Geografia Ativa
Geografia Ativa
Geografia Ativa
Primeira Parte
PROBLEMAS, DOUTRINA E MÉTODO
I - OS ANTECEDENTES
2.° - A Geografia é uma ciência do espaço, mas seus métodos são diferentes daqueles das
ciências naturais do espaço. - Como ciência do espaço ela é chamada a fazer balanços do
que representa globalmente este espaço para os homens que aí vivem. Não pode
consegui-lo, senão partindo da análise de todas as peças e de todos os processos que
constituem este espaço e seu dinamismo. Mas difere precisamente das ciências da natureza
no fato de que, para ela, esta aná1ise não é senão um meio, como não é também senão
ponto de partida e não resultado. Recorre a seus métodos, mas os adapta as suas
necessidades, que são as do conhecimento das consequências e das correlações de
fenômenos mais que dos fenômenos propriamente ditos. O mecanismo a interessa no que
autoriza a prever e no que comporta de repercussões sobre os outros fenômenos,
igualmente específicos do meio. O que não tem mais eco sobre o futuro e sobre a vida dos
habitantes deste meio está fora de sua curiosidade. Da geologia, retira o conhecimento da
armadura e da composição do meio mineral, uma e outra como elementos de uma
evolução. Negligencia o aparelho paleontológico que é instrumento para o geólogo, que
não desemboca nos seus problemas que são problemas atuais e problemas humanos, mas o
que é do seu domínio próprio, é o estudo da mais ou menos estabilidade da construção
herdado dos dados geológicos em comparação aos fenômenos de ataque inerentes as
características do clima, a natureza da cobertura vegetal, aos processos de destruição dos
equilíbrios naturais pelas próprias coletividades humanas.
A geografia reparte, com as ciências da terra, a característica de ciência do espaço, mas não
tem os mesmos objetivos que elas. Para situar as coletividades humanas em seu quadro,
empresta as ciências da terra seus resultados, se necessário utiliza seus métodos, para
completar a informação. Mas é mais sintética que elas. O geógrafo deve ter urna
competência, que lhe torne inteligíveis, simultaneamente, processos geológicos,
climatológicos, hidrológicos, biológicos. Esta é a condição de uma representação total do
meio percebido globalmente pelas coletividades que o ocupam. E este meio sintético que
recebeu dos geógrafos alemães e dos geógrafos soviéticos o nome de "Landschaft". A
técnica de estudo global do "Landschaft" dá ao geógrafo uma superioridade de concepção e
de iniciativa na ação, em relação a cada um dos especialistas dedicados ao conhecimento
de uma categoria de fenômenos. Essa superioridade não exclui, aliás, de modo algum, o
recurso a experiência de cada um desses especialistas, num empreendimento sério de
balanço regional e de ação regional.
6.° - O estudo de uma situação pode proceder de uma concepção contemplativa ou de uma
concepção ativa. -. A partir do inventário descritivo de uma situação, a curiosidade
científica pode orientar-se em duas direções:
- A primeira a busca da explicação para dois processos conjuntos, um processo de análise
de todos os fatores da situação, e um processo de descrição e de medida dos mecanismos
nos quais são encaixados respectivamente cada um desses fatores para construir e animar
esta situação. A resultante a qualificação da situação que se começou por constatar,
inventariar e descrever, e a qual se retorna pelas vias da explicação. Esta qualificação
procede de uma hierarquia de fatores, que faz aparecer uma ou mais dominantes que, no
momento presente, permitem dar uma denominação e um lugar a amostra estudada no
quadro dessa sistemática. A inserção numa sistemática requer o auxílio de um método que
faz parte integrante do arsenal metodológico da geografia, o método comparativo. O
trabalho do geógrafo aparece assim como um ciclo fechado, partindo de uma observação
espacial, recorrendo as diversas disciplinas de estudos gerais, tratando, cada uma, de um ou
de vários fatores e de certos tipos de relações, para chegar a síntese da explicação regional.
