A Policia Carioca - 1910 Elysio de Carvalho
A Policia Carioca - 1910 Elysio de Carvalho
A Policia Carioca - 1910 Elysio de Carvalho
A "Criminalidade Contemporânea
RIO DE JANEIRO
IMPRENSA NACIONAL
I91O
AO DOUTOR
desta grande força social que é o centro de todos os maintenant Ia différcnce dês détails; puis cês détails eux-
systemas jurídicos, é uni phenomeno essencialmente mômcs s'cíiaçant peu á peu jusqu1 á Ia grande unification
mutável e proteiforme. Nascido da necessidade c do fcalisée dans lê Code Napoléon ; ensuite cê code, capi-
instincto, tem ellc através dos séculos, desde a barbaria caliste et bourgcois, subissant Ia poussée dês idées so-
até o esplendor dos tempos modernos, progredido com lialisatrices s'efforçant d'initier lês masses prolétaircs aux
uma rara constância. Na realidade das suas múltiplas bien faits d'une législation adaptég á sés besoins (Picard).»
manifestações, transforma-se constantemente, incessan- O mesmo succedeu com o direito criminal, que, ex-
temente rectiflca-sc c ratifica-se, desenrola-se no tempo tremamente severo outr'ora, diminuiu o rigor das pena-
como uma espécie de bobina lançando sua força intima lidades, comprchcndendo que a sociedade pôde usar da
no espaço em imagens novas. egitima defesa contra a criminalidade sem pôr na re-
Picarei acha que as transformações sociaes da huma- pressão sentimentos de vingança, mas, ao contrario,
nidade correspondem aos seus estados jurídicos : quando devendo procurar reformar o delinqüente afim de que
o Império do Occidentc, diz cllc, caiu definitivamente, no seja restituido são ao convívio social. As penalidades
século V, com a invasão dos bárbaros, o direito germâ- infamantes desapparcceram para sempre. A canga, a
nico tomou o lugar, nas Gallias, do direito romano, rele- marca de ferro em braza (supprimida definitivamente em
gado para o segundo plano, da mesma maneira que o França cm 1852), o uso de tender as narinas (abolido
direito romano, quando da conquista de Júlio César, na Rússia em 1818), a exposição publica, a mutilação
substituíra o direito celtico. para os parricidas, tudo isto cessou de ser applicado nos
Submettido á lei da continuidade histórica, tem o paizes civilizados. Em 1848, a França aboliu a pena de
Direito ao mesmo tempo o poder de renovar-se continua- morte em matéria política, e creou colônias penitenciá-
mente e adaptar-se ás mctamorphoses da vida no rias. A detenção preventiva foi submettida a novas condi-
planeta, nunca podendo ser absoluto c immutavel, tal ções, tornou-se mais fácil a revisão dos processos cri-
como a natureza physica e a natureza intellectual. O minacs, assim como simplificou-se a formalidade relativa
direito civil francez é um exemplo írisantc, profícuo, á rehabilitação. Foram votadas cm alguns paizes, como
soberbo : a Inglaterra, a França, a Allemanha, a America do Norte,
« On peut lê montrer, dana son allure générale, a Itália e a Hespanha, as chamadas leis de ' sursis. Por
passant de Ia diversité juxtaposée de sés cinq grandes com- lim, a abolição plena da pena de morto existe na legis-
posantes originaires (lê droit celtique, lê droit romain, lação de vários paizes, inclusive o Brazil.
lê droit germanique, lê droit canonique et Tesprit na- Nesta phasc luminosa da juricidade, em que o Di-
tíonal), au mélange de cês facteurs en une grande masse reito deixou de ser uma entidade metaphysica para ser
imique sous lês coutumes, realisant Tunité du fond cn considerado um phenomeno social, todas as nações cultas
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í tio delinqüente, physica e psychicamente, e dotando
estão empenhadas em reformar seus institutos jurídicos,
e até mesmo paizes como a Rússia e a Hespanha. a sociedade de um noyo methodo de lucta contra
Todas são unanimes em reconhecer a utilidade da revi- a criminalidade, a criminologia, e agora com o nome de
são de seus códigos como uma garantia contra as incer- sociologia criminal, entrou na sua phase luminosa e ex-
tezas, os embustes, as falsidades, as injustiças inhcrentea acta, fecunda e triumphante. Até então a jurisprudência
ás organizações defeituosas. Sobretudo as noções scien- clássica de Beccaria á Garrara, não estudava o criminoso,
tificas da criminologia e as lições da experiência quoti- a única preoccupação era o crime, considerado, não como
um episódio revelador de uma degenerescencia indivi-
diana impuzeram uma nova orientação á administração da
dual e social, mas como uma mera iníracção ás leis penaes.
justiça penal cm suas diferentes modalidades. Ninguém
Salvo quando se tratava de anomalias evidentes e expres-
mais contesta a necessidade da remodelação do código
samente enumeradas, e neste caso era submettido ao dia-
penal de acordo com a antropologia criminal, a patho-
gnostico dos alieuistas, o criminoso não passava de
logia mental, apsychologia, etc., e da urgência de mo-
um typo humano como qualquer um de nós, com o sen-
dificar-se o regimen penitenciário segundo as categorias
tir e o pensar communs, e era relegado para o olvido nas
antropológicas dos delinqüentes. As idéas tradiciona-
suas varias manifestações degenerativas pela orthodoxia
listas do direito penal ruiram por terra com ás idéas novas
penal. Não cogitando do criminoso, o velho direito pe-
sobre a gênese do crime (phenomeno biológico c social),
nal, bárbaro e absurdo, estabelecia para cada crime uma
sobre a natureza do delinqüente (personalidade indivi-
penalidade rigorosamente fixada de antemão. A prisão,
dual e social) e sobre a funcção clinica, por conseguinte,
por sua vez, era uni regimen de terrores, niartyrios e ve-
a preservação social contra as diferentes fôrmas de
xames de toda sorte, uma verdadeira maison dês morts,
pathologia individuo-social, taes como a loucura, o sui-
no dizer do grande Dostoiewsky.
cídio, o alcoolismo, a prostituição, o crime, etc. Antes de
No combate memorável contra o clássico edifício do
tudo, sobre todas as outras reformas, deve esta pre-
direito penal, a escola criminalista italiana funda a nova
dominar como a mais urgente, a mais humana, a mais
inspirada. sciencia, única e complexa, em observações directas e em
experiências positivas,, penosamente adquiridas pela an-
A rude infância da criminologia, e ella então se cha-
thropologia e pela estatística criminaes e estudadas graças
mava sciencia das penas e dos delictos, terminou no dia
ao methodo estabelecido pela philosophia experimen-
em que a sciencia positiva projectou sobre a perigosa
tal > A ob,ra desta sciencia, que tem por fim o estudo do
mas dolorosa figura do delinqüente a luz plena db metho-
delinqüente e de todos os meios de lucta contra a crimi-
do experimental. Depois dos trabalhos de Lombroso e das
nalidade, consiste no seguinte : ella definiu a verdadeira
aflírmações eloqüentes da escola positiva italiana, analy-
noção do crime, que 6 um phenomeno de anormalidade
sando humanamente o crime, estudando a personalidade
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da constituição anthropologica individual e do meio tellu-i, .incapacidade technica c pela ausência de normas legiti-
rico social, e, como tal considerado o crime, estudou o mas, não somente para defender a sociedade contra os
criminoso como um ser anormal, um degenerado, um delinqüentes como também para proteger suas victimas,
caso de.pathologia individual c social, classificado em e o regimen penitenciário que vigora é tudo quanto ha
diversas categorias, fora da panacéa do livre arbítrio, de mais dcshumano.
para concluir que a penalidade deve constituir, não um Foi dominado intensamente pelo sentimento frater-
castigo, mas uma espécie de remédio capaz de preservar, nal de servir ao seu paiz e, por conseguinte, trabalhar
curar, attenuara criminalidade, afim de que a ordem ju- para o progresso da humanidade, que o Dr. Esmeral-
rídica conserve o luminoso e perfeito equilíbrio, sem o dino Bandeira, ex-ministro da justiça c dos negócios
qual a planta humana não poderá viver, desenvolver-se, interiores, cmprehendeu a serie de reformas annunciadas.
fructiíicar. Intuitivamente se comprehende que nem o futil desejo de
Attendendo, portanto, á moderna orientação scien- innovar, muitas vezes tão nocivo, nem o mórbido senti-
tifica do Direito e dada a insufficiencia das nossas leis vi- mentalismo tão commum nos latinos foram a causa effi-
gentes para prover ás necessidades da vida jurídica no ciente do citado programma. A idéa da codificação das
Brazil, não podíamos protelar por maisi tempo a re- nossas leis penacs, por exemplo, nasceu da urgente ne-
forma da nossa legislação civil c, sobretudo, do nosso cessidade a que era preciso acudir, estabelecendo novas
código penal,e o remodelamento do regimcn penitenciário, normas e novas disposições á funcção processual. Foi
etc. Repositórios de formulas archaicas, preceitos ab- constituída em harmonia com interesses de ordem eleva-
surdos e normas obsoletas, repletos de omissões e contra- da, correspondendo ao nosso espirito de cultura e de
dições, as Ordenações do Reino e o código penal, civilização, sem o prurido dos copiadores de códigos
embora quasi dcrogados com a publicação de leis sup- estrangeiros. Ao contrario, procurando nas legislações
pletivas, não correspondem aos novos idóaes, aos novos occidentacs o que mais de acordo está com a tradição e a
sentimentos, aos novos propósitos políticos, neste mo- Índole da nossa gente, tiveram-se em consideração a sua
mento fulgurante da raça c do pensamento brazileiro. O Jiliação histórica c a sua reciproca influencia, observadas
código penal vigente, como affirmou o Dr. Esmcraldino as circumstancias mesologicas c suas condições de ada-
Bandeira cm seu relatório, é lacunoso na previsão de di- ptação .
versas figuras do polymorphismo criminal, é errado, Garofalo, levando seu rigorismo a um extremo an-
muitas vezes, na doutrina juridico-scientifica, é baldo de tipathico, affirmouque essas reformas, em lugar de serem
.systema c de unidade thcorica, é deficiente em alguns ca- leis protéctovas da sociedade, parecem forjadas expressa-
sos e, em outros, excessivo nas medidas repressivas e mente para proteger o criminoso. O que é verdade, é que
coercitivas, mostrando-se a nossa justiça impotente, por no fundo de toda condemnação lia uma injustiça c cm
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toda absolvição uma benevolência, o necessário sendo< • ao estudo desta grande força social, que, no dizer de
procurar a exacta evaluação das mesmas. A penalidade Picard, parece dominar e inspirar, desde as origens da
mais conforme com os verdadeiros princípios do Direito historia, a acüvidadc humana em seus mais enérgicos e
é aquella que é inflingida ao criminoso em dose estricta- cm seus mais trágicos esforços.
mente necessária á segurança social. A acreditar no As alternativas de coragem e de quebranto, as ale-
testemunho de vários criminalistas e jurisconsultos, a pro- grias e as amarguras não conseguiram um só momento
mulgação da reforma do código penal francez, começada sequer afastal-o deste culto fervoroso, e, por um impulso
sob os auspícios de Romilly, não foi seguida da recrude- natural e insistente, manteve incólume seu ideal até a
scencia de crimes. Foi cxactamcnte o contrario que finalidade desejada, entrevista e por fim alcançada.
se deu.
Fructo de um labor probo, paciente e methodico, a
obra confiada á competência de jurisconsultos avisados
como Cândido de Oliveira, Lacerda de Almeida, Alfre-
do Pinto, Sá Vianna, Bulhões Carvalho, Oliveira Santos,
Inglez de Souza, Carvalho Mourão e Alfredo Bernardes,
e presidida pelo ministro Esmeraldino Bandeira, com o
ser um instrumento de progresso, ó um attestado elo-
qüente do nosso saber jurídico. Filiado á moderna
corrente philosophica do século e adepto das idéas
reformadoras da nova escola penal, que tão poderosa sug-
gestão exerce no nosso labor mental, o Dr. Esmeraldino
Bandeira é, sem duvida, um expoente da grande cultura
do Brazil actual e o exemplo de um inquebrantavel amor
ao trabalho scientifico.
Desde muito, ha três decennios talvez, que o eminente
estadista se consagra ao estudo do Direito, tendo-se ha-
bituado a amar, a respeitar e a tratar essa arvore vetus-
ta, sob cujas frondes crescem todas as nossas liberdades
e perduram todas as nossas conquistas, com o : espirito
do verdadeiro sábio. Sem interrupção, obstinadamente,
com patriotismo c com fervor, deu toda a sua mocidadc
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II
Ao escrever o capitulo anterior, não foi outro nosso
intuito senão assignalar, considerando desde logo a estru-
ctura do primeiro esforço, a relevância da obra iniciada
pelo Ministério da Justiça. Eloqüente como symptoma da
vitalidade de nosso povo e maravilhoso como documento
da nossa capacidade jurídica, tem elle, repetimos, o valor
das mais altas conquistas de que se pôde orgulhar um
paiz. Attendendo ás condições do nosso progresso
actual, em que a reforma dos nossos institutos sociaes e
políticos constitue necessidade palpitante, quasi uma
medida de salvação publica, o promotor e os autores da
codificação do processo criminal são uns verdadeiros be-<
nemeritos da Pátria.
Tal como o delineou a illustre commissão, na qual
estimamos ver principalmente o Dr. Alfredo Pinto, não
trouxe elle completa solução ao complexo problema da
systematização e simplificação da matéria, porque esta
depende de outros elementos, mas, vem certamente remo-
delar sobre uma base racional praxes já existentes, definir
attribuiçôes que se achavam indeterminadas, destruir
fórmulas abusivas e methodos rotínarios, consultando ao
interesse da sociedade e attendendo á defesa individual.
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Naturalmente, ha falhas, omissões, lacunas, que pó-
insinuar qualquer juizo. A boa doutrina triumphou
deráo ser dirimidas, e aos interessados pela boa execução
afinal.
dessa ernpreza patriótica compete apontar os defeitos,
Vimos com satisfacção que se reconhece a dactylos-
evidenciar as omissões, indicar as lacunas existentes.
copia como o melhor processo de identificação, constitu-
Nesta conformidade, autorizado pela nossa experiência
indo na instrucção criminal elemento de comprovação dos
profissional e por nossos estudos sobre matéria de policia,
antecedentes do accusado e da reincidência. O systema
aliás uma e outros documentados em um livro prestes a
Vucetich é hoje triumphante no mundo inteiro pela sua
apparecer (Synthese de policia scientifica, edição Garnier),
absoluta certeza e, sobretudo, pela sua maravilhosa sim-
escripto a conselho do illustre Dr. Leoni Ramos, falarei do
plicidade no estabelecimento da identidade individual.
capitulo que se refere á policia judiciaria.
Ainda recentemente teve uma consagração verdadeira-
Definindo as attribuições e os deveres que devem
mente scientifica, corn o parecer luminoso da Academia de
caber á policia judiciaria, o projecto deu a esse tão deba-
Sciencias de França, respondendo á consulta do ministro
tido problema uma solução lógica e plausível, a única
do interior sobre a preferencia dos methodos de identifi-
que se impunha ante os factos accumulados por uma
longa e proveitosa experiência. Tem a policia por fim cação .
Os serviços prestados pela dactyloscopia no Brazil
a investigação criminal, desde o local do crime até o
são relevantes e, graças ao Dr. Cardoso de Castro, incon-
estabelecimento da identidade do criminoso, desde o es-
tudo do delicio, com a procura, a descoberta, a reve- testavelmente o precursor desta era promissora da noss,a
policia, e a Felix Pacheco, até então chefe do serviço de
lação e a analyse dos vestígios, dos indícios e das provas
identificação, que desde 1903 os elementos de identi-
do facto, para isso applicando os conhecimentos e os me-
ficação ficaram subordinados á classificação dactylos-
thodos scientificos preconizados pela denominada policia
copica de Vucetich, considerando-se para todos os efreitos
scientifica, que nada mais é que uma fôrma da lucta pre-
ventiva e repressiva contra a criminalidade, até a captura a impressão digital como a prova mais completa, mais
do incriminado, pertencendo exclusivamente ao poder positiva e mais concludente da identidade das pessoas e
judiciário a funcção de julgamento. Até aqui tinha ella, dando-lhe a supremacia no conjuncto das outras obser-
trahindo á sua verdadeira missão e cm prejuízo da liber- vações.
dade individual, quasi um papel de policia, judicanle, e Não comprehendemos, porém, que não se tivesse
íoi exactamente esse excesso de poder que se eliminou. ratificado o dispositivo do Regulamento que baixou com o
Simplificado e modificado extremamente o processo cri- Decreto n. 6.640, de 30 de março de 1907, que tornou
minal, instituiu-se a. policia judiciaria, como prompto obrigatória a identificação para todas as pessoas detidas
e processadas, qualquer que fossem o motivo, a categoria
auxiliar da justiça, sem o poder de proferir, articular,
social, o sexo e a idade. De facto, o referido projecto
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estabelece que a identificação só terá lugar no caso de fla-
de sua vida, de seus direitos e de sua propriedade, evi-
grante delicto ou de prisão preventiva, no de pronuncia
tando confusões lamentáveis e prevenindo os casos de
ou de condemnação, excepto os que forem presos pelos
homonymia em bem das pessoas honestas e proces-
motivos seguintes : prisão administrativa, detenção pes-
sadas. Os homens são seres socialmente responsáveis,
soal, crimes politicos, adultérios e contravenções que não
constituindo cada qual uma personalidade com deveres
se referirem á exploração do jogo, loterias e rifas, men-
e com direitos que lhe síío próprios, e, desde que são
dicidade, embriaguez, vadiagem e capoeiragem. No caso
differentes entre si, c mister que essa distincção apparcça
de absolvição passada em julgado será cancellada a indi- designada de tal maneira, que os individualize nas re-
vidual dactyloscopica.
lações que formam a sociedade. Se a identificação é uma
Ha aqui um mal entendido : a individual dacty- ameaça constante sobre a cabeça de quem tem a temer
loscopica é sufficiente para estabelecer a identidade pes-
que se apure seus antecedentes, e tanto peior, só servirá
soal; ella porém por si só não constitue a identificação
de protecção ás pessoas honestas, que não têm contas a
judiciaria. A identificação judiciaria consiste da tomada
prestar á justiça c nada receiam da vigilância que a policia
das impressões digitaes, do retrato de frente e perfil, do
exerce sobre a sociedade no conhecimento de cada um de
registro geral formado pela filiação civil, physiologica,
seus membros.
morphologica, etc. e do promptuario, onde se acham ar-
Sou do numero daquelles que desejam ver estabele-
chivados todos os documentos ofticiaes e todas as infor-
cida a identificação obrigatória para todas as pessoas sem
mações concernentes a cada processado. Dest'arte, é ne-
distincção de sexo, aos quinze annos de idade, como ga-
cessário saber-se se o cancellamento da individual da-
rantia do nome e complemento indispensável da qualifi-
ctyloscopica implica o cancellamento dos demais elementos
cação civil: seria ao mesmo tempo uma salvaguarda pes-
de identificação. A1 primeira vista parece que se dá a
soal e uma garantia social. A condição essencial da poli-
affirmativa, mas tal não succede, e, em matéria legisla- cia, constituída para defesa da sociedade na lucta contra
tiva, a duvida não deve existir.
a criminalidade, é o completo conhecimento de todos os
Não encontramos razão de ordem jurídica nem moral que indistinctamente formam a vida social: a optima po-
que justifique a medida consignada. A identificação judi-
licia é aquella que conhece não só os máos como os bons
ciaria obrigatória não constitue pena ou vexame de es-
indivíduos, podendo em todo o tempo e em qualquer
pécie alguma, e, consultando os interesses da justiça
circumstancia dizer sobre os antecedentes de cada um. De-
publica e o respeito devido á dignidade humana, serve
pois, acontece freqüentemente não se poder, nos casos de
apenas para distinguir as pessoas, de sorte a facilitar o
suicidio, desastres, incêndios, assassinatos, roubos, etc.,
seu conhecimento, em qualquer circumstancia e em
por exemplo, estabelecer a identidade de um indivíduo,
qualquer tempo, pela policia, a quem incumbe a defesa
por falta de um documento compiobatorio da sua
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identidade, c, assim, a individual dactyloscopica, archi- conservar. Justamente por ser um documento indiscu-
vada nos armários do serviço de identidade, mesmo a dos tivcl, tomado automaticamente e reproduzindo fielmente
indivíduos absolvidos, constituiria um documento valio- osfactos, manifesta é a sua utilidade na pratica policial.
sissimo, que não deve ser destruído. Tão grande é o seu poder, que revela, como mostrou
O Regulamento de 30 demarco de 1907,instituindo Bourinsky, traços e manchas invisíveis.
