O Livro Da Esquerda de Umbanda by Janaina Azevedo (Azevedo, Janaina
O Livro Da Esquerda de Umbanda by Janaina Azevedo (Azevedo, Janaina
O Livro Da Esquerda de Umbanda by Janaina Azevedo (Azevedo, Janaina
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JANAINA AZEVEDO CORRAL
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© 2010 by Universo dos Livros
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou
transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação
ou quaisquer outros.
Diretor Editorial
Luis Matos
Assistente Editorial
Talita Gnidarchichi
Preparação
Jaqueline Carou
Revisão
Fernanda Fonseca
Arte
Noele Vavalle
Stephanie Lin
Capa
Jorge Godoy
ISBN 978-85-7930-129-2
CDD 299.67
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À minha Pombagira Cigana, Yovenka.
Ao meu Exu, Tranca Rua.
Ao “Seu” Lalu e a todos os Exus que regem, abençoam
e trazem riquezas para cada um de nós.
Laroyê, Exu!
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Palavra da autora
Neste livro, eu tenho mais a agradecer que qualquer outra coisa. Este é o meu sexto livro, e estou
muito feliz que tenha chegado até aqui com o apoio da minha família, da Universo dos Livros, minha
editora, e, principalmente, de todas as pessoas da religião que têm recebido minhas palavras de
braços abertos e com muito amor e carinho. Esse é o fato de eu só ter o que agradecer. Tenho de
agradecer aos Orixás pela inteligência que me deram, à minha família pelo apoio e pela educação,
aos meus professores e colegas que me ajudaram a construir um texto conciso e bem-feito e a todas
as pessoas que, até o momento, colaboraram com a construção deste livro.
Este esforço, esta necessidade de escrever sobre as religiões afro-brasileiras, especialmente nesta
série, sobre a Umbanda, tem sido um empreendimento valioso em termos de conhecimento. Quando
você transmite o conhecimento que possui, tudo se torna mais claro, esse ato de doar-se traz leveza.
É por isso que agradeço.
Toda e qualquer literatura só existe no momento em que o leitor influencia na escrita e faz o autor
tomar o rumo necessário para continuar.
***
Falando especificamente sobre o livro: este é mais polêmico que aqueles que eu habitualmente
escrevo. É um livro que tenciona reunir todo o conhecimento religioso sobre um tema relacionado, na
Umbanda, a entidades como Exu, Pombagira, Malandros e outros.
Ele é polêmico porque dentre estas entidades estão as mais diversas manifestações da Umbanda
e, neste tema se encontram as divergências, por exemplo, entre a Umbanda e o Candomblé e a
Umbanda e o Catolicismo.
No Candomblé, como falaremos a seguir, Exu é um orixá, sua natureza é divina. Ele rege a
materialidade e a sexualidade. Já no Catolicismo, tudo que é regido por Exu é classificado como
“pecado”, portanto, quanto mais próximo do Catolicismo e do Cristianismo, mais a figura de Exu e da
Pombagira aproximam-se do diabo, o senhor de tentações e sortilégios.
Essa discussão se estende de maneira indelével adiante. Este livro tenciona apresentar essa
discussão, entender por que eles são chamados de “esquerda” por meio de fatos e não de “achismos”
e, ainda, fazer um breve índice das entidades mais conhecidas no Brasil.
As palavras com que encerro esta seção são as mesmas com que encerrei as das outras obras:
espero que este livro seja de ajuda para novatos, leigos curiosos, sacerdotes e pesquisadores. E,
como autora, testemunha de que o melhor aprendizado vem com o diálogo, estou sempre à
disposição do leitor. Qualquer tipo de comunicação pode ser direcionada a mim
([email protected]) ou ao site www.casadejanaina.com.
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Introdução
A condição de Exu na Umbanda, tanto como orixá quanto como espírito, condiz com a figura do
mensageiro, do “Povo de Rua”, e é bastante controversa. Nas casas mistas e na Umbanda de Nação,
ele é cultuado como Orixá, mas, na Umbanda tradicional, é tratado como espírito, a serviço dos
falangeiros, mas pouco evoluído, ligado à materialidade e ao mundano. Assim, esta é uma das
entidades mais controversas, pois, dados o seu caráter de ação material e sua natureza fanfarrona e
vingativa, Exu foi tomado em sincretismo, pelo Diabo. Essa associação fica explícita em trecho de
canções como:
Todos os nomes citados são relacionados a Exu e sua atuação, exceto o de Lúcifer, o Anjo caído
precipitado aos Infernos no Gênesis da Bíblia Católica. Outro fator que colabora para essa visão são
os instrumentos de Exu Orixá: o ogó (uma espécie de porrete, com forma fálica, com o qual Exu
protege as Encruzilhadas e pune aqueles que violam suas normas) e os tridentes (associados com o
tridente com o qual o Diabo castiga as almas no Inferno, mas que, na verdade, nada mais é que a
simbologia dos caminhos de Exu, os milhares de caminhos para onde ele pode ir).
Exu Orixá, na Umbanda, tem um culto muito restrito. As entidades que servem a seus fins, Exus de
Rua e Pombagiras, é que acabam por realizar suas funções. Na Umbanda, não se manifesta o próprio
Orixá, mas sim seus mensageiros, espíritos que vem a terra para orientar e ajudar. Quando
incorporam, alguns se caracterizam com capas, cartolas, bengalas (masculinos), e saias rodadas,
brincos, pulseiras, perfumes e flores (femininos, também chamados de Pombagiras). Não é
necessário, contudo, que os médiuns se valham dessas vestimentas e artifícios para Exu. Cada
terreiro trabalha de uma forma diferente, alguns centros uniformizam a roupa dos médiuns, onde todos
vestem branco, por exemplo.1
Encontramos aqueles que creem que os Exus são entidades (espíritos) que só fazem o bem, e
outros que creem que eles podem também ser neutros ou maus. No entanto, a maioria das pessoas, e
até mesmo dos médiuns e dirigentes, não têm uma ideia muito clara da natureza da(s) entidade(s),
quase sempre, por falta de estudo da religião.
Os Exus não devem, portanto, ser confundidos com os obsessores, apesar de ficarem sob o seu
controle e comando os espíritos atrasadíssimos na evolução e que são orientados por eles para a
caridade e o trabalho do equilíbrio. Há algumas diferenças na maneira de ver Exu no Candomblé e na
Umbanda. No primeiro, Exu é como os demais Orixás, uma personificação de fenômenos naturais.2
Já a Umbanda vê os Exus não como deuses, mas como uma entidade que busca iluminação por
meio da caridade. Em síntese, o grande agente mágico de equilíbrio universal.
É preciso dizer, também, que os trabalhos malignos (os tão famosos “pactos com o diabo”) para
prejudicar seriamente algo ou alguém, por exemplo, não são acordos feitos com os Exus, mas com os
Kiumbas que agem de maneira inescrupulosa e oculta e que não estão sob a orientação de nenhum
Exu, fazendo-se passar por um deles, atuando em terreiros que não praticam os fundamentos básicos
da Umbanda.
Os Exus são confundidos com os Kiumbas, mas esses últimos são, na verdade, espíritos trevosos
ou obsessores, desajustados perante a Lei, que provocam os mais variados distúrbios morais e
mentais nas pessoas, desde pequenas confusões, até as mais duras depressões. São espíritos que
se comprazem com a prática do mal, apenas por sentirem prazer ou por vinganças, calcadas no ódio
doentio. Esses espíritos, que usam indevidamente o nome de Exu, procuram realizar trabalhos de
magia dirigida contra os encarnados. Na realidade, quem está agindo é um espírito atrasado. É
justamente contra as influências, o pensamento doentio desses feiticeiros improvisados, que entra em
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ação o verdadeiro Exu, atraindo os obsessores, cegos ainda, e procurando trazê-los para suas
falanges, que trabalham visando à evolução.
É necessário também falar um pouco sobre a Pombagira, uma entidade feminina que trabalha na
Umbanda na Linha de Esquerda e é quem tem, em sua atuação central, a sexualidade e a magia. Sua
natureza é bastante extrovertida, e elas trabalham com seriedade e ética, sendo, por vezes, ainda
melhores que os Exus para alguns assuntos, especialmente relacionados a casamento e família, já
que não raro foram mães e filhas que aprenderam de forma dura a dar valor a isso.
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Por que Esquerda?
Por que falamos em Esquerda, na Umbanda? Qual a relação entre isso e as posições relativas com
que o cérebro compreende as posições espaciais no mundo? A resposta é simples: TUDO.
Para falar disso, devo, como autora, relembrar uma situação interessante que vivi alguns dias atrás:
tenho uma ex-aluna (já fui, durante onze anos, professora de inglês, português e literatura) que tem
uma priminha, com uns 7 anos. Estava conversando com a Mariana e a priminha dela se aproximou
perguntando: “Qual é minha mão direita?”, e a Mariana, desavisada, “Ora, Samantha, é a mão com
que você escreve”. Foi o pior erro que ela podia ter cometido: “Mas, Mari, a professora disse que eu
escrevo com a esquerda, mas todo mundo diz que a mão direita é a mão com que a gente escreve,
então, como eu posso ter direita e esquerda na mesma mão?”.
A história pode ser um pouco simplória, mas é o perfeito exemplo do que é a esquerda na
Umbanda; algo que as pessoas criam milhares de explicações comparativas – isto é, explica-se algo
com base em outra – mas nunca conseguem explicar conceitualmente ou por definição.
A associação do termo direita e esquerda à Umbanda, assim, pode ser interpretada de três formas:
a humana, vinculada ao uso da direita e da esquerda, e as implicações religiosas disso; a histórica e a
política.
No âmbito religioso, contudo, havia outros tipos de implicações: se, durante uma missa católica,
uma pessoa fizesse o sinal da cruz com a mão esquerda e não com a direita, ela era uma bruxa e
estava saudando o demônio, e não a Deus. Se um padre abençoava o pão e o vinho com a mão
esquerda, aquela era uma missa negra e aquele sacerdote tinha vendido sua alma ao demônio. Se,
ao confessar ser uma bruxa, uma mulher utilizasse a mão esquerda, ela tinha mentido para se salvar
e estava ainda com o demônio em seu corpo – era praticamente aceitar uma sentença de morte.
Esse tipo de mitologia se propagou. No Catolicismo popular, por exemplo, isso deu origem a casos
peculiares. Um deles, diretamente relacionado a isso, relata que, em certas partes do Brasil, um dos
nomes do Diabo católico seja “O Canhoto”, remetendo a sua natureza “de esquerda”.
Embora essa explicação pareça a muitos a mais plausível, há também alguns fatos históricos que
remetem ao uso do nome “esquerda” para as entidades como Exu, Pombagira, Malandros e outros.
Quando falamos em política, a esquerda é aquela que defende mudanças radicais para criar uma
sociedade mais igualitária. No entanto, entender o que significa uma sociedade igualitária é algo mais
complexo: para a Esquerda, o Estado (como representação coletiva) deve ser forte, deve haver
igualdade de renda (por meio da intervenção do Estado na economia, se necessário) e a vontade do
povo deve estar acima da Lei. Já para a Direita, a economia deve seguir de acordo com as
necessidades de mercado (liberalismo econômico, baseado nas leis da oferta e da procura), o Estado
existe para orientar e não para decidir, assim, cada indivíduo é responsável por si e a Lei sempre está
acima da vontade do povo.
As consequências religiosas disso são diversas: a Esquerda é vista como mais controladora,
intervencionista, capaz de fazer coisas extremas e de julgamentos muito mais radicais. Para a
Esquerda, então, haveria causa e consequência: se você faz algo, deve pagar por isso, enquanto a
Direita, aparentemente, é mais consoladora. São muitas as implicações e as similaridades com os
alinhamentos políticos.
Para entender melhor como na política esse termo foi cunhado, basta saber que ele surgiu durante
a Revolução Francesa, em referência à disposição dos assentos no parlamento; o grupo que ocupava
os assentos da esquerda apoiavam as mudanças radicais da Revolução, incluindo a criação de uma
república e a secularização do Estado, isto é, o distanciamento da Igreja, mantendo o estado laico e a
religião livre.
Mais tarde, surgiu um conceito distinto de esquerda política, no movimento que ficou conhecido
como a Revolta dos Dias de Junho, em 1848, quando falar de esquerda passou a definir vários
movimentos revolucionários na Europa, especialmente socialistas, anarquistas e comunistas.
Em todos os casos, a esquerda sempre é a parte mais controversa, polêmica e complexa da
questão, geralmente é associada a mudanças, quebra de paradigmas, de conceitos e de dogmas,
entre outras coisas. Na Umbanda, isso não é muito diferente.
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A Esquerda e a evolução espiritual
Tempos atrás, escrevi um artigo denominado Controvérsias sobre a Incorporação: Entidades,
Orixás, Reminiscências do Cristianismo e as Relações com os Seres Humanos, no qual acabei
discutindo o papel das entidades que incorporam na Umbanda. Prioritariamente, minha discussão se
encerrava entre Orixás e entidades da chamada “Direita”. Mas, os mesmos valores podem – e devem
– ser discutidos no que tange à Esquerda. Adaptei o artigo e confeccionei esta parte do livro a partir
dele.
Muito se discute sobre que tipo de entidade vem à Terra. Alguns dizem que são as entidades mais
evoluídas. Outros dizem que são aquelas que estão começando a entrar no nível do divino; já nas
crenças africanas, acredita-se que o processo de incorporação é feito pelos deuses, pelos Orixás, pois
no momento em que nascemos, a energia deles passa a habitar dentro de nós.
As negativas, debates e embates acerca desse assunto geram as mais diversas controvérsias, que
vão desde o papel das entidades e dos Orixás, a sua forma, até as suas relações hierárquicas. Um
bom exemplo disso é a seguinte citação, retirada da internet:3
Os Caboclos, Pretos-Velhos e Crianças, que fazem parte da chamada Corrente Astral de Umbanda,
trabalham dentro de uma das Sete Linhas de Umbanda […] Os Caboclos que trabalham nos terreiros
são das seguintes linhas: Orixalá (estes não incorporam, somente passam vibrações), Ogum, Oxossi,
Xangô e Yemanjá; os Pretos-Velhos são da Linha de Yorimá;e as Crianças da Linha de Yori.
Nos terreiros, em geral, trabalha-se com Protetores de 5º, 6º e 7º Grau. Para se trabalhar com Guia
(4º Grau) é exigida muita experiência e devoção por parte do médium. Raras (praticamente
impossíveis) são as incorporações de Orixás Menores (1º, 2º e 3º Grau), que necessitam de um
médium muitíssimo preparado, corrente mediúnica segura, um terreiro limpo no físico, astral e mental,
e ausência de obsessores até mesmo vindo da assistência. É impossível a incorporação de Orixás
Maiores.
Trechos desse artigo revelam algumas visões recorrentes e comuns na Umbanda, que, além de
gerarem grandes preconceitos com relação a outras religiões – especialmente de matriz africana –
generalizam fatores que não podem ser generalizados. Um primeiro problema é caracterizar entidades
de acordo com a linha e não de acordo com outras circunstâncias, como a natureza do médium, que
tipo de missão aquela entidade tem, qual o tipo de vibração que é da própria natureza da entidade etc.
No caso da Esquerda, o problema torna-se ainda maior, porque esse tipo de pensamento aliado à
natureza que Exus e Pombagiras regem, faz que eles sejam tomados por kiumbas, entidades sem
qualquer iluminação e até mesmo baixas e sem moral, ética ou valores, quando, na verdade, as
entidades da Esquerda na Umbanda são espíritos em busca de evolução e compromissados com a
espiritualidade superior. Eles trabalham no âmbito do perdão e da misericórdia, e suas regências
estão relacionadas à ação e à reação, à fé e ao caminho do equilíbrio, assim como qualquer um
Preto-velho ou Caboclo.
