Era Uma Vez... Entre Sons, Músicas e Histórias

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MÚSICA na educação bбsica

Era uma vez…


Entre sons, músicas
e histórias

Maria Cristiane Deltregia Reys


V. 3 N. 3 setembro de 2011

Maria Cristiane Deltregia Reys


[email protected]

Mestre em Educação pela Universidade Federal de


Santa Maria (UFSM), licenciada em Música pela mesma
universidade e bacharel em Música – violoncelo pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Desen-
volve trabalhos voltados ao ensino de música na escola
básica, ensino instrumental e formação de professores.
Faz parte do grupo de pesquisa (CNPq) Formação, Ação
e Pesquisa em Educação Musical (Fapem) e Projeto Arte
na Escola – polo UFSC. É professora do Colégio de Apli-
cação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Resumo: O texto apresenta ideias para o Once upon a time… Between sounds,
ensino de música na educação básica a partir songs and stories
da sonorização de histórias, sendo abordadas
diferentes perspectivas para o trabalho do Abstract. The text presents ideas for music
professor especialista e não especialista em teaching in basic education from music
música. Atividades com histórias são um meio stories, being addressed different perspectives
eficiente de desenvolver conteúdos musicais, to the work of specialist and not specialist
envolvendo e motivando as crianças para o music teacher. Activities with stories are an
fazer musical. A proposta possibilita integrar efficient mean to develop musical contents,
diferentes tipos de histórias a atividades involving and motivating children to the
de composição, apreciação e performance, musical experience. The proposal makes it
potencializando o desenvolvimento da possible to integrate different types of stories
expressão, percepção, interpretação e to the compositional activities, appraisal and
criatividade em música. As histórias performance, leveraging the development
sonorizadas representam ainda um meio of expression, perception, interpretation
de articular as linguagens artísticas em uma and creativity in music. The musical stories
proposta curricular integrada. still represent a mean to articulate artistic
languages in an integrated curriculum
Palavras-chave: educação musical; música proposal.
na escola básica; histórias sonorizadas
Keywords: musical education; music at the
basic school; music stories

REYS, M. C. D. Era uma vez... Entre sons, músicas e histórias. Música na Educação Básica,
v. 3, n. 3, p. 68-83, 2011.

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Entre as várias maneiras de se abordar a música como área de conhecimento com


objetivos e conteúdos próprios, a sonorização de histórias apresenta-se como um tipo
de atividade prática que envolve facilmente as crianças. As histórias representam um
meio eficiente de se trabalhar conteúdos musicais como percepção, caráter expressivo
e forma, o uso da voz e o manuseio de instrumentos, a partir de atividades consideradas
prioritárias no processo de desenvolvimento musical dos alunos. Assim, atividades de
composição, apreciação e execução podem estar articuladas em um processo lúdico, no
qual a experiência musical favorece a compreensão de conceitos específicos.
Sonorizar histórias se constitui em tornar sonoro um enredo, ou partes dele, em fazer
soar uma trama, seja por meio da voz ou de objetos e instrumentos. Nesse tornar sonoro,
a utilização de sons ou de melodias passa a fazer parte da narrativa.

