Estudo de Caso
Estudo de Caso
Estudo de Caso
FORTALEZA – CEARÁ
2019
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FORTALEZA – CEARÁ
2019
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RESUMO
ABSTRACT
Modernity imposes new horizons and new challenges for the constitution of social
relations and the structuring of subjectivity. The psychological clinic, in this context,
unfolds to think theoretical-practical perspectives that are appropriate for new
subjective arrangements. Lev Vygotsky's Historical-Cultural Psychology responds to
contemporary clinical needs, since he thinks of social relations and subjectivity as
historical processuality. This study was based on a qualitative persectiva in psychology
and it was used the case study as methodological path, considering that it allows
greater detailing and deepening of the object under study. The objective of this study
was to identify clinical pathways (management and interventions) constructed and
performed by a patient of the Applied Psychology Service (SPA) of the State University
of Ceará (UECE) during a process of historical and cultural psychotherapy. With this
we sought to deepen the theoretical co-contributions of this approach to the
contemporary psychological clinic. Thus, we conclude that changes in the subjective
dynamics of the patient have become effective, so that the demand has evolved from
the subjective appearance (expressed in the complaint and in the symptoms) to the
essence of the patient's subjective configurations, with significant changes in
personality and mood life of the subject in therapy. Finally, clinical studies in historical-
cultural psychology are lacking, and there is a need for further development and
production in this area.
SUMARIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 7
2 A CLÍNICA HISTÓRICO-CULTURAL: FUNDAMENTOS
TEÓRICOS E EPISTEMOLÓGICOS PARÁGRAFO
INTRODUTÓRIO................................................................................. 11
2.1 BREVE HISTÓRICO: DA URSS À CONTEMPORANEIDADE............ 11
2.2 A COMPLEXA RELAÇÃO HOMEM-MUNDO NA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL: CONTEXTO PARA ENTENDER OS
DESAFIOS DA CLÍNICA CONTEMPORÂNEA................................... 13
2.3 ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA A CLÍNICA DE
VIGOTSKI: DA FILOGÊNESE À SUBJETIVIDADE............................ 16
3 OS CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA INVESTIGAÇÃO E
DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO APRESENTADO......................... 21
4 O CASO CLÍNICO: SENTIDOS E DESDOBRAMENTOS NA
PRODUÇÃO DE NOVAS CONFIGURAÇÕES SUBJETIVAS........... 24
4.1 O CASO............................................................................................... 24
4.2 CONDUTAS E INTERVENÇÕES NA CLÍNICA HISTÓRICO-
CULTURAL: A EXPERIÊNCIA DE PSICOTERAPIA NO SPA DA
UECE................................................................................................... 25
4.2.1 A caracterização da demanda.......................................................... 25
4.2.2 A relação com o meio........................................................................ 26
4.2.3 Os novos delineamentos e configurações da queixa inicial......... 28
4.2.4 Intervenção na zona de desenvolvimento sexual........................... 30
4.2.5 A mudança na configuração subjetiva............................................ 31
4.2.6 O processo de alta......................................................................... 33
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 34
REFERÊNCIAS................................................................................... 36
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1 INTRODUÇÃO
1
Um maior aprofundamento dos nortes e dos elementos epistemológicos e conceituais da psicologia histórico-
cultural de Lev Vigotski será feito na sessão 2: “A clínica histórico-cultural: aspectos teóricos e epistemológicos”.
Por hora, o objetivo se restringe à introdução à clínica vigotskiana como resposta aos arranjos subjetivos
contemporâneos.
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2
Os estudos de Alexander Luria e Alexei Leontiev encontraram maior eco na produção científica, porquanto,
respectivamente, encontram lugar com o diálogo médico e se afastaram da linguagem marxiana presente em
Vigotski, tornando-se asséptica quanto ao materialismo histórico-dialético, talvez o sistema filosófico de mais
importância na obra do psicólogo bielorrusso.
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3
Silva (2014), em sua tese “Compreensão do adoecimento psíquico: de L. S. Vigotski à Patopsicologia
Experimental de Bluma V. Zeigarnik”, define que a psicopatologia histórico-cultural (patopsicologia) parte da
compreensão que o desequilíbrio da personalidade se traduz na desestruturação da hierarquia dos motivos e
das necessidades; dessa maneira, ações como o alcoolismo, por exemplo, podem se configurar prioritárias na
dinâmica de vida de um sujeito; havendo, portanto, necessidade de intervenções que mobilizem os sentidos e
os significados em torno das atividades centrais/dominantes de um determinado período do desenvolvimento
do sujeito. Para maior detalhamento da periodização do desenvolvimento histórico-cultural do psiquismo,
consultar Martins et al (2016).
