Apostila Do Curso Introdução Cap 5 - Umbanda Uma Religião Simbólica e Arquetípica

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 19

Curso:

Introdução a Doutrina de Umbanda


Capítulo 5 –Umbanda uma religião simbólica e
arquetípica

2019
2
“Não importa a forma dada à argila moldada; a realidade
do objeto permanece sendo argila, seu nome e sua forma
sendo apenas aparências transitórias. Assim também
todas as coisas, tendo se originado no Uno Supremo, são
por isso o Supremo em sua natureza essencial. Desde o
mais elevado ao mais inferior, do mais vasto ao mais
diminuto, os infinitos fenômenos do Universo são o Uno,
revestido pelo nome e pela forma”.

Sri Sankaracharya

3
Capítulo 5 –Umbanda uma religião simbólica

Simbolismo Religioso

Você já parou para pensar o quanto os homens são seres eminentemente


simbólicos, e o quanto os símbolos permeiam nosso cotidiano em todas as
atividades. Podemos pegar exemplos simples como um semáforo na rua, que ao
ficar verde indica que podemos avançar no trânsito, ou mesmo quando
substituímos alguns sentimentos por “emojis” nos aplicativos de comunicação
nos smartfones e nas redes sociais.
Hoje as tendas de Umbanda estão com seus Congás (altares) adornados
por antigos e milenares símbolos, muitos de seus adeptos lhes prestam culto,
mas será que conhecem seu significado? Os fiéis sabem que esses símbolos
pertencem a uma coletividade religiosa de outras culturas, ou melhor, dizendo,
que estes símbolos são mais antigos que sua própria religião enquanto sistema
teológico? Com certeza a resposta é não. Não é nosso intuito propor que os
seguidores da Umbanda sejam especialistas em símbolos, porém, o
conhecimento dessa linguagem simbólica, dessas imagens enigmáticas que
enchem seus templos, pode ser um importante viés para que o homem tome, ou
retome, o contato com sua história, com a história da sua religião, de suas
crenças, e de uma maneira mais ampla, com a história da própria humanidade.
Quando falamos de símbolos religiosos, eles ajudam a criar um corpo que
exprime os valores morais da sociedade, os ensinamentos, criando um
sentimento de solidariedade entre os seguidores religiosos, ou funcionando
como uma forma de trazer um adepto mais perto de Deus. Os símbolos foram à
primeira forma de manifestação linguística e religiosa da humanidade. Essa
linguagem simbólica existente há milhares de anos é motivo de adoração, culto
ou admiração para milhares de fiéis, independentemente do contexto religioso
ou filosófico em que se inserem. Exemplos destes símbolos são a cruz para os
cristãos, o yin-yang para os orientais, o esquadro e o compasso para os maçons,
entre outros milhares de símbolos. É interessante apontar que, quando se refere
à simbologia religiosa, não devemos nos limitar somente ás imagens, aos signos,
aos sinais, aos símbolos, aos monogramas, entre outras imagens semióticas;
mas, também, abranger a linguagem simbólica e mítica presente em livros
sagrados das mais diversas e distintas religiões. Todos os símbolos religiosos
possuem um forte enlace histórico ou seja, cultural, filosófico e antropológico.

a) Filosofia: cada símbolo, sobretudo, os religiosos, possui, geralmente,


uma conotação filosófico-metafísica, na qual o sujeito é instigado a uma reflexão
sobre o significado daquela imagem, ou seja, conduzirá o indivíduo pela busca
do saber do significado do emblema;

b) História: cada símbolo tem uma história, ou seja, esteve presente


nesta ou naquela cultura. Talvez esse seja o ramo do conhecimento que mais
esteja ligado aos símbolos, pois os mesmos se encontram presentes na
humanidade há muitos milhares de anos, sendo transmitidos de cultura para
cultura;

4
c) Antropologia: se cada símbolo é uma criação cultural do homem, não
se poderia excluir esse importante ramo do conhecimento.