à identificação obrigatória para todas as pessoas proces- Quanto á estatística criminal, sendo a observação o
sadas, applicando, a titulo de exemplo e de ensinamento, methodo usado nas investigações da criminologia, é ella a
essa medida aos funccionarios da guarda civil, corpo de primeira condição de successo na lucta contra a delin-
agentes, guarda uocturna, pessoal interno das prisões, qüência, representando, no dizer de Krohner, o mesmo
etc. e creando o registro civil para os indivíduos que de- papel que na guerra o serviço de exploração.
sejam carteira de identidade ou um outro documento Ferri diz que é da cstatistica criminal que decorre mais
semelhante, valido em fé publica, apezar do muito que dircctamente a concepção moderna da intima connexão
ainda resta fazer entre nós em relação ás garantias que a do delicto, em uma parte da sua gênese e cm suas fôrmas
gente honesta e sã tem o direito de exigir, muito caminhou especiaes, com as condições da vida social. A estatística
no tocante á identificação pessoal. Quanto ao problema da criminal é para a criminologia o que a histologia é para a
identificação judiciaria, parecia estar resolvido, ser uma biologia, porque ella revela, em seus elementos indivi-
questão passada em julgado, e, no emtanto, tal não succe- duaes, que são os componentes do organismo social, as
derá, se vigorar o dispositivo do projecto do código de causas geraes do delicto encarado como phenomeno social.
processo criminal. A ella devem recorrer os legisladores no estudo dos
Além do reconhecimento formal da dactyloscopia, problemas sociaes e das questões penaes, afim de saberem
como methodo de identificação, o projecto confirma o se é verdade ou não que a delinqüência augmenta em nu-
emprego da photographia judiciaria na investigação cri- mero, em precocidade, em violência, cm impunidade,
minal e reorganiza a cstatistica policial, judiciaria c peni- etc. Até bem pouco tempo a cstatistica criminal no Bra-
tenciaria . A photographia, sob o ponto de vista da sua zil era um mytho. Depois da reforma de 1907, o Gabi-
applicação na investigação criminal, é um valioso auxiliar nete de Identificação organiza c publica, annualmente, esta-
da justiça, e com o seu emprego tem-se obtido resultados tísticas completas dos crimes e das contravenções, traba-
surprehendcntcs. Definida por Vogel como a retina do llhos que honram sobremaneira a esse departamento do
homem de sciencia, cila deve ser utilizada sempre que serviço policial. São estas, na verdade, duas medidas de
possa ver melhor que o olho humano, vindo a ser um
um grande alcance.
complemento objectivo, exacto e imparcial de um local de Ao cabo, de todas as instituições creadas com o fim
crime, de um objecto, de um detalhe que se deseja de defesa social, nenhuma é mais útil que a policia
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fundamento fora do postulado supremo da liberdade de gesto quasi olympico. Nem mesmo se volta para advertir
cada um deve co-existir com a liberdade de todos. Res- com o olhar os cocheiros c os chauffeurs, digna-se
peitável e irreductivel, nascido com a sociedade, elle apenas levantar a sua mão enluvada de branco, e tudo
evolue, modifica-se, transfigura-se no conjuncto, é certo, pára immediatamente; abaixa-a, approximando-se do re-
mas, cada vez o direito de policia é mais forte, mais impe- fugio situado no meio da via publica, c a dupla iila de
rioso e mais universal. Não ha ordem jurídica que con- vehiculos recomeça a andar.Se ha um accidente, uma
serve seu perfeito equilíbrio e nem ideal humano que se disputa, uma rixa, o homem do uniforme azul avança
expanda soberano sobre a terra, sem esse instrumento de compassadamente, digno e grave, olha, escuta e, depois
defesa social. de estar inteirado do que se passa, procede segundo as
Os povos, já o disse Ives Guyot, têm a policia que circumstancias o exigem, ou em conformidade com os
merecem. O povo inglez, por exemplo, possue um in- regulamentos. E a multidão obedece...»
stituto de policia modelar, graças á sabedoria da nação e Quanto a nós, estamos desgraçadamente muito longe
ao espirito de disciplina de sua gente. Na Inglaterra, deste estado de cultura do povo iuglez, que não só não
todo mundo applaude as medidas de defesa social, tem a regateia recursos em prol do aperfeiçoamento da sua po-
policia em alto conceito, prestigia e respeita os agentes licia, como cerca a autoridade de um prestigio incalculável.
do poder publico, convencidos de sua utilidade e de seu Somos uma gente refractaria á disciplina, sem o respeito
fecundo mister, e a autoridade na pátria de Carlyle e devido á lei e mesmo sem o amor pela ordem, sempre
de Gladstone age mais pek forca do symbolo que pelo contra a policia e a favor dos criminosos,,a aureola roma-
regimen da repressão. nesca que circumda os mais cynicos bandidos, paralysando
Obscquioso c delicado, corajoso e paciente, austero quasi sempre os esforços da autoridade. Temos o habito
e temido, a mais notável machina humana que se in- inveterado de encontrar sempre defeitos e violências no
ventou, o policeman, é não só o mais bello exemplo do modo de agir da policia, quando, aliás, não se devia igno-
que podem o exercício e a disciplina, como também rar a somma de sacrifícios que custa muitas vezes o des-
uma espécie de symbolo da civilização britannica. empenho dessas funcções. Já agora passaremos como
«Ha poucas cousas, escrevia um jornalista francez, sendo a terra clássica do «não pôde», atirado com inso-
que mais impressionem os numerosos estrangeiros que lencia á cara da autoridade no exercício de seu cargo.
vão á Londres, que o bello porte, o aspecto solido e vigo- Muito se tem dito da nossa policia, havendo contra
roso, os modos llianos, mas, ao mesmo tempo, imponen- cila, contra a sua organização e contra o seu pessoal, cen-
tes, ao policeman. E' maravilhoso vel-o, no meio de suras c accusações que valem como sentenças condemna-
umas das mais importantes artérias da capital britannica, torias. No conceito geral, é uma instituição obsoleta,
mandar parar a onda enorme dos vehiculos com um bisonha e incapaz, deslionesta c covarde.
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« Apezar de tantas reformas, assevera um dos nossos íovçados a acceitar as propostas que lhes fazem alguns la-
publicistas, o nosso serviço policial é, na sua essência e nos drões conhecidos, a principio com alguma repugnância
seus processos, o que elle era ha cincoenta annos. Os e, depois de habituados, com um caradurismo que chega
seus instrumentos são os mesmos—os nossos muito conhe- áimpudencia. Ineptos quasi todos, analphabetos quasi,
cidos e pouco estímaveis agentes, os pobres soldados de os nossos agentes são incapazes de descobrir qualquer
policia e os ineffaveis delegados e commissarios, sorte facto que saia das regras communs, dificultando com as
de gente que a política e as protecções « accommodam » suas calmadas as diligencias das autoridades criteriosas e
na policia quando não é possível achar-se-lhes outro em- intel l igentes.»
prego . Os cargos policiaes são, na generalidade dos Todos estes depoimentos proclamam a insuficiência
casos, refúgios para os que não sabem o que fazer de si. e a incapacidade da policia para combater os criminosos,
Não é de estranhar, pois, que a nossa policia não possa vencendo-os e dominando-os, e valem por uma nova
luctar eficazmente contra os diabólicos ardis e a maldade campanha pela reforma dessa policia contra a qual tanto
dos criminosos modernos.» se clama.
Na mesma occasião, escrevia o delegado auxiliar Já que o nosso intuito, ao organizar este inquérito,
Dr. Astolpho de Rezende : não é nem o seu elogio e nem o seu menoscabo, vale a
«Ora, com a nossa defeituosa organização policial, pena deixar aqui consignados outros juízos.
sendo os cargos de delegados de natureza precária e con- «Não direi, escrevia Bilac, que a nossa policia seja
fiança política, apenas um meio de iniciar carreira na hoje mais atilada, mais vigilante, mais activa do que a de
vida pratica, jamais a policia do Rio de Janeiro poderá qualquer outra nação da America ou da Europa. Debaixo
ser um apparelho de defesa social, antes, não passará de deste ponto de vista, todas as policias do mundo se
uma hospedaria, pouso transitório de bacharéis em direi- valem.
to, em transito para mais commodas e cubiçadas Em geral, todos os criminosos são imbecis. Em no-
posições, ou, como já se disse, pavilhão de festas que se venta por cento dos crimes, que se conimettem, a
ergue c se desmonta no começo de cada período captura e o castigo dos criminosos se deve á sua própria
presidencial.» estupidez e não ao atilamento da policia.
Tratando do corpo de segurança publica, dizia, en- Os Arsenios Lupin são heróes de romance, são
tre outras cousas graves, um dos nossos diários: iicçócs. E já o grande Fouché (que sabia disso como nin-
«Sem escola, admittidosna corporação pela força dos guém) costumava dizer que, se os patifes não fossem
« pistolõcs», os nossos agentes se empregam nesse mister, tolos, a justiça estaria perdida. Mas de uma cousa nos
por não terem outro meio de « cavar » a vida. Mal remu- podemos gabar: a nossa policia de rua é tão limpa e tão
nerados, igualmente carregados de família, elles são decente como as melhores da Europa.»
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Celso Vieira, commentando a reforma de 30 de março •prevenção, ou melhor, como instrumento techuico de
de 1907, concluía que « a policia do Districto Federal, na combate ao crime, procuraremos verificar se dia possue
sua dupla funcção administrativa e judiciaria, possuc condições de cultura, efficiencia e moralidade imprescin-
uma regulamentação imprescindível ao seu funcciona- díveis ao seu funccionamento.
mento, em condições de cultura, efficiencia e moralidade». Todavia, pensamos com Astolpho de Rezende,
Outros pensam como o Dr. Alfredo Pinto : quando diz, falando da nossa policia, que, precisamos
«Estudadas as organizações policiaes dos paizes guardar meio termo, tanto na critica como no louvor,
cultos, verificamos que se recommenda e se distingue a nem achar excessivamente má e nem considerar comple-
nossa pela simplicidade, faltando-lhe apenas, para não tamente perfeita uma policia que em nada differe, nem
receiar confrontos, uma insignificante remodelação de pes- nos seus methodos nem nos seus processos, da policia
soal e uma installação adequada ás exigências e complexi- das capitães mais adiantadas.
dades do serviço.
Pôde-nos faltar ainda a educação clássica do « poli-
ceman», mas vamos pouco a pouco evoluindo para dotar
esta culta cidade de uma policia moderna, educada te-
chnicamente, cortez e honesta, activa e vigilante, previ-
dente e liberal.
Os institutos que a compõem são de comprovada
efficiencia como poderosos auxiliares da justiça, da ordem
e da segurança publica.»
Finalmente, alguns vão mais longe, como aquelle
funccionario do Gabinete de Identificação, que, da Europa,
escreveu a um dos nossos jornaes, dizendo ser a policia
braziíeira a melhor policia do mundo.
Dest'arte, cumprindo a nós tão somente, neste inqué-
rito, saber se, realmente, a policia do Rio de Janeiro está*
ou não apparelhada para o desempenho de suas múl-
tiplas e delicadas funcçocs, não seria licito subscrevermos
nenhum dos depoimentos transcriptos.
Encarando a policia actual, no seu duplo aspecto
administrativo e, judiciário, c, sobretudo, como órgão de
8389
IV
lamentação individual: em todas as partes, na imprensa competência e do grande amor que ao mesmo consagra
oíficial e na opposicionista, se proclama a impotência da o homem de sciencia que o dirige .
segurança publica na lucta contra o crime. E não é isto de São sem conta pois os autores que condemnam a
hoje. Jamais terminaria, certamente, se pretendesse citar policia italiana.
todos os artigos de jornaes e todas as monographias O exemplo mais eloqüente vem-nos dos Estados
que, ha uma dezena de annos, produzem as mesmas Unidos. Todo o mundo sabe que a policia americana c
queixas ». uma organização formidável. O general Bengham, que
Scipio Sighele, o joven c eminente criminalista, em durante perto de quatro annos foi chefe de policia de
um curioso trabalho sobre a policia scientifica, publicado Nova-York, publicou no The Clure's Magazine de no-
recentemente, faz uma critica severa á policia italiana, vembro de 1909, revelações sensacionaes sobre a sua
mostrando ser ella uma instituição defeituosa, anachro- administração.
nica e refractaria á pratica dos methodos e processos Nomeado, em janeiro de 1906, commissioner of po-
preconizados pela policia scientifica e com successo uti- lice, elle é, ao cabo de uma lucta épica, demittido das suas
lizados em vários outros paizes. Diz o autor citado: funcções, réo apenas de haver cumprido o seu dever,
« Temos, em resumo, um corpo de segurançsygublica ma- querendo moralizar e engrandecer a instituição que lhe
nejado pela política, pessimamente remunerado, com um confiaram. Honesto e corajoso, sabendo que a policia da
pessoal antipathizado pelo povo, quasi analphabeto e grande metrópole se achava inteiramente á mercê de in-
ignorando absolutamente os methodos scientificos que teresses inconfessáveis em sacrifício dos seus verdadeiros
outras nações desde muito adoptaram na lucta contra a fins e não ignorando os obstáculos enormissimos que se-
criminalidade ». riam levantados á sua acção, emprehende com energia a
Lombrpso, nos Problemas do dia, dedica um longo obra de saneamento que se propuzera levar a eífeito.
capitulo á má organização do serviço de segurança pu- Todo seu propósito era tornar a policia de Nova-York
blica de Roma, concluindo que elle deve passar por uma uma arma efficaz contra o exercito do crime, cujo effe-
reforma completa, radical. ctivo augmentava cada vez mais, e sem temer ameaças
Fazendo também o processo da organização policial nem perigos.
romana, Alfredo Niceforo, o autor de uma obra impor- Facilmente comprehendeu que a policia era uma
tante- sobre La Police et 1'Enquête Judiciaire Scienii- dependência da Tammany Hall, a vasta associação polí-
fíques, escrevia que existe um curso de policia scientiíica tica que, como se sabe, logrou escravizar e explora a
e judiciaria, fundado pelo professor Salvatore Ottolenghi, grande metrópole, lançando mão de todos os processos
mas, accrescenta elle, cujos resultados c effeitos até e recursos. Começou afastando da repartição central
agora não se fizeram sentir, apezar da indiscutível certos funccionarios que nada mais eram que espiões ao
42 43
soldo das classes criminosas, encarregados de infor- organização do crime chama a si todos os elementos de
marem a tempo das intenções e planos da policia, e em resistência e resolve encetar a lucta contra Bengham. Dis-
seguida demittiu vários inspectores que tinham ligações pondo de illimitados fundos de reserva e com apoio da
notórias com certos políticos. Esse primeiro acto levantou imprensa, sua associada, a Tammany contrapõe vários
uma tempestade de protestos e de ameaças, especial- processos por abuso de poder aos actos da policia, que
mente da parte dos proprietários de casas de jogo e de via sua acção cerceada pela resolução de certos juizes.
outros estabelecimentos mais immoraes ainda, que ha- Vendo, por fim, que era preciso pôr um ponto final
viam encontrado naquelles excellentes funccionarios na lucta, ella impõe ao Mayor Mc Clellan, este dilemma:
protectores em vez de inimigos. ou demittir o zeloso commissario ou ser exonerado elle
Depois de haver constituído um núcleo de auxiliares próprio do seu cargo de presidente do município. O
honestos, corajosos e resolutos, em que podia depositar chefe de poücia é livremente nomeado e demittido pelo
confiança absoluta, iniciou a campanha contra o crime, chefe da municipalidade, que, por sua vez, não exerce
organizando uma serie de raids nos bairros de crimi- suas funcções por mais de cinco annos e deve a sua elei-
nosos, mandando fechar as casas de má nota e os mer- ção ás organizações políticas, que são sempre as mesmas,
cados de «escravas brancas», dando caça aos gatunos c potentosas e irreductiveis. A organização do crime,
rufiões, supprimindo as licenças de grande numero de como facilmente se comprehende, obteve victoria de-
vendas de bebidas alcoólicas, perseguindo as casas de finitiva.
jogo e até certas academias de dansa, verdadeiras ante- Segundo o general Bengham, a policia de Nova-York
camaras da prostituição, etc., visto como desses núcleos é a policia mais corrompida do mundo, a mais anarchica
de podridão moral irradiavam as correntes de criminali- e a mais immoral, composta de indivíduos sem escrú-
dade que enchiam de terror a cidade inteira. pulos, sempre promptos a estender a mão a quem lhes
Por oujro lado aperfeiçoava o systema de identi- offereça uma recompensa fácil de ganhar, assalariados
ficação dos criminosos por meio da photographia e das despudorados das associações políticas quando ellas têm
impressões digitaes, encontrando ainda neste ponto vio- necessidade de protecção ou de votos, sócios de quadri-
lejitissima opposição da parte do senador Sullivan, um lhas de ladrões e de casas de tavolagem, tratantes e ca-
dos leaders da Tammany. nalhas, a maior parte das leis municipaes tendo sido
Falhada uma primeira tentativa de corrupção, feita votadas para que elles possam pedir dinheiro áquelles
em condições muito vantajosas a que não haveriam resis- que as violam.
tido homens que possuem uma noção menos forte .do
dever, pois elle teria podido receber no primeiro anno
de sua administração pelo menos 100.000 dollars, a
v
A despeito das suas anomalias e dos seus erros,
alguns delles afinal inherentes á instituição de natureza tão
excepcional, a policia carioca de hoje, no seu duplo as-
pecto administrativo e judiciário, representa indubitavel-
mente um grande progresso. Já agora podemos dizer
que passou a sua rude e longa infância,, pois, bem longe
vão os tempos do Vidigal famoso, o terror dos subditos
de D. João VI, o homem do relho e do azorrague, o
perseguidor de capadocios e o carrasco de negros fugidos.
