Miolo DIP - 1. Edição 2020
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ª PARTE
APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS
(RITUAL DE INICIAÇÃO)
CAPÍTULO I
LINHAS ORIENTADORAS
CAPÍTULO I – Linhas Orientadoras
p. 51.
© JOÃO DOMINGOS MORAIS & FIGUEIREDO DALA
Capítulo I – Linhas Orientadoras | 5
por povo, território e poder político. Em sentido concordante com o dito, JELLINEK
afirma que o Estado “é a corporação de um povo, assentada num determinado território
e dotada de um poder originário de mando”, in G. JELLINEK, Allegemeine Staatslehre, 3ª
ed., pp. 180, 181, 183. A utilização moderna da denominação Estado remonta a
NICCOLO MACHIAVELLI (ou simplesmente MAQUIAVEL), quando este inaugurou a sua
grande e conhecida obra O Príncipe com a frase célebre: “Todos os Estados, todos os
domínios que têm tido ou têm império sobre os homens são Estados, e são repúblicas ou
principados”, in Il Príncipe, 13.ª ed., p. 37.
6 Não podemos confundir cidadão com citadino. Negrito nosso.
7 No caso das nossas lições, importa referir os ramos do direito privado,
nomeadamente, O Direito Civil (direito das sucessões, direito das obrigações, direitos
reais, direitos da família), o Direito do Trabalho e o Direito Comercial. Há autores que
vão no sentido da autonomização do Direito de Família encarando-o como um ramo
de direito privado especial. Quanto à nós, somos da humilde opinião que o facto do
nosso legislador ordinário ter desentranhado o antigo livro IV do Código Civil,
revogando-o com o Código de Família, não o faz deixar de ser Direito Civil (que é Direito
Privado Comum) e passar a ser Direito Privado Especial. Há realmente uma autonomia,
mas uma autonomia meramente normativa que se justifica pela seguinte ordem de
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12Esclarece-nos JOSÉ FROTA que, este princípio apresenta duas dimensões ou funções.
Uma dimensão ou função negativa e outra positiva. Quanto à sua dimensão negativa,
ele exclui todos os ordenamentos jurídicos que não apresentam pontos de contacto ou
de conexão com a situação em causa, não podendo, portanto, serem aplicáveis. No que
diz respeito a sua dimensão positiva, ela delimita os ordenamentos jurídicos
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Uma outra situação que podemos trazer à liça, partindo do exemplo que
nos é dado pelo Dr. ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS15, a quem
somos a pedir, desde já, a devida permissão para efectuar alterações
com vista a, humildemente, garantir um bom enquadramento à
realidade angolana, é o da celebração de um contrato de compra e
venda de um imóvel situado em Paris, concluído validamente em França
entre um angolano, Manuel João Morais, e um milionário francês, Jean
Paul Vivant, mediante mero escrito particular, em obediência ao
definido no parágrafo 2.º in fine do art.º 1.582.º do Código Civil Francês.
Ora, tal contrato é inválido segundo a lei civil angolana. Contrariamente
à França, em Angola exige-se, através do artigo 875.º do CC, que o
mesmo contrato seja celebrado por escritura pública, sob pena de estar
ferido de nulidade, nos termos do art.º 220.º do CC. Há aqui em sede
desta exigência legal um claro desvio ao princípio da liberdade de forma
previsto no art.º 219.º igualmente do nosso CC. Assim, caso se levantasse
o problema por exemplo da validade deste contrato perante tribunais
angolanos, e aqui vigorasse a territorialidade absoluta, obviamente que
o quadro estaria negro para aquele que tinha todo o interesse na sua
continuidade ou validade.
14 Do latim abundans cautela non nocet (cautela a mais não prejudica ninguém).
15 SANTOS. António Marques dos. Direito Internacional Privado, vol. I.
16 DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Privado, 10.ª Edição
Entende-se que cada Estado tem o seu ideal de justiça, tem a sua própria
concepção de justiça. Se lançarmos um olhar cauteloso a realidade
vislumbraremos que a ideia de justiça tem sofrido uma regular
metamorfose em função do tempo e do espaço, ganhando significações
18VALLADÃO. HAROLDO. Direito Internacional Privado, vol. I, prefácio à 1.ª ed., VII e
seg., Rio de Janeiro.
