Sociedade e Escravidão No Século XIX. Crianças Escravas em Uberaba 1871-1888
Sociedade e Escravidão No Século XIX. Crianças Escravas em Uberaba 1871-1888
Sociedade e Escravidão No Século XIX. Crianças Escravas em Uberaba 1871-1888
UBERLÂNDIA/MG
2013
JÚLIO CÉSAR DE SOUZA
SOCIEDADE E ESCRAVIDÃO NO
NO SÉCULO XIX: CRIANÇAS
ESCRAVAS EM UBERABA - 1871-
1871-1888
UBERLÂNDIA/MG
2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CDU: 930
JÚLIO CÉSAR DE SOUZA
Banca Examinadora:
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
CONSIDERAÇÕES ..................................................................................................... 69
FONTES ........................................................................................................................ 72
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 73
INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa foi investigar a vida das crianças, filhas livres de pais
escravos, que viveram em Uberaba no século XIX, particularmente no período
compreendido entre 1871 a 1888.
O recorte temporal foi estabelecido devido à aprovação da lei nº 2040, a Lei
Barão do Rio Branco, mais conhecida como Lei do Ventre Livre, sancionada em 28 de
setembro de 1871, que estabeleceu, desde então que os filhos de escravas nasceriam
livres. Naquele momento, podemos observar que o Ventre Livre combinado com a
extinção do tráfico de africanos há duas décadas, representou, de certo modo, um golpe
certeiro no escravismo brasileiro, consignado tempos depois, em 1888, pela Abolição
legal da escravidão no Brasil.
A promulgação desta lei é de suma importância para o estabelecimento das
nossas análises. Afinal: “A lei do Ventre Livre, ainda que “imperfeita”, “incompleta”,
“injusta” e até “absurda” modificou as relações sociais entre escravizados e
escravocratas na sociedade brasileira” (PORTELA, 2012, p. 15).
Por mais que a lei permitisse a utilização de artimanhas que possibilitavam
retardar seu cumprimento, ela rompeu com a “alimentação” do sistema escravista no
país. E trouxe um novo horizonte para os anseios de liberdade da população cativa.
Segundo Chalhoub (2003), Nabuco acreditava que a Lei do Ventre Livre havia
produzido “moldes sociais” e consequentemente surgiram “novos tipos humanos”.
Logo, os filhos de escravos após 28 de setembro de 1871 constituíram uma nova
camada social, as crianças negras livres, pois elas transitavam socialmente pelos status
de escravizados, de libertos e de livres (PORTELA, 2012).
Chalhoub (2003) afirma que a expressão mais utilizada nas documentações
oficiais era “filhos livres de mulher escrava”, porém, mesmo nesses documentos era
comum encontrar o termo “ingênuo”. Este fato pode indicar a resistência em mencionar
que os filhos dos escravos nascidos após a Lei nº 2.040 eram livres.
O termo “ingênuo”, como podemos observar, aparece também na Constituição
do Brasil Imperial de 1824, mais especificamente no artigo sexto:
1
Ao longo do século XIX alguns núcleos urbanos foram se emancipando. Podemos destacar, entre outros,
os municípios de Prata, Monte Alegre de Minas, Frutal e Uberlândia.
14
2
Desemboque foi um importante núcleo urbano no século XVIII destacando-se pelas suas atividades
mineradoras. Está situado “ao pé” da Serra da Canastra, pertencendo, atualmente, ao município de
Sacramento.
15
3
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia foram instituídas em 1707 e trouxe
obrigatoriedade e normas que nortearam os registros eclesiásticos no Brasil.
20
Como crítica aos estudos formulados por Freyre em Casa Grande e Senzala
sobre a relação entre os senhores e escravos, surgiu na década de 1960 estudos
formulados por autores como Florestan Fernandes, Emília Viotti da Costa, Roger
Bastide, entre outros, questionando a “docilidade” e harmonia das relações entre os
escravos e seus proprietários. Nas suas visões, acreditava-se que os negros não eram
somente vítimas, mas também culpados pela situação em que se encontravam, na qual a
desigualdade e a exploração eram justificáveis. A crítica à obra de Freyre girava em
torno da chamada criação do “mito da democracia racial no Brasil”. Nesse sentido,
como afirma Rocha:
novos conceitos. Como nos aponta Hall (2006) novas correntes de pensamento estão
sendo formuladas, não só nos estudos historiográficos, mas também nas demais
pesquisas em ciências humanas. Segundo ele:
Desse modo, Lara nos chama a atenção para uma crítica, aquela que já
mencionamos, sobre algumas abordagens4 sobre a escravidão brasileira, que ora dão
ênfase no escravo como um ser passivo, promíscuo, coisificado, sem laços familiares
entre si, uma raça inferior; ora percebe uma ampla dominação senhorial marcada pela
violência. Assim:
Nesse sentido, esse argumento nos remete ao que Emília Viotti da Costa (1994)
chama de “dialética invertida”, na qual nos deixa perceber certa preocupação com as
novas tendências de estudos historiográficos e a revisitação de velhos objetos. A crítica
ao reducionismo econômico tem levado a outros reducionismos como o cultural e o
linguístico. De certo modo, tais reflexões propostas nos permitem pensar sobre o
problema criado por abordagens extremistas. Afinal, uma abordagem relacional que se
apresenta como uma tendência, até então pouco utilizada, nos permite atentar para a
perspectiva com que os sujeitos devem ser observados. Neste sentido, nos inspiramos na
perspectiva de análise utilizada por Thompson (2008), quando o autor abordou as
relações entre a gentry e a plebe, e percebeu alguns elementos que demonstraram que os
sujeitos aproveitaram das relações mútuas entre as partes, caracterizando assim uma
visão paternalista. De modo que, a reciprocidade existiu entre estas esferas sociais
antagônicas, o que não implica influências nas mesmas proporções. O que irá ficar mais
bem exemplificado com as concessões nos atos de doações pela gentry, enxergadas
como conquistas pela plebe.
4
Essas abordagens foram apontadas anteriormente ao analisarmos as contribuições dos seguintes autores
para os estudos sobre a historiografia brasileira sobre a escravidão: FERNANDES, Florestan. A
integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: EDUSP, 1965; COSTA, Emília Viotti da. Da
senzala à colônia. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda., 1982; FREYRE, Gilberto. Casa
Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. 49. ed. São
Paulo: Global, 2004.
26
Podemos perceber na grande parte dos estudos atuais sobre famílias escravas,
uma contraposição a alguns estudos que destacaram a inviabilidade da formação de
laços de família entre os negros no cativeiro.5 Seja no Brasil ou mesmo nos Estados
5
Reflexões sobre essa temática podem ser encontradas nas obras dos seguintes autores: ROCHA,
Cristiany Miranda. Histórias de famílias escravas: Campinas, século XIX. Campinas: Editora da
Unicamp, 2004; RIBEIRO JÚNIOR, Florisvaldo Paulo. “De batuques e trabalhos” – Resistência negra
e a experiência do cativeiro – Uberaba, 1856/1901. Dissertação de mestrado em História. PUC: São
Paulo, 2001.
29
6
Essas observações feitas por ROCHA (2004) foram elaboradas nas suas análises das obras de Eugene D.
Genovese e Hebert Gutman.
7
Podemos mencionar a contribuição da obra de SLENES, Robert W. Na Senzala uma Flor. Esperanças
e Recordações na Formação da Família Escrava: Brasil sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999, para a renovação historiográfica sobre os estudos das famílias escravas.
30
fixação desses pais na propriedade, ou seja, fazer com que esses cativos permaneçam na
execução das tarefas diárias.
A concessão de liberdade aos filhos dos escravos representava a possibilidade de
continuação do domínio senhorial. E por mais que se acredite na ausência de laços
familiares nas senzalas, os registros de venda de escravos que demonstraram a não
separação das famílias, não são poucos na cidade.
Após a Criação da lei do Ventre Livre em 1871, a presença de crianças escravas
nos inventários quase deixa de existir. O medo, entre os escravos, da separação do
grupo familiar por venda ou mesmo por herança era muito grande. Em 1869, o decreto
imperial nº 1.695 proibia a separação de famílias escravas na venda. Porém, o medo da
separação ainda continuou vivo entre os cativos. A instabilidade marcava as famílias
escravas. E esse sentimento de instabilidade, junto das efetivas separações, marcou os
conflitos entre senhores e escravos.
A constituição de famílias entre os escravos poderia possibilitar e representar
uma melhoria nas suas condições materiais de vida, bem como gozo de privilégios e
diferenciação do restante do grupo de escravos da propriedade. O usufruto desses
privilégios aumentava a possibilidade do acesso à liberdade.
Retomando ao estudo de Ribeiro Júnior (2001), podemos observar que os
casamentos formalizados eram pequenos, entretanto percebe-se a existência de relações
consensuais. O autor acredita que a família cativa possibilitou aos libertos ou cativos,
uma organização social, uma maior visibilidade, permitindo entre eles maiores
aproximações baseadas nos interesses, gostos e objetivos. Essa observação é muito
semelhante às conclusões a que chegaram tanto Rocha (2004), quanto Slenes (1999) em
Campinas.