A exemplo disso, tomarei o Exu Veludo, para exemplificar como analisar essa entidade e entender
sua atuação, sua relação com os Orixás e o médium e a maneira como ele se manifesta.
Esse Exu vem, normalmente, em filhos de Xangô, mas também pode se manifestar em filhos de
Ogum, diferindo um pouco em seu ponto, mas com características muito semelhantes.
Seu ponto tem características muito importantes: são três tridentes curvos na parte de cima do meio
do círculo do ponto, demonstrando a finesse de sua riqueza, associada a Xangô; dividindo ao meio
dois tridentes retos, símbolo dos caminhos da rua; na base, uma espiral, mas não única, há mais
duas, menores, na parte de cima do círculo – elas são uma das representações da coroa, da realeza,
também proveniente de Xangô – uma cruz do lado esquerdo do ponto, mostrando que é um Exu
ligado, em geral, à morte e às demandas do espírito, pois Xangô abomina a morte, seu mensageiro o
defende dela, e um nó desatado do lado direito mostrando as demandas vencidas, sobre as quais
prevaleceu seu poder.
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Figura 1.: Símbolo do Exu Veludo.
Exu da meia-noite,
Exu da Encruzilhada,
No terreiro de Umbanda,
Sem Exu não se faz nada.
(resposta)
Ninguém pode com ele,
Ele pode com tudo,
Lá na encruzilhada,
Ele é Exu Veludo.
Como se pode ver, o ponto confirma precisamente aquilo que foi escrito no ponto riscado. Não é tão
completo, pois certas informações só devem chegar a quem precisa sabê-las e não a quem quiser
ouvir. Assim, basta analisar o ponto para ver que ele vence na demanda e na encruzilhada ou no
terreiro ele fala em nome de Xangô.
Por último, seu brado costuma ser intenso como o de Xangô, terminando numa grave gargalhada.
Seu nome também mostra sua realeza, a quem ele representa e de quem é mensageiro.
Sua indumentária, em geral, é uma capa de veludo vermelho (vermelho da realeza, herdado de
Xangô), recobrindo o peito nu. Por vezes, também pede uma cartola. É um dos poucos Exus que pede
para não ser servido com marafo, mas com gin e por vezes whisky. São notórios os traços da boemia
requintada em seus gestos e atos, é sempre muito conquistador e gentil com as mulheres.
Traz em suas mãos um tridente curvo e, por vezes, um Oxê, de seu orixá, Xangô, na outra mão.
Tudo isso mostra quem ele é e fornece a segurança aos seus atos. Como este, existem tantos outros
casos.
Como pudemos ver, há pequenos fatores que, uma vez identificados, ajudam a perceber a real
natureza de uma entidade que desenvolve, em conjunto com um médium, seu trabalho mediúnico.
Esses fatores podem ser resumidos em algumas perguntas:
Para responder essa pergunta, é importante saber, primeiramente que toda pessoa é formada pela
junção de sete Orixás que combinam suas características mais diversas para nos dar vida e
personalidade. Essa junção é representada por uma forma mística, o Septagrama ou Heptáculo, isto
é, a Estrela de Sete Pontas. Veja a imagem:
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Figura 2.: Estrela de Sete Pontas.
O primeiro Orixá de cada pessoa é aquele que nos rege, e ele pode ser feminino ou masculino.
Governa a cabeça, a coroa, o ser. Ele é a principal fonte da nossa personalidade.
O segundo Orixá, em geral, tem a essência oposta à do primeiro no que concerne ao gênero.
Assim, se a pessoa tem um orixá masculino no primeiro posto, terá um feminino no segundo. Se tem
um feminino no primeiro, terá um masculino no segundo. São raros, mas não impossíveis, os casos
em que uma pessoa pode ser regida por dois orixás de mesma essência, o que não caracteriza
nenhuma anormalidade ou coisa errada, apenas diferença entre as pessoas. O Orixá do segundo
posto é o que rege a natureza de cada um, aquilo que somos no mais íntimo.
O terceiro Orixá é o que conhecemos por Juntó. A maioria dos médiuns só conhece até esse Orixá.
Busca-se além mediante necessidade, por saúde, por outro motivo ou sacerdócio – afinal, para cuidar
de outras pessoas, é essencial conhecer a si mesmo. A partir daqui, os Orixás já não têm muito
parâmetro relacionado ao gênero, isto é, podem conter essência feminina ou masculina. Esse posto
rege o comportamento, isto é, o que somos para as outras pessoas.
O quarto Orixá rege a saúde, bem como o quinto rege a família, e o sexto rege o trabalho.
A sétima posição, obrigatoriamente, cabe sempre a Exu. Ele é o senhor de tudo quanto é mundano
e material. Seja um Exu feminino ou Pombagira, ou um Exu masculino, Eleguá, ele sempre regerá
tudo quanto for mundano em nossas vidas, mantendo o equilíbrio.
A cada um dos Orixás corresponde uma entidade. Entre o terceiro e o sexto Orixás, as entidades
podem se alternar, mas certas posições acabam sendo fixas. O primeiro Orixá é quem determina o
Guia, ou a entidade responsável pela Coroa do Médium. O segundo Orixá é o que normalmente
delimita a natureza do Erê ou Criança do médium, representa a natureza daquele espírito, o que é o
mais puro e intocado. E o sétimo posto é sempre de uma entidade vinculada a Exu, isso quando não
um casal de Exu: macho e fêmea, o que é até mais comum. Assim, a estrutura se organiza da
seguinte forma:
2. Qual a hierarquia que aquela entidade desempenha, dentre as demais entidades daquele
médium?
O Guia é a entidade que primeiro responde pelo médium. Daí em diante, segue-se uma cadeia de
seis postos, nos quais se organizam as entidades, de acordo com:
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Qual o tipo de energia com que aquela entidade mais trabalha? Cura? Paz interior? Justiça?
Batalha? Verdade? Materialidade? Trabalho?
Respondida essa questão, fica-se mais próximo de entender em que linha aquela entidade
realmente atua.
4. Outros fatores
a. O título pelo qual aquela entidade se identifica (quando um Preto-velho, por exemplo, identifica-
se como “pai” e não como “vovô” ou uma Preta-velha se identifica como “mãe” ou ”vó” e não
como “tia”, isso já nos mostra que estão em maior ou menor grau de evolução e/ou em maior
ou menor proximidade com o médium em questão, além de poderem ser seus ancestrais).
b. O Ponto Riscado (ele contém muitos elementos que podem remeter ao Orixá ao qual a
entidade responde ou em qual linha atua).
c. O Ponto Cantado (ele pode conter uma referência, novamente e como o Ponto Riscado, ao
Orixá ao qual a entidade responde ou em qual linha atua).
I. A Umbanda é uma religião que prega a Reencarnação, isto é, os adeptos creem que existe um
ciclo natural de nascimento-vida-morte-renascimento. São necessárias várias existências para
alcançar o equilíbrio do corpo (físico que, com o cessar de seu funcionamento, projeta-se no
astral), da mente e do espírito. Alcançado esse equilíbrio, a espiritualidade se abre em
inúmeros planos e o Ser, sublimado e transcendente, evolui. Nesse ciclo de encarnação-morte-
reencarnação todas as fases têm suma importância, assim, não se deve desprezar a vida
material em detrimento da espiritual, nem a espiritual em detrimento da material.
II. A Lei do Equlíbrio ou da Ação e Reação é outro ponto fundamental na Umbanda. Com o
advento da Umbanda Astrológica, ou Esotérica, e os contatos com o Budismo e o Hinduísmo,
já bem depois da gênese da religião, muitos passaram a conhecer os conceitos pertinentes a
essa lei como Kharma e Dharma, ou causa e consequência. Para entender essa lei, em
primeiro lugar, é essencial entender a premissa da reencarnação, pois ela rege o equilíbrio
entre as ações e as reações que cada pessoa gera enquanto evolui. Resumindo, tudo que
fazemos, toda ação que realizamos, gera uma reação, de igual força e em sentido contrário,
isto é, que volta em nossa direção. Se plantarmos o bem, colheremos o bem. Se plantarmos o
equilíbrio, colheremos o equilíbrio. Se plantarmos o mal, colheremos o mal. Se plantarmos
vícios, colheremos vícios.
III. O praticante da Umbanda crê na utilização da mediunidade, em todas as suas formas
(incorporação, audiência, vidência, clarividência e uso de oráculos, psicografia, percepções
extrassensoriais), para interagir com o mundo espiritual, buscando evolução e integração com
ele.
IV. Na Umbanda, a Evolução Espiritual e a Evolução Material do homem caminham lado a lado e
equilibram-se mutuamente. O plano físico serve de aprendizado, bem como o plano espiritual,
para chegar à plenitude da existência e integrar-se com Deus.
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V. Acima de tudo, os Umbandistas creem que todos esses conceitos se manifestam por um
motivo que pode ser resumido em quatro palavras: amor, humildade, caridade e fé.
A partir disso, já podemos perceber uma grande diferença entre os espíritos da Direita e da
Esquerda. Enquanto os primeiros nos preparam para a vida espiritual e vêm à Terra para zelar por
nossa paz de espírito e evolução, os espíritos da Esquerda vêm em Terra para zelar por uma vida
material plena, que deve sempre andar em equilíbrio com a vida espiritual. Um ciclo não é pleno sem
que o outro também o seja, isto é, não existe um espírito evoluído que tenha por opção se entregado
a uma vida miserável, ruim, mesquinha e de resignação sem lutar, sem viver, sem dar valor à dádiva
que é estar vivo, amar, apaixonar-se, casar, ter filhos, família, cuidar dos pais velhinhos, ter amigos, ir
a festas e experimentar todas as primeiras vezes que todo ser humano experimenta, ficar velho,
sofrer, ser feliz e tudo mais quanto está em nossa natureza. A Esquerda é quem cuida de tudo isso, é
quem zela pelo equilíbrio entre o corpo e a alma, mantendo o espírito em constante evolução.
Por isso, no que concerne aos Exus e Pombagiras, algumas questões são controversas demais e
precisam de uma discussão maior e racional, organizada e sem preconceitos. Por isso, nossa
proposta é fazer uma análise racional, respondendo algumas questões:
Para o cristão católico, pecado é tudo aquilo que contraria a vontade de Deus, ao que podemos
relacionar os sete pecados capitais e as violações aos dez mandamentos (para quem fugiu da
catequese católica ou nunca chegou a fazer, lá vai):
Os 10 Mandamentos
Lendo isso, percebemos que quase tudo quanto podemos considerar “humano” entra no que é
considerado pecado, e que poucos são os quesitos que mostram objetivamente algo que pode ser
considerado “errado”, como não matarás, não roubarás e não levantarás falso testemunho. Portanto,
só nos salvaríamos nos entregando ao sofrimento e a privação em vida para garantir um bom lugar no
Reino dos Céus.
Bom, a questão é que, para algumas vertentes ainda um tanto apegadas aos preceitos católicos,
ignorando os rumos seguidos pela espiritualidade e até mesmo orientado pelas entidades, a Umbanda
trabalha com essa noção de pecado para classificar os homens e as entidades, especialmente nas
Sete Linhas e para associar esse tipo de atitude à regência de Exu, como se tudo isso fosse impuro.
Em sua gênese na Umbanda, a noção de pecado passou a diferir bastante do pecado católico e, por
isso, houve a grande perseguição que a Umbanda sofreu em seu princípio. Alguns dos fatores que
geraram essa diferenciação são os que seguem:
O sexo, para os espiritualistas, é parte do sagrado e a união entre duas pessoas é abençoada.
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A comida e o comer bem fazem parte da nossa fé; as festas, a dança e a música cuidam do
nosso corpo físico e regozijam o espiritual.
Guardamos dinheiro, pois vivemos numa sociedade de consumo, em que é necessário tê-lo,
até mesmo para sustentar uma casa de Umbanda e fazer caridade.
Sentir orgulho é parte de reconhecer nossa identidade, nossos sonhos e que pertencemos a
uma comunidade.
O descanso é tão merecido quando o trabalho, e o equilíbrio entre ambos nos torna completos.
Por último, a batalha, não a violência, são necessárias para alcançarmos nossos objetivos,
portanto, praticadas em nosso dia a dia (além de um dos deuses da Umbanda reger a própria
guerra, Ogum).
Portanto, o pecado fica uma coisa nebulosa e contraditória: ou aceitamos que somos todos
pecadores e sempre viveremos em sofrimento, ou entendemos que o pecado é o desequilíbrio, o
excesso, aquilo que nos afasta do caminho do meio, da bem-aventurança.
É para isso que a Esquerda serve: para nos mostrar que a vida material é tão importante quanto a
vida espiritual e que nem podemos nos apegar demais a uma, nem podemos rejeitar a outra. Quando
percebemos que as entidades como Exus e Pombagiras vêm ao mundo, incorporadas, com uma
missão simples que é a de nos fazer perceber quão importante é dar valor à festa que chamamos de
vida, ser feliz, ajudar o próximo e manter o equilíbrio e a moderação, percebemos que eles são
entidades tão iluminadas quanto os Caboclos, que, justamente por não terem mais um corpo físico, é
que dão tanta importância a ele.
Assim, a vida se torna muito mais leve e percebemos que não estamos aqui para expiar pecados.
Muitos de nós estão aqui porque sabem que na mesma medida dos prazeres há sofrimentos, mas que
ambas as coisas somente nos fazem aprender. E isso escolhemos por vontade própria, pois, sem boa
vontade, nada se aprende.
2. Deuses e Homens
No Catolicismo é fácil compreender que Deus está distante dos homens, pois ele é supremo e
governa todo o Universo. Mas, mesmo no Catolicismo, existe uma possibilidade de proximidade, por
meio dos Anjos, que podem vir à Terra nos socorrer, e dos Santos, homens que evoluem para chegar
mais próximos de Deus, por meio do martírio, da penitência e da privação.
A Umbanda, no entanto, é uma religião espiritualista/naturalista. Para nós, o Deus Criador de todas
as coisas, aquele que é o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ômega, está a nossa volta em todas as coisas,
presente no nosso cotidiano, nos deuses que nos cercam e nos regem e, principalmente, na natureza.
Os Orixás, Deuses que nasceram a partir dele, guardam-nos como seus filhos e nos alimentam com
sua energia. Eles são, em Orún, o reflexo do que somos em Ayé.
Por isso que, nas religiões africanas, em que o culto teve origem, são, sim, os Orixás que
incorporam nos homens e não seus representantes ou entidades que falam em seu nome. Alguns
podem dizer que ninguém poderia incorporar Xangô, pois ele é fogo e pedra, e a transformação não é
possível. Entretanto, esse é um argumento falho, uma vez que quem o usa se vale de uma premissa
falha: a de que o Orixá é o próprio elemento, quando, na verdade, ele o rege, o controla e o
representa. Assim, não é impossível que uma energia habite um ser humano, da mesma forma como
habita o Planeta, já que somos parte essencial e, como toda vida e matéria presente aqui, vital para o
equilíbrio.
O mesmo podemos falar de Exus e Pombagiras e, especialmente, do Exu Orixá: por que Exu não
pode ser divino? Por que ele não pode ser um Deus e não simplesmente um empregado?
A resposta é muito simples: na nossa cultura é difícil aceitar que os deuses estejam tão próximos do
plano físico e de tudo quanto acontece nele. É difícil aceitar que não podemos “esconder” o que
acontece aqui. Um deus que está na Terra não depende de seus mensageiros e, se Exu é um Deus,
ele também – e até mais que todos – rege as causas e as consequências de tudo quanto fazemos.