Muitas são as histórias ou os tipos de histórias sonorizadas que encontramos em


nossas salas de aula. Há aquelas que contêm sons produzidos no intuito de ambientar
a narrativa, na qual efeitos sonoros são produzidos de modo a carregar as cenas de ex-
pressão e estimular a imaginação dos ouvintes. É a técnica da sonoplastia! Quem não
ouviu falar das novelas de rádio, ouvidas e contadas por nossos avós? Em nossa prática
nas escolas também podemos encontrar esse tipo de histórias cuja produção de sons
é recheada de imaginação e criatividade. Cocos, tambores, chocalhos, folhas de raios X,
caixas de isopor, tampinhas, sacos plásticos, instrumentos musicais, percussão corporal
e uma infinita variedade de objetos são utilizados para esse fim. Na busca por timbres e
sonoridades, as histórias potencializam aprendizagem e diversão, e ampliam as ideias de
música dos alunos.
Outro grupo de histórias inclui aquelas que contêm canções que ilustram alguma
“cena”, enfatizam acontecimentos ou caracterizam personagens, distinguindo-os e am-
bientando-os na narrativa. As canções integram o conjunto sonoro da história, cujas
melodias abrem, encerram ou recheiam o texto, constituindo a trilha sonora. Assim, as
melodias podem ser compostas especialmente para a história ou configurarem canções
tomadas de empréstimo do cancioneiro popular. Muitas histórias com música são acres-
cidas ainda de efeitos intercalados às canções.
Há ainda algumas histórias que são cantadas integralmente, cujas melodias condu-
zem a narrativa. Essas histórias, ou canções que contam histórias, também fazem parte
do repertório desenvolvido pelo professor na aula de música, cujos enredos e melodias
podem ser criados de forma coletiva pelo grupo.

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Entre as muitas histórias que já ouvimos, certamente há inúmeras combinações e


variedades que vão muito além do aqui apresentado. Além disso, é bom lembrar que as
histórias se constituem em passagens para mundos imaginários, para culturas distantes,
com personagens, sons e melodias que encantam crianças e adultos.

Assim, além do desenvolvimento em música, é possível considerar inúmeras ou-


tras possibilidades que o trabalho de educação musical relacionado à sonorização de
histórias representa no contexto da sala de aula. Entre elas, poderíamos mencionar o
desenvolvimento da criatividade, da responsabilidade com o grupo (e com o trabalho
de criação em grupo), a sociabilidade, o favorecimento da livre expressão de ideias e a
articulação com outras áreas do conhecimento. Há que se enfatizar, sem dúvida, que as
histórias sonorizadas, muitas vezes, podem significar a integração das diversas lingua-
gens que englobam a área de arte, ou seja, teatro, dança, artes visuais e música, a partir
da expressão corporal, criação de cenários e figurinos, sonorização e composição.

Há ainda o respeito às limitações e à personalidade de cada um na medida em que o


trabalho permite um leque de inúmeros tipos de participação. Se por um lado há espaço
para valorizar as habilidades técnicas que um determinado aluno possui em relação a
um instrumento musical, por exemplo, por outro lado há espaço para alguém que ain-
da não teve nenhum contato direto com a música. As atividades tendem a valorizar as
diferenças incluindo alunos com histórias de vida diversas, além de uma variedade de
gostos e interesses.

História: O pequeno dragão


Autor: Pedro Bandeira
Ilustração: Luisa Freitas Garbosa

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O que dizem os mestres?


Autores da área de educação musical ressaltam a importância da história no dia a dia
das crianças como meio de desenvolver a escuta e a fala, além de promover reflexões
sobre questões afetivas e valores. Para Brito (2003, p. 163), entretanto, a sonorização de
histórias enquanto “situações de exercício musical” deve priorizar o som, sendo “preferí-
vel trabalhar com histórias não muito longas, com textos simples, que permitam que se
dê atenção à sonorização”.
A autora lembra que é possível

“[…] pesquisar e experimentar os mais diversos sons vocais: imitar as


vozes de animais, o barulho da água, do trovão, o ruído de portas abrindo
ou fechando, o ronco de motores… Também podemos explorar os
sons produzidos com o corpo: batendo palmas de diferentes maneiras
(palmas abertas, em forma de concha, com a ponta dos dedos na palma,
com suavidade, com força), batendo nas pernas, no peito, batendo pés,
produzindo estalos…” (Brito, 2003, p. 163)

Para Bergmann e Torres (2009) a sonorização de histórias abre interessantes cami-


nhos para trabalhos interdisciplinares como a parceria entre música e literatura. As auto-
ras afirmam que englobar a dimensão sonora ao ler uma história