Existem outras áreas a que somos levados quando estudamos os


símbolos; elencamos acima somente algumas delas. A Psicologia é outro ramo,
talvez o mais recente, a ser incorporado para o estudo da simbologia religiosa,
e nesse ponto que iremos focar. Em termos gerais, o estudo dos símbolos, como
é apontado por Jung, nos fornece um rico material para a compreensão da
religiosidade humana, da cultura e da história de modo geral, com uma visão
fenomenológica. Dentro da Psicologia, a Psicanálise foi a escola que mais
contribuiu para o estudo dos símbolos religiosos, sobretudo a Psicanálise de
Jung. O médico de Zurique, que fora amigo e depois dissidente de Freud, e
fundador da chamada Psicologia Analítica. Para Jung, os símbolos são
produtos do inconsciente humano que se utiliza de imagens para expressar
uma linguagem que, segundo o autor, é a linguagem da alma humana. Esse
estudioso chegou à noção simbólica, como linguagem do inconsciente, após
observar que milhares de símbolos idênticos uns aos outros se apresentavam
em diversas culturas do mundo, independentemente de seu contexto geográfico
ou histórico. Como exemplo podemos citar a “Cruz”, a ela nos remetemos logo
a figura de Cristo, de sua Paixão, de seu sangue, de sua crucificação, entre
outros aspectos, porem a cruz é um dos símbolos mais antigos presentes na
humanidade, sua história é muito anterior ao Cristianismo. Um símbolo não é
estático e único de uma religião, mais que isso, é dinâmico e culturalmente
difundido por diversas civilizações.

Este e outros exemplos levaram Carl Gustav Jung, psiquiatra alemão,


contemporâneo de Freud, a postular não só a existência de um inconsciente,
que se expressa através dos símbolos míticos, mas a existência de um
inconsciente coletivo, (inerente a todos os seres humanos), que, a partir de
sua linguagem simbólica, independentemente da cultura, da posição geográfica
ou do credo religioso, leva todos os seres humanos a estarem culturalmente
interligados a uma coletividade simbólica trazida pelo inconsciente. Jung dedicou
toda a sua obra ao estudo dessa dimensão semiótica do ser humano. Pertence
a ele a descoberta de que a humanidade por força de sua experiência acumulada
através das eras, produziu símbolos complexos para representar algumas
particularidades comuns a todas as culturas, em todas as épocas.

O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de


um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência
pessoal, não sendo, portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente
pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e,
no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou
reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na
consciência e, portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua
existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste
em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é
constituído essencialmente de arquétipos.

Arquétipos são estudados desde a antiguidade, Na filosofia, o termo é


usado por filósofos neoplatônicos, como Plotino, para designar as ideias como

5
modelos de todas as coisas existentes, segundo a concepção de Platão. Santo
Agostinho difundiu o termo provavelmente por influência dos escritos do filósofo
neoplatônico Porfírio de Tiro, discípulo de Plotino, dizia ele que o termo arquétipo
indica ideias presentes na mente de Deus. Esse conceito de Arquétipos como
padrão de repetição de comportamento da psicologia analítica foi criado por
Jung. Para ele a humanidade traz no arcabolso do inconsciente coletivo
tendências (imagens primitivas) herdadas que levam o indivíduo a comportar-se
de forma semelhante aos ancestrais que passaram por situações similares.

“Todas as ideias mais poderosas da história voltam para arquétipos”, Jung


explicou em seu livro - A natureza da psique. “Isto é particularmente verdadeiro
em ideias religiosas, mas os conceitos centrais da ciência, filosofia e ética não
são exceção a esta regra. Na sua forma atual, eles são variantes de ideias
arquetípicas criadas por conscientemente aplicar e adaptação destas ideias à
realidade. É a função da consciência, não só reconhecer e assimilar o mundo
externo através do portal dos sentidos, mas traduzir em realidade visível o
mundo dentro de nós”.

Os Arquétipos se originam de uma constante repetição de uma mesma


experiência, durante muitas gerações. Eles são as tendências estruturantes e
invisíveis dos símbolos. Por serem anteriores e mais abrangentes que a
consciência do ego, os arquétipos criam imagens ou visões que balanceiam
alguns aspectos da atitude consciente do sujeito. Funcionam como centros
autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração
dessas mesmas experiências. Eles se encontram entrelaçados na psique, sendo
praticamente impossível isolá-los, bem como a seus sentidos. Porém, apesar
desta mistura, cada arquétipo constitui uma unidade que pode ser apreendida
intuitivamente.

