Valdosky - 2014 - Políticas Espaciais

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vol  | no  | mayo  | pp.

- | artículos | ©EURE 221

O discurso espacial como instrumento


da produção capitalista do espaço:
experiências em São Paulo e Barcelona
Fabiana Valdoski.6OJWFSTJEBEFEF4ÍP1BVMP 4ÍP1BVMP #SBTJM

 | O discurso espacial tornou-se fundamental para a execução das políticas


de espaço que buscam inseri-lo nos circuitos da acumulação através da metamorfose
das morfologias de bairros populares e periféricos. Tais discursos incorporam novos
elementos devido a sua necessidade permanente de reelaboração, pois os conflitos sur-
gidos ao longo do avanço dessas políticas espaciais corroem argumentos de legitimi-
dade, e estes são alçados à composição de álibis que reponham sua condição pretérita
de coerência e coesão. Entre estes recentes álibis incorporados aos discursos espaciais,
temos aqueles pautados em reivindicações como as de melhorias infraestruturais e do
meio ambiente, transformando, contraditoriamente, a qualidade das matrizes discur-
sivas dos movimentos sociais em instrumentos de uma prática espacial que promove
a valorização de lugares em detrimento da apropriação. Isto resulta na produção de
uma ideologia do espaço que escamoteia os mecanismos de segregação empreendidos
pelas políticas de espaço.

- | geografia urbana, política urbana, segregação.

 | This paper aims to examine how spatial discourses have become key elements
for the implementation of spatial policies that seek to insert space into the circuits of accu-
mulation through the reshaping of the spatial morphology of outlying, low-income neigh-
borhoods. Such discourses integrate new elements due to their need of endless reformula-
tion, because the conflicts that emerge with the progression of such spatial policies erode the
legitimacy of such arguments. The latter then integrate justifications that reinstate their
previous coherence and cohesion. Among such recent justifications incorporated into spatial
discourses are those that stem from social demands, such as infrastructural enhancement
and environmental protection. In doing so, such discourses transform the discursive ma-
trices of social movements and collective actions into instruments for spatial practices that
promote, in some areas of the city, gentrification at the expense of appropriation.

  | urban geography, urban policy, segregation.

3FDJCJEPFMEFKVMJPEF BQSPCBEPFMEFGFCSFSPEF

&.BJMWBMEPTLJ!VTQCS

6NBQSJNFJSBWFSTÍPEFTUFBSUJHPGPJBQSFTFOUBEBOP&ODPOUSPEB"TTPDJBÎÍPEF1ØT(SBEVBÎÍPFN(FPHSBëB anpege) em 2011 (ufgo


Goiânia) e é fruto da pesquisa de doutorado defendida em dezembro de 2012, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
4ÍP1BVMPofapesp.

  0250-7161 |   0717-6236


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Introdução

Esa preocupación en el manejo de la impresión ajena ha sido la clave de


su éxito a la hora de vender –literalmente y a lo largo y ancho del planeta–
la imagen de una ciudad paradigma de todos los éxitos concebibles, pero
de una ciudad que no existe, ni ha existido nunca, que sólo es esa imagen
que de ella se vende, un mero decorado, una vitrina, un espejismo tras el
que lo que se agitan son otras cosas muy distintas de las que las políticas
de promoción y las campañas publicitarias muestran.
(Delgado, 2010, p. 12)

Os conflitos no espaço urbano capitalista, decorrentes das diferentes estratégias


daqueles que visam à reprodução da vida com acento no uso, e daqueles que o con-
cebem enquanto negócio para a acumulação com a finalidade da troca, são uma regra
FNTVBQSPEVÎÍP$PNPDPOTFRVÐODJBEPTFNCBUFT BTFTUSBUÏHJBTEPTTVKFJUPTFOWPM-
vidos vão se transformando enquanto condição necessária da relação de poder que
se pretende estabelecer sobre a produção daquele espaço. Estas mudanças internas
e nas formas das estratégias vão sendo reveladas por meio das práticas socioespaciais
FNQSFFOEJEBTOPMVHBSFFTUFÞMUJNP DPODPNJUBOUFNFOUF USB[ËBOÈMJTFBKVTUBQP-
sição de ações, bem como os níveis e dimensões da produção espacial. Nessa direção,
este artigo pretende apontar algumas reflexões acerca dos conflitos urbanos surgidos
no momento de implantação de políticas de espaço, destacando o papel das repre-
sentações criadas para atenuar as contradições intrínsecas ao processo de produção
capitalista. Assim, consideramos que as políticas de espaço em debate se alicerçam,
GVOEBNFOUBMNFOUF FNVNFMFNFOUPDFOUSBMoo discurso espacialoDPOUJEPOBTQSP-
QPTUBTEFJOUFSWFOÎÍPVSCBOÓTUJDBDPNPPCKFUJWPEFDSJBSBJMVTÍPEPTiDPOTFOTPTw
Partimos da ideia elaborada por Henri Lefebvre em sua obra, na qual compre-
ende que o espaço ganha centralidade na reprodução da acumulação capitalista no
século xx e segue aprofundando sua importância como mercadoria e instrumento
político neste início do século xxi. Por tornar-se central, muitas são as estraté-
gias empreendidas no sentido de impor uma determinada conformação a ele e de
permitir a minimização das barreiras na obtenção de lucros e rendas. No corpo
dessas estratégias, há as representações criadas para dar coerência e coesão às ações e
que se compõem como uma linguagem, que na prática socioespacial aparece como
um discurso. Os planos urbanísticos capitaneados em grande parte pelo Estado,
como ações intraurbanas e que integram o corpo das estratégias com a finalidade
EF USBOTGPSNBS P FTQBÎP FN PCKFUP QSPEVUJWP  QSPEV[FN VN EJTDVSTP FTQFDÓëDP 
aquele espacial, legitimando intervenções.
Este processo de construção de um discurso espacial para legitimar ações que
integrem o espaço urbano ao circuito produtivo, pôde ser observado a partir de
cidades inseridas em diferentes contextos, como Barcelona e São Paulo. A primeira
é exemplar em sua condição de produção de um discurso espacial, que produziu
um pensamento único e do qual poucos autores apontaram criticamente sua elabo-
ração e uso (Benach, 1992; Perez, 1992). Em um avassalador processo de transfor-
mação urbana, levado a cabo desde meados da década de 1980, Barcelona lança um
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modelo de crescimento baseado em grandes eventos internacionais e promove um


urbanismo dito “participativo” e “inclusivo”, comandado pelos partidos de esquerda
na Catalunha (Espanha) e assentado na ideia de diminuir a pobreza urbana e rede-
finir a economia da cidade.
Neste período, poucas eram as vozes dissonantes que questionavam a imagem
construída da cidade “pós-moderna” e exemplo para saída de crises originárias do
processo de desindustrialização de Barcelona. Todavia, em meados da década de
1990, esta representação de modelo bem sucedido começa a ruir e, nos anos 2000, a
DPOUFTUBÎÍPUPSOBTFHFOFSBMJ[BEB TFKBOPÉNCJUPBDBEÐNJDP TFKBOBTPDJFEBEFDJWJM
Mesmo abaladas as estruturas, persistiram e ainda persistem as políticas de espaço,
QSJODJQBMNFOUFFNMVHBSFTFFJYPTDVKBDFOUSBMJEBEFFTUÈOBWBMPSJ[BÎÍP1PSÏN QBSB
tanto, o discurso espacial, presente e necessário ao processo de elaboração e execução
destas políticas, vai adquirindo novos matizes para a legitimação diante da sociedade.
Por outro lado, na cidade de São Paulo, e em um contexto de país do capitalismo
periférico, também se tecem políticas de espaço modelares, destacadamente nos
lugares mais dinâmicos da integração do espaço ao circuito mercantil e financeiro e
de grande evidência nos anos 2000. A passagem de uma metrópole industrial para a
de serviços recoloca o papel do espaço, transformando-o em uma raridade do ponto
de vista de seu potencial produtivo e, portanto, as qualidades da raridade surgem
DPNP KVTUJëDBUJWBT QBSB FNQSFFOEFS EFUFSNJOBEBT QPMÓUJDBT EF FTQBÎP "TTJN 
muitas destas políticas são concebidas no plano da representação como soluções a
problemas cruciais à metrópole, quando, de fato, se efetivam como equações para os
negócios. Nesta reflexão, ao tratar de São Paulo, referimo-nos às raridades relativas
às áreas de lazer e às ambientais, pois porções significativas do espaço urbano passam
por transformações de usos e funções, como as margens do rio Tietê ao norte do
município de São Paulo ou as margens das represas Guarapiranga e Billings, legi-
timadas principalmente pelo discurso espacial ligado ao meio ambiente, a partir
do qual se propõe grandes parques lineares às custas de um número elevado de
moradores desapropriados destes lugares.
O resultado destas ações estatais revela um profundo conflito entre aqueles
que lutam por continuar nos lugares de reprodução de suas vidas e as práticas do
Estado que vão inserindo-os aos circuitos do intercambio, reatualizando processos
de segregação socioespacial. Nessa direção, perguntamos primeiramente como estas
políticas de espaço adquiriram e ainda possuem a legitimidade e robustez exigidas
para se realizarem, mesmo que alavanquem processos que segregam? Como elas
conquistaram a legitimação perante a sociedade?
A hipótese central é que se concebe um discurso espacial calcado em elementos
críticos do atual período da urbanização e que, em grande parte, estão expressos
em reivindicações dos movimentos sociais e ações coletivas de grupos da sociedade
civil. Estas reivindicações, historicamente exigidas pela sociedade, tais como as
melhorias infraestruturais com a inserção de equipamentos nas periferias ou a emer-
gência/urgência da preservação ambiental, contraditoriamente são incorporadas ao
discurso por meio da transformação das mesmas em álibis que legitimam as polí-
UJDBTEFFTQBÎP KÈRVFSFQÜFNBDPFTÍPFDPFSÐODJBBQBSUJSEBVTVSQBÎÍPEBGPSNB
da linguagem daqueles que lutam pelo espaço para o uso. Todavia, essas políticas de
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espaço não promovem as possibilidades de apropriação do espaço, como apregoado


