SANTOS, Izabel Da Cruz - O Pensamento Das Mulheres Negras No Brasil - O Livro Da Saúde Das Mulheres Negras
SANTOS, Izabel Da Cruz - O Pensamento Das Mulheres Negras No Brasil - O Livro Da Saúde Das Mulheres Negras
SANTOS, Izabel Da Cruz - O Pensamento Das Mulheres Negras No Brasil - O Livro Da Saúde Das Mulheres Negras
Resumo
INTRODUÇÃO
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Discente do curso de Direito pela Universidade Católica do Salvador-(UCsal). Artigo
elaborado e apresentado como; Trabalho de Conclusão de Curso para, obtenção do grau de
graduada em Licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
Campus V, sob a orientação da Profa. Dra. Cláudia Pons Cardoso, professora adjunta da
Universidade do Estado da Bahia. [email protected]/[email protected]
No diálogo metodológico entre História e Literatura insiro minha pesquisa, pois
analiso o pensamento das mulheres negras no Brasil através da literatura,
especificamente da obra, O livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de
longe, organizada por Jurema Werneck, Maísa Mendonça e Evelyn C. White (2006).
A história e a literatura mantêm uma relação de identidade e representação de
uma coletividade e é a partir desta concepção que entendo a obra, pois é através da
literatura que as mulheres negras expõem seus pensamentos. A literatura é mais um
canal de possibilidade no qual a história pode se interligar e construir o discurso
histórico. O discurso literário aliado ao discurso histórico proporciona a representação
de uma realidade. A História utiliza a linguagem literária para a consolidação do
discurso sobre o real, tentando expressar as transformações significativas para a
sociedade. Neste sentido, como afirma Valter Soares:
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Carolina Maria de Jesus, mulher negra, pobre e filha de escravos, se tornou escritora por ser
apaixonada pela leitura. Em agosto de 1960, publicou o livro Quarto de despejo e,
posteriormente, vieram outros. Carolina é um referencial importante para os estudos culturais
e literários, tanto no Brasil como no exterior e representa a nossa literatura
periférica/marginal e afro-brasileira. É um exemplo de resistência, inteligência e capacidade,
que fica para sempre na história das mulheres negras. Disponível em:
<http://livrespensadores.net/artigos/carolina-maria-de-jesus-a-escritora-que-o-brasil-
esqueceu/>. Acesso em: 23 nov. 2013.
discriminação racial e pelo sexismo, resultando em sua exclusão como “sujeito social” e
na negação de suas habilidades intelectuais. (CARDOSO, 2012, p. 67).
Mesmo com a abrangência de dimensões e possibilidades pelas novas correntes
historiográficas de temas, recortes, temporalidades, fontes e até da crítica feminista à
ciência androcêntrica , as mulheres marcadas pela experiência do racismo ainda
permanecem sub-representadas na história do Brasil. (SANTOS, 2011, p. 61).
Assim, ensinar História da África e aspectos culturais afro-brasileiros nas
escolas parece um bom caminho para nos livrarmos de preconceitos historicamente
construídos e que contribuem para impedir que a população negra tenha igualdade.
(SOUZA, 2009, p. 96). Como afirma Silvana Bispo Santos (2011), precisamos pensar
sobre este campo discursivo como um estudo dinâmico na política de produção de
conhecimento, em que as variáveis de identidades sejam devidamente observadas,
compreendidas e interpretadas, para que as mulheres negras não permaneçam como
sombras tênues na historiografia brasileira.
A obra em análise contribui para o processo de visibilidade histórica das
mulheres negras em nossa sociedade. Deste modo, interpreto este trabalho como parte
do processo de resgate histórico-cultural das mulheres negras no Brasil, contribuindo
para o preenchimento das lacunas a respeito da sua história e de suas trajetórias na
contemporaneidade.
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Entrevista realizada no dia 5 de julho de 2013, às 15:30 pelo Skype, com duração de 18 min.
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WHITE, Evelyn C. (org.). The Black Women's Health Book: speaking for ourselves.