As evidências de que existiram famílias escravas em Uberaba podem também
ser vistas em outras obras que não privilegiaram a escravidão como o seu foco central.
Segundo Rezende: “Em Uberaba, um próspero fazendeiro possuía nesse período, entre
10 a 15 escravos, sendo que alguns chegavam a possuir de 20 a 25 escravos
(REZENDE, 1992, p. 54)”. Num plantel de escravos considerável como a autora nos
aponta, podemos inferir que nas senzalas desses proprietários, a existência de laços de
família entre os cativos fosse bem provável. Ainda mais se pensarmos que a partir de
1850, a Lei Euzébio de Queiróz aboliu o tráfico de escravos para o Brasil, fazendo com
33
que a migração interna entre as províncias fosse estimulada, juntamente com o cenário
econômico agroexportador. Ainda havia na reprodução natural do plantel, não só uma
continuidade da existência de mão-de-obra escrava, como também um estímulo para a
constituição desses laços dentro das senzalas. Entretanto, os laços familiares
estabelecidos pelos cativos extrapolaram as suas propriedades, e era provável de se
encontrar a união entre escravos de fazendas distintas.
Libby (1988), reinterpretando os dados censitários de 1872-1873 para Minas
Gerais, encontrou a existência de proprietários com mais de 30 escravos na região.
Entretanto, a grande maioria dos proprietários possuía até 10 escravos. A média de
escravos por proprietário girava em torno de 6,4.
A maioria da população escrava vivendo no Triângulo Mineiro, encontrou-se
dividida pelas pequenas e médias propriedades. Ao contrário dos grandes proprietários,
a maioria possuiu entre um a cinco cativos. Isso não impossibilitou a existência de laços
familiares entre os cativos. Outro fato que, diferentemente, pode ter contribuído para a
constituição desses laços foi o equilíbrio entre os sexos dos cativos, durante grande
parte da escravidão em Uberaba (GOMES, 2004). Ao posto que o tráfico internacional
já estivesse proibido, esse equilíbrio entre os escravos pode ser explicado não só pelo
tráfico interprovincial, como também pela reprodução natural da escravaria, reforçando
a existência de famílias escravas no município. Outra contribuição para a formação de
famílias escravas, segundo Gomes (2004), é o tipo de economia que existiu em
Uberaba, uma vez que uma economia voltada para a criação de gado e agricultura de
subsistência necessitava de trabalhos mais “amenos”, se comparado com outros tipos de
economia, sobretudo em áreas de mineração.
Em Uberaba, num primeiro momento, de acordo com Ribeiro Júnior (2001),
podemos perceber uma grande diminuição na presença de crianças nos inventários, com
a aplicação das leis citadas. Gomes (2004), num trabalho demográfico sobre a
escravidão em Uberaba observa uma queda na população cativa no período analisado.
Ela acredita na Lei do Ventre Livre como a principal responsável por essa diminuição
no plantel cativo da cidade. Segundo a autora:
(...) sabe-se que essa lei afetou a manutenção dos plantéis de escravos,
que antes da norma era realizada por meio da reprodução natural dos
cativos. Ademais, com a outorga dessa lei, todos os filhos de escravas
34
1850 - 1859 15
1860 - 1869 72
1870 - 1879 38
1880 - 1888 25
Fonte: APU. Arquivo Público de Uberaba. Registros de Batizados - Catedral do Sagrado Coração de
Jesus - 1871 - 1888.
são escassos, configurando importantes lacunas entre as datas dos registros, apontando
que muitos registros foram perdidos. Porém, percebe-se também uma similaridade na
quantidade de registros. A partir da década de 60 a diferença entre a quantidade de
registros vai se acentuando, culminando na década de 80 com uma amostragem
significante, evidenciando uma grande quantidade de registros de batismos de filhos
naturais.
Portela (2012) ao investigar registros de batismos em São Paulo nas décadas de
1870 e 1880 chega a conclusão semelhante de que a maioria dos registros apresentaram
filhos ilegítimos.
Essa característica nos permite refletir sobre o papel das legislações de 1869 e de
1871(o decreto imperial nº 5.135 e a Lei do Ventre Livre, respectivamente) para a
configuração desse cenário. E, mais ainda, perceber que ao longo das décadas na região,
proporcionalmente, nasciam um número menor de crianças legítimas. Afinal, o registro
de batismo representava o nascimento de crianças, agregando um caráter não só
religioso, mas também civil, que após 1871 recebeu uma maior importância jurídica.
Os batismos de crianças escravas nos permitem comprovar a existência de
famílias escravas na região, e ainda, nos levam a perceber a presença de núcleos
familiares com características distintas. Segundo Scarano (2004) o batismo de crianças
negras, tanto escravas, quantos forras, era indispensável até os sete anos. O batismo era
um dos rituais mais importantes na sociedade brasileira:
Profissão Nº de registros
Campeiro 2
Carpinteiro 1
Cozinheira 123
Jornaleiro 2
Lavrador 6
Pedreiro 1
Serviços/Trabalhos Domésticos 5
Fonte: APU – Registros de Batismos – 1840 a 1888. Uberaba
escravo de origem africana e a mãe era possivelmente nascida no Brasil, visto que não
há a indicação de sua origem. Soares (1998) ao pesquisar a origem dos escravos e seus
familiares batizados no Rio de Janeiro setecentista afirma que:
de Martinho Moreira da Silva e Quintiliana Crioula. Apesar do registro não deixar claro,
podemos acreditar que o seu pai era livre ou liberto, visto que possuía sobrenome que
indicava este “status”. Há registros que nos permitem visualizar estas informações,
como o registro de batismo de Maria, em 10 de fevereiro de 1864. Ela era filha de
Pedro, liberto, e de Carolina, escrava de Felício José Baptista. Já Paulina, batizada em
23 de junho de 1873, era filha legítima de José Crioulo, já falecido, e de Carolina.
Portanto, a criança era órfã de pai, por conseguinte, a sua mãe era uma escrava viúva.
A criança Henriqueta foi batizada em 25 de janeiro de 1885 e teve como
padrinhos o Alferes Antônio Carilho de Castro e Dona Maria Bernardes da Silveira.
Henriqueta era filha natural de Romualda Crioula, cozinheira, porém já falecida. Consta
no registro que os seus proprietários eram Francisco Thomas da Costa e Dona Maria
Bernardes da Silveira. O registro chama a atenção para o fato de que a criança havia
nascido após a Lei do Ventre Livre, portanto, não possuía proprietários. Entretanto, o
caso era diferente, pois a menina era órfã, o que pode ter motivado o apadrinhamento
por Dona Maria Bernardes da Silveira, que era a proprietária de sua mãe. Podemos
acreditar que a mãe da criança tenha falecido durante o parto, ou logo após o
nascimento da filha. Entretanto, o registro não traz esta informação. Apenas, sabemos
que a criança estava sendo batizada com 6 meses de idade. Porém, podemos ainda
acreditar que os laços afetivos, entre a criança e a proprietária de sua mãe, podem ter
possibilitado a essa criança uma vida distante da senzala. Afinal:
Origem Nº de registros
África 3
Arraial de Mato Grosso 1
Arraial Novo do Carmo da Parahyba 1
Dores de Santa Juliana 1
Freguesia de Araxá 1
Freguesia de Bagagem 1
Freguesia de Bambhuy 1
Freguesia de Nossa Senhora das Dores do Campo Formoso 2
Freguesia de Patrocínio 1
45
Freguesia de Sacramento 1
Freguesia de Santo Antônio de Tiros 1
Freguesia de São Francisco de Chagas do Garimpo Grande 1
Freguesia de São João da Glória 1
Freguesia de Uberaba 10
Freguesia do Carmo do Rio Claro 1
Freguesia do Desemboque 2
Freguesia do Rio Verde das Abobras 1
Paracatu 1
Pinhuhy 1
São Pedro de Uberabinha 3
Fonte: APU – Registros de Casamentos – 1884 a 1888. Uberaba
explicada pelas lacunas na documentação, que em sua grande parte estão inacessíveis
dentro dos arquivos paroquiais da região.
Os dados expostos na tabela 7 nos permitem verificar uma situação no Arraial de
Campo Belo que difere do que foi encontrado na região de Uberaba. No Arraial de
Campo Belo, os registros de batismos de filhos legítimos superaram os registros de
filhos naturais. O que significa que naquela região, a maioria das crianças batizadas
nesse período era fruto de uniões consagradas pela Igreja Católica. Porém, esses
registros apresentam dados da década de 30 à 60 do século XIX, e nesse mesmo período
em Uberaba, houve certo equilíbrio entre a quantidade de registros de batismos de filhos
legítimos e naturais. Foi na década de 60 que os dados relativos à região uberabense,
demonstram um aumento do número de registros de batismos de filhos naturais. Do
mesmo modo como afirmamos antes, o estudo de Portela (2012) apresentou resultado
semelhante ao que encontramos em Uberaba.