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crise dos 13 anos e crise dos 17 anos. Alguns estudos, como o de Martins et al (2016),
apontam para novos períodos críticos do desenvolvimento: a crise da vida adulta e a
crise da velhice.
Conforme Marangoni e Ramiro (2012), durante esses momentos, há uma
reestruturação do self e da dinâmica da personalidade, de maneira que a qualidade
do desenvolvimento será uma implicação da maneira como se lidou com um período
de crise. Dessa maneira, o mau manejo de um momento agudo do desenvolvimento
pode acarretar estranhamento e adoecimento nas esferas de desenvolvimento
humano, tais como os campos afetivo-emocional, cognitivo e motor, conduzindo à
cristalização dos aspectos saudáveis do self e à promoção de elementos
adoecedores. Conforme Almeida (2011), instaura-se um processo de alienação na
vida psíquica, onde determinadas funções psicológicas se sobrepõe em relação à
outras, descompensando a representação mental, isto é, a imagem subjetiva da
realidade objetiva (concreto-material). Nessa configuração, o indivíduo passa a ter
dificuldade para lidar com as questões/problemáticas do meio e da vida prática.
À Psicologia Histórico-Cultural é eminentemente cara a noção de dialética,
a qual, segundo Tuleski (2008), permitiu Lev Vigotski assentar as bases de sua
psicologia na materialidade, fugindo de compreensões ora idealistas, ora
mecanicistas. Dessa maneira, o autor percorreu caminhos metodológicos específicos
para a compreensão do objeto de estudo de sua psicologia, a consciência (VIGOTSKI,
2004). Dessa maneira, em consonância com a postura do psicólogo bielorrusso,
passa-se à compreensão dos caminhos trilhados para a compreensão do caso clínico
posteriormente apresentado.
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D., nome fictício utilizado para preservação da identidade do paciente. O referido caso
foi escolhido tendo em vista o paciente ter sido bastante assertivo durante todo o
processo de psicoterapia quanto ao tempo e compromisso para com a psicoterapia,
tendo ínfima taxa de absenteísmo às sessões, o que possibilitou se conduzir um
processo bastante contínuo com o paciente. Todas as intervenções e condutas se
deram respeitando a saúde e integridade do paciente, conforme prescreve a resolução
nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
No que tange ao processo psicoterápico oferecido no SPA, fica a critério
do paciente autorizar (ou não) o uso de seus dados clínicos para futuros estudos, não
lhe sendo imputado nenhum tipo de prejuízo quanto ao acesso ao serviço de
psicoterapia caso a resposta seja negativa. Assim, o Serviço de Psicologia Aplicada
elabora documento referente à autorização do uso dos dados, conforme a resolução
supracitada. Tendo sido dada a autorização, o referido documento (Anexo A) fica
arquivado junto ao prontuário do paciente no SPA. Conforme a resolução nº 510/16,
informações clínicas previamente autorizadas para uso por paciente podem se
configuram como material de pesquisa-estudo, possibilidade sobre a qual este estudo
se alicerça.
Este estudo se encontra ancorado na Psicologia histórico-cultural de Lev
Vigotski, compreendendo-se, portanto, que o objeto clínico só pode ser pensado em
um processo de constituição externo-interno, havendo continuidades e
descontinuidades quanto à representação subjetiva do mundo objetivo; no seio desse
movimento de construção dos delineamentos da subjetividade aparecem contradições
e empobrecimentos (alienação) da dinâmica psicológica, a qual corresponde aos
componentes somáticos e aos componentes psíquicos – ou simplesmente,
psicofisiológicos (VIGOTSKI, 2000). Compreende-se, assim, que a imagem mental
refratada na relação com o mundo concreto e objetivo é unificada pela consciência e
autoconsciência e pelos processos psicológicos superiores (MARTINS, 2012;
VIGOTSKI, 2004)
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4.1 O CASO
4
A Dinâmica do Tempo é uma técnica psicológica desenvolvida no LADES-UECE. Essa técnica objetiva captar
como o paciente narra sua história de vida, indicando os principais eventos que a compõe; assim, é possível
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Vigotski (2010) esclarece que é na relação com o meio (físico e/ou pessoal)
em que a dinâmica das necessidades e dos motivos ganha contornos eminentemente
diferentes, uma vez que se coloca na dinâmica psíquica do sujeito necessidade de
reorganização e reestruturação da atividade. A queixa inicial do paciente, nas quatro
primeiras sessões, mostrou-se bastante relacionada aos recursos criados pelo
verificar que lugar o paciente se atribui na constituição de tais eventos. A técnica consiste em pedir ao paciente
que registre da maneira que preferir (com datas, frases, desenhos, esquemas etc.) os eventos que considera
atualmente importantes de sua vida, construindo uma linha do tempo.