Assim, acaba restando a pergunta: por que acontece com uns e não acontece com outros? Por que
alguns incorporam Orixás e outros não incorporam nada além de suas entidades?
A resposta é simples: porque somos todos diferentes e únicos. A missão de um pode não ser a
missão de outro e, justamente por este motivo, é que esbarramos em alguns dos grandes problemas
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atuais da Umbanda (e, por que não dizer, das religiões de matriz africana e espiritualistas de maneira
geral):
A. O primeiro, a política de “se eu não conheço, é porque não existe”. Infelizmente, uma prática
cada vez mais comum, ligada principalmente à prepotência dos homens. É impossível que
exista alguém capaz de deter todo o conhecimento sobre um determinado assunto, seja ele
humano ou divino. Entretanto, muitos se apressam em dizer com toda a convicção “isso não
existe”, “isso é uma farsa”, “isso jamais acontece”. Muitos “sacerdotes” se valem desse tipo de
argumentação para manter os “clientes” que pagam por suas consultas ou, na pior das
hipóteses, manter os filhos presos à Casa, mesmo contra a própria vontade e contra a
necessidade expressa pelo Orixá, pois, com a saída de um filho, perde-se a colaboração que
ele dá para o Templo. O pior é que esse tipo de política só gera preconceito e conflito para a
própria religião e não traz nenhum benefício.
B. O segundo, especialmente no que concerne aos sacerdotes, “se eu não posso, ninguém mais
pode”. Existe uma política de que o Orixá mais alto da casa é sempre o do sacerdote. Bom, se
todos tiverem essa política de ignorar a verdadeira face dos deuses em troca do próprio status,
como ficam as pessoas que têm uma entidade num posto mais alto ou um Orixá mais
diferente? Vamos mudar a natureza das coisas só porque somos diferentes?
C. E o último, e mais grave, o que podemos chamar de globalização e massificação da religião.
Hoje, é muito comum passar pouco tempo estudando ou aprendendo sobre a religião: o comum
é aprender o básico, conseguir alguns adeptos, abrir uma casa e seguir adiante, “Globalizando
a Macumba” como me disse certa vez uma sacerdotisa, muito velhinha, no alto dos seus 87
anos, “vendendo santo em latinha”. Hoje em dia, ninguém risca ponto e acende uma vela para
fazer atendimento, vela só no pegí ou no congá; as especificidades acabaram-se e os batismos
nunca acontecem para uma pessoa de cada vez – realiza-se logo com 10 ou 12 pessoas de
uma vez, que é para economizar, não importa que cada um está num nível diferente. É a
massificação da religião: estamos transformando a Umbanda num drive-thru espiritual, peça
pelo número, pague e leve. Por quê? Porque é conveniente. E para isso é necessário fidelizar o
cliente e reter a compra, fazendo o marketing correto, negativando a imagem do outro. Se você
admite que o outro sacerdote é tão bom quanto você, sabe tanto ou mais que você, é tão ou
mais íntegro que você, corre-se o risco de perder o cliente, quero dizer, o fiel. Mas, se mostra
que o produto dele não é tão bom, a comida não é tão bem-feita ou a vela não brilha tanto, a
pessoa permanece, afinal, aquilo que custa mais caro e é melhor, é aquilo a que se dá valor. E
viva a chegada do capitalismo no mundo espiritual.
Por fim, feita toda essa argumentação, é necessário relembrar que, no começo, falou-se das
relações com o Catolicismo e colocou-se que o sofrimento era uma parte integrante da crença
católica, não umbandista. Além de sermos uma religião espiritualista/naturalista, em que o plano físico
e o espiritual têm a mesma importância, pois tudo faz parte de um intrincado equilíbrio de energias
que nos levam à evolução, outro ponto a favor do argumento de que, sim, Deuses e Entidades andam
entre nós, interagem e incorporam, e este não é apenas um plano de expiação, mas um plano onde
podemos buscar a nossa própria felicidade.
E esse argumento jaz nos ensinamentos do próprio Mestre Jesus. Em vários episódios, ele mostrou
o valor do conhecimento (como quando, ainda criança, debateu com os rabinos no Templo sobre as
Leis de Deus), de aproveitar a Vida (como quando bebeu com os mercadores, embora estes não
fossem bem-vistos, já que levavam uma vida mais materialista) e exercer a Caridade e o Perdão
conscientes, não por obrigação (como quando perdoou a mulher adúltera em vez de apedrejá-la, após
um julgamento tendencioso, como era típico da época). Ele nos mostrou que o mundo espiritual está
mais próximo que imaginamos quando disse ao Bom Ladrão: “Em verdade te digo, ainda hoje estarás
comigo no Paraíso”. Então, por que seremos nós a contrariar os ensinamentos de tão sábio mestre,
dos guias e entidades e dos Orixás em Terra, apenas para satisfazer nosso orgulho vão?
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Exus, Pombagiras e a Magia Negra
Comumente, em algumas vertentes da Umbanda e da Quimbanda, o uso da Magia Negra é
associado a Exus e a Pombagiras. É quando entra outra grande controvérsia relacionada à Esquerda:
se eles são entidades que obedecem aos Orixás e a Deus, como podem fazer uso de uma magia que
prejudique as pessoas, que lhes cause danos físicos e espirituais?
Embora requeira um pouco mais de entendimento, a resposta é simples: Exus e Pombagiras, tal
qual qualquer espírito humano, são dotados de livre-arbítrio. Eles não devem, e são orientados em
não fazê-lo, mas eles podem, sim, praticar a Magia Negra. Na verdade, qualquer entidade tem o livre
poder de fazê-lo, incorporada ou não, é apenas uma questão de escolha.
Para entender tudo isso, vamos ser um pouco mais específicos, começando por responder a
pergunta: o que é Magia Negra?
Muito se fala, mas parece que perguntar é proibido, e a simples menção do nome Magia Negra
desperta calafrios e suscita medo e temor. Magia Negra ou Goécia, nada mais é que um sistema
mágico julgado mau ou diabólico (e, de novo, a imagem do diabo cristão), no entanto,
psicologicamente falando, é o momento em que nos valemos do nosso lado obscuro (ou a nossa
Sombra, segundo Carl G. Jung) para manifestar nossa vontade, nossas necessidades ou nossos
desejos. Algumas das práticas da Magia Negra envolvem prometer coisas a entidades, espíritos ou
demônios, em troca de benefícios ou de ter suas vontades atendidas.
Assim, se pararmos para pensar, se fazer Magia Negra é dar algo para obter algo em troca, não é
muito diferente do que faz com qualquer entidade da Umbanda: se nos consultamos com um Preto-
velho ou um Caboclo, nem que seja a nossa boa vontade de ouvir e seguir seus conselhos, estamos
dando, e nesse processo, eles também são beneficiados, pois estão cumprindo sua missão de
caridade, também estão recebendo algo em troca. Por que, então, o que se faz com um Preto-velho é
Magia Branca e o que se faz com um Exu é Magia Negra? Essa resposta tem muitos fatores, mas os
principais são:
1. Preconceito, pois a ética e a moral de um Preto-velho estão muito mais próximas que a
sociedade carnal aceita como normal, natural ou de bom tom, que a de um Exu ou Pombagira,
que são espíritos mais livres de aparatos sociais, já que, mesmo em vida, costumeiramente
eram pessoas, muitas vezes, distanciadas da sociedade e renegadas por ela.
2. Falta de compreensão sobre o código de moral, ética e comportamento que rege os Exus e
Pombagiras, que discutiremos a seguir.
O ponto principal deste assunto, contudo é que aquilo que preconceituosamente se chama de
Magia Negra entre Exus e Pombagiras, nada mais são que atitudes sem hipocrisia ou amarras
sociais, fatores que discutiremos a seguir.
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Um ponto de equilíbrio
Exus e Pombagiras são entidades por vezes bastante contraditórias, não por que sejam ruins ou
amorais5 e imorais. Eles são bastante controversos pois não estão presos a amarras sociais, e os
elementos que regem são, em geral, profundamente ligados a materialidade.
Para entender melhor como isso funciona, é importante entender de onde surgiram Exus e
Pombagiras.
O nome Exu é iorubano, significa mensageiro e remete ao Orixá que fica entre o Céu e a Terra, que
leva e traz mensagens entre os homens e os deuses. Em sua natureza, ele rege tudo quanto é
material, físico e carnal, é ele quem traz o dinheiro, a fertilidade, o prazer, a festividade, a comida
farta.
Já a palavra Pombagira é uma aportuguesação do termo do quimbundo (língua autóctone de
Angola, na África) Mbobogiro, que também remete a um espírito mensageiro, situado entre o Céu e a
Terra. A principal diferença entre eles é que, no panteão iorubano, vê-se exu como uma essência
masculina e, entre os quimbundos, como uma essência feminina, daí a associação (nesse mesmo
panteão existe elegbara para a essência feminina). Para entender sua real natureza, é necessário
pensar nas lendas a respeitos dos Orixás e Inkices que deram origem a essas entidades.
São muitas as lendas que concernem a Exu e a Pombagira, todas muitos semelhantes, versões
com nomes diversos para as mesmas histórias, portanto, padronizaremos as narrativas em nome de
Exu.
Em especial, algumas dessas histórias contam as características mais cultuadas pelo povo de
Umbanda nesse Orixá. Conta uma dessas lendas que Exu era um andarilho, sem eira nem beira, não
era rei, nem possuía qualquer riqueza, não tinha profissão, não conhecia nenhuma arte, não tinha um
objetivo pelo que se esforçar. Quando não tinha mais o que fazer, ia até a casa de Oxalá, onde se
divertia vendo o Pai-de-Todos fabricar os seres humanos. Com o tempo, passou a prestar muita
atenção em tudo o que o velho Orixá fazia. Além de ver tudo quanto era feito dos seres humanos, Exu
via todos que iam ali levar presentes e oferendas. Com o tempo, passou a ajudar Oxalá, pois
observou por dezesseis anos como ele fabricava cada ser humano. Foi quando Oxalá percebeu que
perdia muito tempo recebendo ele mesmo os presentes e as pessoas, e pediu a Exu que ficasse na
encruzilhada que antecedia sua casa. Exu cumpriu perfeitamente seu papel, de não deixar passar
ninguém que não fosse convidado e levar as oferendas para Oxalá, no que Oxalá o recompensou:
todos que ali passassem, deveriam dar a Exu também uma oferenda e, assim, o seria em toda
encruzilhada na qual ele se pusesse. Assim, Exu virou o Rei da Encruzilhada.
Outra lenda sobre Exu reza que este, por ser o mais novo, irmão de Xangô, Ogum, Oxóssi, sempre
recebia as homenagens que lhe competiam por último. Por querer mais atenção, ele vivia criando
confusão e turbulência, o que fez que Oxalá, seu pai, decidisse castigá-lo com severidade,
aprisionando-o.
Seus irmãos mais velhos o aconselharam a fugir e deixar Orun (o Céu) no que ele veio para Ayé (a
Terra). Mas, enquanto Exu estava no exílio, seus irmãos continuavam a receber festas e louvações.
Ele não era mais lembrado e ninguém sequer procurava notícias de seu paradeiro. Usando mil
disfarces, ele rondava nos dias de festas, as portas dos templos de seus irmãos, e ninguém o
reconhecia disfarçado, pois Exu tem mil faces quando quer. Ele vingou-se por ter sido esquecido,
semeando sobre o reino dos Orixás toda sorte de desgraça, intriga, confusão e desentendimento. Não
demorou muito para que as festas religiosas fossem proibidas em virtude da balbúrdia e dos
problemas que traziam. Os sacerdotes, então, foram procurar um babalaô nas portas da cidade. O
babalaô saberia o que estava acontecendo, já que ele é o sacerdote que comanda e possui o poder
de ver nos búzios o destino de cada um.
Ele abriu os búzios e disse que Exu falava no jogo e estava furioso por ter sido esquecido por todos,
que por isso exigia dos homens que os primeiros sacrifícios fossem dele, e que os cânticos de toda e
qualquer cerimônia fossem, primeiro, sempre para ele, pois ele era o mensageiro entre Orun e Ayé,
ele vivia entre o mundo dos homens e dos deuses, somente ele sabia o caminho. O babalaô disse que
Exu pediu um bode e quatro frangos, mas os demais sacerdotes caçoaram dele, dizendo não haver
motivo para se preocupar com um Orixá menor como Exu, não dando importância ao que este dizia.
Só que, quando quiseram se levantar para ir embora, não podiam se mexer, suas pernas estavam
imóveis e não podiam se levantar. Era mais uma das artimanhas de Exu. Há quem jure que sua
gargalhada pôde, então, ser ouvida ao longe.
O babalaô pediu respeito e, recitando cânticos em nome de Exu, ajudou cada um a se levantar. O
babalaô os aconselhou a fazer o que ele mesmo fazia, pois Exu é mensageiro, ele corre o mundo e
tanto pode trazer quanto levar: que dessem primeiro de comer para acalmar Exu e que fosse assim
para todo sempre – daí a tradição de se despachar oferendas para Exu antes de realizar qualquer
ritual.
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Há outras tantas lendas, mas essas duas falam especificamente sobre aquilo que é característica
primeira de Exu: ele é o mensageiro, portanto, deve comer primeiro, para levar as mensagens e
oferendas aos outros deuses. Exu rege a encruzilhada, isto é, a junção de todos os caminhos, porque
ele é cuidadoso com as ordens do Pai Oxalá.
Também mostram que Exu tem um senso diferente de fazer justiça ou de tocar as coisas como
devem ser: a vingança, para ele, é um tipo de acerto, uma maneira de conseguir o equilíbrio. Para ele,
muitas vezes, os fins justificam os meios e são a ferramenta pela qual um objetivo deve ser
alcançado; ainda, o que a sociedade acha nem sempre é o certo, pois cada um sabe o que é
necessário para si e para aqueles que ama. A justiça de Exu e, por consequência, das entidades que
atendem em seu nome, é bastante concisa, não tolera hipocrisia e não se deixa levar por achismos,
nem tampouco suas decisões estão baseadas no que é visível. Muitas vezes ele consegue prever
coisas que, num determinado momento são incertas, mas podem se mostrar bastante concisas.
Para exemplificar isso, nada melhor que um exemplo da vida real.
Recentemente estive em uma casa de Umbanda, que não citarei e, na assistência, enquanto
aguardava o início da Gira, perguntei a uma moça presente, por que ela estava ali. Ela me respondeu
que estava ali para falar com a Pombagira Maria Padilha das Sete Encruzilhadas. Perguntei o motivo
pelo qual ela queria falar especificamente com aquela entidade. Sua resposta foi bastante concisa:
“Eu quero ter um filho com meu marido e sei que ela vai me ajudar; estamos tentando há 3 anos, mas
eu sofri um acidente pouco antes de casar e não consigo engravidar. Ela já nos ajudou a ficar juntos,
então sei que ela vai fazer o possível para termos um filho.”
A fé inabalável daquela mulher no que a Pombagira faria para ajudá-la era heróica. Quando ela saiu
de seu atendimento, veio falar de novo comigo. Perguntei como tinha sido e ela estava um pouco
decepcionada, disse que a Pombagira não lhe mentira: seria quase impossível que ela fosse mãe e
disse também que, mesmo que não tivesse filhos do seu sangue, seu instinto maternal faria que ela
criasse outros filhos, dela, mas não de sangue, e de outras pessoas. Quando perguntei a profissão da
moça, descobri que ela era berçarista, numa creche pública que abrigava crianças carentes.