Esta orientação de pesquisa tem por fim único e exclusivo o conhecimento racional de uma
situação em tudo o que suas relações possam ter de mais complicado pelo exame sucessivo
de todos os seus antecedentes. A hierarquização dos problemas é determinada por aquilo
que parece ter a maior importância na gênese de uma situação, mas também por uma
preocupação de fazer aparecer o que, por comparação com outras situações, é o mais
original no conjunto das relações e dos estados estudados, o que é uma preocupação de
tipologia, portanto de geografia geral na síntese regional. Este objeto e seus diferentes
corolários de formulação dos resultados são perfeitamente gratuitos. Não correspondem a
pesquisa voluntária ou deliberada de conhecimentos práticos. Comportam, entretanto, uma
análise das relações e uma descrição da repartição dos dados da produção, do consumo e
dos sistemas de relação, cujo conhecimento pode contribuir para uma administração
racional, no sentido mais amplo do termo, do espaço para a delimitação da região etc.
Assim definida, a geografia se apresenta como a pesquisa de uma imagem "instantânea" do
mundo. Esta imagem satisfez uma geração que pode crer que tudo houvera sido feito antes
dela, que vivia no fim de uma revolução, a revolução industrial, que se esfalfava para
seguir uma revolução agrícola, que se resignava em reconhecer que era mais uma evolução
desigualmente acelerada segundo os lugares, do que uma revolução. Implicitamente a
pesquisa científica repousava sobre um postulado, segundo o qual tudo o que lhe dizia
-respeito tinha acontecido antes. Orgulhava-se de ter adquirido o domínio das técnicas e
organizado o mundo e recusava-se a dar a menor oportunidade aqueles que pareciam,
apostar num futuro diferente. Essa concepção do mundo e da imagem que de podia dar a
geografia estava tão fortemente arraigada que, quando da crise dos anos 1930, se recusou
por muito tempo a entrever outras situações e outros dados numéricos que os que a haviam
precedido e aos quais se devia, ao que parece, voltar, urna vez passado o acidente. Tudo o
que não era aquilo que se comprazia em analisar e descrever tornava-se "anormal", o que
significava confundir o futuro com o passado, excluindo do presente. A geografia se
orgulhava de não se interessar a não ser pelos dados estáveis. Isto era um verdadeiro
certificado de sua vocação científica. Propor um piano - e isto naturalmente com todas as
reservas relativas as incertezas de uma previsão e de uma intenção quaisquer que sejam
-.era considerado como uma perversão pelo menos igual àquela que consiste em afirmar
fatos sem citar suas fontes...
A extraordinária aceleração de evoluções técnicas, mas também de processos históricos,
modificando profundamente as reações econômicas e políticas anteriormente estabelecidas,
impôs a tomada em consideração do movimento, e mesmo a opinião de que toda a situação
é movimento. Ter uma certa libertinagem verbal, a tomada de consciência da rapidez das
transformações das condições de existência fez multiplicar, em certos autores, as
"revoluções técnicas". Mas o acelerado encadeamento das descobertas e de suas aplicações
fez renunciar a isto. Em menos de 50 anos, o desenvolvimento da navegação aérea deu ao
homem o domínio do céu acima dos continentes, em primeiro lugar, depois acima dos
oceanos e dos polos. Velocidades que pareciam vizinhas ao limite compatível com a
resistência dos homens e de seus aparelhos estão hoje relegadas a um passado, onde se
juntam pouco a pouco ao folclore das diligências, pelos desempenhos das máquinas
supersônicas e das naves cósmicas. O drama de Hiroxima revelou as massas as enormes
possibilidades da conquista da energia atômica, com sua irnp1acável dialética, que pode
fazer dela o instrumento da destruição da humanidade ou um dos meios de destruir um dos
ferrolhos que bloqueiam a ascensão de cerca de dois bilhões de esfomeados para uma
condição decente. A eletrônica e automação põem em causa a natureza e a duração do
trabalho. Paralelamente, situações políticas e econômicas, que se qualificavam de estáveis,
foram transformadas e continuam a se transformar num ritmo rápido, diante do qual as
resistências e aos conservantismos não resistem por muito tempo. A revolução soviética de
1917, a criação das democracias populares e, em particular, a revolução chinesa num país
que todos se compraziam em descrever como a própria expressão do imobilismo, a
abertura do Mercado Comum, a descolonização, sacudiram os equilíbrios estabelecidos,
abriram o caminho as experiências, as novas construções com seu resgate de erros, de
fracassos e de dramas. Tornado em tal turbilhão, o observador, e particularmente o
geógrafo, não pode mais se contentar com um instantâneo que se sabe ultrapassado no
exato momento em que exprime a sua imagem. Não escapa a prescrição de seus trabalhos
pela descrição do movimento, mas, apegando-se ao estudo dos movimentos, ele permanece
na vida. E, situando-se na vida, afirma-se como um companheiro valioso para aqueles que
tem a missão de organizar a vida. É ativo seu estudo torna-se um estudo ativo que pode
inspirar ou é guiar a ação.