Washington: Seal Press, 1990.
a partir da qual a autora viu a possibilidade de organizar obra semelhante no Brasil,
inserindo as histórias das mulheres negras brasileiras. Era a oportunidade de trazer a
mulher negra como sujeito da história, mostrando como diferentes mulheres
viveram/vivem a discriminação de gênero, raça/etnia, classe e sexualidade.
A estrutura do livro, salienta Werneck em entrevista, já estava estabelecida desde
sua publicação nos EUA. Assim, a espinha dorsal do livro foi mantida, como estratégia
para a visibilidade da mulher negra, brasileira e norte-americana, contribuindo para
mostrar, através de suas trajetórias, que as mulheres negras fazem parte da história e, a
partir da experiência de cada mulher negra, tornar visível a luta por justiça social e
contra o racismo e sexismo. É, portanto, a partir destas experiências que se constrói a
obra O livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de longe.
Tracei como estratégia de análise metodológica a classificação das autoras em
categorias, como literatura, saúde, política, religiosidade e ativismo. Ao examinar os
artigos e cotejar com a trajetória pessoal de muitas das autoras, percebi que o ativismo
está ligado ao desenvolvimento das atividades profissionais, isto é, através de suas
atividades, sejam elas quais forem, elas propagam suas ideias e concepções com vistas à
modificação da realidade das mulheres negras.
Assim, a classificação, construída a partir da combinação de alguns fatores,
como temática abordada, forma do texto e experiência político-profissional de cada
ativista, tem como objetivo facilitar o trabalho de identificação de elementos
constitutivos do pensamento de mulheres negras abordados ao longo da obra, mais do
que a simples categorização das trajetórias das autoras. A classificação não pretende
encerrar a ação política das autoras em áreas fechadas, até mesmo porque, na realidade
de suas vidas, elas cruzam e borram as fronteiras das áreas nas quais as inclui. Elas são
escritoras ativistas; mães de santo educadoras; pesquisadoras ativistas; políticas artistas.
Para a apresentação das autoras e a construção do seu perfil biográfico, recorri,
basicamente, à pesquisa na internet, obtendo diferentes resultados: sobre algumas
encontrei muitas informações sobre outras, não, o que traduz a própria trajetória política
da ativista, pois, quanto maior a representatividade e influência na sociedade e para sua
comunidade maior a divulgação de suas ações.
O título, composto em duas partes, faz refletir acerca da vida e saúde das
mulheres negras. Na primeira parte, O livro da saúde das mulheres negras, saúde pode
ser entendida a partir de uma concepção ampla, como estado de completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas como a ausência de doenças. Neste sentido, na
introdução do livro, diz Jurema Werneck (2006), se faz necessário pensar os danos
psicológicos causados pelo racismo e sexismo como fatores determinantes para a sua
saúde, colocando o termo saúde como uma concepção norteadora da discussão acerca
das experiências das mulheres negras. Logo, saúde, neste livro, abrange o entendimento
do bem-estar geral, físico, mental e psicossocial, agregando a definição de saúde que
perpassa a inclusão da busca de equilíbrio dinâmico da vida.
Através da temática da saúde, o livro procura abordar diversos aspectos da vida
individual e coletiva das mulheres negras. Segundo Fernanda Carneiro (2006), em seu
artigo “Nossos passos vêm de longe”, falar da saúde da mulher negra é, também,
abordar a relação entre religiosidade e corpo o qual foi marcado por experiências de
exclusão. Lançar sobre ele um olhar estético-político para entendê-lo como resultado
criativo da experiência espiritual, atribuindo-lhe características, como: expressivo,
sensível, vulnerável e transcendente. Para a autora, o conceito de saúde está agregado à
expressão corporal da mulher negra, expressão ligada, neste movimento, às práticas
religiosas de matriz africanas. Saúde é, então, a possibilidade da sensação de bem estar,
de equilíbrio interior atingido através da religiosidade.