QPSBRVFMFTTVKFJUPTEBSFJWJOEJDBÎÍP NBTUFOEFNBSFBMJ[BSBQSJWBUJ[BÎÍPEFTUFDPN
uma sutil representação do “consenso”.
.VJUBTEFTUBTQPMÓUJDBTEFFTQBÎPTQPTUBTDPNPPCKFUPEBQSFTFOUFSFìFYÍP PSJHJ-
naram-se de demandas sociais diante da precariedade da vida como, por exemplo,
melhorias da moradia e do bairro em Barcelona ou uma política de meio ambiente
e lazer em São Paulo. No movimento de urbanização capitalista, o processo de espo-
liação e expropriação da maior parte da população produziu morfologias precárias,
escassez de recursos, falta de infraestrutura, impossibilidade de acesso à moradia,
problemas com poluição de mananciais, compondo o quadro de crise da cidade.
O crescimento urbano, impulsionado pela industrialização, caminhava pari passu
com o aumento da precariedade da vida da população. Em Barcelona, a cidade se
produzia com as morfologias das chabolas1, compreendidas como o fenômeno do
barraquismo. Como alternativa, se produziu no início do século xx uma política
de moradia para os operários que se dirigiam às cidades industriais, e que se deno-
minou de Casas Baratas. Mas, a lógica de compra de terrenos baratos para se cons-
truir casas pequenas, em número elevado, impunha a circunstância do bairro ser
construído longe do centro da cidade, em lugares sem infraestrutura de transporte,
equipamentos urbanos, etc. Por sua vez, São Paulo também produzia uma periferia
com loteamentos irregulares, favelas, sem transporte público e infraestrutura urbana
nas áreas onde se concentram os mananciais que abastecem a maior parte dos habi-
tantes da região metropolitana.
Estas condições precárias, empreendidas pela lógica tendencial da produção
do espaço urbano capitalista, não se realizaram sem obstáculos. Internamente ao
processo de aumento da precariedade surgiram organizações, movimentos sociais
e ações coletivas que empreenderam lutas constantes, reivindicando o mínimo
necessário, de modo que, ao longo de anos melhorias foram sendo incorporadas
aos bairros periféricos. Simultaneamente, a concretização das demandas por infra-
FTUSVUVSBTFNFMIPSJBTVSCBOBTFTDBTTBTOBTDJEBEFT KVOUBNFOUFDPNPBWBOÎPEP
QSPDFTTP EF VSCBOJ[BÎÍP  JBN JODPSQPSBOEP WBMPS B FTUFT FTQBÎPT PCKFUPT EF MVUB 
qualificando-os e compondo um quadro atraente para futuros investimentos,
quando novas frentes potenciais de valorização são exigidas. Este movimento do
processo nos coloca diante de uma contradição do espaço: ao empreender a luta
por melhores condições, a população inserida precariamente na cidade conquista
melhorias para a reprodução da vida, as quais valorizam o espaço. Esta valorização
tende, no movimento da totalidade da metrópole, a atrair políticas de espaço que
não estão mais atreladas diretamente às reivindicações e sim, às ações intimamente
ligadas à troca, empreendendo novamente a segregação socioespacial. Porém, em
um contexto como este, os novos planos urbanísticos caracterizados como uma
política de espaço usurpam da história pretérita de luta pelo espaço os elementos
para se legitimarem.

1 Chabola é o nome dado às morfologias precárias na Espanha e em alguns países latino-americanos.


Equivale às favelas no Brasil.
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Em um movimento de incorporação de porções da cidade aos circuitos de valo-


rização, aquela área considerada periférica é inserida no eixo produtivo devido às
qualidades incorporadas pelas conquistas e reivindicações para o uso. Porém, em
determinado momento, quando a expansão dos negócios urbanos busca novas
frentes de rentabilidade, os lugares tendem a ser cooptados, de maneira que um
discurso torna-se o instrumento que legitima as políticas de espaço sequenciais. Tais
políticas alicerçam e estruturam os novos espaços, homogeneizando-os para a reali-
zação dos lucros e rendas nesta nova centralidade econômica e segregando aqueles
com rendas incompatíveis aos novos valores da propriedade da terra e que, durante
anos, lutaram por melhores condições de habitabilidade.
Das novas políticas de espaço a serem implantadas, emerge um conflito entre
os moradores e a ordem distante (Estado), conflito este considerado ainda mais
QSPGVOEP QPS JODPSQPSBS  OBT FTUSBUÏHJBT EP FTQBÎPNFSDBEPSJB  B JEFPMPHJB o
EJTDVSTPFTQBDJBMoOBRVBMIÈBJOTFSÎÍPEPTQSJNFJSPTDPNPJOUFHSBOUFTEFTUFT
QSPKFUPT²FTUFQSPDFTTPDPOUSBEJUØSJPFDPOìJUBOUFRVFFOWPMWFBQSPEVÎÍPEP
espaço urbano que observamos em Barcelona e em São Paulo, e mesmo se tratando
de cidades inseridas em contextos distintos, verificamos um caráter homogêneo
das estratégias econômicas atreladas ao Estado, principalmente no que tange à
SFQSFTFOUBÎÍP0VTFKB FN#BSDFMPOBBKVTUJëDBUJWBEFSFNPEFMBÎÍPEFVNCBJSSP
BOUJHPFEFQFSëMPQFSÈSJPo#PO1BTUPSoJOTFSJEPOPOPWPFJYPEFWBMPSJ[BÎÍP
(La Sagrera) alicerça seu discurso espacial sobre a participação da sociedade civil
e as melhorias que viriam com uma nova morfologia espacial, substituindo as
antigas casas existentes e atendendo às reivindicações por décadas postas pela
Associação de Vizinhos (Asociación Vecinal de Bon Pastor). Por outro lado, em
São Paulo, parte da antiga favela Nova Guarapiranga (zona sul do município),
que conquistou a urbanização e regularização fundiária em uma luta de aproxi-
madamente três décadas pela segurança da posse, se vê imersa em um processo
de desapropriação em nome da qualidade ambiental necessária à população da
metrópole. Tal desapropriação se efetua para a construção de um grande parque
linear em torno da represa da Guarapiranga.
%FTUFT EPJT DFOÈSJPT BQSFTFOUBEPT  QPEFNPT SFDVQFSBS B IJQØUFTF JOJDJBM DVKP
ponto de articulação reside no fato de problematizar os processos de segregação
socioespacial em países distribuídos diferentemente no quadro do desenvolvimento
desigual, mas, em ambos os casos, as muitas estratégias de valorização se legitimam
sutilmente através de um discurso espacial que incorpora as demandas da população
e que, posteriormente, se transforma em mecanismos de segregação. Observamos
que os lugares em análise estão situados, em suas respectivas metrópoles, nos eixos
de valorização recente, o que converge para a hipótese secundária desenvolvida ante-
SJPSNFOUF  PV TFKB  BT DPORVJTUBT QSPQPSDJPOBSBN QSPQPSDJPOBN
 VNB NFMIPSJB
das condições infraestruturais. Entretanto, estas qualidades espaciais vão promo-
vendo a inserção nas porções de possível valorização, pontuando a necessidade da
permanente resistência em uma cidade capitalista.
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Políticas de espaço e discursos espaciais