Escravos Nº de registros
Legítimo 254
Natural 162
Sem identificação 42
Fonte: SANTOS, Túlio Andrade dos; FERREIRA FILHO, Aurelino José. Famílias Cativas no Pontal do
Triângulo Mineiro – MG: registros de batismo e matrimônio de escravos no antigo Arraial de Campo
Belo, 1835-1875. In: Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí – 2011. Disponível
em <http://www.congressohistoriajatai.org/anais2011/link%2067.pdf>. Acesso em 20/05/2012.
Origem Nº de registros
Casais de africanos 02
Casais de crioulos 05
Casais mistos (africanos ou crioulos) 02
Sem identificação 19
Fonte: SANTOS, Túlio Andrade dos; FERREIRA FILHO, Aurelino José. Famílias Cativas no Pontal do
Triângulo Mineiro – MG: registros de batismo e matrimônio de escravos no antigo Arraial de Campo
Belo, 1835-1875. In: Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí – 2011. Disponível
em <http://www.congressohistoriajatai.org/anais2011/link%2067.pdf>. Acesso em 20/05/2012.
0 a 10 11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 a 70 71 a 80
anos
Escravos 71 60 61 45 25 12 4 3
Escravas 57 45 42 36 17 13 5 1
51
Fonte: LOURENÇO, Luís Augusto Bustamante. Das Fronteiras do Império ao Coração da República:
o Território do Triângulo Mineiro na Transição para a Formação Sócio-Espacial Capitalista na Segunda
Metade do Século XIX. Tese de Doutorado em Geografia Humana. USP: São Paulo, 2007
Podemos perceber nos dados, que contemplam apenas a década de 60, que a
maior proporção da faixa etária se encontrava entre as crianças8. Os meninos
representavam cerca de 25,27 % entre o total de escravos, enquanto que as meninas
representavam 26,39% entre o total de escravas. Estes sujeitos, privilegiados nesta
pesquisa, representam uma parcela significativa da população cativa da região.
Após visualizarmos o cenário em que as crianças, filhas de escravos, viviam,
vamos tentar reconstituir alguns fragmentos encontrados em um processo criminal do
APU.
Tentaremos reconstituir algumas cenas do cotidiano escravo vivenciado por duas
crianças no Triângulo Mineiro, do século XIX, tendo apoio nas discussões recentes que
levantaram novos questionamentos para velhos objetos, sem deixar de lado uma
tradição de estudos historiográficos e de outros das ciências sociais, que nos permitem
visualizar uma gama de interpretações marcadas pelas suas historicidades. Essa tarefa
não é fácil, porém, nos possibilita engendrar uma análise mais ampla sobre o cenário
vivido, partindo das questões da nossa época.
Azanha (1994) aponta uma operação conceitual ao dizer que devemos enxergar
as partes reveladoras e as negligenciáveis de um objeto investigado. Afinal, a
possibilidade de revelar as experiências cotidianas é um desafio metodológico para o
pesquisador. E para enfrentar esse desafio devemos pensar a vida cotidiana como uma
totalidade e fazer uma partição do todo para recuperar os fragmentos do objeto
investigado.
Petersen (1995) nos permite compreender a investigação do cotidiano como um
instrumental analítico, pois ele pode ser compreendido como um conjunto de relações e
práticas significativas que permeiam os objetos de investigação. Assim, mesmo
utilizando do cotidiano, pode-se compreender a globalidade das relações sociais. Nas
palavras da autora:
8
Nos dados levantados por Lourenço (2007) as crianças aparecem na faixa de idade entre 0 a 10 anos.
Porém, como encontramos na Lei do Ventre Livre, a criança, a partir de 8 anos era considerada apta para
o trabalho.
52
Desse modo, esbarramos num problema com as fontes, já detectado por outros
historiadores, como apontado por Scarano:
(...) o sentimento da infância não existia - o que não quer dizer que as
crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O
sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas
crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa
particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto,
mesmo jovem. Essa consciência não existia (ARIÈS, 1981, p. 156).
Ainda segundo Ariès, nessa época as crianças eram vistas como um adulto em
miniatura, ou seja, tratavam-se as crianças como se elas fossem adultas. A partir de sete
anos, as crianças eram entregues a outras famílias, a fim de aprenderem algum ofício ou
ainda para prestarem serviços domésticos.
A mortalidade infantil na Idade Média era muito alta. Contribuía para isso a
fome, as tragédias, a miséria, os problemas de saneamento básico. Mesmo entre as
famílias ricas, a mortalidade de crianças era alta. Havia uma preocupação em transmitir
um ofício às crianças.
Somente entre os séculos XVI e XVII é que surgiu na Europa um sentimento de
infância, que era ligado, ao que Ariès denomina de “paparicação”. Nesse mesmo
sentido, eram os costumes apontados por Del Priore no Brasil:
Em relação aos filhos de escravos, é também a partir dos sete anos que
o dono e as autoridades consideraram que eles podiam ser separados
dos pais, das mães, melhor dizendo, e vendidos para outros donos, de
diferentes lugares. Isso não significa que tal não acontecesse antes,
mas dificilmente se comprava uma criança que não tivesse capacidade
de agir por si mesma e fazer pequenos serviços. Algumas eram
vendidas antes apesar do pequeno interesse que representavam como
força de trabalho em áreas de mineração. Essas deveriam interessar
apenas às compradoras que nelas viam uma fonte de distração para si
próprias ou como um brinquedo que alegrasse seus filhos
(SCARANO, 2004, p. 119).
Em um período que cada mãe sonhava poder oferecer a seu filho uma
escola, em vez da aprendizagem cotidiana, numa época onde
começaram a prolongar-se a infância e os folguedos, o filho da
escrava continua tendo uma infância encolhida de tempo estritamente
mínimo (MATTOSO, 1988, p. 55).
O debate sobre a idade que o escravo ainda era percebido como criança é
controverso, pois a partir de 8 anos a criança era considerada apta para o trabalho.
Entretanto, o decreto imperial nº 1.695 proibia a separação dos menores de 15 anos dos
pais durante uma venda de escravos. Na Lei do Ventre Livre, os menores de 12 anos
deveriam acompanhar a mãe escrava. Porém, o maior consenso é respondido por
Mattoso (1988): (...) afinal, até que idade um escravo é ainda percebido como criança?
Como vimos, o escravo permanece criança até a idade de sete para oito anos
(MATTOSO, 1988, p. 43)
Retomando ao desafio de investigar a presença das crianças escravas em
Uberaba, podemos apresentar a tabela 10, que demonstra a quantidade total de registros
de batismos. Todos os dados constam de crianças com idade inferior a dois anos.
instauração da Lei do Ventre Livre pode ter contribuído para a diminuição dos registros
de batismos num primeiro momento, porém, logo a quantidade desses registros voltou a
crescer, demonstrando um aumento considerável da reprodução natural entre os
escravos da região.
Outra fonte importante para investigarmos a vida de crianças neste período são
os processos criminais. Mesmo que as crianças fossem invisíveis nas documentações
oficiais, há algumas exceções em que elas aparecem, sendo que na maioria das vezes é
preciso ler pelas entrelinhas dos documentos. Como também, para Certeau (1995) o
historiador deve utilizar o documento filtrado, e ele deve entender como o documento é
construído. Pois:
Nesse contexto, os processos criminais têm muito a nos revelar sobre o cotidiano
da escravidão. Dos vários processos criminais que encontramos, um nos chamou a
atenção, por se tratar de um caso de agressão física em duas crianças. Na verdade,
dentro do acervo do APU, esse foi o único processo crime que envolveu crianças
diretamente. Na leitura desse documento9, identificamos a fonte que nos permitiu
visualizar fragmentos do cotidiano vivido por duas crianças escravas nesta cidade.
Na narrativa desse processo crime deparamos com uma criança escrava de
apenas “sete passo oito anos de idade” de nome Alexandrina, filha de Maria, escrava de
Apolinário José de Almeida. A criança sofreu agressões físicas por parte dos familiares
do seu senhor, segundo a sua mãe, por causa de “uns cobres” que a mesma havia
subtraído.
No processo crime citado, temos a descrição de um julgamento de agressão
física sofrida por uma criança escrava, aberto pelo promotor de justiça municipal contra
os proprietários de sua mãe. Ela foi agredida em virtude da acusação de furtar algo que
pertencia aos senhores da casa em que a mesma residia. A escrava que passou por todo
esse processo é uma menina, ou seja, uma criança de apenas sete para oito anos, vítima
de maus tratos por parte de Maria Balbina de Almeida e Antônio José de Almeida que
são respectivamente, a esposa e o filho de Apolinário (proprietário da mãe da criança).
As agressões físicas e morais que atingiram Alexandrina nos ajudam a
identificar o papel atribuído aos filhos dos escravos na sociedade uberabense, na visão
da classe mais rica. Ela foi agredida, segundo o depoimento de sua mãe no processo, por
estar varrendo um quintal que, de repente, sem culpa, por motivos eventuais da
natureza, o vento veio e levou as folhas que já haviam sido varridas. Já no testemunho
da senhora Almeida, como é apresentada na ficha criminal, o motivo foi por causa do
furto de dinheiro pertencente aos seus senhores e que a “mulatinha” havia subtraído
para ela.
Tanto Neves (1993) quanto Ramos (2008) acreditam que a violência física e
simbólica era presente no cotidiano das crianças escravas e libertas no Brasil.