- A segunda direção de pesquisa, aquela que conduz a esta geografia ativa, nasceu, pois, em
grande parte, das circunstâncias, não extrema mobilidade - das situações atuais. Supõe
adquiridos os resultados de um inventário metódico de tudo o que é herdado do passado,
portanto, métodos de investigação e de explicação, que fizeram o valor dos trabalhos dos
geógrafos da primeira metade do século. Além deste conhecimento da herança, - aplica-se
na determinação do jogo de forças, que está incluído em toda situação de uma dada porção:
do espaço. Obra difícil, pois, se tudo é na realidade - movimento e se não há salto para
adiante em um domínio, sem repercussão em todos os outros setores da atividade, a
mobilidade dos dados é muito desigual. No limite extremo da formulação da desigualdade
das velocidades de marcha dos diferentes objetos da análise e da síntese geográfica,
seríamos tentados a perguntar se o homem não está ameaçado por uma ruptura de
equilíbrio entre seus próprios ritmos de pensamento e os ritmos de evolução dos
mecanismos que pôs em marcha. Mas isto já não é assunto de estudo geográfico. Em
contrapartida, o imobilismo aparente de certas técnicas rurais e das psicologias a elas
associadas, se opõe de uma maneira perturbadora ao progresso das técnicas da indústria e
das relações. A mesma terra africana reúne a imagem da aldeia patriarcal e do trabalho a
enxada, do aeródromo, do caminhão, da T.S.F e do complexo automatizado de produção de
energia elétrica e de alumínio. Relações estáveis não se criam sem hesitações e
contradições entre elementos tão dispares. Aparecem temas de estudo inteiramente novos.
É preciso, para o futuro, ter em conta uma nova escala do espaço humano. Tendo a
navegação marítima moderna e a estrada de ferro modificado as relações entre a ação e o
espaço, uma nova hierarquia dessas relações se estabelece, segundo diga respeito vida de
aldeia de economia natural da administração regional, ou das relações internacionais. A
mesma aldeia africana que constitui um microcosmo está integrada numa economia
regional centrada sobre estas cidades embrionárias ou hipertrofiadas para as quais se evade
a sua juventude, e participa do universalismo da ONU.
Mas não se trata somente destas distorções novas. O presente perigosamente instável.
Contém diversas virtualidades que é preciso isolar se se deseja dar dele uma imagem
correta o objetivo da geografia ativa é perceber as tendências e as perspectivas de evolução
a curto prazo, medir em intensidade e em projeção espacial as relações entre as tendências
de desenvolvimento e seus antagonistas, definir e avaliar a eficácia dos freios e dos
obstáculos. É por aí que a geografia pode desembocar na aplicação. E sua missão é tanto
mais importante quanto por toda parte se afirmar a vontade de criar, criar para libertar se de
um passado que se repudia, criar para satisfazer necessidades imperiosas nascidas do
crescimento do consumo, criar para afirmar que se possuem as melhores garantias de uma
construção e de um domínio do futuro. E quanto mais velho é o mundo no qual se cria,
mais complicados são os problemas da criação, mais requerem o conhecimento de uma
herança complexa ao mesmo tempo que uma clarividência das virtualidades do mais
próximo futuro.
A distinção parece doravante bastante fácil de se fazer, entre a aplicação das disciplinas
de análise geográfica ou das ciências auxiliares da geografia e a da geografia sintética
ativa, a única geografia.
2.° - O estudo das relações orgânicas entre diversos elementos de produção e de consumo
e sua projeção no espaço permite definir os mecanismos e os processos de sua regulagem.
O problema específico da geografia é estudar, no interior de um espaço definido, todas as
relações de causalidade entre os fenômenos de consumo no sentido mais amplo do termo -
incluindo-se a ocupação dos alojamentos e o recurso aos serviços - e os fenômenos de
produção, determinar os grupos homogêneos de evolução sincrônica e correlativa, isolá-los
dos simples feixes de coincidências circunstanciais e fazer aparecer as contradições e as
sobrevivências inibidoras.
