Gestão Da Qualidade e Segurança Alimentar

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GESTÃO DA

QUALIDADE E
SEGURANÇA
ALIMENTAR

Manuela Montesso Lisboa


Os princípios de gestão
da qualidade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Diferenciar os conceitos de controle de qualidade, garantia da quali-


dade e gestão da qualidade.
 Descrever a evolução da qualidade.
 Reconhecer os princípios da gestão da qualidade.

Introdução
De acordo com a ABNT NBR ISO 9000 (ABNT, 2005), a qualidade é o grau no
qual um conjunto de características inerentes satisfaz a requisitos. Assim,
a qualidade não é apenas mais um método utilizado pelas empresas;
deve-se extrair todo o potencial que dado produto possui por meio da
utilização de ferramentas da qualidade. Para alguns setores, a qualidade
é uma vantagem competitiva importante, porém para as indústrias de
produção de alimentos ela é fundamental. Afinal, basta um produto estar
fora dos padrões de qualidade para afetar a imagem de uma empresa
e a sua marca.
Neste capítulo, você vai ver como a qualidade de um produto pode
influenciar toda a gestão de uma empresa. Um produto pode ser conside-
rado de qualidade quando satisfaz os clientes, sendo que cada indivíduo
tem uma forma diferente de encarar a satisfação, com base na cultura
em que vive e nas suas expectativas e necessidades.

1 Conceitos fundamentais da qualidade


É comum haver confusão entre garantia da qualidade e controle de qualidade.
Por isso, muitas equipes de garantia da qualidade executam tarefas relacionadas
com o controle de qualidade. Para minimizar os erros e elevar a qualidade dos
2 Os princípios de gestão da qualidade

produtos de uma empresa, é necessário entender ambos os conceitos e verificar


de que forma aplicá-los. Isto é, para compreender como a qualidade pode ser
empregada em uma empresa, você precisa entender quais são os conceitos
envolvidos. A seguir, você vai conhecer melhor as definições destas expressões:

 controle de qualidade;
 garantia da qualidade;
 gestão da qualidade.

De acordo com Toledo, Batalha e Amaral (2000), pode-se avaliar a qua-


lidade de um produto por meio de uma série de características e parâmetros,
específicos a cada caso, que são inerentes ou estão ligados ao produto. Pode-se
definir um produto por ele mesmo ou a partir dos itens associados a ele, como
embalagem, orientação para uso, imagem, serviços pós-venda, etc.
O conceito mais geral é o de gestão da qualidade. Ela implica gerir a empresa,
por meio de planejamento, controle e gerenciamento, com a finalidade de manter
e melhorar a produção, pensando sempre na satisfação do cliente. Por sua vez, o
controle de qualidade tem como premissa verificar e controlar um produto de
acordo com as especificações da empresa, do mercado, das legislações, etc. Caso
haja um produto ou serviço fora das especificações, pode surgir uma avaliação
de não conformidade. O controle de qualidade assegura que o produto esteja
dentro dos padrões especificados e que os requisitos mínimos sejam atendidos.
Assim, o controle de qualidade é um pilar da gestão da qualidade.
Os padrões estabelecidos pela empresa são inspecionados constantemente
pelo controle de qualidade. Muitas vezes, é necessário inspecionar o produto
no momento de sua produção para que não haja nenhuma surpresa no final
do processo. O controle de qualidade é a inspeção constante que verifica se
os padrões estabelecidos pela empresa estão sendo respeitados. Quando se
trata mais especificamente da qualidade do produto, esse controle deve ser
realizado na linha de produção e deve avaliar se os produtos estão dentro dos
parâmetros determinados. Em suma, o controle de qualidade precisa testar
os produtos e serviços a fim de encontrar erros.
Já a garantia da qualidade, de forma sistemática, precisa avaliar se as
ações planejadas estão acontecendo de forma correta, sendo entendida como a
política de implementação da qualidade. A garantia tem como objetivo prevenir
os erros, buscando a melhoria dos processos por meio de ferramentas e treina-
mentos. Dentro da garantia da qualidade, há as Boas Práticas de Fabricação
(BPF), que asseguram que os produtos sejam produzidos e controlados com
padrões de qualidade apropriados.
Os princípios de gestão da qualidade 3

Na Figura 1, a seguir, você pode verificar como a gestão da qualidade, o


controle de qualidade e a garantia da qualidade se relacionam. A gestão da
qualidade é o sistema maior, que engloba a garantia da qualidade, que por sua
vez engloba o controle de qualidade.