Para julgar o acontecido a justiça classificava o processo e partindo dessa
classificação os fatos seriam analisados. Foram averiguados os ferimentos em
Alexandrina, tendo como causa a utilização de um chicote de couro de anta com anel e
9
APU. Secretaria da 1ª Vara Criminal. Série escravos: Processo Criminal – nº122. 1881.
59
(...) foi observado pela mesma testemunha que a dita mesma achava-
se muito castigada contendo vários cortes de chicote que descião
desde uma anadega até perto do joelho e bastante ensangüentada
contendo no braço também alguns signães mais antigas de chicote
(APU, 1881, Processo Criminal – nº122).
Nesta fala de João José Maria (amigo de Apolinário) percebemos a sua visão
sobre os ferimentos que ele viu na criança. Ele possuía boa relação com Apolinário e era
padrinho de Pedro, irmão de Alexandrina, e foi o responsável por acolher a mãe e a
criança, após a agressão física sofrida. Ele deixou ambas pernoitarem em sua fazenda e
as mandou para a casa do juiz municipal. Após este fato é que tivemos o exame de
corpo de delito e posterior andamento do processo criminal.
Para averiguar os fatos foram intimados todos os envolvidos: a vítima
Alexandrina, a sua mãe Maria, a senhora Maria Balbina de Almeida, seu filho Antônio
José de Almeida, e alguns vizinhos da propriedade como testemunhas. Ao intimar esses
sujeitos, o processo crime nos chama a atenção por “dar voz” aos fatos, por meio dos
depoimentos. Para o juiz da época (e para nós), a investigação oral, na busca de pistas,
indícios e inquietações, foi empregada na tentativa de provar o que foi denunciado.
No depoimento da mãe de Alexandrina ao ser questionada, se isso acontecia com
frequência (os maus tratos), ela respondeu que era “custume”, e que um de seus filhos,
de nome Pedro, menor de um ano de idade, por ser muito “bravo”, foi também agredido
até que seu braço e sua perna fossem aniquilados, e que o mesmo morreu há dois anos.
Ela conta os fatos da seguinte forma:
assim o fez, ficando então sua filha com vários ferimentos com os
quais aqui foi apresentada. Perguntado mais se é costume de seus
senhores praticarem esses castigos? Respondeo que é custume, tanto
que tendo ella interrogada um filho de nome Pedro de menos de um
anno de idade e pos elle ser muito bravo, tanto baterão nelle sua
senhora e a mãe della até que lhe quebrarão um braço, e depois
continuando a bateremo quebrarão-lhe também uma perna e pus isso
ficam tão aniquilidade que veio a morrer alguns dias depois, e que este
facto deu-se nesta cidade a dous annos mais ou menos (APU, 1881,
Processo Criminal – nº122).
Esse relato de Maria contradiz ao da senhora Almeida, que diz ter agredido
Alexandrina em decorrência do furto de seus “cobres”. Sobre a morte de Pedro, o seu
padrinho, João José Maria, relata no depoimento:
(...) lhe perguntarão porque que não tirava o seu afilhado da casa de
Apolinário José de Almeida visto que elle era muito judiado e estava
com um braço e uma coxa quebrada, ao que respondeo elle
testemunha que não tratava disso por causa da malquerencia e que
logo depois esse menino faleceo, o qual não tinha ainda um anno de
idade (APU, 1881, Processo Criminal – nº122).
Ele ainda alega que Apolinário convidou-o para ser padrinho de outro filho de
Maria, mas ele não aceitou, pois o seu afilhado tinha sido morto. Desse modo, a fala de
Mattoso (1988) nos ajuda a compreender o sentimento expresso na fala do padrinho de
Pedro:
Afinal os laços familiares que foram além dos laços consanguíneos são
apontados por Slenes (1999) como presença do compadrio entre os escravos.
No depoimento de Apolinário, o mesmo disse que a criança (Pedro) morreu
devido aos maus tratos causados pela sua esposa e sogra. Sendo a última - em suas
palavras - “ainda mais má”. A morte do pequeno escravo figura em segundo plano neste
processo, e não encontramos a abertura de outro processo para averiguar esta morte.
Sobre a violência a que a criança, filha de escravos10 era submetida, Nabuco
(2000) afirma:
10
Outro processo criminal que envolveu a escrava Maria Rita nos possibilita pensar sobre a violência
social que as crianças, filhas de escravos estavam submetidas. No caso específico de Maria Rita,
61
Porém, nos escritos que traduzem os fatos acontecidos do processo crime, nos
levam a questionar se realmente Alexandrina tinha oito anos. Ao lermos o processo nos
deparamos com os dizeres: “que examinando a mulatinha de nome Alexandrina verdade
de sete passo oito anos” (APU, 1881, Processo Criminal – nº122), o que não confirma a
sua verdadeira idade. Surgem desse modo algumas hipóteses para análise. A primeira
encontramos uma mulher, cozinheira, que trabalhava em uma fazenda, localizada na região de Ponte Alta.
Tinha como parceiro o escravo, João Machado, que logo após o incidente foi transferido para outra
propriedade do seu senhor. Maria Rita era mãe de uma menina, de 2 a 3 anos, apesar de que há outro
relato em que podemos identificar que ela havia sido vista com suas duas filhas. Mesmo enfrentando
maus tratos, a escrava fugiu carregando a filha nos braços.
De certa forma, a história da escrava Maria Rita tem sido contada em diversas oportunidades, sobretudo
em Uberaba. A escrava aparece nas narrativas como um exemplo de resistência, de força da mulher negra,
de coragem e de orgulho para a comunidade negra. De fato a sua imagem traz consigo tais representações.
Acreditamos ainda que Maria Rita deva ser lembrada como uma mãe escrava, que mesmo com as
dificuldades vivenciadas, desejava que as suas filhas não sofressem as mesmas agressões físicas habituais
no seu cotidiano.
Nos chama ainda a atenção pelo fato do processo criminal ter sido aberto, pois o acusado, o proprietário
de Maria Rita era o Barão de Ponte Alta, um dos personagens mais influentes da sociedade uberabense. O
que nos possibilita acreditar que a aproximação da abolição estava proporcionando um maior acesso para
que os escravos buscassem justiça.
62
pode ser o erro na grafia, como um erro formal na hora de redigir, e na tentativa de
correção foi escrito “passo oito anos”, a outra, uma idade ainda não completa, ou seja,
ela poderia estar com sete anos de idade, quase oito anos completos, o que infringiria a
Lei do Ventre Livre, ocasionando então a correção da escrita.
Sendo uma criança, ela não deveria estar a exercer as tarefas ordenadas pelos
senhores de seus pais. De acordo com a Lei de 1871 ela ficaria “apenas” sobre a
proteção do senhor até que completasse seus oitos anos. Somente após ter oito anos
completos é que o seu destino seria definido por seu senhor. Os dizeres do processo
crime de Alexandrina afirmam que no momento das agressões que sofreu, ela praticava
serviços domésticos, ou seja, os seus senhores já utilizavam de seus serviços. Nesse
entender cresce um olhar que a tem como uma mercadoria de fácil manuseio.
A morte de Pedro demonstra ainda o grau de violência com que eram tratadas as
crianças, filhas da escrava Maria. A legislação da época já condenava como crime os
maus tratos a escravos. Contudo:
A ação dessa mãe nos lembra a atuação de outra mãe escrava, Maria do Bonfim
descrita por Chalhoub (1990). Maria do Bonfim teve a sua filha Felicidade vendida pelo
tráfico provincial. A mãe então iniciou uma busca pela sua filha, sendo auxiliada pelo
negociante português de escravos, Joaquim Guimarães. A criança foi encontrada em
Ouro Preto e a mãe sob ameaça de perder a filha realizou um empréstimo para
conseguir comprar a liberdade da criança. O término da história teve “um final feliz”,
ambas ficam juntas, porém, tiveram que trabalhar três anos para conseguirem pagar o
empréstimo. Possivelmente, como o caso de Maria do Bonfim, muitos outros devem ter
acontecido pelo nosso país. O caso nos chama a atenção por mostrar como os laços
familiares que ligavam mãe e filha sobreviveram a uma separação brutal e
possibilitaram a motivação para uma mulher escrava buscar artimanhas de recuperar a
sua filha.
64
Essa solução seria bem aceita, na visão de Malheiros, pois ela estava de acordo
com os costumes da sociedade brasileira, na qual era comum os senhores libertarem os
filhos das escravas na pia batismal e, posteriormente, esses senhores cuidarem da
criação e educação dessas crianças, mesmo utilizando os seus serviços.
Chalhoub (2003) afirma que houve resistência sobre a aprovação da lei de 28 de
setembro de 1871, e também logo após na sua execução. Nada que nos cause
estranhamento, visto que o próprio autor nos revela que com a promulgação desta lei,
decretaram-se o “desconhecido”. A verdade é que não se sabiam se a lei seria de fato
cumprida. Certamente na formulação dessas incertezas basearam-se nas leis de 1831
(proibição ao tráfico negreiro) e na lei de terras de 1850.
