Kant e Mill Questã Es e Respostas
Kant e Mill Questã Es e Respostas
Kant e Mill Questã Es e Respostas
1. «A emoção dizia-nos: “A minoria branca é o nosso inimigo, nunca devemos falar com eles.” Mas a cabeça dizia-
nos: “Se não falares com eles, o país vai explodir em chamas.” Tivemos de reconciliar esse conflito. Falarmos com o
inimigo foi o resultado desse domínio da mente sobre a emoção.»
Nelson Mandela, citado em editorial do Suplemento Especial do Público, em 6 de dezembro de 2013, p. VIII
1.1. Estas palavras de Nelson Mandela exemplificam aquilo que Kant designou por
(A) entendimento.
(B) autonomia.
(C) heteronomia.
(D) deliberação.
Quando Kant propõe […], enquanto princípio fundamental da moral, a lei «Age de modo que a tua regra de conduta
possa ser adotada como lei por todos os seres racionais», reconhece virtualmente que o interesse coletivo da
humanidade, ou, pelo menos, o interesse indiscriminado da humanidade, tem de estar na mente do agente quando
este determina conscienciosamente a moralidade do ato. Caso contrário, Kant estaria [a] usar palavras vazias, pois
nem sequer se pode defender plausivelmente que mesmo uma regra de absoluto egoísmo não poderia ser adotada
por todos os seres racionais, isto é, que a natureza das coisas coloca um obstáculo insuperável à sua adoção. Para
dar algum significado ao princípio de Kant, o sentido a atribuir-lhe tem de ser o de que devemos moldar a nossa
conduta segundo uma regra que todos os seres racionais possam adotar com benefício para o seu interesse coletivo.
Na resposta a cada um dos itens de 5.1. a 5.4., selecione a única opção adequada ao sentido do texto.
2.3. Stuart Mill defende que uma ação tem valor moral
(A) sempre que o agente renuncia ao prazer.
(B) quando a intenção do agente é boa.
(C) sempre que resulta de uma vontade boa.
(D) quando dela resulta um maior bem comum.
2.4. Para Kant, a lei «Age de modo que a tua regra de conduta possa ser adotada como lei por todos os seres
racionais» significa que
(A) os seres racionais estão submetidos a leis objetivas.
(B) as ações morais são avaliadas segundo as leis vigentes.
(C) as ações morais são avaliadas pelas suas consequências.
(D) os seres racionais estão submetidos às suas emoções.
O princípio da felicidade pode, sem dúvida, fornecer máximas, mas nunca aquelas que serviriam de leis da vontade
[…]. Podem certamente dar-se regras gerais, mas nunca regras universais, isto é, regras que, em média, são corretas
na maior parte das vezes, mas não regras que devem ser sempre e necessariamente válidas […]. Este princípio não
prescreve, pois, a todos os seres racionais as mesmas regras práticas, embora estejam compreendidas sob um título
comum, a saber, o de felicidade.
Kant, Crítica da Razão Prática, Lisboa, Edições 70, 1989
Na resposta a cada um dos itens de 10.1. a 10.4., selecione a única opção adequada ao sentido do texto.
3.3. Diferentemente de Kant, Stuart Mill defende que a ação ética visa
(A) a obtenção do prazer pessoal e a promoção de interesses individuais.
(B) o prazer em realizar a ação independentemente dos seus resultados.
(C) a promoção do maior bem comum.
(D) o desejo do agente de ser feliz.
4. De acordo com a ética de Kant, o motivo moralmente válido para honrar compromissos é
(A) o interesse dos envolvidos.
(B) o benefício social.
(C) o dever de o fazer.
(D) a simpatia pelos envolvidos.
5. Segundo Kant, o imperativo categórico pode ser formulado do seguinte modo: age apenas segundo uma
máxima tal que
(A) ela se torne uma lei universal.
(B) ela se torne um hábito para ti.
(C) possas ao mesmo tempo querer que ela se torne um hábito para ti .
(D) possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal.
6. Kant consideraria que uma pessoa que, motivada unicamente pelo sentimento de pena, ajudasse uma
criança perdida na praia a encontrar os seus pais
(A) praticaria uma ação com valor moral.
(B) agiria em conformidade com o dever.
(C) praticaria uma ação imoral.
(D) agiria por dever.
8. Segundo Kant, a máxima de que devemos diminuir os outros para ver reconhecida a nossa superioridade
não está de acordo com o imperativo categórico, tal como é apresentado na fórmula da lei universal, porque
(A) a sua adoção por todos os agentes teria consequências negativas.
(B) não tem em conta o interesse próprio de todos os agentes.
(C) a sua adoção universal anularia o nosso sentimento de igualdade.
(D) não é possível universalizá-la sem que ela se anule a si mesma.
9. De acordo com Kant, uma pessoa que, motivada pela obediência a um mandamento da religião que professa,
dá assistência a quem vive numa situação de pobreza
(A) não tem, neste caso, uma vontade autónoma.
(B) age, neste caso, por respeito à lei moral.
(C) age, neste caso, apenas por dever.
(D) é uma pessoa que, neste caso, se autodetermina.
10. De acordo com a ética de Kant, temos a obrigação de respeitar os princípios seguintes:
– Nunca se deve violar contratos.
– Nunca se deve quebrar promessas.
Suponha que alguém prometeu fazer algo, não se apercebendo de que isso implicava violar um contrato.
11. Imagine que o Luís precisa urgentemente de medicamentos e que a única maneira de os conseguir é pedir
dinheiro emprestado a um amigo rico, sem ter a intenção de lho pagar. Neste caso, o Luís decidiu adotar a
máxima «faz promessas enganadoras quando não há outra forma de resolver os teus problemas pessoais».
Esta máxima pode ser usada para fazer uma crítica à ética kantiana, dado ser razoável argumentar que a máxima
(A) não é imoral, ainda que não seja racional querer universalizá-la.
(B) é imoral, ainda que venha a ter aprovação dos agentes envolvidos.
(C) não é imoral, embora seja um imperativo categórico condicional.
(D) é imoral, embora dê prioridade às consequências da ação.
16. De acordo com Mill, geralmente temos a obrigação de dizer a verdade, porque
(A) a consequência de mentirmos é sentirmo-nos infelizes.
(B) a vítima da mentira pode deixar de contribuir para o bem-estar social.
(C) dizer a verdade decorre do princípio de que devemos ser felizes.
(D) dizer a verdade tende a produzir efeitos positivos no saldo global de felicidade
17. Muitas ações geram simultaneamente felicidade e infelicidade, em vez de gerarem apenas felicidade ou
apenas infelicidade. Em cada uma das alternativas seguintes, são resumidas, de modo simplificado, as
consequências de diferentes ações. Identifique a alternativa que, mantendo-se tudo o resto igual, satisfaz
melhor o princípio da maior felicidade, defendido por Mill.
(A) 25 unidades de prazer e 12 unidades de dor.
(B) 17 unidades de prazer e 3 unidades de dor.
(C) 12 unidades de prazer e 0 unidades de dor.
(D) 19 unidades de prazer e 4 unidades de dor
Se a Dona Maria dispõe de 50 000 euros, deve usá-los para apoiar um programa de vacinação de 5000 crianças de
um país pobre, em vez de pagar um curso de teatro em Londres à sua neta, que deseja ser atriz.
Há quem considere que recomendações como a anterior mostram a implausibilidade do utilitarismo de Mill,
porque
(A) levam a fazer algo que ninguém estaria disposto a fazer.
(B) nos obrigam a tratar os outros como meros meios, e não como fins em si, contrariando as convicções morais
comuns.
(C) levam a fazer algo cujos resultados somos incapazes de prever.
(D) mandam não ter em conta os nossos projetos e preferências pessoais, contrariando as convicções morais
comuns.
22. Considere os seguintes enunciados sobre a comparação entre as teorias éticas de Kant e de Stuart Mill.
As teorias
1. apresentam critérios de moralidade distintos.
2. defendem que o valor moral da ação é relativo à situação ou às circunstâncias.
3. reconhecem que as regras da moral comum se devem subordinar a um princípio ético fundamental.
4. reconhecem que a felicidade é o fim último das ações humanas.
Deve afirmar-se que
(A) 1 e 2 são corretos; 3 e 4 são incorretos.
(B) 4 é correto; 1, 2 e 3 são incorretos.
(C) 1 e 3 são corretos; 2 e 4 são incorretos.
(D) 1, 2 e 4 são corretos; 3 é incorreto.
1. Leia os Textos E e F.
TEXTO E
Conseguimos portanto mostrar, pelo menos, que, se o dever é um conceito que deve ter um significado e conter
uma verdadeira legislação para as nossas ações, esta legislação só se pode exprimir em imperativos categóricos, mas
de forma alguma em imperativos hipotéticos.