Por fim, restava-me uma última curiosidade: ela tinha dito que tinha conseguido ficar com o marido
com a ajuda da Pombagira. Perguntei-lhe como, e ela respondeu:
“Conheci meu marido por intermédio de uma amiga, com quem ele era casado. Me apaixonei, mas
sempre mantive isso em segredo, até por que essa minha amiga estava passando por problemas bem
graves. Lutei contra o que eu sentia, sabia que não era certo, que as pessoas não iam aceitar. Ela era
alcoólatra e usava algumas drogas esporadicamente, mas justificava isso por conta de uma
depressão. Só que com o tempo, ela foi arrastando ele para o fundo do poço junto com ela e se
afastou dos amigos que tentavam ajudar. Ela achava que aquela vida era boa pra ela. Ela começou a
traí-lo, ele começou a beber, até que por conta da vida desregrada que levava, ela ficou grávida,
perdeu e ficou estéril. Foi quando pedi a ajuda de dona Padilha para resolver a situação. Ela me disse
que em sete dias, para bem ou para mal, dependendo do quanto ELA tivesse vontade de resolver a
situação, tudo estaria resolvido. No sétimo dia, ela fugiu com outro, deixou ele sozinho, o casamento
deles acabou e eu o ajudei a se recuperar. Depois de seis meses ficamos noivos e depois de um ano
e meio, casamos. Minha amiga se afundou nas drogas, por vontade dela. Quando soube que eu e ele
estávamos juntos, começou a me difamar dizendo que eu tinha roubado o marido dela e acabado com
a vida dela. Mas quem sabe da verdade, como disse a Dona Padilha, sou eu e ele, e isso basta.”
Pombagiras, em especial, sabem que casamento é feito com amor, não com um papel assinado no
cartório. Sabem que quando há desrespeito e quando um leva o outro para o fundo do poço, isso não
é amor, é obsessão – e as entidades da Esquerda trabalham justamente no ato de acabar com esse
tipo de relação doentia.
Sobre o caso da moça não poder ter filhos, para alguns, não ser mãe de sangue de alguém pode
ser um suplício, um castigo por algo feito errado. O que as pessoas não enxergam é que o destino de
uns não é o dos outros. Há muitas mães de sangue que renegam seus filhos, deixam-nos na miséria,
pedindo esmolas, sendo explorados. Há, contudo, aquelas que têm amor suficiente para dar e mudar
o destino de crianças que nem sempre são do seu sangue. Cada pessoa tem uma missão diferente a
cumprir. A Pombagira sabia disso e provou ao dizer a verdade, que dificilmente aquela mulher teria
um filho do seu próprio sangue, mas que ela poderia ter muitos outros e assim realizar-se como
mulher.
Para a sociedade e, principalmente, para os valores cristãos, o que a Pombagira fez foi antiético,
imoral e maldoso: separar duas pessoas casadas em prol de uma terceira. Será?
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Será que valeria mais a pena deixar o homem se afundar nas drogas e no alcoolismo junto com a
mulher que não queria sair desse caminho, nem aceitava ajuda? Será que valeria mais a pena deixá-
lo num casamento infeliz, estéril por conta da irresponsabilidade da esposa? Será que valeria a pena
afastar a única amiga verdadeira que aquele homem acabou tendo e que foi até uma entidade pedir
por ele e por sua saúde, e não por si, tudo por que a mulher era incapaz de ter vontade de largar seus
vícios?
Portanto, e por último, será que a Pombagira foi tão irresponsável assim ao intervir na situação?
Os valores sociais dizem que sim. Mas, em termos de justiça e sentimento pessoal, duvido que
alguém seria capaz, de consciência limpa, de dizer que não.
Para saber maiores informações sobre vestimentas de trabalho e atendimento na Umbanda, consulte
o livro Tudo que você precisa saber sobre Umbanda – Volume III, da mesma autora, por esta editora.
Retirado do link:
http://www.maemartadeoba.com.br/a%20umbanda/Sete%20Linhas%20da%20umbanda/Sete%20Linh
as.htm.
É preciso que se diferencie as palavras imoral e amoral. Imoral é aquele que conhece a moral, mas
não se orienta por ela e a renega. Amoral é aquele que desconhece a mora, como uma criança que
não empresta o brinquedo a outra, não por ser egoísta ou maldosa, mas porque ainda não aprendeu a
dividir e compartilhar os bens.
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Capítulo 1
E XU
Embora já tenhamos falado um pouco sobre quem é Exu e sua natureza, nada como um breve
esclarecimento para elucidar alguns outros detalhes – e para situar quem olhou no índice e veio direto
para esta página.
A origem de Exu é africana: ele é um Orixá proveniente do panteão iorubano (etnia fixada
geograficamente na Nigéria). Ele é o mensageiro, aquele que rege toda a comunicação, guardião das
cidades, das casas, da sexualidade e de todas as coisas que são criadas pelo homem. Ele é o Orixá
de tudo quanto está em movimento.
Exu tem o direito de receber oferendas primeiro, a fim de assegurar que tudo corra bem, assim é
que ele garante a comunicação entre o Céu e a Terra, o mundo espiritual e o físico.
Tanto na África em colonização quanto mais tarde, quando os negros escravos vieram para o Brasil,
Exu – por sua natureza brincalhona e irreverente, e sua representação, que consiste num falo (pênis)
humano ereto, simbolizando a fertilidade – foi sincretizado com o Diabo do catolicismo. Assim, por
toda a sua maneira provocadora e astuciosa, sem falar nas claras menções sensuais e sexuais de seu
culto, Exu foi confundido com Satanás ou Lúcifer, o Anjo Caído. No panteão iorubano, essa
associação, além de ofensiva, é absurda, pois Exu não está em oposição a Deus, nem é a
personificação do mal; pelo contrário, reger a materialidade garante o equilíbrio entre o mundo físico e
o espiritual.
Justamente por estar tão intimamente ligado à materialidade, ele não tolera dívidas: se uma coisa é
prometida a Exu, ela deve ser cumprida, ou ele se divertirá provocando problemas e calamidades às
pessoas que não cumprem com sua palavra. Justamente por isso, ele é tido como o mais humano dos
Orixás e o único que se relaciona com espíritos desencarnados que servem a suas missões, daí a
origem do Exu cultuado na Umbanda.
O Exu da Umbanda, tal qual o Exu Orixá, não possui muitas quizilas ou ewós, isto é, proibições –
ele pode aceitar praticamente tudo quanto lhe é ofertado
Como aceita quase tudo que lhe oferecem, especialmente coisas mundanas e acessíveis, como
farofa e otim (bebida alcoólica, em iorubá). Justamente por isso, desenvolveu-se uma crença de que
pode-se fazer pactos ou “comprar” os atos de um Exu ou de uma Pombagira. O mito é, na verdade,
uma má interpretação do ato de compromisso: ninguém compra uma entidade da esfera espiritual
com uma garrafa de cachaça ou qualquer outra coisa, assim como não se acredita que um balaio vá
comprar Iemanjá – mas esse objeto-oferenda serve como atestado físico do compromisso que as
duas partes, entidade e pessoa, selam em prol de um bem maior.
Em razão disso, antigamente, quando um despacho era feito na encruzilhada, procurava-se uma
por onde passasse pouca gente e o rito não corresse o risco de ser violado, assim, podia-se saber,
visivelmente, se Exu tinha aceitado a oferenda: ela era vista sendo “bebida” a olhos nus, direto da
garrafa aberta e sem ninguém tocá-la. Assim, embora Exu possa receber qualquer oferenda, isso não
significa que ele aceitará de bom grado qualquer coisa. Ofertar algo é uma demonstração de boa-
vontade, não um suborno.
Já os Exus de Umbanda são espíritos de diversos níveis de evolução espiritual, que incorporam nos
médiuns e interagem de diversas formas com os seres humanos. O Exu Orixá é cultuado na
Umbanda, somente nas casas mistas ou de Umbanda de Nação. Assim, na Umbanda não se
manifesta o Orixá, somente seus mensageiros e falangeiros, espíritos que vêm em Terra para orientar
e ajudar. O Exu da Umbanda também tem a função de ser o mensageiro, o que leva os pedidos e
oferendas dos homens aos Orixás, já que o único contato direto entre essas diferentes categorias só
acontece no momento da incorporação.
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Os nomes de Exu
O Exu Orixá tem muitos nomes, dependendo da função que desempenha. Alguns dos mais
comuns, e que são de conhecimento mais amplo são: Esu, Bara, Ibarabo (que deu origem a Exu
Marabô), Legbá, Elegbara, Eleggua, Akésan, Igèlù, Yangí, Ònan, Lállú (que deu origem ao Exu de
mesmo nome na Umbanda), Tiriri (que deu origem ao Exu de mesmo nome na Umbanda), Ijèlú. Como
este é um culto típico do Candomblé – nas mais diversas nações – reservamos-nos o direito de
apresentar os nomes apenas a título de curiosidade.
Já os Exus de Umbanda possuem nomes mais distintos. Existem registros histórico-religiosos
documentando as seguintes entidades:
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Exu Gargalhada Exu Rei das 7 Encruzilhadas
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Exu Pedra Preta Exu Sete Sombras
Na lista de nomes, alguns deles aparecem em destaque. Isso porque são de Exus que podem se
apresentar sob regência de diversos elementos e, para isso, acrescentam ao seu nome original um
título: das Almas, da Encruzilhada, das Sete Encruzilhadas, das Matas, do Mar, de Embaré (embaré,
em tupi antigo, significa “águas que curam”).
Em geral, somente os Exus muito evoluídos e que, de alguma forma, respondem diretamente a
Orixás ou ao próprio Exu Orixá, dispõe desse tipo de classificação. Eles são os arquétipos dos
mensageiros: o nome que acrescentam ao seu título está relacionado a sua regência:
Das Almas – Regência de Omolu ou Nanã, tem a ver com cemitério, morte (tanto no sentido
físico como no sentido figurativo de recomeço e renovação), saúde etc.
Das Sete Encruzilhadas – Regências de Ogum, Oxóssi ou Exu Orixá, relaciona-se com
demandas, caminhos, metas e objetivos profissionais e materiais.
Das Matas – Regências de Ossaim e Oxóssi, tem a ver com prosperidade, fartura, trabalho.
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Do Mar ou da Calunga – Regências de Oxum e Yemanjá – embora um Exu ser regido por um
orixá feminino seja mais raro, não é impossível – relaciona-se com família, espiritualidade,
fertilidade, criatividade.
De Embaré – Regências de Oxalá e, embora o significado da palavra tenha a ver com “águas
que curam” no tupi antigo, relaciona-se com Exus Mirins.
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Exus Mirins
Ainda, temos de falar dos Exus-Mirins, também conhecidos como Crianças da Esquerda, pois são
entidades de cunho infantil que, contudo, vêm na Esquerda.
Embora raros, não são incomuns e estão relacionados com os diversos tipos de Exu Orixá e
variações que podem reger a vida de um médium. Na Umbanda tradicional, em geral, as casas fazem
uma opção de doutrinar essas entidades, a fim de fazê-las amadurecer para permanecerem na
Esquerda ou terem um comportamento mais puro, para virem na Direita, isto é, na Linha das Crianças
ou na face de Yori, da Linha dos Ancestrais, no caso das casas que optam por essa forma.
Eles podem ser junções de crianças com Exus ou com Malandros e já enumeramos alguns deles.
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Os ideogramas de Exu
Ideogramas são símbolos comumente utilizados para compor os pontos de Exu. Em geral, são
linhas curvas entrelaçadas formando encruzilhadas abertas (em forma de X), linhas retas formando o
mesmo tipo de padrão, tridentes de traços retos ou curvos, pontos com o centro aberto, “X” etc. Para
entender melhor o significado de cada ponto, veja na seção a seguir, uma série de pontos que trazem
e ilustram esses ideogramas e símbolos.
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Os Selos de Exu
Selos são outras maneiras de se referir aos pontos riscados de cada Exu. Eles compõe uma forma
de evocar a entidade sem a necessidade da incorporação – assim, evoca-se a energia e a vibração
daquela entidade, ou ainda, durante a incorporação, eles são traçados no chão para manter aberto o
vínculo com o mundo espiritual para que a entidade possa se valer da energia de lá, sem puxar
energia do médium.
Um selo ou ponto riscado pode ser desenhado de várias formas.
Riscado com pólvora – quando se desenha um ponto no chão com pólvora e acende-se, em
geral evoca-se a energia mais agressiva do Exu, a mais potente. É usado somente em casos
de extrema necessidade e com muita parcimônia – a pólvora, além de ser um elemento físico
difícil de manipular com segurança, pode causar acidentes e, espiritualmente, traz uma carga
de energia muito grande, que apenas sacerdotes experientes conseguem manipular e
controlar. É usado em casos de doenças, demandas difíceis, para acabar com conflitos ou
ainda proteger um ambiente fisicamente.
Riscado com Pemba – pode ser usada pemba branca ou vermelha na hora de riscar um ponto
de Exu, em geral, o ponto riscado com pemba pode ser usado para a maior parte dos trabalhos
e dos rituais, pois é a forma mais comum de traçar o desenho pertinente ao selo.
Selo Fixo – somente no caso de um templo ou um espaço totalmente dedicado a Exu é que se
deve traçar um ponto fixo, isto é, feito no piso com qualquer tipo de material que não possa ser
apagado. Ele passará a ser o suporte espiritual do lugar e, em geral, onde esse ponto está
riscado, é difícil invocar entidades, guias e orixás da Direta.
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As cantigas de Exu
Seguem algumas cantigas de Exu. Aqui, disporemos as cantigas mistas, que falam de mais de uma
entidade, ou cantigas genéricas.
MARABÔ/POMBAGIRA
***
MARABÔ/MARIA PADILHA
MARABÔ/POMBAGIRA/7 ENCRUZA
***
TRANCA-RUAS
Tranca-Ruas no reino,
Ai meu Deus, o que será. (bis)
Bota a chave na porta,
Tranca-Ruas vai chegar. (bis)
Ele vem salvar a banda,
Com licença de Oxalá. (bis)
Estava dormindo,
Quando a Umbanda lhe chamou,
Se levanta minha gente,
35
Tranca-Ruas já chegou. (bis)
Quando a lua surgir,
Ele vai girar, ele vai girar,
Chegou seu Tranca-Ruas,
Para todo mal levar. (bis)
***
MANGUEIRA
***
DIVERSOS EXUS
***
MEIA-NOITE/POMBAGIRA
***
POMBAGIRA/TRANCA-RUAS/MARABÔ
***
36
POMBAGIRA/TRANCA-RUAS
Deixa a moreninha passear,
Deixa a moreninha passear,
Oi, deixa a moreninha passear,
Seu Tranca-Ruas,
Deixa a moreninha passear.
***
POVO DO CEMITÉRIO
***
SUBIDA DE EXU
***
Portão de ferro,
Cadeado é de madeira. (bis)
Exu toma conta,
Exu presta conta,
Seu Exu fecha a nossa porteira. (bis)
***
EXU DA MADRUGADA
Laroiê Exu!
Exu é mo juba!
Já é meia noite,
Na encruzilhada,
Mate o bote preto,
Exu da Madrugada. (bis)
Vamos sarava,
Lá na encruza,
Quando lá cheguei,
Conheci seu Veludo,
37
Com ele falei.
Já é meia noite…
Já é meia noite…
Já é meia noite…
***
SEU SETE
Ó lelê, ó lalá,
Bota fogo na fundanga,
Seu Sete vai trabalhar. (bis)
O lelê, o lalá…
Ó lelê, ó lalá…
Laroiê Exu!
Exu é mo juba!
***
TRANCA RUA
Laroiê Exu!
Laroiê Exu!