66
Em meio a todas essas discussões parlamentares, temos que evidenciar que a lei
nº 2.040 estabeleceu uma nova dinâmica no cotidiano escravista. Com o passar do
tempo é que a sociedade pode verificar a aplicabilidade dos seus dispositivos:
Desse modo, podemos acreditar que muitas crianças foram privadas do convívio
familiar até completarem os 21 anos, de acordo com esta perspectiva que a Lei do
Ventre Livre possibilitava aos escravocratas. Após a abolição da escravidão em 1888, os
“ingênuos” tutelados continuaram submetidos à situação de escravidão. E por isso
mesmo, muitos pais libertos entraram com processos judiciais solicitando a tutela de
seus filhos. Quando não eram os pais dessas crianças que acionavam à justiça, eram os
tios e padrinhos que demonstraram a existência de laços de solidariedades familiares e
espirituais, destinados à proteger essas rianças. Assim, estabeleceu o que Azevedo
afirmou sobre a promulgação da Lei do Ventre Livre:
CONSIDERAÇÕES
desta legislação. Tanto na sua elaboração, em meio aos debates políticos, confrontando
os interesses dos proprietários e as pressões abolicionistas, quanto no conteúdo expresso
nos seus dispositivos legais. A lei 2040 trouxe uma nova dinâmica nas relações
escravistas brasileiras. Ela concedeu o direito de liberdade aos filhos de escravos, ao
mesmo tempo em que os condicionou à situação de escravidão. Criou-se entre os
escravos uma luta de consciência, um embate entre reconhecer-se livre e submeter-se ao
regime de escravidão. Por mais que as crianças não tivessem o real entendimento da
forma em que viviam, na medida em que cresciam, elas devem ter compreendido a
complexidade da situação em que elas se encontravam. Ao mesmo tempo, as famílias
escravas tiveram os seus anseios por liberdade frustrados, ao perceberem que as
crianças ao completarem 8 anos, em sua maioria, continuaram a viver como escravas e
consequentemente, a ter a sua mão de obra explorada.
Portanto, as tutelas, criadas pela Lei do Ventre Livre, possibilitaram uma espécie
de “escravidão disfarçada”. Afinal, as tutelas eram um mecanismo para manter os filhos
dos escravos sob a dominação senhorial e disponíveis para exercerem o trabalho
escravo. Nesse sentido:
A criança escravizada podia ser separada dos seus pais e era educada e
preparada para ser um adulto escravizado. Quando adquire o direito,
pelo nascimento, de ser livre, essas condições não são diferentes, e o
direito que o simples ato de nascer lhe concedeu fica condicionado aos
interesses daqueles que escravizavam seus pais. E quando, finalmente,
a família escravizada adquire a liberdade, muitas crianças negras são
privadas do convívio familiar em decorrência das ações tutelares
promovidas pelos ex-escravocratas, com a intenção de manter o seu
poder, seu lucro sobre essas crianças livres filhas e netas de pais
libertos (PORTELA, 2012, p. 51-52).
Com a promulgação da Lei do Ventre Livre a vida das crianças, filhas livres de
escravos, estava condicionada à essa legislação. Era uma nova categoria de infância que
essas crianças vivenciaram, um novo modelo de criança passou a existir na sociedade
brasileira. Portanto, acreditamos que grande parte das crianças livres, filhas de pais
escravos, eram tanto escravos, quanto “ingênuos”, pois elas viveram no cativeiro em
situação de escravização. E ao assistirem a libertação dos seus pais, elas, em grande
parte, tiveram o seu sonho de liberdade adiado.
72
FONTES
REFERÊNCIAS
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1981.
AZEVEDO, Célia M. de. Onda negra medo branco: o negro no imaginário das elites
século XIX. São Paulo: Annablume, 2004.
CARVALHO, José Murilo de. Teatro das sombras: a política imperial. São Paulo:
Vértice, 1988.
______. Da senzala à colônia. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda.,
1982.
DEL PRIOE, Mary. O cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império.
In: DEL PRIOE, Mary (Org.). História das Crianças no Brasil. 4. ed. São Paulo:
Contexto, 2004. p. 84-106.
DINIZ, Marise S. Auto de corpo de delito feito em Maria Rita, escrava do Barão de
Ponte Alta. Escrava Maria Rita uma história de resistência. In: Cad. Pesq. CDHIS,
Uberlândia, v.23, n. 1, jan./jun. 2010. p. 275-303.
GÓES, José Roberto de; FLORENTINO, Manolo. Crianças escravas, crianças dos
escravos. In: PRIORE, Mary del. (Org.). História da criança no Brasil. 4 ed. São
Paulo: Contexto, 2004. pp. 177-191.
GRINBERG, Keila. A história nos porões dos arquivos judiciários. In: PINSKY, Carla
B.; LUCA, Tania R. de. (Orgs.). O historiador e as suas fontes. São Paulo: Contexto,
2009. p. 119-139.
MATTOSO, Kátia. O Filho da Escrava (Em torno da Lei do Ventre Livre). In:
Revista Brasileira de História, v.8 n. 16. pp. 37-55, São Paulo, mar.88/ago/88.
MAUAD, Ana Maria. A vida das crianças de elite durante o Império. In: DEL PRIOE,
Mary (Org.). História das Crianças no Brasil. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p.
137-176.
MOURA, Esmeralda B. B. de. Por que as crianças? In: MOURA, Esmeralda B. B. de;
CARVALHO, Carlos H. de; ARAÚJO, José C. S. (Orgs.). A infância na
modernidade: entre educação e o trabalho. Uberlândia: EDUFU, 2007. p. 13-48.
______ O Jogo da Face: a astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba
Provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999.
SANTOS, Túlio Andrade dos; FERREIRA FILHO, Aurelino José. Famílias Cativas no
Pontal do Triângulo Mineiro – MG: registros de batismo e matrimônio de escravos no
antigo Arraial de Campo Belo, 1835-1875. In: Anais do II Congresso Internacional de
História da UFG/Jataí - GO – 2011. Disponível em:
78
SCARANO, Julita. Criança esquecida das Minas Gerais. In: DEL PRIOE, Mary
(Org.). História das Crianças no Brasil. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 107-
136.
Hei por bem Sanccionar e Mandar que se execute a Resolução seguinte da Assembléa Geral:
Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei,
libertos os escravos da Nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daquelles
filhos menores e sobre a libertação annual de escravos.
A Princeza Imperial Regente, em nome de Sua Magestade o Imperador e Senhor D. Pedro II,
faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral Decretou e ella Sanccionou a
Lei seguinte:
Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Imperio desde a data desta lei, serão
considerados de condição livre.
§ 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mãis, os
quaes terão obrigação de crial-os e tratal-os até a idade de oito annos completos.
Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãi terá opção, ou de receber do Estado a
indemnização de 600$000, ou de utilisar-se dos serviços do menor até a idade de 21 annos
completos.
No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da
presente lei.
A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de renda com o juro annual de
6%, os quaes se considerarão extinctos no fim de 30 annos.
A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias, a contar daquelle em que o menor
chegar á idade de oito annos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de
utilizar-se dos serviços do mesmo menor.
§ 2º Qualquer desses menores poderá remir-se do onus de servir, mediante prévia indemnização
pecuniaria, que por si ou por outrem offereça ao senhor de sua mãi, procedendo-se á avaliação
dos serviços pelo tempo que lhe restar a preencher, se não houver accôrdo sobre o quantum da
mesma indemnização.
§ 3º Cabe tambem aos senhores criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter
quando aquellas estiverem prestando serviços.
Tal obrigação, porém, cessará logo que findar a prestação dos serviços das mãis. Se estas
fallecerem dentro daquelle prazo, seus filhos poderão ser postos à disposição do Governo.
§ 4º Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de oito annos, que estejam em
poder do senhor della por virtude do § 1º, lhe serão entregues, excepto se preferir deixal-os, e o
senhor annuir a ficar com elles.
§ 5º No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos livres, menores de 12 annos, a
acompanharão, ficando o novo senhor da mesma escrava subrogado nos direitos e obrigações do
antecessor.
§ 6º Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no § 1°, se,
por sentença do juizo criminal, reconhecer-se que os senhores das mãis os maltratam,
infligindo-lhes castigos excessivos.
§ 7º O direito conferido aos senhores no § 1º transfere-se nos casos de successão necessaria,
devendo o filho da escrava prestar serviços á pessoa a quem nas partilhas pertencer a mesma
escrava.
Art. 2º O Governo poderá entregar a associações por elle autorizadas, os filhos das escravas,
nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores dellas, ou
tirados do poder destes em virtude do art. 1º § 6º.
§ 1º As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21
annos completos, e poderão alugar esses serviços, mas serão obrigadas:
1º A criar e tratar os mesmos menores;
81
2º A constituir para cada um delles um peculio, consistente na quota que para este fim fôr
reservada nos respectivos estatutos;
3º A procurar-lhes, findo o tempo de serviço, apropriada collocação.
§ 2º As associações de que trata o paragrapho antecedente serão sujeitas á inspecção dos Juizes
de Orphãos, quanto aos menores.