Umbanda é uma religião fundada em inúmeros simbolismos. Na verdade,


é uma religião simbólica e arquetípica, a começar pela representação de seus
princípios de ação. Para vivenciar a espiritualidade Umbandista de maneira
plena, é preciso saber distinguir a simbologia utilizada em sua ritualística.
Quando a investigamos a luz da psicologia percebemos que a dimensão
semiótica das crenças e dos ritos é a mesma que permeia a humanidade desde
tempos imemoriais. Umbanda nasce no Brasil com a missão de ser uma religião
universalista, que abrigaria indistintamente a todos que a ela recorressem. O
Universalismo Cristão é centrado na ideia fundamental de Reconciliação
Universal, também conhecida como a Salvação Universal — a doutrina de que
toda alma humana é chamada a reconciliar-se com Deus, por causa do Seu
divino amor e misericórdia.

Os arquétipos e os princípios de ação na Umbanda

Na verdade, antes de ser anunciada para os habitantes da Terra pelo


Caboclo das Sete Encruzilhadas, a umbanda já existia no Espaço, congregando
uma plêiade de espíritos comprometidos com a universalidade do amor pregado
por Jesus. A chamada Corrente Astral de Umbanda - CAU, que nos seus
primórdios, se apresentavam através da mediunidade basicamente e como

6
caboclos e pretos velhos, por se ligarem às raças excluídas do mediunismo pelo
preconceito do movimento espírita da época. Infelizmente, ainda hoje, entidades
que se apresentam como negras e índias são proibidas de manifestarem suas
culturas e suas peculiaridades em muitos centros espíritas, como se os espíritos
fossem exatamente iguais, como robôs: todos de raça branca, médicos,
advogados, filósofos judaico-cristãos e ex-sacerdotes católicos, de fala
padronizada (uma vez que decoram as obras básicas), com jeito choroso de
pregador evangélico e idêntica compreensão do Além-túmulo. Seria um
parâmetro artificial, porque logo constatamos, no decorrer do exercício da
mediunidade, que a maioria dos espíritos não são "espíritas", pois apresentam
enorme diversidade de entendimento espiritual, no qual predomina diferentes
filosofias e religiões que convergem em direção às verdades universais
consagradas no espiritismo, e existentes muito antes da recente codificação
kardecista, que formaram suas consciências desencarnadas ao longo da história
planetária.

Por mais que nosso planeta seja um campo de expiações, onde muitas
vezes o sofrimento se faz necessário ao aprendizado, existem seres iluminados
dispostos a guiar a humanidade no caminho da espiritualidade. Na visão da
Umbanda, as entidades que se manifestam nos terreiros, estão em um grau
evolutivo superior ao dos seres encarnados. Possui experiência e sabedoria
elevada, atuaram em diversos movimentos espirituais durante suas encarnações
e agora militam na CAU, e estão sob o comando e supervisão direta do Cristo
Jesus, comandante do planeta Terra. São essas entidades que compõem as
hierarquias espirituais de Umbanda dentro das Sete linhas.

Os Arquétipos principais:

Sendo a Umbanda um movimento direcionado do Astral para a Terra, é


difícil concordar com modelos pré-estabelecidos que apresentam a umbanda
com um número fixo de linhas vibratórias por orixás, impondo formas de
apresentação das entidades que labutam na sua seara. Podemos afirmar que a
umbanda não é uma religião mediúnica engessada, estratificada, como se fosse
um exército que só pode trabalhar com este ou aquele espírito, desde que se
manifestem nas formas de caboclos, pretos velhos e crianças Existem sim, em
Umbanda, três formas estruturais principais ou como podemos dizer, três
arquétipos sob as quais as entidades se apresentam nos trabalhos: Preto Velho,
Caboclo e Criança. Essas formas, embora não sejam as únicas, são as mais
importantes, pois de sua vibração surge o triângulo fluídico (orixás) de
sustentação do movimento.

7
Sobre essa questão, Ramatis fala muito claramente, através da
mediunidade de Norberto Peixoto no livro - Umbanda Pé no Chão. “Por exemplo:
As formas de apresentação dos espíritos que se classificam como exus são as
mais diversas possíveis, descartando-se a imposição de que somente caboclos,
pretos velhos e crianças são ‘entidades de umbanda’, embora reconheçamos
que são as principais, sem desmerecer nenhuma outra ou dar uma conotação
de superioridade sobre as demais, pois sabemos que formam uma espécie de
triangulo fluídico que sustenta o movimento do astral para a Terra”. A esses três
principais Arquétipos de apresentação dos espíritos de Umbanda podemos
chamar de “Banda”.