A concepção de saúde da população negra foi cunhada pelos movimentos
negros, nos anos de 1980, e de mulheres negras, nos anos de 1990. Ela diz respeito à
“análise sistemática das desigualdades raciais em saúde e no julgamento de que sua
manutenção, ao longo dos séculos, é determinada pelo racismo e outras formas de
inferiorização social a ele associadas” (LOPES, WERNECK, s.d., p. 8).
A obra, diz Jurema Werneck em sua entrevista, surge a partir do contexto de
buscar transformar a realidade social das mulheres negras, entretanto, medir seu
impacto real sobre a vida dessas mulheres se traduz em tarefa difícil, na medida em que
o sucesso da ação está diretamente vinculado à circulação e alcance do livro. Além
disto, existe uma dimensão subjetiva que deve ser levada em conta, isto é, a recepção da
informação depende do processo de leitura e da interpretação individual. Coletivamente,
a obra representa uma conquista, pois anuncia a voz das mulheres negras em várias
perspectivas.
Desse modo, a primeira parte do título recupera o racismo e a desigualdade
racial como determinantes na vida de negros e negras e seus efeitos, como os danos
psicológicos causados pela intersecção de raça e classe, com consequências marcantes
na vida das mulheres negras, como fica bem evidente no relato “Minha história de saúde
mental” onde a autora diz: “Se as oportunidades fossem melhores distribuídas, a minha
loucura não teria chegado ao extremo que chegou. Quando falta dinheiro, você entra em
paranoia”. (ALELUIA, 2006, p. 169).
Já a segunda parte do título, Nossos passos vêm de longe, é um tributo à história
das mulheres negras desde o continente africano até a atualidade. A ideia, como mostra
Cláudia Cardoso (2012), é enfatizar um continnum histórico de luta e resistências contra
processos de opressão iniciados com a trajetória das mulheres africanas que sofreram as
consequências do tráfico transatlântico e da exploração nas Américas. Segundo a autora,
que conclui à luz do posicionamento de Jurema Werneck, o continnum histórico têm
dois significados. O primeiro seria uma resposta ao feminismo hegemônico e à sua
reivindicação de movimento de representação universalista de todas as mulheres a partir
de uma história única, a das mulheres brancas, classe média, heterossexuais e educadas.
O segundo significado está relacionado à população negra e é dirigido às mulheres
negras. Ele serve para lembrar que a luta contra o racismo e sexismo não começou na
contemporaneidade. A frase soa como uma herança forte que necessitamos manter para
podermos traçar um caminho e seguir em frente com um olhar voltado para as
experiências do passado.
Ao pensar em muitos elementos destacados pelas ativistas, ao longo do livro,
como fatores de desempoderamento para as mulheres, em especial, as negras, percebi
semelhanças entre minha trajetória de vida e a de muitas ativistas. O tema pesquisado,
portanto, está totalmente vinculado a minha trajetória pessoal, pois enquanto mulher
negra, de família multirracial, vivenciei muitas situações de discriminação racial,
inclusive dentro da própria família, onde a diferença de cor da pele se estabeleceu como
traço indicativo para a construção de estereótipos de comportamento. Nesse caso, a pele
clara é percebida como angelical e afável e a negra como rebelde e indelicada.
Assim, ao fazer a leitura desta obra, coloquei-me no lugar de cada ativista negra,
fiz de cada relato de experiência fonte de reflexão para entender minha própria vida, a
partir dos dispositivos de diferença produtores de desigualdades e discriminações, que
atuam sobre a vida das mulheres negras ditando condições de subalternidade e
marginalidade. A leitura do livro me fez ver através das suas trajetórias e compreender
que as mulheres negras buscavam/buscam ter um posicionamento político sobre
questões que as marginalizam e excluem. Elas empenham seus esforços para reagir à
ação devastadora do racismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da leitura dos textos e das análises das trajetórias das autoras,
transportei-me para o lugar de cada mulher negra, passando, assim, a entender suas
angústias, indignações e dificuldades, que foram diversas. Percorrer o caminho de
entender o pensamento das mulheres negras, através da obra O livro de saúde das
mulheres negras: nossos passos vêm de longe, permitiu compreender como os
marcadores sociais registram em nós, experiências marcantes, que deixam gravadas na
alma e no corpo, marcas que, muitas vezes, nem o tempo dá conta de apagar. São
situações e vivências de exclusões produzidas pela intersecção do sexismo e racismo.