§ 3º A disposição deste artigo é applicavel ás casas de expostos, e ás pessoas a quem os Juizes
de Orphãos encarregarem da educação dos ditos menores, na falta de associações ou
estabelecimentos creados para tal fim.
§ 4º Fica salvo ao Governo o direito de mandar recolher os referidos menores aos
estabelecimentos publicos, transferindo-se neste caso para o Estado as obrigações que o § 1º
impõe ás associações autorizadas.
Art. 3º Serão annualmente libertados em cada Provincia do Imperio tantos escravos quantos
corresponderem á quota annualmente disponivel do fundo destinado para a emancipação.
§ 1º O fundo de emancipação compõe-se:
1º Da taxa de escravos.
2º Dos impostos geraes sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3º Do producto de seis loterias annuaes, isentas de impostos, e da decima parte das que forem
concedidas d'ora em diante para correrem na capital do Imperio.
4º Das multas impostas em virtude desta lei.
5º Das quotas que sejam marcadas no Orçamento geral e nos provinciaes e municipaes.
6º De subscripções, doações e legados com esse destino.
§ 2º As quotas marcadas nos Orçamentos provinciaes e municipaes, assim como as
subscripções, doações e legados com destino local, serão applicadas á emancipação nas
Provincias, Comarcas, Municipios e Freguezias designadas.
Art. 4º É permittido ao escravo a formação de um peculio com o que lhe provier de doações,
legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e
economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a collocação e segurança do
mesmo peculio.
§ 1º Por morte do escravo, a metade do seu peculio pertencerá ao conjuge sobrevivente, se o
houver, e a outra metade se transmittirá aos seus herdeiros, na fórma da lei civil.
Na falta de herdeiros, o peculio será adjudicado ao fundo de emancipação, de que trata o art. 3º.
§ 2º O escravo que, por meio de seu peculio, obtiver meios para indemnização de seu valor, tem
direito a alforria. Se a indemnização não fôr fixada por accôrdo, o será por arbitramento. Nas
vendas judiciaes ou nos inventarios o preço da alforria será o da avaliação.
§ 3º É, outrossim, permittido ao escravo, em favor da sua liberdade, contractar com terceiro a
prestação de futuros serviços por tempo que não exceda de sete annos, mediante o
consentimento do senhor e approvação do Juiz de Orphãos.
§ 4º O escravo que pertencer a condominos, e fôr libertado por um destes, terá direito á sua
alforria, indemnizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer. Esta
indemnização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete annos, em
conformidade do paragrapho antecedente.
§ 5º A alforria com a clausula de serviços durante certo tempo não ficará annullada pela falta de
implemento da mesma clausula, mas o liberto será compellido a cumpril-a por meio de trabalho
nos estabelecimentos publicos ou por contractos de serviços a particulares.
§ 6º As alforrias, quér gratuitas, quér a titulo oneroso, serão isentas de quaesquer direitos,
emolumentos ou despezas.
§ 7º Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos, é prohibido, sob pena de
nullidade, separar os conjuges, e os filhos menores de 12 annos, do pai ou da mãi.
§ 8º Se a divisão de bens entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma familia, e
nenhum delles preferir conserval-a sob o seu dominio, mediante reposição da quota parte dos
outros interessados, será a mesma famlia vendida e o seu producto rateado.
§ 9º Fica derogada a Ord. liv. 4º, titl 63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.
82
excepto se a mãi houver fallecido, ou se tiver tal impedimento, que não possa criar, ou se houver
associação beneficente que se preste a receber as crianças antes daquella idade.
Art. 9º A mulher escrava, que obtiver sua liberdade, tem o direito de conduzir comsigo os filhos
menores de 8 annos (Lei - art. 1º § 4º), os quaes ficarão desde logo sujeitos á legislação
commum. Poderá, porém, deixal-os em poder do senhor, se este annuir a ficar com elles (Lei -
ibid).
Art. 10. A declaração do senhor, para habilital-o a requerer ao governo a indemnização
pecuniaria em titulo de renda de 600$000 com juro annual de 6 %, será feita ante qualquer
autoridade judiciaria, em fórma de protesto, dentro de 30 dias a contar daquelle em que o menor
attingir á idade de 8 annos; e, se o não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de
utilisar-se dos serviços do mesmo menor até á idade de 21 annos completos. (Lei - art. 1º § 1º).
§ 1º O protesto será intimado ao agente da fazenda nacional, no districto da jurisdicção do juiz,
que o houver mandado tomar por termo; e , na falta, ao agente fiscal que fôr mais vizinho, por
carta precatoria.
§ 2º Não poderá ser recebido protesto para ser reduzido a termo, se não forem juntas ao
requerimento inicial as respectivas certidões de matricula.
Art. 11. Estando em termos o requerimento de protesto, o juiz ordenará a exhibição do menor, a
quem interrogará, e procederá ás diligencias necessarias para verificar a identidade de pessoa. O
agente fiscal deverá ser citado para assistir a todas essas diligencias.
Art. 12. Se o agente fiscal reconhecer que não ha direito á indemnização, ou porque de facto o
protesto haja sido requerido fóra do prazo legal, ou porque o menor exhibido não seja o mesmo
individuo mencionado nas certidões de baptismo e de matricula, ou emfim porque existam
outros quaesquer fundamentos juridicos, requererá, dentro de 10 dias, que seja tomado por
termo o seu contraprotesto nos mesmos autos.
Paragrapho unico. A falta de contraprotesto por parte do agente fiscal não prejudica á fazenda
nacional, se sobrevier o conhecimento de algum dos fundamentos que obstem á indemnização.
O agente fiscal responderá por qualquer damno a que der causa por dólo, culpa ou negligencia.
Art. 13. O processo original será remettido á thesouraria de fazenda na respectiva provincia, e
ao thesouro nacional na côrte, extrahido traslado para existir no cartorio.
Art. 14. A thesouraria de fazenda em sessão da junta examinará o processo; e, em vista das
provas dos autos, de outras que exigir, sendo precisas, e depois de ouvido, por escripto, o
procurador fiscal, reconhecerá ou denegará o credito, interpondo, no caso de denegação, recurso
suspensivo para o thesouro.
Art. 15. Sendo reconhecidos os creditos, a thesouraria emittirá os titulos de renda, logo que lhe
sejam fornecidos pelo thesouro; e ficarão vencendo o juro annual de 6 % desde o dia do
reconhecimento da divida. Semelhantemente procederá o thesouro na côrte.
Estes titulos de renda se considerarão extinctos no fim de 30 annos. (Lei - art. 1º § 1º)
Art. 16. Os serviços optados, em conformidade da lei, são intransferiveis, salvos os casos dos §
§ 5º e 7º do art. 1º da mesma lei, ou, se o menor fôr de idade superior a 12 annos, havendo
accôrdo com assistencia de um curador ad hoc e consentimento do juiz de orphãos.
Art. 17. O menor poderá remir-se do onus de servir, mediante prévia indemnização pecuniaria ,
que por si ou por outrem offereça ao senhor de sua mãi, procedendo-se á avaliação dos serviços
pelo tempo que lhe restar a preencher, se não houver accôrdo sobre o quantum da mesma
indemnização. (Lei - art. 1º § 2º).
Paragrapho unico. O processo de arbitramento correrá perante o juizo de orphãos, e será
identico ao do art. 39 deste regulamento. O preço será taxado, pura e simplesmente, sobre as
condições da idade, saude e profissão. O menor será representado ou acompanhado por um
curador ad hoc, nomeado pelo juiz. A appellação do senhor não terá effeito suspensivo.
Art. 18. Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas, antes de atingirem elles a idade
de 21 annos, se, por sentença do juizo criminal, reconhecer-se que os senhores das mãis os
maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos. (Lei - art. 1º § 6º)
Art. 19. A privação de alimentos, ou a sujeição a actos immoraes, produzirá effeito igual ao do
artigo antecedente.
85
§ 4º Na avaliação será levada em conta, para ser deduzida, qualquer quantia que o escravo
houver pago ao senhor para sua alforria, devendo ser declarada essa circumstancia no termo da
avaliação. Qualquer fraude, neste caso, será punida nos termos do codigo criminal.
Art. 41. A verificação do valor dos escravos por algum dos meios precedentes deverá estar
concluida até 31 de Dezembro de cada anno, e comprehenderá tantos escravos classificados,
quantos possam ser libertados pela importancia do fundo de emancipação.
Art. 42. Os juizes de orphãos, em audiencia previamente annunciada, declararão libertos, e por
editaes o farão constar, todos os escravos que, segundo a ordem da classificação, possam ser
alforriados pela respectiva quota de emancipação; e entregar-lhes-hão suas cartas pelo
intermédio dos senhores; assim como remetterão aos presidentes, nas provincias, e ao ministerio
da agricultura, commercio e obras publicas, na côrte, uma relação em duplicada, a fim de ser
ordenado o pagamento, publicando-se os nomes do senhor e do liberto por edital impresso nas
gazetas do lugar e affixado na porta da matriz de cada parochia, com antecedencia de um mez,
para garantir direitos de quem quér que os tenha sobre o preço do mesmo liberto.