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Coimbra, Atlântida, 1960, pp. 61 - 62
TEXTO F
O objeto da ética é dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por que meios podemos conhecê-los; mas nenhum
sistema de ética exige que o único motivo de tudo o que façamos seja um sentimento de dever. […] O motivo nada
tem a ver com a moralidade da ação, embora tenha muito a ver com o valor do agente. Quem salva um semelhante
de se afogar faz o que está moralmente correto, quer o seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu
incómodo.
John Stuart Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, p. 65
Pelo que diz respeito ao dever necessário ou estrito para com os outros, aquele que tem a intenção de fazer a
outrem uma promessa mentirosa reconhecerá imediatamente que quer servir-se de outro homem simplesmente
como meio, sem que este último contenha, ao mesmo tempo, o fim em si. Pois aquele que eu quero utilizar para os
meus intuitos por meio de uma tal promessa não pode, de modo algum, concordar com a minha maneira de
proceder a seu respeito, não pode, portanto, conter em si mesmo o fim desta ação.
Justifique, a partir do texto, que fazer falsas promessas é imoral, segundo Kant.
Ficaria eu satisfeito de ver a minha máxima (de me tirar de apuros por meio de uma promessa não verdadeira)
tomar o valor de lei universal (tanto para mim como para os outros)? E poderia eu dizer a mim mesmo: – Toda a
gente pode fazer uma promessa mentirosa quando se acha numa dificuldade de que não pode sair de outra
maneira? Em breve reconheço que posso em verdade querer a mentira, mas que não posso querer uma lei universal
de mentir; pois, segundo uma tal lei, não poderia propriamente haver já promessa alguma […]. Por conseguinte, a
minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente.
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Coimbra, Atlântida, 1960
4.1 Explique, a partir do exemplo do texto, por que razão o ato de mentir nunca é moralmente permissível,
segundo Kant.
4.2 Compare o papel da intenção do agente na ética de Kant com o papel da intenção do agente na ética de
Stuart Mill.
5.1 A partir do texto, mostre por que razão, para Kant, a ação com valor moral se fundamenta no imperativo
categórico e não em imperativos hipotéticos.
6.1 Distinga, partindo do exemplo dado por Kant, agir por dever de agir em conformidade com o dever.
6.2 Explique, de acordo com Kant, a relação entre autonomia e boa vontade.
Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há, além disso, muitas almas de disposição tão
compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse pessoal, acham íntimo prazer
em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é obra
sua. Eu afirmo porém que, neste caso, uma ação deste tipo, ainda que seja conforme ao dever, ainda que
seja amável, não tem qualquer verdadeiro valor moral […].
I.Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 28 (adaptado)
Por que razão Kant afirma que o tipo de ação descrito no texto anterior não tem valor moral?
Não existe sistema moral algum no qual não ocorram casos inequívocos de obrigações em conflito. Estas são as
verdadeiras dificuldades, os momentos intrincados na teoria ética e na orientação conscienciosa da conduta pessoal.
São ultrapassados, na prática, com maior ou menor sucesso, segundo o intelecto e a virtude dos indivíduos; mas
dificilmente pode alegar-se que alguém está menos qualificado para lidar com eles por possuir um padrão último
para o qual podem ser remetidos os direitos e os deveres em conflito. Se a utilidade é a fonte última das obrigações
morais, pode ser invocada para decidir entre elas quando as suas exigências são incompatíveis. Embora a aplicação
do padrão possa ser difícil, é melhor do que não ter padrão algum […].
S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005 (adaptado)
9.1 Stuart Mill afirma que «a utilidade é a fonte última das obrigações morais» (linhas 6 e 7).
Esclareça o conceito de «utilidade», integrando-o na ética de Stuart Mill.
9.2 Atente na primeira afirmação do texto de Stuart Mill: «Não existe sistema moral algum no qual não ocorram
casos inequívocos de obrigações em conflito.» (linhas 1 e 2).
Confronte as perspetivas de Kant e de Stuart Mill acerca da forma de resolver conflitos de obrigações.
Na sua resposta, recorra a um exemplo de conflito de obrigações.
10. Confronte as perspetivas de Kant e de Stuart Mill acerca da forma de resolver conflitos de obrigações.
Na sua resposta, recorra a um exemplo de conflito de obrigações.
É perfeitamente compatível com o princípio de utilidade reconhecer que alguns tipos de prazer são mais desejáveis
do que outros [...].
É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser um Sócrates insatisfeito do que
um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente, é porque só conhecem o seu próprio lado da
questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados.
J. S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 52-54 (adaptado)
O valor moral da ação não reside, portanto, no efeito que dela se espera […]. Nada senão a representação da lei
em si mesma, que em verdade só no ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado efeito, que determina
a vontade, pode constituir o bem excelente a que chamamos moral, o qual se encontra já presente na própria
pessoa que age segundo esta lei, mas não se deve esperar somente do efeito da ação.
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, pp. 31-32 (adaptado)
12.1. Compare, a partir do texto, a perspetiva de Kant com a de Mill relativamente àquilo que determina o valor
moral da ação.
12.2. Haverá alguma circunstância em que seja moralmente aceitável matar uma pessoa inocente, sem o seu
consentimento, para salvar a vida de outras cinco pessoas?
Apresente as respostas que Kant e que Mill dariam à questão anterior, comparando-as.
13. Leia o texto.
Compete à ética dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por meio de que teste podemos conhecê-los, mas
nenhum sistema de ética exige que o único motivo do que fazemos seja o sentimento do dever; pelo contrário,
noventa e nove por cento de todas as nossas ações são realizadas por outros motivos – e bem realizadas, se a regra
do dever não as condenar. […] O motivo, embora seja muito relevante para o valor do agente, é irrelevante para a
moralidade da ação. Aquele que salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente certo, seja o seu
motivo o dever, seja a esperança de ser pago pelo incómodo; aquele que trai um amigo que confia em si é culpado
de um crime, mesmo que o seu objetivo seja servir outro amigo relativamente ao qual tem maiores obrigações.
J. S. Mill, Utilitarismo, Porto, Porto Editora, 2005, pp. 58-59 (adaptado)
13.2. No texto, lê-se que «Compete à ética dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por meio de que
teste podemos conhecê-los». Segundo Kant, esse teste é o do imperativo categórico.
Explique como funciona o teste proposto por Kant. Na sua resposta, recorra a um exemplo.
Que outra coisa pode ser, pois, a liberdade da vontade senão autonomia, isto é, a propriedade da vontade de ser
lei para si mesma? […] Vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma coisa.
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 94 (adaptado)
Explique por que razão, segundo Kant, «vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a
mesma coisa».
Será que, de acordo com Kant, a decisão do José tem valor moral? Justifique a sua resposta.
18. Será que, de acordo com a ética utilitarista de Mill, quando calculamos as consequências dos nossos atos,
temos a obrigação de dar prioridade aos nossos familiares, amigos e vizinhos mais próximos? Porquê?
19. Atente no problema apresentado no caso seguinte.
Qual das duas programações referidas seria adotada por um defensor da ética de Mill? Justifique.
20.1 Explique o princípio geral, indicado por Mill, que permite resolver de forma não arbitrária conflitos entre
princípios rivais, como o exemplificado no texto.
«Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.»
Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 69
Mostre como se poderia usar a fórmula do imperativo categórico apresentada para condenar a mentira.
O utilitarismo exige que o agente seja tão estritamente imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros
como um espectador desinteressado e benevolente.
J. S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 63-64
Uma pessoa, por uma série de desgraças, chegou ao desespero [...]. A sua máxima […] é a seguinte: Por amor de
mim mesmo, admito como princípio que, se a vida, prolongando-se, me ameaça mais com desgraças do que me
promete alegrias, devo encurtá-la. [...] Vê-se então [...] que uma natureza cuja lei fosse destruir a vida em
virtude do mesmo sentimento cujo objetivo é suscitar a sua conservação se contradiria a si mesma.
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1986, p. 63.
A. Explique como Kant, recorrendo à fórmula da lei universal do imperativo categórico, condena o suicídio.
B. Segundo Kant, uma pessoa que, nas circunstâncias descritas no texto, optasse pelo suicídio agiria de modo
autónomo ou heterónomo? Justifique a sua resposta.
Aquele que diz uma mentira, por muito bem-intencionado que possa ser, tem de ser responsável pelas suas
consequências […], ainda que estas possam ter sido imprevisíveis; pois a veracidade é um dever que tem de ser
entendido como a base de todos os deveres decorrentes de um contrato, cuja lei se torna incerta e inútil caso se
admita a menor exceção. Por conseguinte, ser verídico (honesto) em todas as declarações é um mandamento
sagrado da razão […].
