Por Dentro Leptospirose Canina

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Mitika&K.&Hagiwara&

Professor&Senior&&
Departamento&de&Clínica&Médica&d&FMVZ@USP&

Introdução

Os Clínicos Veterinários de Pequenos Animais estão de um modo geral, familiarizados com


os aspectos clínicos e epidemiológicos da leptospirose canina, as várias opções de
tratamento para os animais doentes e o modo de prevenir a doença e sua disseminação a
outros cães e aos humanos. Entretanto, a leptospirose é uma doença complexa e embora a
vacinação contra a leptospirose esteja incluída no protocolo vacinal, são freqüentes os casos
em que, pelo histórico e pelas manifestações clínicas apresentadas, suspeita-se de
leptospirose. O teste de soroaglutinação microscópica (SAM), utilizado para a confirmação
do diagnóstico de leptospirose, muitas vezes fornece resultados nos quais se observa a
presença de anticorpos para mais de um sorovar de leptospiras patogênicas, as vezes em
títulos bastante expressivos. A vacina confere proteção adequada? Trata-se de infecção por
outros sorovares não incluídos na vacina? Quais os sorovares que podem infectar o cão? .
Há necessidade de vacinas contra esses sorovares? São algumas das questões
frequentemente formuladas pelos clínicos veterinários e pelos proprietários dos animais. No
sentido de esclarecer essas dúvidas abordaremos de forma sucinta o que se conhece sobre
a leptospirose entre os cães,

Quantas espécies de leptospiras patogênicas existem e quais os sorovares que podem


infectar o cão?

A leptospirose é uma doença infcciosa causada por leptospiras, bactérias finas, flexíveis,
filamentosas (0,1 a 0,2 µm de largura e 6 a 12 , a qual µm de comprimento), espiraladas,
com extremidades em gancho, pertencentes à Familia Leptospiraceae, gênero Leptospira.
São conhecidas na atualidade oito espécies de leptospiras patogênicas, isto é, aquelas que
são capazes de colonizar os rins dos mamíferos: Leptospira interrogans senso strictu,
Leptospira kirschneri, Leptospira borgpeterseni, L. santarosai, L. noguchi, L.weilii , Leptospira
alexanderi e Leptospira alstoni . Essas espécies são geneticamente distintas e englobam
múltiplos sorovares , que diferem entre si na composição da membrana externa, composta
de lipopolissacarídeos (LPS) e proteínas (Greene et al, 2011). (Ciceroni, 2002.) A variação
da composição de carboidratos que compõe os LPS é responsável pela diferença antigênica
entre os sorovares. Os sorovares que apresentam antígenos em comum e que se
superpõem compõem os sorogrupos (Evangelista e Coburn, 2010). São conhecidos na
atualidade mais de 200 sorovares de leptopiras patogênicas, distribuídos em 24 sorogrupos
pertencentes majoritariamente a espécie Leptospira interrogans e em menor escala as
epécies Leptospira grippotyphosa, e Leptospira borgpeterseni

Hospedeiros de manutenção São aqueles nos quais as leptospiras patogênicas se


adaptam e sobrevivem por longo período de tempo, sem que os animais apresentem os
sinais clínicos decorrentes da infecção, em funçao do equilíbrio biológico natural entre o
agente infeccioso e o hospedeiro. Em geral, os pequenos roedores, silvestres ou
peridomiciliares, são os reservatórios dos diferentes sorovares já identificados. Os ratos
são importantes reservatórios dos sorovares Icterohaemorrhagiae, Copenhageni, Pyrogenes
entre outros, identificados ao redor do mundo. Aparentemente o sorovar Canicola se
encontra adaptado ao cão, os sorovares Hardjo e Pomona aos bovinos e os sorovares
Pomona e Tarassovi aos suinos. Virtualmente todas as espécies conhecidas de roedores,
marsupiais ou mamíferos, incluindo o homem ( Ganosa et al, 2010) podem atuar como
hospedeiro de manutenção para diversas leptospiras patogênicas (Schüller et al, 2015) .
Hospedeiros acidentais Uma vez excretadas na urina dos animais infectados, as
leptospiras sobrevivem em terrenos úmidos, pântanos, córregos, lagos e estábulos com
excesso de detritos e umidade por um longo período de tempo, de semanas a meses.
Multiplicam-se bem em pH 7,2 a 7,4 e em temperaturas de 10 a 34ºC. São muito
sensíveis ao pH ácido e a dessecação. Nessas condições, os animais suscetíveis que
entram em contato com as leptospiras patogênicas podem ser infectados. A infecção pode
cursar silenciosamente, sem que haja manifestações clínicas ou resultar em grave doença
fatal, na dependência da patogenicidade do sorovar Infectante e da resistência do
hospedeiro.