O meu Senhor das Almas,
De mim não faça pouco. (bis)
Olha lá que ele é Exu,
38
É Exu Arranca Toco. (bis)
***
SEU 7 EM BATALHA
***
Proprietária do jardim,
É amante do Exu,
Trabalha na encruzilhada,
É Rainha de Omulú.(bis)
***
39
Capítulo 2
P OMBAGIRA
Pombagira é uma entidade bastante controversa, tanto quanto Exu. Eles regem basicamente o
mesmo tipo de coisa: tudo quanto é materialidade. Só que, enquanto Exu é o senhor da sexualidade,
a Pombagira é a senhora das paixões; enquanto recorre-se a Exu quando a relação não está boa e o
sexo não compraz, recorre-se à Pombagira por fertilidade e filhos. Elas são mulheres que conhecem o
prazer e o sofrimento de cada coisa que fizeram em vida.
As Pombagiras também têm forte relação com a clarividência e as mesmas cartas de baralho
usadas para o entretenimento podem ser usadas para ver o passado, o presente e o futuro.
Acredita-se que o nome seja uma corruptela de Pambu Njila (do kikongo, língua bantu de Angola),
que teria virado Mbobogiro e, por fim, Pombagira. Ela é um Inkice, nome pelo qual são conhecidos os
Orixás, nas nações bantus de Candomblé e Umbanda de Nação, especialmente em Angola. Pambu
Njila é o mensageiro, intermediário entre os homens e os deuses. Da mesma forma como o Deus
daomeano, Pombagira é a senhora dos começos e dos caminhos, da fertilidade e de tudo quanto é
humano. É uma deusa bem próxima dos homens, sedutora, feminina, mulher.
Da mesma forma como Exu, não tolera dívidas e promessas não cumpridas, embora seja paciente
em esperar seu pagamento.
Um grande equívoco, fomentado por preconceitos e moralismos sociais hipócritas, é vincular a
imagem da Pombagira à da prostituta. Cada entidade tem sua história, algumas o foram em alguma
de suas vidas, outras não. As histórias que os espíritos contam sobre suas vidas passadas são as
mais diversas. Em geral, eles vêm com características mais formais a respeito de sua última vida.
É fato que os espíritos femininos que vêm hoje aos terreiros de Umbanda, como Pombagiras, foram
mulheres mais livres, de vida menos regrada segundo os parâmetros sociais e que buscaram em
primeiro lugar a felicidade na vida física, para aproveitar cada momento do corpo que possuíam. Isso
não significa que eram a escória do mundo, pois o tom com que certos termos são atribuídos a elas
denotam de maneira muito pejorativa que a vida que levaram era ruim e não devia ser considerada,
pois não traria nada de bom.
A realidade é que essa vida fez dessas mulheres, desses espíritos femininos, seres de uma
sabedoria que não se aprende no templo ou nos livros. Uma sabedoria que não vem do resguardo,
mas de arriscar-se. Por isso, praticamente todos os assuntos podem ser levados a uma Gira de
Esquerda, os conhecimentos de Exus e Pombagiras estão profundamente ligados a algo que, quanto
maior o nível da entidade em direção à “Direita”, menor sua compreensão: o ser humano.
40
Os nomes de Pombagira
As Pombagiras são menos numerosas em termos de nomes, entretanto, o fenômeno que
descrevemos a respeito de Exu e das adequações e títulos acrescentados a seu nome, valem muito
mais para elas. Assim, fica mais fácil dar o nome da Pombagira e depois entender os títulos que
podem vir com ela. Nem todas podem ter títulos ou se apresentam com eles – portanto destacaremos
apenas aquelas que podem se apresentar com algum título.
As mais conhecidas e que já tiveram suas manifestações historicamente registradas são:
41
Pombagira Fiqueira do Inferno Pombagira Maria Rosa*
42
Pombagira Rosa da Noite Pombagira Sete Pembas
Na lista de nomes, alguns deles seguem em destaque. Isso por que são de Pombagiras, como já foi
dito, que podem se apresentar sob regência de diversos elementos e, para isso, acrescentam ao seu
nome original um título: das Almas, da Encruzilhada, das Sete Encruzilhadas etc. O nome que
acrescentam ao seu título está relacionado a sua regência:
Rainha – Regência de Oxalá ou Exu, propriamente. Denota comando, em geral é uma chefe de
falange e responde diretamente por um determinado tipo de entidade.
Do Cruzeiro, dos Sete Cruzeiros ou do Cruzeiro das Almas – Regência de Omolu ou Nanã, tal
qual com o título “das Almas”. São as que trabalham no Cruzeiro do Cemitério, tarefa árdua,
pois esse local, dada a sua natureza, é a porta de passagem e de comunicação entre o mundo
dos vivos e dos mortos.
Dos Infernos – Regência de Exu e Iansã; embora o título seja um tanto cristão, a referência
relaciona-se mais com as Pombagiras que estão profundamente atreladas a relações de causa
e consequência, aquelas que fazem cada um pagar o justo preço por cada um de seus atos.
Do Cabaré – Regência de Iansã e Oxum; são Pombagiras relacionadas à boemia, à
festividade, quase em sua totalidade foram prostitutas e cafetinas e por isso sabem,
exatamente, o valor da vida e como valorizar o próprio corpo como um templo pessoal, como
berço da vida e das paixões.
Da Estrada – Regência de Ogum. São Pombagiras nômades, não param em muitos lugares,
mas também podem estar relacionadas com entidades regionais brasileiras cultuadas na
Jurema e no Catimbó, que levam esse nome por serem migrantes.
Da Figueira – Regência de Xangô; são Pombagiras mais calmas, com profundo senso de
justiça, em geral, bastante ligadas à família. Usam sua natureza para aconselhar
especialmente sobre a família.
Das Sete Navalhas ou das Sete Facas – Regência de Ogum. Foram mulheres guerreiras e
tratam com todo tipo de demanda.
Das Almas, do Cemitério ou da Porta do Cemitério – Regência de Omolu ou Nanã, relacionam-
se com cemitério, morte (tanto no sentido físico como no sentido figurativo de recomeço e
renovação), saúde etc.
Das Sete Encruzilhadas – Regências de Ogum, Oxóssi ou Exu Orixá, tem a ver com
demandas, caminhos, metas e objetivos profissionais e materiais.
Do Mar ou da Calunga – Regências de Oxum e Yemanjá – embora um Exu ser regido por um
orixá feminino seja mais raro, mas não impossível – referem-se à família, à espiritualidade, à
fertilidade, à criatividade.
43
Os ideogramas de Pombagira
Ideogramas são símbolos comumente utilizados para compor os pontos de Pombagira. Em geral,
eles são linhas curvas entrelaçadas, formando encruzilhadas abertas (em forma de X), linhas retas
formando o mesmo tipo de padrão, tridentes de traços retos ou curvos, pontos com o centro aberto,
“X” etc. Para entender melhor o significado de cada ponto, veja, na seção a seguir, uma série de
pontos que trazem e ilustram esses ideogramas e símbolos.
44
Os selos de Pombagira
Selos são outras maneiras de se referir aos pontos riscados de cada Pombagira. Eles compõe uma
forma de evocar a entidade sem a necessidade da incorporação – assim, evoca-se a energia e a
vibração daquela entidade, ou ainda, durante a incorporação, eles são traçados no chão para manter
aberto o vínculo com o mundo espiritual para que a entidade possa se valer da energia de lá, sem
puxar energia do médium.
Um selo ou ponto riscado pode ser desenhado de várias formas.
Riscado com pólvora – quando se desenha um ponto no chão com pólvora e acende-se, em
geral, evoca-se a energia mais agressiva da Pombagira, a mais potente. É usado somente em
casos de extrema necessidade e com muita parcimônia – a pólvora, além de ser um elemento
físico difícil de manipular com segurança, pode causar acidentes e, espiritualmente, traz uma
carga de energia muito grande, que apenas sacerdotes experientes conseguem manipular e
controlar. É usado em casos de doenças, demandas difíceis, acabar com conflitos ou ainda
proteger um ambiente fisicamente.
Riscado com Pemba – pode ser usada pemba branca ou vermelha na hora de riscar um ponto
de Pombagira, em geral, o ponto riscado com pemba pode ser usado para a maior parte dos
trabalhos e dos rituais, pois é a forma mais comum de traçar o desenho pertinente ao selo.
Selo Fixo – somente no caso de um templo ou um espaço totalmente dedicado a Pombagira é
que se deve traçar um ponto fixo, isto é, feito no piso com qualquer tipo de material que não
possa ser apagado. Ele passará a ser o suporte espiritual do lugar e, em geral, onde esse
ponto está riscado, é difícil invocar entidades, guias e orixás da Direta.
Areia da Praia – No caso das pombagiras, seus selos também podem ser traçados no chão
com areia ou na areia da praia, para banir um determinado tipo de energia.
45
46
As cantigas de Pombagira
A sua catacumba tem mistério,
Mas, ela é a Rainha do Cemitério!
Mas, ela é loira, dos olhos azul,
Maria Padilha, Filha de seu Omulú!
***
***
***
***
Eu venho aqui,
Pra vencer minha batalha!
Eu venho aqui,
Pra vencer minha batalha!
Eu sou Pombagira,
Pombagira Sete Navalha!
***
***
Exu laroiê
Ela gira no ar,
Ela gira na praça,
Ela gira na rua,
Eh, eh, eh, eh
Ela dança, ela canta
E vive sorrindo em noite de Lua
Eh, eh, eh, eh
Ela é sincera,
Ela é de verdade,
Mas cuidado amigo,
47
Ela não gosta de falsidade!
***
***
***
Padilha,
Soberana da estrada,
Rainha da encruzilhada
E também do Candomblé!
Suprema, é uma mulher
De negro,
Alegria do terreiro,
Seu feitiço tem axé!
Mas ela é,
Ela é, ela é!
A rainha da encruza
E mulher de Lúcifer!
***
Ô moça, ô moça
ô moça me tira dessa poça!
Ô moça, ô moça
ô moça me dê a sua força!
***
48
Foi uma rosa,
Que eu plantei,
No meu jardim…
Maria Molambo,
Maria Mulher
Maria Padilha
Rainha do Candomblé!
***
***
Ciganinha, ciganinha,
Da sandália de pau,
Cuidado com essa moça,
Cuidado que ela mata,
Quando ela bate o pé
ela faz o bem,
e ela faz o mal!
Olha a saia dela, re rê
É Mulambo só!
***
Deu meia-noite,
A Lua se escondeu!
Lá na encruzilhada,
Dando a sua gargalhada,
A Pombagira apareceu!
A Laroiê, laroiê, laroiê!
É Mojubá, é Mojubá, é Mojubá!
Ela é Odara,
Quem tem fé nessa Lebara,
É só pedir que ela dá!
***
***
49
Mas pra seus quinze anos,
Ela foi embora e nunca mais voltou,
O que será que aconteceu?
Tinha sete homens como professor!
***
A sua tenda,
Está firmada na estrada,
A sua vida tem história pra contar!
Ela não tem paradeiro,
Anda de lá pra cá,
Traz uma rosa na mão,
Para lhe ofertar!
Traz um baralho na mão,
Para lhe ajudar!
***
***
Os nomes de Pombagiras assinalados com um asterisco (*) ao lado são daquelas que, muitas vezes,
nas casas onde existe culto dissociado de Exu para Mestres e Malandros, têm maior tendência a não
virem na Linha de Exu, embora ainda respondam pela Esquerda.
50
Capítulo 3
M ALANDROS E OUTRAS ENTIDADES DA
E SQUERDA
Este capítulo é um complemento a tudo que já foi falado aqui. Nem todas as entidades da esquerda
são Exus e Pombagiras.
Na Esquerda também agem os Malandros, os Exus e as Pombagiras Mirins, os Encantados e
Mestres da Jurema e do Catimbó, entre outros. Em algumas casas, especialmente fora de São Paulo
– onde já existem linhas próprias para entidades regionais, como as Linhas dos Baianos, Mineiros e
Gaúchos – essas outras entidades podem vir nas Giras de Esquerda, ou mesmo das de Exu e
Pombagira, dependendo do caso.
51
Malandros
Os Malandros podem ser considerados entidades regionais, já que grande parte de suas
manifestações se dá no Rio de Janeiro. Malandros são entidades de Umbanda cultuadas nesse
Estado e cujo maior representante é Zé Pelintra.
Em geral, os Malandros, quando lhes é dada essa possibilidade, vestem-se de branco, com sapato
e chapéu combinando, adornados com detalhes em vermelho e raramente em preto. Existem algumas
exceções a essa regra, como é o caso do Malandro Zé Pretinho, que veste terno preto e bengala, e,
por isso, muitos confundem com Exu. Há também muitos Malandros que encarnam a figura do
sambista, com camisa listrada e chapéu panamá de palha.
Existem também as Mulatas, figuras femininas dos Malandros, e as “Marias”, entidades de nome
mais popular, muitas delas com histórias divulgadas além da Umbanda e dos Ritos de Encantaria,
como Rosa Palmeirão, citada em alguns livros de Jorge Amado, que hoje são entidades da Linha dos
Malandros.
Outras entidades que hoje também são tidas como Malandros são provenientes da Jurema e do
Catimbó, onde são Mestres e Encantados. Sobre essas entidades, que atendem na Esquerda e são
provenientes dessas origens, existem essas cantigas:
***
52
Se eu trabalhar eu vou morrer
Trabalhar, trabalhar…
Trabalhar pra quê?
Se eu trabalhar eu vou morrer.
***
***
De terno branco
Seu punhal de aço puro
Seu ponto é seguro
Quando vem pra trabalhar
Segura o “nêgo”
Que esse “nêgo” é Zé Pelintra
Na descida do morro
Ele vem trabalhar.
***
***
Mulher, mulher
Não tenha medo do seu marido
Mulher, mulher
Não tenha medo do seu marido
Se ele é bom na faca, eu sou no facão
Ele é bom na reza, e eu na oração
Ele diz que sim, eu digo que não
Eu sou Zé Pretinho, ele é lampião.
***
53
Entidades de outras Origens: Jurema e Catimbó 1
Jurema e Catimbó são cultos de cunho mágico-religioso provenientes do Nordeste brasileiro, que se
originaram da fusão entre os ritos católicos europeus, especialmente do Catolicismo Popular com a
Pajelança Indígena, embora em algumas regiões haja também alguma influência negra.
De maneira sucinta, não podemos dizer que o Catimbó é uma religião, mas sim uma manifestação
doutrinário-religiosa de cunho popular, que extrai seus dogmas e liturgia de suas ordens fundadoras.
Nas sessões em que se realizam as atividades dos catimbozeiros, os cultos se alternam entre as
entidades ancestrais que se acercam da árvore da Jurema, dos Santos católicos, da Virgem Maria e
de Jesus Cristo.
Nessas atividades é que fica mais evidente o papel da Jurema (sp. mimosa hostilis), uma árvore
nativa do agreste e do sertão nordestinos. A bebida fabricada a partir de suas cascas é um
psicotrópico que induz ao transe e causa um estado de sonolência. É usado para trazer revelações e
libertar o espírito dos ancestrais nos indivíduo, permitindo, por exemplo, o trabalho dos Mestres
Juremeiros. Na Jurema, eles bebem o vinho da Jurema, cuja receita é conhecida apenas pelos
sacerdotes com graus mais elevados no culto, mas que consiste em uma variedade de ervas que é
acrescida à Jurema, a qual se adiciona, em geral, vinho tinto ou vinho branco, dependendo da
intenção.
A realização conjunta dos toques, das cantigas, da jurema e da consecução dos rituais induz o
Juremeiro ao transe. Apenas um dos elementos sozinhos não é capaz de realizar tal ato. Os Mestres
que se manifestam neste momento são seres Encantados2 que habitam o Juremá.