“[…] possibilita ao aluno explorar sua autonomia, desenvolvendo e


exercitando sua memória, seu raciocínio, sua capacidade de percepção e
sua criatividade. Esse indivíduo criativo é um elemento importante para
o funcionamento efetivo da sociedade, pois é ele quem faz descobertas,
inventa e promove mudanças.” (Bergmann; Torres, 2009, p. 197)

Nessa perspectiva de leitura, o leitor interage/dialoga com os escritos do autor. A


sonoridade introduzida pode determinar graus de tensão, de dramaticidade ou de ale-
gria, passando o leitor a assumir um papel de intérprete cuja leitura não se encerra no
texto escrito. Nesse processo, as ilustrações presentes nos livros de histórias para crianças
certamente sugerem sons.
Voltando à interdisciplinaridade, a escolha de uma atividade como a sonorização de
histórias na aula de música ou na disciplina de língua portuguesa, por exemplo, pode
transformar uma simples canção ou uma simples leitura em uma experiência significativa.
Quanto aos conteúdos específicos da área, esse tipo de atividade abre caminhos
para se trabalhar diversos deles. Frederico (2007) enfatiza o registro musical, aspecto que
será abordado também neste artigo. A autora lembra que registrar o que é criado pelo

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grupo pode significar uma necessidade, pois a grafia permite lembrar uma sequência de
acontecimentos sonoros, quais os materiais/instrumentos utilizados, além de outros de-
talhes como caráter expressivo, nuanças de dinâmica, informações sobre altura, duração
dos sons, mudanças de timbre, entre outros.

Você sabia…
… que a notação musical tradicional foi inventada por
um monge beneditino italiano chamado Guido d’Arezzo
pela necessidade de registrar com maior precisão os hinos
religiosos? Ele também deu o nome às sete notas musicais a
partir da letra do hino a São João Batista:

Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii reatum
Sancte Johannes

Para França (2010), a alfabetização escrita e musical faz parte do desenvolvimento


do sujeito como ser social. Entretanto, a maneira como essa alfabetização ocorre, com
maiores ou menores “imposições da fase de letramento” (França, 2010, p. 10), interfe-
re diretamente na liberdade de criação e interpretação musicais. Nesse sentido, grafias
alternativas, denominadas também de notação musical analógica, representam para a
autora “um recurso facilitador da performance” (ibid., p. 11).

A notação analógica, acessível às crianças por não apresentar regras preestabeleci-


das, pode significar uma opção de escrita com maiores ou menores níveis de precisão.
Assim, esse tipo de notação permite o registro do evento sonoro sem deixar de conferir
liberdade ao intérprete, ou seja, a intenção de registrar permanece, porém não restringe
a leitura à habilidade de ler uma partitura tradicional. É bom lembrar que na música
contemporânea vários compositores têm optado por esse tipo de grafia, justamente
pensando em uma maior participação do intérprete.

Com base em estudos de Vygotski, Frederico (2007, p. 5) lembra ainda que a gra-
fia musical como parte do processo de sonorização de histórias tem valor ao exercitar
a criatividade e construir conhecimento musical, não importando como “escrevem as
crianças, mas sim que elas mesmas são suas autoras, as criadoras, que se exercitam na
imaginação criadora, na sua materialização”.

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Como fica o planejamento?


Em qualquer situação pedagógica, o tema “história sonorizada” pode fazer parte do
contexto da sala de aula. Se você quer utilizar esse recurso na aula de música, ou se há
em seu planejamento a “hora do conto”, ou ainda se você pretende desenvolver um
projeto com outras disciplinas, há sempre a oportunidade de trabalhar os conteúdos
musicais a partir das histórias. Não há, entretanto, uma receita que nos diga como e em
que momento iniciar esse tipo de atividade.
Há também uma situação em especial, quando um tema surge espontaneamen-
te entre os alunos. Um filme em cartaz no cinema, uma atividade realizada na aula de
educação física, uma festa na escola, o passeio no final de semana ou até mesmo um
modismo lançado pela mídia podem gerar um tema e resultar em momentos de intenso
aprendizado com marcantes experiências musicais.
Assim, a atividade pode ser planejada detalhadamente pelo professor ou surgir na-
turalmente, levando-o a modificar o planejamento. Também pode ser desenvolvida em
etapas, em várias aulas de música, de modo que em cada aula o trabalho seja retomado
e continuado até que ganhe forma. O resultado poderá ser significativo, podendo ser re-
gistrado em áudio e vídeo para apreciação e avaliação do grupo, ou até mesmo culminar
em uma apresentação na escola.