A Banda do Pretos Velhos:

Que em todas as culturas a figura do ancião, arqueado pelo peso dos


anos e das experiências, está ligada à ideia de sabedoria. É o arquétipo do “velho
sábio”, na psicologia de Jung que representa orientação; conhecimento;
sabedoria. Sábio e bondoso, um tipo de figura paterna que usa o conhecimento
pessoal das pessoas e o mundo para ajudar a contar histórias e oferecer
orientação que, em uma forma mística, pode impressionar seu público, um
sentido de quem são e o que eles podem tornar-se, assim, agindo como um
mentor.

Sua força simbólica, contudo, transcende o arquétipo, já que também


representa a humildade daqueles que viveram a vida escravizados. Representa
ainda a elevação pela dor e pelo sofrimento. É a figura do velho escravo,
paciente e dócil, a quem todos têm coragem de expor suas dores, suas
dificuldades, sem se sentirem intimidados ou diminuídos. É o espírito que,
embora se encontre num grau elevadíssimo da escala espiritual, apresenta-se
numa roupagem despojada, inspirando confiança e semeando conselhos úteis,
promovendo a cura das mazelas espirituais, auxiliando o consulente no caminho
da paz e da harmonia.

A Banda dos Caboclos:

8
Representa o vigor e a força produtiva da juventude é aquele que
representa o Arquétipo do “Guerreiro” na Psicologia de Jung, a energia pessoal
da liderança, proteção, comunicação e honra a tudo e a todos. Suas
características principais são poder, liderança, presença e credibilidade.
Representa, ainda, o amor à natureza e a capacidade de retirar dessa mesma
natureza todo o necessário para a satisfação de suas necessidades, incluindo
os princípios ativos para a cura dos males do corpo, pela manipulação das ervas.

A Banda das Crianças:

Simboliza a pureza de coração. Em qualquer cultura a figura da criança


inspira afetividade, alegria, doçura, paz interior, alegria de viver. Além disso, a
criança também é um símbolo de sinceridade e honestidade, sem as quais não
é possível existir verdadeira fraternidade. Na psicologia de Jung o arquétipo da
“Criança” é relacionado ao que é novo e carrega todas as características de uma
criança concreta. Nascemos humanos, mas não nascemos apenas
biologicamente humanos. Nascemos, também, “psicologicamente” humanos.
Este nascer psicologicamente humano é o que nos torna “essencialmente”
humanos. Ou seja para Jung É como se a natureza, ou um “ser criador do
universo”, carregasse dentro de si a ideia preexistente de todas as espécies e,
desse modo, também da espécie do Homo sapiens, que, na tradição judaico-
cristã, é expressa por meio da representação de um Deus que criou o homem à
sua imagem e semelhança. A criança simboliza também a necessidade e a
vontade de aprender. “Em todo adulto espreita uma criança – uma criança
eterna, algo que está sempre vindo a ser, que nunca está completo, e que solicita
cuidado, atenção e educação incessantes. Essa é a parte da personalidade
humana que quer desenvolver-se e tornar-se completa”. Dizia Jung.

9
Os três princípios morais de ação:

Em cada uma dessas bandas os espíritos apresentados em seus


arquétipos específicos representam também um dos princípios morais de
evolução do homem, e que formam a base de sustentação da Umbanda. Tais
formas, além de fundamentais na sustentação, são também arquétipos da
própria filosofia do movimento umbandista, conforme se verá em seguida.