I. Kant, «Sobre um Suposto Direito de Mentir por Amor à Humanidade», in A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, Lisboa, Edições 70, 1989,
pp. 175-176 (texto adaptado).
Todos os moralistas reconhecem que mesmo a regra de dizer a verdade, sagrada como é, admite a possibilidade
de exceções, verificando-se a principal quando ocultar um facto (por exemplo, ocultar informação a um
malfeitor ou más notícias a uma pessoa muito doente) iria salvar uma pessoa (especialmente uma pessoa que
não nós próprios) de um mal maior e imerecido, e quando só é possível realizar a ocultação negando a verdade.
Confronte as posições de Kant e de Mill, expressas nos textos anteriores, acerca da regra de dizer a verdade.
Na sua resposta, integre adequadamente a informação dos textos.
A Maria sempre gostou muito de crianças e chegou a pensar em trabalhar como voluntária numa associação
de apoio a crianças doentes, mas acabou por concluir que seria muito difícil conciliar esse trabalho com os estudos.
Entretanto, ela soube que o voluntariado era muito valorizado nas entrevistas de emprego. Por essa razão,
decidiu contactar uma conhecida associação de apoio a crianças doentes e conseguiu ser admitida, passando a
conciliar o trabalho de voluntariado com os estudos. Pela sua dedicação e pela sua simpatia, a Maria destacou-se
desde o primeiro momento como uma das voluntárias favoritas das crianças e das famílias.
O apoio dado pela Maria às crianças doentes e às suas famílias tem valor moral?
Na sua resposta, deve:
‒ clarificar o problema filosófico inerente à questão formulada;
‒ apresentar inequivocamente a sua posição;
‒ argumentar a favor da sua posição.
Será que Kant e Mill divergiriam na avaliação moral do ato do soldado? Justifique.
Recorrendo às máximas apresentadas no texto, explique a diferença entre imperativo categórico e imperativo
hipotético.
29. Talvez roubar se justifique em certas circunstâncias. Por exemplo, no caso de um país devastado pela guerra,
uma pessoa em condições de extrema necessidade pode ter de se apropriar de alimentos ou de agasalhos
que não lhe pertencem para ajudar os seus filhos a sobreviverem.
30. Leia o Texto 1 e considere-o nas suas respostas aos itens 30.1 e 31.
Texto 1
Temos a obrigação de ajudar alguém que seja pobre; mas, como o favor que fazemos implica que o seu bem-
estar depende da nossa generosidade, e isso humilha a pessoa, é nosso dever comportarmo-nos como se a
nossa ajuda fosse […] meramente o que lhe é devido […], permitindo-lhe manter o seu respeito por si
própria […], de modo a não diminuir o valor dessa pessoa enquanto ser humano […].
I. Kant, A Metafísica dos Costumes, Lisboa, FCG, 2017, pp. 390-392. (Texto adaptado)
30.1 É possível inferir do Texto 1 que há atos de caridade que podem ser moralmente censuráveis.
Concorda que há atos de caridade que podem ser moralmente censuráveis? Justifique a sua perspetiva.
31. No Texto 1, Kant começa por afirmar que «temos a obrigação de ajudar alguém que seja pobre». Essa
afirmação exprime um juízo de valor? Justifique a sua resposta.
Texto 1
Alguém bate à sua porta. Depara-se com um jovem que, claramente, necessita de ajuda. Está ferido e a sangrar.
Leva-o para dentro e ajuda-o, fazendo-o sentir-se confortável e seguro, e chama uma ambulância. Não há dúvida de
que esta ação é correta. Mas, se o ajudasse apenas por ter pena do jovem, segundo Kant, isso já não seria uma ação
moral.
N. Warburton, Uma Pequena História da Filosofia, Lisboa, Edições 70, 2012, p. 123.
32.1 De acordo com Kant, a ação descrita no texto, ainda que seja correta, pode não ser «uma ação
moral». Caso não seja uma ação moral, como a classificaria Kant? Explique.
33. Como poderá o caso apresentado no Texto 1 ser usado para criticar a teoria ética de Kant?
34. Leia o Texto 1 e considere-o nas suas respostas aos itens 34.1 e 35.
Texto 1
Todos já tivemos de lidar com pessoas que dizem que algo – por exemplo, a homossexualidade […] – é
moralmente errado, mas que são incapazes de apontar quaisquer consequências más que daí resultem. […]
Certas teorias morais, mesmo quando são motivadas por uma preocupação com o bem-estar humano,
parecem consistir num conjunto de regras para serem seguidas, sejam quais forem as consequências.
W. Kymlicka, Contemporary Political Philosophy – an introduction, Oxford, Oxford University Press, 2002, p. 11.
34. 1. Será que o utilitarismo é uma das teorias morais que consistem apenas «num conjunto de regras para
serem seguidas»? Justifique.
35. No Texto 1, refere-se que há teorias morais «motivadas por uma preocupação com o bem-estar humano».
Explique o que entende Mill por bem-estar.
Num país, metade das pessoas tem um rendimento mensal de 6000 €, que lhes permite adquirir bens que
elas próprias consideram dispensáveis, e a outra metade tem um rendimento mensal de 600 €, que
dificilmente chega para satisfazer as suas necessidades básicas. Foram apresentadas duas propostas ao
governo: na primeira, propõe-se que o rendimento disponível seja redistribuído, transferindo 200 € das
pessoas que têm um rendimento mensal de 6000 € para as que têm um rendimento mensal de 600 €; na
segunda, propõe-se que não se faça qualquer redistribuição.
[Uma ação motivada apenas pela compaixão], por conforme ao dever que ela seja, não tem contudo nenhum
verdadeiro valor moral, pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais ações se pratiquem, não por
inclinação, mas por dever.
37.1. Apresente um exemplo de uma ação motivada por uma inclinação e que não seja contrária ao dever.
Explique a sua escolha.
37.2. Kant afirma que uma ação motivada apenas pela compaixão não tem nenhum verdadeiro valor moral.
Concorda com esta tese de Kant? Justifique.
Na sua resposta,
−− apresente inequivocamente a sua posição;
−− argumente a favor da sua posição.
38. Mill considera que a avaliação moral das ações deve ser feita
(A) em função da felicidade dos outros.
(B) de acordo com os motivos do agente.
(C) em função da felicidade do agente.
(D) de acordo com as suas consequências.
Para provar que a felicidade é o único critério da moralidade, parece necessário mostrar […] não só que as
pessoas desejam a felicidade, mas também que nunca desejam qualquer outra coisa.
Que diremos, por exemplo, do amor ao dinheiro? […] O seu valor consiste apenas nas coisas que pode comprar,
no desejo de ter outras coisas que não o dinheiro, e que este permite satisfazer. Ainda assim, […] o dinheiro é, em
muitos casos, desejado em si e por si mesmo. O desejo de possuí-lo é frequentemente mais forte do que o desejo de
usá-lo […]. Deste modo, pode dizer-se que, na verdade, o dinheiro não é desejado em função de um fim, mas
enquanto parte do fim. […] Tornou-se um ingrediente […] da conceção de felicidade do indivíduo. Pode dizer-se o
mesmo sobre a maioria dos grandes objetivos da vida humana – o poder, por exemplo, ou a fama […]. O desejo da
sua posse não é diferente do desejo de felicidade, verificando-se o mesmo com o amor à música ou com o desejo de
saúde. Estes estão incluídos na felicidade. […]
Resulta das considerações precedentes que, na verdade, nada é desejado exceto a felicidade.
Tudo aquilo que não é desejado como um meio [...] para a felicidade é desejado enquanto parte
da felicidade.
J. S. Mill, Utilitarismo, Porto, Porto Editora, 2005, pp. 76-78. (Texto adaptado)
39.1. Que razões apresenta Mill para concluir que «nada é desejado exceto a felicidade»?
39.2. Imagine que, discordando de Mill, defende que não é a felicidade que tem importância moral, mas
sim a felicidade ser merecida.
Como argumentaria a favor da sua posição?
40. Será que uma ação só é moralmente boa se for motivada pelo dever?
SOLUÇÕES
1. «A emoção dizia-nos: “A minoria branca é o nosso inimigo, nunca devemos falar com eles.” Mas a cabeça dizia-
nos: “Se não falares com eles, o país vai explodir em chamas.” Tivemos de reconciliar esse conflito. Falarmos com o
inimigo foi o resultado desse domínio da mente sobre a emoção.»