O nome, Catimbó, é proveniente do tupi antigo e sua etimologia remete aos mais diversos
significados. Contudo, sabe-se, graças à sempre presente prática da Magia no Catimbó, que em
certos lugares o termo é pejorativo e usado no mesmo sentido de feiticeiro ou mandingueiro.
Já o Juremeiro, em geral, também é devoto dos Orixás africanos. Essa fusão entre as crenças deu
origem a uma nação de Candomblé conhecida como Xambá, típica de Alagoas, Pernambuco e
Paraíba.
Falemos então do culto da Jurema, que remonta a tempos imemoriais, especialmente no que hoje
compete à região do litoral brasileiro no nordeste. Diversas tribos indígenas presentes nesse espaço
reverenciavam a Jurema por suas propriedades, inserindo-a em diversos ritos que exigiam o transe
para comunicar-se com os deuses ou com os espíritos. Nesse sentido, podemos falar, também,
rapidamente do Toré, que é uma forma específica de culto à Jurema como árvore dos ancestrais,
ainda praticada pelos descendentes diretos dos índios daquela região e no culto aos Encantados.
Essas manifestações, entretanto, acabaram severamente reduzidas por conta do contato com o
europeu, de forma que a tradição da Jurema sagrada teve de ser adaptada aos preceitos católicos,
em razão da forte repressão colona aos cultos considerados pagãos. Assim, o vasto panteão
aborígene foi gradualmente suprimido, sendo adotadas, nos rituais da população cabocla, as mesmas
deidades do Catolicismo tradicional. O culto aos antepassados, porém, por sua grande influência, foi
mantido e, ademais, adaptado à realidade dos Mestres da Jurema.
Tanto a Jurema quanto o Catimbó são religiões Xamânicas, isto é, são considerados cultos de
transe e possessão, nos quais as entidades, conhecidas como Mestres, incorporam o corpo do
Catimbozeiro e, momentaneamente, tomam controle do funcionamento básico do organismo.
Entretanto, diferentemente do que ocorre na Umbanda tradicional, em que os espíritos se
organizam em Direita e Esquerda conforme a natureza positiva ou negativa que possuam, raramente
assumindo a neutralidade ou o equilíbrio, os Mestres são relativamente neutros, podendo operar tanto
boas quanto más ações, pois eles estão ligados à Terra, já que em vida foram curandeiros e figuras
ilustres do Catimbó: quando vivos, realizaram inúmeros atos de caridade por intermédio do uso de
ervas e de suas propriedades e poderes xamânicos, de modo que, com sua morte, teriam sido
transportados a uma das cidades sagradas do Juremá, localizada nas imediações de uma árvore da
Jurema plantada pelos que vieram antes dos que vieram antes.
Abaixo dos Mestres Juremeiros, encontram-se as entidades conhecidas como Caboclos da Jurema,
espíritos ancestrais que representam os pajés e guerreiros indígenas falecidos, envidados ao Mundo
Encantado de forma a auxiliarem os Mestres na realização de suas obras. Os Caboclos são sempre
invocados no início do culto, antes mesmo da incorporação dos Mestres.
A estrutura do mundo espiritual da Jurema é semelhante ao que conhecemos do Catolicismo, com
Céu, Inferno e Purgatório, em que a única diferença seria a existência do Juremá, o mundo espiritual a
parte de tudo isso, em que habitam os Mestres Juremeiros e seus subordinados, com suas missões.
O Juremá é composto por uma profusão de aldeias, cidades e estados, com uma rígida organização
hierárquica, envolvendo todas as entidades catimbozeiras, tais como Caboclos da Jurema e
Encantados, sob o comando de um ou até três Mestres. Cada aldeia tem três Mestres. Doze aldeias
54
fazem um estado com 36 Mestres. No estado há cidades, serras, florestas, rios. Ao todo são sete
estados: Vajucá, Tigre, Cadindé, Urubá, Juremal, Fundo do Mar e Josafá.
Essas manifestações, que variam entre Catimbó e Jurema, acabam se ramificando em quatro
manifestações principais. Essas subdivisões do culto especificam, em cada caso, o espaço destinado
a incorporação dos Mestres e Caboclos Juremeiros, além dos ritos complementares à ingestão do
vinho que conduz ao estado de transe. Existe a Jurema de chão, a Jurema de mesa e a Jurema de
terreiro.
Suas origens são muito análogas às da Umbanda, por conta da mestiçagem daquelas que são as
raízes do Brasil tal qual o conhecemos. Depois da chegada dos africanos no Brasil, quando estes
fugiam dos engenhos onde estavam escravizados – especialmente no Nordeste –, encontravam
abrigo nas aldeias indígenas, e por meio desse contato, os africanos trocavam o que tinham de
conhecimento religioso em comum com os índios. Por isso, até hoje, os grandes Mestres Juremeiros
conhecidos são sempre mestiços com sangue índio e negro. Os africanos contribuíram com o seu
conhecimento sobre o culto dos mortos, egun e das divindades da natureza, os Orixás Voduns e
Inkices. Os índios contribuíram com o conhecimento de invocações dos espíritos de antigos pajés e
dos trabalhos realizados com os encantados das matas e dos rios. Por isso a Jurema se compor de
duas grandes linhas de trabalho: a Linha dos Mestres de Jurema e a Linha dos Encantados.
Jurema Sagrada!
Na Jurema eu nasci,
Na Jurema eu me criei,
Na Flor do meu Juremá!
Ô Jurema!
***
***
ABERTURA II
Setenta anos
Passei dentro da Jurema
Quando eu me zango
55
toco fogo em um rochedo
meu cachimbo é um segredo
que eu vou mandar pra lá.
***
ABERTURA III
***
ABERTURA IV
A Jurema tem
a Jurema dá
mestre bom para trabalhar
Eu já mandei buscar
vai fumaça para onde eu mandar.
***
AROEIRA
Aroeira é mestre
é bom mestre
aroeira é mestre curador.
***
JUNQUEIRA
É o mestre Junqueira
da Lagoa do Jucá.
Juntando eu venho,
juntando eu vou
O desembaraçando eu venho,
o desembaraçando eu vou.
***
CARLOS I
56
Mestre Carlos
é bom mestre
que aprendeu sem se
ensinar.
Seu doutor,
seu doutor,
bravo senhor,
Mestre Carlos chegou,
bravo senhor.
***
PEREIRA
Pau pereira
pau pereira
pau da minha opinião.
Todo pau que cresce e brota
não é o pau pereira então.
***
MANOEL DE ALMEIDA
Manoel de Almeida
vamos trabalhar
ele chegou agora
vamos trabalhar.
Com um pé na mesa
vamos trabalhar
outro de fora
vamos trabalhar.
***
CARLOS II
Na rua da macaxeira
sete portas se abriu
com a fumaça ao
contrário
que Mestre Carlos
mandou.
***
CHAMANDO MESTRES I
57
quando o trem passou.
***
CHAMANDO MESTRES II
É na virada
é na virada
é na virada eu venho
é na virada
é na virada
é na virada eu vou.
***
CALDEIRÃO
***
LIAMBA
Ô Liamba
Ô Liamba
é no charuto
é no cachimbo
é na fumaça
é na quimbanda.
Essas são as cantigas mais importantes e fortes do Catimbó. São com elas que se abrem os
trabalhos e se prepara a roda para a vinda dos Mestres.
58
Ciganos da Esquerda
Na Umbanda, existe uma linha própria ao povo cigano, cujos detalhes podem ser obtidos no livro
Tudo que você precisa saber sobre Umbanda, Volume III, desta mesma editora. Mas existem Ciganos
de natureza mais arredia e mundana, que vêm na Esquerda e, por vezes, apresentam-se como Exus
ou Pombagiras.
Já com os Ciganos, existe certa confusão entre sua ética e sua moral e aquela que é reconhecida
pela nossa sociedade nos dias de hoje. Com os Ciganos que atuam na Esquerda, isso não é
diferente. Esses Ciganos são regidos prioritariamente pelos elementos naturais (terra, água, ar e fogo)
e, justamente por isso, apresentam-se na hora de usar a magia, a clarividência e outros artifícios que
exigem a manipulação das forças da natureza.
Embora todos se apresentem como ciganos, é interessante perceber que em algum ponto, no plano
espiritual, cada um deles está ligado a um determinado elemento natural, que, em geral, rege sua
atuação no plano físico:
Tal qual os Ciganos que se manifestam na sua própria Linha ou na Linha do Oriente, os Ciganos
que se manifestam na Esquerda são, em geral, das seguintes etnias, as quais consideramos grandes
famílias ou clãs ciganos na Umbanda:
A moral dos espíritos Ciganos é muito mais dada à praticidade do que a mitos, lendas, crendices ou
hipocrisia. Um exemplo é que muitas vezes eles aconselham exatamente como fariam como se
estivessem vivos, então, quando uma pessoa pergunta a um Cigano sobre casamento, ela deve
entender que o conselho dado tenderá a induzir a escolha ao do próprio grupo ou subgrupo étnico da
pessoa, assim conservam-se as tradições, e com notáveis vantagens econômicas. Para a cultura
deles, é possível a um rom casar-se com uma gadjí, isto é, uma mulher não rom, a qual deverá,
porém, submeter-se a regras e a tradições rom, e eles acabam transportando isso para os demais
aspectos da vida.
Aos filhos de entidades ciganas é dada uma grande liberdade, pois eles entendem que a liberdade
é consequência da responsabilidade: a pessoa só consegue mantê-la se for responsável por seus
atos, mesmo porque a base de suas crenças é a liberdade.
Seus símbolos são usualmente, unidos, o sol, a lua e as estrelas, numa bandeira multicor – isso na
Umbanda. Há outros símbolos, mas estes representam aquilo que o Cigano tem de valioso.
O Cigano da Esquerda é mais individualista e não suporta a ideia de autoridade, rei ou governante –
uma forma de anarquia e contestação da autoridade própria desses povos. Nem por isso eles deixam
de respeitar e acatar os mais velhos – não porque eles sejam uma autoridade, mas porque têm poder
para contar o que a vida lhes deu em termos de conhecimento e experiência. É sempre aos mais
velhos que se recorre para dirimir eventuais divergências. Eles são ouvidos, mas nunca decidem
sozinhos: cada decisão compete somente ao indivíduo que deve tomá-las. Esta é a responsabilidade
do Cigano, seja ele de Esquerda ou de Direita.
Santa Sarah (de) Kali é sua santa protetora – ela carrega em seu próprio nome menção à deusa da
morte e da destruição hindu, mas traz o manto branco da paz e se cobre com o pano do mais puro
59
azul celeste, tudo porque a morte, a destruição são sempre preâmbulos do recomeço, da
reconstrução de tudo quanto deve ser renovado.
Vinha, caminhando a pé
Para ver se encontrava Pombagira Cigana de fé
Ela parou, e leu minha mão
E disse toda a minha verdade
Amigo, você não me engana, Pombagira Cigana é um Exu de fama. (bis)
Bem que eu lhe avisei, que você não jogava essa cartada com ela
Você parou no valete
E eu parei na dama (Eu parei na dama)
Amigo, você não me engana, Pombagira Cigana é um Exu de fama. (bis)
***
CIGANAS
CIGANAS
***
PONTO DA QUITANDA
***
***
CIGANA RAINHA
***
CIGANA DA PRAIA
60
Oi Cigana da Praia
Ela é da areia, ela é da praia, ela é do mar.
Ciganinha menina
Ela é da areia, ela é da praia, ela é do mar.
***
CIGANAS
***
***
CIGANA DO JARRO
***
***
***
CIGANAS
***
CIGANAS
61
Reza pra Exu de joelhos, que a Cigana se veste de vermelho.
***
EXU CIGANO
***
CIGANO
***
CIGANAS
***
***
***
***
SUBIDA DE POMBAGIRA
Referência ao livro Tudo que você precisa saber sobre Umbanda – Volume III.
62
Ser um Encantado significa ter transposto a morte de maneira que ela foi um rito de passagem que
não desprendeu totalmente o espírito da Terra. Ele ficou sendo um elo de ligação entre os dois
mundos, o dos vivos e o dos mortos.
63
Capítulo 4
O UTRAS E NTIDADES
Em todos os livros que já escrevi, procuro caracterizar por entidade todo e qualquer ser do plano
astral ou espiritual que não seja de origem divina. Nesta obra não foi diferente, mas este é o capítulo
em que falamos de entidades em que não, necessariamente, há concordância de serem chamadas
assim, nem tão pouco sabe-se se podem ser caracterizadas como parte da Esquerda.
Para falar dessas entidades, é necessário relembrar um pouco a gênese da Umbanda. Sabemos
que a Umbanda, embora possuidora de um padrão ritualístico próprio e distanciado de qualquer outro,
formou-se por causa da junção de pelo menos quatro religiões: os diferentes cultos africanos trazidos
pelos escravos negros provenientes d’África; o Catolicismo, base religiosa de todo o processo de
colonização brasileiro; as religiões de diferentes povos indígenas do próprio território e, mais
recentemente, ao instituir-se, no século XX, o Espiritismo de Allan Kardec, principalmente.
Dessa junção é que vem, primordialmente, as maneiras pelas quais podemos encarar as criaturas
que atuam de maneira nociva na vida dos seres humanos e que, erroneamente são postulados como
parte da “Esquerda”:1
Se olharmos pela dicotomia entre bem e mal do Catolicismo, podemos pressupor que existem
Demônios em contraposição a Orixás – e não em contraposição aos Deus Criador, uma vez
que ele é o princípio e o fim, o bem e o mal, portanto, ele cria a vida e as energias se alinham
conforme necessário e pré-determinado.
Se olharmos pelo âmbito do Espiritismo, teremos kiumbas, espíritos zombeteiros e trevosos
que se contrapõe às energias do bem e do equilíbrio, assumindo-se como personagens
contraditórios à ordem, buscando o caos e a destruição.
Já pelo lado dos cultos indígenas, eles enxergam a personificação, não do mal ou das trevas,
mas do Caos, que é a contraposição à ordem do Deus Tupã; assim, ela é personificada em
figuras como Anhangá, uma divindade caótica que pode tomar o corpo dos homens e assumir
o que bem entender a partir disso.
Já no que concerne às religiões africanas, não existe uma entidade que consiga causar o mal,
pois tudo tem uma face positiva e uma negativa. Não existe algo como a personificação do mal
ou a personificação do bem, pois a evolução só se realiza pelo equilíbrio.
64
Demônios versus Orixás
O que são Demônios? Segundo a Bíblia, quando Deus criou o Céu e a Terra, esta continha
abismos, e nelas existiam as criaturas das sombras que se opunham aos Anjos, iluminados e
abençoados, criados diretamente por Deus e que habitavam os céus. Mais tarde, as trevas passaram
a ser habitadas também pelos Anjos Caídos como Lúcifer e os outros Anjos que se rebelaram contra
Deus e contra os homens.
Tomando isso pela cosmogonia da Umbanda, podemos postular – para a Umbanda com maior
influência cristã – que são Demônios as criaturas que se opõe diretamente aos Orixás em seu
trabalho de ordem, criação e evolução e, portanto, disseminam desordem, vício e caos.
Em geral, eles se organizam, segundo uma hierarquia semelhante à das Sete Linhas, mas, nesse
caso, em Sete Instâncias2 que se opõe diretamente às Sete Linhas:
Esse sistema, contudo, só é valido e utilizado nas Umbandas que fazem uso da magia cabalística e
não se atém completamente ao rito Umbandista puro.
De praxe, a Umbanda não lida com essas Instâncias e Entidades, ao que, também, não há registros
de manifestação direta dessas Instâncias no plano físico em seu âmbito (em geral, as poucas
manifestações de Demônios no plano físico são cuidadas pela própria Igreja Católica com os ritos
descritos em obras como o Ritum Romanum3).