Muitos autores e especificamente geógrafos, apontam o movimento da inserção


da produção do espaço urbano como elemento central na reprodução capitalista,
conduzindo à constituição de uma trama de negócios no processo de urbanização
(Lefebvre, 2006; Carlos, 1994; Damiani, 1999; Tello, 2006). E é por meio deste
processo que tendemos a uma nova dinâmica espacial, a qual redefine as relações
sociais à medida que a urbanização capitalista se estende pelo globo. Como explicou
Carlos (2006), uma das relações redefinidas é aquela entre Estado e espaço:
Através das políticas públicas que orientam os investimentos em determinados se-
tores e em determinadas áreas da metrópole, com a produção de infraestruturas
e ‘reparcelamento’ do solo urbano através da realização das chamadas operações
VSCBOBTFEBDIBNBEBSFRVBMJëDBÎÍPEFÈSFBToQSJODJQBMNFOUFDFOUSBJToBUSBWÏTEB
realização de ‘parcerias’ entre prefeitura e os setores privados que acabam influen-
ciando e orientando essas políticas (p. 47).
A esta orientação dada na articulação entre o privado e o público, com acento sobre
a reprodução do capital, as ações hegemônicas sobre o espaço se caracterizam como
políticas que conduzem a um processo de homogeneização deste mesmo espaço,
que necessita, ao se transformar em mercadoria, tornar-se um equivalente enquanto
condição abstrata para a efetivação da troca.
Para tanto, na produção de um espaço intercambiável, as ações estatais também
BERVJSFNBDFOUSBMJEBEFQPSNFJPEPQMBOFKBNFOUPRVF BPMPOHPEFTFVEFTFOWPM-
vimento, vai ganhando categorias até o ponto de explicitar sua finalidade de tornar o
FTQBÎPQSPEVUJWPRVBOEPÏBEKFUJWBEPDPNPFTUSBUÏHJDP4VBBUVBÎÍPTFNBUFSJBMJ[B
em políticas de espaço (Lefebvre, 2006) estratégicas para a valorização, na medida
FNRVFTÍPVNDPOKVOUPEFBÎÜFTRVFSFEFëOFNVTPT GVOÎÜFTFFTUSVUVSBTDPNP
direcionamento do fluxo de investimentos a determinados lugares da metrópole e o
constituem, por fim, como um equivalente.
&TTBTQPMÓUJDBTEFFTQBÎP DBQJUBOFBEBTQFMP&TUBEPFRVFSFÞOFNVNDPOKVOUP
de ações, contêm características especificas em seus diferentes planos como o econô-
mico, o político e o social. Segundo Lefebvre (2002), esta ação leva às últimas
consequências as estratégias “lógicas” em que este poder se exerce como vontade e
SFQSFTFOUBÎÍP0VTFKB
Como vontade: o poder do Estado e os homens que detêm esse poder têm uma
estratégia ou estratégias políticas. Como representação: os homens de Estado têm
VNBDPODFQÎÍPQPMÓUJDBJEFPMPHJDBNFOUFKVTUJëDBEBEPFTQBÎP PVVNBBVTÐODJBEF
concepção que deixa o campo livre aos que propõem suas imagens particulares do
tempo e do espaço) (p. 77).
Na legitimação das estratégias, há a inclusão de um plano de representação funda-
NFOUBM QBSB RVF TF SFBMJ[F B BÎÍP WJPMFOUB FNQSFFOEJEB QFMP &TUBEP  KÈ RVF FTUBT
políticas aprofundam as contradições advindas da urbanização ao promover os pro-
cessos da desigualdade e segregação socioespacial. Em várias obras, Henri Lefebvre
USBUPV EF BMVEJS Ë JNQPSUÉODJB EFTUBT SFQSFTFOUBÎÜFT oDPN EFTUBRVF BP QBQFM EB
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MJOHVBHFNoRVFTFDPOTUJUVÓSBN FORVBOUPJOTUSVNFOUPT QBSBEBSDPSQPËTDBEFJBT


lógicas que embasam uma ideologia fundamental de reprodução da sociedade.
Compreendemos, portanto, que na busca da coerência e da coesão como tenta-
tiva de escamotear os conflitos e contradições, para dar robustez e legitimidade a
estas políticas, a linguagem se apresenta como preponderante na prática urbana
FTUBUBM  OP TFOUJEP EF DPOTUJUVJS VNB JEFPMPHJB EP FTQBÎP $IFHBN BP QMBOFKB-
mento, na ilusão da transparência (Lefebvre: 2006, p. 41), compreendendo o espaço
DPNPBRVFMFPCKFUPWB[JPEFDPOUFÞEPFEFJOUFODJPOBMJEBEF DBQB[EFTFSDPODF-
bido como bem se convém ao apenas reordená-lo.
A linguagem, como expressão da representação, aparece enquanto mecanismo
que tenta envolver a imaginação individual e os simbolismos coletivos, ao compor
uma gramática que contenha uma gama de ligações que mascarem as pressões sociais.
Ela toma de assalto o espaço como instrumento estratégico e, na prática urbana,
se realiza-se como um discurso espacial que, sutilmente, apresenta subsistemas que
obscurecem o próprio espaço, ao não colocar em relevo as contradições do espaço
social. Esses subsistemas se constituem em uma rede de álibis apresentados pelo
discurso espacial, os quais adquirem uma abrangência que transita desde os discursos
de crescimento, passando pelos ambientais e mesmo pela pobreza urbana. O discurso
transforma-se em um instrumento da coerência e ganha importância no decurso
da história. Porém, cabe ressaltar que mesmo na tentativa de sufocar os conflitos
oriundos da tendência da coerência e coesão atribuídas (ou tentativa de atribuir) ao
espaço, eles persistem na produção do espaço urbano, ainda que em latência.
Por isso, podemos observar e compreender que os discursos espaciais realizam a
tentativa de ocultar o espaço social e seu campo de conflito, mas não o fazem em
sua plenitude, e o resultado é que este embate exige a permanente produção de
elementos para compor a cadeia lógica do discurso. Também verificamos que há
nuances nos discursos de São Paulo e de Barcelona, posto que se referem a realidades
urbanas desiguais pela divisão territorial do trabalho entre uma cidade de um país
periférico e outra do centro do capitalismo. Contudo, em nossa reflexão que tem
QPSPCKFUJWPBNCBTBTDJEBEFT IÈEPJTQPOUPTRVFBTVOFN0QSJNFJSP BUSFMBEPBP
caráter de mundialização da sociedade urbana pela égide da reprodução cumulativa
que traça estratégias de transformação do espaço em mercadoria e, o segundo, as
resistências também se fizeram mundiais e as reivindicações, mesmo que distintas,
apontam as contradições da sobreposição do valor de troca sobre o valor de uso.
Na integração do espaço à acumulação, ambas as metrópoles vão buscando
novos motores de reprodução do capital quando começam a deixar de ser o lócus da
indústria e se inserem nos processos financeiros, com acento no imobiliário. Barce-
lona inicia sua produção ao tentar transformar-se em cidade modelo para eventos
FUVSJTNP QSPEV[JOEPVNBJNBHFNWFOEÓWFMBUPEBPVRVBMRVFSQFTTPBRVFFTUFKB
disposta a usar seu tempo de lazer em um consumo programado do espaço. Além
disto, ao acompanhar a guinada dada pela própria Espanha, empreende um ritmo
avassalador de investimentos sobre o mercado imobiliário e de infraestruturas.
São incorporadas à cidade as políticas de espaço para grandes revitalizações, novos
equipamentos e, ao mesmo tempo, aumentando a mobilidade da antiga população
NPSBEPSB #FOBDI 
 JOGPSNB RVF QBSB SFBMJ[BS FTUF JOUFOUP i<F>M DPOKVOUP
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de estrategias emprendidas fueran siempre acompañadas por un más que notable