Instrumento de oppressão e de tortura, o esbirro des-
appareceu como desappareceram o «morcego», o capo-
eira, o ladrão de gallinhas, as vaccas leiteiras e tantas
outras cousas características do Rio antigo.
Depois de tantas reformas por que passou, no do-
minio republicano, a nossa policia progrediu muito em
cultura e em moralidade, em methodos c em processos,
dentro e tora de sua esphera de acção.
Sobretudo, a reforma que baixou com o Decreto
n. 6.440, de 30 de março de 1907, crcou alguns serviços
de incontestável utilidade e remodelou outros sobre base
mais solida, definiu attribuiçóes que se achavam in-
deterrnmadas, eliminou praxes abusivas e rnethodos
46
obsoletos, favoreceu uma serie de medidas reíerentes á única, e que representa um serviço assignalado â causa
idoneidade e á capacidade profissional dos funccionarios. da Justiça e em particular á pratica da medicina legal no
Assim, por exemplo, o serviço medico-legal, o ser- Brazil. Aquillo que ainda não se pôde fazer na Itália, diz
viço de identificação e de estatística, a guarda civil e a um escriptor, aquillo que se está agora refazendo na
policia marítima, quasi não têm a receiar, em organi- Allemanha, sob a autorizada guia de Orth, já fez mo-
zação, em material technico e em proficiência, um con- desta e rapidamente o Brazil. O serviço medico-legal
fronto com os mais adiantados desses serviços. honra sobremaneira a administração policial do Rio.
O Gabinete de Identificação e de Estatística, com A Guarda Civil, com seu pessoal correctamente far-
seus múltiplos encargos, vem prestando inestimáveis ser- dado, limpo e cortez, dedicado e incansável, desde o seu
viços á justiça e á administração do paiz, repartição que inicio que conquistou as sympathias publicas, e se toma
é hoje opivot do mecanismo policial. uma instituição benemérita.
O Gabinete de Identificação adopta a dactyloscopia, Outro departamento da policia que presta os mais
tal como a systematizou Vucetich, não só porque ofterece relevantes serviços ao paiz é a Policia Marítima, pois,
a prova mais positiva e concludente da identidade das sem ella, quasi que seria impossível a pratica de certas
pessoas, consultando os interesses da justiça publica e o medidas de repressão e prevenção.
respeito devido á dignidade humana, como também por Definitivamente, conseguiu-se destruir o caracter
ser a sua applicação de uma simplicidade admirável. de violência, prepotência e arbítrio que lhe emprestavam
Hoje o Gabinete de Identificação está em condições funccionarios mal compenetrados do seu dever e sem
não só de habilitar promptamente á Justiça em particular exacta noção do que fosse policia, considerada agora, não
com todas as informações úteis para formar o conceito de mais como uni odioso instrumento de repressão ao ser-
reincideneia e provar o gráo de temibilidade dos delin- viço de paixões pessoaes e interesses mesquinhos, mas
qüentes, como apto a fornecer á sociedade em geral todos como um órgão de defesa social prompto, capaz e digno,
os elementos de salvaguarda e de garantia individual. « A policia, dizia a primeira circular do autor da
Desde 1905 que a dactyloscopia substituiu aqui, no reforma de 1907, considerada como um instituto de preven-
Rio, a anthropometria. De 1906 a 1909 passaram pelo ção, por mais amplos que sejam seus meios de agir na inves-
Gabinete, deixando ahi sua ficha, 18.280 presos e foram ti gação de Jactos delictuosos, que chegam ao seu conheci-
identificados 18.238 reincidentes. A secção civil regis- mento, deve afastar a violência como norma de conducta e
trou 14.072 indivíduos. Os archivos dactyloscopicos substituil-a pelos processos regulares estabelecidos em lei
contam actualmente perto de 50.000 fichas.
e aconselhados pela experiência dos que se dedicam com
Depois do Gabinete de Identificação, vem o serviço empenho á árdua missão de garantir os direitos indivi-
medico-legal, que é uma organização modelar, quasi duaes c de auxiliar o poder judiciário na acção repressiva
que lhe é privativa. Confundir energia com violência é e erros nefastos, anomalias prejudiciaes e defeitos graves
desconhecer fundamentalmente os attributos de uma au- que falharam á previsão do legislador.
toridade criteriosa, que tem a sua victoria, não na força Afinal, de uma cousa estamos convencidos, é
material que irrita, mas nos meios suasorios que chamem que passou definitivamente o tempo da policia empí-
ao cumprimento da lei os que pretendam ou ameacem rica, reaccionaria e aggressiva e que já agora não pode-
íransgredil-a. Náo quer isto dizer a inacção ou a condes- remos mais legislar, particularmente em matéria de
cendência ; ao contrario, a acção enérgica sem tíbieza, vi- policia, sem recorrer aos princípios jurídicos e ás ídéas
gilante, sem ostentação e invariavelmente moralizaclora da sociológicas victoriosas no mundo sdentifico, consul-
policia, deve levar ao espirito publico a convicção perma- tando os interesses que se relacionam com a existência,
nente de que ella é digna do respeito c do apoio da conservação e futuro da sociedade e attendendo aos di-
opinião e não tergiversa na repressão do crime ou de ele- reitos do indivíduo.
mentos perturbadores.» Examinada a situação da policia carioca em face da
Tal foi, cm verdade, o que se procurou fazer e o criminalidade, durante o tempo em que a reforma teve a
que não se poderá mais deixar de fazer em bem da se- sua natural explanação, verificaremos que a estatística
gurança da sociedade e da própria moralidade admi- criminal, com o ser um attestado da civilização desta
nistrativa, e nisto reside, sem duvida, o maior mérito da capital, é um documento muito lisonjeiro para a adminis-
acção reformadora do Dr. Alfredo Pinto. tração policial.
Por conseguinte, seria uma injustiça negar a somma Durante o anno de 1907 commctteram-se 1.657
enorme de benefícios prestados á instituição, mas não se crimes, em 1908 praticaram-se 3.031 e em 1909 perpe-
pôde dizer também que a reforma de 30 de março de traram-se 2.549. A estatística criminal do anno passado
1907 trouxe completa solução ao problema do serviço ofFerece elementos bastantes para autorizar conclusões
policial desta capital, questão de natureza complexa, e positivas sobre a criminalidade do Districto Federal.
disto, não vacillamos em affirmar, está convencido o Verificámos que dccrcsccu o coefficientc, havendo
próprio Dr. Alfredo Pinto. uma differença para menos de 482 crimes (sendo a pro-
Hoje, passados mais de três annos da execução do porção de 3.02 para i.ooo habitantes) em confronto com
regulamento vigente e encarada a situação actual da nossa o anno de 1908, facto bastante animador considerando-se
policia, sob todos os seus aspectos, Íntimos e exteriores, que as estatísticas estrangeiras accusam, todas cilas, um
verificamos que, não obstante os effeitos salutares de augmento constante de suas cifras.
certas medidas e das novas praxes estatuídas, melho- Segundo essa estatística, durante o anno de 1909
rando, sem modificações profundas, a organização e o deram-se 2.549 crimes diversos, tendo como autores e
runccionamento do apparelho policial, ha vícios funestos cúmplices prováveis e conhecidos 2.54.6 homens e 137
838? 4
50
51
mulheres. Desses crimes, 1.374, ou mais de metade,
foram de lesões corporaes, dos quaes 95 graves e 183 1907, 3.674 em 1908 e 2.409 em 1909. Foram expulsos
commettidas por imprudência. O segundo lugar é na e deportados do território nacional 128 indivíduos em
estatística occupado pelos crimes de furto, 357, cabendo 1907, 15 em 1908 e 35 em 1909.
o terceiro lugar aos de defloramentos, 191. Seguem-se A quantidade, a natureza e a qualidade da moderna
as tentativas de homicidio, 109, os crimes de moeda criminalidade européa são problemas alarmantes.
falsa, 75, c os roubos, 68. Houve 63 homicídios por A policia parisiense é, como organização, conside-
imprudência c 57 voluntários, 53 estellioiiatarios e 29 rada uma das melhores do mundo. Pois bem, não ha
crimes de uso de instrumentos próprios para roubar. dia em que a imprensa de Paris não noticie dous ou três
Os simples attentados ao pudor figuram na estatís- crimes bárbaros praticados pelos apaches, e esse numero
tica com 24 casos, estando os demais crimes assim dis- vae nvmia progressão rapidíssima.
tribuídos : resistência á autoridade 18, entrada á noite em Diante da impotência da policia do prefeito Lépine
casa alheia 17, entrada de dia em casa alheia 14, desacato para extinguir de vez esse exercito de bandidos, que
á autoridade 10, estupro 11, ameaças, rapto e tentativa de traz a Europa alarmada com as suas proezas e aven-
roubo sete, lenocinio quatro, tentativa de moeda falsa, turas, a imprensa iniciou uma séria campanha sobre
falsidade de títulos e papeis, tentativa de estupro e ultraje o assumpto. Segundo informações de um correspon-
publico ao pudor dous, tentativa de entrada á noite em dente estrangeiro, de quem tomamos estas notas,
casa alheia e tentativa de estellionato um, diversos 44. como uma das causas da lista enorme das victimas do
revólver, foi apontada a grande liberdade que ha em
Grupando esses crimes, verificámos que 1.607 delles
foram commettidos contra a segurança de pessoa e vida, Paris na venda e porte de armas prohibidas e, lem-
424 contrá^a-propriedade publica e particular, 224 contra brando o exemplo da Inglaterra, pediu a imprensa que
a segurança da honra e honestidade das famílias e atten- essa questão fosse severamente regularizada por lei,
tado publico ao pudor, 104 contra a pessoa e a proprie- creando-se um imposto pequeno para o porte das armas
prohibidas.
dade, 79 contra* a fé publica, 47 contra o livre exercício
dos direitos individuacs e 28 contra a segurança interna Regularizada a venda c o porte de armas prohibidas
da Republica. e augmentando de severidade o veredictum dos magis-
trados, acredita o governo que Paris, dentro em pouco,
Dos 2.683 autores e cúmplices prováveis c conhe-
cidos desses crimes, 920 acham-se presos, 1.478 soltos não terá que invejar a segurança e o socego de Londres.
e 284 foragidos. Quanto a maiores castigos para os apaches, o prefeito
de policia os declarou desnecessários, assegurando que a
A repressão da vadiagem e de outras contravenções
applicação rigorosa da legislação actual, é mais do que
foi igualmente notável: foram processados 3.964 em
suficiente para a repressão dos crimes.
52 53
Os jornalistas parisienses, invejosos da paz londrina, Não é necessário, para que o indivíduo em questão
correram a perguntar aos funccionarios de Scotland-Yard, seja condemnado, que elle tenha dado signaes manifestos
o meio secreto que elles possuíam para fazer com que os da sua intenção de commetter um crime. Basta que elle
crimes, que enchem o noticiado dos jornaes francezes, seja reputado um indivíduo perigoso para a segurança
não fossem registrados em igual numero na capital do do publico e que as suas intenções pareçam ser as de
outro lado da Mancha.
commetter um acto criminoso.
Os policiaes iuglezes apontaram todos, como o E' absolutamente inútil um policial inglez procurar
condão milagroso da segurança da vida e da propriedade raciocinar com indivíduos que perderam jtoda a noção
em Londres, o « gato de nove caudas », cujas virtudes moral, para com elles somente um argumento racional e
têm enorme influencia sobre os apaches. Chegaram
efficaz: — o castigo corporal. »
mesmo a dizer que é a única cousa que os apaches temem, Essas declarações impressionaram bastante a opinião
sendo a prisão para elles quasi que uma casa de re- publica franceza e na Câmara o deputado M. M. Ray-
pouso .
naud apresentou um projecto pedindo a applicação, em
« O apache é indigno de piedade, dizem os inglezes; França, da lei ingleza acima referida.
só Paris tem apaches, e é por que quer. Diz Raynaud: «Ha dous factos constatados: em
Nos annos de 1862 a 1863, em Londres, assim França, onde não existem os castigos corporaes, a crimi-
como em Paris, actualmente, os apaches, se disputavam nalidade augmenta todos os dias em proporções inquie-
o record do crime. tantes; na Inglaterra, a criminalidade, pelo menos sob a
Uma simples lei bastou para que os partidários da fôrma que nos preoccupa aqui, desappareceu quasi com-
«gravata» deixassem de agir. pletamente.
Se o parlamento votou essa lei é porque a imprensa E', portanto, a applicação da lei ingleza que vou
e a população londrina se emocionavam com o numero de pedir. A nossa generosa doutrina de regeneração pelo
. crimes perpetuados diariamente, a mesma cousa que em trabalho naufragou, tenhamos a coragem de dizel-o.
Paris actualmente. Ponhamos as nossas esperanças na moralização pelo
As leis francezas são por demais benevolas. Si nós «gato de nove rabos» ; ha probabilidades de que ellas se
agora, em Londres, gosamos da maior segurança, é não percam.
graças á Lei de 1871 que diz que: « toda pessoa suspeita Não se trata, bem entendido, de barbaria, nem de
ou todo apache conhecido que é encontrado na rua pu- supplicios medievaes ou chinezes. Não, mas de uma boa
blica e que «parece» ter a intenção de commetterum acto íustigação, bastante dolorosa, sem ser perigosa, e sobre-
de banditismo, pôde ser preso immediatamente e con- tudo humilhante. O terror que os apaches do outro lado
demnado a três mczes de prisão». da Mancha têm pelo chicote, nos garante a sua efficacia ».
54
55
Até 1817, na Inglaterra, as mulheres culpadas de
embriaguez ou de má conducta eram chicoteadas publi- do condemnado nunca mais desapparecem. O medo
camente. Os homens eram julgados com maior severi- dos condemnados age talvez ainda mais do que o pró-
dade . Até bem tarde os castigos corporaes no exercito prio castigo: quasi todos os condemnados gritam de
e na marinha eram de uma revoltante barbaridade, Em terror antes mesmo do começo da pena.
1669 foi que começou nelles o emprego do chicote de E é graças a isso que, em 18 mezes, Londres se
nove caudas e até metade do século XIX freqüentemente viu livre dos seus apaches.
os soldados e os marinheiros recebiam as caricias do Não só os parisienses, mas os italianos c os america-
chicote. nos soflrem o idêntico mal, proveniente das mesmas
Em 1860, pelo «garrotters Act», o parlamento au- causas, sem duvida.
torizou os juizes a juntar á pena de prisão a pena do Até hoje não se pôde acabar na Itália com os
chicote, mas o «gato de nove rabos» só foi empregado a adeptos da Camorra e da Maffia, sociedades de acelerados
partir de 1880 e o resultado do seu emprego foi espan- que dominam, escravizam e desmoralizam o paiz.
toso: os apaches inglezes não entravam mais para a Os processos celebres intentados contra alguns de
prisão sem primeiro travar conhecimento com o « cat of seus membros e cuja repercussão chega ate nós, têm re-
nine tails». velado as proezas e os methodos de que se utilizam
Hoje o castigo do chicote não é muito empre- essas associações que têm partidários em todas as classes
gado, porém, isso porque não é necessário; augmente sociaes.
a criminalidade, que o chicote voltará á acção. Ha pouco mais de quatro annos, em 6 de junho de
Na prisão de Wormwood Scrubs, onde estão mais 1906, um duplo crime, commettido em circumstancias par-
de 1.400 prisioneiros, o chicote só é empregado uma ticularmente surprehcndentes, emocionou profundamente
meia dúzia de vezes por anno. Nápoles e toda a região partenopeana. Gennaro Cuo--
Outr'ora os prisioneiros recebiam muitas centenas culo, napolitano, foi assassinado numa hospedaria da
de^ehicotadas; hoje recebem ordinariamente duas dú- Torre dei Grecco, aldêa dos arredores de Nápoles, em-
zias, e quando mais, o numero nunca é superior a 30 quanto que, nessa mesma noite, mesmo em Nápoles, em
chicotadas. sua casa, sua mulher era mortalmente ferida. Este duplo
Um medico assiste o castigo, prompto a suspendei-o assassinato dos dous esposos, realizado ao mesmo tempo
si o condemnado desmaiar. O criminoso é chicoteado na em dous pontos diferentes, impressionou vivamente
prisão, longe dos olhares curiosos. a imaginação dos habitantes do golfo; produziu, como
Comquanto mais humano, o chicote tem ainda uma facilmente se concebe, uma fortíssima emoção.
influencia enorme. As marcas que elle deixa nos hombros As pesquizas policiaes mostraram ser um crime da
Camorra. Cuoculo e a mulher eram filiados da « Honrada
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56 57
Sociedade » : elles trahiram-n'a : foram condcmnados e conservavam o sentimento de honra e obedeciam, até certo
executados. ponto, na pratica da injustiça, á intuição do justo. Eram
Este caso immediatamente apaixonou a opinião « Mdalgos » mesmo no crime. Luctavam contra os pode-
publica de toda a Itália. O rei declarou, então, segundo rosos e contra os ricos, mas protegendo os pequenos,
parece, ser preciso extirpar cm absoluto, por fim, esse reprimindo o roubo, punindo os ladrões, tomando o
veneno, a Camorra, das veias de Nápoles. partido dos modestos proprietários das aldêas contra os
Foram feitas muitas prisões. Prenderam Mandriérc bandos organizados de salteadores.
e, na America para onde tinha fugido, Erricone (o grande A Camorra foi uma deformação da Gardunha,
Henrique), os dous chefes, e com elles grande numero de transportada para Nápoles, quando conquistada pelos
cabeças poderosas da sociedade. hespanhóes. Pode-se — e não vae nisto uma Irypothese
Actualmente estão na prisão 40 accusados, e o caso muito sem base — suppor que, no começo, a Camorra
Cuoculo deve ter sido julgado pelo Tribunal de Titerbo, protegia os fracos. Luctava contra os bandidos,
expressamente escolhido por estar longe de Nápoles e de « rançonneurs » e « extorquers ». Mas os camorristas,
suas paixões. A Itália inteira tem falado desse caso e pouco a pouco, adoptaram o uso de receber dinheiro em
esperou o processo com a maior impaciência. recompensa dos serviços prestados. Depois de ter accei-
A historia da Camorra foi muitas vezes escripta, tado simplesmente, e com gratidão, o dinheiro que lhe
mas, como diz Eugênio Colombo, pôde ser interessante offereciam de boa vontade, tempos vieram em que ella
fornecer certas indicações aos que desejam ter uma idéa considerou lhe ser este devido. E afinal os camorristas
justa sobre uma sociedade de malfeitores muito differente começaram a extorquil-o, e á mão armada. Presentemente
dos nossos bandos de salteadores c ladrões, e mesmo dos a Camorra não é outra cousa senão a sociedade secreta
apaches. que indevidamente percebe um determinado imposto
A Camorra é uma instituição excessivamente sin- sobre todo o dinheiro que circula em Nápoles, tanto dos
gular, pois que, constituindo-se para um fim indubitavel- mais pobres como dos mais ricos.
mente maléfico, não se sabe, entretanto, ainda com certeza, Ora, desde que a Camorra foi outr'ora honesta, um
se ella é boa ou má, se é prejudicial ou útil. equivoco persiste sempre no espirito da população. Pa-
« Para comprehender o que escrevemos, que a prin- ga-se á Camorra, mas ella nos protege; logo ella não é
cipio pôde parecer paradoxal, é preciso conhecer-sc a de todo prejudicial. Soffre-se o roubo, mas este é um mal
origem da « onorata soggieta ». A sociedade da Gardunha necessário, e, talvez, sem a Camorra, esse fosse maior.
floresceu em Hespanha e particularmente na Andaluzia, Ella regulariza e modera o roubo.
no século XV. Era uma sociedade de bandidos cava- O que é summamentc curioso na Camorra napoli-
lheiros que, na pratica dos seus mais* graves delictos, tana é que o roubado se torna um pouco cúmplice do
58 59
ladrão, por nada o denunciará. A mysteriosa sociedade um pequeno relógio de ouro guarnecido de pedras pre-
tem em toda a parte ramificações com grande numero de ciosas, uma recordação de família, que ella muito esti-
filiados, e ninguém deseja correr ao encontro da des- mava. Todas as pesquizas policiaes foram vãs. Falou-se
graça. Lê-se, por exemplo, quotidianamente nos jornaes então do caso a Ciccio Capuccio, o chefe da Camorra,
que um homem ou uma mulher foi ferida na véspera por nessa occasião. Alguns dias depois o relógio estava de
uma facada em qualquer viclla de Nápoles. E todos volta á casa Nicotera...
os dias, é a mesma cousa: a victima « nunca sabe » quem Um outro facto freqüentemente citado : roubaram
a feriu. ao procurador geral Pironti uma bella caixa de rape
A Camorra tem filiados até na melhor sociedade. de ouro. A policia gastou inutilmente a sua astucia.