Art. 43. Dentro das forças da quota do fundo de emancipação, a alforria declarada pelos juizes
de orphãos é irretratavel e independente de quaesquer recursos, com tanto que seja seguida a
ordem das classificações.
Paragrapho unico. No caso de inversão da ordem das classificações, o culpado será multado em
100$000, repetindo-se esta multa tantas vezes quantos forem os escravos prejudicados; e no
caso de fraude, será punido criminalmente.
Art. 44. Decorrido um mez depois da expedição das cartas de liberdade ria fórma do art. 42,
pelas thesourarias de fazenda nas provincias, e pelo thesouro na côrte, será entregue o preço aos
individuos mencionados nas relações dos juizes de orphãos, se áquellas repartições não houver
sido apresentada requisição judicial, ou reclamação fundada de qualquer interessado para o
deposito.
Paragrapho unico. Em geral o preço dos escravos sujeitos a penhor, hypotheca judicial,
hypotheca legal especialisada ou convencional, deposito, ou outros quaesquer onus, em que o
mesmo preço possa ser subrogado, não será entregue senão em virtude de requisição judicial
fundada, conforme o caso, sobre accôrdo ou sobre audiencia contenciosa das partes.
Art. 45. As sobras das quotas das differentes parochias do mesmo municipio serão reunidas para
a libertação de um ou mais escravos immediatos nas classificações, que tiverem em seu favor a
preferencia estatuida no art. 27.
§ 1º A applicação do sobredito remanecente se fará ás familias e individuos que nas diferentes
classificações representem esse valor, segundo os preços accordados ou arbitrados; observada a
preferencia estabelecida no art. 27. Em igualdade de condições, decidirá a sorte.
§ 2º Se a quantia das sobras fôr absolutamente insufficiente para a libertação da familia ou
individuo immediato nas classificações, conforme o paragrapho antecedente, ou se, applicada a
um ou mais escravos, deixar algum resto, e não houver quem queira, em um ou em outro caso,
reforçar esse residio até completar o preço de uma alforria, nem escravo que o possa fazer com
seu proprio peculio, será reservada essa quantia a favor do municipio para accrescer á quota do
anno seguinte.
Art. 46. O escravo é obrigado a contribuir, até á importancia do preço de sua alforria ou da
familia a que pertencer, com as doações, legados e heranças que tenha obtido com esse destino
especial. Os que não quizerem fazel-o perderão o lugar de ordem na classificação e serão
preteridos.
Art. 47. Os escravos mudados para o municipio depois da ultima classificação só poderão ser
ahi contemplados na do anno immediato.
Paragrapho unico. Em compensação não perderão no municipio, da qual foram mudados, o seu
numero de ordem para a libertação.
CAPITULO III
DO PECULIO E DO DIREITO Á ALFORRIA
89
Art. 48 E' permittido ao escravo a formação de um peculio com o que lhe provier de doações,
legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e
economias. (Lei - art. 4º)
Paragrapho unico. As doações para a liberdade são independentes de escriptura publica e não
são sujeitas a insinuação.
Art. 49. O peculio do escravo será deixado em mão do senhor ou do possuidor, se este o
consentir, salva a hypothese do art. 53, vencendo o juro de 6 % ao anno; e outrosim poderá, com
prévia autorização do juizo de orphãos, ser recolhido pelo mesmo senhor ou possuidor ás
estações fiscaes, ou a alguma caixa economica ou banco de depositos, que, inspire sufficiente
confiança.
Paragrapho unico. E' permittido ao senhor receber, com o mesmo juro de 6 %, o peculio do
escravo, á medida que este o fôr adquirindo, como indemnização parcial de sua alforria, urna
vez que o preço seja fixada previamente em documento entregue ao mesmo escravo.
No caso de condominio, poderá ficar em mão do condomino que o escravo preferir.
Art. 50. O senhor ou possuidor do escravo é obrigado a declarar a existencia do peculio na
occasião da matricula dos escravos ou de quaesquer averbações nesta, ou quando haja de
effectuar contractos, inventarios ou partilhas sobre elles, ou solicitar passaporte para os mesmos,
a fim de que esta sua declaração seja inserta nos respectivos livros, instrumentos, autos ou
papeis.
Art. 51. O peculio do escravo, no caso de transferencia de dominio, passará para as mãos do
novo senhor, ou terá qualquer dos destinos mencionados no art. 49.
Paragrapho unico. A transferencia de dominio comprehende a adjudicação por partilha entre
herdeiros ou socios; a adjudicação nestes casos não se fará sem exhibição do peculio ou
documento do seu deposito.
Art. 52. Quando haja impossibilidade de ser resgatado do poder do senhor o peculio do escravo,
este tem direito á alforria indemnizando o resto do seu valor, com serviços prestados por prazo
não maior de 7 annos. O preço da alforria será fixado por arbitramento nos termos do § 2º do
art. 4º da lei, se não existir avaliação judicial, que deverá prevalecer.
Art. 53. O juizo de orphãos tem a faculdade de impedir que o peculio permaneça era poder do,
senhor ou do possuidor do escravo, ou de qualquer estabelecimento particular onde tenha sido
depositado, se reconhecer que não ha sufficiente garantia, expedindo mandado para a
comminação de sequestro.
Paragrapho unico. Os tutores e os curadores, e em geral quaesquer pessoas, que não são
senhores ou possuidores de escravos, são obrigados a exhibir, sob pena de sequestro, o peculio e
juros pertencentes a escravos que estiverem sob sua administração, sempre que o juizo de
orphãos o determinar, independentemente da circumstancia da falta de garantia.
Art. 54. Em concurso de credores, o escravo pertencerá á classe de credores de dominio, por seu
peculio e juros, considerado este sob administração.
Art. 55. O peculio, recolhido ao thesouro nacional, e ás thesourarias de fazenda, será equiparado
a dinheiro de orphãos.
Art. 56. O escravo que, por meio de seu peculio, puder indemnizar o seu valor, tem direito á
alforria. (Lei - art. 4º § 2º)
§ 1º Em quaesquer autos judiciaes, existindo avaliação e correspondendo a esta a somma do
peculio, será a mesma avaliação o preço da indemnização (Lei - art. 4º 2º), para ser decretada ex
officio a alforria.
§ 2º Em falta de avaliação judicial ou de accôrdo sobre o preço, será este fixado por
arbitramento. (Lei - art. 4º § 2º)
Art. 57. Não poderá requerer arbitramento, para execução do art. 4º, § 2º da lei, o escravo que
não exhibir, no mesmo acto em juizo, dinheiro ou titulos de peculio, cuja somma equivalha ao
seu preço razoavel.
§ 1º Não é permittida a liberalidade de terceiro para a alforria, excepto como elemento para a
constituição do peculio: e só por meio deste e por iniciativa do escravo será admittido o
exercicio do direito á alforria, nos termos do art. 4º, § 2º da lei.
90
2º De constituir para cada um delles um peculio, consistente na quota que para esse fim fôr
marcada;
3º De procurar-lhes, findo o tempo de serviço, apropriada collocação. (Lei - art. 2º §§ 1º e 3º)
§ 1º As associações são sujeitas á inspecção dos juizes de orphãos, quanto aos menores sómente
(Lei - art. 2º § 2º); devendo dar annualmente conta das obrigações que a lei lhes incumbe, e
exhibir, para ser recolhido ao cofre dos orphãos, o peculio dos mesmos menores. Os particulares
e as casas de expostos devem igualmente prestar contas e exhibir o peculio, qual fôr
contractado.
§ 2º A's associações, ás casas de expostos e aos particulares são applicaveis as disposições dos
arts. 18 e 19 deste regulamento, quér no caso de utilisarem-se directamente dos serviços dos
menores, quér no caso de alugarem esses serviços, se não providenciarem, dentro de prazo
assignado após a intimação, a respeito dos mesmos menores. O juiz decretará ex oficio deposito,
se houver perigo; e, para ordenal-o, é competente qualquer autoridade judiciaria.
§ 3º Os contractos de aluguel dos serviços serão feitos sob a inspecção do juiz de orphãos,
sómente para verificar as suas condições legaes e a idoneidade do locatario, a fim de prevenir os
factos mencionados nos arts. 18 e 19. O juiz de orphãos recusará a pessoa do locatario, cujo
procedimento ou profissão não garantir a vida, a saude e a moralidade do menor.
Só poderão ser alugados os serviços dos menores que houverem completado 8 annos de idade.
§ 4º Igualmente é-lhes applicavel o disposto no art. 17, para o effeito de poderem os menores
remir-se do onus de servir, mediante prévia indemnização. Desde o momento da remissão
ficarão sujeitos á legislação commum, que rege os menores em geral.
Art. 66. No juizo de orphãos deverá existir um livro especial, aberto, encerrado, numerado e
rubricado pelo juiz, para a matricula dos menores entregues em virtude do art. 2º da lei ás
associações, ás casas de expostos e aos particulares. Nesse livro constará o nascimento, a
filiação, a associação, estabelecimento ou particular, que aceitou o menor, se foi cedido pelo
senhor de sua mãi, se for tirado do poder do mesmo, ou abandonado, em que data, e quilos as
causas; e outrosim a remissão de serviços, a emancipação por maioridade, o obito, se o
individuo houver fallecido antes de ser collocado em conformidade do art. 2º, § 1º da lei.