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Nas sessões seguintes, como estratégia para contenção das situações de estresse intenso e para a reelaboração das
sensações e emoções identificados pelo paciente como ansiedade, adotou-se o Caderno da Psicoterapia. Assim,
era comum se pedir ao paciente atividades que focalizavam a expressão escrita das suas vivências
despotencializadoras. Esse recurso tem encontrado eco na psicoterapia histórico-cultural feita no SPA da UECE.
27
6
O Cenário de Vida é um recurso psicoterápico de base histórico-cultual desenvolvido no LADES-UECE; esse
recurso objetiva perceber como se configura a relação do sujeito com o meio, identificando as redes de relação e
de conexão entre o sujeito e os elementos trazidos por ele e/ou entre os próprios elementos.
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Após três meses de intenso trabalho psicoterápico, por volta das 13°
sessão, novos arranjos subjetivos começaram a tomar forma e a ocupar o cenário da
psicoterapia. Até então, a atuação se deu sobre os aspectos emergenciais e
sintomáticos da demanda de C. D., uma vez que se entende serem necessárias
algumas condições básicas de organização e sistematização da vida psíquica,
objetivando que condições mínimas de saúde sejam fortalecidas para um equilíbrio
psíquico do paciente. De acordo com Martins (2012) a vida subjetiva se dá mediante
a representação subjetiva da vida objetiva. Vigotski (2008) já apontara que é na
internalização das relações sociais que essa imagem se forma. Para a autora
anteriormente citada, as funções psicológicas precisam estar íntegras a fim de que se
forme uma imagem fiel dessa realidade. Por conseguinte, até a 11° sessão a
psicoterapia girou em torno de promover condições saudáveis para a produção da
representação mental mais íntegra acerca de si e do mundo. Avanços foram
percebidos, sobretudo no que tange ao nível de consciência e de reflexão do paciente
sobre si, construindo novas maneiras de realizar seu fluxo narrativo. Também houve
mudanças significativas no que diz respeito ao estabelecimento de limites e
demarcações na sua relação com os outros, seja no âmbito universitário, seja em seu
núcleo familiar.
A 13° sessão foi importante no que concerne ao aparecimento de novas
questões relacionadas ao estado e movimento subjetivo do paciente. C. D. colocou
como nova questão central a relação que mantinha com uma garota, sua namorada.
Havia, conforme relatado por ele, duas dificuldades centrais na relação com sua
namorada: a) a dificuldade em permanecer em uma relação com alguém que estava
apresentando baixa volição para construir uma vida profissional e pessoal próprias,
de maneira que C. D. se negava a “namorar o consigo mesmo do passado” (sic); b)
dificuldade para manter relações sexuais com sua namorada, envolvendo vergonha
do corpo durante a atividade sexual.
Quanto à primeira questão posta pelo paciente sobre a dinâmica com sua
namorada, C. D. relatou durante esse momento da psicoterapia que, durante sua
adolescência, era um sujeito bem introspectivo e isolado, o que empobrecia a
qualidade das suas relações pessoais. Para ele, tal tendência ao isolamento se devia
a uma baixa autoestima e a um conceito empobrecido de si. Em meio a
tensionamentos e cobranças em sua vida escolar, ele relata baixa volição para atuar
nas suas relações sociais, preferindo arranjos de vida em que não precisava estar
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com o outro, contato este feito em momentos estritamente necessários. Fazendo uma
avaliação dos prejuízos tidos durante esse período de seu desenvolvimento, compara
a situação atual de sua namorada à sua situação passada, mostrando
indisponibilidade para relacionar-se com alguém assim.