Seus chefes são muitas vezes pessoas apparentemente Um amigo do procurador, vendo-o entristecido com
muito respeitáveis, que são encontradas em todos os essa perda, procurou um camorrista influente, que elle
meios elegantes e que vivem a vida agradável e fácil aos conhecia: expoz-Ihe a injuria soffrida por esse magistrado
ricos ociosos. Erricone, o ultimo chefe da Camorra, era excellente e justo. O camorrista commoveu-se e a sua
conhecido pela mais brilhante mocidade de Nápoles. policia secreta foi mais feliz que a do rei: um dia uma
Giovanni Rapi, vulgo o Professor, foi outro chefe mão invisivel depoz sobre a secretária do procurador a
camorrista muito conhecido. Um jornalista francez que sua magnífica caixa de rape. »
com elle se relacionou diz que elle era um homem de Assim é a Camorra, com seus excessos, suas per-
muito boas maneiras, um verdadeiro « galantuómo » . versidades e sua singeleza. Conseguir-se-á fazel-a desap-
Rapi é um dos cúmplices do crime Cuoculo. parecer de Nápoles, como o deseja o rei de Itália ? O
Encontram-se, pois em Nápoles, nas melhores futuro responderá. O processo Cuoculo é, em todo o caso,
casas, camorristas influentes. Os napolitanos, em geral, o mais serio esforço até hoje tentado. Para o bom nome
não sabem que muitos dos seus conhecidos são filiados á de Nápoles, é nosso desejo que ella desappareça. No que
« onorata soggieta». Mesmo, porém, que o soubessem, diz respeito a sua parte pittoresca, é bom que a Camorra
talvez não rompessem bruscamente com elles. A amizade viva, conclue o jornalista citado.
de um camorrista, sem ser um beneficio dos deuses, tem Quanto á America do Norte, todo dia, escreve no
algumas vezes sua utilidade. World To-Day o Sr. Weir, são assassinados 30 ci-
Em Nápoles é uma opinião firmada que, em muitos dadãos dos Estados Unidos, ou 200 por semana e um
casos, os serviços da Camorra são mais efficazes que os pouco mais de lo.ooopor armo.
da policia. Diversas anecdotas, que se poderiam derio- Assim, pois, o revólver, o punhal, a corda, o ve-
minar clássicas, o provam. Primeiramente o caso acon- neno, o box americano, a clava, o saquinho cheio de área
tecido com a baroneza Nicotera Ricco: roubaram-lhe e manejado como uma funda, fazem todos os annos, no
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e não obstante a assistência nas suas diversas moda- força policial, guarda civil e agentes da segurança publica
lidades não ter tido entre nós uma prompta solução, em serviço de investigação » .
temos, innegavelmente, uma situação de acceutuada nor- Ora, facilmente se infere que um policiamento de
malidade, quanto á ordem publica e á segurança 28.068 almas por 43 homens é quasi impraticável e, sem
individual, em uma capital de mais de um milhão de commentarios, ficam patentes as enormes dificuldades
habitantes com i. 983 logradouros públicos e 69.763 em que se encontra a policia para o desempenho de
prédios. suas árduas funcções.
Tem muita razão o Dr. Leoui Ramos quando, com O segredo da policia de Londres consiste no exces-
uma visão perfeita das cousas, falando dapolicia e da crimi- sivo policiamento, disseminada a vigilância por agentes
nalidade no Districto Federal, escreveu no seu relatório : capazes por toda a vasta metrópole, porque, a cada passo,
«No Districto Federal, o problema da policia é tanto mais nas ruas mais movimentadas da city e nas viellas mais
complexo, quanto se considera a evolução vertiginosa que escusas do Whitechapel, se encontra o policeman vi-
invade a política nacional cujas facções se chocam e de- gilante e previdente, grave e solemne, destemido e arguto,
gladiam, quasi sem tréguas, disputando-se em uma amál- tendo a noção perfeita de seu dever e exclusivamente con-
gama de doutrinas salutares ou nocivas; quanto se paksa sagrado á sua missão. Para elle não tem surpresas o
na escassez dos factores de acção com os quaes este de- quarteirão intensamente habitado, sejam quaes forem os
partamento da administração publica pôde contar em esconderijos e alfurjas, porque, entre os aspectos e agi-
emergência critica possível, quanto se cogita na severi- tações das ruas não é elle um espectador indeciso, retarda-
dade com que a opinião publica, sempre prevenida, tario ou desattento. Não se limita a circular, a ir e vir
recebe a lucta afanosa em que a autoridade se empenha; morosamente, de extremo a extremo do posto, observa e
quanto, emfim, se verifica a elasticidade das nossas leis apprehende a physionomia regional do districto, fixan-
penaes, que, facilitando ao delinqüente meios de escapar á do-a, conhece todas as casas, o seu regimen, a profissão e
Justiça, crea á policia embaraços de toda a sorte ». os hábitos dos inquilinos, estuda a feição dos transeuntes,
Continua elle: « Em uma capital, como esta, em que a se alguma cousa indica de suspeito ou de singular, emfim
população elevada a 814.000 habitantes, segundo o ultimo examina tudo e tudo conhece, homens e cousas, com uma
recenseamento, e distribuídos pelos 29 districtos, de que grande curiosidade imperturbável e omnipotente.
trata a divisão policial, corresponde, em média, por dis- A. organização da policia londrina é a seguinte :
tricto, a 28.068 almas, os recursos de acção de que a A' frente da policia metropolitana está um chefe com -
policia dispõe, normal e permanentemente,r eduzem7se á missario que tem sob as suas ordens três commissa-
mesquinha cifra de 43 homens, também em média por rios adjuntos e cinco chefes officiaes de paz, que formam
districto, incluídos nesse numero ínfanteria e cavallaria da o estado-maior desse pequeno exercito, cujo quartel-
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general é Scotland Yard. Vêm depois 32 superintendentes,
552 inspectores, 2.316 sargentos e 14.834 agentes ou o seu pessoal na sede da repartição quando devia
officiaes de paz, ao todo 17.743 homens, dos quaes 250 tel-o espalhado, c mobilizado de uma maneira intel-
montados. ligente, pelos 29 districtos policiaes da cidade. O
O soldo deste verdadeiro exercito policial é de Rio não é uma cidade homogênea em sua população e
1.527.000 libras. A autoridade da policia metropo- em seus costumes. De facto, cllc c a agglomeração de
litana estende-se a um raio de 15 milhas (24 kilometros), muitas cidades. A Avenida Central não tem a mesma
sobre uma superfície de 700 milhas quadradas ( i. 800 physionomia, nem os mesmos perigos, nem as mesmas
kilometros quadrados). Tem que proteger 6.500.000 exigências do largo de Catumby. A natureza dos de-
habitantes e seus bens, cujo valor é incalculável, mas, lictos e, por conseguinte, o caracter dos delinqüentes são
que, para a percepção do imposto foi calculado em 53 diversos. Depois succede, serem mandados os nossos
milhões de libras. agentes a Botafogo, ao Engenho Novo, á Villa Isabel e á
Ha 20 annos que se constróem em Londres, em Copacabana, para investigar negócios essencialmente
média 20. ooo casas por anno. Em 1907, juntaram-se á ag- locaes, quando elles não podem conhecer nem as cousas
glomeração metropolitana 21.415 casas, formando 203 nem os homens destes bairros. O uso é intolerável e não
ruas de um comprimento total de 68 milhas ( 119 ks.). será continuado em uma melhor organização do corpo de
Houve, pois, excesso de trabalho para a policia, que au- segurança publica.
gmenta o seu effectivo de cerca de 500 homens por anno. Problema complexo e difficil, porque sua solução
No curso de 1907, a policia effectuou em Londres depende de elementos os mais diversos e de circumstancias
119.897 prisões, assignalou 14.060 accidentes de toda muitas vezes excepcionaes, a policia tem realmente na
natureza, conduziu ao hospital 12.713 pessoas, prestou vigilância rigorosa, activa e permanente um dos mais
seu concurso aos bombeiros em 3.156 incêndios e re- efficazes recursos para o bom êxito de sua missão civili-
colheu 56.000 objectos esquecidos nos vehiculos. zadora.
Os «detectives» embora comprehendidos no effec- Sobre este ponto não ha duas opiniões : todas são
tivo, formam todavia um grupo á parte, cujo pessoal unanimes em reconhecer que a maior parte dos insuc-
está repartido entre Scotland Yard e as 22 divisões da cessos da policia se deve á insufficiencia desse poderoso
policia de Londres, comprehendendo a divisão fluvial — elemento de lucta, elemento básico e impiescindivel sem o
vigilância do Tâmisa — cujos agentes são quasi todos qual não ha acçao preventiva que vingue.
antigos marinheiros. Assim, pois, a primeira medida que se impõe para
De passagem assignalamos o inconveniente da o policiamento desta capital, consentaneo com o seu
pratica do nosso corpo de agentes em centralizar todo progresso e seu gráo de cultura, é a elevação do effectivo
da guarda civil (de i .000 para 2.000) e a reforma, e por
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conseguinte, o augmeuto do numero de agentes da segu-
rança publica (de 8o para 300), com uma « brigada Nós temos ahi no Rio as turmas de agentes, com-
movei», a maneira do que se faz com enormissimo suc- postas de « badernas » de seis ou oito funccionarios.
cesso em Paris. Só apparece na repartição, diariamente, ao meio-
dia, o encarregado da turma que vae dar conta do que
« O serviço dos agentes e guardas da brigada movei
é o mais útil que tem sido praticado na Europa, diz Tra- occorreu no dia anterior e ao mesmo tempo saber si ha
jano Louzada. alguma novidade.
Em todas as grandes cidades elle é feito de dia c de Esse homem retira-se com ou sem nova incum-
noite, com o melhor êxito. bência para o serviço e vae direitinho para casa onde,
Cada districto tem um certo numero que é fiscalizado si não passa o tempo a fazer cigarros, cogita de cousa
por meio do «controle», exercido pelo próprio corpo de peior...
segurança. t Assim procedem os seus companheiros, alguns dos
quaes bastante indignados com o negocio, mas que nada
Esses homens passeiam e param nos cruzamentos
onde elles possam ver varias ruas. dizem porque correm vários riscos...
Tudo isso é feito com a mais descarada combinação
A demora é pequena, mas repetida apósosgyros.
e á tarde o chefe da turma vae sempre ao botequim tal
Tudo que for suspeito, elles correm a ver e, si en-
ou aos fundos da taberna tal, onde os seus ajudantes po-
contram a policia agindo, aguardam á pequena distancia
derão encontral-o para o caso de qualquer ordem ou
o chamado, caso o seu serviço seja necessário.
chamada imprevista.
Andam elles armados de «casse-tête» e algemas
Esse facto não se dá na policia daqui unicamente
para o dedo pollegar, e, ás vezes, sempre á noite trazenj
revólver. porque elles aqui não adoptam esse systema de serviço
por turmas volantes.
Os resultados obtidos com o emprego da brigada
Cada agente em serviço é sempre volante quando
movei do corpo de segurança, em bicycletas, têm sido
busca esclarecer qualquer caso, e uma vez neste tra-
magníficos, sendo muito freqüentes os casos de prisões
balho, elle opera sempre em outro qualquer que lhe
de ladrões em flagrante, assaltando casas, pelas janellas,
alta noite. appareça ou que chegue ao seu conhecimento.
Isso não é freqüente porque rarissimos agentes
E' que o agente cyclista, na velocidade em que vae,
procuram fazer serviços além do que lhe foi designado.»
não deixa de observar algo de suspeito nas proximidades
do prédio assaltado. A medida, com o ser uma iniciativa de alcance pra-
tico e de interesse publico extraordinário, é absoluta-
Elle dá o alarme e enfrenta os bandidos até 5 che-
mente inadiável.
gada immediata do rondante próximo.
VI
necessário, nos termos do art. 17: « A primeira nomeação nomeação de delegado seja sempre para os districtos de
de delegado de districto será sempre para os districtos primeira entrancia, as promoções são feitas por mereci-
de primeira entrancia e a de commissario para segunda mento, sem prefixação de um estádio em qualquer das
classe» combinado com o art. 16 do Regulamento vigente, entrancias, o que quer dizer que em três dias poderá per-
que dispõe: «As promoções de delegados, etc., serão correr toda a escala. « Isto, escreve Astolpho de Rezende,
feitas por merecimento, preferindo-se em igualdade de que á primeira vista parece um absurdo, é um facto posi-
condições os mais antigos », e estabelecendo o concurso tivamente possivel, porquanto o corpo de delegados de
para os demais cargos, não estabeleceu, como muita gente policia do Rio de Janeiro é considerado de confiança
suppõe, a policia de carreira, única efficiente e recom- política.» De facto, a lei não se oppõe a que o chefe de
mendavel nas grandes cidades. policia exonere os delegados existentes e nomeie outros
O pensamento do autor da reforma talvez fosse este,* tantos, quando e como lhe aprouver.
porquanto o próprio Dr. Alfredo Pinto está convencido Somma feita, a questão fica em pé, avultando os de-
que a policia precisa deixar de ser uma repartição de feitos e os inconvenientes próprios do systema que se
adventicios, para que o funccionalismo possa então entre- adopta quanto á nomeação dos funccionarios policiaes,
gar-se a um trabalho mais proveitoso, que exige pratica, uns e outros aggravados com a ausência quasi completa
conhecimento do meio, instrucção technica e severa ido- da competência technica, e este critério não pôde prevale-
neidade moral. Diz elle, justamente cm um dos seus rela- cer em uma organização mais racional dos nossos serviços
tórios : «Para conseguir a cooperação permanente do policiaes, a bem dos interesses superiores da segurança
pessoal administrativo é necessário cercal-o de melhores publica e da moralidade da instituição. De uma vez para
garantias que estimulem o esforço individual, fizessem sempre, encarado seriamente o problema, é mister prover
desapparecer o caracter transitório das funcçoes policiaes, o serviço policial do Rio de Janeiro dos meios indispen-
acabassem com as preferencias odiosas firmadas pelo sáveis de exercício, procurando funccionarios profissional-
maior numero de empenhos e não pelo mérito ». mente capazes e garantindo-lhes a estabilidade do cargo.
Tal não succedeu; a funcção policial, a despeito da Aliás, não acreditamos que essa reforma se imponha tão
classificação das delegacias, em três entrancias e da im- cedo aqui, como reclama o estado de anarchia em que
posição do concurso, continua a ser uma cousa transitória. caiu a policia no Brazil, — por falta de preparo, por
O art. 9° do Regulamento em vigor dispõe que as incompetência technica, por deficiência dos deveres e res-
autoridades e os funccionarios de policia são livremente ponsabilidades creadas pelo delicado exercício da policia.
nomeados e demittidos pelo chefe. Como bem pondera A policia de carreira traria a extincção do corpo de
o Dr. Astolpho de Rezende, um dos homens mais commissarios, que seriam substituídos por delegados
competentes em matéria de policia, embora a primeira auxiliares dos delegados chefes, ou sub-delegados, cargos
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estes que seriam exercidos por indivíduos formados, de
provado critério profissional e de innegavel competência defeitos das organizações passadas — a despeito mesmo
technica, classificados em entrancias e em categorias, do tal concurso a que se submette — elle prodigaliza a
promovidos segundo regras estabelecidas em lei e com cada passo provas exhuberantes de incompetência, de
remuneração proporcional. inépcia, de grosseria e de outras cousas incompatíveis
com o decoro policial: como pôde qualquer delegado dar
A medida seria fecunda em benefícios de toda a
ordem, porque, entre outras cousas, obviava os inconve- testemunho e como denunciam factos reiterados da mais
nientes da inexperiência e. resultava uma mais intima notória cumplicidade.
solidariedade e mutua confiança entre os encarregados de Não é preciso explanar os argumentos em favor da
zelar pela segurança publica. eliminação dessa classe de funccionarios, gente que existe
tão somente como que para realçar os vícios orgânicos,
A observação do modo por que no Rio de Janeiro
os commissarios de policia costumam desempenhar as accumulados e occultos no bojo da instituição.
suas funcçoes vem de ha muito incitando o desejo de se Attendendo-se igualmente á situação deplorável no
lhe promover um correctivo, e o proposto seria uma re- tocante á vigilância, reclamada pelo transito, que dia a
forma de idoneidade e de meios. dia augmenta, dos vehiculos desta capita], deve também
ser extincta a repartição encarregada actualmente do ser-
O commissario de policia continua a ser, na nossa
organização policial, um anachronismo perigoso. Singular viço de transportes urbanos, passando o mesmo a ser
anomalia, com todos os inconvenientes de uma entidade feito pela Guarda Civil.
inútil e até nociva, investida de attribuições que não sabe A fiscalização do serviço de vehiculos em Londres,
exercer e de deveres que não sabe cumprir, pondo as por exemplo, é entregue ao policeman e todo o mundo
funcçoes de seu cargo ao serviço de interesses inconfes- sabe o singular poder que exerce o simples gesto deste
funccionario ao mandar parar a onda enorme de carros
sáveis e de exigências partidárias, quando delle depende,
que elle tem á sua frente. Tudo pára immediatamente,
* geralmente, a sorte de negócios concernentes á liberdade
individual e ao interesse publico, o cargo de commissario como por encanto, e desgraçado daquelle que discutir
deve desapparecer, como entidade e como funcção. aquella ordem.