O motor que anima a maior paste dos processos interessados o consumo do grupo humano.
É proporcional ao número de habitantes e as taxas de consumo individual do grupo
considerado. A evolução do último cento e cinquenta anos mostrou que as necessidades dos
homens eram praticamente limitadas e que, na medida em que são realizadas as condições
de uma diversificação crescente e de um crescimento quantitativo correlativo do consumo,
este aumenta de uma maneira continua por crescimento simultâneo da absorção individual
de produtos e de serviços pela classe mais favorecida e por uma participação cada vez
maior das massas no consumo. Mas o impulso demográfico contraria e pode revisar esta
evolução nos países em que o crescimento natural é mais típico, - de tal maneira que as
oposições entre os regimes de consumo tornam-se cada vez mais marcadas. Durante muito
tempo, as necessidades foram regidas por hábitos de civilizações contidas em domínios
geográficos facilmente definidos, produtos de evolução histórica especificas destes meios
P. Vidal de La Blache pode assim definir as civilizações caracterizadas por seus regimes
alimentares, a alimentação constituindo o essencial das necessidades em sociedades de
níveis de vida muito baixos. Pode-se falar - até o início do século XX - de equilíbrios
regionais realizados entre necessidades de uma população e sistema de produção baseado
na colheita de uma ou várias plantas de civilização. Estes equilíbrios procediam, aliás, em
grande parte, de uma regulagem da evolução quantitativa do grupo pelas fomes.
A expansão europeia teve por efeito uma universalização das necessidades, ao menos a
título virtual e psicológico e a multiplicação das formas de produção de matérias brutas ou
semi-elaboradas em todos os países do mundo para o mercado da Europa. Disso resultaram
sistemas de relações cada vez mais complicados e tendências de desenvolvimento que se
exprimem de maneira cada vez mais imperiosa.
Convém, pois, em cada país, proceder a uma avaliação, em quantidade e em espécies, das
necessidades da população, e buscar os processos que asseguram a satisfação dessas
necessidades. Trata-se em primeiro lugar, do recurso a produção nacional, isto é a
utilização do território por um lado, da força de trabalho representada pela população de
outro lado. Para certos países as relações produção-consumo se restringem a relação
fechadas no quadro espacial do território nacional. Convém determinar por quê. Não é
menos necessário saber em que medida as necessidades virtuais ou expressas são satisfeitas
nessas condições. O deficit atribuído a uma incapacidade fundamental do território ou a
obstáculos a plena utilização desse território? Neste caso, qual a natureza desses
obstáculos? Quais são os freios que o desenvolvimento de uma economia produtiva
encontra? São frequentes os casos de economias quase fechadas que são também
economias de miséria ou de mediocridade em território cheio de promessas. Os
mecanismos mobilizadores são bloqueados por estruturas sociais, por sequelas de tutelas
paralisantes, por um bloqueio de créditos etc. Denunciar os obstáculos não é resolver o
problema, mas é fornecer, aqueles que tem os instrumentos políticos de ação, os meios de
fazê-lo evoluir.
Um segundo caso é o dos países cujo consumo é assegurado pela produção de recursos de
origem exterior a seu território. Inicialmente, este recurso procedeu de uma sujeição de
diversos países estrangeiros comodidades de uma economia dominante. Esse sistema
originou todo um dispositivo institucional, financeiro, comercial, que leva a uma
reconversão quando as relações anteriormente estabelecidas se modificam ou se rompem.
Disso podem resultar não somente reformas de estrutura, mas também esterilizações locais
ou regionais, se um porto, uma cidade ou uma região viviam essencialmente do papel de
intermediário entre a economia dominante e os países solicitados. As reconversões
necessitam da entrada em ação de novas mecanismos. Além disso, o recurso as fontes
exteriores se apoia sobre o desenvolvimento de uma economia de trocas e de- serviço. Um
país assegura a cobertura universal de seu consumo, na medida em que é capaz de - vender
ao mundo inteiro os produtos nacionais ou de oferecer o serviço de seus bancos, - de suas
companhias de navegação, de seus técnicos, de suas sociedades de investimentos e de
criações industriais.