despliegue de comunicación, tanto de lo conseguido como de lo pretendido”.
O discurso espacial estava fundamentado sobre a necessidade de uma economia
urbana embasada em outra vertente que substituísse a indústria, com melhorias
infraestruturais para a população e a possibilidade da participação da sociedade civil
OB FMBCPSBÎÍP F FYFDVÎÍP EBT QPMÓUJDBT EF FTQBÎP 6N FMFNFOUP DIBWF Ï DPNQSF-
ender que neste momento da história do país, década de 1970-1980, se passava uma
série de processos de mudanças na economia, na política e na sociedade espanhola
e, especificamente, na cidade catalã. Ocorria no país um processo de desindustriali-
zação e, ao mesmo tempo, de democratização.
5PEBWJB  TFSÈ OFTUF DFOÈSJP RVF #BSDFMPOB DPNQÜF PT EJTDVSTPT RVF BUÏ IPKF
alicerçam as ações do Ayuntamiento (Prefeitura), destacando o papel destas políticas
de espaço como de interesse coletivo. De acordo com Tello (2006):
Quando se fundamenta o discurso de uma prática sobre o bem comum de um
DPMFUJWPBNQMPFJOEFëOJEP DPNPÏPDPOKVOUPEFIBCJUBOUFTEFVNBDJEBEF TF
desvanecem rapidamente os cidadãos, as pessoas e, em seu lugar, aparece a cidade
como um ser com necessidades e vida própria. Quanto maior o coletivo de cidadão,
mais rapidamente esses se diluem no interesse geral, teoricamente fundamentado
na racionalidade e na lógica do comportamento econômico, e mais rapidamente
cobra vida o ente cidade, sobretudo em se tratando de grande metrópole (p. 431).
Esse discurso espacial, que em determinado momento incorpora a ideia do inte-
SFTTF DPMFUJWP  DPOUJOVB DPN TFV EJOBNJTNP TF SFFMBCPSBOEP DPOTUBOUFNFOUF  KÈ
que os conflitos se aprofundam conforme as políticas de espaço vão avançando.
Porém, mesmo ele não consegue mascarar que os preços dos aluguéis se elevaram, a
manutenção da propriedade daqueles que ainda permaneceram no bairro também
aumentou, a remoção de famílias foi muito volumosa e as promessas sobre o futuro
daquele lugar não se cumpriram. Como observado pelo Taller contra la violencia
inmobiliaria y urbanistica (2006):
Obviamente, todas estas transformaciones urbanísticas son presentadas como gran-
EFTNFKPSBTQBSBMPT#BSSJPT UPEBTWJFOFOBDPNQB×BEBTEFQSPNFTBTEF[POBTWFS-
des, equipamientos y algún que otro piso social. Promesas que, muchas veces, no
TFDVNQMFOOVODBPTØMPFOQBSUF QFSPRVFTJSWFOQBSBHSBOKFBSTFFMBQPZPEFMBT
asociaciones de comerciantes y de alguna que otra entidad clientelar del Ayunta-
miento radicada en la zona, todo ello acompañado por campañas propagandísticas
en los medios de comunicación local. En cambio, las críticas de los vecinos sobre
los aumentos de los precios de los pisos y de los alquileres y a la destrucción del
UFKJEP TPDJBM  TPO EFTFDIBEBT DPNP VO FGFDUP TFDVOEBSJP OP EFTFBEP  RVF FTDBQB
a las posibilidades de intervención del Ayuntamiento y de otras administraciones
públicas implicadas (p. 62).
O discurso espacial apresentado para os lugares que vai se inserindo nos mais
recentes circuitos da valorização, elabora-se com a reprodução de elementos ante-
riores, mas também com a produção de novos. Neste percurso, muitos dos conflitos
latentes eclodem.
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Já em São Paulo, cidade pertencente ao capitalismo periférico e que se situa diferen-


temente na divisão territorial do trabalho, ele surge com traços muitos mais profundos
da desigualdade e, concomitantemente, aparecem as estratégias mais ferozes das polí-
ticas de espaço. Nelas, as desapropriações são uma regra, e mobilizam a números
DPOTJEFSÈWFJTEBQPQVMBÎÍP"TKVTUJëDBUJWBTRVFBTMFHJUJNBNUBNCÏNTFDPNQÜFN
sobre um discurso espacial com álibis, que muitas vezes, são as partes críticas do
DPOUFÞEPEPQSPDFTTPEFVSCBOJ[BÎÍP6NEFTUFTÈMJCJTÏBRVFTUÍPBNCJFOUBM
Como necessidade pleiteada pelo coletivo, o meio ambiente torna-se elemento
inquestionável nos discursos espaciais. Tais discursos, quando compreendidos no
aspecto da situação geográfica da cidade de São Paulo, ganham potência ainda maior
pelo fato de que, no processo da urbanização paulistana, a população espoliada
e precarizada em sua condição de trabalho ocupou os lugares considerados como
os mais frágeis ambientalmente, destacadamente as áreas de proteção permanente
(app), produzindo as morfologias de favelas.
Esta condição transformou a questão ambiental em discurso que legitima a
expulsão da população espoliada quando estes lugares transformaram-se de interesse
ao mercado imobiliário formal, pois as apps podem se tornar parques lineares nas
margens de córregos e, assim, pequenas áreas verdes se somam às qualidades dos
novos loteamentos ou das revitalizações, incorporando aquilo que é raro na cidade.
Novamente, as promessas se direcionam para as melhorias da população urbana e
escondem os mecanismos de expropriação da mesma. Conforme Rodrigues escla-
rece (2011), “O ideário do ‘bem comum’ e o que se espera para o ‘desenvolvimento
TVTUFOUÈWFM ÏRVFTFKBPBMJDFSDFEPQPEFSEBJEFPMPHJBRVFPDVMUBBFTTÐODJBFUPNB
a aparência como realidade”(p. 214) e, neste viés, o meio ambiente entra como
alicerce da valorização pela raridade na metrópole e também como álibi para ocultar
a segregação socioespacial na produção do espaço capitalista.
Mas, no contexto apresentado acima, um aspecto importante merece ser desta-
cado. Tanto as questões relacionadas às necessidades de melhoria infraestruturais,
quanto às de preocupação ambiental, estão presentes nas reivindicações da socie-
dade, uma vez que, na realidade, são partes da problemática urbana. Contudo, nas
permanentes transformações pelas quais o discurso espacial passa para se fortalecer,
ele pode tomar as reivindicações da sociedade e transformá-las, no âmbito das repre-
sentações, como finalidade das políticas de espaço propostas no sentido da troca.
Ao destrinchar estas mesmas políticas, no âmbito do lugar, desvendamos uma
trama estratégica de realização do espaço como mercadoria, impondo àquela popu-
lação que vive no lugar, novos constrangimentos e que tendem a novas formas da
segregação socioespacial, tais como, aumento de aluguel, inserção no mercado
ëOBODFJSPQPSNFJPEFIJQPUFDBT EFTBQSPQSJBÎÜFTFEFTQFKPTGPSÎBEPT

Das políticas de espaço na metrópole à contestação no lugar

$PNP KÈ GPJ FYQMJDJUBEP  EPJT MVHBSFT TÍP EFTUBDBEPT FN OPTTB BOÈMJTF P CBJSSP
de Bon Pastor em Barcelona (Figura 1) e a antiga favela Nova Guarapiranga em
São Paulo (Figura 2). Ambos localizam-se nos vetores de valorização das respec-
tivas metrópoles, La Sagrera (nordeste) e represa Guarapiranga (vetor sudoeste), e
230 ©EURE | vol  | no  | mayo  | pp. 221-

BQSFTFOUBNBUVBMNFOUFVNDPOìJUPHFTUBEPOBKVTUBQPTJÎÍPEFQPMÓUJDBTEFFTQBÎP 
acarretando novos processos segregatórios ocultados e legitimados por discursos
espaciais. O primeiro, pelo discurso da participação e de melhorias infraestruturais
F PTFHVOEP QFMPEJTDVSTPBNCJFOUBMBNCPTBQPJBEPTTPCSFBKVTUJëDBUJWBEPJOUF-
resse coletivo.