A circulação em Londres é difficil e, tendo-se que-
Funccionario sedentário, encravado dia e noite na
rido calcular, em 1891, o numero de pessoas e de vehi-
delegacia, a ouvir queixas que não sabe transmittir, sem
culos que se achavam, no espaço de 24 horas,. na city,
o conhecimento de seusjurisdiccionados e ignorando até
verificou-se, por um processo engenhoso, que era de
a topographia de seu districto, sem critério e sem deli-
i. 121.708 pessoas e 22.488 vehiculos.
cadeza no trato, sem competência ao menos para auxiliar
Não só em Londres, mas em Paris e Nova-York, a
uma investigação criminal, producto das mazellas e dos
fiscalização é exercida pelos gendarmes e pelos policeman.
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Trajano Louzada, o competente inspector da Policia determinaram a sua intervenção, resolve o caso como me-
Marítima, em carta dirigida da Europa e publicada na lhor lhe parece, de acordo com a lei, sem que outra
nossa imprensa, falando do serviço de vehiculos de autoridade, ali presente, iutervenha.
algumas capitães européas, diz : No caso de prisão, si o detido procura discutir, é
« O mal do nosso tem varias origens, sendo as mais logo algemado ou preso pelo dedo pollegar, e segue, pu-
importantes a falta de taximetro e estar a fiscalização xado, sem que se ouça o nosso famoso não pôde.
sendo feita por guardas de vehiculos, que, por mais que O preso ficará complicado si, no momento da prisão,
se esforcem, não são tomados a serio. quando o civil lhe apalpar os bolsos encontrar um cani-
Com o emprego do taximetro resulta: vete cuja lamina seja maior alguns millimetros do que a
1. ° O conhecimento que o passageiro tem do que regular, além do pagamento da multa de oito libras e
vae gastar, tendo em vista a distancia a percorrer; perda da arma, recebe uma notificação avisando-o de que
2. ° Não haver motivo para discussões sobre preços; a reincidência lhe trará cadeia. Isto se dá com o uso
maior ou menor velocidade ; o taximetro accusa o mesmo do box, bengala de estoque, revólver, umbigo de boi,
preço. etc.»
O passageiro que sabe que o que é ali registrado no O mesmo seda em Buenos Aires.
relógio pertence á companhia proprietária do carro auto- A nossa Inspectoria de Vehiculos, até agora, não
móvel, dá (aqui, na Europa), 30 centimos de gorgeta conseguiu nem acabar com os abusos dos cocheiros e
por corrida, dentro da cidade, e maior, si o serviço é chauffeur s, cobrando ao publico preços excessivos pelo
fora e demorado. seus serviços e vexando-o ainda por cima com seus máos
O cocheiro ou chauffeur, com a sua gentileza con- modos, nem diminuir o numero de accidentes causados
stante, durante o passeio, quasi sempre consegue que pelos mesmos.
o passageiro espontaneamente lhe augmente a gratifi- O Regulamento estabelecendo uma tabeliã de preços
cação ... para os vehiculos ficou até hoje letra morta. Quanto aos
Outro mal vem, como já disse, do serviço dos fiscaes desastres occasionados na via publica por automóveis,
de vehiculos. Em Londres, aqui e na Itália todo o ser- carros, carroças, etc., a estatística ahi está, accusando a
viço de vehiculos, quaesquer que elles sejam é sempre feito sua completa inutilidade.
sob as ordens do guarda civil (Itália), policeman (Ingla- Durante o anno de 1908 deram-se 607 desastres, pro-
terra),e gendarme (França). A obediência á lei, nestes duzindo 72 mortes, e 535 lesões, e em 1909, 587 acci-
paizcs, é cousa indiscutível. dentes que occasionaram 67 mortes e 250 lesões.
Nem passageiro, nem cocheiro, discutem com o civil Verificando a estatística de homicídios, tentativas de
ou gendarme, que após a verificação dos motivos que homicídio e lesões corporaes voluntárias, de 1908 e 1909,
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cumpre salientar, por um ligeiro confronto, que a pro- A' excepção dos delegados e dos escrivães que são,
porção não é grande, 6 de quasi um para dons, o que é relativamente, bem remunerados, e excluindo os médicos
realmente espantoso. O que quer dizer que emquanto se legislas, as demais autoridades e funccionarios da policia
commetteram, em 1908, 1.726 e, em 1909, 1.357 crimes têm vencimentos mesquinhos, como é facilimo veri-
daquella natureza, deram-se 607 em 1908 e 587 em 1909 ficar.
por accidentes de vehiculos. Basta ver que o chefe do Corpo de Segurança percebe
Desfarte, é inútil insistir sobre a conveniência do mensalmente a quantia de 400$ e os agentes 200$, o que
alvitre que suggerimos, acabando de vez com semelhante é, na verdade, irrisório. Ora, com esta fortuna, é irnpos-
anomalia no nosso serviço policial. sivel termos bons detedives, como os ha na Europa e
Por fim, uma das causas dos muitos insuccessos da na America, porque um homem competente, activo e
nossa policia é, innegavelmente, a questão pecuniária, perspicaz não irá acceitar uma profissão geralmente anti-
porque nunca teremos um serviço policial efficaz, prompto pathizada, com perigos e imprevistos sem conta, difficil e
e digno com um pessoal miseravelmente remunerado. trabalhosa, para ganhar por mez miséria igual. Tal é a
A policia do Rio de Janeiro é uma das menos caras causa legitima da desmoralização a que chegou este ser-
do mundo. viço.
Falta-nos espaço e tempo para um exame compa- O governo inglez dispende actualmente com a policia
rativo ; basta lembrar que a lei orçamentaria de 1910 londrina perto de 2.500.000 libras por anno, Londres
reserva para os múltiplos serviços policiaes do Districto contando agora 6.500.000 habitantes, e, ern 1906, para
Federal a ridícula importância de 6.816:9311208, neste uma população de 2.863.293 habitantes o orçamento
total estando cornprehendidas as verbas destinadas á se- francez reservava á policia da capital 37.559.195 francos.
cretaria, ao chefe, aos delegados, commissarios, etc., ao O Rio de Janeiro, com 814.000 habitantes, tem uma po-
Corpo de Segurança, ao Gabinete de Identificação, ao ser- licia civil pelo preço de i.27o:200$ooo. Somma tudo: em
viço medico-legal, á Inspectoria de Vehiculos, á Casa de Paris a policia custa 13 francos por cada habitante; em
Detenção, á Colônia Correccional, á Escola Correccional, Londres perto de oito shillings (ou sejam 10 francos) e no
ao deposito de presos e ás diligencias reservadas. Rio de Janeiro i$56o.
Especificando melhor, veremos o absurdo desse orça- Tudo isto é eloqüente e, na sua simplicidade, vale
mento, extremamente exíguo, um verdadeiro orçamento de mais do que uma campanha pela reforma desta tão mal-
uma ordem de indigentes, que outra cousa não é a policia sinada e desamparada instituição que é a nossa policia.
civil, emquanto a policia militar consome 10.258:3571000.
O que se chama propriamente a policia civil custa apenas
i.27o:?oo$ooo.
VII
bem diversa daquella que lhe traçara seu ultimo in- e desasado, compromettendo tudo, desacreditando a
spector. administração, fazendo consistir na grosseria da força
Apezar de tantas reformas, continua a ser elle, na physica e dos mãos modos o seu melhor predicado,
sua essência e no seu caracter, nas suas tendências e dando assim a falsa idéa de espécie de guarda negra,
nos seus processos o que era ha 10 annos atraz. Todos os sempre incumbida de missões sinistras, e como eterna-
annos e em todos os tons affirmam os relatórios policiaes mente preoccupada em exhibir-se de modo ruidoso, com
que a Inspcctoria de Investigação e Segurança Publica sacrifício total de seu caracter reservado e secreto».
se vae reformando, mas nada verdadeiramente serio se Na vida urbana, esse mantenedor da ordem era nada
praticou até hoje. Tudo, mas, tudo, na sua estructura, é mais, nada menos, que um agente provocador, causador
máo, é defeituoso, é imperfeito, é obsoleto, é imprestável. principal se não único, de todos os excessos, de todos os
Devendo constituir-se em tutela da segurança social, escândalos e de todas as tropelias que envergonhavam a
como órgão de prevenção e de investigação, 6 o mesmo cidade. Intolerante e desabusado, irritante e malcreado,
um apparelho incapaz, primeiro, pela incompetência te- o que nelle mais revoltava e enojava, concorrendo assim
chnica e, depois, pela ausência completa de comprehensão para mais desprestigiar a administração, era o seu aspecto
dos deveres e responsabilidades inherentes ao cargo, de feio, atrevido, sujo, capadoçal, mixto de maffioso e de im-
corresponder aos seus fins principaes, sendo hoje em dia, mundice. Ora o typo não evoluiu; embora o aspecto
como todo o mundo sabe, a investigação criminal uma não seja o mesmo, tenha perdido a indumentária extra-
verdadeira sciencia, com seus methodos e seus processos vagante, não mudou na essência — é, no fundo, a mesma
especiaes. espécie policial, com alguns ridículos a menos c uma
Em matéria de investigação criminal, estamos presos porção de defeitos a mais.
ás peores tradições e praticamos os processos mais roti- A situação é mais do que lastimável. As cousas não
neiros, tudo e todos tendo concorrido para que este es- se modificaram. E isto porque o que se íez não foi uma
tado de cousas permanecesse sem notável modificação. O reforma de meios e de idoneidade. Foi impossível obter
actual Corpo de Investigação é ainda agora uma herança, que o seu pessoal assimilasse os processos e os recursos
que se conservou intacta, daquelles tempos de mazellas e modernos com a mesma promptidão com que o fazem os
incongruências, vexames e ridículos, em que se cele- profissionaes do crime.
brizou o capitão Villar. O essencial, desde o começo, era guiar o nosso agente
O que era o nosso agente de policia ha seis annos, nas difficuldades e delicadezas da sua tarefa, mediante um
disse-o o illustre Dr. Cardoso de Castro, ex-chefe de ensino que, apurando-lhe a vocação real, o familiarizasse
policia, em seu relatório de 1904: « O agente de policia com o mundo dos criminosos na variedade multiforme
que possuimos.é o typo clássico do serventuário inhabil de seus aspectos ; era fazer exercer essa profissão
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por um perito tecrmico, que conquistasse seu emprego identidade dos horrendos autores desse crime, tão dia-
pelas provas de capacidade cxhibidas em concurso; era bolicamente combinado e tão ferozmente executado » .
converter o odiado e odioso esbirro em um serven-
Ineptos quasi todos, analphabetos quasi, os nossos
tuário idôneo, digno, consciente da responsabilidade de
agentes, escrevia ha dias um chronista policial, são inca-
sua missão e iniciado nos segredos, nos methodos e nos pazes de descobrir qualquer facto que saia das regras
processos modernos de investigação criminal, desde muito communs, dificultando com as suas calmadas as dili-
preconizados por Bertillon, Reiss, Niceforo, Ottolenghi, gencias das autoridades criteriosas e intelligentes :
etc., e que vão, por toda parte, alcançando consagração « Terminando essas notas, vamos relatar um facto que
pratica. bem demonstra o estado anarchico em que se encontra o
O nosso agente de policia é de uma inépcia que agrupamento a que se dá o nome de corpo de agentes de
assombra. Ignorante, quasi analphabeto, sem preparo te- segurança publica.
chnico de nenhuma espécie e sem meios para adquiril-o, Precisando de um agente intelligente e trabalhador,
mal remunerado e, sobretudo, sem uma direcção capaz e o delegado de um districto central telephonou para o
intclligentc, não se pôde contar com o seu concurso para corpo e, falando com o chefe, communicou-lhe que tinha
a descoberta de um facto dclictuoso de certa importância. na sua circumscripção um facto interessante em que elle
Se uma circumstancia de mero acaso ou um desaso do se poderia salientar, descobrindo, pelos vestígios deixados
próprio criminoso não vier, por si mesmo, elucidar pelos ladrões, os autores de um roubo importante.
o crime, a regra geral é que ficará desconhecido e Era numa casa commercial.
impune. As gavetas haviam sido arrombadas, vários objectos
Diz um jornalista: « Não é de estranhar que a nossa de vidro foram mudados do seu lugar competente, pelo
policia, obsoleta e bisonha, não tenha suspeitado sequer chão, e além das pegadas, vários objectos próprios para
quem fossem os ladrões da joalheria Rezende ou não tenha arrombar foram encontrados.
sabido apanhar os pérfidos facínoras que induziram o Era possível que pelos indícios, conduzidas as dili-
infeliz Salgado a fugir com as centenas de contos do The- gencias com intelligencia e critério, verificado na super-
souro e depois o consumiram. Uns e outros andam por fície dos vidros se os meliantes tinham deixado marcadas
ahi, penetram livremente pelos próprios « segredos » da as suas impressões dactyloscopicas, o que se verifica facil-
policia, que pretendia colhel-os como se elles fossem os mente com o emprego de vários ácidos, se conseguisse,
ingênuos salteadores que atormentaram os nossos avós. em curto lapso de tempo, deitar a mão aos bandidos.
Se a pedra que os bandidos Rocca e Carletto ataram ao Enthusiasmado com a communicação, o chefe do
cadáver do infeliz Carluccio fosse mais pesada, jamais Corpo prometteu mandar um «especialista» chefe da
teriam os nossos delegados e agentes atinado com a turma de roubos.
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A autoridade interrompeu as suas diligencias e. es- Quer saber você de uma cousa ? — disse a autoridade,
perou o tal especialista.
perdendo a paciência e não podendo conter a sua calma
Muitas horas depois appareceu na sua delegacia um — fazer policia não é adivinhar. Para ser agente de
mulato pernóstico, de physionomia obtusa, cheirando a policia, hoje em dia, é necessário que o agente tenha
álcool, o qual se apresentou como sendo o tal «espe- qualidades muito especiaes, que seja intelligentc, obser-
cialista ».
vador, instruído e perspicaz. Nenhuma dessas qualidades
Num rápido exame do todo do indivíduo, o dele- tem o senhor e, por esse motivo, desisto dos seus
gado comprehendeu que não podia contar com elle para serviços. Vou continuar sósinho as minhas diligencias.
cousa alguma, mas, convencido de que as apparencias il- E saiu arrebatadamente, deixando o agente confuso e
ludem muitas vezes, levou-o ao local do arrombamento.
indignado.»
Ahi chegados, o delegado deu-lhe todas as expli- Na verdade, não tem elle a perspicácia, a intelli-
cações precisas, ajudou a sua fraca intelligencia, mos- gencia, o espirito de analyse e de deducção, a iniciativa
trando-lhe todos os caminhos a seguir nas pesquizas, prompta e segura, nenhuma das qualidades e nenhum dos
acabando por pedir a sua opinião sobre o caso. predicados que se encontram reunidos no « detective»
O indivíduo collocou-se numa. pose de homem su- americano, inglez ou francez, por exemplo. Facilmente é
perior, cofiou repetidas vezes a gaforinha, inspeccionou vencido na lucta contra o crime, e isto muito naturalmente
tudo com uma gravidade meticulosa, e terminou por dizer porque a sua mentalidade é inferior á mentalidade dos
que o caso era difficil e que o arrombamento tinha sido
criminosos de hoje.
praticado por mais de uma pessoa. De facto, se se encontrar um dia o nosso agente de
— Por que ? perguntou-lhe o delegado, querendo policia frente a frente com um desses escrocs internacio-
aquilatar do gráo de observação do agente. , naes, intelligentes e astuciosos, elegantes e audaciosos,
— Porque uma só pessoa não teria feito tamanha affeitos á vida cosmopolita, conhecedor de todos os meios
revolução, respondeu o sujeito, todo cheio de si. sociaes, que poderá fazer o nosso pobre diabo senão dei-
Todas as esperanças da autoridade ficaram desfeitas,
xar-se embrulhar ?
mas, não sabendo como se ver livre do agente, pergun- A lucta entre ambos seria fatalmente uma verdadeira
tou-lhe o que iria fazer. comedia a Labiche, porque faria rir pelo contraste ofrere-
Este lhe disse :— o caso é grave, seu doutor. Nada cido entre a astucia de um e a ingenuidade do outro, entre
vejo que nos possa auxiliar. Olhe, quer saber de uma a facilidade com que o cavalheiro de industria se moveria
cousa? Conheço um rapaz que está na semana da sorte. no mundo e a estupidez fecunda do nosso policia não
Se eu conseguir que elle chegue até cá, estou certo que apparelhado para acompanhar, perseguir e desmascarar
adivinhará a cousa.
o patife.
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Sirva-lhe de consolo o saber que o corpo de agentes Diz-se que a policia franceza tem uma organização
de Paris não é melhor, apezar de ter em seu seio indi- perfeita, o que é real. Ella tem contra si, aqui em Paris,
víduos capazes e dignos, apparelhados para agir em mais de 50 % de crimes impunes, consagrados já como
todos as classes sociaes e convenientemente dotados de verdadeiros enigmas sanguinolentos.
recursos de toda espécie para o desempenho de sua Todo o serviço da policia secreta está desorganizado,
profissão. ou por outra, cada um faz o que bem entende e, sempre
Ouçamos Trajano Louzada que, em viagem de com- que pôde, no interesse próprio.
missão do governo, teve opportunidade de conhecer a Os agentes intelligentes e educados são em geral
organização da segurança de Paris : empregados na investigação da alta sociedade e, desse
« Fica-se aterrado, diz elle, ao se conhecer de perto modo, todos que podem dispor de qualquer meio para
a cousa tal como ella é. Quem vae ao Sr. Lépine, ou se collocar no bom serviço, fazem-no.
busca uma audiência do Sr. Hamard, volta encantado As secções são muitas e a do crime, isto é, a do
com o cavalheirismo desses senhores, que são gentilis- roubo e assassinato é extensa e com magnífica organi-
simos em nos contar anecdotas sobre o secular serviço, zação, primorosamente cuidada em todos os seus deta-
cuja organização nos é mostrada com todos os remates lhes.
do chie. Mas que isso vale ?
Agora, venha ao quarlier Montmartrc, á noite, gire O pessoal aplicado neste serviço é, como disse,
sobre outros bairros inferiores e depois diga-me o que numeroso, pois nelle figuram os da brigada movei (cycli-
mais o apavorou, se a audácia dos caftens que em ba- stas) fardados e á paisana.
dernas, um por vez, esperam a escrava, lhe arrancam o Neste meio existem alguns bons funccionarios que
dinheiro todo e lhe ordenam ir buscar mais, ou se os procuram fazer o serviço; existem os descontentes e
apaches, rapazes de 16 a 22 annos, todos francezes, que também os transacçôes, typos venaes que tiram partido
apparecem ás dúzias em todos os recantos de Paris e que de tudo e convivem com caftens e ladrões.
no Caveau dês Innocents, aos olhos da policia, appa- Estes agentes estão na policia por empenhes de
recem praguejando ameaças, com a amante pelo braço... políticos e homens eminentes.