Figura 1. Relação dos conceitos da qualidade.

No âmbito do controle de qualidade em processos industriais, são usuais as


ferramentas e técnicas estatísticas, empregadas tipicamente para monitoração,
controle ou melhoria dos processos produtivos. Pode-se destacar ainda as
seguintes ferramentas da qualidade:

 carta de controle;
 diagrama de dispersão;
 diagrama de Ishikawa;
 diagrama de Pareto;
 fluxograma de processos;
 folha de verificação;
 histograma.
4 Os princípios de gestão da qualidade

A utilização das ferramentas da qualidade depende de uma análise profunda.


Por meio dessa análise, busca-se entender quais ferramentas são necessárias na
empresa, para que não haja custos desnecessários, retrabalhos e desmotivação
por parte dos colaboradores envolvidos nos processos. Para a qualidade de um
produto e o sucesso das inovações desenvolvidas pela empresa, todo o processo
precisa ser observado de forma detalhada. Além disso, o capital humano en-
volvido precisa estar motivado para que a qualidade da entrega seja percebida.
Como você sabe, a inovação contínua é extremamente necessária atual-
mente. Para que ela aconteça, é importante que os padrões de qualidade estejam
definidos e planejados, porém também é necessário que as pessoas sejam
constantemente desafiadas por meio da melhoria contínua na empresa. Assim,
é extremamente necessário aprender novos modelos mentais, que são ideias e
concepções a partir das quais cada pessoa encara o mundo (SENGE, 1993).
Com isso, a qualidade deve estar presente de forma contínua, e não somente
no produto final. A ideia é oferecer maior garantia aos usuários do serviço ou
produto, aumentando a confiabilidade e diminuindo os riscos para o consumi-
dor. A implantação de um sistema de controle no processamento dos produtos
também deve promover a motivação profissional, estimular a atualização e
melhorar o desempenho dos colaboradores envolvidos.

Existem métodos objetivos e subjetivos para mensurar o controle de qualidade dos


alimentos. No caso dos métodos subjetivos, pode-se utilizar os consumidores, aplicando
a análise sensorial, por meio dos cinco órgãos dos sentidos (audição, olfato, paladar,
tato e visão). Nesse caso, o consumidor é convidado a dizer quanto gosta ou desgosta
de determinado produto. Já os métodos objetivos ocorrem por meio de análises
físico-químicas, de instrumentos e metodologias específicas. Os alimentos precisam
seguir a legislação vigente para garantir o mínimo de qualidade. A legislação define
padrões específicos que as empresas devem manter para cada tipo de alimento.

2 Evolução da qualidade
Desde que a qualidade começou a ser estudada, sua definição veio ganhando refor-
ços, mudando e se aprimorando — em sintonia com o aumento da competitividade
e com as alterações nas legislações. Ainda no tempo dos levíticos, de acordo com
a Bíblia (1999), as leis de Moisés promoviam a segurança do povo por meio da
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proibição do consumo de alguns alimentos, pois não havia garantia de que eles
possuíam qualidade e de que não gerariam problemas de saúde para a população.
Assim, a qualidade não deve ser encarada como novidade, e muito menos como
moda. Esse conceito sempre esteve presente na história da humanidade.
De acordo com Oakland (1994), somente no século XX as organizações
tiveram de tratar da qualidade com mais cuidado, devido ao aumento do
consumo de produtos e à ampliação dos mercados. A partir de então, surgiram
diversos estudiosos na área da qualidade, mas W. Edwards Deming, Philip
Crosby, Joseph M. Juran e Kaoru Ishikawa foram os mais influentes.
Segundo Avelino (2005), Crosby defendia que um produto de qualidade é
aquele isento de defeitos. Por sua vez, Deming entendia a qualidade como o
controle e a melhoria dos processos por meio do uso de técnicas estatísticas. Para
Ishikawa, a qualidade era definida pela capacidade de suprir as necessidades
dos clientes. E Juran definia a qualidade como a adequação ao uso do cliente.
Garvin (1992) caracteriza quatro diferentes “eras da qualidade”: era da
inspeção, era do controle estatístico da qualidade, era da garantia da qualidade e
era da administração estratégica da qualidade. No Quadro 1, a seguir, você pode
verificar que tanto o conceito de qualidade como a sua gestão não excluíram as
eras anteriores, no entanto é difícil delimitar o começo e o término de cada era.