- As relações são, pois, de naturezas muito diferentes: relações entre formas de consumo -
em particular regimes alimentares - e aptidões do território, relações reguladas pelas
técnicas e as formas de organização (estruturas) aplicadas a mobilização dos recursos,
relações entre formas de consumo e em particular necessidades de produtos - industriais - e
as capacidades de produção que procedem do equipamento industrial, da qualificação de.
mão-de-obra, e dos quadros administrativos, das disponibilidades- de investimento, tanto
da presença - sobre o solo e no subsolo nacional de recursos brutos em minerais, em
matérias-primas e em energia etc. Relações também entre consumo e dispositivo comercial
de intercâmbio com o resto do mundo, implicando problemas de créditos, de divisas, de
acesso aos mercados exteriores etc.
Se as relações são de naturezas múltiplas, são também de escalas muito diferentes, segundo
se examinem os mecanismos da vida cotidiana numa região de alguns milhares ou de
algumas dezenas de milhares de km2, ou numa cidade ou mesmo quando se trata de
problemas à altura de um grande Estado. O primeiro é o lugar da região ou da cidade num
dispositivo mais vasto de relações consumo-produção. Isto feito, é relativamente fácil
desvendar a meada, frequentemente embrulhada, das relações que passam pela região ou
pela cidade e que comandam sua atividade, determinando-lhe a prosperidade ou o declínio.
Sendo definidas as relações, os sistemas de relações devem ser situados e é aqui que o
trabalho do geógrafo se separa radicalmente daquele do economista, que se contenta com a
qualificação dos mecanismos. Um mesmo país, qualquer que - seja seu grau de
desenvolvimento na situação atual do mundo, se decompõe em estratos superpostos, cada
Um - deles composto - de elementos de dimensões diferentes. Certos problemas, os
problemas rurais em particular, podem ser parcialmente estudados na escala de pequenas
regiões no interior das quais se desenvolvem as relações simples, mas fundamentais, entre
meio natural e formas de utilização do solo. Da mesma forma, a organização da vida
quotidiana numa aglomeração urbana se situa nesse mesmo nível de base, distribuição -dos
produtos de consumo, transportes quotidianos, conjunto de serviços na escala do bairro ou
da cidade. etc. Esse estrato inferior corresponde a uma representação cartográfica em
grande escala: a dos problemas de interesses individuais ou das coletividades locais.
Mas, nada pode ser completamente explicado, analisado e prospectado se não se eleva a
um outro nível - até a escala de um continente ou de uma fração do planeta escala dos
problemas de grupos, dos interesses nacionais ou internacionais e de seu confronto.
Esses estratos sucessivos não se superpõem indiferentemente. Encaixam-se uns aos outros
e, assim sendo, modelam-se, deformam-se de tal maneira que os mecanismos que regem a
vida econômica e a vida - social de um Estado ou de uma região, embora pertencendo a
uma mesma família estrutural que aqueles que pesam sobre um Estado vizinho ou sobre
uma outra região; não funcionam exatamente da mesma maneira o impacto de um sistema
de desenvolvimento sobre um meio que reage por suas propriedades inertes e pela herança
de seu passado histórico próprio, apresenta características originais, que vão orientar,
acelerar ou retardar certos processos. E neste sentido que não há leis econômicas
universais, mas uma infinidade de formas de aplicação de esquemas teóricos. O geógrafo é
o especialista deste estudo diferencial, enquanto que, por definição, o especialista trabalha
nas grandes escalas e somente nas grandes escalas. E o único preparado para fazer aparecer
e para representar cartograficamente, em sua verdadeira extensão, todas as variantes de um
sistema ou de um mecanismo relacionado, por outra fonte; a um tipo padronizado. Essa
diversidade aparece em primeiro lugar, na discordância entre as imagens tornadas à nível
inferior (escala da pequena região) e as imagens dos níveis superiores (pequena escala).
Mas, na medida em que os quadros superiores são suportados por elementos de base
muitos diferentes daqueles que os sustem algures, esses quadros superiores são também
modificados. Em consequência, certos processos de ação são desigualmente eficazes,
segundo os meios de base aos quais se espera aplicá-los. O transporte aéreo se classifica
entre as técnicas de aplicação sobre espaços muito extensos. Segundo a economia local,
seja a da Europa do Noroeste, da América do Norte, da África ou da Sibéria, seu papel, sua
rentabilidade, seu caráter técnico é profundamente diferentes.