A leptospirose no cão .
O cão pode ser infectado por diversos sorovares de leptospiras como os sorovares
Icterohaemorrhagiae e Copenhageni, em geral associados ao desenvolvimento de icterícia e
grave comprometimento renal e o sorovar Canicola, cuja infecção pode resultar em doença
renal aguda ou crônica. Outros sorovares como Grippotyphosa, Pomona, Bratislava,
Pyrogenes causando nos cães infectados síndromes clínicas semelhantes ou em alguns
casos grave hemorragia pulmonar associada a infecção leptospírica,
O isolamento e a caracterização sorológica e molecular de leptospiras a partir de fragmentos
de rim ou da urina dos cães doentes constitui-se no modo de comprovar de forma
inequívoca a etiologia da doença. No Brasil foram isolados os sorovares Copenhageni,
Icterohaemorrhagiae, Canicola e Pomona de cães doentes ou de cães de rua,
aparentemente hígidos. Mais recentemente, foi relatado o isolamento a partir de um cão
doente que havia desenvolvido icterícia e doença renal aguda a espécie Leptospira
noguchi, caracterizado sorologicamente como pertencente ao sorogrupo Australis.
Evidencias sorológicas da infecção de cães por leptospiras patogênicas
Apesar de haver poucos isolamentos de leptopspiras, comprovando a infecção de cães,
existem evidências de infecções por outros sorovares patogênicos fornecidas pela reação
de SAM, utilizada nos inquéritos sorológicos. Diversos inquéritos sorológicos realizados no
Brasil nos últimos anos, revelam a presença de anticorpos aglutinantes contra uma ampla
variedade de sorovares, com maior prevalência dos sorogrupos Icterohaemorrhagiae,
(Sorovar Icterohaemorrhagiae e Copenhageni) Canicola e Pyrogenes nas regiões sul e
sudeste. Em menor proporção, também foram encontrados cães reagentes a outros
sorogrupos como, Bratislava, Autumnalis, Grippotyphosa, Tarassovi, Australis, Cynopteri,
Butembo . Já nas regiões norte, nordeste e centro oeste foram encontrados reagentes aos
sorogrupos Autumnalis, Pyrogenes, Canicola, Hardjo, Grippotyphosa, Copenhageni,
Pomona.
O amplo espectro de sorovares de leptospiras contra os quais há o desenvolvimento de
anticorpos aglutinantes, ainda que em títulos baixos (100 a 400, na maioria dos casos),
indica a exposição dos cães a diversos sorovares de leptospiras no meio onde vivem, sem
que necessariamente adoeçam, já que na maioria das vezes, tratavam-se de cães
aparentemente sadios. Nos cães doentes, os principais sorovares envolvidos são,
aparentemente os sorovares Copenhageni, Icterohaemorrhagiae e Canicola, porém também
foram encontrados reagentes a Grippotyphosa, Pomona, Autumnalis, Bratislava e
Pyrogenes.

Interpretação do teste de soroaglutinação microscópica (SAM)


A interpretação dos resultados do teste sorológico é complicada, devido a reações cruzadas
entre os diferentes sorogrupos, as reações paradoxais e a variação da resposta em um
mesmo animal em diferentes momentos. De um modo geral considera-se que títulos >800
correspondem ao sorogrupo infectante, com as devidas ressalvas. Para fins de diagnóstico,
a recomendação geral é a de que o teste sorológico seja realizado em amostras pareadas
de soro, coletadas no momento da apresentação inicial e na fase de convalescença, com
intervalo de duas semanas. O aumento do titulo em quatro vezes (por exemplo de 200 para
800) indica o provável sorovar (sorogrupo) infectante. O resultado da reação de SAM indica
o provável sorogrupo no qual o sorovar infectante está incluído, não especificando o sorovar
infectante. Porém, o valor preditivo da sorologia como indicador do sorogrupo infectante
também é baixo, principalmente na fase aguda da infecção.
Do ponto de vista clínico é de pouca utilidade conhecer o sorovar infectante, haja vista a
necessidade de instituição do tratamento antimicrobiano quando houver suspeição clínica de
leptospirose, antes mesmo dos resultados do teste de SAM, com vistas a recuperação do
animal e para evitar a eliminação das leptospiras na urina, contibuindo para a contaminação
do meio ambiente. Do ponto de vista epidemiológico, é importante se conhecer o sorovar
prevalente na região, para o planejamento das medidas de prevenção, com a inclusão desse
sorovar na composição das vacinas. A identificação do sorovar infectante só é possível com
o cultivo bacteriano e isolamento da leptospira e sua caracterização sorológica.