Nelson Mandela, citado em editorial do Suplemento Especial do Público, em 6 de dezembro de 2013, p. VIII
1.1. Estas palavras de Nelson Mandela exemplificam aquilo que Kant designou por
(A) entendimento.
(B) autonomia.
(C) heteronomia.
(D) deliberação.
Quando Kant propõe […], enquanto princípio fundamental da moral, a lei «Age de modo que a tua regra de conduta
possa ser adotada como lei por todos os seres racionais», reconhece virtualmente que o interesse coletivo da
humanidade, ou, pelo menos, o interesse indiscriminado da humanidade, tem de estar na mente do agente quando
este determina conscienciosamente a moralidade do ato. Caso contrário, Kant estaria [a] usar palavras vazias, pois
nem sequer se pode defender plausivelmente que mesmo uma regra de absoluto egoísmo não poderia ser adotada
por todos os seres racionais, isto é, que a natureza das coisas coloca um obstáculo insuperável à sua adoção. Para
dar algum significado ao princípio de Kant, o sentido a atribuir-lhe tem de ser o de que devemos moldar a nossa
conduta segundo uma regra que todos os seres racionais possam adotar com benefício para o seu interesse coletivo.
Na resposta a cada um dos itens de 5.1. a 5.4., selecione a única opção adequada ao sentido do texto.
2.3. Stuart Mill defende que uma ação tem valor moral
(A) sempre que o agente renuncia ao prazer.
(B) quando a intenção do agente é boa.
(C) sempre que resulta de uma vontade boa.
(D) quando dela resulta um maior bem comum.
2.4. Para Kant, a lei «Age de modo que a tua regra de conduta possa ser adotada como lei por todos os seres
racionais» significa que
(A) os seres racionais estão submetidos a leis objetivas.
(B) as ações morais são avaliadas segundo as leis vigentes.
(C) as ações morais são avaliadas pelas suas consequências.
(D) os seres racionais estão submetidos às suas emoções.
O princípio da felicidade pode, sem dúvida, fornecer máximas, mas nunca aquelas que serviriam de leis da vontade
[…]. Podem certamente dar-se regras gerais, mas nunca regras universais, isto é, regras que, em média, são corretas
na maior parte das vezes, mas não regras que devem ser sempre e necessariamente válidas […]. Este princípio não
prescreve, pois, a todos os seres racionais as mesmas regras práticas, embora estejam compreendidas sob um título
comum, a saber, o de felicidade.
Kant, Crítica da Razão Prática, Lisboa, Edições 70, 1989
Na resposta a cada um dos itens de 10.1. a 10.4., selecione a única opção adequada ao sentido do texto.
4. De acordo com a ética de Kant, o motivo moralmente válido para honrar compromissos é
(A) o interesse dos envolvidos.
(B) o benefício social.
(C) o dever de o fazer.
(D) a simpatia pelos envolvidos.
5. Segundo Kant, o imperativo categórico pode ser formulado do seguinte modo: age apenas segundo uma
máxima tal que
(A) ela se torne uma lei universal.
(B) ela se torne um hábito para ti.
(C) possas ao mesmo tempo querer que ela se torne um hábito para ti .
(D) possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal.
6. Kant consideraria que uma pessoa que, motivada unicamente pelo sentimento de pena, ajudasse uma
criança perdida na praia a encontrar os seus pais
(A) praticaria uma ação com valor moral.
(B) agiria em conformidade com o dever.
(C) praticaria uma ação imoral.
(D) agiria por dever.
8. Segundo Kant, a máxima de que devemos diminuir os outros para ver reconhecida a nossa superioridade
não está de acordo com o imperativo categórico, tal como é apresentado na fórmula da lei universal, porque
(A) a sua adoção por todos os agentes teria consequências negativas.
(B) não tem em conta o interesse próprio de todos os agentes.
(C) a sua adoção universal anularia o nosso sentimento de igualdade.
(D) não é possível universalizá-la sem que ela se anule a si mesma.
12. De acordo com Kant, uma pessoa que, motivada pela obediência a um mandamento da religião que professa,
dá assistência a quem vive numa situação de pobreza
(E) não tem, neste caso, uma vontade autónoma.
(F) age, neste caso, por respeito à lei moral.
(G) age, neste caso, apenas por dever.
(H) é uma pessoa que, neste caso, se autodetermina.
13. De acordo com a ética de Kant, temos a obrigação de respeitar os princípios seguintes:
– Nunca se deve violar contratos.
– Nunca se deve quebrar promessas.
Suponha que alguém prometeu fazer algo, não se apercebendo de que isso implicava violar um contrato.
14. Imagine que o Luís precisa urgentemente de medicamentos e que a única maneira de os conseguir é pedir
dinheiro emprestado a um amigo rico, sem ter a intenção de lho pagar. Neste caso, o Luís decidiu adotar a
máxima «faz promessas enganadoras quando não há outra forma de resolver os teus problemas pessoais».
Esta máxima pode ser usada para fazer uma crítica à ética kantiana, dado ser razoável argumentar que a máxima
(E) não é imoral, ainda que não seja racional querer universalizá-la.
(F) é imoral, ainda que venha a ter aprovação dos agentes envolvidos.
(G) não é imoral, embora seja um imperativo categórico condicional.
(H) é imoral, embora dê prioridade às consequências da ação.
16. De acordo com Mill, geralmente temos a obrigação de dizer a verdade, porque
(E) a consequência de mentirmos é sentirmo-nos infelizes.
(F) a vítima da mentira pode deixar de contribuir para o bem-estar social.
(G) dizer a verdade decorre do princípio de que devemos ser felizes.
(H) dizer a verdade tende a produzir efeitos positivos no saldo global de felicidade
17. Muitas ações geram simultaneamente felicidade e infelicidade, em vez de gerarem apenas felicidade ou
apenas infelicidade. Em cada uma das alternativas seguintes, são resumidas, de modo simplificado, as
consequências de diferentes ações. Identifique a alternativa que, mantendo-se tudo o resto igual, satisfaz
melhor o princípio da maior felicidade, defendido por Mill.
(E) 25 unidades de prazer e 12 unidades de dor.
(F) 17 unidades de prazer e 3 unidades de dor.
(G) 12 unidades de prazer e 0 unidades de dor.
(H) 19 unidades de prazer e 4 unidades de dor
Se a Dona Maria dispõe de 50 000 euros, deve usá-los para apoiar um programa de vacinação de 5000 crianças de
um país pobre, em vez de pagar um curso de teatro em Londres à sua neta, que deseja ser atriz.
Há quem considere que recomendações como a anterior mostram a implausibilidade do utilitarismo de Mill,
porque
(A) levam a fazer algo que ninguém estaria disposto a fazer.
(B) nos obrigam a tratar os outros como meros meios, e não como fins em si, contrariando as convicções morais
comuns.
(C) levam a fazer algo cujos resultados somos incapazes de prever.
(D) mandam não ter em conta os nossos projetos e preferências pessoais, contrariando as convicções morais
comuns.
22. Considere os seguintes enunciados sobre a comparação entre as teorias éticas de Kant e de Stuart Mill.
As teorias
1. apresentam critérios de moralidade distintos.
2. defendem que o valor moral da ação é relativo à situação ou às circunstâncias.
3. reconhecem que as regras da moral comum se devem subordinar a um princípio ético fundamental.
4. reconhecem que a felicidade é o fim último das ações humanas.
Deve afirmar-se que
(A) 1 e 2 são corretos; 3 e 4 são incorretos.
(B) 4 é correto; 1, 2 e 3 são incorretos.
(C) 1 e 3 são corretos; 2 e 4 são incorretos.
(D) 1, 2 e 4 são corretos; 3 é incorreto.
1. Leia os Textos E e F.
TEXTO E
Conseguimos portanto mostrar, pelo menos, que, se o dever é um conceito que deve ter um significado e conter
uma verdadeira legislação para as nossas ações, esta legislação só se pode exprimir em imperativos categóricos, mas
de forma alguma em imperativos hipotéticos.
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Coimbra, Atlântida, 1960, pp. 61 - 62
TEXTO F
O objeto da ética é dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por que meios podemos conhecê-los; mas nenhum
sistema de ética exige que o único motivo de tudo o que façamos seja um sentimento de dever. […] O motivo nada
tem a ver com a moralidade da ação, embora tenha muito a ver com o valor do agente. Quem salva um semelhante
de se afogar faz o que está moralmente correto, quer o seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu
incómodo.