Pureza

1) A Humildade:
Trazida e ensinada pelos amados Pretos Velhos, a humildade é condição
“sine qua non” à evolução espiritual, pois é ela que nos coloca na condição de
humanos, falhos e necessitados de crescimento espiritual. Lembrando sempre
que a humildade se pratica pelo sacrifício do orgulho e da vaidade, pela
consciência da condição inferior e da necessidade de aprendizado,
aperfeiçoamento, caridade e altruísmo;
2) A Simplicidade:

10
Trazida e ensinada pelos Caboclos simboliza o despojamento, o
desapego às necessidades artificiais, ao luxo e às futilidades. A vida frugal do
indígena é um símbolo do desapego aos bens materiais desnecessários, afinal
o índio vive de uma forma absolutamente simples, não se preocupa em vestir-se
com esmero desnecessário, nem em acumular bens, nem em viver em palácios
para satisfazer seu orgulho e sua vaidade. Simplicidade implica no desapego
aos caprichos e às necessidades fúteis e artificiais, numa profunda ligação com
a natureza e no amor ao trabalho e às virtudes essenciais, no despojamento e
desprendimento;
3) A Pureza:

Trazida e ensina pelas crianças (erês ou ibejis) a pureza se revela no amor


à honestidade, a sinceridade e à verdade, no cultivo das emoções mais puras e
mais autênticas, na alegria, na gratidão, na afabilidade, no perdão e na
fraternidade. É todo sentimento puro que nos afasta de nossa natureza
animalesca e primitiva e nos eleva ao plano superior. O próprio Cristo se serviu
desse símbolo ao dizer que era necessário sermos puros como crianças para
que entrássemos no Reino de Deus. O arquétipo da criança é relacionado ao
que é novo e, por isso, crianças podem ser assustadoras para algumas pessoas
que são resistentes a mudanças.

Formas e apresentação dos espíritos (roupagens)

Aqui na Terra, nos preocupamos muito com a nossa apresentação


pessoal, de certa forma, há uma cobrança social, para que prestemos muita
atenção à aparência física. Queremos ser desejados, valorizados e bem vistos
por todos. A humildade, como bem recomenda a espiritualidade de umbanda,
dispensa histórias romanescas de personalidades distintas do passado, a
exemplo de ilustres tribunas, sacerdotes, centuriões e senhores da lei. Nossos
guias bem sabem que os conhecimentos desses feitos servem apenas para
exaltar um médium diante de uma comunidade.
Quando se trata de espíritos, seres livres do corpo material, e que
conseguem moldar o períspirito (psicossoma), na forma de apresentação
geralmente se utilizam da roupagem fluídica de uma das suas encarnações
vivenciadas. A esse respeito, veja o caso do Caboclo das Sete Encruzilhadas,
que, em sua primeira comunicação pública, foi visto por um dos médiuns como
um sacerdote (Pe. Gabriel Malagrida). Mas não necessariamente um Caboclo,
um Preto Velho ou uma criança foram respectivamente um Índio, um negro
escravizado ou ainda uma pessoa que desencarnou ainda criança na
encarnação passada, pode sim ter vivenciado alguma experiência dessas em
suas vidas pregressas, porém podem apenas estar se apresentando de uma
maneira mais familiar as roupagens apresentados nas tendas de Umbanda.

11
No Templo Escola Pai João de
Aruanda temos um exemplo claro das
diversas possibilidades de apresentação dos
espíritos: Dona Maria Molambo, uma
Bombojira, chefe de falange da linha Nagô
(Yemanja) e, intermediária para a linha das
Almas (Yorimá) se apresenta no comando da
cura na casa de Pai João como uma freira,
ao mesmo tempo que nas giras de esquerda
costuma se apresentar na roupagem típica
das Bombojiras, vestida com saia rodada
vermelha e preta e leque na mão.