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Salvo melhor opinião, tudo isto que atrás ficou dito, reclama e justifica o
aparecimento e a manutenção do Direito Internacional Privado, que é
um direito de conflitos, i.e., um direito de conflitos de leis no espaço. Daí
brotando a sua inestimável importância.
Chegados a este ponto importa agora saber: o que é então este direito
de conflitos denominado Direito Internacional Privado?
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O quadro que foi pintado até aqui neste Capítulo I mostra-nos que,
grosso modo, no âmbito das relações jurídico-privadas que se
estabelecem entre os sujeitos de direito, surgem três diferentes níveis de
relações ou situações tendo como critério ou ponto de referência a
localização das mesmas no espaço.
Explicando:
23 Cfr. MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3.º Edição
Actualizada (4.ª Reimpressão), Almedina, Coimbra, 2011, p. 11.
24 Ibidem. p. 11.
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Para afastar certos fantasmas que devem estar a pairar no ar, cumpre
frisar que, a hipótese prática formulada aqui não espelha um problema
de conflito positivo de nacionalidades, pois, AISHA não tem dupla
nacionalidade. O que é uma situação totalmente diferente! Ela deixou
de ser, validamente, por livre e espontânea vontade, nacional de
Angola, o que é possível à luz da já referida alínea a) do n.º 1 do art.º
17.º da Lei n.º 2/16, de 15 de Abril (Lei da Nacionalidade), que é uma
das várias formas apontadas pelo legislador ordinário para a perda da
nacionalidade. A aplicação da lei angolana à situação brota da resolução
do conflito entre um princípio de DIP e uma norma de conflitos.
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e não sofreram alteração a não ser aquelas que as nossas próprias fontes
lhes tivessem de fazer, o que é que isso quer dizer? Quer dizer que nós
não recebemos as alterações que as fontes de direito português fizeram
ao seu direito depois daquela data. Portanto, tais alterações não têm
relevância em Angola, não são recebidas em Angola as normas que
resultem de alterações ou de produção legislativa posterior aquela data,
ou seja, a 11 de Novembro de 1975. Significa que fizemos uma recepção
material, consolidamos no nosso ordenamento jurídico as normas tal
como elas existiam a 11 de Novembro de 1975.
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Que leis são estas que são designadas como potencialmente aplicáveis
pelo princípio universal do direito? São aquelas que estão em contacto
com a situação através de qualquer das conexões relevantes em DIP,
conexões estas que ligam as relações jurídico-privadas aos
ordenamentos jurídicos. Estas são as bases fundamentais para se
perceber a teoria de BAPTISTA MACHADO: as leis que estão em
contacto com a situação são leis potencialmente competentes, detém
uma competência potencial que lhes é conferida desde logo pelo
contacto e depois a função da norma de conflitos será a de escolher
dentre estas leis uma e apenas uma para regular a questão jurídica em
concreto que se coloca a apreciação, portanto dirimindo assim o conflito
entre as leis em contacto.
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Ora, a autonomia dum ramo de direito pode ser vista sob duas
perspectivas: científica e normativa. A científica têm a ver com o facto
desta, enquanto ciência, ter um objecto de estudo próprio, conceitos
próprios, métodos, técnicas e princípios informativos próprios31. Já a
normativa diz respeito a existência de um corpo de princípios e normas
jurídicas próprias, não obstante a subsidiariedade, que regulam
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Até aos anos setenta, muitos autores negavam, e se calhar alguns ainda
negam, a existência de uma possível zona de interferência entre o DIP e
o Direito Constitucional. O ponto de partida destes era a visão que
tinham quanto as normas de DIP. Para estes, as normas de DIP eram
vistas (e esta é também a visão tradicional ou clássica do DIP) como
normas fundamentalmente formais, técnicas e, do ponto de vista
material, axiologicamente neutras, normas puramente metodológicas, e
apenas dirigidas ao órgão aplicador do direito.