Os estrangeiros mais animosos vão lá «para conhecer a Quasi todas as semanas os jornaes registram o
vida dos apaches» ! ataque dos apaches aos agentes da brigada movei que
Como exhibição, chega a ser o cumulo. A policia ou são mortos ou feridos á bala em plena rua, sem que
conhece-os bem, como a grande numero de ladrões tivessem o menor attrito.
internacionaes que não fixam residência, viajam sempre Isto é sempre resultado do trabalho dos taes agentes
após os crimes, sem que ninguém os detenha... venaes que açulam o ódio dos apaches contra os pobres
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collegas, que são apontados como os maiores perse- verdadeiro gentleman, e, ainda mais, possuindo dotes
guidores desses bandidos! » excepcionaes como a astucia e a ousadia.
O mundo passou nestes últimos tempos por trans- Arséne Lupiii, cambrioleur gentleman, o heróe de
formações espantosas. As descobertas scientifícas, a fácil Maurice Leblanc, não é uma ficção, symboliza muito bem
diffusão dos conhecimentos e das idéas, o progresso o escroc contemporâneo, hospede dos hotéis de luxo
industrial, a facilidade surprehendente dos meios de com- e ostentando hábitos fidalgos, mas que, um bello dia, é
municação e de transportes, transformaram radicalmente apanhado em flagrante, altas horas da noite, saqueando
o modo de vida da humanidade. seu vizinho de quarto, no hotel onde dias antes se hos-
A obra do progresso, porém, é indiferente: tanto pedara.
favorece o bem como o mal. Effectivamente, a sciencia Ahi está Monolescu, o cavalheiro de industria ro-
procura, com as suas novas conquistas e mil applicações, maico.
dotar a sociedade de todos os recursos tendentes a me- Monolescu conta nas suas memórias como conseguira
lhorar as condições devida e os malfeitores, por seu lado, viver á custa do próximo e como escapava á acção da
utilizam essas descobertas para o aperfeiçoamento de seus policia. Monolescu pertencia á distinctissima família da
processos criminosos. Rumania, era bello e muito intelligente. Ainda quando
A sociedade progride, realmente, mas a criminalidade estudante de direito em Paris, praticava já, por meio de
e seus meios de acção tornam-se mais intelligentes e re- arrombamentos, a especialidade do roubo de pedras pre-
quintados, e isto porque, segundo uma lei fatal, a lucta ciosas. Durante o dia « brilhava » no grande mundo e á
pela existência se torna cada vez mais intellectual, as noite ((trabalhava » nas joalherias. Commetteu 36 destes
fôrmas anormaes desta lucta estando sempre intimamente roubos, emdous annos, na importância de 450.000 francos.
ligadas ás manifestações anormaes. Foi depois descoberto, processado e condemnado. Depois
Ocrimeavulta, adquire novos aspectos, multiplica-se andou pela America e pelo Extremo Oriente. Rico, vae
por toda a parte. O criminoso de hoje é um producto da para Londres, hospedando-se nos primeiros hotéis da
astucia e da intelligencia, da ousadia e da perversidade. city e retoma a sua rendosa industria. Levava assim
Foi-se o tempo dos salteadores de estradas, dos míseros uma vida faustosa e conseguiu casar-se mais tarde com
passadores do « conto do vigário », sujos e repellentes, e uma authentica condessa allemã, riquíssima e distincta.
dos ladrões de gallinhas. Ha tempos, a policia parisiense conseguiu prender
O ladrão dos nossos dias, por exemplo, é um typo um escroc austríaco, antigo cosinheiro, que se apre-
como qualquer de nós, vestindo-se com apurada ele- sentou em Paris como archiduque. Tinha palácios de oito
gância, freqüentando gente boa e com as melhores relações contos de réis de aluguel, carruagens e varias amante?,.
no mundo da bolsa, com todas as apparencias de um Muito intelligente e hábil, conseguiu apanhar mais de
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400.000 francos de jóias de algumas casas da Rue de Ia Em um livrinho curioso, que corre mundo, intitulado
Paix. Comment on devient détedive, o celebre policia ame-
Ainda recentemente a imprensa noticiava a prisão de ricano Ralph Morton indica quaes as qualidades que se
um outro eminente cavalheiro de industria, que tinha uma deve reunir num perfeito « detective » c as aptidões neces-
rede de negócios estendida pelos principaes paizes da sárias para seguros successos.
Europa, tendo roubado para mais de um milhão de francos, « Detective » vem do latim « detegere », que significa
associado a vários outros da mesma força. Vivia em Paris descobrir. E1 mister que o « detective » consiga arrancar
como um simples caixeiro de escriptorio. Era do escriptorio a mascara ao impostor e criminoso que elle prendeu e
commercial do patrão que elle sahia para ir ao correio que descubra toda a tecidura de factos delictuosos, ser-
receber as centenas de mil francos que lhe enviavam, vindo-se para isso, apenas, de tênues indicies, que o
quando realizavam os grandes roubos combinados e in- larapio astuto tenha deixado. E' preciso que possua o
dicados por elle. talento de armar combinações e seguir deducçÕes subtis,
Depois, foi preso um outro, visconde authentico, para, finalmente, poder estampar perante a Justiça a
parece, salteador de casas. prova formal e inilludivel do'crime. Perseguir, desmas-
Jud era especialista e creador de assassinatos em carar e provar : eis o papel do « detective », funcção que
vagões de estradas de ferro. Durante 20 annos matou e offerece dificuldades insuperáveis, muitas vezes. »
roubou sem que os policiaes o pudessem apanhar. Teve Continua Morton: « Para perseguir, desmascarar e
como theatro toda a Europa. Usou mais de 20 nomes e provar o crime, faz-se necessário um indivíduo que iguale
chegou a acompanhar um rei asiático como « ckerone », em firmeza, em perspicácia e em intelligencia ao mais
em uma exposição universal. astuto e hábil dos criminosos. O celebre Pinkerton disse
Os Monolescu, os Jud, os Galley existem e em nu- um dia : A profissão de detectivo é uma arte, arte que
mero considerável, sob vários aspectos do crime, em Paris não se aprende. São-lhe indispensáveis dons naturaes e
como em Londres, em Nova-York como em Berlim. innatos que a pratica e a experiência podem desenvolver
Para luctar eficazmente contra essa espécie perigosa e apurar até fazel-os notabilissimos. Uma primeira e ir-
de malfeitores, ha mister uma policia moderna, igualmente refutável verdade é que o detectivo deve ser instruido.
astuta e sábia, prompta e enérgica, exacta e perspicaz. Só um indivíduo que se sabe conduzir sem hesitação em
O agente de policia de hoje, nas organizações per- todos os meios e que em toda parte se mostra á vontade,
feitas, é uma entidade superior, que aos recursos extraor- só a pessoa que conhece admiravelmcnte a engrenagem
dinarios^ de sua vocação allia processos investigadores da sociedade moderna e dos negócios internacionaes, só
fornecidos por uma solida educação technica, explorada uma tal creatura pôde aspirar o desempenho dessa funcção
apenas no que toca e aproveita á sua especialidade. delicadíssima. Como instrucção entende-se aqui muito mais
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do que os conhecimentos didacticos... e, além de bons e todos os recursos e conhecimentos, apparelhado admira-
sérios conhecimentos básicos, ensinados pela vida pratica, velmente para a lucta contra a criminalidade moderna,
exige-se energia, decisão, sangue frio, intuição, faro poli- intrépido c vigoroso, apto para vencer em astucia e em
cial e múltiplo talento de combinações e previsões. Deve intelligencia ao mais esperto dos canalhas.
ser um autodidactico, aprender por si mesmo o que julgar Hoje em dia não ha quem ignore a existência das
necessário, e é a própria funcção que lhe indicará esse agencias particulares de policia. Os americanos, que são
necessário». dotados de um espirito de iniciativa e de um senso pra-
Sem isto, na verdade, a derrota é inevitável. tico admiráveis, comprehenderam perfeitamente o papel
Nós mesmos temos, em duas obras, escriptas por importante que, na sociedade moderna, estava reservado
incumbência do illustre Dr. Leoni Ramos, digno ex-chefe á nova profissão de detectivo. Foi Pinkerton, o famoso
de policia, e prestes a apparecerem editadas pela livraria detectivo, quem primeiro demonstrou victoriosamente o
Garnier, indicado o que ha de essencial para a educação multiplice emprego que se pôde exigir do policia moderno
technica das autoridades e funccionarios de policia. São e a sua absoluta necessidade, fundando a « Agencia Na-
cilas a Syníhese de policia scientifica e um Manual do cional de Detectivos de Chicago», que conta hoje uns
agente de policia, repositórios onde se acham reunidos 20.000 empregados formando succursacs em todas as
todos os conhecimentos, processos, methodos e regras grandes cidades do mundo.
indispensáveis na lucta incessante contra o exercito do Além da Pinkerton, existem, não só na America do
crime. Ao mesmo tempo se encontram observações pes- Norte, mas em outros paizes, muitas outras instituições
soaes referentes á criminalidade no Rio de Jaüeiro. análogas. Desempenham as missões publicas mais de-
Desde que se verificou este aspecto moderno e pro- licadas, mais difficeis e perigosas, assim como as buscas,
gressista do crime, surgiu em alguns paizes, nos Es- diligencias e inquéritos particulares os mais secretos e
tados Unidos, na Inglaterra, na França e no Canadá confidenciaes, c são aptos para tudo.
principalmente, uma categoria de homens capazes d O publico, sabendo que a machina official se move
luctar e dominar os criminosos astutos e audaciosos, como muito lentamente e segue processo rotineiro, recorre
elles igualmente preparados e apparelhados de recursos sempre aos bons officios das agencias. Não só os parti-
formidáveis e, alguns delles, como Pinkerton, Arrow, culares, mas a própria Justiça serve-se dellas e com
successo sempre.
Morton e Teidll, sendo maravilhosamente assombrosos
O nome da « Pinkerton Agencia » está ligado a todos
pelas suas qualidades e pelos seus múltiplos dons, empre-
gados em defender a sociedade. os grandes successos que se têm passado na America
nestes últimos quatro annos. Ella desempenhou o papel
O detectivo americano é o typo mais acabado, mais
de polícia durante a guerra de Secessão em todas as
completo, mais perfeito do agente de policia, dotado de
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grandes greves dos Estados Unidos. Foi por ella que bem concluída, bem montada e composta de materiaes
se achou o famoso retrato da duqueza de Devonshire, por de primeira ordem ».
Gainsborough, roubado em Londres em 1876 e desco- Não precisamos pôr mais na carta.
berto em Chicago em 28 de março de 1901. . Todo o mérito dar, reformas futuras estará em bem
Nova-York foi, cm tempo, theatro de numerosas comprchcnder o grande alcance dessa nova funcção
façanhas de camorristas italianos, que ali operavam sob social.
a denominação de « Mano Negra », e então os Pinkertons Sem exaggero podemos dizer que desta elevada
tiveram occasião de vigiar e acompanhar, durante se- comprehensão não se imbuíram ainda as nossas auto-
manas e semanas, a uns sinistros adeptos da Maffia e da ridades, e é de prever que a nossa policia fique ainda
Camorra, disfarçados, ora cm bandidos sujos, pelos por muito tempo privada de recursos capazes e de
antros dos quarteirões pobres, ora enfarpados na casaca pessoal idôneo para bem cumprira sua missão, a não ser
pelos grandes salões. que se opere o milagre do advento de um reformador
Cleveland foi um dos enthusiastas dessas formidáveis que á cultura jurídica allie uma noção exacta da funcção
associações policiaes. policial moderna.
E Pinkerton, ao morrer, deixou aos seus herdeiros Sem essa proveitosa remodelação, o serviço será
a bellissima fortuna de 12 milhões de dollars. sempre imperfeito e anarchico.
Em summa, a lucta contra o crime funda-se, moder-
namente, sobre uma organização racional, metnodica,
scientiflca, dos meios preventivos, investigadores e re-
pressivos.
Desde 1888 que Ives Gtiyot vem clamando : « A
policia deve se servir das descobertas da sciencia. Não
é por sua brutalidade, é por sua superioridade intel-
Icctual que ella poderá garantir a segurança. Os tempos
dos Vidocs e dos indicadores deve desapparecer. Os
homens de policia devem trazer para as suas obras os
processos do methodo e da investigação scientificas. Em
lugar de uma policia nervosa, brutal, theatral, dramática,
amando o reclamo, é preciso ter uma policia tranqtiilla,
fazendo a sua obra em silencio, funccionando sem estre-
pido, mas com a precisão e a continuidade da machina
VIII
especiaes para a educação dos officiaes de policia judi- D ennsted e Volgtlander publicam interessantes con-
ciaria e dos futuros magistrados. selhos concernentes aos exames periciaes dos documentos
Lacassagne, comprehendendo a importância dos falsificados e referentes ás analysesde varias manchas.
novos methodos, professou-os desde 1887 em seu curso de Bourinski, Sonneencheirn, Persiforc Traser, Schoedt,
medicina-legal na Universidade de Lyon. O inglez Francis etc., descobrem vários methodos de analyse photogra-
Galton, em Londres, em 1888, depois de estudar o phica dos documentos falsificados e revelam novos
papel das impressões deixadas pelas 'saliências papi- processos para *o estudo das manchas de sangue,
lares das polpas digitaes, propõe a dactyloscopia, hoje esperma, etc. Nicoláo Minovic apresenta valiosos es-
triumphante em todo o mundo, como processo de tudos e observações sobre a photographia de cadá-
identificação criminal. Antes delle, o prussiano Pukiuje, veres .
em 1823, e Alix, em 1867, tinham publicado interessantes Georges Bertillou, em 1892, sustenta diante da Fa-
observações sobre a singularidade das impressões di- culdade de Direito, de Paris, uma these de grande valor
gitaes, as quaes, seja dito de passagem, como meio de para a identidade dos criminosos — a reconstituição do
identificação individual, foram conhecidas no Oriente ha assignalamento anthropometrico pelas roupas. Em 1904,
muitos séculos. Depois de Galton, surge Juan Vucetich Ed. Locard, autor de uma obra importantíssima sobre
com o seu systema de classificação de fichas dactylos- identificação dos reincidentes, publicada em 1904, pro-
copicas, processo que Ferri considera « una trovata ge- põe no Congresso de Turim um modelo de ficha dacty-
niale». loscopica internacional.
Hoje em dia a bibliographia sobre a importância das A obra de A. Binet, publicada em 1906, sobre o
impressões digitaes na identificação e na investigação cri- valor psycologico dos testemunhos, penetrou no domínio
minal é copiosissima. A escola medico-legal de Lyon da policia scientifica, fazendo luz sobre um grande nu-
produziu as importantes memórias de Coutagne et Flo- mero de problemas. O Dr. Severin Locard dá a conhecer
rence, Forgeot, Frécon, Ivert, etc. Corin e Stocks, em 1908, um methodo novo de notação e classificação
membros da Universidade de Liége, propõem um novo das fichas de identidade judiciaria, permittindo a cre-
methodo de exame e de photographia das impressões ação e fácil funccionamento de um serviço internacional
invisiveis que denominaram « méthode de Féclairage con- completo de identificação judiciaria, e em 1909 propõe
vergente ». Os prefessores austríacos Vundt e Kodicek um outro processo para obter a fórmula cifrada do retrato
descobrem novos processos para procurar, revelar e falado. Bercher, do laboratório de medicina-legal, de
examinar as impressões digito-palmares visíveis ou invi- Lyon, é autor de uma these sobre os methodos actuaes de
siveis. Outros muitos, que seria enfadonho enumerar, policia scientifica. A. Reiss, autor de duas obras impor-
fizeram indicações preciosas sobre a matéria. tantes sobre a photographia judiciaria e o retrato falado,
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é inventor de um código telegraphico para transmissão A importância representada pelas impressões dígitaes
do retrato falado. e pelas pegadas na descoberta de crimes é incalculável.
Afinal, são numerosíssimos os estudos, as memórias A policia scientifica ensina os methodos de conservação
e as monographias sobre todos esses assumptos que se de todos esses traços, sua descoberta, sua significação
referem á investigação judiciaria criminal. Emquanto e seu emprego como meio de identificação. São sem
uns estudam os problemas concernentes á identidade numero já os crimes cujos autores são descobertos
judiciaria, que é o capitulo mais importante da policia sci- pelo único meio das impressões deixadas no local do
entifica, outros, e são muitos também, tratam de conhecer crime.
o mundo dos delinqüentes, suas categorias e suas especia- As chamadas peças de convicção são esses pequenos
lidades, seus hábitos e suas artimanhas, os methodos e detalhes constatados sobre os lugares, e que representam
os recursos de que se valem na profissão do crime, ma- um papel notável na perpetração de um crime. Taes
téria rastissima que é toda a suggestão de um mundo. Não peças são, por exemplo, a arma utilizada em um assas-
haveria espaço bastante para uma resenha, rápida embora, sinato, os instrumentos ou matéria usada na fabricação de
de tudo quanto se tem escripto a respeito, a França, por si moeda falsa, os instrumentos empregados em um arrom-
só, possuindo uma das melhores doutrinas e uma das mais bamento, etc. Essa descoberta, nem sempre é fácil, e ne-
copiosas literaturas sobre a policia scientifica. E depois, cessita, muitas vezes, de conhecimentos amplos, especiaes.
em dous livros technicos, que já atraz mencionámos, Só á força de observações e estudos de casos semelhantes
passamos em revista todos os methodos e processos scien- chega-se a fazer trabalho útil á busca. Assim, a posição
tificos que têm applicação nas pesquizas criminacs. das cadeiras ou moveis atirados durante uma lucta nos
Os casos especiaes em que os methodos sdentifícos pôde fornecer, algumas vezes, indícios preciosos para a
permittem descobrir a verdade ou guiar o investigador em determinação do gênero da lucta. A terra pisada, a di-
seu trabalho, são uumerossimos. Reiss, na sua lição recção dos ramos quebrados, mostra-nos a direcção dos
inaugural da cadeira de policia scientifica da Universidade passos do assassino. As pequenas lascas de uma vidraça
de Lausanne, indica um grande numero delles. Mostra- quebrada por um tiro elucida-nos sobre a direcção seguida
remos aqui desde já que, em quasi todos, a photographia pela bala. Em casos de estrangulação ou de ligadura da
representa um papel inestimável. As investigações sobre victima, a maneira de fazer os nós pôde revelar o officio
o local do crime constituem a parte principal de toda a dis- do aggressor. Mas, de todos os detalhes obtidos nos
ciplina policial e comprehendem o estudo topographico lugares, os que têm maior valor para busca e para identifi-
do lugar, a inspecção do cadáver, a procura dos traços, cação do delinqüente, são os traços dos instrumentos que
dos signaes, das pegadas, etc., e a descoberta das pecas serviram para o arrombamento, as manchas de sangue, as
de convicção. pegadas c as impressões digitaes.
