer situação juridicamente definida, mas
que pela própria definição do comportamento, delimitam os possíveis agentes do
crime: na definição do nosso C.P antigo, por exemplo, o crime de estupro e o
crime de violação* , pelo menos em autoria imediata, só podem ser praticados por
pessoas do sexo masculino (arts. 392º e 393º). É possível que uma mulher seja
autora mediata ou instigadora de um crime de violação, mas o autor imediato tem de
ser necessariamente um homem, quer dizer em relação ao estupro, quer em relação a
violação.
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Crimes de perigo e crimes de dano

Não é porém rigoroso ou exacto equiparar os crimes de perigo, concreto ou abstracto, aos
crimes formais ou mera actividade, e daí concluir a impossibilidade da figura da frustração ou
da tentativa naquelas hipóteses.
É que a situação ou facto donde resulta perigo de lesão de um objecto ou bem jurídico pode
esgotar-se numa mera actividade ou omissão, ou pode exigir, também, uma modificação do
mundo exterior, um evento por ela causado.
Neste caso, o crime de perigo não é pois como tal um crime formal, mas um crime material
de resultado. Ou melhor, é um crime formal considerado o resultado final que se pretende
evitar, mas é um crime material considerado o facto (modificação exterior) que põe em
perigo.

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Crimes de perigo e crimes de dano

Exemplo disto é a punição do crime de moeda falsa. A lei pune o fabrico de moeda
falsa (art.525 C.P ), e pune-o na medida em que isso constitui um perigo de ulterior
resultado – passar-se essa moeda falsa.
Considerada esta actividade e os interesses que representa, é o referido tipo legal,
pois, um crime formal. Mas o facto em si exige a produção de um certo resultado,
subsequente à acção do agente, que é a produção de moeda falsa.
Considerada pois esta, relativamente à actividade do agente, está-se em face de um
crime material. Pelo que será possível neste crime de perigo falar de uma autonomia
da frustração ou tentativa relativamente à consumação.
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Crimes de perigo e crimes de dano

Isto mostra, por outro lado, que a distinção entre crimes formais e materiais não
pode fazer-se naturalisticamente, mas supõe sempre uma atitude referencial ou
teleológico, ou seja, exige que se parta sempre, considerando o tipo legal de crime, de
um certo resultado.

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Bibliografia

BELEZA, T. (1985). Direito Penal.2º vol.pp.95-163. AAFDL. Lisboa.


BITENCOURT, C.R. (2012). Tratado de Direito Penal – Parte Geral 1. 17ª edição. Editora Saraiva. São Paulo.
CORREIA, E. (2008). Direito Criminal I, Reimpressão, Livraria Almedina. Coimbra.
DIAS, J.F. (2004). Direito Penal, Parte Geral. Tomo I. Coimbra Editora. Coimbra.
FERREIRA, M.C. (1982). Direito Penal Português. Parte Geral.p.p.9-15. Editora Verbo. Lisboa.
ROXIN, C. (1999). Direcho Penal, Parte General (Reimpressão). Tomo I, Civitas. Madrid.

Legislação
1. Código Penal Português – Decreto de 16 de Setembro de 1886;
3. Código Penal – Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro.

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O NOSSO LEMA

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