Quadro 1. As quatro eras da qualidade

Controle Garantia da Administração


Inspeção estatístico qualidade estratégica

Ênfase Uniformidade Uniformidade Todo o Necessidade do


do produto do produto com processo mercado e do
menos inspeção produtivo consumidor

Metodologia Instrumentos Instrumentos Programas Planejamento,


de medição e técnicas e sistemas elaboração
Características

estatísticas de padrões e
mobilização da
organização

Responsável Departamento Departamentos Todos os Todos na empresa,


de inspeção de produção departamentos com a alta gerência
e engenharia exercendo forte
liderança

Orientação Inspecionar Controlar a Construir a Gerenciar a


a qualidade qualidade qualidade qualidade

Fonte: Adaptado de Garvin (1992).


6 Os princípios de gestão da qualidade

A gestão da qualidade total (Total Quality Management — TQM) foi uma


prática de gestão criada entre as décadas de 1950 e 1960 no Japão, onde o ambiente
era perfeito para o seu desenvolvimento. Em 1980, devido ao sucesso dos produtos
japoneses com excelente qualidade e preços relativamente baixos, os países oci-
dentais se viram ameaçados economicamente; por não haver muitas alternativas,
eles se viram obrigados a identificar as razões do sucesso dos produtos japoneses
para que pudessem competir com eles. A partir de então, verifica-se um grande
movimento mundial para se obter a gestão da qualidade, que se tornou bastante
popular nas décadas de 1980 e 1990 nos países ocidentais (CORDEIRO, 2004).
Segundo Mikos et al. (2012), as demandas sociais pelo respeito tanto ao
meio ambiente quanto ao ambiente de trabalho fizeram com que as organiza-
ções atentassem aos processos de produção. Tais processos não estão ligados
somente ao ambiente externo, mas o extrapolam, pois resultam da orquestração
de diferentes especialidades, envolvendo organizações distintas orientadas por
um objetivo comum. Com isso, a produção eficiente de resultados depende do
relacionamento harmônico entre organizações que compartilham não apenas
técnicas de produção, mas também valores e princípios.
Após todo esse tempo de evolução, hoje se vivencia a era do serviço, que
pode ser entendida como o momento de melhorar o setor de serviços. Porém,
está em jogo muito mais do que pensar nos serviços públicos, como serviço
bancário, turismo, ensino, etc. Na verdade, é necessário compreender o que
é produto, pois somente a partir dessa concepção pode-se fazer com que o
consumidor perceba a qualidade de um produto.
Não se pode separar produtos de serviços quando se planeja a qualidade
de um produto. Na verdade, deve-se adotar o conceito de produto ampliado,
visando a facilitar a identificação das características desse produto, com
enfoque estratégico na produção. O produto ampliado pode consistir em um
conjunto de benefícios diretamente ligados ao produto, incluindo a marca, a
embalagem (e suas características), os serviços pós-venda, etc.

Ao comprar um alimento, os consumidores esperam que ele tenha ótima qualidade, que
esteja dentro dos padrões determinados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), que não gere riscos à saúde, etc. Além disso, os consumidores esperam que
os ingredientes do produto tragam benefícios ao seu organismo, que a embalagem
seja de fácil abertura e que a tabela nutricional esteja correta.
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3 Princípios da qualidade
Com a expansão do mercado e o aumento da concorrência global, a qualidade
tornou-se essencial para que a organização mantenha a liderança no mercado
e se aperfeiçoe continuamente. Os princípios da qualidade foram elaborados
para nortear o trabalho de organizações que buscam uma boa gestão. Esses
princípios também são a base para que a gestão da qualidade seja implantada.
Eles são considerados importantes para a padronização e/ou a implementação
dos processos de melhoria contínua de produtos e serviços, visando à integração
e à satisfação do cliente. De acordo com a ISO 9001:2015 (ABNT, 2015), existem
sete princípios que norteiam a qualidade. Você vai conhecê-los melhor a seguir.

Foco no cliente
O cliente precisa ser o foco principal de uma organização, o que implica
compreender suas necessidades futuras e atuais. Mas, além de atender às
expectativas, é papel da empresa superá-las, indo além do que o consumidor
deseja. Para isso, identifique os clientes diretos e indiretos, considere suas
necessidades e expectativas, planeje e monitore a satisfação, tomando provi-
dências quando necessário. Assim, você começará a ser valorizado e a fidelizar
os clientes, construindo uma boa reputação e aumentando a sua receita.