Antes de iniciar o trabalho, é preciso escolher o tema ou a história,


elencar materiais, traçar objetivos e conteúdos. É preciso questionar:

• A temática é adequada à faixa etária?


• Quais os recursos materiais disponíveis?
• Que conteúdos desejo trabalhar?
• Com que objetivos a atividade será desenvolvida?

Durante o trabalho, é preciso analisar, organizar, combinar e decidir


junto ao grupo:

• Quais são os personagens?


• Haverá um narrador?
• Em quais momentos haverá sons e canções?
• De que modo serão organizados os elementos sonoros a fim de
dar expressão às cenas?
• Quais serão os recursos materiais utilizados?

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Recursos materiais
Certa vez, em uma escola que eu trabalhava, havia uma professora muito louca, de
cabelos vermelhos e riso fácil. Ela era responsável pela “hora do conto” e em sua sala ha-
via, entre outras coisas, um baú. Eu acho que esse baú era meio mágico, pois dele saiam
coisas inacreditáveis! Minha sala ficava ali perto e às vezes eu tinha era vontade de errar
de sala, só para ver o que é que havia escondido no baú.

Na verdade, o baú fazia parte do planejamento, e conforme a história o seu con-


teúdo mudava. Os olhinhos brilhavam, a imaginação ia longe e literalmente as
crianças entravam na história junto com a professora, aliás. Esse é um ponto im-
portante: entre na história, entre na música, vire criança, passe por debaixo da
mesa. Já experimentou? Eu já, e é bom demais!

Entre os recursos ou materiais didáticos, há vários que podem nos au-


xiliar na sonorização das histórias, entre eles os CDs, os bonecos, os fanto-
ches, os dedoches, gravuras em EVA, instrumentos musicais tradicionais
ou alternativos¹, copos de plástico, folhas de plástico ou papel, jornal,
conchinhas do mar, tampinhas de todo tipo, água, brinquedos e um nú-
mero incontável de bugigangas facilmente encontradas em bazares.

Esse é meu ajudante Fritz

Gostaria de ressaltar que os bonecos e os fantoches, a depender do trata-


mento dado a eles, acabam tomando o papel de ajudantes, coadjuvantes e
até mesmo de personagens das histórias criadas em salas de aula. Da mes-
ma forma, os dedoches auxiliam a soltar a imaginação e com ela a criação
dos efeitos sonoros. São baratos, fáceis de fazer em EVA, feltro ou tecido,
e em vários sites da internet há modelos para
sua confecção.

*
1. Pode-se conseguir um ótimo efeito sonoro construindo
instrumentos com material reciclável.
Dedoches de feltro.

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E agora? Mãos na massa!

Clássicos infantis
Eu não poderia começar de outro jeito, senão lembrando as histórias da minha infân-
cia. Quando comecei a trabalhar como educadora musical, fiz o que imagino que muitos
professores fazem, recorri às memórias. Lembrei das aulas de música na pré-escola, das
brincadeiras de roda, das bandinhas e das canções. Lembrei também dos disquinhos
coloridos que meu pai comprava para mim.