 1| Bairro de Bon Pastor - Remoção  2 | Nova Guarapiranga - Remoção de


das Casas Baratas para construção Parte das Casas Autoconstruídas
de nova morfologia. para construção de um parque
Janeiro 2011 e uma ciclovia. Maio 2011

Nova Guarapiranga – desapropriações e a erosão da luta pela segurança da posse


Na zona sul de São Paulo, os lugares entre as represas Guarapiranga e Billings esti-
veram predominantemente ocupados, até meados da década de 1960, por sítios e
chácaras, bem como haviam se transformado em área de lazer para uma população
com maior poder aquisitivo, recebendo construções como clubes de campo e, prin-
cipalmente próximo à Guarapiranga, casas de alto padrão. Nas décadas de 20 e 30
do século xx KÈ FSBN PCKFUP EF VN QMBOP EF WBMPSJ[BÎÍP  DPN B QSPKFÎÍP EF VN
CBJSSPOPTNPMEFTEBDJEBEFKBSEJN FRVJQBNFOUPTDPNPBVUØESPNP UFOUBUJWBEF
implantação de hotéis, isso tudo no intuito de transformar a região na área de lazer
do paulistano com maior poder aquisitivo. Contudo, estes planos elaborados na
primeira metade do século xx foram frustrados, sendo apenas parcialmente execu-
tados. No plano da paisagem, restou somente a morfologia de casas de proprietários
BCBTUBEPTFEPTDMVCFT BMHVOTEPTRVBJTBUÏIPKFGVODJPOBN
Na década de 1970 uma significativa transformação ocorre. No intuito de
preservar as áreas de mananciais para garantir o abastecimento de água do muni-
cípio, foi promulgada a legislação ambiental (Lei Estadual 898/75 e 1.176/76) que
impunha muitas exigências aos processos de parcelamento do solo daquela porção
da metrópole, recuando os recursos para inserção de infraestrutura e provocando
um relativo desinteresse do mercado imobiliário. Este fato levou a um barateamento
dos terrenos na região das represas, ao mesmo tempo em que outras partes da cidade
EF4ÍP1BVMPUPSOBSBNTFPCKFUPEFJOWFTUJNFOUPTEPNFSDBEPJNPCJMJÈSJPGPSNBM
Somados a estes fatos, a população, em um quadro de maior espoliação, com
Valdoski | O discurso espacial como instrumento da produção capitalista do espaço... | ©EURE 231

rebaixamento de salários e desemprego elevado, não conseguia ter acesso à casa por
meio do aluguel ou compra, e a única forma possível de morar seria através da ação
de ocupação dos lugares com menor possibilidade de expulsão, como nas margens
das represas Billings e Guarapiranga.
No início dos anos 1980 inicia-se a produção da favela Nova Guarapiranga, que se
localiza nas margens da represa de mesmo nome. Sua ocupação ocorreu por meio dos
“balões mágicos”, formato dos barracos, que se tornou o modo como ocupavam a área
como forma de resistência às remoções que a Prefeitura fazia continuamente. Como a
maioria das favelas, os primeiros barracos eram de madeira e, apenas após o recuo da
Prefeitura em retirar a população da área, é que se iniciam as construções em alvenaria.
Em um quadro de agravamento da capacidade hídrica de São Paulo, ela trans-
GPSNPVTFFNPCKFUPEFVNBQPMÓUJDBEFFTQBÎPDIBNBEB1SPHSBNB(VBSBQJSBOHB 
RVFFNDPOKVOUPDPNB1SFGFJUVSBEF4ÍP1BVMPFPHPWFSOPEP&TUBEP PCKFUJWBWBN
promover a recuperação da qualidade das águas da represa com financiamento
JOUFSOBDJPOBMo#*3%1BSBUBOUP GPSBNQSPNPWJEBTNFMIPSJBTJOGSBFTUSVUVSBJTQPS
meio de urbanização de favelas e adequações dos bairros, com implantação de rede
coletora e de tratamento de esgoto. Dentre as favelas que passaram por este processo
FTUBWBB/PWB(VBSBQJSBOHB RVFFNUFWFBëOBMJ[BÎÍPEBTPCSBT6NEPTJUFOT
deste programa também era aquele relativo à regularização fundiária como medida
preventiva para o adensamento das favelas, o qual foi efetivado após 10 anos das
obras de infraestrutura. De acordo com a concepção estabelecida pelo programa, as
ÈSFBTJSSFHVMBSFTBQFOBTTFSJBNDPOUSPMBEBTBQBSUJSEFTVBMFHBMJ[BÎÍP KÈRVFBTTJN 
o poder público poderia fiscalizar as ações ilícitas.
Simultaneamente, outras camadas legais foram sendo adicionadas ao perímetro
EBSFQSFTBOPJOUVJUPEFQSPUFHÐMBFGPSBNOPSNBUJ[BOEPB/PWB(VBSBQJSBOHB6NB
das leis era a 9.866/1997 que dispunha sobre as diretrizes e normas de proteção e
recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais. Nela, haviam sido classificadas
as áreas de recuperação ambiental, nas quais Nova Guarapiranga se enquadrava.
Somada a essa lei, em 2006, se promulga a Lei Específica da Guarapiranga (Lei
Estadual nº 12.233/2006) criando a Área de Proteção e Recuperação de Mananciais
da Bacia Hidrográfica do Guarapiranga. Dentro dela, se definiu também as subáreas
de urbanização consolidada e é reiterada a condição de Nova Guarapiranga como
um núcleo efetivamente reconhecido, em que se poderia implantar a política de
regularização fundiária de interesse social.
Na confluência dessas leis e também do Estatuto da Cidade e da Medida Provi-
sória 2220/2001, após 10 anos de finalização das obras de infraestrutura, o lugar
é contemplado pela regularização fundiária dos imóveis existentes. Essa demora
não se fez sem razão, a polêmica em regularizar áreas de proteção ambiental esteve
TFNQSFDPNPVNÈMJCJOBKVTUJëDBUJWBEBSFNPÎÍPEBTGBWFMBT NFTNPRVBOEPFTUBT
KÈGPSBNPCKFUPEFJOUFSWFOÎÜFT
Atualmente, a Nova Guarapiranga possui dois núcleos, totalizando mais de
300 famílias que receberam no ano de 2008 o título de concessão de uso (cuemo
$PODFTTÍPEF6TP&TQFDJBMQBSB'JOTEF.PSBEJBFcdruo$PODFTTÍPEF%JSFJUP
3FBMEF6TP
EPTMPUFTFNRVFWJWFNQBSBHBSBOUJSBTFHVSBOÎBEBQPTTF
232 ©EURE | vol  | no  | mayo  | pp. 221-

Após a regularização da favela, um novo fato ocorre, o qual demonstra as contra-


dições de uma política pública quando uma porção da metrópole entra nas tramas
de interesses da valorização imobiliária. Pelo álibi da questão ambiental, propôs-
-se um grande parque linear na extensão da orla da represa Guarapiranga, que
seria composto por um complexo de sete parques e interligados por uma ciclovia.
Segundo informativo da Prefeitura:
%FGPSNBHFSBM BJEFJBÏBOFYBSOPWBTÈSFBTBFTTFTQBSRVFTQBSBRVF VOJEPT TFKBN
transformados em um único parque que circunde toda essa porção da represa, for-
mando então a chamada ‘Praia de São Paulo’.
A partir de um diagnóstico realizado pelo poder público municipal, através da
Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, considerou-se que a história de
avanço da urbanização da região da Guarapiranga levava a decretar que esta porção
tinha uma “vocação” turística, ambiental e de lazer. Esta visão é expressa no Diário
Oficial da Prefeitura:
A represa Guarapiranga tem vocação natural ao lazer e ao turismo, e o programa
EF SFDVQFSBÎÍP EB PSMB  BMÏN EP DMBSP PCKFUJWP EF QSFTFSWBÎÍP BNCJFOUBM  WJTB P
resgate de atividades comerciais que possam gerar emprego e renda para a região,
sem causar danos ambientais à represa. Dessa forma, todo o programa prevê a or-
denação das ocupações ao longo da orla, mantendo clubes náuticos, as marinas, os
restaurantes, os quiosques, os estaleiros, escolas de esportes náuticos e procurando
atrair ainda outros empreendimentos ambientalmente responsáveis.
O documento elaborado pelo poder público municipal sobre esta vocação, que
depois é divulgado oficialmente, legitimou a ação de elaboração de uma política
de espaço que reuniu três Subprefeituras (Capela do Socorro, M’boi Mirim e
Parelheiros), como também a Secretaria Municipal de Governo, a própria Secretaria
do Verde e Meio Ambiente e a Secretaria Estadual de Saneamento e Energia e
Secretaria Estadual de Meio Ambiente. De acordo com a Subprefeitura de Capela
EP4PDPSSP PPCKFUJWPEPQSPKFUPTFSJB
Revitalizar e desenvolver a vocação da região da Orla do Guarapiranga para o esporte,
lazer e turismo, de forma ambientalmente sustentável, possibilitando emprego e ren-
da à população local, ampliando a conscientização e melhorando a qualidade de vida.
O poder público inicia a implantação dessa política de espaço sobre vários terrenos
que estão localizados entre a Avenida Robert Kennedy, atualmente rebatizada de
Avenida Atlântica, por meio de ações de desapropriação2, concessão de uso para
licenciamento do parque num convênio com a emae F JODPSQPSBÎÍP EF ÈSFBT KÈ