33 Sinédoque é uma figura de estilo que consiste em tomar a parte como se do todo se
tratasse. Segundo a Enciclopédia Livre Wikipédia, esta figura de estilo consiste na
atribuição da parte pelo todo (pars pro toto), ou do todo pela parte (totum pro
parte): "Moscou caiu às mãos dos alemães", o singular pelo plural ("Quando o Gama
chegou à Índia"), o autor pela obra ("Estou a estudar Pessoa"), a capital pelo governo
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do país ("Washington decidiu enviar tropas para o Iraque"), uma peça de vestuário pela
pessoa que o usa ("Um vestido negro surgiu pela porta"), etc. Na verdade, trata-se da
inclusão ou contiguidade semântica existente entre dois nomes e que permite a
substituição de um pelo outro. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sin%C3%A9doque. Acessado no dia 7 de Janeiro de 2016.
34 Além do Direito Intertemporal, encontramos o Direito de Conflitos Interlocal (ou
para o futuro, ou seja, ela não é aplicável aos factos e aos efeitos destes que ocorridos
antes da sua entrada em vigor. Esse princípio não é absoluto, sofrendo algumas
excepções.
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Vários são os critérios que podem ser utilizados para distinguir o Direito
Internacional Privado do Direito Internacional Público: quanto as fontes,
o objecto, os sujeitos, os princípios, os métodos, as normas, a natureza
jurídica, etc.. Obviamente, não o faremos quanto as fontes, uma vez que
tanto um quanto outro podem nalguns casos ter a mesma fonte, o que
retira desde logo de órbita qualquer interesse de nossa parte nesta
abordagem em particular.
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At last, but not the least, ao Direito Internacional Privado não tem grande
importância o facto de um determinado Estado ser ou não reconhecido.
Tanto assim que se a norma de conflitos indicar como competente ou
aplicável uma determinada lei pertencente a um Estado não
reconhecido, desde que seja aquele o direito material que efectivamente
vigore naquele estado, é aquele o direito material que será aplicado,
ressalvadas algumas excepções como o caso da OPI ou Fraude à Lei.
Para o Direito Internacional Privado interessa apenas o ordenamento
jurídico que vigora efectivamente num dado Estado, esteja ele ou não
reconhecido na arena internacional, se surgiu de um golpe de estado e
um grupo de rebeldes tomou o poder, ou se está a ser objecto de uma
ocupatio bellica por parte de outro estado. Este é um problema do
Direito Internacional Público e não já do Direito Internacional Privado
que em qualquer uma destas situações desde que os seus princípios e
normas de conflitos levassem a aplicação de um desses ordenamentos
jurídicos o mesmo seria aplicado.
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Obviamente, para muitos seria uma forma ideal para fazer desaparecer
o DIP, mas não o faz. E não o faz porquê? Não o faz:
CAPÍTULO II
ÂMBITO DE ESTUDO DO DIP
CAPÍTULO II – Âmbito de Estudo do DIP
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Por último, o prof. LUÍS DE LIMA PINHEIRO começa por dizer que o
direito de conflitos, se preferirem, o DIP, entendido em sentido amplo
desdobra-se em dois: por um lado, encontramos o direito de conflitos
stricto sensu e, por outro, o direito de reconhecimento. Partindo desta
dicotomia, o prof. LIMA PINHEIRO advoga então que em sede do DIP
devemos estudar em primeiro lugar o direito de conflitos stricto sensu, e
depois, o direito de reconhecimento. Mas também reconhece que no
âmbito do DIP não são apenas estas as únicas matérias, podendo
também se estudar uma outra que tem que ver com o reconhecimento
do direito dos estrangeiros. Então, resumindo, para o prof. LIMA
PINHEIRO no âmbito do DIP estuda-se fundamentalmente três matérias:
direito de conflitos strictu sensu, direito de reconhecimento e direito da
competência internacional.
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