John Stuart Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, p. 65
Pelo que diz respeito ao dever necessário ou estrito para com os outros, aquele que tem a intenção de fazer a
outrem uma promessa mentirosa reconhecerá imediatamente que quer servir-se de outro homem simplesmente
como meio, sem que este último contenha, ao mesmo tempo, o fim em si. Pois aquele que eu quero utilizar para os
meus intuitos por meio de uma tal promessa não pode, de modo algum, concordar com a minha maneira de
proceder a seu respeito, não pode, portanto, conter em si mesmo o fim desta ação.
Justifique, a partir do texto, que fazer falsas promessas é imoral, segundo Kant.
Ficaria eu satisfeito de ver a minha máxima (de me tirar de apuros por meio de uma promessa não verdadeira)
tomar o valor de lei universal (tanto para mim como para os outros)? E poderia eu dizer a mim mesmo: – Toda a
gente pode fazer uma promessa mentirosa quando se acha numa dificuldade de que não pode sair de outra
maneira? Em breve reconheço que posso em verdade querer a mentira, mas que não posso querer uma lei universal
de mentir; pois, segundo uma tal lei, não poderia propriamente haver já promessa alguma […]. Por conseguinte, a
minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente.
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Coimbra, Atlântida, 1960
4.1 Explique, a partir do exemplo do texto, por que razão o ato de mentir nunca é moralmente permissível,
segundo Kant.
4.2 Compare o papel da intenção do agente na ética de Kant com o papel da intenção do agente na ética de Stuart
Mill.
–– distinção do critério de avaliação moral das ações em Kant – a intenção do agente – e em Stuart Mill – as
consequências das ações;
–– clarificação do conceito de «dever» e/ou de «imperativo categórico» na ética kantiana e do «princípio
da maior felicidade» em Stuart Mill.
5.1 A partir do texto, mostre por que razão, para Kant, a ação com valor moral se fundamenta no imperativo
categórico e não em imperativos hipotéticos.
É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não suba os preços ao comprador inexperiente, e, quando o
movimento do negócio é grande, o comerciante esperto também não faz semelhante coisa, mas mantém um preço
fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança pode comprar no seu estabelecimento tão bem como
qualquer outra pessoa. É-se, pois, servido honradamente; mas isso ainda não é bastante para acreditar que o
comerciante assim proceda por dever e por princípios de honradez; o seu interesse assim o exige […].
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 27 (adaptado)
6.1 Distinga, partindo do exemplo dado por Kant, agir por dever de agir em conformidade com o dever.
6.2 Explique, de acordo com Kant, a relação entre autonomia e boa vontade.
Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há, além disso, muitas almas de disposição tão
compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse pessoal, acham íntimo prazer
em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é obra
sua. Eu afirmo porém que, neste caso, uma ação deste tipo, ainda que seja conforme ao dever, ainda que
seja amável, não tem qualquer verdadeiro valor moral […].
I.Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 28 (adaptado)
Por que razão Kant afirma que o tipo de ação descrito no texto anterior não tem valor moral?
Apresentação da razão pela qual o tipo de ação descrito não tem valor moral:
– a ação caritativa descrita resulta de uma disposição compassiva (de um sentimento de compaixão), e é motivada
pelo prazer que dela retira quem a pratica, em virtude do contentamento que proporciona aos outros;
– de modo a ter valor moral, a ação descrita teria de ser determinada pelo dever / a ação descrita teria de ter como
motivo o respeito pelo dever;
– o que distingue uma ação por dever de uma ação meramente conforme ao dever, como é o caso desta ação
(caritativa), é o motivo ou a intenção do agente;
– por resultar de uma disposição/inclinação, a ação caritativa descrita, ainda que seja conforme ao dever, não foi
feita por dever, o que a impede de ter valor moral.
8. Será que há deveres morais absolutos?
Compare as respostas de Kant e de Stuart Mill a esta questão.
Não existe sistema moral algum no qual não ocorram casos inequívocos de obrigações em conflito. Estas são as
verdadeiras dificuldades, os momentos intrincados na teoria ética e na orientação conscienciosa da conduta pessoal.
São ultrapassados, na prática, com maior ou menor sucesso, segundo o intelecto e a virtude dos indivíduos; mas
dificilmente pode alegar-se que alguém está menos qualificado para lidar com eles por possuir um padrão último
para o qual podem ser remetidos os direitos e os deveres em conflito. Se a utilidade é a fonte última das obrigações
morais, pode ser invocada para decidir entre elas quando as suas exigências são incompatíveis. Embora a aplicação
do padrão possa ser difícil, é melhor do que não ter padrão algum […].
S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005 (adaptado)
9.1 Stuart Mill afirma que «a utilidade é a fonte última das obrigações morais» (linhas 6 e 7).
Esclareça o conceito de «utilidade», integrando-o na ética de Stuart Mill.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou outros considerados relevantes e adequados.
–– Esclarecimento da raiz hedonista do princípio da utilidade:
•• uma ação é útil quando promove a felicidade;
•• a felicidade consiste no prazer e na ausência de dor;
•• a obrigação moral básica é que a nossa ação, nas circunstâncias em que ocorre, maximize a felicidade
para o maior número possível de pessoas por ela afetadas;
•• os interesses de todos os afetados por uma ação devem ser tidos em conta de forma imparcial.
–– Explicitação da natureza consequencialista e utilitarista da ética de Stuart Mill:
•• o princípio da utilidade é o único critério em que se baseia a avaliação moral de uma ação;
•• o valor moral de uma ação depende das suas consequências (são moralmente boas as ações que têm as melhores
consequências possíveis)
9.2 Atente na primeira afirmação do texto de Stuart Mill: «Não existe sistema moral algum no qual não ocorram
casos inequívocos de obrigações em conflito.» (linhas 1 e 2).
10. Confronte as perspetivas de Kant e de Stuart Mill acerca da forma de resolver conflitos de obrigações.
Na sua resposta, recorra a um exemplo de conflito de obrigações.
É perfeitamente compatível com o princípio de utilidade reconhecer que alguns tipos de prazer são mais desejáveis
do que outros [...].
É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser um Sócrates insatisfeito do que
um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente, é porque só conhecem o seu próprio lado da
questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados.
J. S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 52-54 (adaptado)
O valor moral da ação não reside, portanto, no efeito que dela se espera […]. Nada senão a representação da lei
em si mesma, que em verdade só no ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado efeito, que determina
a vontade, pode constituir o bem excelente a que chamamos moral, o qual se encontra já presente na própria
pessoa que age segundo esta lei, mas não se deve esperar somente do efeito da ação.
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, pp. 31-32 (adaptado)
12.1. Compare, a partir do texto, a perspetiva de Kant com a de Mill relativamente àquilo que determina o valor
moral da ação.
12.2. Haverá alguma circunstância em que seja moralmente aceitável matar uma pessoa inocente, sem o seu
consentimento, para salvar a vida de outras cinco pessoas?
Apresente as respostas que Kant e que Mill dariam à questão anterior, comparando-as.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Comparação das respostas de Kant e de Mill:
– Kant diria que em nenhuma circunstância é moralmente aceitável matar uma pessoa inocente, sem o seu
consentimento, para salvar a vida de outras cinco pessoas, ao passo que Mill diria que, numa circunstância
excecional, é moralmente aceitável sacrificar a vida de uma pessoa para salvar a vida de outras cinco pessoas;
– Kant apresentaria o imperativo categórico para justificar a sua opção, enquanto Mill justificaria a opção contrária
por meio do princípio de utilidade:
• de acordo com Kant, a máxima de matar alguém para salvar um maior número de pessoas viola a fórmula da lei
universal, pois não podemos querer que tal máxima se torne uma lei universal (OU a fórmula da humanidade do
imperativo categórico estabelece o dever de nunca usar a humanidade, seja na sua pessoa ou na pessoa de qualquer
outro, apenas como meio, mas sempre como um fim em si mesma; por essa razão, matar uma pessoa, sem o seu
consentimento, seria usar essa pessoa apenas como meio, não respeitando a sua dignidade de ser um fim em si
mesma em todas as circunstâncias);
• o princípio de utilidade, defendido por Mill, estabelece o dever de maximizar a felicidade geral; assim, havendo
apenas a opção de matar uma pessoa para salvar outras cinco e a opção de não matar uma pessoa deixando outras
cinco morrerem, o princípio de utilidade dita como moralmente certa a opção de matar uma pessoa para salvar
cinco pessoas, dado ser esta a opção que promove um total de felicidade maior.
13.2. No texto, lê-se que «Compete à ética dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por meio de que
teste podemos conhecê-los». Segundo Kant, esse teste é o do imperativo categórico.
Explique como funciona o teste proposto por Kant. Na sua resposta, recorra a um exemplo.