2 Segundo a Prefeitura “A área foi desapropriada para ampliar os parques municipais que fazem
parte do Programa de Revitalização da Orla da Guarapiranga, uma parceria entre Estado e
Prefeitura que vem implantando parques, ciclovias, grades de proteção e calçadões ao longo da
orla da represa de Guarapiranga. Ela se soma a outros 700 mil m2 de áreas verdes que foram
desapropriados e conveniados pela Empresa Metropolitana de Água e Energia (emae) à Prefeitura
de São Paulo para a implantação dos parques de defesa da Guarapiranga”. Prefeitura desapropria
terreno às margens da represa Guarapiranga. Disponível em: http://www.sampaonline.com.br/
reportagens/golfcenter2010nov28.php.
Valdoski | O discurso espacial como instrumento da produção capitalista do espaço... | ©EURE 233

pertencentes à Prefeitura. Sua estratégia se constrói, fundamentalmente, na compo-


sição de um discurso espacial assentado em um aspecto crítico do processo de pro-
dução do espaço urbano e que, atualmente, configura uma das raridades produzidas
pelo processo de urbanização contemporâneo, a questão ambiental e a escassez de
áreas de lazer.
Essa política transforma o meio ambiente em um álibi para legitimar a prática de
desapropriação de áreas com propriedade privada especificamente capitalista, como
PTCBJSSPTDPOTUJUVÓEPTIÈEÏDBEBT CFNDPNPKVTUJëDBBSFJOUFHSBÎÍPEFQPTTFEPT
terrenos pertencentes à Prefeitura onde se localizam os moradores de baixa renda. A
prioridade, como apresentada no excerto do Diário Oficial, é de atividades comer-
ciais “compatíveis” com a “sustentabilidade”, mas claramente mediada pelas relações
mercantis, como os comércios e clubes associados à paisagem da represa.
0EJTDVSTPFTQBDJBM RVFMFHJUJNBBJNQMBOUBÎÍPEPDPOKVOUPEFQBSRVFTOB0SMB
da Guarapiranga, está assentado no fato do interesse geral da população da metró-
pole na medida em que traz lazer e recuperação visual, além da educação ambiental.
"TFHVJOUFJOGPSNBÎÍPGPJDPODFEJEBQPSVNEPTSFTQPOTÈWFJTQFMPQSPKFUP3:
Quando nós conseguirmos terminar toda a ocupação, a orla inteira vai ser um
QBSRVFDPNWÈSJPTOÞDMFPTFRVBMÏPPCKFUJWP²SFBMNFOUFSFDVQFSBÎÍPWJTVBMEB
margem, da mata ciliar, criar área de lazer.
Ela ainda acrescenta que:
O ganho que a cidade vai ter é o ar mais limpo, é menos poluição, é a área de lazer
enorme e maravilhosa. A região ganhou muito. Ficou 20, 30 anos sem ninguém
olhar pra cá e de repente a gente está olhando e trazendo este tipo de equipamento
sofisticado. Parque, a gente pensa que não, mas no desenvolvimento urbano dá
dignidade a essas pessoas.
$POUVEP  P PCKFUJWP EB QPMÓUJDB EF FTQBÎP Ï FYQMJDJUBEB UBNCÏN OB NFTNB GBMB 
quando a arquiteta diz que:
Foi criado um novo eixo, qualquer governante gosta de criar a sua marca, ele faz
uma ponte, faz um viaduto. No caso do Kassab também, ele está fazendo o metrô,
NBTFMFGPDBNVJUPOFTTFQSPKFUP ÏBNFOJOBEPTPMIPTEFMF&MFFTUÈJOWFTUJOEP
muito nisso porque é a criação de cartão postal. É um cartão postal novo da cidade
em uma área que sempre esteve ai. Além de toda a parte ambiental que a gente está
trabalhando, a parte política esta se aproveitando e mostrando, olha só. Parece que
ele que fez a represa. É uma política realmente de criação de novos marcos.
O discurso espacial explicitado acima dilui, no plano da representação, as pessoas
que vivem na margem da represa, colocando-as em uma condição de invisibilidade
diante do grande empreendimento que irá construir um “novo cartão postal” para
a cidade e, principalmente, argumenta-se que São Paulo receberá um parque que
restituirá a “dignidade” perdida. Esse discurso adquire credibilidade na medida em
que espaços de lazer e verdes são uma raridade na cidade de São Paulo. Tal condição

 &OUSFWJTUB SFBMJ[BEB DPN BSRVJUFUB SFTQPOTÈWFM QFMP QSPKFUP EF SFWJUBMJ[BÎÍP EB 0SMB EB
Guarapiranga em maio de 2011.
234 ©EURE | vol  | no  | mayo  | pp. 221-

EF SBSJEBEF KVTUJëDB VNB EFTBQSPQSJBÎÍP NBTTJWB EPT NPSBEPSFT EBRVFMF MVHBS F
estes, por sua vez, quando questionam essa política de espaço, são caracterizados
como aqueles que impedem o “desenvolvimento” da cidade.
Este empreendimento do poder público em curso está reatualizando as formas de
desapropriação, que não afeta somente a população beneficiada pela regularização
fundiária, mas ainda imóveis particulares e áreas de clubes. Porém, a ênfase dada neste
momento da reflexão recai sobre aqueles que enfrentam, cotidianamente, as camadas
de expropriação e que necessitam transgredir e resistir para criar as condições para
morar na cidade. As consequências desta prática espacial do Estado se realizam, ainda
mais perversamente, àqueles que lutaram por continuar em uma área mais valorizada,
como nesta parte da represa Guarapiranga, pois mesmo com o título de concessão de
uso, que lhes propiciou valores um pouco mais volumosos em relação às indenizações,
certamente não existirá a possibilidade de compra de outro imóvel no mesmo lugar e
RVFFTUFKBJOTFSJEPOPTQBESÜFTGPSNBJTQFMPTRVBJTMVUBSBN
1PSUBOUP QFSDFCFNPT KVOUPDPN3PESJHVFT 
RVF
Os discursos sobre o meio ambiente têm a finalidade de permitir a continuidade da
produção de mercadorias e garantir a apropriação privada das riquezas, reafirman-
do a ideologia dominante (p. 211).

Bon Pastor – Metamorfose da morfologia espacial e elevação dos custos de


manutenção da moradia
Em Barcelona, na esteira de sua construção simbólica sobre o discurso espacial, no
sentido de promover um clima favorável à implantação das políticas de espaço, está
o bairro de Bon Pastor. Ele se localiza na área que atualmente é a mais dinâmica do
município, La Sagrera, e como o próprio diretor de urbanismo do Ayuntamiento4
FYQÙT QFSUFODFIPKFËTÈSFBTNBJTFTUSBUÏHJDBTEF#BSDFMPOB
Como o modelo Barcelona se construía através de um discurso no sentido de:
Conseguir que Barcelona se converta en una metrópole europea empredendora con
incidência sobre la macrorregión en la que se situa geograficamente, que disponga
de una calidade de vida moderna y equilibrada y este enraizada en la cultura medi-
terrânea (Raventós apud Benach, 1993, p.342).
... a prática do poder público de decretar áreas obsoletas revelou-se como regra de
avanço das políticas de espaço. Em entrevista, o diretor de urbanismo do município
apresenta como esta prática se realiza e qual o seu conceito: “pegar partes da cidade
obsoleta derrubá-las e voltar a construir sobre elas. E as pessoas que vivem no bairro
seguem sendo as mesmas5.
Inserido nesta lógica, o Bairro de Bon Pastor é sumariamente decretado como obso-
leto e, portanto, passível de ser derrubado para estar com as condições necessárias
para condizer com os novos equipamentos em seu entorno. A sua história é varrida
para comportar uma nova morfologia adequada com as valorizações decorrentes de