Importância da vacinação na profilaxia da leptospirose canina


Há mais de cinqüenta anos as bacterinas produzidas com os sorovares Icterohaemorrhagiae
e Canicola foram associadas aos antígenos do vírus da cinomose e da hepatite infecciosa
canina, e incluída na principal vacina dos cães para promover a proteção contra a
leptospirose. Nos Estados Unidos e no Canadá, as melhores condições de saneamento
ambiental e a vacinação sistemática resultou na diminuição dos casos de leptospirose
canina causada por aqueles sorovares, entretanto outros sorovares como Grippotyphosa
ou Pomona passaram a ser identificados como causa da infecção e da doença nos cães. .
Para promover a proteção contra esses sorovares, a vacina contra a leptospirose passou a
contar com mais dois antígenos, além dos componentes clássicos: Icterohaemorrhagiae,
Canicola, Grippotyphosa e Pomona.
No Brasil ainda não existem evidências de que os sorovares Grippotyphosa e Pomona,
apesar do último ter sido isolado de um cão de estado sanitário desconhecido há mais de 30
anos, sejam importantes como causa da doença nos cães. Portanto, ainda não se
comprovou a necessidade e a indicação específica para o uso dessas vacinas no cão. Em
relação a vacina contra a leptospirose, tanto o grupo de “experts” da AAHA (American
Animal Hospital Association) quanto do WSAVA (World Small Animal Veterinary Association)
consideram que se trata de uma vacina que deve ser utilizada apenas em animais expostos
ao risco da infecção, não se constituindo em vacina recomendada para todos os cães. Mais
ainda, que os componentes vacinais contra a lepstopirose sejam constituídos pelos
sorovares mais prevalentes na região de maior significado epidemiológico e clínico.
Por outro lado, o cão é considerado hospedeiro de manutenção do sorovar Canicola.
Quando infectados, podem adoecer, como comprova o fato de que é o sorovar mais
frequentemente isolado dos cães doentes no Brasil. Podem também se tornar portadores,
mantendo a infecção por período prolongado de tempo e eliminando as leptospiras na urina.
Cães mantidos em abrigos coletivos ou em agrupamentos são potenciais candidatos a
disseminarem e perpetuarem a infecção por esse sorovar. Neses grupos de cães, a
vacinação sistemática dos cães é de fundamental importância, além da identificação dos
portadores e a aplicação de adequadas medidas sanitárias ambientais. Isto se aplica
também aos cães mantidos isoladamente e que possuem o hábito de ter acesso a rua e
ambientes onde se encontram outros cães.

Considerações finais
• Na dependência do estilo de vida, local onde vive e da presença de roedores
silvestres ou peridomiciliares que albergam leptospiras patogênicas no tecido renal,
os cães podem ser infectados por leptospiras eliminadas por esses roedores para o
meio ambiente. Podem também adquirir a infecção pelo hábito predatório de caça. A
infecção pode ser benigna, resultando na produção de anticorpos aglutinantes
detectados por meio da reação de SAM. Nos inquéritos sorológicos, as reações
sorológicas positivas, em baixos títulos, podem sugerir apenas infecção passada.
• O isolamento e identificação do sorovar infectante a partir de animais doentes ou de
portadores de leptospiras patogênicas é a forma mais concreta de se comprovar a
relação causal entre o agente e o hospedeiro, no caso o cão
• A reação de SAM não permite identificar o sorovar infectante, indicando apenas o
sorogrupo ao qual pertence o sorovar infectante. As reações cruzadas entre os
sorogrupos e reações paradoxais, em que títulos maiores de anticorpos nem sempre
correspondem ao sorovar infectante muitas vezes não permitem concluir pelo
sorogrupo infectante.
• A vacinação anual dos cães contra a leptospirose ainda se constitui uma
necessidade para todos os cães no Brasil (vacinas bivalentes sorovares
Icterohaemorrhagiae/Copenhageni e Canicola). A real necessidade dos
componentes Grippotyphosa e Pomona ainda não foi comprovada de forma
inequívoca.

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