De acordo com Allan Kardec, em - O Livro dos Espíritos, “no Mundo


Espiritual, o vestuário é um componente que integra o desencarnado, seja ele
de qualquer faixa, inferior ou superior. Geralmente, os Espíritos desencarnados
trazem consigo os complementos de sua indumentária ou objeto de que faziam
uso, habitualmente, em vida, como óculos, bengalas e adereços”. Na obra
Evolução em Dois Mundo, o Espírito André Luiz observa que, “em se tratando
da aparência dos desencarnados, como roupas, calçados e peças protéticas,
tudo é confeccionado por eles próprios, estejam eles em qualquer das faixas
evolutivas do Mundo Espiritual. Entretanto, em algumas ocasiões, conforme
declarações suas e de outros Espíritos comunicantes, os produtos da criação
são encontrados já fabricados, podendo ser utilizados por qualquer
desencarnado que deles necessite, como alimentos, roupas, prédios etc.”.
Em Cartas de um Morto Vivo, o Espírito David Iatch, em diálogo com a
médium Elsa Barker, declara: “Parecer-lhe-á absurdo se eu lhe disser que
usamos roupa, tal qual como na Terra, mas em menor quantidade. Ainda não vi
malas; porém, é preciso que se note que ainda estou cá há pouco tempo”. E
complementa: “O meu traje é bem semelhante ao que usava na Terra, porém,
quando me transporto pelo pensamento a uma das minhas vidas anteriores,
tenho feito a experiência de enxergar os trajes daquela época”. Reporta-se ele,
então, ao caso da Toga Romana. Daí, concluirmos que os Espíritos transmitem
às suas vestes o seu estado mental. Elas demonstram à condição de cada um.
Nesse caso, também o pensamento é de suma importância. Tudo o que lhes vai
nos pensamentos transparece nas vestimentas que usam.
Porque é possível aos espíritos mudar uma aparência e fisionomia. O
perispírito que une ao corpo o espírito é uma espécie de envoltório semimaterial,
elaborado a partir do fluido cósmico universal. Suas principais propriedades são:
plasticidade, densidade, luminosidade, penetrabilidade, visibilidade,
sensibilidade, expansibilidade. Quanto a Plasticidade: como o nome indica, é a
capacidade do perispírito de ajustar-se ao comando da mente. É moldável,
segundo as circunstâncias, sendo que esse poder plástico é mais amplo nos
espíritos superiores.
Nos fala Ramatis em – Umbanda pé no chão – psicografado por Norberto
Peixoto que: “É surpreendente o fato de personagens famosos de outrora
estarem humildemente por trás de uma aparência de caboclo, como acontece
com Doutor Bezerra de Menezes, e inúmeros outros espíritos, a exemplo de

12
Joana de Ângelis, que se apresenta com a vestimenta de uma vovó
mandingueira do Congo velho africano. Joana de Ângelis, a venerável irmã
conhecida da lide espírita, conhecedora da alma e dos sofrimentos dos
encarnados, arguta observadora do psiquismo, atua como mais uma singela e
anônima vovó preta nas frentes umbandísticas, assumindo um nome simbólico,
como tantos outros espíritos luminares, retomando a forma de uma antiga
encarnação em solo africano. Apelamos aos companheiros de todas as frentes
mediúnicas que deixemos os sectarismos de lado e permaneçamos distantes de
nossas atitudes orgulhosas e superiores perante os irmãos que optam por
doutrinas diferentes das que abraçamos. Vamos nos respeitar fraternalmente”.

Os caboclos são espíritos de indígenas brasileiros, sul ou norte-


americanos, que dispõem de conhecimento milenar xamânico do uso de ervas
para banhos de limpeza e chás para auxílio à cura das doenças. São entidades
simples, diretas, por vezes altivas, como velhos índios guerreiros. Com sua
simplicidade, conquistam os corações humanos e passam confiança e
credibilidade aos que procuram amparo. São exímios nas limpezas das
carregadas auras humanas, experientes nas desobsessões e embates com o
Astral inferior. Na magia que praticam, usam pembas para riscar seus pontos,
fogo, essências cheirosas, flores, ervas, frutas, charutos e incenso.
Os pretos velhos, tanto espíritos de idosos africanos escravizados e
trazidos para o Brasil, como de negros que nasceram em solo pátria, são
símbolos de sabedoria e humildade, verdadeiros psicólogos do profundo
conhecimento dos sofrimentos e aflições humanas. A todos, esses espíritos
missionários consolam amorosamente, como faziam antigamente, inclusive nas
senzalas após longo dia de incansável trabalho físico. A infinita paciência em
ouvir as mazelas e choramingas dos consulentes fazem dos pretos velhos as
entidades mais procuradas nos terreiros. Assim como os caboclos, usam ervas
em suas mandingas e mirongas. Suas rezas e invocações são poderosas. Com
suas cachimbadas e fala matreira, espargem fumaça sobre a pessoa que está
recebendo o passe e higienizam as auras de larvas astrais e energias negativas.
Com seus rosários e grande amor, são notáveis evangelizadores do Cristo, e
com muita "facilidade" doutrinam os obsessores que acompanham os
consulentes. Demonstram que não é o conhecimento intelectual ou a forma racial
que vale no atendimento caridoso, e sim a manifestação amorosa e sábia, de
acordo com a capacidade de entendimento de cada filho de fé que os procuram.
As crianças nos trazem alegria e o poder da honestidade, da pureza
infantil. Aparentemente frágeis, têm muita força na magia e atuam em qualquer
tipo de trabalho. Essa vibratória serve também para elevar a autoestima do corpo
mediúnico, após atendimentos em que foram transmutados muita tristeza,
mágoa e sofrimento. É muito bom ir para casa depois de uma sessão "puxada"
no terreiro, impregnados da alegria inocente das crianças.
Victor Rebelo em - A Origem da Umbanda, publicado no site da Revista
Cristã de Espiritismo diz que: “Os mentores espirituais, quando baixam no
terreiro, fazem-no através de três formas básicas, arquetípicas, de
apresentação. Essas três formas são as de caboclo, preto velho e criança. Todos
os mentores espirituais de nossa Umbanda, como seres espirituais
desencarnados, podem transformar ou modificar o corpo astral (também
conhecido como perispírito, psicossoma), segundo suas vontades. É devido a
essa transformação ou modificação do corpo astral que muitas entidades que