Liderança
A liderança vai muito além de cargos gerenciais e de chefia; ela implica a
atitude de gerar mudanças, ações e resultados. É necessário ter uma liderança
que engaje as pessoas no projeto. Para isso, você deve divulgar a missão, a
visão e a política da empresa a todos os colaboradores, desenvolver compor-
tamentos éticos dentro da organização e melhorar a comunicação entre os
diferentes níveis hierárquicos. Além disso, incentive os colaboradores a se
comprometerem com a gestão da qualidade, ofereça treinamentos, envolva-os
nas ações. Desse modo, você vai obter apoio e melhoria nos processos, além
de comunicação eficiente e colaboradores focados em melhores resultados.

Engajamento das pessoas


Para desenvolver uma gestão da qualidade eficiente, é preciso trabalhar em
equipe. Porém, uma equipe é formada por pessoas de diferentes culturas,
valores e credos, ora com habilidades em comum, ora com habilidades diferen-
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tes, tornando o trabalho um desafio. Por isso, a liderança precisa ser sensível
e entender que cada sujeito é único. Abra um canal de comunicação clara,
viabilize a interação entre as áreas, promova momentos de compartilhamento
de conhecimento, capacite os profissionais. Como resultado, possivelmente
a empresa terá crescimento pessoal e satisfação dos colaboradores, maior
envolvimento e mais comprometimento com os seus valores.

Abordagem de processos
Para atingir os objetivos e conseguir a padronização, é necessário que o pro-
cesso tenha uma entrada — aplicação dos recursos e métodos para gerar uma
saída — e uma saída — o produto do processo. Pessoas engajadas tendem a
buscar o entendimento dos processos e a compreensão do quanto eles podem
contribuir para a qualidade.

Tomada de decisão baseada em evidências


Para tomar decisões, é necessário avaliar os fatos e dados de forma contínua, o
que deve engajar todos envolvidos no processo. Para isso, você precisa ter sistemas
eficientes e confiáveis, fornecer dados precisos e seguros de forma rápida para
a parte interessada e analisar os dados por meio de metodologias adequadas.

Melhoria
Para se manter competitiva e em evidência, uma empresa precisa evoluir e
permanecer em constante melhoria. A ideia é melhorar a qualidade, diminuir
custos e aprimorar a oferta e o atendimento. No geral, as organizações que
não evoluem acabam perdendo espaço no mercado. Por isso, elabore os
objetivos de melhoria, identifique oportunidades e desenvolva os processos
e os colaboradores a fi m de que continuem exercendo o seu papel de maneira
competente.

Gestão de relacionamentos
Uma gestão de relacionamentos com o cliente é a opção mais acertada para
identificar as oportunidades de melhoria. A opinião do cliente se reflete no
bom andamento de uma empresa. Portanto, atente aos seus canais de atendi-
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mento ao consumidor, defina quem são os seus consumidores e como será o


relacionamento com eles. Afinal, a opinião do cliente tem reflexo na rotina da
organização; dúvidas, reclamações, sugestões ou elogios são fundamentais
para redirecionar a estratégia da empresa.

ABNT. ABNT NBR ISO 9000:2005: sistemas de gestão da qualidade: fundamentos e vo-
cabulário. Rio de Janeiro, 2005.
ABNT. ABNT NBR ISO 9001:2015: sistemas de gestão da qualidade: requisitos. Rio de
Janeiro, 2015.
AVELINO, A. C. Qualidade no processo de produção: um modelo de gestão para ga-
rantir a qualidade de acabamento das carrocerias em chapa na linha de produção.
2005. Dissertação (Mestrado) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2005.
BÍBLIA sagrada: revista e atualizada. Tradução: João Ferreira de Almeida. Barueri: So-
ciedade Bíblica do Brasil, 1999.
CORDEIRO, J. V. B. de M. Reflexões sobre a gestão da qualidade total: fim de mais um
modismo ou incorporação do conceito por meio de novas ferramentas de gestão?
FAE, v. 7, n. 1, 2004.
GARVIN, D. A. Gerenciando a qualidade: a visão estratégica e competitiva. Rio de Janeiro:
Qualitymark, 1992.
MIKOS, W. L. et al. Qualidade: base para inovação. Curitiba: Aymará, 2012.
OAKLAND, J. S. Gerenciamento da qualidade total. São Paulo: Nobel, 1994.
SENGE, P. M. A quinta disciplina: arte, teoria e prática da organização de aprendizagem.
São Paulo: Best Seller, 1993.
TOLEDO, J. C. de; BATALHA, M. O.; AMARAL, D. C. Qualidade na indústria agroalimentar:
situação atual e perspectivas. RAE, v. 40, n. 2, p. 90-101, 2000.

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