Annualmente serão averbadas no respectivo registro todas as circunstancias sobre a pessoa do
menor e sobre o seu peculio.
§ 1º O livro especial não dispensa o processo da tomada de contas, em autos.
§ 2º Se dous forem os escrivães, o governo, na côrte, e os presidentes, nas provincias,
designarão qual deverá ser o encarregado desse serviço.
§ 3º As custas do processo de contas serão pagas pelas associações, estabelecimentos ou
particulares, a quem forem entregues os menores.
Art. 67. O juizo de orphãos fiscalisará a instrucção primaria e a educação religiosa dos menores,
quér exigindo das associações, das casas de expostos e dos particulares o cumprimento dessa
obrigação, quér impondo-a aos locatarios de serviços nos respectivos contractos.
Art. 68. Fica salvo ao governo o direito de mandar recolher os referidos menores aos
estabelecimentos publicos, transferindo-se neste caso para o Estado as obrigações que o § 1º do
art. 2º da lei impõe ás associações autorizadas. (Lei - art. 2º § 4º)
Não entende-se, porém, que o governo possa retirar do poder das associações, das casas de
expostos e dos particulares os menores já entregues em virtude do art. 2º da lei, salvo o caso do
art. 65, § 2º.
Art. 69. Além das associações encarregadas da educação dos menores, são tambem sujeitas á
inspecção dos juizes de orphãos as sociedades de emancipação já organizadas e que de futuro se
organizarem. (Lei - art. 5º)
§ 1º Essa inspecção limita-se ao exame animal das contas entre as sociedades e cada um dos
manumittidos, de accôrdo com os estatutos ou com os respectivos contractos.
§ 2º Todavia, os juizes de orphãos poderão prover, sempre que o julgarem necessario, sobre o
tratamento dos manumittidos, em relação á sua moralidade, vida e saude.
Art. 70. As sociedades de emancipação terão privilegio sobre os serviços dos escravos, que
libertarem, para indemnização do preço da compra. (Lei - art. 5º paragrapho unico.)
92
§ 1º Esses serviços não são devidos durante prazo maior de sete annos, qualquer que seja o valor
da indemnização. Será descontado no prazo o tempo de prisão criminal e de fuga.
Os menores de 21 annos completarão essa idade em poder das sociedades, ainda que excedam o
prazo prescripto, salvo o caso do paragrapho seguinte. Em relação a estes, as sociedades de
emancipação são equiparadas ás associações do art. 64 para todos os effeitos juridicos.
§ 2º Os manumittidos poderão remir-se do onus de servir, mediante prévia indemnização
pecuniaria, que por si ou por outrem offereçam á sociedade, com a cautela do art. 57, se o
requererem em juizo.
Se não houver accôrdo sobre o quantum da indemnização, será esta calculada sobre o preço da
compra, dividido pelos annos de serviço para que seja paga pelo tempo que ainda restar.
As sociedades têm direito ao accrescimo de 18 %, sobre o preço total despendido, qualquer que
seja o tempo decorrido.
Esta disposição applicar-se-ha, em geral, a todos os escravos libertados por preço certo, com a
clausula ou contracto de prestação de serviços.
§ 3º As sociedades de emancipação têm o direito de usar da providencia permittida no art. 4º §
5º da lei e mencionada no art. 63 deste regulamento.
Art. 71. Aos manumittidos por sociedades e por particulares, com a clausula ou contracto de
prestação de serviços, é applicavel tudo o que na lei e neste regulamento está determinado
quanto á formação, guarda e disposição do peculio.
Art. 72. No juizo de orphãos haverá um livro especial, igual ao do art. 66 deste regulamento,
para a matricula dos escravos libertados por indemnização do seu preço com a clausula da
prestação de serviços, quér por sociedades, quér por individuos. No registro de cada um liberto,
além do nascimento e filiação constara o nome do que foi seu senhor, o numero, de ordem na
matricula especial, a data e o municipio em que esta foi feita, a associação ou particular que o
libertou, o seu preço, o tempo de prestação de serviços e a sua aptidão; e outrosim a remissão ou
o obito, se houver fallecido antes de completar o tempo de serviço. Annualmente serão
averbadas no respectivo registro todas as circumstancias sobre a pessoa do liberto e sobre o seu
peculio.
Os manumittidos, cujo tempo de serviço houver de completar-se antes da maioridade, serão
matriculados em outro livro especial, que será appenso ao anterior.
O mais como nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 66.
Paragrapho unico. A séde da sociedade ou a residencia do particular, que libertar escravos com
a clausula ou contracto de serviços, indemnizando seu valor, firma a competencia do respectivo
juizo de orphãos para a matricula. Assim, relativamente ás associações para menores livres,
filhos de escravas.
Art. 73. O § 3º do art. 1º da lei amplia-se ás associações, casas de expostos e particulares, para o
effeito de ser acautelada a sorte dos filhos das menores livres e das menores sujeitas á prestação
de serviços.
Art. 74. O governo garante ás associações a concessão gratuita de terrenos devolutos, mediante
as condições que estabelecer em regulamentos especiaes, para a fundação de colonias agricolas
ou estabelecimentos industriaes, em que sejam empregados os libertos e se cure da educação
dos menores.
Igualmente garante ás associações, pelo preço minimo, a concessão de terrenos devolutos para
fundação de estabelecimentos ruraes, que as mesmas associações destinem para serem vendidos
a immigrados.
CAPITULO VI
DOS LIBERTOS PELA LEI
Art. 75. São declarados libertos:
I. Os escravos pertencentes á nação, dando-lhes o governo a occupação que julgar conveniente:
II Os escravos dados em usufructo á corda;
III Os escravos das heranças vagas;
IV. Os escravos abandonados por seus senhores. (Lei - art. 6º §§ 1º a 4º)
93
A de 50$000 até 100$000, aos juizes e mais funccionarios, que não cumprirem, nos prazos
marcados, os deveres que este regulamento lhes recommenda;
A de 50$000 até 100$000, aos senhores e possuidores, e aos parochos, que concorrerem para
erro na declaração do art. 3º deste regulamento, se não fôr rectificada em tempo, não sendo caso
de punição criminal.
A de 50$000 até 100$000, aos juizes e escrivães que forem negligentes ou omissos no
cumprimento das obrigações que este regulamento lhes incumbe, além da responsabilidade
criminal;
A de 100$000, a cada um dos directores das associações, administradores das casas de expostos
e possuidores de menores livres, e de manumittidos com clausula ou contracto do serviços, que
não derem á matricula no juizo competente os menores e os manumittidos sob sua autoridade,
ou que annualmente não prestarem as contas, ou não derem as informações necessarias para as
averbações no registro respectivo.
Art. 97. Soffrerão a pena de prisão:
Os que de má fé não derem á classificação de que tratam os arts. 27 e seguintes os nomes dos
escravos para a emancipação pelo fundo publico: de 10 a 20 dias;
Os que, tendo em seu poder peculio de escravos ou de manumittidos sujeitos a serviço, sem
autorização legal, não o manifestarem em juizo dentro de prazo assignado em edital: 30 dias;
Os que alliciarem menores sujeitos á autoridade dos senhores das mãis entregues a associações,
casas de expostos e particulares, ou manumittidos obrigados a serviço: 30 dias.
Art. 98. São competentes para impôr as multas:
O ministro e secretario de estado dos negocios da agricultura, commercio e obras publicas, na
côrte, aos membros da junta municipal, aos parochos e aos juizes;
Os presidentes de provincia, aos individuos que devem compôr as juntas municipaes, aos
parochos e aos juizes;
As juntas municipaes, aos respectivos escrivães ou individuos, que os devam substituir, e ás
pessoas que recusarem-se a dar-lhes esclarecimentos solicitados;
Os juizes, aos seus subalternos, comprehendidas as autoridades inferiores, escrivães, individuos
nomeados curadores, depositamos ou arbitradores; aos senhores e possuidores de menores livres
e de manumittidos; ás associações e ás casas de expostos.
Paragrapho unico. Em geral, as autoridades superiores podem impôr as multas que as
autoridades interiores não houverem imposto sem motivo justificado: multando-as pela
negligencia ou omissão em 50$000 até 100$000.
Art. 99. Da imposição de multa haverá recurso:
Para os presidentes, nas provincias, quando forem impostas pelas autoridades administrativas e
judiciarias da mesma provincia; para o ministro, quando impostas pelos presidentes de
provincia;
Para o conselho de estado, na fórma do art. 46 do Regul. nº 124 de 5 de Fevereiro de 1842,
quando impostas pelo ministro.
Na côrte os recursos serão interpostos para o ministro.
Art. 100. As multas serão cobradas executivamente, remettendo-se para esse fim as certidões ás
repartições fiscaes.
Art. 101. A pena de prisão será imposta pela autoridade judiciaria competente.
Art. 102. As multas comminadas por este regulamento farão parte do fundo de emancipação.
Palacio do Rio de Janeiro, em 13 de Novembro de 1872. - Francisco do Rego Barros Barreto.