Apresentação de um exemplo:
– o João precisa de dinheiro e admite pedi-lo a um amigo, prometendo pagar-lho no mês seguinte, embora saiba
que não o fará; se o fizesse, o João estaria a seguir a máxima segundo a qual se pode fazer uma promessa falsa para
resolver problemas; o João não pode querer que essa máxima se torne uma lei universal, pois uma tal lei destruiria a
possibilidade de haver promessas; consequentemente, se fizer uma promessa falsa, o João age contra o dever.
Identificação do imperativo:
– imperativo hipotético.
Justificação da resposta:
– de acordo com o imperativo apresentado, o dever de não mentir é respeitado na condição de querermos que
acreditem em nós quando dizemos a verdade;
– de acordo com o imperativo apresentado, o dever de não mentir é condicional e, assim, o imperativo que o
ordena é hipotético;
– para ser categórico, um imperativo tem de ordenar incondicionalmente um dever (por exemplo, ordenando do
seguinte modo: «não mintas porque não deves mentir»);
– nesse caso, o dever de não mentir teria de ser respeitado em qualquer circunstância, e não apenas na
circunstância de querermos que acreditem em nós quando dizemos a verdade.
Que outra coisa pode ser, pois, a liberdade da vontade senão autonomia, isto é, a propriedade da vontade de ser
lei para si mesma? […] Vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma coisa.
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 94 (adaptado)
Explique por que razão, segundo Kant, «vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a
mesma coisa».
Explicação, de acordo com Kant, da razão pela qual «vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a
mesma coisa»:
– uma vontade livre é uma vontade autónoma, e a autonomia consiste em não se deixar determinar por algo
exterior a si, como os costumes, as leis (dos Estados), as religiões ou as inclinações naturais (instintos, emoções,
desejos ou interesses pessoais);
– a vontade de um ser racional só é livre ou autónoma se o princípio que a determina for, ele próprio, racional, ou
seja, se esse princípio for a lei moral;
– a liberdade da vontade consiste na submissão a leis morais que nós próprios, enquanto seres racionais,
estabelecemos.
18. Será que, de acordo com a ética utilitarista de Mill, quando calculamos as consequências dos nossos atos,
temos a obrigação de dar prioridade aos nossos familiares, amigos e vizinhos mais próximos? Porquê?
Apresentação da resposta:
– de acordo com a ética utilitarista de Mill, quando calculamos as consequências dos nossos atos, não temos a
obrigação de dar prioridade aos nossos familiares, amigos e vizinhos mais próximos (mais do que isso: temos a
obrigação de não dar prioridade aos nossos familiares, amigos e vizinhos mais próximos).
Justificação da resposta:
– o cálculo das consequências dos nossos atos subordina-se ao princípio de utilidade, que ordena a maximização da
felicidade, ou seja, que obriga a agir de modo a obter o maior saldo total de felicidade;
– no cálculo da felicidade, que deve ser imparcial, a felicidade de cada um dos envolvidos conta o mesmo (OU
como apenas importa o saldo global de felicidade decorrente da ação, não é relevante se é a felicidade de uma
pessoa que nos é próxima ou a de qualquer outra pessoa afetada pela nossa ação que (mais) contribui para esse
saldo).
Qual das duas programações referidas seria adotada por um defensor da ética de Mill? Justifique.
20.1 Explique o princípio geral, indicado por Mill, que permite resolver de forma não arbitrária conflitos entre
princípios rivais, como o exemplificado no texto.
Explicação do princípio geral, indicado por Mill, que permite resolver de forma não arbitrária conflitos entre
princípios rivais, como o exemplificado no texto:
– só a «utilidade social» permite decidir qual dos princípios de justiça em conflito tem prioridade (se o princípio
segundo o qual «aqueles que fazem o melhor que podem merecem ser pagos da mesma maneira», ou se o princípio
segundo o qual ao «trabalhador mais eficiente […] a sociedade deve […] uma maior compensação»);
– o princípio da utilidade determina que se deve promover sempre a maximização da felicidade;
– de acordo com o princípio da utilidade, tem prioridade o princípio de justiça que, numa dada circunstância,
maximiza (de forma imparcial) a felicidade geral.
«Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.»
Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 69
Mostre como se poderia usar a fórmula do imperativo categórico apresentada para condenar a mentira.
Explicação de como se poderia usar a fórmula do imperativo categórico apresentada para condenar a mentira:
– de acordo com a fórmula apresentada, é errado agir de tal modo que alguém seja usado como um mero meio;
– quando mentimos a alguém, estamos a condicionar as decisões dessa pessoa de acordo com os nossos interesses;
– ao condicionar uma pessoa de acordo com os nossos interesses, estamos a instrumentalizá-la (OU a tratá-la como
um mero meio).
O utilitarismo exige que o agente seja tão estritamente imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros
como um espectador desinteressado e benevolente.
J. S. Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 63-64
Nota – O exemplo apresentado deve ilustrar a seguinte ideia: a maximização imparcial da felicidade geral exige que
abdiquemos de satisfazer preferências pessoais ou que abdiquemos de recursos que excedam o estritamente
necessário para termos uma vida sem privações.
‒ (a Adriana sabe que) há crianças no mundo que não dispõem de recursos básicos e (que) o dinheiro que gasta para
fazer coisas que valoriza, como comprar roupa nova, sair com os amigos, ir a espetáculos ou viajar, acrescenta algum
bem-estar à sua vida, mas poderia acrescentar um maior bem-estar a crianças muito pobres;
‒ (a Adriana está consciente de que,) para maximizar a felicidade geral de modo imparcial, teria de prescindir de
muitas das coisas que valoriza / teria de ter uma vida muito insatisfatória;
Uma pessoa, por uma série de desgraças, chegou ao desespero [...]. A sua máxima […] é a seguinte: Por amor de
mim mesmo, admito como princípio que, se a vida, prolongando-se, me ameaça mais com desgraças do que me
promete alegrias, devo encurtá-la. [...] Vê-se então [...] que uma natureza cuja lei fosse destruir a vida em
virtude do mesmo sentimento cujo objetivo é suscitar a sua conservação se contradiria a si mesma.
I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1986, p. 63.
A. Explique como Kant, recorrendo à fórmula da lei universal do imperativo categórico, condena o suicídio.
Explicação do modo como Kant condena o suicídio recorrendo à fórmula da lei universal do imperativo categórico:
‒ de acordo com o imperativo categórico, para uma ação ser moralmente boa, o agente tem de poder querer que a
máxima que a determina seja uma lei universal (da natureza);
‒ se a máxima que determina o agente, no caso considerado, fosse uma lei universal (da natureza), haveria uma
contradição na natureza, pois evitar o que é desagradável e nos ameaça determinaria, simultaneamente, pôr fim à
vida/«destruir a vida» e conservá-la;
‒ assim, a máxima que determina o suicídio não poderia ser uma lei universal (da natureza).
B. Segundo Kant, uma pessoa que, nas circunstâncias descritas no texto, optasse pelo suicídio agiria de modo
autónomo ou heterónomo? Justifique a sua resposta.
Identificação do modo de ação em causa:
‒ a pessoa agiria de modo heterónomo.
Justificação:
‒ a vontade da pessoa que optasse pelo suicídio seria determinada por uma inclinação («o amor de si mesmo» / o
desejo de se subtrair aos aspetos desagradáveis ou insuportáveis da vida / o amor-próprio);
‒ por conseguinte, a sua vontade não seria determinada unicamente pela razão (que proíbe o suicídio).
Aquele que diz uma mentira, por muito bem-intencionado que possa ser, tem de ser responsável pelas suas
consequências […], ainda que estas possam ter sido imprevisíveis; pois a veracidade é um dever que tem de ser
entendido como a base de todos os deveres decorrentes de um contrato, cuja lei se torna incerta e inútil caso se
admita a menor exceção. Por conseguinte, ser verídico (honesto) em todas as declarações é um mandamento
sagrado da razão […].
I. Kant, «Sobre um Suposto Direito de Mentir por Amor à Humanidade», in A Paz Perpétua e Outros Opúsculos,
Lisboa, Edições 70, 1989, pp. 175-176 (texto adaptado).
Todos os moralistas reconhecem que mesmo a regra de dizer a verdade, sagrada como é, admite a possibilidade
de exceções, verificando-se a principal quando ocultar um facto (por exemplo, ocultar informação a um
malfeitor ou más notícias a uma pessoa muito doente) iria salvar uma pessoa (especialmente uma pessoa que
não nós próprios) de um mal maior e imerecido, e quando só é possível realizar a ocultação negando a verdade.
Confronte as posições de Kant e de Mill, expressas nos textos anteriores, acerca da regra de dizer a verdade.
Na sua resposta, integre adequadamente a informação dos textos.