 "ZVOUBNJFOUPFRVJWBMFOP#SBTJMBPOÓWFMNVOJDJQBMEFQPEFSo1SFGFJUVSB.VOJDJQBM
 &OUSFWJTUBSFBMJ[BEBDPN+BVNF#BSOBEBFNKBOFJSPEF
Valdoski | O discurso espacial como instrumento da produção capitalista do espaço... | ©EURE 235

investimentos oriundos do próprio orçamento do AyuntamientoFBUÏPTEB6OJÍP


Europeia. Cabe lembrar, ao recuperar a produção do lugar, que Bon Pastor surge,
em 1929, como uma morfologia espacial, consequência da legislação específica para
soluções de moradias (Casas Baratas)6 àqueles migrantes que vinham trabalhar na
JOEÞTUSJB  JTUP Ï  TF DPNQÜF EF VN DPOKVOUP EF RVBTF  DBTBT EF QFSëM PQF-
rário. Na época, o lugar se situava em uma porção de Barcelona carente de recursos
de toda a ordem (infraestrutura, transporte, equipamentos urbanos, mobiliário
VSCBOP
F FNEFDPSSÐODJBEJTUP VNBTÏSJFEFSFJWJOEJDBÎÜFTÏQMFJUFBEBKVOUPBP
poder público, desde as melhorias das casas até a necessidade de infraestrutura para
melhoria do bairro.
No momento de decretação do bairro como obsoleto, estas demandas histó-
ricas dos moradores são incorporadas pelo discurso espacial, fortalecendo a política
de espaço proposta no ano de 2003. Chamada de Plano de Remodelação e apro-
vada pelo Patronat Municipal de l’Habitatge, instituição municipal, proprietária e
gestora das casas baratas, propõe a total derrubada da antiga morfologia e prevê
a implantação de prédios de apartamentos com o dobro da metragem das antigas
unidades habitacionais. Este plano ocorreria em 4 fases e as transferências das famí-
lias realizar-se-iam aos poucos. Como apresenta Delgado (2010):
De pronto, alguien, en algún sitio, decide algo que cambiará la forma y la vida de
un barrio. Primero se lo declara ‘obsoleto’, luego se redacta un plan perfecto, se
elaboran unos planos llenos de curvas y rectas, se hace todo ello público de manera
BUSBDUJWBoEJCVKJUPTZNBRVFUBToZTFQSPNFUFVOBFYJTUFODJBNFKPSBMPTTFSFTIV-
manos cuya vida va a ser, como el lugar, remodelada. A continuación se proponen
PGFSUBTEFSFBMPKBNJFOUPoRVFTJFNQSFQFSKVEJDBOBRVJFOFTOPQPESÈOBTVNJSMBT
nuevas condiciones que indirectamente se les imponen -, se encauzan dinámicas de
QBSUJDJQBDJØOoPSJFOUBEBT EFIFDIP BEJWJEJSBMPTWFDJOPTBGFDUBEPToZEFTQVÏT
se continúa sometiendo a ese pedazo de ciudad a un abandono que ya lo venía
deteriorando, para disuadir a las victimas-beneficiarios de la transformación de su
urgencia e inevitabilidad (p. 47).
O discurso espacial que alicerça esta prática do Estado, além de incorporar a questão de
melhorias infraestruturais ao alegar que eram demandas da Asociación Vecinal devido
às condições insalubres das casas, também acrescenta um determinado aval dado pelo
QSPDFTTP EJUP iQBSUJDJQBUJWPw OB BQSPWBÎÍP EP QSPKFUP -PHP  OP KPHP EJTDVSTJWP  B
PQJOJÍPEPTNPSBEPSFTTFEJWJEF DFEFOEPUFSSFOPËBDFJUBÎÍPEFUBMQSPKFUPFRVFÏ
referendado em um plebiscito. O grupo “A Barcelona a Participació Canta” avalia que:

6 As Casas Baratas são consideradas Viviendas de Protección Oficial que funcionam sob o regime
de aluguéis e geridas por instituições municipais. Em Barcelona, a responsabilidade estava
com o Instituto Municipal de la Vivienda, atual Patronat Municipal de la Vivienda. A origem
destes bairros na Espanha advém da legislação do início do século xx (1911) e visava a resolver
o problema da moradia dos operários e da classe média baixa, todavia, as casas baratas foram
na época construídas em lugares periféricos das cidades sem quase nenhuma infraestrutura e
equipamentos adequados e, portanto, em terrenos baratos.
236 ©EURE | vol  | no  | mayo  | pp. 221-

El referéndum a través del cual se cualifica de ‘participativo’ el proyecto fue en pri-


mer lugar ‘no vinculante’, y luego no fue celebrado con las garantías de seguridad
y con la información necesaria para que su resultado pueda considerarse válido.
A divisão estava posta entre os vizinhos, pois havia aqueles que queriam aderir ao
QSPKFUPFBRVFMFTRVFHPTUBSJBNEFDPOUJOVBSDPNTVBTDBTBT QSJODJQBMNFOUFQFMBT
estratégias praticadas pelo poder público de oferecer, diferentemente aos moradores,
as condições da mudança de uma morfologia a outra e sem esclarecer, contun-
dentemente, os termos do novo contrato. Outros mecanismos somam-se a este,
como angariar o consentimento e aceitação do plano de remodelação por parte
da Asociación Vecinal de Bon Pastor que, devido à mesma história de lutas, possui
significativa credibilidade diante dos moradores. Assim, aprovado pelo plebiscito
EJUPQBSUJDJQBUJWP PQSPKFUPEÈTFVTQSJNFJSPTQBTTPTF BRVFMFTDPOìJUPTMBUFOUFT 
BQBSFDFNOPNPNFOUPEPTEFTQFKPTWJPMFOUPTQBSBJOJDJBSBQSJNFJSBGBTFFQSFQBSBS
o terreno para a “moderna” tipologia. De acordo com entrevista realizada com um
HSVQPEFBSRVJUFUPTFTPDJØMPHPTRVFTFSFÞOFNQBSBSFQFOTBSPQSPKFUPFFYQPSBT
condições de como estavam sendo executadas as fases da obra (grupo Repensar Bon
Pastor), observa-se que desde o princípio o Ayuntamiento não explicitava claramente
as condições desta transferencia, e o discurso espacial se legitimava firmemente pelas
melhorias de habitabilidade. Duas eram as possibilidades de transferência no novo
contrato: os moradores iriam para os novos apartamentos enquanto inquilinos, con-
EJÎÍPOBRVBMKÈFTUBWBN PVFORVBOUPDPNQSBEPSFT BPFGFUVBSFNVNBIJQPUFDB
em um banco. Entretanto, os termos dos contratos de aluguel, bem como do de
DPNQSB OÍPSFWFMBWBNPTNFDBOJTNPTEFFYQSPQSJBÎÍPDPOUJEPTOFTUFSFBSSBOKP7
%PQPOUPEFWJTUBEPDPOUSBUPEFBMVHVFM IBWFSJBKÈVNBTVCJEBEPTQSFÎPTBP
entrar no novo apartamento, abocanhando uma parte dos baixos salários daquela
população, como também, se celebraria por apenas 5 anos o prazo dos contratos
DPNQPTTJCJMJEBEFEFSFOPWBÎÍPDPNBKVTUFTEFQSFÎPTQBSBBMÏNEPTFTUBCFMFDJEPT
BPBOP BOVBMNFOUFTFGB[PTSFBKVTUFTQFMPipcoÓOEJDFEFQSFÎPTBPDPOTVNJEPS

Aqueles que optaram pela compra, ingressaram nos mecanismos da financeiri-
zação com a hipoteca do apartamento que, como consequência, traz implicações
profundas ao contrair uma dívida por décadas e submeter-se aos aumentos frené-
ticos dados pelas taxas bancárias. Inúmeras são as implicações deste processo, as
quais vão desde o próprio rompimento das relações de vizinhança até a privatização
do solo público, ao ceder a propriedade ao privado por meio de hipotecas (bancos).
Como informado pelo grupo Repensar Bon Pastor KÈPDPSSFNPTQSJNFJSPTEFTQFKPT
7 As consequências da transformação da morfologia espacial e dos novos contratos assinados são
explicitadas em artigo da International Alliance of Inhabitats o i-B GBNJMJB .PMJOBS #FSNFKP 
NBESF IJKBZUSFTOJFUPTQFRVF×PT IBDFBMHVOPTNFTFTOPQVFEFQBHBSBMCBODPMBTIJQPUFDBT ZB
que con la crisis todos los miembros activos se han quedado en paro. No han servido de nada las
llamadas al Patronato para que se haga cargo de la situación, como les había prometido al momento
EFMBëSNBEFMDPOUSBUP&MCBODP4BCBEFMMZBIBWFOEJEPTVQJTP ZFOWJBEPB.BSJB3PTB#FSNFKP
oFMEFOPWJFNCSFEFoVOBPSEFOEFEFTBMPKPw y
iOtros, si no recibieron aún una
PSEFOEFEFTBMPKP MMFWBOWBSJPTNFTFTTJOQBHBSFMBMRVJMFS ZFTUÈOEFTFTQFSBEBNFOUFJOUFOUBOEP
resolver la situación negociando con el Patronato. ‘Si hubiera sabido que dos años después me iba
a encontrar en esta situación, no hubiera firmado la renuncia a mi contrato de renta antigua a 12
euros al mes’.” Disponível em: http://bit.ly/1dYN5lE.
Valdoski | O discurso espacial como instrumento da produção capitalista do espaço... | ©EURE 237

promovidos pelos mecanismos das hipotecas, pois as famílias não conseguiram arcar
com a manutenção da nova propriedade, que requer o pagamento da “comunidad”
(condomínio), impostos, etc, bem como as taxas mais elevadas dos contratos de
aluguel e de compra. A fala do grupo nos apresenta as implicações da transformação
da morfologia:
... la propiedad, a la hora de hacer gestiones económicas, en las hipotecas el referen-
te no es mas el Ayuntamiento sino si convierte en el Banco Sabadel…

el banco te dá el crédito: en cualquier hipoteca española.. en el momento en qué tú


te hipotecas, el piso es del banco. El piso es del banco, y el banco te dá el dinero...
como que el banco lo ha comprado al patronato. Entonces el piso es del banco, y
la persona tiene que pagarlo, entonces cuando ha finalizado de pagarlo, entonces
este piso es de esa persona: mientras tanto es del banco; y si el banco te desahucia,
la deuda con el banco la tienes igual. Pierdes la casa pero sigues teniendo la deuda.

