Avaliacao Da Aprendizagem - Celso Vasconcellos
Avaliacao Da Aprendizagem - Celso Vasconcellos
Avaliacao Da Aprendizagem - Celso Vasconcellos
NE > Porque o sistema de avaliação começou a ser questionado nos últimos anos?
Vasconcelos < Essa análise tem sentido se recuperarmos um pouco do papel da escola na sociedade. No
século XVIII, a burguesia usava a escola para formar mão-de-obra e era uma justificativa para as
diferenças sociais. A educação, além de fornecer homens-máquina para as indústrias que estavam
surgindo, era um chamariz para a ascensão social. Essa situação se manteve por mais de 2 mil anos. Hoje
o diploma não garante colocação a ninguém. Não se pode mais afirmar que uma pessoa formada terá um
bom emprego, ou mesmo se vai ter emprego. Muitas escolas então usam atualmente o apelo da educação
como superação: formar uma pessoa para ser melhor do que as outras. Com a mudança no mercado de
trabalho e o avanço da consciência crítica dos educadores, é preciso quebrar a lógica de 10 mil anos da
avaliação excludente.
NE > Mas o professor tem tempo na grade curricular para atender esses alunos?
Vasconcelos < É preciso rever conceitos, repensar práticas de aula, replanejar o calendário escolar,
buscar alternativas. João Amós Comeno, pensador protestante, já dizia, em 1637, em seu tratado A Arte
Universal de Ensinar Tudo a Todos (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa), que existiam três
cavaleiros do apocalipse da educação: 1) a avaliação classificatória; 2) o conteúdo estabelecido sem
sentido e 3) o professor falando o tempo todo. Essas três coisas já são denunciadas a tanto tempo e são
realmente uma praga no ensino. Em Didática Magna, Comeno falava que o ensino precisava ser mais
participativo. Ele comparava a sala de aula com a vida, ressaltanto o perigo das classes homogêneas e da
padronização dos alunos. Ele dava o seguinte exemplo: na natureza existem flores diferentes; na sala de
aula temos também de ter pessoas diferentes. É singelo, mas de um sentido político profundo.
NE < O senhor disse que o professor precisa parar e fazer uma avaliação para depois atender aqueles que
precisam de ajuda, e o passo seguinte seria a retomada, a mudança. O que o professor deve fazer para que
esse processo ocorra em prol do aluno?
Vasconcelos < O professor precisa pensar qual será o caminho que deve seguir: uma mudança de
metodologia? Uma outra forma de abordar o conteúdo? Um exercício complementar para ser feito em
casa? Um atividade diversificada em sala de aula? Um trabalho em grupo? É preciso buscar uma
alternativa, o que não se aceita mais é ver o problema constatado e não ocorrer mudanças. Não tem
sentido o professor passar o fim de semana inteiro corrigindo provas e atribuindo notas e na segunda-feira
entregar o boleto na secretaria, ir para a sala como se nada tivesse acontecido, bimestre novo, vida nova.
NE > Como o professor deve expor ao aluno a avaliação feita no decorrer do processo?
Vasconcelos < A questão fundamental é saber qual o perfil de pessoa que se quer formar, de acordo com
o projeto pedagógico da escola. Essa questão não é muito simples, pois nós perdemos muitos referenciais.
A partir disso, o professor vai ter os critérios para fazer o relatório. Tendo isso claro, ele pode dizer
quanto essa criança está se aproximando, ou não, dos objetivos. A vantagem do relatório é que ele
permite ter uma idéia do processo, verificando como a criança vivencia o processo escolar. Mas é preciso
ter noção desse processo, para não tornar o relatório uma ficha policial: "A criança é agressiva, dispersiva
etc". Se o parecer for assim, prefiro a nota, por mais limitada que ela seja. De 1ª a 4ª série é mais fácil,
pois um professor acompanha o aluno o ano todo. Já de 5ª a 8ª torna-se mais complicado, caso o professor
não tenha um tempo semanal para ficar na escola e cuidar dessa tarefa. Muitas vezes os professores
montam alguns tipos de relatórios e os apresentam independente dos alunos que estão sendo avaliados. É
uma grande farsa. Mas se for inevitável, é possível criar uns 25 níveis de classificação e, dependendo do
aluno avaliado, ele é enquadrado em um desses níveis. Se o professor acrescentar algum comentário
pessoal, por exemplo, o processo torna-se transparente e eficaz. Sei que é muito fácil falar para os
professores fazerem relatórios, mas muitas vezes eles não têm tempo, principalmente os de séries mais
avançadas. Sinceramente eu acredito que, das quatro categorias da avaliação (conteúdo, forma,
intencionalidade e relações), eu investiria mais energia na intencionalidade. Se eu tiver de decidir entre
conceito e relatório ou ter mais tempo de intervenções em sala de aula, eu não tenho a menor dúvida: dou
conceito e incentivo o professor a mudar sua prática no dia-a-dia.
NE < Como o professor pode se capacitar para entrar nessa nova realidade?
Vasconcelos < Ele deve deixar o bom senso aflorar, fazer e depois discutir com os colegas. Isso é o mais
importante. Depois ele pode partir para cursos e literatura. É interessante também o professor conhecer
práticas que estão dando certo em outras escolas.
Vasconcelos, Celso dos Santos - Intencionalidade: palavra-chave da avaliação. Entrevista – Nova Escola,Ed.138,dez-2000.
(http://revistaescola.abril.com.br/ed_anteriores/0138.shtml)