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Os vestígios deixados pelo instrumento que serviu descripção exacta dos elementos da figura humana, com o
para o arrombamento, guia-nos desde logo na determi- auxilio de um vocabulário especial; e o terceiro é a dady-
nação do gênero de utensílio empregado pelo delinqüente. loscopia que consiste na identificação pelas impressões
Um pé de cabra deixaria por exemplo um vestígio diffe- digitaes, visto não existirem dous homens possuindo a
rente do de um corta-ferro, o «pince-mouseigneur» em aço mesma fôrma e a mesma direcção das linhas papil lares dos
do ladrão de profissão produzirá um traço differente do da dedos. Ha outros systemas especiaes e subsidiários, que
broca de canteiro. A determinação da espe'cie de ferramenta muitas vezes prestam relevante serviço na identidade de
pôde mesmo esclarecer-nos sobre o officio do delinqüente. um indivíduo, como o assignalamento anthropometrico
O conhecimento do valor desses detalhes e os methodos por meio das roupas, deGeorge Bertillon, a photographia
de sua procura, fazem parte da policia scientifica. natural, de Niceforo, a identificação geométrica, o methodo
O estudo da policia scieutifica ensina os processos de Capdeville, etc.
reconstituição de objectos inutilizados, cartas queimadas, Sobretudo, como muito bem diz Reiss, o conhe-
por exemplo, esclarece-nos sobre a descoberta da cimento do modo de trabalho das differentes categorias
falsidade de documentos c delictos similares, indica me- de criminosos, conhecimento pelo estudo ao vivo do
thodos scientificos para a comparação de duas ou mais mundo dos malfeitores, é a outra parte principal da policia
escriptas. scientifica. Com effeito, como poderíamos chegar a des-
A determinação da identidade e o assignalamento cobrir os crimes ou os criminosos se não conhecemos o
constituem outro capitulo importantíssimo da policia mundo onde se açoitam os malfeitores, seus hábitos, seu
scientifica. O estabelecimento da identidade de um indi- modo de trabalho, os instrumentos de que se utilizam,
víduo e a possibilidade de dar delia um assignalamento sua linguagem secreta, seus signaes convencionaes, seus
representam, com efFeito, importante papel nos inquéritos códigos de escripta, etc. ?
judiciários e policiaes. Muitos criminosos sabem carac- Assim, sabemos por exemplo, que, como no mundo
terizar-se de tal modo, que parecem outros e, portanto, honesto, o exercito do crime tem seus especialistas, exe-
é preciso achar a identidade dos mesmos; ou, se tomou cutando tão somente um determinado gênero de trabalho.
um nome falso, achar o seu verdadeiro nome. Sabemos mais que muitas vezes o criminoso não trabalha
Hoje, somos possuidores de três systemas scientificos só, mas sim associado a outros indivíduos de sua espécie,
que permittem identificar rápida e regularmente um indi- para exercer a sua profissão nociva. Os falsos moedeiros,
víduo, e dar-lhe um assignalamento preciso. O primeiro por exemplo, não trabalham quasi nunca sós. E' quasi
systema é a anthropometria, que é a descripção physica sempre uma quadrilha bem organizada, onde cada mem-
do indivíduo, combinado com o retrato de frente e de bro tem o seu emprego bem especificado : um fabrica as
perfil; o segundo systema, é do retrato falado, que é a peças falsas, outros não fazem mais do que as passar, isto
<•»
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é, transmittil-as, uma a uma, a um terceiro que se encar- O modo por que se realiza entre nós a investigação
rega de pôl-as em circulação. Por ultimo, a policia de um facto delictuoso, obriga-nos a evocar a imagem do
scieutifica fornece igualmente dados preciosos sobre macaco em casa de louça. Desde a chegada ao local do
as quadrilhas internacionaes, que se multiplicam de crime até a captura do criminoso, é uma serie de dispa-
um modo inquietador com as facilidades de transporte rates e de abusos inqualificáveis, é o desaso em acção
que nos offerecem as vias de communicação mo- aluado á inaptidão profissional, é a pratica de erros graves
dernas. e irremediáveis. ô resultado averiguado é funcção dessa
A matéria, como se vê, é vasta, vastíssima mesmo, ausência de estudos especiaes e de conhecimentos scien-
e não temos indicado senão os principaes capitules. A tificos que melhor satisfaçam ás necessidades da época e
exposição que fizemos, em uma synthese muito rápida, do ambiente em que vão actuar.
sem detalhes e sem commentarios, mostra que a policia Não sendo possível remover de momento a defi-
judiciaria precisa ser organizada technicamente, profis- ciência de preparo dos bacharéis delegados, especiali-
sionalmente, ^cientificamente, e prova suficientemente zando-os, nas praticas da investigação criminal, resta
que a funcção policial é uma actividade muito variada, procurar outro recurso para sanar os males apontados e
requerendo um longo preparo, scientifico e pratico, de evitar fracassos maiores. Queremos falar na remodelação
ordem toda especial. E só assim poderá a sociedade do corpo de segurança com o fim de crear um «serviço
mover uma lucta efficaz contra a criminalidade. de investigação criminal » á maneira do serviço medico-
Diante de tudo isto não será licito a nós outros di- legal e do serviço de identificação, estabelecendo deste
zermos que a policia do Rio de Janeiro esteja apparelhada modo a especialização de uma funcção que por sua na-
convenientemente para exercer a investigação criminal. tureza é excepcional, obviando os inconvenientes da
Com effeito, a falta de preparo, a incompetência technica e inexperiência e impedindo os dislates contínuos que tanto
a deficiência de comprehensão do delicado exercício de po- prejudicam á Justiça.
licia são notórias, e constituem aliás um facto que não Não prestando á Justiça os serviços que delle se
surprehendc. Sem querer esfumar demasiado o quadro, esperava, por omissão e infracção dos preceitos te-
basta ver o que são entre nós as investigações criminaes, chnicos essenciacs, deve-se dar uma nova orientação e
levadas a effeito por indivíduos, delegados ou agentes, um outro cunho ao Regulamento antigo, o que não é
investidos de funcções para as quaes não estão aptos e não difficil.
provaram anteriormente idoneidade technica, impro- A medida é de tal importância, que a temos na
vizados investigadores tão só á força de um diploma de verdade, como a providencia de maior alcance que ditará o
bacharel que, neste paiz, já nada prova, sobretudo em illustre Dr. chefe de policia em bem dos interesses su-
matéria de policia judiciaria. periores da Justiça do paiz e em favor da efficacia technica
110
IX
infractions et 1'application dês peines». O congresso de que o desempenho dos cargos policiaes é um dos mais
Linz, como se vê, nada mais fez que proclamar a neces- delicados e também um dos mais difficeis, por isso que
sidade dos cursos de policia scientifica. A União Interna- requer, não só uma actividade enérgica e uma coragem
cional de Direito Penal varias vezes manifestou esse desejo pessoal a toda a prova contra uma infinidade de perigos
de serem os criminalistas, os magistrados e os funcciona- manifestos e occultos e uma saúde robusta, mas ainda
rios policiaes mais bem instruídos c preparados para variados conhecimentos, tanto no campo do direito cri-
exercerem suas funccões. A nova escola penal italiana e a minal como em» qualquer outro do saber humano,
escola crimina! franceza têm também chamado a attenção aluados a um certo tacto para os tratar com proveito.
publica sobre a necessidade de uma educação scientifica e Assim deve conhecer, por exemplo, varias línguas, as
pratica para os agentes da Justiça. incidias e fraudes dos agentes de negócios financeiros, as
No pensar dos anthropologistas e criminalistas mo- complicadas artes dos falsários e as astucias dos ga-
dernos, não basta ao magistrado e á autoridade policial tunos e saber formar um juizo seguro sobre a fôrma
conhecer bem o texto das leis penaes e dos regulamentos como se deu um accideute ferro-viario ou a explosão
policiaes, mas, sim, estudar minuciosamente as recentes de uma caldeira com a mesma segurança com que
descobertas biológicas, anthropologicas, psychologicas e deve saber decifrar os livros de commercio, compre-
outras, quer por meio de cursos especiaes, quer pelos exer- hender o calão dos malfeitores e interpretar os escriptos
cícios experimentaes, podendo adquirir noções scientificas secretos das associações sceleradas. Desfarte, escreve
e modernas sobre as causas geraes do crime, sobre as Gross, comprehende-se que o seu cargo não possa ser
particularidades do mundo dos delinqüentes, sobre os uma escola, que nenhum delegado ou agente possa du-
mais scientificos caminhos a seguir na captura dos mal- rante o exercicio de sua profissão adquirir esta enorme
massa de conhecimentos, c dahi se manifesta que a
feitores, etc.
Haus Gross, professor de direito na Universidade de funcção só deveria ser desempenhada por quem já pos-
suísse uma vasta cultura, uma boa educação technica e
Graz e autor de um guia pratico para instrucção dos
uma nítida comprehensão dos deveres á mesma inherentes.
processos criminacs, desde muitos annos que vem recla-
Desta maneira no curso de uma diligencia, elle saberia
mando o ensino da policia scientifica. Gross é muito exi-
facilmente apreciar por meio de conclusões precisas as
gente quanto ás qualidades e requisitos que deve possuir
fôrmas e a clirecção das pegadas, o rastro dos animaes e
o funccionario de policia encarregado da investigação
dos vehiculos, as depressões da herva de um campo em
criminal. Falando do juiz instructor, comprehendendo
que assentou um fardo, as mutilações das arvores, as
sob esta denominação a quem quer que deva, por força
pedras deslocadas e os pedaços de papel, vidro, cerâ-
do officio, concorrer para a colheita das provas dos
mica, dispersos aqui e ali, as janellas e portas abertas ou
crimes, elle diz na obra citada: E' por todos reconhecido 8389 8
114
115
fechadas duma fôrma anormal, etc. As palavras apparen-
scientifico, para se renovar, desde os prolegomenos,
temente insignificantes colhidas no decurso de uma con-
ao contacto das sciencias modernas.»
versa ou certos movimentos ambíguos surprehendidos
Não é esta uma opinião pessoal e isolada, pois,
inesperadamente servir-lhe-ão para informações preciosas.
como viemos dizendo e provando, todos aquelles que, no
O conhecimento da technica dos vários misteres manuáes,
dizer de Niceforo, não crêm, que a sciencia consiste numa
bem como o estudo das armas, a psychologia dos delin-
chrystalização de velhas fórmulas, têm reclamado a trans-
qüentes e a technica dos delictos, são sobremaneira úteis
formação desses antigos methodos empíricos de inves-
e indispensáveis. Gross termina dizendo que a educação
tigação judiciaria num systema scientifico moderno, e,
profissional dos funccionarios de policia pôde ser adqui-
entre nós mesmos, podemos citar os Drs. Alfredo Pinto,
rida por meio de cursos especiaes.
Astolpho de Rezende e Eurico Cruz que, mais de uma
Alfredo Niceforo, o eminente criminalista autor de
vez, manifestaram em relatórios e estudos, o voto de ser
La Police et l'Etiquete Judiciaire Scientifiques, obra que
a nossa policia dotada de noções e methodos scientificos.
mereceu os applausos de Lacassagne, Lindeau, Bertillon
O ensino da policia scientifica contribuiria enormemente
e outros, exprime a convicção de que o estudo e o ensino
para preencher essa lacuna, origem de todos os desastres e
da investigação judiciaria scientifica merece um lugar
de todos os males que affligem á nossa policia, transfor-
official nas faculdades de direito e em todo o instituto
mando-a num instrumento capaz e digno. As primeiras
scientifico que se destine á educação de homens encarre-
pessoas chamadas a estudar a policia scientifica seriam
gados de effectuar investigações judiciarias. «Será este o
sem duvida as autoridades policiaes, sobretudo os
único meio pelo qual os juristas, os criminalistas, os ma-
agentes de segurança publica, cujo papel consiste em au-
gistrados, os officiaes de policia judiciaria se formem,
xiliar os delegados e os magistrados em suas pesquizas,
não mais segundo os velhos methodos empíricos, mas
formando por assim dizer um traço de união entre a po-
segundo os mais modernos conhecimentos scientificos.
licia e a magistratura. Depois, viriam os futuros magis-
A applicação dos resultados das sciencias modernas ao
trados, juizes e mesmo advogados, que muito teriam a
estudo da criminalidade não se limitou em transformar a
lucrar com o conhecimento dos methodos e processos
concepção da criminalidade, a do homem criminal c a
preconisados pela policia scientifica. Como bem diz
theoria das penas — abordou também tudo o que diz
Reiss: «Não que tenhamos a pretenção de formar espe-
respeito ás investigações judiciarias de qualquer natureza,
cialistas capazes de fazer um exame, segundo todas as
transformando os velhos methodos empíricos em um
regras dá arte, em uma escriptura falsa. O que queremos
verdadeiro systema de pesquizas e de noções scientificas.
é mostrar-lhes o mundo que terão de julgar, inquirir, ou
Couseguiiitemente, a investigação judiciaria cessa — como
defender, em sua carreira futura. Assignalaremos o modo
fez o direito penal ortuodoxo — de viver fora do mundo
de trabalho das diversas espécies de malfeitores, para que
116 117
estejam, desde o começo, aptos a encontrar o caminho advogados possuam noções geraes sobre todas as questões
a seguir para descobrir os culpados. Assignalando-lhes, concernentes á policia scientifica, certos de que, repetimos,
por exemplo, os differentes modos para descobrir as não lhes basta o preparo jurídico para bem encaminhar
falsidades cm escripturas, etc., o futuro juiz ou magis- um processo criminal, mas, que lhes é preciso conhecer os
trado inquiridor estará habilitado a examinar o relatório criminosos e os meios de que se utilizam, saber a impor-
do perito, encarregado por elle de descobrir a verdade. tância de uma impressão digital encontrada num local de
O próprio advogado também tem todo o interesse em crime, não igflorar o valor das peças de convicção, co-
poder seguir o raciocínio do perito especialista e o não nhecer os methodos de identificação judiciaria, etc.; e os
poderá senão conhecendo o principio dos methodos próprios homens d'Estado, legisladores e políticos vão já
indicados pela policia scientiíica. Juizes, magistrados se compenetrando da importância social da policia sci-
inquiridores, advogados, sabem assim se é necessário entifica.
recorrer ao perito e com que probabilidade de êxito. As
noções de policia scientiíica são, pois, muito úteis, ou
melhor, indispensáveis aos futuros homens da lei. Homens
competentes tão bem comprehenderam esse facto, que no
ultimo Congresso de Anthropologia Criminal de Turim,
fizeram votar, pelo Congresso, o desejo de que o ensino
da policia scientifica fizesse d'ora avante parte do pro-
gramma do ensino universitário. Duas universidades ita-
lianas e a nossa adiantaram esse voto. Com cffeito, dêmos
já, sob o titulo de encarregado de curso, um curso de
photographia judiciaria e de policia scientiíica depois do
semestre de verão de 1902. Este annoo nosso governo e
a universidade querendo definitivamente sanccionar o
ensino desta matéria, crearam a cadeira official de pho-
tographia scientifica com applicação ás buscas judiciarias.
Que o nosso ensino seja proveitoso aos nossos futuros
homens de sciencia e juristas ».
Lacassagnc, Bcrtillon, Reiss, Alonghi, Sighelc c
Ottolenghi, Niceforo e Ross, todos emfim são unanimes
em considerar indispensável que os magistrados e os
x
O ensino da policia scientifíca está hoje muito di-
vulgado e, dados os resultados colhidos, estamos certos
de que a sciencia da investigação criminal está destinada
ao mais brilhante futuro, tornando-se cada vez mais uma
disciplina creadora de primeira ordem e produzindo uma
profunda obra de renovação quanto aos processos até
então utilizados na lucta contra o crime.
Além dos cursos especiaes, ella logrou um lugar
official em varias universidades e faculdades eiífopéas,
realizando assim os votos da nova escola penal italiana
que reclamavam, desde muitos annos, a introducção dos
methodos scientificos na investigação judiciaria. Foi
Salvatore Ottolenghi, professor de medicina-legal, quem
primeiro professou um programma completo de policia
scientifica, na Universidade de Sienna, em 1896, curso
que é hoje praticado pelo professor Cavalieri. Nomeado
professor da Universidade de Roma, institue em 1902
uma Escola de Policia Scientifica, que um decreto do
ministro Giolliti tornou official e obrigatória para os
funccionarios da segurança publica e os futuros agentes,
e continua seu curso universitário. O ensino de Salva-
tore Ottolenghi é a única escola completa de policia
120 121
scientifica actualmente existente, e que funcciona como criminal, nos estabelecimentos penitenciários, funccio-
uma clinica criminal junto das prisões romanas. Quer o uando como verdadeiras clinicas do crime. A arte de
curso universitário e quer a escola official têm por fim revelar o criminoso ao funccionario da segurança pu-
essencial o conhecimento do criminoso e o estudo dos bjica sendo fixada, a organização scientifica da policia
melhores meios de investigação. em todas as suas funcções principacs impõe-se natural-
Numa these apresentada ao Congresso Anthropolo- mente, esta só podendo ser baseada, não sobre o empi-
gico de Turim, em 1904, sobre a anthropologia crimi- rismo, mas so"bre princípios positivos indicados pelas
nal e a organização scientifica da policia, Ottolcnghi sciencias cxperimentaes. A policia-deve ser uma orga-
justifica seu programma de ensino. Quando uma policia nização estratégica cujo poder virá da tradição admi-
quer proceder racionalmente, diz elle, em sua funcção nistrativa resultante da continuidade dos processos e
protectora, que é uma lucta interrupta contra as classes dos methodos scientificos.
perigosas á sociedade, deve ser inteiramente organi- Ottolenghi pensa que a base do ensino da policia
zada em sua parte estratégica como em sua parte admi- scientifica e, portanto, da organização policial deve ser
nistrativa pelo conhecimento pratico c scientifico do a cartella biográfica do criminoso, o que nós chamamos
criminoso. Depois que a sciencia mostrou ser o delin- promptuario c o que os francezes denominam dossier,
qüente um ser anormal, com caracteres e hábitos, vícios e que desde 1899 existe na Itália. A cartella biográfica
e defeitos específicos, vivendo num mundo á parte e é um documento instituído não somente com o fim da
movendo-se diversamente dos outros homens, surgiu a identificação somática, mas, também abrangendo ajden-
necessidade de processos especiacs para vigial-o, com- üficação psychica e anamnestica. Registra as notações
batel-o e reconhecei-o. Pode-se discutir ainda hoje a physicas, psychicas e sociaes do delinqüente como as
verdadeira natureza do delinqüente, a existência do typo fichas signaleticas registram as impressões digitaes. As
criminal, a responsabilidade do malfeitor, mas, uma notações physicas (signalamento e signaes particulares)
cousa é incontestável, é a importância dos conheci- são tomadas sobretudo para revelar as notações dege-
mentos novos que fornece a anthropologia criminal nerativas somáticas e psychicas, as vicissitudes da
sobre o organismo, a psyché dos delinqüentes e sobre- existência que muitas vezes manifestam os traços phy-
tudo sobre sua maneira de sentir, pensar, querer, agir, sionomicos, os caracteres somáticos, as cicatrizes, as
odiar c amar. Ora, esses conhecimentos, discriminados tatuagens, etc.; e melhor explicadas pelo delicto com-
em milhares de volumes, deviam ser utilizados sabia- mettido c pelas causas determinantes deste, pelo meio em
mente na pratica e tornados accessiveis aos funccio- que vive, etc. São notadas ainda, na cartella, as doenças
narios policiaes, mas adquiridos directamente por me- soffridas, as condemnações e processos anteriores, as
thodos racionaes da biologia e da clinica do próprio principaes faltas da existência, as relações de família, etc.