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Kiumbas, Espíritos Zombeteiros e Trevosos
Embora as Instâncias Demoníacas não se manifestem diretamente na Umbanda, alguns de seus
servos, mais próximos do plano terreno, acabam por influenciar na vida dos seres humanos.
São espíritos atrasados que se valem de sua influência para causar discórdia, caos, dor, sofrimento,
já que as energias geradas por esses estados acalentam e fortalecem as sombras, as trevas.
Alguns os chamam de Kiumbas, mas no Kardecismo, que usa um termo mais fácil de entender para
leigos e pessoas da religião, eles são Espíritos Zombeteiros e Trevosos, obsessores que, de uma
forma ou outra, nos fazem mal, sugam nossas energias e tentam nos influenciar nos momentos de
fragilidade física, emocional e espiritual, a segui-los nos caminhos que eles escolheram.
Os Zombeteiros gostam de semear a discórdia, o caos, problemas, pois assim geram as energias
das quais se alimentam. Os motivos pelos quais fazem isso são os mais diversos: ambição, vingança,
frivolidade, engano. O certo é que são bastante prejudiciais, mas podem ser doutrinados a ir para o
caminho do equilíbrio e evoluir em direção ao divino.
Já os Trevosos são mais difíceis de serem controlados, estão mais próximos das Instâncias mais
inferiores e, em geral, usam os seres humanos como meio de infringir danos às entidades e aos guias
que atuam em sentido oposto, nas Sete Linhas. Sua natureza é agressiva, profana e muito perigosa.
Muitas vezes são confundidos com Demônios quando, na verdade, são servos e o máximo que
podem fazer em seu nome é reproduzir suas influências.
66
Anhangá e outras entidades maléficas
Os índios, por sua vez, acreditavam na dicotomia entre o bem e o mal de maneira distinta: eles
enxergavam na verdade, o eterno e parco equilíbrio entre a ordem e o caos, e sabiam que um não
existe sem o outro. É necessário haver o mal para haver o bem e é necessário haver o bem para
sabermos o que é o mal, pois tudo faz parte da criação do Deus Único, que é o princípio, o meio e o
fim de tudo.
Assim, Anhangá, o Senhor do Mal, é uma oposição a Tupã, o Senhor da Ordem, aquele que tudo
vê, o Sol.
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O equilíbrio entre o positivo e o negativo
Para os africanos, por sua vez, não existe uma relação dicotômica, isto é, uma oposição entre o
bem e o mal. Tanto um quanto o outro habitam em cada um de nós, assim como habitam em tudo
quanto é ser vivente ou não da natureza, e nos Orixás, nos Anjos e em tudo que há.
Em princípio, essa crença no equilíbrio é o que norteia boa parte da Umbanda de Nação, já que o
bem é tão relativo quanto o mal, depende da necessidade e da vontade de cada um.
Para entender melhor o funcionamento de tudo isso, faremos, no próximo capítulo, algumas
explanações sobre esse assunto.
Para entender melhor o funcionamento do plano espiritual, é mais fácil dividi-lo, veja o próximo
capítulo, sobre funcionamento e estrutura dos planos.
Essas instâncias são referências a Francis Barret, no livro Magus – Tratado Completo de Alquimia e
Filosofia Oculta. As deduções a partir das instâncias são de obra da autora, visto que o livro é de
1801.
68
Capítulo 5
A S L INHAS E A E STRUTURA DA E SQUERDA
Podemos imaginar o plano espiritual como uma esfera que circunda e interage com o plano físico.
Essa esfera está dividida igualmente entre quatro planos: os da Direita, Divino, que se contrapõe aos
da Esquerda, dos espíritos que interagem com o mundo, ou Mundanos; acima, ficam as Linhas da
Ordem (ou do Bem como algumas pessoas assimilam mais facilmente) e abaixo, as Linhas do Caos
(ou do Mal, para melhor assimilação). Esses planos, com esses nomes ou quaisquer outros que lhes
venham a ser dados, interagem e se completam: eles são parte essencial do equilíbrio, pois um gera
os parâmetros e os fatores necessários para que o outro exista – assim como a Esquerda completa a
Direita, o mundo físico equilibra o espiritual, o Bem equilibra o Mal, do caos nasce a ordem e, por fim,
sem trevas não existe a luz.
Essa dicotomia é necessária porque, a partir, dela é que se organiza o mundo tal qual o
conhecemos: tudo que é positivo depende do negativo para existir e ser o que é.1
69
Linhas da Esquerda
Em geral, quando se fala em Sete Linhas da Umbanda, é comum que as pessoas expliquem quais
são e não o que são essas Sete Linhas (sejam da Esquerda ou da Direita). E por que Sete e não Oito,
ou Nove ou Doze? E por que linhas e não Exércitos? Por que Orixás e não Anjos? E mais que isso,
que diferença isso faz em termos ritualísticos? Há alguma coisa essencial que tenha feito que
conhecêssemos hoje em dia as Sete Linhas da Umbanda e não, por exemplo, Os Nove Tracejados ou
os Doze Caminhos, ou ainda, As Dezessete Faixas?
Sim, para tudo isso existe um motivo. Aliás, um não: vários, nos quais se misturam razões
espirituais, míticas, cosmogônicas, culturais, sociais e históricas . É por isso que, antes de qualquer
coisa, é necessário entender esses motivos e explorá-los.
70
de a última frase de Jesus, antes de morrer na Cruz, teve 7 palavras, mesmo em sua tradução do
hebraico: “Pai, em tuas mãos, entrego o meu espírito”. Mais que isso, são muitas as referências ao
número 7 no Catolicismo canônico: os 7 Pecados Capitais (vaidade, avareza, ira, preguiça, luxúria,
inveja e gula); são 7 As Virtudes Cardinais (castidade, generosidade, temperança, diligência,
paciência, caridade e humildade); também são 7 os Sacramentos (batismo, confirmação, eucaristia,
sacerdócio, penitência, extrema-unção e matrimônio). Além disso, eram 7 também as igrejas das
antiguidades, os graus de hierarquia dos Anjos, as dores de Nossa Senhora, os Livros do Antigo
Testamento, as Chagas de Cristo, entre outros.
Todos esses fatores fazem do número 7 um dos pilares da cosmogonia da Umbanda, já que ela
está profunda e intrinsecamente ligada ao Catolicismo popular e acaba herdando dele essas
características.
Quando chegamos a falar sobre as relações do número 7 com os Orixás provenientes dos Cultos
Africanos, aí a o assunto se complica um pouco. Tudo porque, diferentemente da cosmogonia judaico-
cristã, que tem forte base nos números 1 (a Unidade), 3 (a Trindade) e 7 (A Criação), nos cultos
africanos essa base muda para outra, bastante diversa e bem mais intrincada – que fique claro que,
aqui, não falamos de matemática, mas de Visão e Organização Numérica do Mundo. Para os
africanos, a base não está em apenas 3 números, mas em 16 – os 16 primeiros números da
contagem numérica, da enumeração quantitativa – que representavam as possibilidades do Destino
às quais estava vinculado o espírito humano. A isso foi dado o nome de Odus, sobre o que falaremos
um pouco, antes de continuar as explanações sobre as 7 Linhas da Umbanda.
A Estrutura Básica das Sete Linhas
Com tudo o que já falamos sobre as religiões que deram origem à Umbanda, especialmente o
Catolicismo e as religiões de origem africana, fica mais fácil entender como surgiu o sistema das Sete
Linhas na Umbanda. A organização sistemática numérica, baseada no número Sete veio do
Cristianismo e a regência, bem como a estrutura piramidal das Linhas, veio das religiões africanas.
Assim, temos a Linha de Oxalá, a Linha de Ogum, de Oxóssi, de Xangô, das Águas, de Yori e Yorimá
e do Oriente. Essas linhas funcionam de uma maneira bem distinta, numa estrutura piramidal,
segundo o que segue:
1º Nível Hierárquico
1 Orixá Maior
2º Nível Hierárquico
7 Chefes de Legião
3º Nível Hierárquico
49 Chefes de Falange
4º Nível Hierárquico
343 Segundo-Comando de Falange
5º Nível Hierárquico
(Guias) 2.401 Chefes de Grupamentos
6º Nível Hierárquico
(Protetores) 16.807 Chefes Integrantes de Grupamentos
7º Nível Hierárquico
117.649 Entidades Integrantes de Grupamentos
Como podemos ver, além das influências que já vimos do Cristianismo e das religiões africanas, há
também uma presença marcante da hierarquia entre os espíritos (de uma maneira quase militar,
estratégica), típica da organização dos índios em tempos de guerra, isto é, importada de seu sistema
social, contudo, baseada na evolução espiritual e na proximidade dos Orixás Maiores e do próprio
Deus, padrão típico do kardecismo.
Portanto, após essa análise minuciosa e profunda, percebemos como surgiu a estrutura das Sete
Linhas (provavelmente de maneira bem análoga à própria Umbanda, inserindo elementos das quatro
religiões formadoras num mesmo sistema).
Contudo, falta responder, na minha opinião, a mais importante das questões, que acaba abarcando
outras tantas: por quê?
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Porquês e mais porquês
Não raro é que muitas pessoas digam que a fé está sempre cercada de mistérios e quem tem fé
verdadeira não pergunta o motivo, apenas acredita e segue. Bom, essa doutrina nunca funcionou
muito bem para mim e para muitas pessoas que eu conheço.
A Umbanda prega a evolução física e espiritual, portanto, é perceptível a necessidade concreta de
acumular conhecimentos constantemente. E esses conhecimentos só chegam a nós quando o
bichinho coçador que pergunta “por quê?” nos atazana tempo suficiente para não ficarmos em paz,
mesmo ao ouvirmos a resposta “porque sim”.
Então, nada mais justo que dizer: “Por que falar em Sete Linhas?”.
A resposta, simples ou não, é que esta é apenas uma forma de ver o mundo, interpretar sua
realidade e dar nomes aos que vemos, ouvimos, sentimos e entendemos. A partir do momento em
que o homem desenvolveu a linguagem e as línguas, tudo quanto presenciamos é uma visão de
mundo. O que é verdade para uns, não é verdade para outros.
Algumas vezes afirmamos ou vemos outros afirmarem que certas coisas “não existem”, “não estão
certas”, “não podem ser feitas diferentes”. Bom, aí é que está: nenhum de nós é detentor da verdade
universal e, se tivéssemos o conhecimento dos Deuses, seríamos eles ou estaríamos ao seu lado,
desempenhando sua função. Quando o fanatismo nos deixa cegos ou colocamos interesses e
imagem pessoais acima do que é verdade para o nosso Coração, aí é que começamos a julgar o que
o outro faz, como ele faz e porque ele faz. E o fazemos sem mérito, capacidade ou moral para isso.
No meu último livro, toquei nesse assunto discutindo os conflitos e afinidades do Candomblé e da
Umbanda entre si. Em alguns dos trechos, eu discuti justamente esta questão:
(…) poucos seres humanos têm a capacidade de respeitar as opiniões e as verdades dos outros.
Parece que há um mecanismo em nós que nos incita a necessidade de convencer os outros de que,
acima de tudo, estamos sempre corretos. A opinião do outro sempre precisa ser revista, pois
raramente está “certa”. (…) diferente do que possa parecer, as críticas não são fruto da maldade ou
da intriga. Em 90% dos casos, elas são fruto do desconhecimento de uns sobre a prática dos outros.
(…) Neste caso, quem está certo? Ninguém. Os adeptos do Candomblé têm seu ponto de razão e os
de Umbanda também. E se os deuses e espíritos ou mensageiros se manifestam em ambos para
cumprir suas missões é por que cada caso individual, quem julga o que pode ou não ocorrer, o que
deve ou não ser feito, é o Orixá, não o ser humano. A ciência das próprias capacidades pertence a
eles mesmos, e quando tecemos uma crítica contra o outro, tecemos críticas contra eles [os Orixás],
prepotentes. Tanto este é o ponto que, quando um Orixá ou entidade não se sente bem dentro de um
culto, templo, vertente religiosa ou casa, ele mesmo se incumbe de conseguir outro lugar e mudar-se,
levando consigo o filho e quem mais estiver associado a ele. Tudo é uma questão de aprendizagem e
de necessidade.(…)
Apoiada nessas palavras é que volto a dizer: o que coloco neste livro é apenas uma proposição
sistemática, para que os interessados e adeptos da religião possam entender melhor o que são as
Sete Linhas da Umbanda. Em muitas casas, a prática ritual e doutrinária pode diferir em tudo que está
colocado aqui. Não quer dizer que este livro contenha informações erradas ou que a prática da Casa
esteja errada. Quer dizer que as palavras mudam. O Universo é o mesmo, a maneira pela qual o
vemos é que difere: só se outra pessoa fosse capaz de enxergar por meio dos meus olhos e sentir
como eu sinto sendo eu é que ela seria capaz de concordar integralmente comigo.
Tal qual o lado direito da esfera, o lado esquerdo possui também Sete Linhas, que alternadamente
vão sendo regidas por diversos espíritos, de acordo com a necessidade e a organização do plano
espiritual naquele instante.
72
Figura 5.2.: Organograma das Sete Linhas na Direita e Esquerda e Sete Instâncias na Direita.
Sua contraposição também é válida, a parte da esfera equivalente, mas caótica, a dos Serviçais das
Instâncias do Caos, também possuem Sete Instâncias.
Figura 5.3.: Organograma das Sete Linhas e Sete Instâncias na Direita e na Esquerda.
Enquanto a parte Direita é habitada por Deuses, Orixás e outras entidades Divinas,2 o lado
Esquerdo é habitado pelos espíritos desencarnados e Serviçais Diretos, bem mais próximos a nós já
que os deuses propriamente ditos interagem de uma maneira muito mais sutil e quase imperceptível,
especialmente aos olhos ocupados e aos espíritos agitados.
Assim, a Esquerda se organiza nas seguintes Linhas (lembrando que usamos essa nomenclatura
para melhor identificação com as Sete Linhas da dos Orixás, mas, para efeito, poderiam ser
chamados Sete Caminhos, Sete tipos de atributos dos Espíritos da Esquerda, entre outros que
descreveriam da mesma forma ou até melhor as funções destas Linhas):
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valor da vida física, como parte da evolução espiritual.
Só que, da mesma forma como essas Linhas da Esquerda se organizam no sentido da Ordem,
existe uma equivalência que mantém o equilíbrio do outro lado. São as Instâncias dos Servos ou
Serviçais do Caos e elas funcionam justamente no sentido oposto aos da Esquerda:
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espíritos beiram a paranormalidade e eles são os mais capazes de mover objetos, iniciar
incêndios, ligar aparelhos eletrônicos e queimá-los, além de assombrar lugares. Contudo, é
uma Linha na qual muitos dos espíritos estão inconscientes do que fazem: cegos pelo ódio,
pela dor, pela rejeição ou pela transição abrupta entre a vida e a morte, a maioria deles está
perdida e desesperada por socorro.
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Estrutura e funcionamento
Entender como funcionam as esferas do plano espiritual que estão mais relacionadas à matéria foi o
tema deste livro. Entretanto, é fundamental perceber como tudo isso se articula.
1. Se admitimos que existe o Mal (Caos) assim como existe o Bem (a Ordem), admitimos que
existe uma escolha e que existe o livre arbítrio (o qual, muitas vezes, pensamos que não temos
acesso – para entender, veja os pontos 2, 3 e 4) – e principalmente que ele é válido para seres
humanos encarnados, desencarnados, entidades, guias, orixás, demônios, e que, dependendo
das escolhas é que nos colocamos neste mundo, nesta realidade e existimos.