A coleção “Disquinho”, da gravadora Continental (selo da Gravações


Elétricas), foi lançada, inicialmente, nas décadas de 1940 e 1950 (Mariani,
2011, p. 48). Dirigida por João de Barro, o Braguinha, compositor de
marchinhas de carnaval, a Continental foi escolhida pela “Disney Company
para fazer as primeiras versões dos filmes de Walt Disney para o português:
Branca de Neve, Pinócchio e Alice no País das Maravilhas, dentre outros” (Matte,
1998, f. 52).

Estas são duas das minhas histórias preferidas, dê uma espiada e é claro, preste aten-
ção às possibilidades sonoras e às músicas, elas são sucesso garantido!

Sites
http://www.4shared.com/account/file/92336003/a47c8e6f/disquinho_-_O_Cabra_Ca-
brez.html
http://www.4shared.com/account/file/131694005/cf275ab0/disquinho_-_O_lobo_e_
os_tres_cabritinhos.html

Os Três porquinhos não poderiam faltar!


Os três porquinhos é um conto de fadas provavelmente datado do
século XVIII que se tornou bastante conhecido a partir da versão em
animação feita pela Disney em 1933. Foi essa versão que adicionou
nomes para os porquinhos: Cícero, Heitor e Prático (em português) ou
Fifer Pig, Fiddler Pig e Edmund Pig (em inglês).

Uma história antiga e cheia de sons, boa para começar a aventura. Você pode utilizar
um livro, contar a versão que mais gosta ou ainda usá-la para criar outra. Experimente
usar lixas para produzir o som do serrote, pauzinhos, plásticos ou jornais. Além de explo-
rar os timbres e outros materiais da música, é possível trabalhar conteúdos como caráter

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expressivo e forma. Não se esqueça das muitas possibilidades a partir de sons vocais e
corporais que os alunos podem criar.

Os três porquinhos – Coleção Disquinho


http://www.4shared.com/audio/5G41dzTp/disquinho_-_Os_Tres_Porquinhos.htm

Ressalto, entretanto, que é necessário estar atento aos conteúdos e mensagens


presentes em produtos disponíveis na mídia. Para Giroux (1995, apud Bozzetto, 2000,
p. 110), por trás de um trabalho estético cenográfico e musical ricamente estruturado,
filmes como os da Disney carregam, muitas vezes, “estereótipos de gênero, posições ra-
ciais, de classe, valores e modelos. Tudo isso numa atmosfera mística que nos faz sentar
numa agradável poltrona e sentir prazer, desejo e uma incômoda satisfação midiática.” É
preciso utilizar esses recursos com consciência crítica a fim de adequá-los às nossas ne-
cessidades sem ignorar ideologias e filosofias neles impregnadas. A partir das histórias,
entretanto, podemos criar sons, músicas, novas versões e aproveitar a atividade para
abordar conteúdos musicais.

A música como ponto de partida


Às vezes temos simplesmente uma canção e ela pode nos fazer viajar e imaginar.
Aliás, com criança e música é bem provável que isso aconteça.
Frère Jacques é um bom exemplo de canção que sugere uma história e variações
para vivenciar a música:

• Frei Martinho pode acordar com preguiça!


• Pode estar atrasado! Versão em português:
Frei Martinho
• Pode acordar alegre!
Sobe a torre
• Ou triste! Pra tocar o sino
• Pode acordar de mau humor! Ding, deng, dong!
Frère Jacques
Tradicional francesa

Frиre Jacques Tradicional francesa

 
Voice                 
Frè re Jac ques Frè re Jac ques Dor mez vous? Dor mez vous?


            
5

      
Son nez les ma ti nes Son nez les ma ti nes Ding Ding Dong Ding Ding Dong

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O trem de ferro do nosso folclore também é uma fonte de inspiração:

• Vamos fazer um passeio de trem?


• Para onde vamos?
• O que iremos levar?
• Como é o som do trem partindo da estação?
• E subindo a montanha, descendo, entrando no túnel?
• E passando pela cachoeira ou entrando na floresta escura?
• E o apito do trem?
• E a movimentação dos passageiros?
• E o maquinista?