hay varios, hay gente que llegó al barrio hace pocos años, y ya pagaban 200 euros,
FOUPODFTQBSBFMMPTBMPNFKPSFMDBNCJPOPFTUBOGVFSUF DPNQBSBEPRVFUJFOFOVO
piso grande; pero otra gente está pagando de toda la vida 50 euros, entonces claro,
pasan a pagar 300 o 350, más los gastos de agua, de la comunidad...
No que tange à morfologia construída, o discurso espacial assentado nas melhorias
EFIBCJUBCJMJEBEFQPEFTFSRVFTUJPOBEP KÈRVFBTDPOTUSVÎÜFTEPTQSJNFJSPTQSÏEJPT
KÈBQSFTFOUBNEFëDJÐODJBTEFWJEPBPTNBUFSJBJTVUJMJ[BEPTOBPCSB PVTFKB PTNPSB-
dores terão que arcar com novas despesas para reformar os apartamentos.
Neste processo, verificamos que o espaço não tem nada de neutro ou transpa-
rente, uma vez que as estratégias possuem uma finalidade que é escamoteada pelo
discurso espacial. Como formulado por Manuel Delgado (2010, p. 48):
6OWJTUB[PBTVVCJDBDJØOFOFMNBQBEFMBDJVEBEZVOQBTFPQPSFMFOUPSOPEFT-
velan inmediatamente las claves de tanta urgencia por borrar del mapa las Casas
Baratas del Bon Pastor. A un paso de la nueva centralidad que se proyecta para la
4BHSFSB DPOMBHSBOUFSNJOBMEFM"7& FMFTQFDUBDVMBSFEJëDJPFODBSHBEPB'SBOL
Gehry y ese nuevo barrio que seguro que no será para el mismo tipo de humanidad
que vivía y habia luchado allí a lo largo de lustros.
Essa estratégia de transformação do espaço em mercadoria produz efeitos perversos
aos moradores, como relata Taller contra la violencia inmobiliaria y urbanística
(2006, p. 62):
4PMP QBSB OPNCSBS VO FKFNQMP  FO FM FOUPSOP EF MB GVUVSB FTUBDJØO EFM "7&  MPT
precios de los pisos se han triplicado desde 2002, lo que supone la expulsión de un
gran número de vecinos a la primera corona metropolitana, al mismo tiempo que se
está dando una actividad frenética de derribos de casas y de nuevas construcciones.
Portanto, verificamos como as estratégias de classe que tomam o espaço para o
campo da acumulação, transformando-o em mercadoria, elabora um discurso
espacial com elementos das demandas sociais, porém promove novas estratégias de
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segregação socioespacial, muitas vezes difícil de serem reveladas no momento de


realização das estratégias. Como posto por Lefebvre (1978), a ideologia mais eficaz
é aquela mais sutil e pode muitas vezes estar vinculada ao discurso:
Como todas as instituições, o discurso e a linguagem são polivalentes: eles veiculam
OFDFTTJEBEFTFEFTFKPT QPFTJBFJEFPMPHJB TÓNCPMPTFDPODFJUPT NJUPTFWFSEBEFT 
mas também condições de poder (estatal), os seus símbolos e as suas palavras-
-chaves. Contribuem, portanto, para reproduzir as relações de produção.

Considerações sobre a generalização da segregação socioespacial

Os processos relatados acima envolvem compreender os novos álibis dispostos no


discurso espacial e que, ao nível da representação, são fundamentais para as estra-
tégias espaciais da acumulação. Compreendê-lo permite observar a tendência de
produção do espaço urbano, a qual está assentada fundamentalmente na segregação
socioespacial e que, a partir dos conflitos entre o uso e troca, vai adquirindo uma
roupagem original, por meio da qual se esconde os mecanismos reais de produção
do espaço para a troca. Esta produção de um ocultamento do espaço se realiza sob
PEJTDVSTPFTQBDJBMJODPSQPSBOEP DPNPÈMJCJ PDPOUFÞEPEBTEFNBOEBTTPDJBJT KÈ
que estes são elementos críticos do processo de urbanização contemporâneo e, desse
modo, tendem a se transformar na ideologia mais sutil, portanto, potente de se
realizar minimizando os conflitos.
Considerado como uma estratégia de valorização do espaço, legitima a homo-
geneização do espaço atribuindo-lhe condições que o recolocam no circuito da
produção. Simultaneamente, ao recobrar uma determinada unidade/coesão/
coerência da propriedade fragmentada dos antigos discursos para a realização da
política de espaço, chega-se à fragmentação do espaço social e que, na produção
do lugar, foi tecida ao longo das práticas realizadas no entrelaçamento do vivido
daqueles moradores. Conformam-se, nessas experiências, exemplos da crise urbana
como impossibilidade da apropriação do lugar produzido.
As experiências apresentadas também revelam o papel do Estado na prática
urbana, que ao empreender políticas de espaço, alicerçam a produção de uma
nova centralidade econômica baseada na transformação da morfologia, resultando
na expropriação dos moradores. Isso nos revela que, na cidade capitalista, tanto
proprietários e não-proprietários estão submetidos às consequentes expulsões para
ceder à transformação do espaço improdutivo para o produtivo.
Os resultados destas políticas de espaço, tais como as descritas, revelam o perpe-
tuar da mobilidade da população precarizada que, não podendo arcar com os custos
oriundos da metamorfose das morfologias espaciais ou sendo obrigada a se dispersar
QFMBDJEBEFKÈRVFTFVMVHBSEFNPSBEBGPJSFGVODJPOBMJ[BEP ÏFOSFEBEBOBUSBNB
da valorização que a expropria da vida social estabelecida na produção do lugar.
Estamos diante da contradição que está na base dos conflitos urbanos na reprodução
do espaço, aquela entre a produção socializada da riqueza e sua apropriação privada,
TFKB FN VN QBÓT EP DFOUSP EP DBQJUBMJTNP  TFKB OP QFSUFODFOUF Ë QFSJGFSJB &TTB
contradição se realiza com singularidades em cada lugar, mas as lógicas estratégicas
Valdoski | O discurso espacial como instrumento da produção capitalista do espaço... | ©EURE 239

de âmbito econômico e político contêm características similares e homogêneas,


como é próprio de uma economia globalizada. Simultaneamente, como produto
desse processo, há a produção de uma generalização da segregação socioespacial e,
ao mesmo tempo, do negativo que resiste a esta tendência, conformada nos conflitos
entre as finalidades de uso do espaço.
O papel do discurso espacial baseado no saber técnico e científico tenta encobrir
também o negativo. Como regra, o nega também através de estratégias muitas vezes
ligadas ao âmbito da linguagem e à produção de uma representação do espaço.
Todavia, o negativo está presente, como latência, contendo ambiguidades e contra-
EJÎÜFT QPJTFTUÈQSFTFOUFOPJSSFEVUÓWFMEBWJEBEPTNPSBEPSFT&MFFYJTUF KÈRVF
FTUÈFNKPHPBWJEBPVBTDPOEJÎÜFTQSJNÈSJBTEFWJWFSFTFSFQSPEV[JS&TTFOFHB-
tivo emerge das mais variadas maneiras, bem como de formas mais dramáticas no
âmbito do vivido dos moradores.
Dito isto, observamos que o viver na cidade significa, para seus habitantes,
permanentemente transgredir e resistir a este processo expropriatório constante e
que os arrasta, a cada dia, às periferias mais distantes.

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