Ao classificar as mulheres em áreas, como saúde, literatura, política,
religiosidade e ativismo, busquei traçar um panorama visando fornecer uma visão da
constituição do pensamento das mulheres negras brasileiras. As áreas são também
espaços de atuação profissional e lugar de fala contra a disseminação ideológica do
racismo e sexismo. Concluo que o pensamento diaspórico elaborado pelas mulheres
negras constitui e inspira o movimento de mulheres negras brasileiras, um pensamento
construído a partir do contato com mulheres da diáspora negra.
A fonte de inspiração, na busca por mudanças significativas na condição social
das mulheres negras, vem das nossas ancestrais, aquelas que sempre enfrentaram os
poderes constituídos, desde o período pré-invasão colonial, no continente africano. Por
fim, este trabalho teve como principal objetivo contribuir para a visibilidade e a
valorização da história das mulheres negras, por entendê-las como sujeitos históricos
produtores de conhecimento. Através da análise da obra refleti sobre a condição social
das mulheres negras na sociedade brasileira e entendi que o conceito de saúde assume
uma perspectiva ampla, que passa pelo diálogo com vários aspectos e dimensões da
experiência da vida em sociedade em busca do bem-viver.
Analisar essa obra de forma minuciosa foi um grande aprendizado sobre o
movimento de mulheres negras no Brasil, principalmente sobre a maneira como vem se
organizando politicamente, as resistências desenvolvidas, a forma como expressam suas
ideias e concepções e como articulam toda a comunidade, visando o reconhecimento
dos direitos da população negra. Posso dizer que cada mulher que escreveu um texto
relatando sua trajetória fomentou, em mim, uma força grandiosa para lutar pelos meus
ideais, sonhos e metas. Aprendi que, independentemente do lugar onde estamos,
podemos expressar nosso pensamento, lutar por uma causa.
Compreendo essa obra como valorosa para a história das mulheres negras
brasileiras, pois reúne vários aspectos da vida das mulheres negras em sociedade,
discutindo sobre as questões que perpassam as trajetórias das mulheres negras como
racismo, sexismo, enfim todas as questões que as discriminam. A obra analisa as
mulheres negras que, dentro da experiência de cada uma, foram mudando sua realidade
à medida que foram desenvolvendo enfrentamentos contra o racismo e sexismo.
Entendo que esta obra está inserida na perspectiva do pensamento diaspórico, pois
reflete sobre a mulher negra, desconstruindo os estereótipos e valorizando as suas
trajetórias e lutas.
REFERÊNCIAS
Rejane ALELUIA, Rejane. Minha história em saúde mental. In: WERNECK, Jurema;
MENDONÇA, Maísa; WHITE, Evelyn. (Org.). O livro da saúde das mulheres
negras: nossos passos vêm de longe. Rio de Janeiro: Pallas; Criola, 2006. p. 167-175.
FALCON, Francisco. História e Literatura. Revista História das ideias. v. 21, 2000.
Disponível em: <http://rhi.fl.uc.pt/vol/21>. Acesso em: 14 jun. 2013.
FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína (Org.). Uso & Abusos da História
Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez. São Paulo: Selo Negro, 2010. (Coleção
Retratos do Brasil Negro).
VIEIRA, Fernando Gil P. A ficção como limite: reflexões sobre o diálogo entre história
e literatura. Fronteiras Revista Catarinense de História, Florianópolis, n. 17, p. 13-
31, 2009. Disponível em: http://www.anpuh-
sc.org.br/revfront_17%20pdfs/art1_format_ficcao_como_limite_fernando.pdf. Acesso
em: 13 jun. 2013. Acesso em: 23 nov. 2013.