2. Ter escolha significa ser livre e poder transitar entre as diferentes oportunidades que nos são
dadas, assim, a real possibilidade de modificar uma situação ou toda uma realidade depende
exclusivamente de cada um, não importa qual seja: permanecer num plano ou seguir para o
próximo, evoluir ou regredir, pleitear a ordem ou abraçar o caos.
3. As entidades estão aqui para nos ajudar em nossas escolhas, não para decidir por nós. Se
uma entidade opta, por conta própria, por interferir, essa ação terá uma consequência, seja ela
boa ou ruim, ela existe justamente para manter o equilíbrio.
4. Nenhuma entidade ou ser de qualquer espécie tem o direito de forçar o outro para obrigá-lo a
fazer o que não quer. Muitas manifestações da espiritualidade tendem a ser violentas e, não
raras são as vezes em que nos é dito que só chegamos à Umbanda e às religiões de mesma
linha por conta do sofrimento, ou por conta da persistência de uma entidade que nos venceu
pelo cansaço. Por mais que exercer a espiritualidade por meio mediúnico seja uma missão que
assumimos antes mesmo de nascer, assumi-la em vida deve ser uma atitude consciente, por
vontade e não por necessidade ou coação. Assim, da mesma forma que uma pessoa deve
enxergar a escolha que fez antes mesmo de vir para este plano – pois ela o fez de livre e
espontânea vontade – a entidade que dá os sinais dessa mediunidade deve estar ciente de
fazê-lo nos limites, respeitar o corpo do médium e ater-se à sua missão, procurando não
extrapolar os limites dela.
Portanto, à medida que pensamos em tudo isso, percebemos que a Ordem pela qual as coisas
funcionam, bem como o Caos que se contrapõe a ela, compõem a perfeição da Criação.
Essa força criadora, suprema e inegável é a perfeita representação do equilíbrio pelo qual
existimos. O Universo vai muito além que os Deuses, Anjos, Espíritos e Homens podem compreender.
Essa compreensão necessita de estudo, conhecimento e entendimento de que, em qualquer plano
que estejamos, tanto o espiritual quanto o físico são de suma importância para entendermos a
Plenitude da Existência.
É importante ressaltar que falamos isso em termos de existência. Nos termos das relações humanas,
há muito mais fatores a considerar que estes. Feliz ou infelizmente, esse conceito nem sempre se
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aplica ao feminino e ao masculino, pois estas não são questões de existência, mas de gênero e
reconhecimento de identidade – que não podem, consequentemente, ser caracterizados por uma
dicotomia tão simples.
Quando falamos em Divinas, neste caso, referimo-nos a toda e qualquer entidade da Criação e não
somente àquelas que competem ao lado da ordem. Até pela necessidade humana de estabelecer
algum tipo de caminho a seguir, há certa prática em utilizar a palavra divindade apenas para
deuses(as) bondosos(as) e simpáticos(as) aos humanos. A realidade é que a natureza divina é uma
natureza bastante diferente e o conceito de vontade, dever, necessidade e escolha deles não se
norteia, como os nossos por valores pessoais e baseados no ego, mas numa função a ser
desempenhada para manter o equilíbrio do mundo.
Lembrando que, quando falamos de espíritos, referimos-nos àqueles que estão mais próximos da
carne, do mundo como o conhecemos, das pessoas vivas e encarnadas. Quanto mais alto o grau de
evolução de um espírito em direção à Ordem, mais ele segue em direção à “Direita”, isto é, à
divindade e à compreensão de tudo quanto existe. Para saber mais, leia o livro “As 7 Linhas da
Umbanda”, destas mesmas autora e editora.
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Apêndice 1
U MBANDA : M ONOTEÍSMO OU P OLITEÍSMO?
Uma das primeiras perguntas que nos fazemos, ao lidar com a Umbanda, diz respeito ao caráter
plural de seu culto: como devemos considerar a Umbanda, uma religião politeísta (culto a vários
deuses) ou monoteísta (culto a um deus único e supremo)?
A resposta não vem com muita facilidade e, por isso, esta introdução faz-se necessária para
entender as diferenças dos papéis dos Orixás, quer estejam sendo cultuados na Umbanda, no
Candomblé ou até mesmo nos cultos que serviram de raízes para ambos.
Quando falamos de Orixás (do iorubá, ori, a cabeça e xá, o rei, a divindade, assim, orixá é “o deus
que habita a cabeça”), nos referimos aos deuses e deusas trazidos de África pelos tantos e
numerosos negros que vieram ao Brasil por meio do tráfico negreiro nos períodos de formação do
Brasil, em especial, no período colonial.
A palavra vem diretamente dos cultos iorubanos, que já no Brasil deram origem a nações como
Nagô, Nagô-Ebá, Xambá, Ketu, Alaketu, entre outros. Entre os povos bantu, que no Brasil originaram
as nações Angola e Congo, essas mesmas entidades são chamadas Nkisis. Nas diversas nações de
Candomblé no Brasil, são cultuados aproximadamente 50 orixás diferentes, sendo os mais comuns e
conhecidos, cerca de 20.
Na Umbanda, são cultuados poucos desses Orixás: Oxalá (mas sem distinções), Iemanjá, Oxum,
Iansã (não Oyá), Nanã Buruku, Xangô, Ogum, Oxóssi, Exu (embora sua figura seja bastante
controversa, pois a Umbanda cultua espíritos e guias que falam em nome do orixá, sem o culto à
divindade) e Omolu (que por vezes também é visto como um exu, reinante no cemitério, calunga
pequena). Algumas casas mistas ou de nação cultuam também outros orixás como Oxalufã e Oxaguiã
(já estabelecendo a diferenciação entre as qualidades de Oxalá), Oxumarê, Ewá, Obaluaê, Ibeji (as
crianças gêmeas, que na incorporação da Umbanda correspondem a São Cosme e São Damião),
Obá, Oyá, Ossaim, Obatalá, Orunmilá-Ifá, entre outros. A questão, entretanto, ganha sua
complexidade no momento em que, ao lado de tudo isso, temos a Umbanda falando em nome de
Jesus Cristo (cuja imagem também pode remeter a Oxalá) e de um Deus único (Zambi ou Olorum).
Como pode então haver culto a outros deuses?
Herança do Catolicismo, presente inclusive no processo de sincretismo dos deuses africanos com
os Santos cristãos, o monoteísmo adquiriu propriedades únicas sob os véus da Umbanda. Já no
Catolicismo, cuja base em verdade é judaica, Deus é único e superior, mas existem abaixo dele, com
cunho todo especial de divindades: os anjos, arcanjos, principados, santos, beatos, entre outros. Toda
uma hierarquia, ligando o mais alto patamar da escala divina ao mais reles dos mortais.
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Observando a pirâmide abaixo, percebemos como isso se deu no caso da Umbanda. Ela relaciona
Deus (no topo da pirâmide, relacionado com Oxalá e Jesus Cristo, mantendo de forma peculiar a
trindade cristã), abaixo dele, os Orixás (divindades provenientes dos cultos africanos que são
sincretizadas com santos católicos e regem elementos naturais), em seguida as entidades em ordem
de grau evolutivo (Caboclos, Pretos-Velhos, Ciganos, Marinheiros, Boiadeiros, Baianos, Mestres, Exus
etc.).
Especificados esses papéis e colocadas essas interações entre as Entidades e Orixás, podemos
dizer que a Umbanda assume, sim um caráter politeísta, crendo, contudo, num Deus único e superior,
criador de tudo que existe, inclusive dos demais deuses. Essa teogonia peculiar organiza-se desde as
Instâncias Superiores – Divinas – até as mais próximas dos homens. O umbandista (excetuando as
casas de Nação e as casas mistas, talvez) acredita que Deus, com seu poder, por meio dos Orixás e
dos Guias, leva aos homens seu Amor, auxiliando na caminhada rumo à elevação espiritual e
intelectual.
Assim, referir-se aos Orixás na Umbanda é falar de poderosas energias, forças da natureza que
estão presentes em todos os lugares, influenciando as pessoas e mantendo o equilíbrio natural dos
elementos. Eles são energias emanadas da divindade criadora e onipresente, subdivisões da unidade
perfeita de Deus, tal qual os Anjos. Alguns, influenciados talvez pelo sincretismo, colocam-nos como
espíritos que progrediram muito espiritualmente e que não necessitam mais do processo
reencarnatório; a estes seria, então, dada a missão de organizar e orientar uma rede de espíritos com
menos progresso espiritual que eles, ajudando-os a progredir. Esta, no entanto, é a função dos guias
espirituais, e não raro é que sejam confundidos com os Orixás, especialmente em casos onde a
influência kardecista predomina, dados os valores daquela vertente do Espiritismo. Na Umbanda, tal
qual no Candomblé, cada pessoa está ligada a um esses Orixás, cujas características são
encontradas em nelas, em forma física ou, mais evidente, nas características psicológicas e
comportamentais.
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Apêndice 2
Q UEM É O E XU O RIXÁ?
80
Lendas de Exu
São várias as lendas que concernem a Exu, mas, em especial, algumas contam as características
mais cultuadas pelo povo de Umbanda nesse Orixá.
Conta uma dessas lendas que Exu era um andarilho, sem eira nem beira, não era rei, nem possuía
qualquer riqueza, não tinha profissão, não conhecia nenhuma arte, não tinha um objetivo pelo que se
esforçar. Quando não tinha mais o que fazer, ia até a casa de Oxalá, onde se divertia vendo o pai de
todos fabricar os seres humanos. Com o tempo, passou a prestar muita atenção em tudo o que o
velho Orixá fazia. Além de ver tudo quanto era feito dos seres humanos, Exu via todos que iam ali
levar presentes e oferendas. Com o tempo, passou a ajudar Oxalá, pois viu por dezesseis anos como
ele fabricava cada ser humano. Foi quando Oxalá percebeu que perdia muito tempo recebendo ele
mesmo os presentes e as pessoas, no que pediu a Exu que ficasse na Encruzilhada que antecedia
sua casa. Exu cumpriu perfeitamente seu papel, de não deixar passar ninguém que não fosse
convidado e levar as oferendas para Oxalá, no que Oxalá o recompensou: todos que ali passassem,
deveriam dar a Exu também uma oferenda e, assim, o seria em toda Encruzilhada na qual ele se
pusesse. Assim, Exu virou o Rei da Encruzilhada.
Outra lenda sobre Exu reza que este, por ser o mais novo, irmão de Xangô, Ogum, Oxóssi, sempre
recebia as homenagens que lhe competiam por último. Por querer mais atenção, ele vivia criando
confusão e turbulência, o que fez que Oxalá, seu pai, decidisse castigá-lo com severidade,
aprisionando-o. Seus irmãos mais velhos o aconselharam a fugir e deixar Orun (o Céu) no que ele
veio para Ayé (a Terra). Mas, enquanto Exu estava no exílio, seus irmãos continuavam a receber
festas e louvações. Ele não era mais lembrado e ninguém sequer procurava notícias de seu paradeiro.
Usando mil disfarces, ele rondava nos dias de festas, as portas dos templos de seus irmãos, e
ninguém o reconhecia disfarçado, pois Exu tem mil faces quando quer. Ele vingou-se por ter sido
esquecido, semeando sobre o reino dos Orixás toda sorte de desgraça, intriga, confusão e
desentendimento. Não demorou muito para que as festas religiosas fossem proibidas em virtude da
balbúrdia e dos problemas que traziam. Os sacerdotes, então, foram procurar um babalaô nas portas
da cidade. O babalaô saberia o que estava acontecendo por que ele é o sacerdote que comanda e
possui o poder de ver nos búzios o destino de cada um. Ele abriu os búzios e disse que Exu falava no
jogo e estava furioso por ter sido esquecido por todos, que por isso exigia dos homens que os
primeiros sacrifícios fossem dele, e que os cânticos de toda e qualquer cerimônia fossem, primeiro,
sempre para ele, pois ele era o mensageiro entre Orun e Ayé, ele vivia entre o mundo dos homens e
dos deuses, somente ele sabia o caminho. O babalaô disse que Exu pediu um bode e quatro frangos,
mas os demais sacerdotes caçoaram dele, dizendo não haver motivo para se preocupar com um
Orixá menor como Exu, não dando importância ao que este dizia. Só que, quando quiseram se
levantar para ir embora, não podiam se mexer, suas pernas estavam imóveis e não podiam se
levantar. Era mais uma das artimanhas de Exu. Há quem jure que sua gargalhada pôde, então, ser
ouvida ao longe. O babalaô pediu respeito e, recitando cânticos em nome de Exu, ajudou cada um a
se levantar. O babalaô os aconselhou a fazer o que ele mesmo fazia, pois Exu é mensageiro, Exu
corre o mundo e tanto pode trazer quanto levar: que dessem primeiro de comer para acalmar Exu.
Há outras tantas lendas, mas essas duas falam especificamente sobre aquilo que é característica
primeira de Exu: ele é o mensageiro, portanto, deve comer primeiro, para levar as mensagens e
oferendas aos outros deuses. Exu rege a encruzilhada, isto é, a junção de todos os caminhos, por que
ele é cuidadoso com as ordens do Pai Oxalá.
Exu é caridoso. Há lendas que também o descrevem curando doentes e trazendo riquezas a
mendigos e pessoas humildes. Mas nem por isso, Exu é menos exigente, pois castiga severamente
aqueles que não cumprem com suas obrigações, ou que não lhe dão aquilo que é devido.
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Parte do Corpo Órgãos genitais, aparelho reprodutor, mãos e boca.
Pedras Ferro
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Comidas & Bebidas de Exu
“Exu é servido primeiro, pois ele é o mensageiro, sem o qual nada se faz nos terreiros”.
Exu bebe e bebe muito. Bebe gin e cachaça, batidinha de coco e pinga, bebe mel com aguardente.
Mas Exu também come muito, e seu prato favorito é a farofa (feita com mel, água, azeite de dendê ou
aguardente), mas Exu também come o bom xinxim de bofe. Já Pombagira prefere a farofa doce e
seus corações na pimenta.
Assim, para regalar Exu e Pombagira, veja as receitas:
Farofa de Azeite-de-Dendê
Frite numa frigideira com azeite de dendê uma porção de cebola (ralada ou picada, conforme o
gosto da cozinheira). Despeje farinha de mandioca torrada.
Mexa até ficar bem sequinha. Querendo, também pode fritar junto com a cebola alguns camarões
secos.
Corte o bofe em pedaços pequenos, tire todos os nervos e afervente em água e sal; escorra e
espere esfriar. Passe na máquina de moer carne, em peça não muito fina e depois leve ao fogo para
cozinhar com bastante água. À parte, faça uma moqueca com os temperos, os camarões, as farinhas
e o dendê e divida essa moqueca em duas partes de tamanhos diferentes. Coloque a metade menor
da moqueca no bofe, que deve estar cozinhando, e na outra metade adicione o leite de coco e deixe
ferver um pouco. Adicione no bofe quase cozido, mexendo sempre para não pegar no fundo da
panela. Não se esqueça de experimentar o sal. Se quiser, adicione uma pimenta de cheiro antes de
tirar do fogo. Essa comida é servida com arroz e fica uma delícia com a farofa de água quente.
Essa farofa é feita da mesma maneira que as demais, só que utiliza o mel misturado à farinha, doce
para o paladar da Pombagira. Misturada a farinha e o mel, basta dispor as frutas sobre eles num
alguidá ou numa bacia de ágata.
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Corações na Pimenta
21 corações de galinha
1 pimenta dedo-de-moça
1 Cebola
Pimenta-rosa para decorar
Mel
Azeite de dendê
Basta lavar bem os corações e colocar para refogar a cebola no dendê e no mel (não todo o mel,
cerca de uma colher de sopa). Depois de bem cozidos, disponha num alguidá, decore com a pimenta
e cubra com o restante do Mel.
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