13
baixam em nossos terreiros se apresentam como caboclos (índios), pretos
velhos e crianças”.
Esses três arquétipos que vimos são também chamados de formas
estruturais, (Bandas) pois são as grandes falanges que compõem a estrutura da
Corrente Astral de Umbanda. No princípio, apenas espíritos ligados a essas
falanges se manifestavam nos trabalhos mediúnicos.

Falanges auxiliares

Quantos às demais formas de apresentação das entidades na umbanda,


entendemos que fazem parte da diversidade regional deste enorme país,
estando de acordo com os agrupamentos terrenos. Isso ocorre porque a
umbanda é um movimento religioso mediúnico de inclusão, e, como tal, propicia
a manifestação de todas as formas e raças espirituais, segundo o compromisso
cármico assumido entre encarnados e desencarnados.
Na grande maioria dos templos umbandistas, mais populares,
encontramos entidades que se manifestam através de outras roupagens
fluídicas, sustentando egrégoras afins explica Victor Rebelo, “...tais como a linha
dos baianos, boiadeiros, marinheiros, ciganos e a linha do Oriente. Na verdade,
são sub-planos dentro da hierarquia umbandista, falanges de espíritos que
atuam em nome dos orixás menores: criança, caboclo e preto velho”.

Marinheiros:

Espíritos de pessoas ligadas ao mar,


marujos, capitães, piratas,
pescadores e pescadoras. Possuem
grande força magnética.
Seus trabalhos são sempre muito
alegres, gostam de dança e de
cantos. São excelentes nos
trabalhos de descarga e limpeza de
energias pesadas, sendo muito
aconselhados para realizarem o
fechamento das giras. Literalmente
lavam e purificam.
Não são caboclos, são um arquétipo
especial e enquadram-se na vibração
original de Yemanjá.

Saudação: Ê marujada!

14
Boiadeiros:

Espíritos ligados à terra, ao trabalho


rude e árduo, são muito atuantes na
captura de obsessores que são
“laçados” por eles e encaminhados
para instituições de auxílio e
tratamento espiritual. Também
são especialistas no desmanche de
trabalhos e na manipulação de
energias. Apresentam-se na
roupagem de caboclos de couro e
enquadram-se na vibração original de
Oxóssi.

Saudação: Jetruá (Gétruá), Boiadeiro!


Xetro Marrumba Xetro!

Na verdade o correto é:
Xetuá Malunga Xétuá!
Para os bantos: Xe! Interjeição de
saudação: Oi, Olá e similares. Tuá:
Fulgurante, brilhoso, luminoso.
Malunga: Entidade que protege alguém
por afeição.

Baianos:

São entidades incansáveis no


trabalho do bem. Excelentes
conselheiros, suas palavras
demonstram sempre grande
sabedoria e firmeza da caráter. São
muito bons em trabalhos de
desmanche de magia negativa,
devido ao fato de serem grandes
manipuladores e de terem um bom
trânsito na linha de Exu, (Caboclos
Quimbandeiros).
Não são caboclos; constituem
um arquétipo à parte. Quando
manifestados, enquadram-se em
qualquer uma das sete vibrações
originais, mas na de Yorimá
preferencialmente.