O trem de ferro
Quando sai de Pernambuco
Vai fazendo fuco-fuco
Até chegar no Ceará

Você sabia que o tema “trem” tem inspirado muitos artistas e gerado
inúmeras obras de arte? Que tal criar ou viajar com outros trens?

Maria fumaça, de
Trenzinho, de Cecília Cavalieri França
João Gilberto

O trenzinho do caipira,
O trem de ferro, com
de Villa-Lobos com letra
poema de Manuel
O trenzinho do caipira, de Ferreira Gullar, na
Bandeira e música de
de Heitor Villa-Lobos voz de Zé Ramalho
Tom Jobim

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Criando histórias
Trago aqui o relato de uma experiência junto a um grupo de alunos
de musicalização na faixa etária de 6 a 7 anos de idade. Havia preparado
a aula e daria continuidade ao assunto da semana anterior. Duas das mi-
nhas alunas, entretanto, haviam assistido na véspera ao filme Tubarão².
Estavam muito impressionadas com a história do filme e relatavam como
o tubarão atacava as pessoas na praia. Após ouvi-las tentei iniciar a aula
como de costume, mas logo percebi que o tema trazido por elas interes-
sava a todos e poderia ser explorado a fim de podermos dar continuidade
ao trabalho de musicalização. Foi então que propus que fizéssemos a “nossa”
história do tubarão. Como esperado, a proposta foi imediatamente aceita e des-
pertou grande interesse da turma.

Iniciamos imaginando como gostaríamos que fosse a nossa versão. Imagi-


namos o cenário, os personagens e os acontecimentos, tudo inserido em uma
paisagem sonora.³ As crianças decidiram que a nossa história não teria um final
trágico: nem pessoas, nem tubarões sairiam machucados da trama. Decidido
isso, escrevemos tópicos a serem desenvolvidos e dividimos as cenas em
quadros.

As crianças se encarregaram de fazer desenhos que represen-


tassem essas cenas. Depois de pronta a história, passamos à fase de
composição da trilha sonora. Nessa etapa, um misto de atividades de
apreciação e manipulação de elementos sonoros teve como objetivo
descrever por meio de sons o ambiente no qual acontecia a ação e
a sequência de acontecimentos que viriam após o quadro inicial.
Para tanto foram utilizados instrumentos como piano, xilofone,
pau de chuva, flauta de êmbolo, objetos como tampinhas de
metal, conchinhas do mar e as vozes das crianças. Trago aqui
alguns desenhos das crianças e etapas do processo de sonoriza-
ção que registrei em meu diário:

* 2. Filme de Steven Spielberg, baseado no romance de Peter Benchley, com trilha sonora de John Williams.
3. O termo “paisagem sonora”, divulgado pelo compositor e educador Murray Schafer na década de 1960, refere-se às características sono-
ras de um determinado ambiente, ou seja, cada ambiente tem sua própria paisagem sonora. Para Schafer (2001), o termo pode referir-se
a ambientes reais ou a composições musicais que retratam um ambiente.

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Figura 4. Ataque
do tubarão.

[…] ouvimos, experimentamos e escolhemos sons de instrumentos


alternativos para representar os sons dos pássaros, o apito do sorveteiro
e as ondas do mar, enfim, sonorizar as diferentes cenas. Os paus de chuva
foram mantidos em “ostinato”, pois as ondas não podiam parar nunca.
Para dar dramaticidade ao momento em que o tubarão se aproximava,
utilizamos o piano, com muitos sons graves e agudos ao mesmo tempo,
em um crescendo, até que, no momento do ataque do tubarão, as crianças
bateram forte com os braços nas teclas, provocando muito barulho.

Figura 5.
Barco salva-vidas.

[…] o som do barco salva-vidas foi representado também pelo piano,


onde uma criança tocava “sem parar” um intervalo de terça menor. […]
De volta à tranquilidade da praia, podia-se ouvir novamente as crianças
brincando, os pássaros cantando e o apito do sorveteiro.