Além disso, um mesmo dado pode mudar de escala no decorrer da evolução, ou se
apresentar em escalas diferentes em países distintos. Estas modificações de dimensões são
acompanhadas, aliás, de mutações qualitativas. A concentração industrial, por exemplo, faz
passar, num país, a fato geográfico que é a empresa de um plano quantitativo a um outro e,
deste fato, introduz novas formas, de relações no espaço e na natureza das coisas. As zonas
de irradiação, de influência, de recrutamento da mão-de-obra dilatam-se, e, ao mesmo
tempo, certas relações se rompem, elementos do antigo sistema morrem, outros nascem.
Em princípio, há instrumento de representação e ao mesmo tempo o guia de ação pode ser
sintetizado sob a forma de um atlas, no qual, a propósito de uma dada parte do globo,
tratou-se de todos os fenômenos e todos Os conjuntos de relações de fenômenos, em
representação cartográfica com escalas diferentes, segundo os "níveis" de combinação dos
fatores e das ações que constituem a situação desta parte do globo, isto é, ao mesmo tempo
seu estado e seu potencial.
E efetivamente sob esta forma, que se passa do descritivo ao prospectivo e ao perspectivo,
do estudo geográfico puro ao plano de organização regional.
3 - A geografia regional pode e deve vir a ser perspectiva. - Partindo da noção dinâmica de
situação, que consiste em definir uma região como um conjunto de ações de intensidade
variáveis susceptíveis de contribuir para muitas formas de equilíbrio, é fácil definir a
função, aqui absolutamente decisiva e insubstituível, do geógrafo. Está o homem de ciência
melhor colocado para diagnosticar, em cada momento de uma evolução complexa, o papel
de cada fator, a finalidade e a intensidade de cada ação, e para indicar os remédios, isto é,
os meios de intervir para obrigar a levantar um freio, deslocar ou abater um obstáculo,
liberar um processo evolutivo, bloquear um processo destrutivo. Fica evidente que, se tem
a responsabilidade do diagnóstico, se divide a da posologia com os representantes das
ciências econômicas e sociais, não lhe cabe tomar as decisões e aplicar os remédios, e isto
ainda mais que, o mais frequentemente, uma situação atual apresenta diversas virtualidades
de evolução, segundo se influa diferentemente sabre seus mecanismos. Uma escolha se
impõe em face de cada situação. Esta escolha comporta a concessão de certas vantagens, a
sacrifício de certos privilégios. E, pois, política. Aí se situa a linha de demarcação entre a
geografia ativa e perspectiva e a ação administrativa. Mas uma seria sem fundamento
válido sem a outra.
5 — Nenhuma região sendo suposta meio fechada, o geógrafo pode e deve definir as
necessidades, as possibilidades e as opções de uma vida de relação - Estando a região
delimitada, analisadas suas virtualidades, a escolha da opção - que pertencerá ao
administrador ou ao político —, será guiada pela consideração da conjuntura de relações;
relações de região para região, relações econômicas e políticas internacionais. Tal
empreendimento, que é inútil se a região tem acesso ao mercado internacional sem
obstáculos de nenhuma espécie, torna-se imperiosa se ela se encontra, ao contrário, numa
situação de isolamento. A mobilização dos recursos em linhito, o desenvolvimento da
indústria química da Europa Central, devem muito a tipos sucessivos de situação de
bloqueio. Em contrapartida, a abertura dum mercado comum obriga a rápidas
reconversões. O conhecimento qualitativo das virtualidades de cada região, de sua
permeabilidade e grande circulação, permitem fazer, em cada circunstância, um balanço
exato. A consideração de semelhante balanço pode recomendar associações inter-regionais,
para favorecer urna nova orientação do trabalho de cada uma das regiões associadas numa
preocupação de valorização ótima das aptidões naturais e humanas, de redução dos gastos
de exploração, repercutindo, seja sobre as possibilidades de venda para fora numa situação
de grande competição e de necessidade de trocas, se sobre a alargamento do setor
distributivo.
Tais pesquisas de organização inter-regional e de complementaridade técnica e econômica,
que podem ser estendidas ao estudo de relações entre países desigualmente desenvolvidos,
são absolutamente especificas da geografia.