Feminismo - Fides Reformada
Feminismo - Fides Reformada
Feminismo - Fides Reformada
A obra de Jane Dempsey é dirigida a todos os que desejam avaliar criteriosamente o que
se tem escrito sobre o papel da mulher, mais precisamente quanto ao seu ministério no
corpo de Cristo. É um trabalho de pesquisa cuidadosa, rico em informações
documentadas e que, por isso, deve ser estudado. Cumpre ressaltar que o interesse
desta resenha não é levantar impedimentos ou buscar falhas apenas para obscurecer a
importância do tema. Acima de tudo, o objetivo é respeitar a Palavra de Deus como a
única fonte de autoridade — a despeito das teologias das minorias.
Já aqui faço um apelo aos leitores mais afeitos a julgamentos da obra pelas opiniões de
quarta capa ou mesmo pela apresentação, que não ajam assim. Nesta obra os
apresentadores, movidos pela alegria de verem uma autora escrever sobre um assunto
no qual já têm uma opinião formada, tiraram conclusões mais objetivas do que a própria
autora.
O tom desafiador, ou melhor, instigador para essa reavaliação é o que se tem chamado
de "feministas". Entretanto, o termo "feminista" é muito amplo. Há muitas possibilidades
de classificação para efeito de estudo. A presente classificação não pretende ser exaustiva
ou mesmo ‘rotuladora’. Os grupos a seguir foram separados em função das idéias
defendidas juntamente com o posicionamento em relação à autoridade da Escritura.
Mesmo entendendo que a autora está trabalhando com o papel da mulher em um escopo
reduzido — em Calvino —, seria de se esperar que em sua bibliografia estivessem alguns
nomes importantes do movimento. Entretanto, Dempsey não apresenta citações ou
quaisquer obras das que lançaram os fundamentos do feminismo evangélico como Nancy
Hardesty, Letha Scanzoni, Paul Jewett, Virginia Mollenkott e Dorothy Pape. E mesmo os
nomes atualmente associados ao movimento, como Gilbert Bilezikian, Mary Evans, W.
Ward Gasque, Kevin Giles, Patricia Gundry, E. Margaret Howe, Gretchen Gaebelein Hull,
Craig Keener, Catherine Clark Kroeger e Richard Kroeger, Walter Liefield, Alvera
Mickelsen, David Scholer, Aida Besanson Spencer e Ruth Tucker não são encontrados. Se
alguém gosta de rótulos, vai encontrar dificuldades em rotular Jane Dempsey. Ela parece
estar em mais de uma ala do feminismo (exceto a evangélica conservadora – J. Hurley,
S. Foh, S. Clark, G. Knight e E. Elliot). Apenas para esclarecimento um pouco mais
detalhado, observe: a ala rejecionista (K. Millett, B. Friedan, e N. Goldenberg) entende a
Bíblia como promotora de uma estrutura patriarcal opressora, não a aceitando como
autoritativa. A ala evangélica (A. Spencer, C. Kroeger) entende que não haja um sexismo
opressor nos registros bíblicos. Nesta ala encontram-se as tradicionais (hierarquistas) e
as igualitárias. A ala reformista, por fim (L. Scanzoni, V. Mollenkott, E. Stanton e
Elizabeth Schusser Fiorenza), assim como as rejecionistas, entende haver um
chauvinismo patriarcal na Bíblia e deseja vencê-lo, mesmo que seja à custa de uma
exegese de minoria. Mas o que distingue as rejecionistas das reformistas? As
rejecionistas recusam totalmente a tradição judaico-cristã e inclinam-se mais para o a
feitiçaria e fenômenos místicos dessa natureza. As reformistas por outro lado, embora
também entendam haver uma estrutura opressora na Bíblia, permanecem utilizando-a
com fins de reformá-la. Para tanto, através de uma hermenêutica ‘manipulável’ buscam
ressaltar o papel positivo das mulheres, libertando-as das tradições proféticas. É neste
ponto que a questão fica interessante, pois a ala radical das reformistas começa seu
discurso de modo muito semelhante ao de Jane Dempsey, ou seja, através de uma
hermenêutica de suspeição. Suspeitar de qualquer escritor ou resenhista, este não é o
problema. Entretanto, o estouro se afigura maior porque a hermenêutica de suspeição é
sobre os autores inspirados de Deus. Levado à consequência correta é suspeitar de que
Deus tenha feito a coisa certa.
Para não frustrar os estudiosos ávidos por uma palavra final na obra, aproximem-se com
calma. A obra é mais histórica, o que, para a discussão do assunto, enfraquece o
trabalho, pois não apresenta um capítulo para exegese das passagens bíblicas citadas
(que foram pouquíssimas). O máximo que pode ser feito é uma "analogia da fé de
Calvino, segundo a autora", se aquela tiver sido a dele. Por outro lado, o trabalho torna-
se importante para que se perceba a sutileza da autora, que vai lançando suspeitas nas
bases hermenêuticas com uma ‘doçura acadêmica’. Ela fornece, assim, subsídios para
que se faça uma avaliação crítica de como as conclusões são alcançadas.