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A partir da escuta e organização dos sons, os elementos “forma” e “caráter


expressivo” foram naturalmente vivenciados pelas crianças. Aspectos extramusicais
como cooperação, envolvimento com o trabalho e responsabilidade estiveram pre-
sentes todo o tempo. Chegamos até a apresentar a atividade aos pais.

[…] tudo foi registrado de modo que pudéssemos lembrar a sequência da


nossa composição. Ensaiamos bastante, pois, para estar frente à plateia, era
preciso que cada criança soubesse exatamente o que fazer. […] no momento
da apresentação, montei uma estrutura de madeira com um pedaço grande
de papel pardo onde colamos as ilustrações. Assim, as crianças ficaram escon-
didas e o público ouviu a história, como no rádio.

A partir de elementos de notação musical


trabalhados em aula, fomos registrando cada
etapa do trabalho, a fim de darmos continui-
dade, ou seja, fomos criando gráficos de sons
que, da maneira mais clara possível, nos per-
mitissem lembrar a composição.
Figura 6. Notação.

Preciosidades

Mil pássaros

Sete histórias de Ruth Rocha contadas pela Bia Bedran


própria autora, incluindo canções do selo
Palavra Cantada. Sugerem temáticas como Apresenta shows em que a contação de
diversidade e respeito às diferenças que histórias é acompanhada pela interpretação
são abordadas com muita expressão. de músicas e trilhas sonoras ao vivo. Além
disso, ministra cursos onde compartilha
http://www.4shared.com/file/wJX28eto/ técnicas e estratégias didáticas com
Palavra_Cantada-Mil_Pssaros-Ru.htm professores.

Macaquinho sai daí: http://www.youtube.


com/watch?v=9NrOMDp1FSU

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Palavra Cantada

O selo Palavra Cantada produz CDs e


DVDs com músicas e histórias para o
Os saltimbancos
público infantil.
Musical infantil de Sergio Bardotti e Luis
Irmãozinho: http://www.youtube.com/
watch?v=XcL-jm12MhI&feature=related Enríquez Bacalov, com versão em português
de Chico Buarque. Inspirado no conto Os
músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm, narra
de forma bem-humorada a condição e os
direitos dos trabalhadores. Quatro animais
desiludidos com o tratamento recebido
pelos seus patrões abandonam seus postos,
tornando-se saltimbancos.
Clarice Lispector

As histórias do CD Doze lendas brasileiras


contam “causos” populares narrados por
diferentes atrizes e resultam da paixão da
escritora pelo folclore do país.

http://www.4shared.com/get/8TEiy5rv/
Contos, cantos
Audiolivro-Doze_lendas_brasile.html e acalantos

CD de José Mauro Brant, produzido a


partir de pesquisa de canções e histórias
do folclore brasileiro, que permanecem
através da tradição oral.

Lá vem história

Com Bia Bedran. DVD originado da série Lá


vem história, da TV Ratimbum – TV Cultura SP.
O trabalho contém lendas do Brasil, cujas his-
tórias são sonorizadas a partir de uma grande
variedade de instrumentos musicais.

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Para saber mais


http://ebooksgratis.com.br/livros-ebooks-gratis/literatura-nacional/infanto-juvenil-
e-entretenimento/audiobook-palavra-cantada-mil-passaros-sete-historias-de-ruth-
rocha-sandra-pires-e-paulo-tatit/

http://repertoriosinfonico.blogspot.com/2007/07/prokofiev-alexandre-pedro-e-o-
lobo.html

Referências
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BRITO, T. Música na Educação Infantil: propostas para a formação integral da criança. 2.


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GRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 16., 2007, Campinas. Anais… Campinas: Unicamp,
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SCHAFER, M. A afinação do mundo. Tradução de Marisa Trench Fonterrada. São Paulo:


Unesp, 2001.

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