Confronto das posições de Kant e de Mill, expressas nos textos apresentados, acerca da regra de dizer a verdade:
‒ Kant considera que a regra de dizer a verdade é «um mandamento sagrado da razão» (um imperativo categórico),
e que em nenhuma circunstância essa regra admite exceções OU segundo Kant, nunca se deve mentir;
‒ Mill, em contrapartida, considera que a regra de dizer a verdade, ainda que seja entendida como sagrada, admite
exceções OU segundo Mill, por vezes devemos mentir;
‒ Kant considera que mesmo os melhores propósitos não justificam a violação da regra de dizer a verdade, pois, caso
a violação da regra fosse permissível, deveres tão importantes como aqueles que vinculam as pessoas a contratos (e
que são a base da confiança social) passariam a ser inúteis;
‒ Mill considera que há justificação para violar a regra de dizer a verdade quando ocultar ou negar a verdade evita
«um mal maior e imerecido» / produz as melhores consequências, permitindo, por exemplo, salvar uma pessoa.
− no caso de o examinando considerar que, quando agimos moralmente, a felicidade não é a coisa que mais
importa:
• além da felicidade, há outras coisas que têm importância em si mesmas: por exemplo, a integridade, a
autonomia, a liberdade ou a justiça;
• se a integridade, a autonomia, a liberdade ou a justiça têm importância em si mesmas, em nenhuma
circunstância se justifica que sejam violadas;
• a integridade, a autonomia, a liberdade ou a justiça não estão subordinadas à felicidade da maioria e não
podem ser violadas, ainda que, desse modo, a felicidade da maioria fosse maximizada;
• a moralidade não depende da felicidade, mas de deveres que têm de ser adotados, sejam quais forem as
consequências para a felicidade da maioria;
• agir de acordo com o dever de não matar ou de não roubar, por exemplo, é justificado pelo respeito que as
pessoas merecem;
• respeitar as pessoas requer que a sua dignidade seja tomada como inviolável, e isso significa que devem ser
sempre consideradas como fins em si mesmas, o que implica, por exemplo, que a sua autonomia, a sua liberdade ou
a sua integridade devem ser sempre atendidas.
A Maria sempre gostou muito de crianças e chegou a pensar em trabalhar como voluntária numa associação
de apoio a crianças doentes, mas acabou por concluir que seria muito difícil conciliar esse trabalho com os estudos.
Entretanto, ela soube que o voluntariado era muito valorizado nas entrevistas de emprego. Por essa razão,
decidiu contactar uma conhecida associação de apoio a crianças doentes e conseguiu ser admitida, passando a
conciliar o trabalho de voluntariado com os estudos. Pela sua dedicação e pela sua simpatia, a Maria destacou-se
desde o primeiro momento como uma das voluntárias favoritas das crianças e das famílias.
O apoio dado pela Maria às crianças doentes e às suas famílias tem valor moral?
Na sua resposta, deve:
‒ clarificar o problema filosófico inerente à questão formulada;
‒ apresentar inequivocamente a sua posição;
‒ argumentar a favor da sua posição.
Clarificação do problema:
– consideramos geralmente que os motivos são relevantes para o valor moral das ações, mas também
consideramos geralmente que as consequências das ações são relevantes para o seu valor moral;
– daí decorre o problema de saber o que determina o valor moral das ações.
OU
− a ação da Maria é determinada pela máxima ajuda os outros quando ajudar os outros estiver de acordo com os
teus interesses ou servir as tuas conveniências;
− a noção de auxílio seria vã se dependesse dos interesses/inclinações egoístas do agente;
− a Maria não pode querer que essa máxima se converta numa lei universal OU apoiar crianças doentes para
valorizar o currículo seria tratá-las apenas como meros meios, e não como fins.
Será que Kant e Mill divergiriam na avaliação moral do ato do soldado? Justifique.
Indicação do solicitado:
‒ Kant e Mill não divergiriam na avaliação moral do ato do soldado / ambos condenariam o ato do soldado.
Justificação:
‒ de acordo com Kant, o ato do soldado constitui uma violação do dever (absoluto) de proteger a vida de pessoas
inocentes e, por isso, é imoral/condenável; o ato do soldado resulta de uma cedência às inclinações, como o amor de
si/o receio de perder a sua vida (tratando-se o soldado a si mesmo, desse modo, apenas como meio);
‒ de acordo com Mill, o ato do soldado diminui o saldo de felicidade, que previsivelmente será menor do que seria
caso o soldado cumprisse a sua obrigação de colaborar na operação; o ato do soldado resulta de, erradamente, ele
atribuir mais importância à sua felicidade pessoal do que à felicidade agregada.
Recorrendo às máximas apresentadas no texto, explique a diferença entre imperativo categórico e imperativo
hipotético.
29. Talvez roubar se justifique em certas circunstâncias. Por exemplo, no caso de um país devastado pela guerra,
uma pessoa em condições de extrema necessidade pode ter de se apropriar de alimentos ou de agasalhos
que não lhe pertencem para ajudar os seus filhos a sobreviverem.
Explicação do modo como o exemplo dado representa um desafio para a moral kantiana:
– a moral kantiana prescreve regras absolutas, como não matar, não roubar ou não mentir;
– porém, parece haver casos em que essas regras absolutas entram em conflito, sem que seja possível decidir qual
prevalece;
– no caso apresentado, a regra que manda ajudar os outros sempre que possível (encontrando alimentos ou
agasalhos que lhes permitam sobreviver) pode ser considerada tão importante como a regra que proíbe o roubo.
30. Leia o Texto 1 e considere-o nas suas respostas aos itens 30.1 e 31.
Texto 1
Temos a obrigação de ajudar alguém que seja pobre; mas, como o favor que fazemos implica que o seu bem-
estar depende da nossa generosidade, e isso humilha a pessoa, é nosso dever comportarmo-nos como se a
nossa ajuda fosse […] meramente o que lhe é devido […], permitindo-lhe manter o seu respeito por si
própria […], de modo a não diminuir o valor dessa pessoa enquanto ser humano […].
I. Kant, A Metafísica dos Costumes, Lisboa, FCG, 2017, pp. 390-392. (Texto adaptado)
30.1 É possível inferir do Texto 1 que há atos de caridade que podem ser moralmente censuráveis.
Concorda que há atos de caridade que podem ser moralmente censuráveis? Justifique a sua perspetiva.
31. No Texto 1, Kant começa por afirmar que «temos a obrigação de ajudar alguém que seja pobre». Essa
afirmação exprime um juízo de valor? Justifique a sua resposta.
Texto 1
Alguém bate à sua porta. Depara-se com um jovem que, claramente, necessita de ajuda. Está ferido e a sangrar.
Leva-o para dentro e ajuda-o, fazendo-o sentir-se confortável e seguro, e chama uma ambulância. Não há dúvida de
que esta ação é correta. Mas, se o ajudasse apenas por ter pena do jovem, segundo Kant, isso já não seria uma ação
moral.
N. Warburton, Uma Pequena História da Filosofia, Lisboa, Edições 70, 2012, p. 123.
32.1 De acordo com Kant, a ação descrita no texto, ainda que seja correta, pode não ser «uma ação
moral». Caso não seja uma ação moral, como a classificaria Kant? Explique.
Classificação da ação:
‒ ação em conformidade com o dever OU ação em conformidade com a lei moral OU ação motivada por uma
inclinação.
Explicação:
‒ temos o dever de ajudar (quem necessita de socorro), e a ação descrita não é contrária a esse dever;
‒ contudo, caso a ajuda dada dependa do sentimento de pena, a ação não é motivada pelo dever (e, por isso, é
meramente conforme ao dever).
33. Como poderá o caso apresentado no Texto 1 ser usado para criticar a teoria ética de Kant?
Explicação do modo como o caso apresentado pode ser usado para criticar a teoria ética de Kant:
‒ independentemente dos motivos do agente – pena do jovem, respeito pela lei moral que manda ajudar os outros
ou vaidade pessoal –, o seu comportamento aumenta o saldo global de felicidade;
‒ ora, se o comportamento aumenta o saldo global de felicidade, então tem consequências boas para todos os
envolvidos;
‒ aumentar o saldo global de felicidade é o propósito do comportamento moral OU o bem-estar é o propósito do
comportamento moral.
OU
‒ o motivo do agente – pena de um jovem ferido – é um sentimento moral;
‒ os sentimentos morais motivam os agentes a considerar os interesses dos outros;
‒ a consideração (imparcial) dos interesses dos outros é o aspeto central da vida moral OU tais sentimentos são
nobres e resultam de um carácter moralmente educado/refletem uma educação moral/não só não retiram valor
moral às ações, como até lhes conferem valor moral.
