Valdosky - 2014 - Políticas Espaciais
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| This paper aims to examine how spatial discourses have become key elements
for the implementation of spatial policies that seek to insert space into the circuits of accu-
mulation through the reshaping of the spatial morphology of outlying, low-income neigh-
borhoods. Such discourses integrate new elements due to their need of endless reformula-
tion, because the conflicts that emerge with the progression of such spatial policies erode the
legitimacy of such arguments. The latter then integrate justifications that reinstate their
previous coherence and cohesion. Among such recent justifications incorporated into spatial
discourses are those that stem from social demands, such as infrastructural enhancement
and environmental protection. In doing so, such discourses transform the discursive ma-
trices of social movements and collective actions into instruments for spatial practices that
promote, in some areas of the city, gentrification at the expense of appropriation.
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Introdução
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de Bon Pastor em Barcelona (Figura 1) e a antiga favela Nova Guarapiranga em
São Paulo (Figura 2). Ambos localizam-se nos vetores de valorização das respec-
tivas metrópoles, La Sagrera (nordeste) e represa Guarapiranga (vetor sudoeste), e
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acarretando novos processos segregatórios ocultados e legitimados por discursos
espaciais. O primeiro, pelo discurso da participação e de melhorias infraestruturais
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resse coletivo.
rebaixamento de salários e desemprego elevado, não conseguia ter acesso à casa por
meio do aluguel ou compra, e a única forma possível de morar seria através da ação
de ocupação dos lugares com menor possibilidade de expulsão, como nas margens
das represas Billings e Guarapiranga.
No início dos anos 1980 inicia-se a produção da favela Nova Guarapiranga, que se
localiza nas margens da represa de mesmo nome. Sua ocupação ocorreu por meio dos
“balões mágicos”, formato dos barracos, que se tornou o modo como ocupavam a área
como forma de resistência às remoções que a Prefeitura fazia continuamente. Como a
maioria das favelas, os primeiros barracos eram de madeira e, apenas após o recuo da
Prefeitura em retirar a população da área, é que se iniciam as construções em alvenaria.
Em um quadro de agravamento da capacidade hídrica de São Paulo, ela trans-
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promover a recuperação da qualidade das águas da represa com financiamento
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meio de urbanização de favelas e adequações dos bairros, com implantação de rede
coletora e de tratamento de esgoto. Dentre as favelas que passaram por este processo
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deste programa também era aquele relativo à regularização fundiária como medida
preventiva para o adensamento das favelas, o qual foi efetivado após 10 anos das
obras de infraestrutura. De acordo com a concepção estabelecida pelo programa, as
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o poder público poderia fiscalizar as ações ilícitas.
Simultaneamente, outras camadas legais foram sendo adicionadas ao perímetro
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das leis era a 9.866/1997 que dispunha sobre as diretrizes e normas de proteção e
recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais. Nela, haviam sido classificadas
as áreas de recuperação ambiental, nas quais Nova Guarapiranga se enquadrava.
Somada a essa lei, em 2006, se promulga a Lei Específica da Guarapiranga (Lei
Estadual nº 12.233/2006) criando a Área de Proteção e Recuperação de Mananciais
da Bacia Hidrográfica do Guarapiranga. Dentro dela, se definiu também as subáreas
de urbanização consolidada e é reiterada a condição de Nova Guarapiranga como
um núcleo efetivamente reconhecido, em que se poderia implantar a política de
regularização fundiária de interesse social.
Na confluência dessas leis e também do Estatuto da Cidade e da Medida Provi-
sória 2220/2001, após 10 anos de finalização das obras de infraestrutura, o lugar
é contemplado pela regularização fundiária dos imóveis existentes. Essa demora
não se fez sem razão, a polêmica em regularizar áreas de proteção ambiental esteve
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Atualmente, a Nova Guarapiranga possui dois núcleos, totalizando mais de
300 famílias que receberam no ano de 2008 o título de concessão de uso (cuemo
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2 Segundo a Prefeitura “A área foi desapropriada para ampliar os parques municipais que fazem
parte do Programa de Revitalização da Orla da Guarapiranga, uma parceria entre Estado e
Prefeitura que vem implantando parques, ciclovias, grades de proteção e calçadões ao longo da
orla da represa de Guarapiranga. Ela se soma a outros 700 mil m2 de áreas verdes que foram
desapropriados e conveniados pela Empresa Metropolitana de Água e Energia (emae) à Prefeitura
de São Paulo para a implantação dos parques de defesa da Guarapiranga”. Prefeitura desapropria
terreno às margens da represa Guarapiranga. Disponível em: http://www.sampaonline.com.br/
reportagens/golfcenter2010nov28.php.