122 123
As cadernetas biographicas, assim organizadas, formarão os alumnos, depois de alguns mezes, manejam um D.
archivos que constituirão a verdadeira força viva estra- K. V., podem reconhecer um detido entre mil outros,
tégica do serviço da policia. Finalmente, a cartella é com o auxilio da ficha, e sabem redigir uma ficha signa-
para o funccionario de policia o que a observação clinica lectica, classificai-a e procural-a rapidamente.
é para o medico dos hospitaes. Estas lições, inteiramente praticas, permittem ao
Ottolenghi faz figurar no programma da Escola, de alumno, e de uma maneira rigorosa, o conhecimento da
Policia Scientifica de Roma a identificação judiciaria (for- identificação judiciaria. No fim do anno, depois de uma
mada pelo retrato falado de Ottolenghi, a photographia prova pratica, é passado um diploma de capacidade, que
signalectica de Ellero e a daclyloscopia de Gasti) e a permitte eliminar os inaptos.
identificação psychica, anamnestica e especifica. Os Moquin, o director geral das buscas, explica o meca-
alumnos são postos ao corrente das doutrinas italianas nismo da prefeitura de policia e faz conhecer os serviços
sobre as differentes classes de criminosos e sobre o gráo de segurança publica. Hamard ensina como opera nas
de temibilidade destes. investigações concernentes aos crimes de homicídio e de
Ha, além do ensino puramente pratico, um ensino roubo, mostrando os instrumentos de que se servem os
theorico concernente á constituição das cadernetas bio- malfeitores, indicando seus processos e suas artimanhas,
graphicas . O programma desse curso vem schemado na revelando os mil trucs dos apaches, cambrioleurs e es-
obra intitulada Polizia Scientifica. Ottolenghi é um crocs. Court explica como se faz o policiamento das
mestre de reputação universal, considerado um creador casas mobiliadas. Guichard ensina os processos crimi-
dessa transformação Scientifica da investigação judiciaria, nosos de que se utilizam os anarchistas.
e a sua obra é por todos os títulos notável. Loubiére mostra como procedem certos malfeitores,
Alphonse Bertillon fundou na direcção do serviço de que têm a especialidade do jogo, para extorquir dinheiro
identificação de Paris cursos scientificos para a educação aos incautos e faz conhecer o calão de certas classes de
dos oíficiaes de policia judiciaria e dos magistrados. criminosos. Por fim, Bertillon descreve o mecanismo da
O plano destes estudos não é systematíco, mas, anthropometria e da photographia métrica, sem falar
tem uma grande conveniência o ensino dado aos funccio- no estudo da maneira de descobrir, analysar e classificar
narios policiaes, commissarios, inspectores e agentes e as impressões digito-palmares, etc., e 110 ensino da me-
aos futuros magistrados, é pratico. As lições de retrato thodologia criminal.
íàlado, que é a descripção physica do indivíduo por Este curso, instituído pelo prefeito Lepine em 6 de
meio de signaes convencionaes, são dadas por Payen março de 1905, com numerosos exercícios práticos, ver-
que, para isto, se serve de figuras schematicas e de pho- dadeira lição de cousas, tem lugar nos mezes de outubro
tographias, quando não opera sobre o vivo. Facilmente, e de novembro. Os resultados obtidos são esplendidos.
124 125
O numero de diplomas passados aos agentes de segu- Alfredo Niceforo, de quem tantas vezes temos falado
rança publica, aos addidos do Ministério da Justiça e aos nos capítulos anteriores, fez incluir no programma da
candidatos a cargos policiaes, são hoje sem conta. Além sua cadeira de criminologia da Faculdade de Direito
disto, os cursos tem sido freqüentados por vários es- um curso de policia scientifica, e o qual resumiu na obra,
trangeiros, enviados especialmente por seus governos, recentemente publicada, sobre a Policia e a Investigação
e entre estes, citamos: Juan Petet, medico legista em Judiciaria Scientificas, concepção que foi approvada por
Valença (curso completo, e especialmente anthropometria, Lombrosoj LacasSagne, Fcrri, Sergi, etc. A titulo de
photographia signaletica e photographia métrica, de 24 curiosidade, damos aqui o programma organizado por
de abril a 24 de maio de 1900); Scipio Sighele, pro- Niceforo:
fessor de direito penal em Florença (curso de retrato «Inspecçao do lugar do crime, processo verbal, plano
falado, photographia métrica e mensuração anthropo- photographico, photographia, photographia métrica.
metrica, de 27 de março a 10 de abril de 1908); Ignacio Inspecçao do cadáver, processo verbal, plano photo-
Legasa Herrera, commissario de policia, chefe das in- graphico, photographia, stereophotographia, posição,
vestigações de Maclrid ; Manuel Dias Guerra, sub-cheíe contusões, manchas, echimoses, etc.
de secção, inspector de policia em Madrid; Joaquim Signaes reveladores (marcas), pés descalços; como
Vivo Soler, advogado, secretario de policia de Barcelona; se conservam os vestígios de pés descalços, qual a sua
Ramon Pineda Estrella, inspector de policia, sub-chefe significação, como se os comparam. Idem para os pés cal-
de secção em Barcelona; Sureya Bey, commissario de çados.
policia, inspector geral da policia de Constantinopla; Signaes reveladores (marcas), mãos e dedos; como
Veiss, commissario de policia criminal em Berlim; Persifor se os conservam, como se os estudam, como se os com-
Fraser, professor no Instituto Franklin, em Philadelphia; param ; sua significação. Idem para os signaes dos dentes
e Borgherofr, sub-chefe de secção do Ministério da e de unhas.
Justiça de Bruxellas. Isto mostra o grande interesse que Signaes invisíveis no lugar do crime, no cadáver e
vão tomando os governos pela questão. nos objectos; como se procede para que elles appareçam ;
Ha em Lausanne dous cursos de policia. Reiss os reactivos, a photographia, a lente, o microscópio.
professa na Faculdade das Sciencias uma cadeira de Exame dos documentos e dos objectos falsos.
policia scientifica. Reiss é autor de duas obras impor- Signaes reveladores (manchas); como se as pro-
tantes sobre a Photographia Judiciaria e o Retrato curam, como se as conservam, como se as estudam; qual
Falado. Mantém ainda um museu de policia scientifica a sua significação.
que dia a dia se enriquece com peças preciosas referentes Signaes diversos, corpos de delicto, objectos rela-
ao mundo dos criminosos e á identificação criminal. tivos ao crime, peças de roupa, etc.
126 127
Provas de identidade estudadas, quer nos vivos, sendo fácil aperceber-se a gente como o autor vae reu-
quer nos cadáveres, marcas profissionaes, tatuagens, nindo por toda a parte os elementos offèrecidos ao leitor,
dentes, gengivas, lóbulos, cicatrizes, etc. sem os ter purificado através do cadinho de uma critica
O assignalamento scientifico, ficha anthropometrica, $evera » .
retrato falado, álbum de verificações. • Além de Gross, sob a direcção dos professores Windt
Estado dos cadáveres dos desconhecidos. O methodo e Kodícek, os agentes de policia aprendem os methodos
na investigação judiciaria; methodo* da lógica, hypo- anthropometricesc dactyloscopicosde identificação.
theses, etc. A policia judiciaria e as noções da crimino- O ministro cfa justiça hespanhol, em março de 1903,
logia.» instituiu, por Decreto, em Madrid, a Escuda de Crimi-
O ensino da criminalística dos estudantes de direito nología, para os empregados e guardas das prisões, onde, a
da Universidade allemã de Praga, por Hans Gross, é um par dos problemas criminalisticos, estudam-se as questões
dos mais antigos e dos mais reputados. Gross foi um referentes á identidade, havendo ainda em Valença
dos primeiros a falar da applicação de certos dados sci- uma escola de anthropomctria e em Madrid um curso
entificos para auxiliar a policia nas suas investigações. especial de policia dirigido pelo professor Olorin. As
Gross é autor de um manual de instrucção criminal. No matérias ensinadas na Escola de Criminologia são as se-
dizer de Boucher : « A obra de Gross tem o grande mé- guintes:
rito de chamar a attenção para uma serie de pequenos i°. Direito penal hespanhol e comparado e legislação
factos scientificos, tão valiosos para o juiz de instrucção penitenciaria comparada;
como para o agente de policia. Elle indica a necessidade 2°. Sciencia penitenciaria, comprehendendo:
da organização e do ensino da policia scientifica; assignala a] Systemas penitenciários;
todo o proveito que é dado tirar da photographia, em b] Substitutivos preventivos de toda espécie: a pro-
matéria judiciaria; esforça-se por adquirir um systema de tecção e o sentimento moderno da funcção penal;
conhecimentos profundos sobre os criminosos, o seu gê- c] Patronato dos criminosos: fôrmas que elle recebe
nero de vida, o seu modo de trabalho; delineia, emfim, nos paizes civilizados; instituições penitenciárias, insti-
um estudo experimental das pegadas e das impressões tuições destinadas á regeneração das crianças e dos
em geral. A Hans Gross pertence o mérito inquestionável adultos; colônias; organização e resultados nos diversos
de haver procurado alargar as fronteiras da policia scienti- paizes ; estatísticas.
fica •; mas, não obstante esse titulo de gloriada sua obra, 3°. Anthropologia e anthropometria; anthropologia
devemos reconhecer que ella encerra numerosos erros, criminal; psychologia normal e psychologia dos anor-
que em muitos factos se observa ausência da precisão maes; pedagogia geral e correccional; criminologia e
scientiíica indispensável para estabelecer um methodo, estatística da criminologia comparada.
128
129
Os trabalhos theoricos de algumas matérias são
acompanhados de exercícios práticos. O Decreto estabe- de investigação criminal, suas attribuições e serviços no
estrangeiro.
lece que a escola especial de criminologia, sem prejuízo
de seu fim principal, poderá ser utilizada como annexa g 2°. Além dessa instrucção, os agentes serão obrigados
complemento ao ensino das outras faculdades e escol&s à,comparecer no Gabinete de Identificação para receberem
profissionaes, para o que concerne á especialização dos o ensino da filiação morphologia e de exame descriptivo.
conhecimentos criminologicos. < O Regulamento não foi até hoje cumprido, e até agora
Por ultimo, citaremos, na Allemánha a Escola de nada se íez em íàvor da educação dos nossos agentes. A
Criminologia de Hanovre e o curso pratico para os instrucção que o Gabinete de Identificação é obrigado
agentes identificadores dirigido por M. von Meerscheidt- a ministrar, ampliada e completada, poderia servir de
Hüllessem, chefe do serviço de identificação do Polisei- base a um curso especial de policia. Ainda na adminis-
Prásidiun de Berlim; em Londres o curso de Henry ; em tração Alfredo Pinto creou-se uma Escola Profissional,
Copenhague o de Géell; em Christiania o de Daae; em mas que absolutamente estava longe de dispensar ao
Bukarest o de Minovici; em Liège o de Corin e Stockis; agente os conhecimentos de que necessita para melhor
e em Bruxellas o de Laveleye. desempenho de suas funcçoes. Não cogitava ella senão
No Brazil ha alguma cousa neste sentido, mas que da instrucção sobre o Código Penal e sobre o ensino da
infelizmente não passou de uma mera disposição de Re- tomada de impressões digitaes, que não é a dactyloscopia
gulamento. A reforma de 3 de março de 1907 cogitou do nas suas varias applicações. No programma não havia
preparo technico dos nossos agentes no que se refere ao uma referencia ás mil questões que se referem á policia
signalamento anthropomctrico, retrato falado. De facto o scientifica. Não passou de uma vã tentativa.
art. 219 do Regulamento em vigor dizia : O que ha mister, entre nós, é a creação de um curso
O inspectoré obrigado a instruir o pessoal subalterno, de policia scientifica systematico e obrigatório, e sem isto
uma vez por semana, durante uma hora e sem prejuízo do nunca teremos adiantado um passo em matéria de inves-
tigação criminal, não sendo possível mais hoje em dia no
serviço.
estado de cultura e de civilização a que chegamos, per-
i». A instrucção será limitada ao ensino elementar
deste Regulamento; dos delictos'previstos no Código Pe- mittir que a mentalidade dos nossos funccionarios poli-
ciaes seja inferior á mentalidade dos nossos criminosos.
nal; das leis e regulamentos muuicipaes que dependem da
A nossa situação é lamentável. Sem querermos insistir
policia para serem fielmente executados; de exercícios
neste assumpto, já discutido e explanado em capítulos
práticos que façam comprehcnder ao agente o modo de
anteriores, procuraremos agora, nestas paginas finaes,
proceder nas differentes occasiôes em que seja necessária
indicar os meios capazes de abreviar a solução do pro-
a sua intervenção; finalmente, da organização do corpo
blema da incompetência technica da nossa policia. A
8389 9-
131
130
A escola de policia teria por fim principal pôr ao
primeira idéa seria pugnar pela cultura especial que aos
alcance dos nossos agentes actuaes e futuros agentes, (e
futuros delegados deviam ministrar as escolas de direito
até dos commissarios, guardas civis e pessoal interno das
preparando no bacharel em leis o perito policial,, o investi-
prisões) os conhecimentos práticos e as noções scientificas
gador criminal. Só assim, estabelecendo annexo á cadei/a
4ue requer sua difficil missão.
de direito penal um curso de policia sientifica, poderiam
O programma dos estudos, nas suas linhas geraes,
elles tornar-se aptos ás funcçóes policiaes e de que são
consistiria nas seguintes matérias, desde que se pretenda
investidos actualmente sem terem anteriormente *provado
organizar o curso como elle deve ser, completo e dividido
competência, e desta maneira nada mais faríamos que se-
em duas ou mais cadeiras, como melhor fosse :
guir o exemplo de outros paizes. O ensino da policia scien-
tifica organizado nas nossas faculdades, com o ser simples
e pouco oneroso, seria uma medida de alcance superior.
Não nutrimos, porém, illusão a este respeito. A propa-
POLÍTICA CRIMINAL
ganda já feita neste sentido não logrará tão cedo seus
fins. E no emtanto, tal medida viria representar um i°. Sociologia Criminal (noções geraes): causas ge-
serviço assignalado á causa da Justiça e em particular á raes da criminalidade; classificação dos typos criminosos;
pratica policial no Brazil. psychologia dos delinqüentes e seu gráo de temibilidade ;
Não sendo possivel, no momento, estabelecer, no orthopedia moral e pedagógica correccional.
programma das nossas faculdades de direito, o ensino 2°. Código penal brasileiro (instruccão elementar) e
desta disciplina, como reclamam para todas as escolas regulamentos policiaes.
Lacassagne, Ferri, Sergi, Ross, Ottolenghi, Niceforo, 3°. Sciencia e legislação penitenciaria vigente (obriga-
etc., resta procurar um outro recurso, capaz de sanar tório para o pessoal interno das prisões).
males maiores. Como as leis não valem senão pela ap-
plicação intelligente que têm, e o Regulamento vigente II
que organizou os nossos serviços policiaes possue dispo-
sitivos concernentes á matéria, como vimos atraz, pôde POLICIA SCIENTIFICA
esta falta ser corrigida.
i°. Investigação criminal : a applicação dos conhe-
Valorizando o Regulamento, por um sincero em-
cimentos, regras, methodos e processos scientificos aos
penho pela educação techni.cados nossos agentes, facilitada
exames de procasso criminal, destinados a estabelecer a
e acatada como se lhe deve, poderemos realizar aquillo
identidade de uma pessoa e determinar a parte que um
que em muitos paizes se pratica com successo, estabele-
indivíduo ou um objecto tomou num facto delictuoso.
cendo uma escola de policia.
132 133
2°. A sociedade dos malfeitores: conhecimento do mo- parte importante. Por fim, os agentes aprenderíamos
do de trabalho das varias categorias de criminosos, seus processos scientificos para examinar documentos falsi-
hábitos e seus costumes, seu argoi, etc., e arte do disfarce. ficados, reconstruir papeis queimados ou destruídos,
3°. Os methodos de identificação judiciaria: a an<. procurar e estudar as peças dê convicção, etc.
thropometria e a dactyloscopia. ' O ensino será antes de tudo pratico e .alguns cursos
4°. O retrato falado : filiação morphologica e exame funccionarão com um laboratório de trabalho e um museu
descriptivo. ' <• onde se, encontre reunido tudo o que diz respeito ao
5°. A photographia judiciaria e suas múltiplas ap- estudo da matéria. No laboratório e no museu encontrar-
plicaçoes na investigação criminal. se-ão os trabalhos graphicos e explicativos, as photogra-
6°. Theoria e pratica do policiamento (obrigatório phias de toda espécie, os instrumentos do crime, os
para os guardas civis). modelos e mappas demonstrativos, o material anatômico,
7°. Technica dos armamentos e os principaes meios os corpos de delicto, os indícios de qualquer gênero, os
de defesa corporal. objectos e os documentos referentes à inspecção do lugar
O fim principal é apparelhar convenientemente o do crime e do cadáver, á identidade da victima, etc. Gra-
agente para o desempenho de suas árduas e difficeis func- ças a este material variado, o interessado se instruiria de
ções, eflsj^fndo-lhe a technica policial moderna decor- um modo pratico e experimental. Outros funccionarão
rente dós estudos da sociologia criminal e mostrando o juntos ás prisões como verdadeiras clinicas crmíiaaes.
que é o mundo dos malfeitores, e da maneira 'mais clara A investigação criminal converter-se-á, nos cursos
e pratica, sem preoccupações de escola e nem tontas dis- da escola de policia, num estudo positivo, experimental,
cussões scientificas. pratico, ella, realmente, nada mais sendo que uma ver-
A base destes estudos será, não ha duvida, o retrato dadeira sciencia natural ao serviço da Justiça e da Ver-
falado, a anthropometria, a dactyloscopia e a descripção dade.
dos signaes particulares, etc.
Depois, vem o ensino detalhado do papel que repre-
sentam as impressões digitaes, as'pegadas, etc., na des-
coberta dos crimes e do modo de inspecção do local do
crime e do eadaver, etc. Em seguida, viria o estudo da
photographia judiciaria, que desempenha um papel emi-
nente nas investigações 'criminaes. O conhecimento do
mundo dos criminosos, seus methodos e seus instrumen-
tos de trabalho, seus calões e seus hábitos, seria a outra
— Rio de Janeiro — Imprensa Nacipnal — 1910