Saudação: É pra bahia, meu pai!

15
Cangaceiros:

Por vezes confundida com a falange


de Baianos, agrega espíritos de
antigos cangaceiros ou afins que hoje
usam seus conhecimentos para
proteção, defesa, limpeza e outros.
Quando em vida lutaram pela
liberdade dos excluídos, por reforma
agraria e melhores condições de vida
dos sertanejos. Hoje tem a
oportunidade de reparação de erros e
excessos cometidos na luta no
cangaço.

Saudação: Salve o Cangaço!

Ciganos:

São espíritos de pessoas oriundas do


povo cigano (Romani). Muito simples
e alegres, sua manifestação é sempre
carregada de uma energia sensual,
tanto a manifestação feminina, quanto
a masculina. Trabalham e dão
consultas sobre assuntos financeiros
e amorosos. Embora aos poucos vão
se constituindo numa sublinha, o mais
comum é que se manifestem na
vibração de esquerda. Utilizam
comumente nas suas magias
moedas, fitas e pedras

Saudação: Arribabô Arriba!

16
Médicos:

São espíritos de pessoas


conhecedoras da medicina, seja ela
tradicional ou não. Muito simples e
sérios, sua manifestação é sempre
carregada de uma energia branda,
apaziguadora e de paz. Trabalham
e dão consultas sobre questões
ligadas à saúde. Muitos manifestam
com os mesmos nomes que se
apresentam em casa Kardecistas.

Orientais:

São espíritos de pessoas


conhecedoras da medicina oriental,
trabalham e dão consultas sobre
questões ligadas à saúde. Se utilizam
de técnicas diversas, como
cromoterapia, cristais, fluidificação e
passes.
Tem origens diversas: hindus,
árabes, marroquinos, persas, etíopes,
chineses, egípcios, tibetanos, e nos
trazem conhecimentos milenares.

Roupagens da esquerda - Quimbanda

Outro arquétipo fundamental e importante que se manifesta em Umbanda


são os Exus (masculinos) e as Bombo-Giras (feminino) popularmente
conhecidas como Pomba-giras.
Sabe-se da grande importância que os exus possuem dentro da
Umbanda, chegando ao ponto de alguns autores afirmarem que não existe
Umbanda sem Exu. O arquétipo Exu simboliza, portanto, o lado também mais
controvertido da Umbanda: “a magia”. Essa, que para muitos é a grande fonte
de atrativo da doutrina, para outros é a principal fonte de preconceito.
Como nos explica Ramatis no livro – Umbanda Pé no Chão - “As formas
de apresentação dos espíritos que se classificam como exus são as mais

17
diversas possíveis, descartando-se a imposição de que somente caboclos,
pretos velhos e crianças são entidades de umbanda”.
Entidade controvertida, “Exu é o princípio do movimento, aquele que tudo
transforma, que não respeita limites, pois atua no ilimitado, liberto da
temporalidade humana e da transitoriedade da matéria, interferindo em todos os
entrecruzamentos vibratórios existentes entre os diversos planos do Universo.
Por isso, exu é considerado o mensageiro dos planos ocultos, dos orixás, sendo
o que leva e traz, o que abre e fecha, nada se fazendo sem ele na magia.”
Destaca Ramatis - A Missão da Umbanda.
Mas sobre estes teremos um capítulo e aula à parte.

18
Glossário:
- Arquétipo – são conjuntos de imagens primordiais em nosso imaginário, que
dão sentido às histórias passadas durante as gerações, servindo para
representar o conhecimento no inconsciente.

- Inconsciente coletivo – Conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças


compartilhados por toda humanidade. Faz parte do inconsciente individual que
resulta da experiência ancestral da espécie.

- Universalismo - é um conceito e um construto filosófico e espiritual-teológico


que advoga o ponto de algumas ideias terem aplicação ou aplicabilidade
universal. Uma comunidade que se chama a si própria universalista pode
enfatizar os princípios universais da maioria das religiões e aceitar outras
religiões de uma forma inclusiva, a crença universal de reconciliação entre a
humanidade e o divino.

19

Você também pode gostar