34. Leia o Texto 1 e considere-o nas suas respostas aos itens 34.1 e 35.
Texto 1
Todos já tivemos de lidar com pessoas que dizem que algo – por exemplo, a homossexualidade […] – é
moralmente errado, mas que são incapazes de apontar quaisquer consequências más que daí resultem. […]
Certas teorias morais, mesmo quando são motivadas por uma preocupação com o bem-estar humano,
parecem consistir num conjunto de regras para serem seguidas, sejam quais forem as consequências.
W. Kymlicka, Contemporary Political Philosophy – an introduction, Oxford, Oxford University Press, 2002, p. 11.
34. 1. Será que o utilitarismo é uma das teorias morais que consistem apenas «num conjunto de regras para
serem seguidas»? Justifique.
Num país, metade das pessoas tem um rendimento mensal de 6000 €, que lhes permite adquirir bens que
elas próprias consideram dispensáveis, e a outra metade tem um rendimento mensal de 600 €, que
dificilmente chega para satisfazer as suas necessidades básicas. Foram apresentadas duas propostas ao
governo: na primeira, propõe-se que o rendimento disponível seja redistribuído, transferindo 200 € das
pessoas que têm um rendimento mensal de 6000 € para as que têm um rendimento mensal de 600 €; na
segunda, propõe-se que não se faça qualquer redistribuição.
‒ transferir 200 € das pessoas que têm um rendimento de 6000 € para as pessoas que têm um rendimento de 600 €
aumenta mais a felicidade das pessoas que têm um rendimento de 600 € (por lhes permitir satisfazer as
necessidades básicas) do que diminui a felicidade das pessoas que têm um rendimento de 6000 € (por apenas limitar
parcialmente a aquisição de bens reconhecidos como dispensáveis);
‒ se a felicidade de umas pessoas aumenta mais do que diminui a felicidade de outras, a felicidade geral é desse
modo maximizada.
[Uma ação motivada apenas pela compaixão], por conforme ao dever que ela seja, não tem contudo nenhum
verdadeiro valor moral, pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais ações se pratiquem, não por
inclinação, mas por dever.
37.1. Apresente um exemplo de uma ação motivada por uma inclinação e que não seja contrária ao dever.
Explique a sua escolha.
Apresentação de um exemplo de uma ação motivada por uma inclinação e que não seja contrária ao dever:
− cumprir um contrato por medo das consequências do seu incumprimento.
Explicação da escolha:
− a ação considerada foi motivada por um sentimento de medo;
− ainda que não tenha sido motivada pelo dever de cumprir o contrato (que é um imperativo da razão), a ação não é
contrária ao dever, pois esta é a ação que, em todo o caso, decorreria do dever de cumprir o contrato.
37.2. Kant afirma que uma ação motivada apenas pela compaixão não tem nenhum verdadeiro valor moral.
Concorda com esta tese de Kant? Justifique.
Na sua resposta,
−− apresente inequivocamente a sua posição;
−− argumente a favor da sua posição.
38. Mill considera que a avaliação moral das ações deve ser feita
(E) em função da felicidade dos outros.
(F) de acordo com os motivos do agente.
(G) em função da felicidade do agente.
(H) de acordo com as suas consequências.
Para provar que a felicidade é o único critério da moralidade, parece necessário mostrar […] não só que as
pessoas desejam a felicidade, mas também que nunca desejam qualquer outra coisa.
Que diremos, por exemplo, do amor ao dinheiro? […] O seu valor consiste apenas nas coisas que pode comprar,
no desejo de ter outras coisas que não o dinheiro, e que este permite satisfazer. Ainda assim, […] o dinheiro é, em
muitos casos, desejado em si e por si mesmo. O desejo de possuí-lo é frequentemente mais forte do que o desejo de
usá-lo […]. Deste modo, pode dizer-se que, na verdade, o dinheiro não é desejado em função de um fim, mas
enquanto parte do fim. […] Tornou-se um ingrediente […] da conceção de felicidade do indivíduo. Pode dizer-se o
mesmo sobre a maioria dos grandes objetivos da vida humana – o poder, por exemplo, ou a fama […]. O desejo da
sua posse não é diferente do desejo de felicidade, verificando-se o mesmo com o amor à música ou com o desejo de
saúde. Estes estão incluídos na felicidade. […]
Resulta das considerações precedentes que, na verdade, nada é desejado exceto a felicidade.
Tudo aquilo que não é desejado como um meio [...] para a felicidade é desejado enquanto parte
da felicidade.
J. S. Mill, Utilitarismo, Porto, Porto Editora, 2005, pp. 76-78. (Texto adaptado)
39.1. Que razões apresenta Mill para concluir que «nada é desejado exceto a felicidade»?
Apresentação das razões que levam Mill a concluir que «nada é desejado exceto a felicidade»:
− algumas coisas são consideradas valiosas como meios para a felicidade (por exemplo, o dinheiro, a saúde ou o
poder);
− caso não sejam consideradas valiosas enquanto meios para a felicidade (e sejam desejadas por si mesmas), essas
coisas são parte/ingredientes da felicidade;
− se desejamos algo enquanto meio para a felicidade ou enquanto parte da felicidade, o que realmente desejamos é
a própria felicidade.
39.2. Imagine que, discordando de Mill, defende que não é a felicidade que tem importância moral, mas
sim a felicidade ser merecida.
Como argumentaria a favor da sua posição?
Argumentação a favor da opinião de que não é a felicidade que tem importância moral, mas sim a
felicidade ser merecida:
− caso a felicidade seja alcançada, é moralmente relevante o modo como isso acontece (e não apenas o ser-se feliz);
− se a felicidade resultar da realização do dever, então é merecida (e o agente é digno da felicidade);
− mas a felicidade não é merecida se, por exemplo, for alcançada por meio de condutas em que os outros sejam
tratados como meros meios (e em que a sua dignidade como fins em si mesmos não seja respeitada).
OU
− a felicidade (pessoal) é objeto de uma inclinação, mas não é um dever;
− aliás, a realização do dever pode produzir a infelicidade (pessoal) do agente;
− mas, ainda que sejamos infelizes em resultado da realização do dever, não deixamos de ser dignos de ser felizes, e
apenas isso conta do ponto de vista moral.
40. Será que uma ação só é moralmente boa se for motivada pelo dever?
No caso de o examinando considerar que uma ação só é moralmente boa se for motivada pelo dever:
− saber se uma ação é moralmente boa não é o mesmo que saber se está de acordo com a lei, se é socialmente
desejável ou se é útil;
− a moralidade da ação depende do motivo do agente, e há um único motivo que confere valor moral à ação, a
saber: a pura obrigação de respeitar a lei moral (descoberta pela razão);
− se uma ação é motivada por inclinações, então, ainda que a ação coincida com o que a lei moral exige, tal
coincidência é um mero acaso (e esta ação, por mais útil ou socialmente desejável que seja, não é moralmente
motivada);
− se uma ação é feita por respeito à lei moral, ou por dever, então, independentemente das inclinações do agente e
das circunstâncias em que se encontra, é moralmente boa (a moralidade está, precisamente, nesta possibilidade de
a consciência do dever poder determinar a ação em quaisquer circunstâncias e, se necessário, contrariando as
inclinações do agente).
No caso de o examinando considerar que uma ação pode ser moralmente boa ainda que não seja motivada pelo
dever:
− o bem-estar, ou felicidade, é o bem supremo (OU é o que mais importa);
− o que torna uma ação desejável/recomendável/útil é o seu impacto no bem-estar dos envolvidos;
− por conseguinte, independentemente dos motivos do agente, uma ação que aumenta o bem-estar agregado dos
envolvidos (OU o saldo de felicidade) é moralmente boa, e uma ação que diminui o bem-estar agregado dos
envolvidos (OU o saldo de felicidade) é moralmente má;
− o conhecimento dos motivos da ação permitiria avaliar o carácter do agente, mas nunca o valor moral/a utilidade
da ação.
OU
− os motivos das pessoas são estados mentais, muitas vezes imperscrutáveis;
− por conseguinte, a tentativa de determinação do motivo de uma ação pode falhar;
− em contrapartida, os resultados de uma ação, pelo menos os mais imediatos, e as suas repercussões no bem-estar
dos outros são observáveis;
− a observação dos resultados permite reconhecer a ação como moralmente boa (quando tem repercussões
positivas) ou como moralmente má (quando tem repercussões negativas).
Nota ‒ Os aspetos constantes dos cenários de resposta apresentados são apenas ilustrativos, não esgotando o
espectro de respostas adequadas possíveis.