O livro, julgado pelas palavras de apresentação, parece antecipar uma discussão de tal
monta, que restariam poucos sobreviventes. Na perspectiva masculina de Waldyr
Carvalho Luz, "...o biblismo capital dos Reformadores ... a refletir o vezo cultural de seu
tempo". E, de acordo com a perspectiva feminina de Ana Maria Coelho Rocha, "a falta de
conhecimento bíblico doutrinário, de seu contexto cultural ... assim como a falta de
compreensão teológica dos escritos do próprio Calvino", têm levado igrejas ‘obstinadas’ a
interpretações tendenciosas. A professora Ana Maria deseja uma hermenêutica bíblica.
Entretanto, é interessante observar sua disposição em aceitar uma conclusão
hermenêutica a partir das comunidades, isto é, a interpretação correta ocorrerá com a
"participação política das mulheres", uma vez que são elas as que "sofrem com a
discriminação e a incongruência do corporativismo eclesiástico".
Dempsey explica que seu trabalho foi o fruto de ponderações sobre o fato de Calvino
haver incluído o silêncio das mulheres na Igreja entre as matérias de ordem e decoro,
consideradas indiferentes, matérias de lei humana, adaptáveis às circunstâncias.
O capítulo sexto retoma a terceira parte da liberdade cristã que trata da liberdade
para servir a Deus em obediência à sua vontade. O ponto focal é sobre servir o
próximo, a interdependência de todos os seres humanos e a sua mútua
responsabilidade de ajudar um ao outro."
O conteúdo do livro de Jane faz isso. Ele induz o leitor a concluir sempre que tudo é uma
questão de cultura da época, de abordagens sexistas. Após ler os dois primeiros capítulos
o leitor estará maravilhado com a apresentação da discussão. São palavras acerca da
liberdade e justificação que não poderiam, e não deveriam levantar suspeitas. E a citação
de trechos das Institutas empresta credibilidade, afinal, está-se a ouvir Calvino
novamente em seu ensino. Ao adentrar no capítulo 3 o leitor terá que decidir se vai opor-
se à grande maioria social — da mídia em todas as suas formas —, ou seja, que a correta
interpretação das Escrituras depende da época em que se está vivendo. Deste ponto em
diante no livro a autora fará ressaltar essa questão: a limitação de Calvino à cultura do
século dezesseis.
Este ponto corresponde aos princípios de interpretação adotados por algumas feministas,
chamados de interpretação polarizada culturalmente, e relatividade cultural. As páginas
69 e 70 são a transição para que estes pontos entrem na mente, mas, de forma sempre
suave.
Esse ponto de vista mítico com respeito à natureza da interpretação objetiva é o oposto
do tradicional método gramático-histórico de interpretação. O importante, afirmamos, é
que o exegeta reconheça o impacto de sua própria polarização sobre sua hermenêutica e
conseqüente procedimento. É nesse sentido que Walter Kaiser evidencia a importância da
interpretação quando afirma que "o primeiro passo no processo de interpretação é ligar
somente aquelas idéias que a linguagem do autor interligou. O segundo passo é
expressar essas idéias compreensivelmente" ("Legitimate Hermeneutics" in Inerrancy, ed.
por Norman Geisler, Grand Rapids: Zondervan, 1979, p.118).
Quanto ao princípio de relatividade cultural, o problema não está no princípio em si, mas
na extensão que se faz dele. Como determinar o que é cultural ou normativo, entretanto,
requer ampla discussão.
Três considerações finais. A primeira: por quê a Didaquê começou no mercado editorial,
na área de livros por assim dizer, com um material tão exaltado na apresentação, sem
qualquer visão crítica positiva para a igreja, quando há muitas questões a considerar? A
segunda: é verdade que todos têm alguns pontos de vista preconcebidos, mas, diante de
fatos normalmente mudam de opinião. Assim, é nosso dever evidenciar qualquer
processo interpretativo que deseje trabalhar baseando-se em hipóteses erradas. As
suposições equivocadas trarão falsos resultados, e esta é precisamente a avaliação do
que este livro apresenta. A terceira: é verdade que as mulheres sofreram e têm sofrido
seriamente por causa de erros culturais e mesmo por interpretações da Escritura que as
mantiveram num papel aquém do descrito biblicamente. E isto não está longe. Basta
olhar para trás que ou a mãe ou a avó terão vivenciado este processo. Entretanto, é
preciso maior cautela por parte das mulheres (uma vez que estão organizadas em
movimentos). O momento emocional histórico e o volume de idéias preconcebidas são
grandes. Às mulheres cumpre não sucumbir ao desejo de interpretar a Escritura a partir
das discriminações sofridas. Uma destas tentativas foi feita em um Congresso realizado
nos EUA em 1993, em que as mulheres "reimaginaram" Deus como sendo "nossa criadora
Sofia". O que parecia apenas uma diferença de opiniões trouxe à tona uma idolatria
grosseira.