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Guarapiranga em maio de 2011.
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estes, por sua vez, quando questionam essa política de espaço, são caracterizados
como aqueles que impedem o “desenvolvimento” da cidade.
Este empreendimento do poder público em curso está reatualizando as formas de
desapropriação, que não afeta somente a população beneficiada pela regularização
fundiária, mas ainda imóveis particulares e áreas de clubes. Porém, a ênfase dada neste
momento da reflexão recai sobre aqueles que enfrentam, cotidianamente, as camadas
de expropriação e que necessitam transgredir e resistir para criar as condições para
morar na cidade. As consequências desta prática espacial do Estado se realizam, ainda
mais perversamente, àqueles que lutaram por continuar em uma área mais valorizada,
como nesta parte da represa Guarapiranga, pois mesmo com o título de concessão de
uso, que lhes propiciou valores um pouco mais volumosos em relação às indenizações,
certamente não existirá a possibilidade de compra de outro imóvel no mesmo lugar e
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Os discursos sobre o meio ambiente têm a finalidade de permitir a continuidade da
produção de mercadorias e garantir a apropriação privada das riquezas, reafirman-
do a ideologia dominante (p. 211).
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6 As Casas Baratas são consideradas Viviendas de Protección Oficial que funcionam sob o regime
de aluguéis e geridas por instituições municipais. Em Barcelona, a responsabilidade estava
com o Instituto Municipal de la Vivienda, atual Patronat Municipal de la Vivienda. A origem
destes bairros na Espanha advém da legislação do início do século xx (1911) e visava a resolver
o problema da moradia dos operários e da classe média baixa, todavia, as casas baratas foram
na época construídas em lugares periféricos das cidades sem quase nenhuma infraestrutura e
equipamentos adequados e, portanto, em terrenos baratos.
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promovidos pelos mecanismos das hipotecas, pois as famílias não conseguiram arcar
com a manutenção da nova propriedade, que requer o pagamento da “comunidad”
(condomínio), impostos, etc, bem como as taxas mais elevadas dos contratos de
aluguel e de compra. A fala do grupo nos apresenta as implicações da transformação
da morfologia:
... la propiedad, a la hora de hacer gestiones económicas, en las hipotecas el referen-
te no es mas el Ayuntamiento sino si convierte en el Banco Sabadel…
hay varios, hay gente que llegó al barrio hace pocos años, y ya pagaban 200 euros,
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piso grande; pero otra gente está pagando de toda la vida 50 euros, entonces claro,
pasan a pagar 300 o 350, más los gastos de agua, de la comunidad...
No que tange à morfologia construída, o discurso espacial assentado nas melhorias
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dores terão que arcar com novas despesas para reformar os apartamentos.
Neste processo, verificamos que o espaço não tem nada de neutro ou transpa-
rente, uma vez que as estratégias possuem uma finalidade que é escamoteada pelo
discurso espacial. Como formulado por Manuel Delgado (2010, p. 48):
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velan inmediatamente las claves de tanta urgencia por borrar del mapa las Casas
Baratas del Bon Pastor. A un paso de la nueva centralidad que se proyecta para la
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Gehry y ese nuevo barrio que seguro que no será para el mismo tipo de humanidad
que vivía y habia luchado allí a lo largo de lustros.
Essa estratégia de transformação do espaço em mercadoria produz efeitos perversos
aos moradores, como relata Taller contra la violencia inmobiliaria y urbanística
(2006, p. 62):
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precios de los pisos se han triplicado desde 2002, lo que supone la expulsión de un
gran número de vecinos a la primera corona metropolitana, al mismo tiempo que se
está dando una actividad frenética de derribos de casas y de nuevas construcciones.
Portanto, verificamos como as estratégias de classe que tomam o espaço para o
campo da acumulação, transformando-o em mercadoria, elabora um discurso
espacial com elementos das demandas sociais, porém promove novas estratégias de
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