Quanto à segunda questão, C. D. relatou que, no decorrer de quase um
ano de relacionamento, houve tentativas de estabelecer relações sexuais com sua
namorada; todas elas, contudo, fracassadas, tendo em vista sensações e emoções
descritas por ele como medo e nervosismo. O sujeito em terapia relatou ter interesse
em manter relações sexuais com sua namorada, porém afirmava um interesse bem
maior por parte dela, cobrando-lhe que acontecesse. C. D. relatou também dificuldade
quanto a terem momentos de privacidade para tal, uma vez que ambos estão a
graduação e moram com seus pais. Na 15° sessão de psicoterapia, organizou-se uma
atividade afim de tematizar com maior aprofundamento os sentidos e os significados
adjacentes à sua vida sexual e à sua sexualidade. Essa atividade gerou bastante
resistência, no início, com posterior relaxamento e envolvimento de C. D. a saber: criar
uma linha do tempo de sua vida sexual. Foi pedido qe ele organizasse em casa, sendo
a atividade trazida na sessão seguinte. O paciente, contudo, na sessão seguinte não
a trouxe e relatou bloqueios para a realização da atividade, fazendo-a durante a
sessão. A atividade da linha do tempo trouxe novos elementos para a composição do
seu movimento subjetivo.
Quanto aos novos elementos que apareceram destacam-se: a) uma
experiência de abuso sexual por pares escolares quando tinha por volta de onze anos
de idade; b) experiências sexuais do campo da homossexualidade, tanto na
adolescência como na vida adulta. Tais elementos serão discutidos na próxima
sessão articulados ao manejo clínico adotado e ao conceito vigotskiano de Zona de
Desenvolvimento Próximo (ZDP).
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semanais. Além disso, na sua relação com a sua família e com a universidade
(especificamente em relação ao laboratório de pesquisa de que fazia parte), passou a
ter posicionamentos mais ativos, passando a se implicar nas decisões que o
envolviam. González-Rey (2007) cunha dois conceitos centrais para a realização
dessa discussão: modo de vida e configuração subjetiva. Configurações subjetivas
são os delineamentos/contornos da subjetividade de um sujeito, são a síntese dos
padrões comportamentais internalizados pelo indivíduo na sua relação com o meio,
de maneira que conduzem a ações mais ou menos fixas considerando contextos
específicos. O conjunto dessas configurações é chamado de modo de vida.
Quanto aos novos posicionamentos indicadores de mudança na
configuração subjetiva de C. D. eminentemente caracterizada por passividade quanto
a problemáticas que se interpunham em sua relação com o meio e por estima negativa
de si, ele passou a atribuir novos sentidos à posição nas relações. Como exemplo
disso, destaca-se uma reunião marcada por ele com seus familiares, onde expôs
como se sentia na relação com eles e qual, de fato, era o papel dele nessa dinâmica;
interessante também foi o fato de dividir as funções naquela reunião com os irmãos e
o falar para a sua mãe sobre seu compromisso para com o seu papel, não podendo
arcar com as funções dos demais, sobretudo quanto à sua condição de adoecimento:
o Alzheimer.
Para Vigotski (2004) não faz sentido pensar o homem como um ser
estratificado, mas sim como uma totalidade na qual se encontram conjugados
aspectos biológicos, afetivos, cognitvos etc. Lev Vigotski se propôs a pensar,
inclusive, o psicológico nesse sentido, ou seja, a perspectiva do homem integral é tão
forte na psicologia histórico-cultural, que se falar em psicológico é identificá-lo com a
totalidade dos fatores que compõem os planos genéticos do desenvolvimento
(VIGOTSKI, 2006). Pensar a subjetividade na psicologia soviética é repensar a própria
psicologia, como aponta Dafermos (2018).
No caso de C. D, é possível observar um estado de cisão da vida psíquica,
de modo que complexos afetivos e complexos cognitivos se encontravam separados,
alijados. Nesse sentido, Fleer et al (2017) afirmam sobre o aspecto fundamental que
ocupa a vivência (perejivânie) para se pensar a integralidade do homem na psicologia
histórico-cultural; emoções são funções psicológicas de carácter superior que dão
contornos significativos para a representação da imagem mental, de maneira que
configurações psicopatológicas- próprias do embotamento afetivo-emocional – se
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formam sem o colorido emocional. Nesse sentido, é importante afirmar que, ao sentir
tais aspectos entrando em harmonia, o sujeito evidenciou certo estranhamento,
porquanto não havia mais necessidade de estar hipervigilante o tempo todo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS