Medcel Obstetrícia - Vol 3

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Fábio Rol:5er,to Ca15ar,
Síndromes hemorrágicas da 1ª
metade da gestação
Fábio Roberto Cabar

1. Aborto
Costuma-se chamar aborto o término da gestação antes das primeiras 20 a 22
semanas, contadas a partir do 1º dia da última menstruação. Também são
assim chamados os fetos que, ao nascimento, tenham menos de 500g de peso,
segundo a Organização Mundial da Saúde.

A - Incidência

Acredita-se que, do ponto de vista clínico, aproximadamente 15 a 20% das


gestações terminem espontaneamente antes da viabilidade do produto
conceptual. Sabe-se, entretanto, que a perda fetal pode ocorrer algum tempo
antes da implantação do blastocisto; alguns óvulos fertilizados não
conseguiriam iniciar a clivagem, e outros, em processo mais avançado de
divisão, não conseguiriam se implantar. Do mesmo modo, embriões
implantados recentemente podem inviabilizar-se antes de começar o próximo
período menstrual, caracterizando o abortamento de “gravidez oculta”.

B - Etiologia

Podem-se destacar 2 grupos de abortamento: os espontâneos e os provocados.


A maior parte dos abortamentos espontâneos (cerca de 80%) acontece nas
primeiras 12 semanas da gestação, e, após esse período, sua ocorrência
diminui rapidamente. As causas envolvidas na determinação do abortamento
podem ser variadas, destacando-se, entre as ocorridas em fases precoces da
gravidez, as anomalias cromossômicas. O risco de sua ocorrência aumenta
com o crescimento da idade materna.
Quando o abortamento acontece nos períodos mais precoces da gravidez,
independentemente de sua etiologia, não é raro que o embrião morra antes de
sua expulsão ser completa. Esse fato torna mais difícil a identificação exata
do mecanismo etiológico envolvido na sua ocorrência. A morte do embrião
pode ser causada por motivos ligados à sua própria condição biológica ou ser
consequência de uma doença sistêmica materna.
Dentre os abortamentos espontâneos, podem ser relacionados 2 grandes
grupos de fatores causais:

a) Fatores fetais

A análise histomorfológica cuidadosa dos produtos de abortamentos


espontâneos precoces mostra, com grande frequência, múltiplas
anormalidades nos diferentes estágios de organização do ovo, embrião ou
feto.
É encontrado um grande número de gestações anembrionadas (“ovos cegos” –
blinded eggs) ou de embriões degenerados; essas situações eram difíceis de
serem constatadas antes do desenvolvimento dos equipamentos modernos de
ultrassonografia.
Quando esses produtos são estudados em detalhes, podem-se constatar
frequência elevada de anomalias morfológicas (até 70%) e altíssima taxa de
anormalidades cromossômicas. Essas alterações fetais, principalmente no 1º
trimestre, podem ser acompanhadas de número anormal de cromossomos
(aneuploidia) ou com número correto (euploidia). Acredita-se que os
abortamentos ocorridos de embriões euploides (conformação cromossômica
normal) aconteçam em períodos mais tardios do 1º trimestre da gestação, a
maioria até 13 semanas.
A trissomia autossômica é a alteração mais frequentemente ligada ao
abortamento espontâneo de 1º trimestre e representa 50% dos abortamentos
de causa genética. As trissomias mais relacionadas ao abortamento são, em
ordem decrescente de frequência, dos cromossomos 16, 22, 21, 15, 13, 2 e 14.
Erros na meiose I são a principal explicação para a ocorrência das trissomias e
se relacionam com a idade materna avançada e com a diminuição ou ausência
de recombinação meiótica. A monossomia do cromossomo X, a 2ª causa de
alteração cromossômica mais comumente relacionada ao abortamento, está
presente em cerca de 7 a 10% dos abortamentos de 1º trimestre.
Aproximadamente, 99% dos casos de monossomia do X evoluem para o
abortamento. Essa alteração cromossômica geralmente ocorre pela falta de
um cromossomo sexual paterno, sem correlação com a idade materna.
Os abortamentos decorrentes de tetraploidia são incomuns, e a gestação
raramente evolui além da 3ª semana. A tetraploidia do tecido embrionário
deve ser diferenciada da tetraploidia celular encontrada em aproximadamente
1% das células submetidas a cultura de líquido amniótico, que não
apresentam significado clínico.
As alterações cromossômicas estruturais são causas infrequentes de
abortamento e adquirem importância somente nos casos de abortamento
habitual. A presença de translocação balanceada em um componente do casal,
após a recombinação meiótica, pode originar translocação não balanceada no
produto conceptual, o que é capaz de causar o abortamento.
Translocações balanceadas são encontradas entre 43 e 50% dos casais com
abortamento recorrente, e a maioria dos indivíduos portadores dessa alteração
cromossômica apresenta fenótipo normal. Esse tipo de anomalia
cromossômica é cerca de 2 vezes mais frequente na mulher.

b) Fatores maternos

A seguir, as causas maternas mais associadas aos abortamentos.

- Drogas

O uso de álcool e outras drogas continua a ser um grande problema de saúde


pública. Nas gestantes, esse problema ganha ainda mais importância, pois a
exposição dessas pacientes às drogas pode levar ao comprometimento
irreversível da integridade do binômio mãe-feto.
A associação entre tabagismo e abortamento é apontada por diversos estudos.
Mulheres que fumam mais de 10 cigarros por dia apresentam maior risco de
abortamento (RR = 1,2 a 3,4). Vasoconstrição e danos placentários podem
estar elencados na gênese de abortamento em tabagistas.
Alguns estudos relatam que o consumo de álcool na gestação se relaciona
com maior risco de abortamento. As gestantes devem sempre evitar o álcool,
também, pelo risco de teratogenicidade.

- Doença sistêmica

Doenças sistêmicas que comprometam significativamente a saúde da mulher


grávida podem repercutir sobre o crescimento e o desenvolvimento do
concepto, causando, eventualmente, interrupção da gestação.

- Infecções maternas

Processos infecciosos leves ou graves podem estar associados ao


abortamento. Pneumonia, gripe e infecção do trato urinário são relacionadas a
eventuais abortamentos, sem que se conheça, entretanto, o mecanismo
causador desse fenômeno. Infecções por agentes virais (rubéola, herpes-
simples, citomegalovírus, hepatites), bactérias (Brucella, Listeria, Chlamydia,
Mycoplasma) e protozoários (Toxoplasma, Trypanosoma, Plasmodium)
também são associadas ao abortamento. A sífilis é uma doença causadora de
abortamentos tardios, também relacionada a óbito fetal intrauterino, partos
prematuros e recém-nascidos infectados. Doenças infecciosas graves e
crônicas, como formas avançadas de tuberculose ou neoplasias, associam-se
mais comumente a partos prematuros, podendo, entretanto, relacionar-se com
abortamentos, principalmente após 13 semanas de gestação.

- Estado nutricional materno

Alguns estudos apontam que índices de massa corpórea abaixo de 18,5 e


acima de 25 estariam associados a maior risco de abortamento. Entretanto,
ainda não há conclusões definitivas sobre a deficiência de alimentos ou de
algum tipo de nutriente e sua relação com abortamento.
É importante salientar a relação entre a deficiência de ácido fólico na
alimentação de mulheres em fase reprodutiva e o aparecimento de
malformações do sistema nervoso central, que poderiam ser causa de
abortamentos tardios.

- Endocrinopatias

O aumento na incidência de abortamentos foi associado aos distúrbios da


tireoide, particularmente ao hipotireoidismo. Com relação ao diabetes
mellitus, o resultado gestacional desfavorável está relacionado ao controle
clínico inadequado da doença.

- Fatores imunológicos

Nos últimos anos, tem-se dado maior destaque ao abortamento decorrente de


falha imunológica. A dificuldade em diagnosticar com precisão essa etiologia
pode provocar, em vários casais, situação clínica chamada aborto recorrente
ou de repetição (3 ou mais abortos consecutivos). Admite-se frequência de
cerca de 1% desse tipo de aborto, sendo documentadas alterações etiológicas
variadas que, em metade dos casais, podem ser atribuídas a causas
imunológicas.

- Síndrome do anticorpo antifosfolípide

Pode ser considerada uma das principais causas imunológicas de


abortamentos de repetição. A incidência em pacientes com aborto de repetição
pode ser de até 41,2% (no momento da 3ª perda gestacional). Acredita-se que,
a cada nova perda, haja uma elevação de 15% nessa incidência. Fosfolípides
são moléculas que fazem parte da composição da membrana celular e de
mecanismos de transmissão de sinais celulares, que regulam a divisão e a
secreção celulares. Existem vários tipos de moléculas fosfolipídicas, e a
presença de anticorpos contra algumas delas está relacionada a insucessos
gestacionais. Os anticorpos mais estudados são anticardiolipina,
anticoagulante lúpico, antifosfatidilserina, antiácido fosfatídico,
antifosfatidilinositol, antifosfatidilcolina e antifosfatidiletanolamina. A
prevalência de anticorpos antifosfolípides é bastante variável nas diversas
populações. Em pacientes com história obstétrica normal, varia de 2 a 9,8%,
enquanto, naquelas com abortamento de repetição, essa prevalência pode
alcançar 8 a 41,2% e, em portadoras de lúpus eritematoso sistêmico, pode
atingir até 86%. O diagnóstico é realizado a partir de critérios clínicos e
laboratoriais. Baixos títulos de anticorpos anticardiolipina estão relacionados
com melhores resultados gestacionais. Vários tratamentos têm sido propostos
para síndrome do anticorpo antifosfolípide, entre eles uso de drogas
anticoagulantes (heparina e ácido acetilsalicílico) ou drogas que procuram
diminuir a produção de anticorpos (corticosteroides e imunoglobulina
humana). Os melhores resultados gestacionais são encontrados entre pacientes
tratadas com drogas anticoagulantes.

- Malformações uterinas

Não são raras as anomalias de fusão dos ductos müllerianos, determinando


malformações uterinas (útero unicorno ou bicorno e septado) que favorecem o
abortamento e a prematuridade.

- Incompetência cervical

Trata-se de uma condição que se caracteriza por perda fetal recorrente no 2º


trimestre da gestação, em consequência de insuficiência do sistema de oclusão
do colo uterino. O diagnóstico clínico geralmente é retrospectivo e depende
de uma cuidadosa anamnese obstétrica. Geralmente, ocorrem dilatação
cervical indolor, ausência de sangramento, protrusão das membranas
amnióticas na vagina e posterior rotura das membranas, seguida de expulsão
fetal, às vezes com feto vivo. A incompetência é responsável por 10 a 20%
dos abortamentos de repetição. Entre os fatores etiológicos da incompetência,
destacam-se as causas traumáticas, como dilatação e curetagem; laceração
cervical pós-parto ou pós-abortamento; amputação ou conização do colo
uterino. Pode ser, ainda, de origem congênita, por alteração do colágeno, ou
em consequência da exposição intrauterina ao dietilestilbestrol. É
fundamental a história obstétrica de perdas fetais recorrentes no 2º trimestre
da gravidez. Fora da gestação, o diagnóstico é realizado principalmente pela
histerossalpingografia durante a fase lútea do ciclo menstrual. A largura da
região istmocervical superior a 8mm é altamente sugestiva do diagnóstico.
Ainda fora da gravidez, a falta de resistência à passagem pelo colo uterino de
vela de Hegar nº 8, na 2ª fase do ciclo menstrual, também denota a
insuficiência do sistema oclusivo do canal cervical. Durante a gestação,
utiliza-se a ultrassonografia transvaginal, por ser de fácil execução e não
invasiva. Tem se mostrado superior à ultrassonografia abdominal e perineal
na avaliação do comprimento do colo uterino. Avaliam-se, para esse
diagnóstico, o comprimento do colo uterino, a forma do canal cervical e a
presença de protrusão das membranas amnióticas por meio do canal cervical.
Normalmente, o comprimento do colo uterino permanece praticamente
estável até o início do 3º trimestre da gravidez, quando se encurta
progressivamente. A medida do colo uterino entre 20 e 24 semanas permite
estimar a chance de nascimento prematuro, com boa acurácia, especialmente
nos casos de comprimento cervical inferior a 25mm. A herniação das
membranas amnióticas pelo canal cervical dilatado é sinal ultrassonográfico
tardio de incompetência cervical (sinal de “dedo de luva”).
O tratamento da incompetência é a realização da circlagem cervical,
preferencialmente pela via vaginal. O objetivo é prevenir o encurtamento e a
abertura prematura do colo uterino por meio de sutura circular no nível de seu
orifício interno. As principais técnicas empregadas são a de Shirodkar e a de
McDonald (que consiste na sutura circular próximo ao orifício interno do colo
uterino). A sutura é feita em bolsa com fio inabsorvível monofilamentar (fio
de propileno nº 2), deixando-se os nós com cerca de 1,5cm na região anterior
do colo uterino. Previamente à circlagem, preconiza-se a ultrassonografia
morfológica de 1º trimestre, a fim de afastar possíveis malformações fetais,
avaliar a medida da translucência nucal e assegurar sua vitalidade. É
importante fazer, previamente à cirurgia, o tratamento de infecções
cervicovaginais, e recomenda-se ainda a abstinência sexual. A circlagem é
denominada profilática se realizada antes da cervicodilatação, sendo o
período ideal entre 12 e 16 semanas de idade gestacional. Circlagem de
emergência é aquela realizada no 2º trimestre da gestação, com a paciente
apresentando modificações do colo uterino, como dilatação acima de 2cm,
esvaecimento cervical pronunciado e membranas amnióticas protrusas por
intermédio do canal cervical. A circlagem de emergência não deve ultrapassar
26 semanas de gravidez, com análise individualizada. A circlagem também
pode ser efetuada pela via abdominal, em casos de impossibilidade técnica de
circlagem transvaginal, consequente a alterações anatômicas do colo uterino
ou, ainda, após falha de circlagem transvaginal. Também é possível circlagem
abdominal por via laparoscópica. Os fios devem ser removidos após 36
semanas de gestação ou em qualquer momento da gestação, na presença de
trabalho de parto prematuro incontrolável, amniorrexis prematura,
corioamnionite e óbito fetal. As complicações mais frequentes são
afrouxamento da sutura, amniorrexis prematura, corioamnionite, trabalho de
parto prematuro e maior incidência de operação cesárea.

Importante
Incompetência cervical é a principal causa de abortamento tardio de
repetição. O tratamento, quando indicado, é realizado por meio de
circlagem uterina.
Figura 1 - Circlagem uterina – técnica de McDonald: aspectos (A) externo e (B) interno
Figura 2 - Colo uterino depois de circlagem

C - Mecanismo de abortamento

O mecanismo envolvido nos casos de abortamento varia com a época


gestacional. É fundamental conhecer alguns elementos de seu mecanismo
para poder adotar uma conduta terapêutica adequada.
Nas primeiras semanas, o conteúdo uterino mais importante a ser eliminado é
a decídua parietal, na qual o ovo está nidado, impossível de ser reconhecido a
olho nu. Embrião e anexos são expulsos misturados ao sangue, sugerindo à
paciente característica de menstruação atrasada, um pouco mais profusa do
que a habitual.
No 2º mês, espera-se igualmente a eliminação completa de decídua, embrião e
anexos. Entretanto, isso pode ocorrer de forma parcial, observando restos e
coágulos, seguidos de sangramento mais intenso e persistente.
No 3º mês (entre 8 e 12 semanas), pode ocorrer a eliminação completa de
todo o material embrionário e decídua que, com mais frequência, se retém
para se desagregar em um 2º tempo, em razão de sua maior espessura e
complexidade. Em alguns casos, ocorre sangramento em maior quantidade e
há a possibilidade de retenção de restos anexiais.
É importante salientar que esses mecanismos são esperados para os
abortamentos espontâneos, não se aplicando aos provocados artificialmente.

D - Classificação
O aborto pode ser classificado em espontâneo ou provocado. Segundo a sua
evolução, pode, ainda, ser classificado em:

a) Ameaça de abortamento

Condição transitória que, em geral, dura pouco tempo, podendo progredir


para abortamento em curso ou seguir sua evolução como gestação normal.

b) Abortamento em curso

Situação em que dores abdominais em cólica se acentuam em frequência e


intensidade; o quadro de hemorragia genital pode cursar com a eliminação de
coágulos, e há o aparecimento das transformações cervicais, que avançam até
abrir o canal cervical, atingindo o orifício interno. O ovo, entretanto, mantém-
se em seu lugar de implantação na decídua (polo ovular inalcançável ao toque
digital).

c) Abortamento iminente ou inevitável

Presença de dilatação cervical ampla e possibilidade de tocar ou visualizar o


polo inferior do saco gestacional, que se insinua pelo canal ou se exterioriza
por meio do orifício externo do colo.
Quando há a eliminação de todo o conteúdo da gestação, não restando
material ovular na cavidade uterina, o abortamento é classificado como
completo. Nas situações em que o orifício interno do colo permanece
entreaberto e parte dos tecidos anexiais e embrionários ainda fica retida junto
à decídua uterina, classifica-se o quadro clínico como um abortamento
incompleto (Figura 3).
Figura 3 - Ultrassonografia transvaginal: endométrio irregular e espessado (espessura >15mm) –
aborto incompleto

O aborto de repetição pode ser definido como 3 ou mais perdas gestacionais


consecutivas antes de 22 semanas de gestação, com fetos com menos de 500g
de peso. É classificado em primário (mulheres nulíparas) ou secundário
(mulheres que já tiveram algum parto). A incidência de casais que apresentam
abortos de repetição varia entre 2 e 5% daqueles em idade reprodutiva.
Se há ou não infecção, pode ainda ser denominado infectado e não infectado.
Quando o produto conceptual está morto e não é eliminado, configura-se o
chamado abortamento retido (missed abortion).

E - Diagnóstico e tratamento

As características dos sinais e sintomas variam segundo o momento evolutivo


do processo de abortamento e, em geral, não oferecem dificuldades para o
diagnóstico. A tríade clássica do quadro de abortamento é formada por dor
abdominal em cólica, hemorragia genital e eliminação de tecidos
embrionários, queixas referidas por uma mulher grávida ou com alterações
menstruais compatíveis com a possibilidade (atraso menstrual). Sabe-se que o
sangramento vaginal no 1º trimestre pode vir acompanhado de hemorragia
fetomaterna e consequente isoimunização Rh em gestantes Rh negativo não
sensibilizadas. Por essa razão, pacientes com quadro de hemorragia genital de
1º trimestre devem realizar exame de tipagem sanguínea e Coombs indireto.
Em casos selecionados (Rh negativo e Coombs negativo), indica-se
imunoglobulina Rh (Matergam®/RhoGAM®).

Importante
Sangramento vaginal no 1º trimestre pode vir acompanhado de hemorragia
fetomaterna e consequente isoimunização Rh. Sempre se devem pedir
tipagem sanguínea e Coombs indireto.

Como diagnóstico diferencial, temos as circunstâncias em que aparecem


alterações menstruais, hemorragia genital e dor abdominal, com destaque para
gestação ectópica, doença trofoblástica gestacional, mioma em parturição etc.

a) Ameaça de abortamento

Trata-se de ameaça de aborto quando o curso normal da gestação é


interrompido com o aparecimento de sangramento e dor, porém com a
manutenção das condições cervicais e a preservação da vitalidade do produto
conceptual. Diante dessa sintomatologia, admite-se que tenha havido algum
“descolamento” do saco gestacional de seu sítio de implantação, com ou sem
desprendimento de algumas vilosidades coriais. Nessa situação, podem ser
observadas pequenas quantidades de sangue, habitualmente escuro ou
vermelho, que estimulam contrações uterinas, percebidas como cólicas
dolorosas. O exame ginecológico mostra pequena quantidade de sangue em
fundos de sacos vaginais ou discreto sangramento ativo por meio do canal
cervical; o colo uterino encontra-se fechado, o útero, compatível com o tempo
de amenorreia, e os anexos, normais e indolores. Havendo dúvidas quanto ao
diagnóstico, podemos associar a comprovação bioquímica sanguínea ou
urinária do beta-HCG ou realizar exame ultrassonográfico pélvico via
transabdominal ou transvaginal. Ao exame ultrassonográfico, a presença de
hematoma subcoriônico, com área de descolamento superior a 40% da área
ovular, indica mau prognóstico gestacional. Como diagnósticos diferenciais,
temos as chamadas “hemorragia de implantação” e “hemorragia decidual”,
sempre possíveis até o acoplamento total das decíduas.
O repouso no leito é uma medida aconselhável para todas as situações,
embora não seja comprovadamente eficaz para prevenir ou evitar piora do
quadro de hemorragia ou de contrações uterinas. É frequentemente bem
recebido pela paciente, que apresenta tendência a realizá-lo, diminuindo a
ansiedade, favorecendo o relaxamento das fibras do miométrio e inibindo
estímulos de contração da musculatura uterina. O uso de analgésicos e
antiespasmódicos pode ser recomendado. Sedativos suaves e em pequenas
doses também podem ser utilizados para diminuir a ansiedade.
O uso de progestogênios é uma medida polêmica; há estudos inconclusivos
com relação ao seu benefício nessas situações. O Ministério da Saúde do
Brasil não indica a sua utilização nos casos de ameaça de abortamento.

b) Abortamento iminente ou inevitável

O diagnóstico é feito pela presença de dilatação cervical, com projeção do


produto conceptual por intermédio do canal cervical, permitindo o toque
digital de seu polo inferior. Com frequência, há dor e sangramento genital,
muitas vezes com a presença de coágulos.
A conduta mais adequada é acelerar o esvaziamento uterino, reduzindo o
volume e a duração da hemorragia, aliviando as dores da paciente e
encurtando a exposição da cavidade uterina a agentes infecciosos. Se a idade
gestacional for pequena (<12 semanas), a utilização de ocitócitos não
oferecerá bons resultados; curetagem instrumental ou aspiração a vácuo
(AMIU – aspiração manual intrauterina) são as condutas mais eficazes.
Muitas vezes, a curetagem deve ser precedida de prévia dilatação cervical
com velas de Hegar ou drogas geralmente derivadas de prostaglandinas
(misoprostol, por exemplo). Se a idade gestacional for superior a 12 semanas,
será possível insistir com drogas ocitócicas até a eliminação completa do feto
e dos anexos. Muitas vezes, poderá ser necessário completar o procedimento
com curetagem uterina.
A utilização de misoprostol com aplicação cervicovaginal tem se mostrado
terapêutica coadjuvante de ótimos resultados, abreviando o tempo necessário
para a resolução completa do processo.

c) Abortamento completo e abortamento incompleto

Os parâmetros clínicos, como dilatação cervical, persistência ou não de


hemorragia, eliminação contínua de restos ovulares e presença de dor
geralmente são suficientes para o diagnóstico. Anamnese, exame especular e
toque vaginal ainda são recursos insubstituíveis. A ultrassonografia
transabdominal ou transvaginal, entretanto, é o exame subsidiário mais
valioso e deve ser usada com frequência, pois permite observar a quantidade e
o tipo de material remanescente, possibilitando a medida exata dos diferentes
diâmetros uterinos e realizando investigação minuciosa de toda a pelve,
principalmente para auxiliar no diagnóstico diferencial.
Uma complicação temida nos casos de abortamento incompleto é a infecção.
Essa situação pode acontecer simultaneamente ao processo de abortamento,
ser causa ou consequência de manipulação abortiva ou, até mesmo, resultar de
tratamento inadequado.

Figura 4 - Ultrassonografia transvaginal: endométrio linear – aborto completo


d) Aborto retido e gestação anembrionada

Nas situações de aborto retido, observa-se regressão dos sintomas e dos sinais
gravídicos, o colo uterino encontra-se fechado, e, frequentemente, não há
sangramento por via vaginal. O exame ultrassonográfico revela saco
gestacional com diâmetro interno médio >25mm sem embrião (gestação
anembrionada) ou mostra a presença de embrião sem sinais de vitalidade
(óbito embrionário/aborto retido). Nesses casos, o tratamento deve ser feito da
seguinte maneira:

Em gestações com menos de 12 semanas, utiliza-se misoprostol, 1


comprimido de 200μg por via vaginal, dose única, para preparo do colo.
Após 4 horas, realiza-se o esvaziamento uterino por AMIU ou
curetagem. Outra opção é a utilização de misoprostol, 4 comprimidos de
200μg a cada 12 horas, até o máximo de 3 doses;
Em gestações com idade gestacional entre 13 e 17 semanas, utilizam-se
200μg de misoprostol por via vaginal, de 6 em 6 horas, até 4 doses;
Em gestações com idade gestacional entre 18 e 22 semanas,
recomendam-se 100μg de misoprostol por via vaginal, de 6 em 6 horas,
até 4 doses. Se necessário, repete-se o esquema terapêutico após 24 horas
da última dose.
Em gestações com mais de 12 semanas, após a expulsão do produto
conceptual, havendo suspeita da presença de restos ovulares ou
placentários, deve-se realizar a curetagem uterina. Em úteros pequenos,
compatíveis com menos de 12 semanas, também pode ser utilizada a
AMIU, estando a paciente sob sedação (anestesia geral), raquianestesia
ou anestesia local, na forma de bloqueio paracervical.

e) Abortamento infectado

Uma das principais complicações do abortamento é a infecção, mais comum


naqueles originados de manipulação uterina por leigos ou realizados em
condições precárias.
Considera-se abortamento infectado quando há febre, alterações da frequência
cardíaca, comprometimento do estado geral, fluxo genital purulento ou com
odor fétido e outras características infecciosas, observadas por alterações
hematológicas e bioquímicas. Na maioria das vezes, a infecção é causada por
germes anaeróbios, e podem também estar presentes bactérias Gram positivas
e Gram negativas. O aborto causado pelo Clostridium perfringens deve ser
tratado com atenção especial, pois, por causa da patogenicidade do agente, as
pacientes costumam evoluir com quadro de choque séptico, icterícia, cianose
e hemoglobinúria, com elevado grau de mortalidade materna.
O exame ginecológico mostra colo entreaberto, restos ovulares em
decomposição e útero aumentado, amolecido e doloroso. A infecção pode ser
diagnosticada sob diferentes quadros clínicos com variada gravidade: desde
endometrite superficial, em geral autolimitada, até quadros de intensa
gravidade, que se estendem além das paredes e dos anexos uterinos
(endomiometrites e salpingooforites), com propagação para a pelve, a
cavidade abdominal (pelviperitonite e peritonites generalizadas) e todo o
organismo (septicemia).
As medidas mais urgentes consistem em estabilizar a paciente e iniciar
antibioticoterapia antes do esvaziamento uterino, que deve ser realizado assim
que essas 2 condições básicas forem cumpridas. O esvaziamento da cavidade
uterina consiste na retirada dos restos ovulares (com ocitócicos ou de modo
instrumental) o mais rápido possível e na ampla cobertura antibiótica (germes
anaeróbicos, aeróbicos, Gram positivos e Gram negativos). O controle das
situações mais graves deve ser feito em regime de vigilância intensiva e é
fundamental para o êxito da terapia. Como alternativa a considerar sempre, a
histerectomia total pode ser necessária para o controle completo do processo
infeccioso.
2. Gestação ectópica
A gestação ectópica é definida como a implantação do ovo fecundado
(blastocisto) fora da superfície endometrial da cavidade uterina. Dependendo
do local, a gestação pode ser tubária, ovariana, abdominal, cervical ou
intersticial.
Os casos de gestação ectópica podem chegar a 1% das gestações. Ela
representa uma das principais causas de morte materna no 1º trimestre,
correspondendo a 4 a 10% de todas as mortes maternas.
Estatisticamente, observamos a implantação no ovário (gestação ovariana) em
cerca de 0,1% dos casos, assim como na localização peritoneal. A gestação
tubária é responsável por 98,3% dos casos, assim divididos: 79,6%
ampulares, 12,3% ístmicos, 6,2% fimbriais e 1,9% intersticiais.

A - Etiologia e patogênese

Qualquer fator que dificulte ou impeça o trânsito do ovo para o útero ou


antecipe a sua capacidade de implantação (que ocorre geralmente entre o 7º e
o 8º dias) pode causar a gestação ectópica.
Infecções genitais originadas por C. trachomatis e N. gonorrhoeae acarretam
alterações importantes nas tubas e podem levar à obstrução tubária, à
diminuição no número e no movimento dos cílios, à aglutinação das dobras da
mucosa, com estreitamento da luz tubária, à formação de microdivertículos e
à destruição das fímbrias. Antecedente de moléstia inflamatória pélvica
aumenta o risco de gestação tubária em 2 a 7,5 vezes em futura gestação.
Imputa-se ao dispositivo intrauterino (DIU) participação na etiologia da
gestação ectópica quando há falha do método.
Alguns autores defendem que cirurgias tubárias prévias, como salpingotomia,
reanastomose tubária, fimbrioplastia e lise de aderências, aumentam a
incidência de gestação ectópica. Após cirurgia tubária, a probabilidade de
gravidez nas tubas é de 4 a 5 vezes maior se comparada ao grupo de controle.
Da mesma forma, gravidez após falha de esterilização tubária também
apresenta maior risco de gestação ectópica.
Mulheres com antecedente pessoal têm alto risco de repetir o evento e
apresentam um risco 6 a 8 vezes maior de desenvolver nova gestação
ectópica.
A grande expansão das técnicas de fertilização assistida aumenta o risco.
Muitas pacientes submetidas a tratamentos de reprodução assistida têm tubas
doentes, cujos movimentos não são suficientes para impulsionar o ovo em
direção à cavidade endometrial. O uso de altas doses de estrogênios e
progestogênios também parece influenciar a motilidade tubária, retardando a
chegada do ovo à cavidade uterina. Por último, submetidas a técnicas de
fertilização in vitro com transferência embrionária também apresentam maior
risco de gravidez tubária caso os embriões sejam injetados em local muito
próximo aos cornos uterinos.
Outros fatores de risco de menor relevância são falha de contracepção de
emergência com uso de progestogênios, início de atividade sexual precoce,
múltiplos parceiros sexuais, tabagismo etc.

Dica
Salpingite prévia é o principal fator de risco para gravidez ectópica.

B - Fisiopatologia

A gestação ectópica primária é aquela em que a nidação se faz e prossegue em


um único sítio do aparelho genital; na secundária, o ovo se desprende do local
de implantação original e se desenvolve em outro sítio. As principais
características das formas de gestação ectópica são as relacionadas a seguir.

a) Gestação ovariana

Nesse caso, a implantação poderá ser superficial (o ovo permanece na


periferia da gônada) ou profunda (a fecundação ocorre no próprio folículo,
antes da postura, ficando o ovo circundado pela gônada).
Na maioria dos casos, ocorre rotura precoce, com a passagem do ovo
fecundado para a cavidade abdominal, sucedendo hemorragia, que, na maioria
das vezes, não é grave. O ovo pode também permanecer in situ, envolvido por
um coágulo sanguíneo, ou pode ocorrer a reabsorção total deste. A
continuação da gravidez até a viabilidade fetal é um fato extremamente raro.

b) Gestação intersticial

A nidação ocorre em 1 dos ângulos superiores do útero. Comumente, a


evolução é normal, exceto por algumas alterações nas primeiras 10 a 12
semanas. A implantação na zona em que as trompas se abrem na cavidade
uterina provoca deformação acentuada no corno, exacerbando o sinal de
Piskacek. Dor localizada e pequenas perdas sanguíneas ocorrem com a
distensão do ângulo uterino. Com o desenvolvimento do feto, por volta do 4º
mês, a assimetria se desfaz. Pode haver retardo do crescimento para a
cavidade uterina, formando um divertículo cavitário; como consequência,
ocorrem abortamento e, até mesmo, rotura uterina.

c) Gestação cervical

A gestação cervical é a implantação do ovo no canal cervical. A endocérvice é


consumida pelo trofoblasto, e a gravidez se desenvolve na parede fibrosa do
canal cervical. Quanto mais alta e, portanto, mais próxima da cavidade
endometrial for a implantação, maiores serão as chances de o embrião se
desenvolver e causar hemorragia. Raramente a gravidez ultrapassa 20
semanas, pois quase sempre necessita de intervenção cirúrgica, por conta do
sangramento genital.
O tratamento, no passado, consistia na histerectomia em todos os casos. Hoje,
esse procedimento cirúrgico só deve ser usado após o fracasso da terapia
medicamentosa com metotrexato ou em casos de hemorragia genital intensa e
gestação avançada.

d) Gestação abdominal

O ovo poderá implantar-se inicialmente na superfície serosa peritoneal


(gravidez abdominal primária), após sua expulsão da tuba por rotura ou
abortamento (mais comum) ou após o desprendimento da superfície ovariana
(gravidez abdominal secundária).
Como causas de gestação abdominal primária, podem-se citar a migração
anômala do óvulo, o defeito na captação e na aspiração do óvulo pelo
pavilhão tubário e o embargo no seu trânsito.
Na maioria dos casos de gestação abdominal, o ovo encontra-se no fundo de
saco de Douglas ou em áreas adjacentes (face anterior do reto, fosseta
ovariana, fosseta sigmoide, mesocólon, asa posterior do ligamento largo).
É alta a incidência de malformações fetais congênitas, especialmente pela
presença inadequada e insuficiente de líquido amniótico, sendo raríssima a
evolução dessas gestações até o termo.
O tratamento conservador é extremamente controverso, e a hospitalização é
sempre indicada. Sendo a gestação abdominal diagnosticada precocemente, é
possível planejar a técnica cirúrgica, propiciando maior segurança. A
exploração do abdome deve ser realizada com cautela; muitas vezes, a
implantação e o desenvolvimento da placenta em locais anômalos (reto,
sigmoide, bexiga) geram aderências abdominais, que devem ser desfeitas com
técnica cirúrgica adequada, de acordo com o caso. Recomenda-se que a
placenta seja removida durante o ato operatório para diminuir risco de
peritonite, abscesso, coagulação intravascular disseminada e doença
trofoblástica persistente. Em alguns casos, devido ao grande número de
aderências, não é possível remover a placenta; a paciente deve ser mantida
sob cuidados intensivos e, se necessário, submetida a ressecção placentária
posterior. Pode-se administrar, também, metotrexato, conduta ainda
controversa na literatura.

e) Gestação tubária

A gestação tubária representa cerca de 98 a 99% das gestações ectópicas.


A tuba uterina apresenta os seguintes segmentos, de proximal para distal:
parte uterina (interstício), istmo, ampola, infundíbulo e fímbrias. De acordo
com o local de implantação do ovo, a nidação pode acontecer em um desses
segmentos.
Cerca de 95 a 99% das gestações tubárias são representadas pelas ístmicas e
pelas ampulares. Nesses casos, o ovo influencia todo o sistema genital, com
aumento do útero, amolecimento, embebição e congestão, reação decidual,
além de ocasionar modificações idênticas às da gravidez normal na vagina, na
vulva e nas mamas.
A tuba aumenta de volume, e o amolecimento acontece devido à embebição
gravídica. O útero pode aumentar de volume em razão do estímulo hormonal.
O tecido trofoblástico pode romper vasos e provocar hemorragia. A morte do
embrião, em geral, acontece precocemente.
Figura 5 - Tuba uterina com desenvolvimento de gestação em 1 de suas porções
Figura 6 - Gestação ectópica tubária

Cerca de 2 meses após o início da evolução, a gestação tubária pode terminar


por rotura da tuba uterina ou abortamento. Na rotura, ocorre intensa
hemorragia interna, ao passo que, no abortamento, o ovo cai na cavidade
abdominal, provocando hemorragia discreta. A rotura é mais provável quando
o ovo está localizado no istmo, e o abortamento é mais comum na localização
ampular.
Caso não ocorra uma dessas 2 formas de término evolutivo, o concepto
geralmente morre em períodos mais adiantados.
Figura 7 - Localização conforme o tipo de reprodução, natural versus assistida

C - Manifestações clínicas

A gestação tubária pode manifestar-se de diversas formas, com quadro clínico


que varia desde assintomático ou com leve dor abdominal, acompanhado ou
não de sangramento vaginal, até hemorrágico grave, com instabilidade
hemodinâmica.
Dor abdominal, sangramento vaginal e atraso menstrual são considerados os
principais sinais e sintomas que compõem o quadro clínico; na maioria dos
casos, não se encontra a tríade clássica simultaneamente, porém pelo menos
um deles estará presente em todos os casos.
A dor abdominal é o sintoma mais comum, presente em quase todas as
pacientes (95 a 100% dos casos), e pode ser referida como dor lancinante ou
em cólica.
O sangramento vaginal está presente em 60 a 90% dos casos e decorre da
descamação do endométrio, em virtude da queda das concentrações
hormonais. Na maioria das vezes, o sangramento é de pequena quantidade e
acompanhado de dor abdominal.
A incidência de atraso menstrual em pacientes com gestação ectópica varia de
75 a 95%. Outros sintomas observados incluem náuseas, vômitos, aumento do
volume e sensibilidade das mamas.
Os achados ao exame físico são variados, a depender do estado
hemodinâmico da paciente. Nos casos de rotura tubária, frequentemente se
encontram variações na pressão arterial e na frequência cardíaca, podendo
evidenciar choque hemorrágico. O exame do abdome pode mostrar dor à
palpação, localizada ou generalizada. Outros achados abdominais dependem
da integridade da gestação tubária e podem denunciar irritação peritoneal:
distensão abdominal, descompressão brusca dolorosa e diminuição ou
ausência de ruídos hidroaéreos.
O exame ginecológico pode mostrar sangramento vaginal. O toque vaginal
pode demonstrar amolecimento uterino, com útero frequentemente de
tamanho normal. Em cerca de 50% dos casos, uma massa anexial dolorosa de
tamanho variado pode ser palpada. Se houver sangramento para dentro da
cavidade pélvica (rotura do saco gestacional, por exemplo), este poderá levar
a peritonismo localizado ou dor difusa abdominal (peritonite). A localização
mais frequente do acúmulo de sangue intraperitoneal é o fundo de saco
posterior, podendo ser percebido ao toque (“grito de Douglas”) e confirmado
pela culdocentese.

D - Diagnóstico
A anamnese e o exame físico são capazes de diagnosticar quadros agudos de
rotura tubária, quando a paciente geralmente apresenta dor abdominal intensa
e choque hemorrágico. Por outro lado, as gestações ectópicas iniciais
apresentam quadros clínicos subagudos e comumente necessitam de
investigação mais apurada.
A dosagem de beta-HCG sérico representa um exame fundamental para o
diagnóstico de atividade do tecido trofoblástico. A concentração sérica de
beta-HCG em casos de gestação ectópica tende a ser menor que aquela
observada em gestação tópica de mesma idade gestacional. A gestação tópica
inicial tende a duplicar o título de beta-HCG no intervalo entre 36 e 72 horas.
Se, em 2 dosagens consecutivas, com intervalo de 48 horas, a elevação no
título de beta-HCG for inferior a 54%, trata-se de gestação ectópica em 85%
das vezes.
O avanço da ultrassonografia foi fundamental para o diagnóstico precoce da
gestação ectópica. As principais imagens descritas são presença de saco
gestacional extrauterino, com embrião com ou sem batimentos cardíacos, saco
gestacional extrauterino com vesícula vitelínica, anel tubário, massa sólida ou
complexa na pelve.
Figura 8 - Ultrassonografia: gestação ectópica e imagem de anel tubário; (SG) Saco Gestacional

O Doppler transvaginal auxilia no diagnóstico com base na presença de fluxo


vascular de velocidade relativamente alta e resistência baixa na imagem
sugestiva de gestação ectópica. Esse padrão de fluxo não é específico e pode
ser encontrado também em tumores ovarianos, abscessos pélvicos ou corpo
lúteo.
Figura 9 - Doppler: saco gestacional (setas) na tuba uterina, ao lado do ovário; (CL) Corpo Lúteo

O uso combinado da dosagem sérica de beta-HCG e da ultrassonografia


representa o padrão-ouro no diagnóstico dessa doença. Por meio da
ultrassonografia transvaginal, o saco gestacional intrauterino deve ser
visualizado sempre que o nível de beta-HCG estiver acima de 1.500 a
2.000mUI/mL.
A laparoscopia permite excelente exploração da pelve, possibilitando o
diagnóstico de certeza em mais de 95% dos casos. Os resultados falsos
negativos são encontrados em casos de gestações ectópicas muito iniciais.
Figura 10 - Diagnóstico

E - Tratamento

O tratamento da gestação ectópica depende, fundamentalmente, do estado


hemodinâmico da paciente, da integridade tubária e do desejo de procriação.
O tratamento pode ser cirúrgico (radical ou conservador, por laparotomia ou
laparoscopia) ou clínico (expectante ou medicamentoso). Em situações de
gestação ectópica rota, a salpingectomia por laparotomia é o tratamento de
escolha.
Havendo desejo reprodutivo em pacientes com gestação ectópica íntegra, dá-
se preferência à via laparoscópica; esse método evita manipulações
excessivas, diminuindo a chance de aderências e maiores danos aos órgãos
pélvicos. Gestações ampulares ou ístmicas permitem tratamento cirúrgico
conservador (salpingotomia, ressecção parcial e reanastomose).
Inúmeros medicamentos têm sido propostos para o tratamento da gestação
ectópica. O metotrexato (MTX) é a droga mais utilizada no tratamento
medicamentoso da gestação ectópica íntegra. Pode ser usado pela via
intramuscular ou diretamente injetado no saco gestacional. Os critérios para
uso do MTX na gestação ectópica incluem gestação ectópica íntegra de até
4cm no maior diâmetro, estabilidade hemodinâmica, desejo de procriação,
beta-HCG sérico <5.000mUI/mL e crescente em 2 dosagens consecutivas e
líquido livre restrito à pelve.

Tratamento
São critérios para a indicação de metotrexato: gestação ectópica íntegra de
até 4cm no maior diâmetro, estabilidade hemodinâmica, desejo de
procriação, beta-HCG sérico <5.000mUI/mL e crescente em 2 dosagens
consecutivas e líquido livre restrito à pelve.

A presença de batimentos cardíacos embrionários também contraindica a


administração de MTX. Na impossibilidade de seguimento ambulatorial
posterior adequado, o tratamento é contraindicado. Alguns serviços
preconizam MTX mesmo nos casos de concentração de beta-HCG
>5.000mUI/mL (títulos de até 10.000 ou 15.000mUI/mL). Todavia, deve-se
destacar que a literatura é precisa em mostrar que, quanto maior a
concentração desse hormônio, maior a chance de fracasso terapêutico. São
necessários monitorização dos parâmetros clínicos maternos e controle
seriado de beta-HCG sérico. O hormônio deve ser dosado imediatamente
antes da administração de MTX, no 4º e no 7º dias após o tratamento. As
pacientes com queda dos títulos de beta-HCG >15%, apuradas no 4º e no 7º
dias, apresentam bom prognóstico e devem ser monitorizadas semanalmente
até a negativação dos títulos. Quando a queda for inferior a 15%, no 7º dia
após o emprego do MTX, deverá ser administrada nova dose da droga. O
critério de insucesso do tratamento baseia-se na persistência de elevados
títulos do hormônio ou na presença de sinais clínicos ou ultrassonográficos de
rotura tubária. Nessa situação, estará indicado o tratamento cirúrgico.
Administra-se o MTX da seguinte forma:

Dia 1: dosagem de beta-HCG + administração de MTX;


Dia 4: dosagem de beta-HCG;
Dia 7: dosagem de beta-HCG, hemograma completo, enzimas hepáticas
e creatinina.

De acordo com protocolo da Faculdade de Medicina da Universidade de São


Paulo, o tratamento expectante pode ser realizado em casos de gravidez
tubária em regressão (dosagens de beta-HCG menores que 5.000UI/mL e em
declínio e ausência de batimentos cardíacos fetais à ultrassonografia), estando
a paciente pouco sintomática e com estabilidade hemodinâmica. Também é
necessário o acompanhamento ambulatorial posterior, até a negativação dos
títulos de beta-HCG. É importante ressaltar que o nível sérico de beta-HCG
limite para a realização de conduta expectante não está bem definido, de
forma que outros protocolos estabelecem diferentes valores (até 1.000UI/mL,
por exemplo).

Dica
A realização de salpingectomia não altera o futuro reprodutivo da paciente
com gestação tubária desde que a tuba contralateral seja sadia.
3. Doença trofoblástica gestacional
A mola hidatiforme e o coriocarcinoma são doenças do trofoblasto, mais
especificamente das vilosidades placentárias, que, como todo o trofoblasto,
são de origem ectodérmica. As doenças trofoblásticas gestacionais são
reconhecidas há milênios como uma forma de gravidez anormal. No entanto,
ainda não está estabelecido se as diferentes formas de apresentação, como a
mola hidatiforme e o coriocarcinoma, representam fases diferentes de uma
mesma doença ou se são entidades distintas. Nos últimos tempos, o emprego
mais adequado da quimioterapia e das demais formas de tratamento reduziu a
mortalidade, mesmo das formas metastáticas, a níveis muito baixos. O
coriocarcinoma foi, aliás, a 1ª neoplasia a ser curada pela quimioterapia,
mesmo na sua forma metastática.
A - Classificação e fisiopatologia

Os casos de doença trofoblástica podem ser divididos em diversas categorias:

Mola hidatiforme, que pode ser completa ou parcial (doença benigna);


Mola invasora;
Coriocarcinoma;
Tumor trofoblástico epitelioide;
Reação excessiva do sítio placentário;
Nódulo do sítio placentário;
Tumor de leito placentário (doenças malignas).

A mola hidatiforme é mais comum entre as mulheres orientais e as de nível


socioeconômico desfavorecido. Tem maior frequência nos extremos da vida
reprodutiva e acentua-se após os 40 anos. A repetição do episódio de mola
hidatiforme é de 20 a 40 vezes maior em relação à população geral.
A 1ª diferenciação importante é entre mola parcial e completa, que são
distintas quanto à histopatologia, aos padrões cromossômicos e à
apresentação clínica. Antes do seu reconhecimento como entidade
independente, a maior parte das molas parciais não era reconhecida como
doença trofoblástica.
A vilosidade coriônica na mola completa é difusamente hidrópica e associada
ao trofoblasto hiperplásico, com vários graus de atipia celular. Molas
completas não têm tecido fetal ou embrionário. As molas parciais, por outro
lado, são compostas de 2 populações de vilosidades coriônicas. Enquanto
alguns deles parecem normais, outros apresentam diferentes graus de
hiperplasia apenas focal.
Tecidos fetais ou embrionários são frequentemente observados junto às molas
parciais, mas esses fetos frequentemente apresentam malformações
associadas a triploidias, como sindactilia, hidrocefalia e retardo de
crescimento. Mais raramente, fetos associados a molas parciais nascem vivos.
Quando não há fetos associados, os tecidos fetais mais encontrados são vasos
com hemácias nucleadas. Atualmente, é possível fazer o diagnóstico de mola
parcial com segurança usando apenas características morfológicas.
Para fins prognósticos e terapêuticos, a Neoplasia Trofoblástica Gestacional
(NTG) é classificada em não metastática e metastática. Na não metastática, o
tumor está aparentemente restrito à parede uterina. A neoplasia metastática é
dividida de acordo com o potencial de desenvolver resistência a
quimioterapia:

Baixo risco: metástase pulmonar ou pélvica, beta-HCG sérico


<40.000mUI/mL, tempo de evolução, desde o esvaziamento molar, <4
meses;
Médio risco: metástase pulmonar ou pélvica, título de beta-HCG
>40.000mUI/mL e evolução >4 meses;
Alto risco: metástase cerebral ou hepática ou resistência prévia a
quimioterapia. A Tabela 7 cita os fatores de risco para a mola
hidatiforme de alto risco.

B - Citogenética

Uma mola completa é o produto de uma concepção na qual todo o DNA


nuclear é de origem paterna e todo o DNA citoplasmático é de origem
materna, ou seja, todos os cromossomos provêm do pai, enquanto o DNA das
mitocôndrias vem da mãe. Cerca de 90% de todas as molas completas têm um
cariótipo 46,XX, o qual provém da fertilização de um óvulo por um
espermatozoide que duplica seus cromossomos X, enquanto os maternos são
inativados ou já estavam ausentes (Figura 11). Cerca de 6 a 10% das molas
completas são 46,XY, e, nesse caso, há, aparentemente, a fertilização de um
óvulo vazio por 2 espermatozoides.

Figura 11 - Fecundação partenogenética: mola completa

Por outro lado, cerca de 90% das molas parciais têm cariótipo triploide
(69,XXX), resultado da fertilização de um óvulo normal por 2
espermatozoides. As demais molas parciais têm cariótipo 69,XXY ou
69,XYY (Figura 12).
Figura 12 - Fecundação dispérmica: mola incompleta (parcial)

Experimentos em animais demonstraram que o conjunto de cromossomos


maternos é importante para regular o desenvolvimento e o crescimento do
embrião, enquanto os cromossomos paternos controlam o desenvolvimento
dos tecidos extraembrionários. Por isso, quando o ovo contém 2 conjuntos de
cromossomos paternos, como acontece nas molas completas, o embrião
desenvolve-se até o estágio de 6 somitos e então degenera, enquanto o
trofoblasto se desenvolve e passa a apresentar hiperplasia. No caso das molas
parciais, a presença dos cromossomos maternos garantiria o desenvolvimento
do embrião, e a presença dos cromossomos paternos levaria a certa
proliferação focal do trofoblasto.

Dica
O potencial de transformação maligna é de 5 a 10% na mola parcial e de 10
a 20% na mola completa.

C - Sinais e sintomas

O sintoma mais frequentemente encontrado em pacientes com mola completa


é o sangramento, no final do 1º ou no início do 2º trimestre. A perda de
material molar, como vesículas eliminadas por via vaginal, que são
consideradas sinal patognomônico da doença, raramente é vista na atualidade.
Isso provavelmente ocorre em razão do diagnóstico mais precoce, que agora é
feito antes do início da perda de vesículas.
Cerca de 30 a 50% das pacientes apresenta sinais e sintomas decorrentes da
grande proliferação trofoblástica, como altura uterina maior do que a esperada
para a idade gestacional, altos níveis de HCG e cistos teca-luteínicos
(observados à ultrassonografia). Estes decorrem diretamente dos altos níveis
de HCG, que causam hiperestimulação ovariana. Os cistos teca-luteínicos se
desenvolvem, geralmente, logo após o esvaziamento da mola e regridem
espontaneamente 2 ou 3 meses depois da normalização dos níveis das
gonadotrofinas.

Figura 13 - Cistos teca-luteínicos identificados à ultrassonografia

Um grupo menor de pacientes com marcada proliferação trofoblástica é


predisposto a algumas complicações clínicas, como doença hipertensiva
específica da gestação, hipertireoidismo, insuficiência respiratória e
hiperêmese gravídica. A hiperfunção tireoidiana, complicação bastante
comum nos casos de doença molar, decorre da ação direta do HCG sobre a
tireoide. A insuficiência respiratória pode ter várias etiologias: embolização
por tecido trofoblástico, hipertireoidismo; ou pode corresponder ao quadro de
pulmão de choque em razão da reposição rápida de líquidos. A incidência
dessas complicações tem decrescido, pois o diagnóstico é feito mais
precocemente e, portanto, com menor volume molar.
As pacientes com mola parcial, ao contrário, não apresentam esses quadros
clínicos, e são poucas as que apresentam crescimento uterino excessivo. Os
níveis de gonadotrofinas são também substancialmente mais baixos,
raramente excedendo níveis de 100.000mUI/mL.
Deve-se lembrar que certo número de pacientes com mola hidatiforme fica
sem o diagnóstico, geralmente por falta de análise histológica do material
molar. Parte dessas pacientes, como sucede com as outras portadoras de mola
hidatiforme, evoluirá para formas persistentes. Sua queixa, usualmente, é de
sangramento uterino anormal, com frequência atribuída inicialmente à
hemorragia uterina disfuncional ou a outra causa, atrasando o tratamento, com
piora do prognóstico. Apesar disso, mais raramente, pode ocorrer situação
semelhante após gestações aparentemente normais, que chegam ao final do 3º
trimestre ou ao termo. Parte desses casos é completamente assintomática
durante a gestação. Em alguns deles, ocorre o nascimento de feto vivo e
normal, iniciando-se a sintomatologia decorrente da presença de mola
invasora de 20 a 60 dias após o parto.
Na mola invasora (corioadenoma destruens), há grandes cavitações
hemorrágicas no miométrio, com possível invasão de toda a espessura da
parede uterina e consequente rotura. Nessas situações, de extrema gravidade,
o quadro clínico é de instabilidade hemodinâmica e choque.

D - Exames complementares

A mola completa produz um padrão ultrassonográfico característico, que


consiste em imagens decorrentes da presença das vesículas coriônicas. No
entanto, a ultrassonografia pode não ser capaz de identificar as imagens
características da mola completa no 1º trimestre.
Figura 14 - Material proveniente de aspiração intrauterina de gestação molar
Figura 15 - Imagem ultrassonográfica sugestiva de mola hidatiforme

Quanto à mola parcial, têm sido descritos alguns padrões sugestivos da sua
presença, especialmente alterações no formato do saco gestacional, sugestivas
de triploidia. Outros achados sugestivos da presença de mola são o
espessamento da placenta (associado à presença de áreas anecoicas) e a
ausência de incisura no exame dopplervelocimétrico da artéria uterina.
Um problema de difícil solução é o diagnóstico de mola completa ou parcial,
coexistindo com gestação avançada com feto vivo. O diagnóstico da presença
concomitante pode, ainda, ser mais dificultado pela ausência de hemorragia
genital e pela presença de feto vivo.
E - Tratamento

O tratamento da mola hidatiforme compreende esvaziamento molar e


seguimento clínico. A NTG requer quimioterapia e/ou cirurgia.
Para a realização do esvaziamento molar, a paciente é avaliada inicialmente
quanto ao grau de sangramento genital, às condições hemodinâmicas e à
eventual associação a toxemia gravídica. Na escolha do método para o
esvaziamento molar, são considerados o volume uterino, a idade da paciente,
a paridade e o desejo de engravidar no futuro.
De maneira geral, realizam-se dilatação cervical com velas de Hegar e
esvaziamento uterino por vacuoaspiração; o último reduz os riscos de
perfuração uterina em comparação à curetagem uterina convencional,
sobretudo quando a altura uterina é maior que 20cm. A histerectomia
profilática está indicada a pacientes multíparas ou com mais de 38 anos. Os
ovários com cistos teca-luteínicos devem ser preservados. Não há indicação
de quimioterapia profilática.
Após o esvaziamento molar, a paciente deve ser seguida semanalmente no 1º
mês, quinzenalmente nos 3 meses subsequentes e, a seguir, mensalmente, até
completar 1 ano. São controlados, nas consultas, sangramento genital,
involução uterina e queda dos títulos de beta-HCG (tendem a ficar com títulos
indetectáveis após 12 a 15 semanas). A paciente não deve engravidar no
período de 1 ano (orientar anticoncepção).
Tema frequente de prova
O acompanhamento pós-operatório de mola hidatiforme é tema frequente
nas provas de concursos médicos.

Pacientes com NTG devem ser tratadas com quimioterapia e/ou cirurgia, se
houver hemorragia genital persistente após esvaziamento molar e presença de
imagem de infiltração miometrial, ascensão nos títulos de beta-HCG em 2
dosagens consecutivas, beta-HCG detectável e sem tendência de queda até 6
meses do seguimento, diagnóstico histológico de coriocarcinoma, mola
invasora ou tumor de sítio placentário em qualquer local (incluindo
metástases).
Na mola invasora (não metastática), recomenda-se quimioterapia nas
nulíparas e histerectomia nas multíparas. A histerectomia total é suficiente
para remissão completa na mola invasora não metastática; nos casos de
coriocarcinoma, é necessário o emprego de tratamento adjuvante (cirurgia e
quimioterapia).
Os quimioterápicos mais utilizados são o MTX, a actinomicina D, o
etoposídeo e os derivados da platina.
O prognóstico da NTG de baixo risco, mesmo com a presença de metástases,
é muito bom; as chances de cura são grandes (cerca de 90% de remissão). Nas
doenças metastáticas de alto risco, a histerectomia é realizada quando o tumor
uterino é superior a 6cm ou ele se tornará resistente à quimioterapia.
Resumo
Costuma-se chamar de aborto o término da gestação antes das primeiras
20 a 22 semanas, a partir do 1º dia da última menstruação;
Abortamento espontâneo é a perda involuntária da gestação;
Ameaça de abortamento é a ocorrência de sangramento uterino com colo
uterino fechado sem eliminação de tecidos ovulares;
Abortamento completo ocorre quando a totalidade do conteúdo uterino
foi eliminada;
Abortamento incompleto é quando apenas parte do conteúdo uterino foi
eliminada;
Abortamento inevitável é quando há sangramento e dilatação cervical,
mas ainda não ocorreu eliminação de conteúdo uterino;
Abortamento retido é quando ocorre a morte do embrião ou feto e este
permanece na cavidade uterina, sem ser eliminado. De maneira geral, o
colo está fechado, podendo ocorrer leve sangramento;
Abortamento infectado é o processo de abortamento acompanhado de
infecção genital, como endometrite, parametrite e peritonite;
Abortamento habitual ocorre quando há perdas espontâneas e sucessivas
de 3 ou mais gestações;
A maior parte dos abortamentos espontâneos (cerca de 80%) acontece
nas primeiras 12 semanas da gestação;
A gestação ectópica é definida como a implantação do ovo fecundado
fora da superfície endometrial da cavidade uterina;
Dependendo do local de implantação, a gestação pode ser tubária,
ovariana, abdominal, cervical ou intersticial;
A gestação ectópica tubária ampular é a mais comum;
São fatores de risco para gestação ectópica: moléstia inflamatória pélvica
aguda, falha de DIU, cirurgias tubárias, gestação ectópica prévia,
fertilização assistida, falha de contracepção de emergência, tabagismo;
Existem 2 tipos de doença trofoblástica benigna: mola parcial e mola
completa. O quadro clínico é de sangramento genital, beta-HCG elevado,
crescimento uterino maior que o esperado e presença de cistos teca-
luteínicos.
Síndromes hemorrágicas da 2ª
metade da gestação
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução
As síndromes hemorrágicas da 2ª metade da gestação constituem diagnósticos
frequentes em Obstetrícia. São uma das principais causas de internação de
gestantes no período anteparto, com importante aumento da morbimortalidade
materna e perinatal, assim como de cesáreas. A morbimortalidade perinatal
está relacionada aos altos índices de prematuridade associados a esses casos.
Várias são as possíveis causas de sangramento. Dentre as obstétricas, as mais
importantes são o Descolamento Prematuro de Placenta (DPP) e a Placenta
Prévia (PP), que correspondem a até 50% dos diagnósticos. Entre as causas
não obstétricas, podem ocorrer sangramento proveniente do colo de útero
durante o trabalho de parto, cervicites, pólipo endocervical, câncer do colo
uterino e trauma vaginal. Os prognósticos materno e fetal vão depender do
diagnóstico correto da causa de sangramento e da conduta adequada com base
nesse diagnóstico.
2. Descolamento prematuro de placenta

A - Conceito
Define-se DPP como a separação abrupta da placenta normalmente inserida
em gestação acima de 20 semanas e antes da expulsão do feto. Quando a
placenta está inserida no segmento inferior do útero (PP), também se observa
hemorragia genital, porém com abordagens clínica e obstétrica diferenciadas
(essa situação não é chamada de DPP).

B - Incidência

Não há uniformidade na literatura médica internacional no que diz respeito à


incidência de DPP, uma vez que este varia em razão de inúmeras causas. De
maneira geral, o DPP ocorre em 0,2 a 1% das gestações que ultrapassam a 20ª
semana e representa mais de 30% das hemorragias do 3º trimestre de
gestação. Na Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (USP), a incidência é de 0,6% e, no Hospital São Paulo da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), da ordem de 1:130 partos.
Em aproximadamente 50% dos casos, o DPP ocorre no período anteparto e,
em 40% das vezes, no período de dilatação. Em apenas 10% dos casos, foi
observada essa intercorrência no período expulsivo do parto.
C - Etiologia

As causas do DPP podem ser divididas em 2 grupos: traumáticas e não


traumáticas.
Os fatores traumáticos, embora raramente estejam associados ao DPP (cerca
de 1% dos casos), podem decorrer de manobras e procedimentos obstétricos
(versão externa, por exemplo) ou de pressão exercida diretamente sobre o
útero, como verificado em acidentes automobilísticos, ou, ainda, de agressão
física.
Sem dúvida, as causas não traumáticas são as maiores responsáveis pelo DPP.
As síndromes hipertensivas (hipertensão arterial crônica e doença
hipertensiva específica da gestação) representam o fator etiológico mais
importante, presentes em até 75% das vezes. Outros fatores que podem
contribuir para a ocorrência de DPP são tabagismo, uso de drogas ilícitas
(cocaína), miomas uterinos, idade avançada, multiparidade, polidrâmnio e
gemelaridade.

Importante
As causas não traumáticas são as principais motivadoras de DPP,
especialmente as síndromes hipertensivas.
D - Fisiopatologia

A hemorragia decidual inicia o DPP; um hematoma retroplacentário começa a


se formar e cria uma erosão na superfície placentária. Tal processo aumenta a
área de descolamento, provocando maior extravasamento sanguíneo e
aumentando o volume do coágulo, fechando o círculo vicioso que caracteriza
a progressão e a irreversibilidade do DPP. Quanto maior a área placentária
descolada, maior a mortalidade fetal.
A hemorragia vaginal ocorre quando o sangue separa o espaço entre as
membranas e a decídua. Em alguns casos (20%), ocorre a formação de
coágulo restrito ao espaço retroplacentário, sem sangramento vaginal.
A hipertonia uterina acontece pela ação irritativa ocasionada pelo contato do
sangue com a fibra muscular uterina. Com a evolução do processo, pode-se
observar intensa infiltração sanguínea no miométrio, que passa a apresentar
desorganização de sua arquitetura histológica e necrose isquêmica.
Macroscopicamente, o útero apresenta-se edemaciado, arroxeado e com
sufusões hemorrágicas (útero de Couvelaire – Figura 1). O útero torna-se
hipotônico, com predisposição a maiores perdas sanguíneas.
Figura 1 - Útero de Couvelaire

O sofrimento fetal decorrente do DPP é tipicamente grave e precoce. Pela


perda rápida e progressiva da superfície de trocas, há o comprometimento da
troca de gases; a anemia aguda materna consequente à hemorragia e a
dificuldade da chegada de sangue aos espaços intervilosos durante a
hipertonia uterina também contribuem para a hipóxia fetal.
Em especial nos casos de DPP com formação de coágulo retroplacentário,
pode ocorrer algum grau de distúrbio da coagulação sanguínea. A
tromboplastina, resultante da lesão tecidual consequente ao descolamento,
desencadeia a sequência de eventos que resulta na formação do coágulo. A
passagem da tromboplastina para a circulação materna, que conduz a um
estado de hipercoagulabilidade, pode causar coagulação intravascular
disseminada (CIVD), complicação em 10 a 20% dos casos de DPP. A
coagulação intravascular exalta, ainda, o sistema fibrinolítico, deteriorando
ainda mais a hemostasia.
Para a formação do coágulo retroplacentário, há o consumo dos fatores de
coagulação, podendo gerar coagulopatia de consumo. Esses 3 fenômenos –
CIVD, fibrinólise e formação do coágulo retroplacentário – estão imbricados
e podem ocorrer simultaneamente e em diversos graus de intensidade,
constituindo um dos aspectos mais graves do DPP.
O sangramento genital maciço e o choque hipovolêmico que comumente
acompanham os quadros de DPP podem causar necrose hipofisária (síndrome
de Sheehan), levando a quadros de amenorreia, hipotireoidismo e outros
distúrbios endócrinos.

Dica
Frequentemente, ocorre sofrimento fetal agudo no DPP, não relacionado
com a quantidade de hemorragia genital.
Figura 2 - Fisiopatologia miometrial

E - Diagnóstico

O diagnóstico é basicamente clínico e pode ser auxiliado pela ultrassonografia


em pequena parte dos casos. Em algumas ocasiões, é retrospectivo, feito após
o parto, quando se observa o coágulo retroplacentário. O descolamento da
placenta pode ser parcial ou total e é classificado em 3 graus, levando em
conta os achados clínicos e laboratoriais, de acordo com a classificação de
Sher:

Grau 1: sangramento genital discreto sem hipertonia uterina


significativa; vitalidade fetal preservada; sem repercussões
hemodinâmicas e coagulopatia; geralmente diagnosticado no pós-parto
com identificação do coágulo retroplacentário;
Grau 2: sangramento genital moderado e contrações tetânicas; presença
de taquicardia materna e alterações posturais da pressão arterial;
alterações iniciais da coagulação com queda dos níveis de fibrinogênio;
batimentos cardíacos fetais presentes, porém com sinais de
comprometimento de vitalidade;
Grau 3: sangramento genital importante com hipertonia uterina;
hipotensão arterial materna e óbito fetal:
Grau 3A: sem coagulopatia instalada;
Grau 3B: com coagulopatia instalada.

Entretanto, a paciente com DPP raramente é assintomática. Frequentemente


são referidos dor súbita e intensa no baixo-ventre, sangramento vaginal e
parada de movimentos fetais.
No exame físico, podem-se observar hipertensão arterial, pré-choque ou
choque hipovolêmico (desproporcionais ao sangramento visualizado), sinais
indiretos de CIVD, como petéquias, equimoses ou hematomas; no exame
físico obstétrico, observam-se sangramento genital, aumento progressivo da
altura uterina (pela formação de hematoma retroplacentário), palpação uterina
que revela grande tensão da parede ou consistência lenhosa permanente
(tetania) e aumento do tônus uterino, dificuldade na palpação de partes fetais,
ausculta fetal difícil ou ausente e bolsa das águas tensa ao toque. Cerca de
20% dos casos cursam com “hemorragia oculta”, o que justificaria o
sangramento vaginal não ser visível no momento do exame.
A ultrassonografia é capaz de identificar a localização da placenta e
possibilitar o diagnóstico diferencial com a PP. O coágulo retroplacentário é
visualizado apenas em 25% dos casos de DPP. Outras imagens que podem
sugeri-lo são presença de aumento localizado da espessura placentária,
elevação da placa coriônica e imagens compatíveis com coágulos no
estômago fetal.
Exames laboratoriais são pouco úteis no diagnóstico, por serem pouco
sensíveis e nada específicos para os casos de DPP.
Figura 3 - Descolamento prematuro de placenta com hemorragia externa
Figura 4 - Descolamento prematuro de placenta com hemorragia oculta

F - Conduta

O tratamento dependerá do grau do descolamento (1, 2 ou 3 – classificação de


Sher), que se reflete no estado hemodinâmico materno e na vitalidade fetal.
No grau 1, o diagnóstico geralmente é feito no pós-parto, portanto sem
repercussões maternas ou fetais. No grau 2, o parto vaginal é possível se
iminente, desde que a vitalidade fetal esteja preservada e não haja
comprometimento hemodinâmico materno. O trabalho de parto deve estar em
progresso avançado. A amniotomia deve ser realizada assim que possível,
pois reduzirá a pressão intrauterina com a saída do líquido amniótico,
diminuindo tanto o sangramento do leito placentário quanto a passagem para
a circulação materna de tromboplastina. Deve ser monitorizado o estado
hemodinâmico materno, com manutenção adequada de reposição volêmica e
de sangue, se necessário. O débito urinário deve ser monitorizado e mantido
em 30mL/h, e o hematócrito, mantido acima de 30%. Se a evolução do
trabalho de parto não for rápida e favorável, e se houver instabilidade materna
ou sofrimento fetal, a cesárea deverá ser realizada imediatamente.
Em caso de feto morto (grau 3), o parto vaginal é aconselhável. Devem-se
adotar os mesmos cuidados de monitorização materna do ponto de vista
hemodinâmico e do estado de coagulação. Apesar da hipertonia uterina, em
alguns casos de DPP maciço o útero pode se tornar hipotônico, sendo
necessário o uso de ocitocina. Realizada a cesárea, onde houver possibilidade,
deverão ser feitas transfusão de concentrado de hemácias e reposição de
plaquetas e plasma fresco congelado.
O esvaziamento da cavidade uterina, com a maior brevidade possível, tem
base em 2 princípios: prevenção da coagulopatia e da perda sanguínea em
grande quantidade e proteção do concepto, comumente em sofrimento agudo.
É importante salientar a necessidade do controle clínico materno. Devem ser
colhidos os seguintes exames: hemograma completo, coagulograma,
contagem de plaquetas, dosagem de fibrinogênio e dosagem dos produtos de
degradação do fibrinogênio.
Histerectomia é medida de exceção, apenas justificada nos casos de atonia
uterina que não respondem aos métodos usualmente empregados: massagem,
infusão intravenosa de ocitocina, administração de derivados do “ergot” e
manutenção de diurese satisfatória. A diurese elimina os produtos de
degradação do fibrinogênio e da fibrina, um dos responsáveis pela hipotonia
uterina.
A paciente deve ser rigorosamente observada no puerpério imediato, com
atenção especial à possibilidade de distúrbios de coagulação.
Figura 5 - Tipos de descolamento prematuro de placenta: (A) pré-placentário ou subamniótico; (B)
marginal ou subcoriônico; (C) retroplacentário
Figura 6 - Condutas no descolamento prematuro de placenta, de acordo com a classificação de Sher
(protocolo do Ministério da Saúde)

3. Placenta prévia

A - Conceito e incidência

A PP é aquela que se insere parcial ou totalmente no segmento inferior do


útero após a 28ª semana de gestação. É uma doença de incidência pouco
variável, com referências que vão de 0,35 a 0,46% das gestações. Quando, por
meio de ultrassonografia, se observa placenta no segmento inferior do útero
antes da 26ª semana de gestação, diz-se que há inserção baixa de placenta,
que é um evento transitório, pois, na maior parte das vezes, ocorre um
fenômeno chamado “migração” placentária, de tal forma que a placenta passa
a estar no corpo uterino durante o 3º trimestre.

B - Classificação

De acordo com o Ministério da Saúde, a PP pode ser classificada como:

Baixa: está localizada próxima ao colo do útero, sem atingi-lo;


Marginal: atinge o orifício interno do colo do útero, sem recobri-lo;
Completa ou centrototal: recobre totalmente o orifício interno do colo
do útero.
Outra classificação comumente encontrada é a apresentada na Figura 7.

Placenta centrototal: oclui totalmente o orifício interno do colo uterino;


Placenta centroparcial: recobre parcialmente o orifício interno do colo
uterino;
Placenta marginal: atinge a borda do orifício interno do colo uterino;
Placenta lateral: atinge o segmento inferior, porém distal, até cerca de
7cm do orifício interno do colo uterino.
Figura 7 - Modalidades anatômicas: (A) centrototal; (B) centroparcial; (C) marginal; (D) lateral
C - Etiologia

A etiologia pode ser dividida em primitiva ou secundária.


A etiologia primitiva pode ser decorrente da imaturidade do ovo ou de
condições inapropriadas do terreno. Na imaturidade, o ovo atinge a cavidade
uterina sem desenvolver totalmente o seu potencial de implantação; alterações
inflamatórias, infecciosas ou atróficas podem alterar a decídua, gerando leito
placentário impróprio para a nidação.
Secundariamente, pode ocorrer implantação placentária no segmento inferior,
por crescimento placentário inusitado em termos de superfície; nessa situação,
ocorre inversão das vilosidades coriais, com involução e regressão das
vilosidades contíguas da decídua basal e crescimento das vilosidades do lado
da decídua reflexa.

D - Quadro clínico

Frequentemente, a PP apresenta-se como hemorragia genital sem causa


aparente, indolor, de coloração vermelho-viva, com início e cessar súbitos em
episódios que se repetem e se agravam. A associação a acretismo placentário
é usualmente encontrada: de 1 a 5% dos casos de PP estão associados ao
acretismo placentário. Formas mais graves, como placentas increta e percreta,
são possíveis.
Diagnóstico
O acretismo placentário é mais bem visualizado por meio da ressonância
nuclear magnética.

As apresentações anômalas também são frequentes, com aumento da


incidência de apresentações pélvicas (até 12%) e córmicas. Os defeitos na
coagulação são observados com menor frequência do que no DPP. Outras
complicações possíveis são anemia materna, choque hipovolêmico, trabalho
de parto prematuro, sofrimento fetal e óbito fetal intrauterino, a depender da
intensidade do sangramento genital.

Quadro clínico
A PP apresenta-se como hemorragia genital sem causa aparente, indolor, de
coloração vermelho-viva, com início e interrupção súbitos em episódios
que se repetem e se agravam.

E - Diagnóstico

A sintomatologia é bastante sugestiva: sangramento genital indolor após a 20ª


semana de gestação, algumas vezes volumoso, frequentemente sem
repercussão fetal. A hipótese diagnóstica será mais consistente se for
observada apresentação anômala e/ou persistentemente alta imóvel.
Ao exame físico, a ausculta fetal revela feto em boas condições. O exame
especular é tempo obrigatório, revelando a origem do sangramento; o toque
vaginal, para o diagnóstico ou a confirmação de PP, pode causar intensa
hemorragia; deve ser feito com cuidado e em ambiente onde possa ser
praticada intervenção de emergência.
O exame subsidiário mais importante para o diagnóstico de PP é a
ultrassonografia obstétrica, que mostra placenta com implantação segmentar e
a sua relação com o orifício interno do colo. A ressonância magnética, embora
seja muito precisa, é pouco utilizada em razão do alto custo.

F - Diagnóstico diferencial

DPP;
Rotura uterina;
Rotura de VP;
Rotura do seio marginal;
Lesões cervicais: tumorações, inflamações, pólipos;
Lesões na vagina ou vulva.

G - Conduta

Em gestações abaixo de 37 semanas, deve-se internar a gestante sintomática


na tentativa de controlar o sangramento. Nesse período, deve ser feito
controle dos sinais vitais maternos e da vitalidade fetal. É importante a
corticoterapia visando ao amadurecimento pulmonar fetal em gestações com
idade gestacional entre 26 e 34 semanas. A gestação deverá ser interrompida
quando atingir o termo ou na impossibilidade de controle da hemorragia
materna.
Em gestações a termo, a maioria dos casos de PP deve ser resolvida por
cesárea. Quando a PP for completa, o parto deverá ser obrigatoriamente
cesárea, inclusive nos casos de feto morto.
Deve-se ter cuidado especial quando a placenta tem inserção na parede
anterior do útero. Em alguns casos selecionados de placenta lateral ou
marginal, pode-se permitir o parto vaginal, desde que se faça um controle
rigoroso do sangramento genital e da rotura precoce das membranas ovulares.
Devido à deficiência do miotamponamento do segmento inferior, pode
ocorrer sangramento após a dequitação. Orienta-se usar ocitócicos e
tamponamento local com compressas cirúrgicas; a ligadura das artérias
hipogástricas, sua embolização ou até mesmo histerectomia são medidas de
exceção. De todo modo, é prudente a programação cirúrgica prévia, com
reserva de hemocomponentes e realização do procedimento por equipe
treinada, composta por obstetras experientes.
Caso a placenta se apresente anormalmente inserida, não se desprendendo
com a dequitação espontânea, será importante fazer uma avaliação rápida do
tipo de acretismo placentário. Na mesma placenta, pode haver vários tipos de
penetração no miométrio. Se a placenta apresentar grande área de incretismo
ou percretismo, a extração manual poderá apenas fragmentar a placenta,
aumentando a área de sangramento.
Feito o diagnóstico de incretismo ou percretismo placentário, não se deve
tentar retirar a placenta à força. Para tratar o acretismo placentário, são
fundamentais conhecimento cirúrgico e suporte hemoterápico efetivo. A falta
de uma dessas condições obriga o médico a solicitar auxílio de outro serviço
ou de outro profissional médico para conduzir o caso. Se não houver
sangramento abundante e o útero estiver contraído, poderá ser realizada
histerorrafia, e a paciente, encaminhada a um hospital com maiores recursos
hemoterápicos e cirúrgicos.
A histerectomia é o tratamento-padrão nos casos de incretismo ou percretismo
placentário. Excepcionalmente, se a área de invasão for pequena e houver
desejo de preservar o útero, poderão ser feitas ressecção da porção uterina
acometida e sutura uterina posterior. Como a placenta geralmente está
localizada no segmento inferior do útero (PP), torna-se necessária a
histerectomia total, com aumento do risco de ligadura de ureter. Se, após a
histerectomia, persistir o sangramento genital, serão importantes a avaliação
da ocorrência de CIVD, sangramento de ligaduras ou de cúpula vaginal etc. A
ligadura de artéria ilíaca interna (hipogástrica) deve ser considerada, podendo
resolver o quadro hemorrágico.
Havendo percretismo, pode ocorrer invasão de órgãos vizinhos,
principalmente da bexiga e do reto. Se o percretismo for focal, será possível
retirar o útero e ligar o ponto de invasão. Se houver invasão total, as decisões
cirúrgicas deverão ser rápidas e prudentes, muitas vezes com necessidade da
presença do urologista ou do cirurgião geral. A demora na decisão para a
histerectomia ou ressecção parcial ou total de órgão invadido pela placenta
pode ser fatal, agregando complicações que podem acarretar aumento
significativo da morbimortalidade materna.
Nos casos de óbito fetal, a cesárea estará indicada quando a placenta estiver
em contato com o orifício interno do colo (centrototal, centroparcial). Os
demais casos deverão ser avaliados individualmente, considerando a idade
gestacional, o número de cesáreas anteriores, a presença de hemorragia
genital etc.
De acordo com o American College of Obstetricians and Gynecologysts
(ACOG), em casos de gestações com PP sem complicações, o nascimento
deve ocorrer entre 36 e 37 semanas de idade gestacional. Gestantes Rh
negativo não sensibilizadas (Coombs indireto negativo) que apresentem
sangramentos vaginais devem receber imunoglobulina anti-D.

4. Rotura uterina
A rotura uterina é uma complicação grave da gestação que pode ocorrer
durante a gravidez ou o trabalho de parto. A boa qualidade da assistência pré-
natal e do atendimento durante o trabalho de parto pode diminuir a sua
incidência. A rotura pode ser classificada em parcial, quando preserva a
serosa uterina, ou total, quando se rompe a parede uterina incluindo a serosa.
A rotura uterina durante a gestação é uma intercorrência rara e pode advir
espontaneamente ou após trauma abdominal. O enfraquecimento da parede
uterina pela presença de cicatrizes de cesáreas predispõe a sua ocorrência.
Outros fatores que podem facilitá-la são cicatriz de miomectomia,
endometriose, adenomiose, áreas de degeneração ou necrose, ou, ainda,
região onde houve acretismo placentário em gestações prévias.
A maioria dos casos acontece durante o trabalho de parto. Além dos fatores
predisponentes, devem ser lembrados os relacionados ao parto obstruído ou
bloqueado: desproporção cefalopélvica, macrossomia fetal, gemelaridade,
apresentações anômalas, tumores prévios ou malformações uterinas. O uso
inadvertido de ocitócicos pode ocasionar taquissistolia e hipersistolia,
predispondo, também, à rotura do segmento inferior do útero.
Clinicamente, a rotura uterina durante o trabalho de parto apresenta-se em 2
momentos bem distintos.
Na iminência da rotura uterina, a paciente, geralmente ansiosa e agitada, com
contrações uterinas muito fortes e dolorosas, apresenta, à palpação, anel de
constrição separando o corpo uterino do segmento inferior (sinal de Bandl).
Os ligamentos redondos estão desviados para a face ventral do útero e podem
ser palpados, apresentando-se excessivamente retesados e distendidos (sinal
de Frommel).
Não havendo intervenção médica imediata, segue-se a rotura, em geral,
acompanhada de quadro clínico grave. No momento da rotura, a mulher
frequentemente relata dor súbita, de forte intensidade, na região do baixo-
ventre. O trabalho de parto é imediatamente interrompido, e partes fetais
podem ser palpadas no abdome da mãe. A hemorragia genital pode ser
discreta ou grave, podendo sobrevir choque hipovolêmico. Ao toque vaginal,
a subida da apresentação é o sinal mais importante; os batimentos cardíacos
fetais frequentemente são inaudíveis (óbito fetal). A palpação abdominal
permite perceber a crepitação produzida pela passagem de ar para o peritônio
e o tecido subcutâneo da parede abdominal através da vagina e da brecha
uterina (sinal de Clark).
As roturas traumáticas e as espontâneas são consideravelmente mais perigosas
para o binômio mãe-feto. O prognóstico fetal é muito grave, e a mortalidade
perinatal pode chegar a 58%. Nas situações de deiscência de cicatriz de
cesárea, o prognóstico é mais favorável.
Figura 8 - Histerectomia puerperal após rotura uterina durante trabalho de parto

O prognóstico materno melhorou nos últimos tempos. As principais


complicações são choque hipovolêmico e infecções. A vida da paciente
depende da rapidez e da eficiência com que se corrige a hipovolemia e se
controla a hemorragia. Após a ocorrência da rotura, deve ser realizada
laparotomia imediata. A conduta cirúrgica pode variar de uma simples rafia
uterina até a histerectomia, dependendo da extensão da lesão, do estado
clínico da paciente e de sua paridade.
A principal conduta é a profilaxia. Deve haver vigilância de todas as pacientes
em trabalho de parto, especialmente daquelas que apresentem vícios pélvicos,
fetos macrossômicos, apresentações anômalas, tumores prévios,
multiparidade, cicatrizes de cesáreas ou de miomectomias. A melhor maneira
de evitar a rotura uterina durante o trabalho de parto é o diagnóstico rápido da
distensão do segmento inferior do útero. O uso de uterolíticos, por sua vez,
pode controlar as contrações uterinas quando necessário.

5. Rotura de vasa prévia


Define-se rotura de VP a anomalia de inserção do funículo umbilical na
placenta, na qual os vasos umbilicais cruzam o segmento inferior uterino,
colocando-se à frente da apresentação fetal (Figuras 9 e 10). Na maioria das
vezes, a presença de VP coexiste com inserção velamentosa do funículo
umbilical, situação na qual a geleia de Wharton termina a distâncias variáveis
da superfície placentária, fazendo os vasos umbilicais se situarem entre o
âmnio e o cório, podendo haver ou não vasos.

Figura 9 - Rotura de vasa prévia


Trata-se de uma situação rara, com incidência aproximada de 1 a cada 2.500
partos, associada a alta taxa de mortalidade fetal, variando de 50 a 60% com
membranas íntegras (pela compressão dos vasos) e de 70 a 100% após a
rotura das membranas (por hemorragia fetal). Calcula-se a volemia de um feto
a termo ser cerca de 250mL. Portanto, a perda de pequena quantidade de
sangue fetal pode levá-lo a choque hemorrágico e óbito.

Tema frequente de prova


A rotura de vasa prévia, que leva à queda abrupta dos batimentos cardíacos
fetais, com sintomas maternos frustros, é tema recorrente em provas de
concursos médicos.
Figura 10 - Vasa prévia: vasos umbilicais que cruzam o orifício interno do colo uterino

Não existe risco materno, a não ser nos casos de DPP.

Dica
As vasas prévias estão comumente associadas a lobo placentário acessório,
inserção velamentosa de cordão, PP prévia, placenta sucenturiada,
gestações múltiplas e banda amniótica.

O diagnóstico de VP é costumeiramente negligenciado, em função da raridade


dessa alteração dos vasos umbilicais, da grande dificuldade diagnóstica e da
escassez de tempo entre a suspeita diagnóstica e a intervenção médica, que
deve ser imediata. Eventualmente, pode-se sentir um vaso fetal ao toque
vaginal, sob a forma de estrutura tubular, revestido pelas membranas, pulsátil,
em consonância com os batimentos cardíacos fetais. A compressão discreta
desse vaso poderá provocar modificações imediatas na frequência cardíaca
fetal. O sangramento vaginal (de origem fetal) nem sempre está presente. Em
muitas situações, a rotura das VPs e o consequente sangramento vaginal
podem acontecer muitas horas após a rotura das membranas, ou seja, à
medida que evolui a dilatação cervical. Nesses casos, ocorre aumento do
diâmetro da rotura das membranas, o que englobará um vaso fetal em
determinado momento, causando sua consequente rotura.
Antes do desenvolvimento da ultrassonografia obstétrica, o diagnóstico de VP
era esporádico e casual. Nos dias atuais, o exame ultrassonográfico
transabdominal, o exame transvaginal e o Doppler colorido, realizados no
termo da gestação, podem ser importantes no diagnóstico. O aspecto
ultrassonográfico é de imagens lineares ecogênicas ou hipoecogênicas que
atravessam o orifício interno do colo e que, ao Doppler colorido, apresentam
fluxo (Figura 11).

Figura 11 - Ultrassonografia com Doppler: vaso umbilical (setas amarelas) que cruza o orifício
interno do colo (seta branca)

O diagnóstico diferencial de VP deve ser feito com DPP, PP e, mais


raramente, rotura uterina e rotura do seio marginal placentário. Feito o
diagnóstico de certeza de VP, a melhor conduta é aguardar a maturidade fetal
e submeter a gestante a cesárea eletiva. Quando o diagnóstico ocorre após a
rotura desses vasos, trata-se de emergência obstétrica, e a cesárea de urgência
é um procedimento requerido.

6. Rotura do seio marginal


O seio marginal da placenta é formado pela borda periférica do corpo
placentário (espaço interviloso) que circunda toda a placenta, coletando
sangue venoso materno. Segundo alguns autores, a rotura do seio marginal é a
causa mais comum de hemorragia do 3º trimestre.
O quadro clínico se assemelha aos da PP, apenas com sinais e sintomas mais
pobres, além de ser diagnóstico de exclusão. A abordagem terapêutica é
semelhante à da PP. É importante destacar que, nos casos de rotura do seio
marginal, pode haver evolução do quadro para DPP.
Figura 12 - Decisões para o diagnóstico de sangramento na 2ª metade da gestação

Resumo
DPP é a separação abrupta da placenta normalmente inserida em
gestação acima de 20 semanas e antes da expulsão do feto;
As causas do DPP podem ser divididas em 2 grupos: traumáticas e não
traumáticas. As não traumáticas são as maiores responsáveis;
O diagnóstico é basicamente clínico. A paciente com DPP raramente é
assintomática. Frequentemente são referidos sangramento vaginal, dor
súbita e intensa no baixo-ventre e parada de movimentos fetais;
O tratamento do DPP consiste no esvaziamento da cavidade uterina com
a maior brevidade possível. Em gestações com feto vivo e >28 semanas,
a resolução da gestação deve ser imediata e realizada pela via de parto
mais rápida. Na maioria das vezes, a cesárea representa a conduta a ser
tomada;
A PP é aquela que se insere parcial ou totalmente no segmento inferior
do útero após a 28ª semana de gestação;
A PP apresenta-se como hemorragia genital sem causa aparente, indolor,
de coloração vermelho-viva, com início e cessar súbitos em episódios
que se repetem e se agravam. A associação a acretismo placentário é
usualmente encontrada;
Em gestações com menos de 37 semanas, deve-se internar a paciente, na
tentativa de controlar o sangramento. É importante a corticoterapia
visando ao amadurecimento pulmonar fetal em gestações com idade
gestacional entre 26 e 34 semanas. A gestação deverá ser interrompida
quando atingir o termo ou na impossibilidade de controlar a hemorragia
materna;
Em gestações de termo, a maioria dos casos de PP deve ser resolvida por
cesárea;
A maioria dos casos de rotura uterina ocorre durante o trabalho de parto;
São fatores que podem facilitar a rotura uterina durante a gestação:
cicatriz de cesárea, cicatriz de miomectomia, endometriose, adenomiose,
áreas de degeneração ou necrose, região onde houve acretismo
placentário em gestações prévias;
Na iminência da rotura uterina, a paciente apresenta contrações uterinas
muito fortes e dolorosas. À palpação, há anel de constrição que separa o
corpo uterino do segmento inferior (sinal de Bandl), e os ligamentos
redondos estão desviados para a face ventral do útero, podendo ser
palpados excessivamente retesados e distendidos (sinal de Frommel);
A principal conduta é a profilaxia. Devem ser vigiadas todas as pacientes
em trabalho de parto, especialmente aquelas que apresentam vícios
pélvicos, fetos macrossômicos, apresentações anômalas, tumores
prévios, multiparidade, cicatrizes de cesáreas ou de miomectomias;
A VP é a anomalia de inserção do funículo umbilical na placenta, na qual
os vasos umbilicais cruzam o segmento inferior uterino, colocando-se à
frente da apresentação fetal;
Não existe risco materno, a não ser nos casos de DPP. O diagnóstico de
VP é costumeiramente negligenciado, em função da raridade dessa
alteração dos vasos umbilicais, da grande dificuldade diagnóstica e da
escassez de tempo entre a suspeita diagnóstica e a intervenção médica;
Feito o diagnóstico de certeza de VP, a melhor conduta é aguardar a
maturidade fetal e submeter a gestante a cesárea eletiva;
Quando o diagnóstico ocorre após rotura desses vasos, trata-se de
emergência obstétrica, e a cesárea de urgência é o procedimento
realizável.
Gestação gemelar
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução
A gestação múltipla é definida como aquela proveniente de 1 ou mais ciclos
ovulatórios e resulta no desenvolvimento de mais de 1 embrião ou na sua
divisão, independentemente do número final de recém-nascidos. Observa-se
aumento em sua frequência durante as 2 últimas décadas. Em gestações como
essa, há aumento de cerca de 5 a 6 vezes da mortalidade neonatal quando
comparadas com gestações únicas, respondendo por cerca de 10 a 15% da
mortalidade perinatal.

2. Incidência e epidemiologia
A incidência é de 7:1.000 nascimentos no Japão, 10:1.000 na Europa e na
América do Norte e de 40:1.000 em alguns países da África. Alguns fatores
demográficos interferem na frequência de gestações dizigóticas, cuja
ocorrência é mais comum quando há história familiar materna e aumento da
idade materna e da paridade. No entanto, o uso cada vez mais frequente de
medicações para a indução da ovulação e a transferência de múltiplos
embriões por ciclo de reprodução assistida são os principais responsáveis pelo
aumento acentuado observado ao longo das últimas décadas.

A incidência de gestações monozigóticas é relativamente constante na


população, porém algumas situações fazem aumentar as chances de divisão
do embrião, como a demora da passagem do ovo fecundado nas trompas e a
ocorrência de microtraumas no blastocisto durante a manipulação realizada
nos procedimentos de reprodução assistida.

3. Zigoticidade e corionicidade
As gestações múltiplas podem ser classificadas segundo a zigoticidade ou a
corionicidade.
As gestações dizigóticas resultam da fecundação de mais de 1 óvulo, e os
embriões apresentam materiais genéticos diferentes. As monozigóticas
resultam da divisão de massa embrionária inicial única, e os embriões
resultantes apresentam carga genética idêntica.
Cerca de 2/3 das gestações gemelares naturalmente concebidas são
dizigóticas, e 1/3, monozigóticas. O aumento observado na incidência delas
deve-se, principalmente, à maior frequência de gestações dizigóticas;
entretanto, as técnicas de reprodução assistida, mesmo que em menor
proporção, também favorecem a ocorrência de gestações monozigóticas. Nas
dizigóticas, cada embrião desenvolve seus próprios cório e âmnio (sempre
dicoriônicas e diamnióticas). As monozigóticas, por sua vez, têm
corionicidade e amnionicidade variáveis, conforme o momento em que ocorre
a divisão da massa embrionária. Em cerca de 25% dos casos, quando a
divisão do blastocisto ocorre em até 72 horas, podem ser encontrados 2
placentas e 2 sacos amnióticos (gestação dicoriônica diamniótica). Em 74%, a
divisão acontece entre o 4º e o 8º dias após a fertilização, quando já ocorreu a
diferenciação das células que originam o cório, resultando em 1 placenta e 2
cavidades amnióticas (gestação monocoriônica diamniótica). Em cerca de 1%
dos casos, a divisão do blastocisto ocorre entre o 8º e o 13º dias após a
fertilização, isto é, quando já se formaram a placa coriônica e o saco
amniótico, originando as gestações monocoriônicas monoamnióticas.
Os gêmeos unidos são resultantes da falha da separação completa dos
embriões e ocorrem quando o processo de divisão é tardio (ao redor do 15º ao
17º dias).
Figura 1 - Classificação segundo a zigoticidade, a corionicidade e a amnionicidade

A corionicidade sempre pode ser determinada com exatidão por meio de


ultrassonografia (USG) precoce. A presença de monocorionicidade (única
placenta) sempre implica monozigoticidade; por outro lado, as gestações
dicoriônicas (2 placentas) podem ter origem monozigótica ou dizigótica.
Nesses casos, o diagnóstico pode ser feito somente quando há discordância
entre os sexos fetais ou investigado por meio de estudos do DNA (gêmeos
com sexos diferentes são sempre dizigóticos e dicoriônicos, enquanto gêmeos
do mesmo sexo podem ser tanto monozigóticos quanto dizigóticos).
As complicações fetais são mais frequentes nas gestações monocoriônicas em
comparação com as dicoriônicas. Portanto, na prática, a determinação da
corionicidade, em vez da zigoticidade, é o fator mais importante para a
conduta pré-natal e o principal determinante do prognóstico gestacional.
O melhor período para determinar a corionicidade e a amnionicidade é o 1º
trimestre da gestação (6 a 8 semanas), quando a acurácia da USG chega a
100%. A gestação dicoriônica pode ser diagnosticada a partir da 5ª semana
pela identificação de mais de 1 saco gestacional e da presença de septo
espesso entre eles. Após a 9ª semana, a projeção do componente coriônico
entre as membranas amnióticas, identificado na base da inserção placentária,
forma o sinal do lambda (twin-peak sign – Figura 2), característico dessa
gestação. Com a evolução desta, ocorre a regressão da camada coriônica, e o
sinal se torna mais difícil de identificar. Assim, a ausência deste após o 1º
trimestre não exclui a possibilidade de gestação dicoriônica, pois as massas
placentárias podem se fundir e apresentar aspecto de massa placentária única,
sem o sinal do lambda. Por outro lado, a identificação desse sinal em qualquer
estágio da gestação deve ser considerada para o diagnóstico de
dicorionicidade.

Figura 2 - Sinal do lambda (seta)


Figura 3 - Sinais ultrassonográficos que definem o tipo de corionicidade: sinal do “T” para
placentação monocoriônica

Nas gestações monocoriônicas, a partir da 6ª semana, pode-se identificar mais


de 1 embrião no interior do mesmo saco gestacional (Figura 4), e o âmnio se
torna visível a partir da 8ª semana. No final do 1º trimestre, há a fusão das
membranas amnióticas adjacentes, originando um septo fino entre as 2
cavidades amnióticas, que se insere de maneira abrupta na placenta, formando
o sinal do “T”, indicativo de gestações monocoriônicas.
Durante o 2º trimestre da gestação, a avaliação da corionicidade torna-se mais
difícil. São características das gestações dicoriônicas a persistência do sinal
do lambda, a identificação de fetos com sexos discordantes e/ou a presença de
placentas inseridas em locais diferentes da cavidade uterina.
A avaliação da corionicidade por meio de exames invasivos pode ser realizada
excepcionalmente, nos casos avançados e com fetos do mesmo sexo, em que
a determinação é fundamental para a condução do caso.

Diagnóstico
Na ultrassonografia, a gestação gemelar dicoriônica apresenta o sinal do
lambda, enquanto a gestação gemelar monocoriônica apresenta o sinal do
“T”.

Figura 4 - Gestação gemelar monocoriônica com 5 semanas


4. Diagnóstico
Do ponto de visto clínico, os sinais e sintomas relacionados à gestação
gemelar são volume uterino maior do que o esperado para a idade gestacional
(via de regra, a altura uterina é 5cm maior do que a esperada entre 20 e 30
semanas gestacionais), presença de 2 polos cefálicos à palpação, ausculta de 2
ritmos cardíacos com frequências diferentes entre si e diferentes da da mãe.
Todos esses achados são tardios e podem ser facilmente falseados.
Atualmente, a USG durante o 1º trimestre permite diagnosticar, com
segurança, praticamente todos os casos.

5. Particularidades e complicações maternas


relacionadas
As adaptações maternas habituais durante a gravidez são ainda mais comuns.
A expansão volêmica observada é maior do que nas gestações únicas (em
média, 1.960mL x 1.570mL, respectivamente). Observa-se estado de
circulação hiperdinâmica, decorrente, sobretudo, do aumento do débito
cardíaco materno (cerca de 20% acima do que ocorre nas gestações únicas),
atribuído ao aumento do volume de ejeção sistólica proporcionado pela
elevação da volemia e da pré-carga.
Da mesma forma, é observado maior aumento no volume abdominal e no
recrutamento de músculos acessórios para a respiração, que pode ocasionar
queixas mais frequentes de dispneia nessas gestantes. Não se observa o
impacto dessas alterações na homeostase gasosa e no equilíbrio acidobásico
quando comparadas com gestações únicas. Algumas gestantes podem ter,
ainda, quadros de pielectasia renal em razão da compressão da drenagem
ureteral pelo útero sobredistendido.
Do ponto de vista das complicações, as gestações gemelares associam-se ao
aumento de todas elas, exceto o pós-datismo e a macrossomia fetal.
Observam-se maior frequência de anemia, hiperêmese gravídica, Doença
Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG), placenta prévia, descolamento
prematuro de placenta, infecção puerperal, edema pulmonar e óbito materno.
O diagnóstico e a conduta específica não são diferentes dos adotados para
gestações únicas.
A hipertensão arterial é uma das complicações maternas mais incidentes, com
frequência 2 vezes maior de DHEG nessas gestantes, sobretudo das formas
graves e de instalação precoce. Os aspectos relacionados ao diagnóstico e ao
tratamento não diferem com relação à abordagem nas gestações únicas, com
exceção de que os níveis de ácido úrico encontrados nas gestações gemelares
são superiores aos valores habitualmente observados nas gestações únicas.
Os estudos são contraditórios quanto ao diabetes gestacional; apesar de
muitos pesquisadores relatarem aumento de sua incidência nas gestações
gemelares, outras análises não sustentam tal hipótese.
A amniorrexis prematura é mais frequente em gestações múltiplas (7 a 10%).
Rotineiramente, a ruptura acontece nas membranas do saco gestacional do 1º
gemelar, entretanto pode ocorrer também na outra cavidade amniótica,
especialmente após procedimentos invasivos (por exemplo, amniocentese). O
período de latência (tempo entre a ruptura das membranas e o parto) parece
significativamente menor que o encontrado em gestações únicas, porém o
manejo desses casos segue as recomendações para estas. Diante do
nascimento de 1 dos fetos em idade gestacional extremamente prematura,
alguns hospitais relatam sucesso em postergar o parto do(s) remanescente(s).
Essa conduta deve ser vista como medida de exceção, para a qual são
recomendadas a instituição de antibioticoterapia, a circlagem cervical e a
tocólise profilática.

6. Complicações fetais
Do ponto de vista fetal, a gemelaridade também aumenta as chances de
complicações como óbito fetal, malformações fetais, acidentes de cordão e
apresentação fetal anômala durante o trabalho de parto. O diagnóstico de
baixo peso ao nascer é frequente devido à maior incidência de prematuridade
e Restrição do Crescimento Fetal (RCF). Algumas das intercorrências são
exclusivas de gestações múltiplas, como a síndrome da transfusão fetofetal e a
discordância entre os fetos quanto a alterações morfológicas, da vitalidade
fetal e do crescimento fetal.
A duração média da gestação gemelar é de cerca de 35 semanas, e da gestação
trigemelar, de 32 semanas. Assim, o parto prematuro ocorre em 30 a 50% dos
casos, e, pela alta frequência, a prematuridade é o principal fator determinante
das elevadas taxas de morbidade e mortalidade associadas a esse tipo de
gestação. O prognóstico dos recém-nascidos prematuros de gestações
múltiplas é similar ao observado em gestações únicas da mesma idade
gestacional. O risco de parto pré-termo é maior nas gestações
monocoriônicas.
Os testes que demonstraram melhor desempenho para a predição de parto
prematuro foram a avaliação do comprimento do colo uterino por USG e a
determinação da fibronectina fetal em secreção cervicovaginal. O
comprimento do colo uterino em gestações gemelares se reduz gradualmente,
de 47mm na 13ª semana a 32mm na 32ª semana; colo uterino com
comprimento menor que 20mm na 24ª semana de gestação indicaria maior
risco de parto pré-termo. Estudos prospectivos randomizados que testaram a
efetividade da circlagem cervical não mostraram efeitos benéficos desse
tratamento em gestações gemelares. A internação hospitalar rotineira e o
repouso no leito também não demonstraram benefícios. Recomenda-se, no
entanto, a redução das atividades físicas, bem como a adequação da jornada e
da carga de trabalho.
O uso de agentes tocolíticos de maneira profilática também não demonstra
efeito benéfico na diminuição da incidência de trabalho de parto prematuro.
Diante dos casos em comprovado trabalho de parto prematuro, os tocolíticos
são vantajosos para prolongar a gestação por período de até 48 horas e
consequente corticoterapia para o desenvolvimento pulmonar fetal. A
administração de corticosteroides fica indicada aos casos com mais de 28
semanas e menos de 34 semanas de gestação e que apresentem fortes indícios
de risco de parto nas próximas 48 horas. As doses são as mesmas
preconizadas para gestações únicas.
A RCF é outro fator de risco importante para o aumento da morbidade e da
mortalidade perinatais. O risco de um feto nascer com restrição de
crescimento em gestações gemelares é cerca de 10 vezes maior do que em
gestações únicas. A RCF (peso de nascimento abaixo do percentil 10 para a
respectiva idade gestacional) acontece em, pelo menos, 1 dos fetos em
aproximadamente 23% das gestações dicoriônicas e 34% das monocoriônicas.
O diagnóstico de RCF por meio do exame clínico é muito difícil em gestações
gemelares. Sua confirmação é feita pela estimativa do peso fetal por meio de
avaliações ultrassonográficas; apesar de existirem curvas de normalidade
propostas para essas gestações, habitualmente são utilizadas as de
crescimento fetal de gestações únicas para avaliar e diagnosticar os distúrbios
de crescimento. É fundamental que a datação tenha sido estabelecida
preferencialmente durante o 1º trimestre.
O padrão de crescimento fetal é semelhante ao das gestações únicas durante o
1º e o 2º trimestres, passando a apresentar diminuição no ritmo a partir de 28
semanas. Dessa forma, durante o 3º trimestre, para uma mesma idade
gestacional, fetos de gestações gemelares são menores do que os de gestações
únicas. O repouso absoluto no leito e a administração de ácido acetilsalicílico
em baixas doses não são efetivos para a prevenção da ocorrência da RCF nas
gestações gemelares. A condução diante do diagnóstico de restrição em 1 ou
ambos os fetos segue rotina semelhante à das gestações únicas.
O acompanhamento ultrassonográfico de gestações gemelares diagnosticadas
precocemente permite identificar elevada incidência de parada espontânea do
desenvolvimento embrionário. Assim, a incidência durante o 1º trimestre é
maior do que a incidência no parto, em virtude da maior frequência de
abortamento (mais comuns nas gestações monocoriônicas quando comparadas
às dicoriônicas).
Em alguns casos, pode ocorrer parada do desenvolvimento de somente 1 dos
embriões. Exceto pelo diagnóstico ultrassonográfico, a maioria desses casos
não apresenta quaisquer manifestações clínicas ou repercussões ao feto
remanescente; eventualmente, a gestante pode apresentar queixa de
sangramento vaginal. Quando a parada do desenvolvimento embrionário
ocorre durante o 1º trimestre, frequentemente há reabsorção completa dos
tecidos, e não são encontrados indícios no momento do parto ou no exame
histopatológico da placenta.
A gestação gemelar também é fator de risco para óbito fetal. Quanto mais
precoce, menor a chance de sobrevida do feto remanescente, principalmente
nos casos em que os fetos são de sexos concordantes. Nas gestações em que
acontece óbito de 1 dos fetos, há risco aumentado para óbito, presença de
sequelas neurológicas e parto pré-termo do outro feto.
O prognóstico do gemelar remanescente depende de fatores como
corionicidade, idade gestacional em que ocorre o óbito, causa específica deste
e intervalo de tempo do óbito fetal até o nascimento do outro gemelar. Nas
gestações monocoriônicas, quando 1 dos fetos morre, há 25% de chances de
morte do outro gemelar e 25% de chances de sequela neurológica no feto
sobrevivente. Isso se deve a hipotensão e isquemia abruptas secundárias ao
desbalanço hemodinâmico no feto sobrevivente, cuja volemia é exsanguinada
para o território vascular do gemelar morto. Pelo risco elevado de sequelas no
sobrevivente, recomenda-se monitorização ultrassonográfica periódica para o
diagnóstico de anormalidades no desenvolvimento do sistema nervoso central.
Em gestações dicoriônicas, não há anastomoses vasculares entre as placentas,
e o risco de desequilíbrio hemodinâmico para o gemelar remanescente é
mínimo. Nesses casos, o feto que morre pode ser reabsorvido ou permanecer
envolvido pelas membranas e ser comprimido contra a parede uterina materna
(feto papiráceo).
Quando a causa específica do óbito fetal não influencia o aumento do risco
para o feto sobrevivente, a conduta pode ser expectante. A coagulação
intravascular disseminada raramente acontece em gestações gemelares com
feto morto. Diante do óbito de ambos, a via de parto preferencial é a vaginal,
com acompanhamento laboratorial materno até o parto.
No tocante a malformações fetais, sua incidência em gestações gemelares é de
aproximadamente 5 a 6%, superior à encontrada em gestações únicas. Essa
incidência é ainda maior nas gestações monozigóticas, provavelmente pelo
processo de divisão da massa embrionária. Nesse grupo, as anormalidades
estão comumente relacionadas aos defeitos da linha média e incluem
holoprosencefalia, defeitos abertos do tubo neural, extrofia da cloaca e
malformações cardíacas. Também as gestações monocoriônicas estão
associadas a risco 2 a 3 vezes maior de malformação fetal do que as
dicoriônicas.

7. Complicações específicas
A síndrome de transfusão fetofetal é uma complicação específica e exclusiva
das gestações monocoriônicas: acontece em cerca de 10 a 15% destas. O
mecanismo primário consiste na transferência desigual de sangue entre as
circulações dos 2 fetos por meio de anastomoses vasculares placentárias do
tipo arteriovenosas, que funcionam como se fossem fístulas.
Na placenta monocoriônica, sempre são encontradas anastomoses vasculares,
seja arteriovenosa, venoarterial, venovenosa e arterioarterial. A origem do
problema está no desbalanço entre as comunicações, e acredita-se que as
comunicações responsáveis sejam as arteriovenosas e que as arterioarteriais
sejam um fator de proteção para o desenvolvimento da síndrome.
O gêmeo-doador apresenta anemia e RCF grave acompanhados de oligúria e
oligoidrâmnio, enquanto o gêmeo-receptor apresenta sobrecarga circulatória e
policitemia, o que pode levar ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca e
hidropisia fetal. Polidrâmnio no feto-receptor leva ao aumento da pressão
intrauterina, que pode prejudicar ainda mais a circulação placentária.
Os casos graves, em que há o desenvolvimento de polidrâmnio agudo,
manifestam-se entre 16 e 24 semanas de gestação. Quando não tratados, esses
casos associam-se a taxas de mortalidade de 80 a 100%. Isso se deve,
especialmente, às altas taxas de óbito fetal espontâneo de 1 ou ambos os fetos,
abortamento, amniorrexis prematura e parto prematuro. A morte de 1 deles
(geralmente o receptor morre antes) leva a alterações hemodinâmicas que
resultam em hipovolemia acentuada do feto sobrevivente, com alta morbidade
(especialmente sequelas neurológicas) e alta mortalidade.

Importante
De acordo com recomendações do Ministério da Saúde, o achado
ultrassonográfico de polidrâmnio (maior bolsão vertical >8cm) em uma das
cavidades amnióticas e oligoidrâmnio (maior bolsão vertical <2cm) na
outra, independentemente do tamanho dos fetos, atesta o fenômeno de
transfusão fetofetal, devendo a gestante ser encaminhada a serviço terciário
de atenção perinatal.

Um sistema de estadiamento desenvolvido por Quintero e colaboradores é


amplamente utilizado e estratifica as síndromes crônicas em 5 etapas, com
base na USG.

Algumas técnicas foram propostas para o tratamento dessa complicação, com


o objetivo de melhorar a sobrevida dos fetos. A seguir, serão descritas
algumas delas.
A - Amniodrenagem

O polidrâmnio, quando progressivo, leva a desconforto materno e torna o


útero tenso à palpação. A remoção do excesso de líquido amniótico por meio
da amniocentese, procedimento de fácil execução e que não requer material
especial, alivia o polidrâmnio associado à síndrome de transfusão fetofetal e
reduz o risco de amniorrexis e trabalho de parto prematuro, prolongando a
duração da gestação. É frequente a formação repetitiva do polidrâmnio; nesse
caso, o procedimento pode ser repetido (de 1 a 6 intervenções durante a
gestação).
Em estágios avançados, a taxa de sobrevida de pelo menos 1 feto após o
tratamento é de 40%, e a taxa de sobrevida dos 2 fetos, de 20%. O risco de
sequelas neurológicas varia de 17 a 33%. As complicações ocorrem em cerca
de 5 a 10% dos casos e incluem óbito fetal ou abortamento até 48 horas
depois, amniorrexis e descolamento prematuro de placenta.

B - Cirurgia endoscópica intrauterina com laser

Esta cirurgia se baseia no exame direto da superfície placentária, por meio de


fetoscopia, para identificação e coagulação com laser dos vasos que cruzam o
equador delimitado pela membrana interamniótica e comunicam uma metade
funcional da placenta com a outra. Esse método age especificamente na
fisiopatologia da doença e é realizado em poucos centros de referência, pois
requer material especializado e treinamento apropriado.
Em estágios avançados, a taxa de sobrevida de apenas 1 feto após o
tratamento é de 75%; de ambos, é de 40%; a incidência de sequelas
neurológicas é de 4,2%. As complicações associadas são as mesmas que as
descritas para a amniodrenagem, entretanto a morbidade materna é maior, por
ser um procedimento mais invasivo.

C - Septostomia

A septostomia consiste na criação de um orifício na membrana interamniótica


comunicando as 2 cavidades amnióticas. É realizada com a amniodrenagem,
empregando-se o mesmo material. A taxa de sobrevida é de 40 a 83%, e o
mecanismo de atuação se dá pelo efeito combinado do alívio do polidrâmnio
com o equilíbrio entre as pressões das cavidades amnióticas. Essa técnica
apresenta os mesmos riscos descritos para a amniocentese e o risco específico
de entrelaçamento dos cordões, uma vez que a gestação está sendo
transformada em monoamniótica.
D - Feticídio seletivo

a) Transfusão fetofetal

O feticídio seletivo representa a interrupção seletiva da vida de 1 dos gêmeos


e deve ser realizado por meio de técnica que evite o comprometimento
circulatório do gemelar sobrevivente. Somente é indicado aos casos com
sinais de morte intrauterina iminente de 1 dos fetos. As taxas de sobrevida são
de, no máximo, 50%, e o número de casos relatados até hoje é pequeno. As
técnicas empregadas incluem clampeamento do cordão umbilical por
intermédio de fetoscopia e embolização vascular guiada pela USG. Os riscos
maternos associados dependem da técnica empregada.

b) Discordância de peso entre os fetos

A discordância de crescimento fetal pode ser definida de formas diferentes:

Diferença de peso em valores absolutos de 250 a 300g entre o gêmeo


maior e o menor;
Diferença de desvio-padrão de peso entre os gêmeos em tabela
predefinida;
Diferença entre os perímetros abdominais fetais >20mm.

Essa discordância acontece em 5 a 15% das gestações gemelares e está


associada ao aumento do risco de óbito fetal e de mortalidade neonatal. Pode
decorrer de diferenças na placentação e no potencial genético individual (nas
gestações dizigóticas), anormalidades de inserção do cordão, discordância
quanto a malformações congênitas e síndromes genéticas e/ou infecção
congênita; nuliparidade materna, gestações monocoriônicas e ocorrência de
síndrome de transfusão fetofetal também estão relacionadas a maior
incidência de discordância de crescimento fetal. Nos casos com discordância
de peso fetal sem causa aparente, a morbidade neonatal está relacionada à
corionicidade e à ocorrência de RCF, e não à discordância propriamente dita.
Diante da discordância entre os pesos fetais em uma gestação gemelar, deve-
se realizar vigilância do padrão de crescimento de cada um e
acompanhamento dos parâmetros de vitalidade fetal, como o volume de
líquido amniótico, o perfil biofísico fetal e o estudo dopplervelocimétrico,
principalmente quando há diagnóstico de RCF em 1 ou ambos os fetos. Não
há evidências da resolução dos casos somente em função de crescimento fetal
discordante.
c) Gêmeo acárdico

A ocorrência de gêmeo acárdico (Figura 5) é de cerca de 1% das gestações


monocoriônicas e representa o grau máximo de anormalidade vascular nessas
gestações.
O gemelar anormal apresenta múltiplas malformações estruturais, que
incluem ausência do coração ou presença de órgão rudimentar e ausência do
polo cefálico, associada ou não a alterações dos membros superiores. O
tronco pode estar presente, podendo desenvolver edema acentuado, ou, ainda,
apresentar-se como uma massa amorfa.

Figura 5 - Feto acárdico: morfologia parcial do tronco e dos membros inferiores

Esses fetos não sobrevivem após o nascimento em virtude das múltiplas e


graves anormalidades. Sua perfusão sanguínea intrauterina se mantém pela
presença de anastomose arterioarterial com o outro feto. O gemelar normal
(doador), atuando como bomba para o feto anormal (acárdico), morre em 50 a
70% das gestações devido à insuficiência cardíaca congestiva ou ao parto pré-
termo decorrente de polidrâmnio grave.
O tratamento desses casos é realizado por meio da oclusão do fluxo sanguíneo
para o gêmeo acárdico, por ligadura endoscópica, coagulação com laser do
cordão umbilical ou embolização dos vasos umbilicais dentro do abdome do
feto acárdico por intermédio da injeção de álcool absoluto. Nos casos de
gestação em fase tardia (próximo à viabilidade do feto normal), o tratamento
consiste na realização do parto.

8. Gestação monoamniótica
As gestações gemelares monoamnióticas correspondem a cerca de 1% de
todas as monozigóticas e estão associadas ao risco de 50 a 75% de óbito fetal
intrauterino, devido, principalmente, ao enovelamento dos cordões umbilicais
e à consequente interrupção do fluxo sanguíneo. Outros fatores associados às
perdas fetais são as malformações e o parto prematuro.
O diagnóstico baseia-se na demonstração da presença de 2 fetos no interior do
mesmo saco gestacional, sem membrana interposta, ou na demonstração do
enovelamento do cordão umbilical no exame de Doppler com fluxo colorido.
Os pais, por sua vez, devem estar cientes quanto ao risco de óbito súbito
inexplicado. O momento ideal para a interrupção da gestação é motivo de
controvérsias; alguns autores indicam parto na 32ª semana, enquanto outros
consideram que o risco de óbito súbito diminui no 3º trimestre, o que
justificaria retardar o momento do parto. Esse limite deve ser estabelecido
individualmente, de acordo com as condições disponíveis de cuidados
intensivos neonatais.

- Gêmeos unidos

A união dos gêmeos é um evento raro, que acomete aproximadamente 1 a


cada 50 mil gestações. O diagnóstico ultrassonográfico é possível a partir da
identificação de gestação gemelar com massa placentária única, falha na
demonstração de membrana interamniótica e fetos que não se separam.
A união pode ser anterior (toracópagos, onfalópagos ou tóraco-onfalópagos),
posterior (pigópagos), dos polos cefálicos (craniópagos) ou caudal
(isquiópagos). O prognóstico depende do local de união, dos órgãos
envolvidos e da extensão dessa união, além da presença de malformações
eventuais. Geralmente, o prognóstico é definido pela possibilidade de
correção de cardiopatias frequentemente encontradas. É obrigatório o
ecocardiograma fetal no pré-natal. Quando o prognóstico é ruim, o parto pode
acontecer por via vaginal e depende, sobretudo, da dimensão dos fetos.
Figura 6 - Gêmeos unidos (união anterior)

9. Gestações trigemelares ou de ordem maior


O aumento observado na frequência de gestações trigemelares ou de ordem
maior é ainda mais significativo que o encontrado para gemelares. A redução
do número de embriões transferidos em ciclos de reprodução assistida poderia
contribuir para a diminuição dessa ocorrência.
Essas gestações podem ser mono ou polizigóticas, com diversas combinações
possíveis de corionicidade e amnionicidade. A avaliação ultrassonográfica
durante o 1º trimestre nesses casos permite estabelecer a corionicidade com
acurácia e auxilia a orientação do acompanhamento durante o restante da
gestação.
Se, em gestações gemelares, o risco de complicações é alto, em gestações de
ordem maior, os riscos passam a ser extremamente elevados, com prognóstico
muito reservado, especialmente quando o número de fetos é maior ou igual a
4. Todas as complicações citadas também ocorrem nas gestações com 3 ou
mais fetos.
Como nas gestações gemelares, o principal fator de morbidade e mortalidade
perinatal nesses casos é a alta incidência de prematuridade. A duração da
gestação é inversamente proporcional ao número de fetos. Dessa forma, a
idade gestacional média do parto em trigemelares é de cerca de 33 semanas, e
a prematuridade ocorre em 90%, agravando ainda mais o risco perinatal. Para
as gestações com 4 ou mais fetos, virtualmente todos os casos nascem
prematuros.

10. Acompanhamento pré-natal


O acompanhamento pré-natal das gestações gemelares envolve um número
maior de consultas quando comparado ao pré-natal de gestações únicas. As
consultas mais frequentes permitem diagnosticar precocemente desvios na
evolução da gestação, como a ocorrência de DHEG. Não há, no entanto, um
número mínimo de consultas definido como ideal para esses casos.
A abordagem multidisciplinar permite atenção global, como o atendimento
nutricional, que orienta quanto à dieta adequada para atender à maior
demanda calórica, de proteínas, vitaminas, minerais e ácidos graxos
essenciais.
Os exames laboratoriais solicitados no acompanhamento pré-natal das
gestações gemelares são os mesmos preconizados para as gestações únicas.
Entretanto, pelo risco maior de anemia materna, sugere-se a repetição
trimestral das dosagens de hemoglobina materna. Por essa razão, a
suplementação de ferro e ácido fólico deve ser obrigatória.
A realização de exames ultrassonográficos periódicos é essencial para o
acompanhamento. As gestações dicoriônicas podem ser examinadas
mensalmente, e as monocoriônicas devem ser avaliadas quinzenalmente a
partir da 16ª semana para o diagnóstico da síndrome de transfusão fetofetal.
A partir do 3º trimestre, são realizados exames ultrassonográficos mais
frequentes para acompanhamento do crescimento fetal e testes de vitalidade
fetal. A avaliação do volume de líquido amniótico nas gestações gemelares
pode ser realizada pela técnica do maior bolsão vertical, em vez da medida do
índice de líquido amniótico.
O Ministério da Saúde ressalta que apenas nos casos de trabalho de parto
efetivo entre 24 e 34 semanas se preconiza a corticoterapia para acelerar a
maturação pulmonar fetal. O uso profilático nesse período deve estar
reservado apenas às gestações trigemelares.

11. Resolução da gestação e parto


A idade gestacional ideal para a resolução das gestações gemelares é
controversa. A curva de mortalidade perinatal demonstra elevação do risco a
partir de 38 semanas. Gestações monocoriônicas, mesmo sem evidências de
síndrome de transfusão fetofetal ou RCF, apresentam risco de óbito fetal
súbito maior que as dicoriônicas. Por esse motivo, recomenda-se a resolução
das gestações monocoriônicas na 36ª semana e das dicoriônicas entre a 37ª e a
38ª semanas.
As complicações mais comuns do parto na gestação múltipla são as distocias
funcionais, apresentação fetal anômala, prolapso de cordão, descolamento
prematuro de placenta e hemorragias pós-parto. A assistência a esses casos
exige a presença de equipe obstétrica capacitada, com anestesistas,
neonatologistas e equipe de Enfermagem. Devem-se garantir acesso venoso
calibroso, manter oxigenação adequada e evitar episódios maternos de
hipotensão, além de solicitar reserva de hemoderivados.
A via de parto ainda é discutível. Alguns estudos sugerem que a cesárea
eletiva poderia reduzir em até 75% o risco de óbito perinatal em gestações a
termo. As complicações relacionadas ao parto vaginal se devem,
principalmente, ao risco de óbito do 2º gemelar por anoxia.
Para a escolha da via, são consideradas a apresentação dos fetos e a idade
gestacional. Para gestações a termo, quando o 1º gemelar ou ambos são
cefálicos, sem outras complicações, pode-se optar pela via vaginal. Em casos
em que o 1º gemelar não é cefálico ou apresenta peso estimado menor que o
segundo (com diferença ≥500g), opta-se pela cesárea. O mesmo vale para
gestações pré-termo com fetos viáveis ou em que o peso estimado seja
inferior a 1.500g.

Dica
Trigemelares beneficiam-se de cesárea, bem como fetos portadores de
síndrome de transfusão fetofetal, gemelares monoamnióticos e
gemelaridade imperfeita (fetos acolados).

O trabalho de parto em gestações gemelares pode ser conduzido com


ocitocina por via intravenosa e sob monitorização contínua de ambos os fetos.
A analgesia é indispensável.
Após o nascimento do 1º gemelar, é importante manter o cordão deste
clampeado para evitar a exsanguinação do outro feto. Procede-se, então, à
amniotomia da 2ª bolsa, e aguarda-se a evolução por um período máximo de
10 minutos. Ocorrendo insinuação e boa evolução nesse período, procede-se à
assistência ao parto vaginal. Não ocorrendo a insinuação ou se a apresentação
do 2º gemelar for córmica, podem-se realizar versão interna e extração
pélvica antes do enluvamento fetal pelo útero contraído. Quando ocorre o
enluvamento, a fim de tentar evitar a cesárea no 2º gemelar, podem ser
utilizadas drogas anestésicas inalatórias que promovam o relaxamento uterino
e permitam manobras obstétricas.
É importante ter em mente que, nos partos de gemelares por via vaginal, o
intervalo entre o nascimento dos fetos não deve exceder 30 minutos; a partir
daí, salvo em condições de vitalidade asseguradas, deve-se considerar cesárea
para o 2º gemelar.
Algumas distocias são específicas de gestações gemelares. Entre elas,
destacam-se as referidas na Tabela 4.
Figura 7 - Embate de faces em gravidez gemelar

Resumo
As gestações dizigóticas resultam da fecundação de mais de 1 óvulo, e os
embriões apresentam materiais genéticos diferentes; cada embrião
desenvolve seus próprios cório e âmnio – são sempre dicoriônicas e
diamnióticas;
As gestações monozigóticas resultam da divisão de massa embrionária
inicial única, e os embriões resultantes apresentam carga genética
idêntica. A corionicidade e a amnionicidade são variáveis, conforme o
momento da divisão da massa embrionária:
Quando a divisão do blastocisto acontece em até 72 horas, podem
ser encontrados 2 placentas e 2 sacos amnióticos (gestação
dicoriônica diamniótica);
Quando a divisão acontece entre o 4º e o 8º dias após a fertilização,
resulta em 1 placenta e 2 cavidades amnióticas (gestação
monocoriônica diamniótica);
Quando a divisão ocorre entre o 8º e o 13º dias após a fertilização,
as gestações são monocoriônicas e monoamnióticas.
Os gêmeos unidos são resultantes da falha da separação completa dos
embriões e ocorrem quando o processo de divisão é tardio (cerca do 15º
ao 17º dias);
O melhor período para a determinação da corionicidade e da
amnionicidade é o 1º trimestre da gestação;
A gestação dicoriônica pode ser diagnosticada pela identificação da
projeção do componente coriônico entre as membranas amnióticas,
identificado na base da inserção placentária (formação do sinal do
lambda);
Na gestação monocoriônica, no final do 1º trimestre, há a fusão das
membranas amnióticas adjacentes, originando um septo fino entre as 2
cavidades amnióticas que se insere de forma abrupta na placenta,
formando o sinal do “T”;
A gemelaridade aumenta as chances de complicações como óbito fetal,
malformações fetais, acidentes de cordão e apresentação fetal anômala
durante o trabalho de parto;
O diagnóstico de baixo peso ao nascer é frequente devido à maior
incidência de prematuridade e RCF;
Algumas das intercorrências são exclusivas de gestações múltiplas: a
síndrome da transfusão fetofetal e a discordância entre os fetos quanto a
alterações morfológicas, de vitalidade fetal e do crescimento fetal;
A idade gestacional ideal para a resolução das gestações gemelares é
controversa. Frequentemente, indicam-se:
Gemelares dicoriônicos e diamnióticos: 38 semanas;
Monocoriônicos e diamnióticos: 36 semanas;
Monocoriônicos e monoamnióticos: 34 semanas.
Prematuridade
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução
A Organização Mundial da Saúde define prematuridade como todo recém-
nascido vivo com menos de 37 semanas completas de gestação, contadas a
partir do 1º dia do último período menstrual. O recém-nascido prematuro
pode ser classificado em:

Prematuro extremo, quando nascido antes de 28 semanas de gestação;


Prematuro grave, quando nascido entre 28 e 32 semanas de idade
gestacional;
Prematuro moderado, quando nascido entre 32 e 37 semanas de idade
gestacional.

O recém-nascido com menos de 2.500g é denominado de baixo peso,


podendo ou não ser prematuro, na dependência da idade gestacional.
A prematuridade e as suas consequências representam um sério problema de
saúde pública, sendo a principal causa de morbidade e mortalidade neonatal.
A morbidade é elevada no grupo de recém-nascidos que sobrevivem e está
diretamente relacionada aos distúrbios respiratórios e às complicações
infecciosas e neurológicas.
A incidência de prematuridade varia com as características da população. Em
países desenvolvidos, ocorre em 4 a 11% dos nascimentos e tem se mantido
constante há alguns anos. Em países pobres, as informações sobre a
incidência são mais escassas e menos confiáveis.
Na cidade de São Paulo, a frequência de nascimentos prematuros é de,
aproximadamente, 7%. Na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a incidência entre
1993 e 2001 foi de 22%. Outros serviços universitários da mesma região
apresentam taxas semelhantes.

2. Fatores de risco associados


Geralmente, ocorre associação de fatores de risco que podem ser classificados
em 6 categorias: obstétricos, ginecológicos, epidemiológicos, clínico-
cirúrgicos, iatrogênicos e desconhecidos.
A - Obstétricos

a) Infecção amniótica

Há evidências de associação entre infecção vaginal, corioamnionite e parto


prematuro, principalmente na presença de rotura prematura de membranas.
Sabe-se, também, que diversas bactérias, por infecção ascendente, podem
atravessar até mesmo as membranas íntegras. Certos anaeróbios,
particularmente Bacteroides sp., cocos anaeróbios e possivelmente
Mobiluncus sp., agem com a Gardnerella vaginalis, inibindo o crescimento de
lactobacilos e outras bactérias da flora normal e promovendo a elevação do
pH vaginal (pH >4,5). O tratamento da vaginose bacteriana é recomendado
durante a gestação, em vista da sua associação a Trabalho de Parto Prematuro
(TPP). Outros agentes também relacionados ao TPP são Streptococcus do
grupo B, Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, Ureaplasma
urealyticum, Treponema pallidum e Trichomonas vaginalis.
Diante do processo inflamatório das membranas ovulares, da decídua ou do
colo uterino, há a liberação de fatores inflamatórios que atraem leucócitos e
macrófagos, ativando-os a produzirem elastases e outras proteases que
participam da degradação da matriz extracelular cervical. Isso leva a preparo
do segmento inferior e esvaecimento do colo uterino.
Apesar de muitas evidências apontarem que as infecções e os processos
inflamatórios são os principais envolvidos no TPP, persistem diversas
controvérsias. Alguns autores consideram que as respostas inflamatórias são
apenas circunstanciais, já que também estão presentes em vários casos de
trabalho de parto no termo da gestação.

b) Rotura prematura de membranas

Infecções, placenta prévia, gemelaridade e polidrâmnio são os fatores


predisponentes mais importantes para essa intercorrência obstétrica, um fator
de risco importante para o parto prematuro presente em 30 a 40% dos casos.

c) Alterações hormonais

A queda da produção de progesterona desencadeia o trabalho de parto em


algumas espécies de animais. A progesterona, ao contrário do estrogênio,
diminui a formação de gap junctions, impedindo a propagação do estímulo
contrátil. Na espécie humana, estabiliza os lisossomos deciduais e impede a
liberação de fosfolipase A2. Entretanto, sua participação no TPP continua
discutível.

d) Incompetência istmocervical

Ocorrem dilatação cervical indolor no 2º ou no início do 3º trimestre,


exteriorização das membranas seguida por infecção e rotura destas e
consequente perda fetal. O diagnóstico precoce permite tratamento cirúrgico
(circlagem) e possibilita o termo da gestação. Sangramento vaginal
persistente, dilatação cervical ≥4cm, franco trabalho de parto, evidência
clínica de corioamnionite, ruptura prematura de membranas, sofrimento fetal,
anomalia fetal letal e morte fetal são contraindicações para a realização da
circlagem.

e) Sangramentos vaginais de 1º e 2º trimestres

O sangramento vaginal ao longo da gestação está associado a risco para o


parto prematuro. No 1º trimestre, aumenta o risco de parto prematuro em 2
vezes. Quando o sangramento ocorre também no 2º trimestre (especialmente,
a inserção baixa e o descolamento prematuro placentário), o risco eleva-se em
3 vezes. A trombina local, decorrente do sangramento decidual, aumenta a
contratilidade uterina e desencadeia o parto prematuro.

f) Placenta prévia e descolamento prematuro de placenta

Complicações maternas e fetais habitualmente resultam em partos


prematuros.

g) Gemelaridade e polidrâmnio

Acredita-se que, nesses casos, o TPP seja desencadeado pela superdistensão


uterina. Na gestação gemelar, o parto prematuro ocorre em cerca de 50% dos
casos e, na gestação trigemelar, em aproximadamente 90% das vezes.

h) Malformações fetais e placentárias

Dentre as que predispõem ao TPP, destacam-se anencefalia e agenesia renal


com hipoplasia pulmonar.

i) Partos prematuros anteriores

Gestantes com história de 1 parto prematuro espontâneo anterior têm


probabilidade de 37% de um 2º parto prematuro, e aquelas com 2 ou mais
partos anteriores prematuros apresentam risco de repetição de 70%.

B - Ginecológicos

a) Amputação de colo uterino

Provoca incompetência cervical, proporcionando dilatação precoce do colo


uterino e exposição das membranas ovulares, favorecendo a infecção. Com
isso, surgem as contrações uterinas.

b) Malformações uterinas

A incidência de parto prematuro é maior entre os diversos tipos de


malformações uterinas. Com relação aos tipos de malformações, cerca de
30% estão relacionados ao útero didelfo, 25% ao útero bicorno e 10% ao
útero septado.

c) Miomas
A presença de mioma pode causar sangramentos e rotura prematura de
membranas ovulares. Os miomas de pior prognóstico são os submucosos,
especialmente quando estão próximos à inserção placentária
(subplacentários).

C - Epidemiológicos

a) Baixo nível socioeconômico

Está diretamente relacionado à alta incidência de partos prematuros. Más


condições de higiene, nutrição inadequada, gravidez na adolescência,
gravidez indesejada, conflitos familiares, fumo, consumo de drogas, estresse
constante e falta de assistência pré-natal adequada constituem fatores
agravantes. Más condições de higiene, especificamente, predispõem a
infecções tanto sistêmicas quanto urinárias e/ou vaginais.

b) Desnutrição

Em pesquisas com modelos animais, ficou demonstrado que a desnutrição


crônica é um fator causador de estresse, liberação de catecolaminas e parto
prematuro. A maior atividade do sistema simpático, por meio da maior
produção de catecolaminas, estimula os receptores alfa presentes no
miométrio, com consequente aumento da atividade uterina.

c) Gravidez indesejada e assistência pré-natal inadequada

A maior incidência de prematuridade entre as adolescentes se relaciona mais a


baixo nível socioeconômico, gravidez indesejada, conflitos familiares e falta
de assistência pré-natal adequada do que à faixa etária propriamente dita.

d) Estresse

A ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal materno e fetal leva à


produção do CRH (hormônio liberador da corticotrofina). A liberação de
catecolaminas em situações de estresse constante e em crises emocionais
estimula os receptores alfa no útero e provoca aumento na contratilidade
uterina.

e) Fumo

As gestantes fumantes apresentam níveis mais elevados de catecolaminas


circulantes. Além disso, o tabagismo está associado a maior incidência de
rotura prematura de membranas e sangramentos vaginais. Esses efeitos estão
diretamente relacionados ao número de cigarros consumidos diariamente.

f) Drogas

O risco é particularmente alto com o uso de cocaína e derivados, situações em


que a incidência do parto prematuro pode aumentar em até 3 vezes em
comparação a gestantes não usuárias de drogas. Essas drogas influenciam a
produção de prostaglandinas na placenta, o que predispõe a contração uterina.

D - Clínico-cirúrgicos
a) Doenças maternas

Doenças sistêmicas crônicas, como diabetes mellitus, hipertensão arterial,


nefropatias, cardiopatias e distúrbios da tireoide (hiper ou hipotireoidismo)
não tratados e doenças que surgem com a gravidez, como a doença
hipertensiva específica da gestação, podem resultar em parto prematuro
espontâneo ou eletivo, em função das complicações maternas ou fetais.
Nos partos espontâneos, em decorrência do estresse da hipóxia crônica
intrauterina, o feto seria responsável pela produção aumentada de
catecolaminas, resultando no desencadeamento das contrações uterinas. A
pielonefrite, assim como outras infecções maternas, como a pneumonia,
mostra maior incidência de parto prematuro.

b) Procedimentos cirúrgicos na gravidez

Estão associados a parto prematuro, principalmente quando no aparelho


genital. Realizados em outros órgãos e sistemas, a ocorrência de parto
prematuro depende de quanto o ato cirúrgico influi sobre o metabolismo e o
estado geral da gestante.

E - Iatrogênicos

Embora o emprego da ultrassonografia (USG) no início da gravidez


determine a idade gestacional, esse exame nem sempre é realizado. Com isso,
frequentemente são observados erros relacionados à determinação da idade
gestacional e a interrupções prematuras da gestação, comumente por cesáreas
eletivas.

3. Prevenção
Em situações de prematuridade eletiva, a gestação é interrompida em virtude
de complicações maternas e/ou fetais, e sua prevenção exige o controle de
doenças maternas; na prematuridade espontânea, ocorre o TPP, cuja etiologia
é multifatorial e, muitas vezes, desconhecida.
É difícil instituir a prevenção primária, ou seja, remover todas as causas
possíveis do parto prematuro. Dessa forma, a prevenção secundária é a
melhor opção. Nessa etapa, podem ser detectadas alterações bioquímicas, da
contratilidade uterina e das características do colo uterino antes do trabalho de
parto. Algumas medidas, como o repouso, a circlagem do colo uterino (na
incompetência cervical) e o emprego da progesterona, podem impedir o parto
prematuro. Já na prevenção terciária, em que são recomendadas a inibição do
TPP e a corticoterapia, só há benefício se as medidas são tomadas na fase
inicial do TPP, com dilatação cervical <3cm.

- Procedimentos para a detecção do risco de parto


prematuro espontâneo

A presença de fatores de risco não indica necessariamente parto prematuro.


Alguns exames visam não só identificar os casos com maior probabilidade,
mas também excluir o risco.
Figura 1 - Prevenção de trabalho de parto prematuro via ultrassonografia

a) Monitorização das contrações uterinas

A atividade uterina está presente durante toda a gravidez. É comum que a


gestante apresente contrações ao realizar um movimento brusco, levantar-se,
deitar ou praticar um exercício físico. O que não é normal é apresentar
contrações rítmicas e com frequência elevada, ou seja, 4 ou mais eventos em
1 hora em idade gestacional ≤30 semanas e 6 ou mais eventos por hora
quando >30 semanas.
A monitorização das contrações uterinas é um dos métodos que permitem o
rastreamento do parto prematuro. As gestantes com maior predisposição ao
TPP apresentam aumento da frequência das contrações uterinas nos dias ou
nas semanas que precedem o trabalho de parto. Esse método pode tranquilizar
o obstetra e a gestante, evitando internações e tratamentos desnecessários.
Perante o resultado positivo, é importante relacioná-lo a outros marcadores do
parto prematuro.

b) Medida do comprimento do colo uterino pelo toque


vaginal e pela ultrassonografia transvaginal

O encurtamento do colo e a dilatação de seu orifício interno podem acontecer


semanas antes do TPP. Os mecanismos envolvidos nessas modificações são
desconhecidos, mas se acredita que haja a participação de contrações uterinas
silenciosas ou de eventual processo inflamatório local. Sabe-se que a invasão
de células inflamatórias locais (neutrófilos) causa a produção de colagenases
que provocam a lise do colágeno, principal componente do colo. No parto
prematuro, o encurtamento do colo ocorre de maneira semelhante.
As alterações no colo uterino podem ser notadas clinicamente por meio do
toque vaginal seriado. Na predição do parto prematuro, esse recurso não tem
se mostrado útil, por causa da subjetividade do exame, da grande variação
entre diferentes examinadores e da dificuldade de avaliar o orifício interno do
colo.
O avanço da USG permitiu o exame do colo uterino de maneira mais eficaz
quando comparado ao toque vaginal. Entretanto, ainda não há consenso sobre
o nível de corte ideal de comprimento do colo abaixo do qual o risco de parto
prematuro é maior.
Tal método deve ser empregado, de preferência, às gestantes de risco para o
parto prematuro, que estejam entre 18 e 24 semanas, na mesma ocasião em
que se faz a USG morfológica. A maioria dos autores considera que, quando o
comprimento do colo (medida linear entre o orifício externo e o interno do
colo) for inferior a 20mm, a gestante será de risco para o parto prematuro
espontâneo (<25mm, de acordo com o Ministério da Saúde).

Tratamento
O Ministério da Saúde preconiza que, para aquelas que apresentam
comprimento cervical de 15mm ou menos em ultrassonografia transvaginal
realizada entre 20 e 25 semanas, independentemente de fatores de risco
presentes, deve ser considerado o uso de 200mg de progesterona vaginal
diariamente até, pelo menos, 34 semanas.
Figura 2 - Medida do colo uterino por ultrassonografia transvaginal: colo normal e baixo risco de
prematuridade
Figura 3 - Medida do colo uterino por ultrassonografia transvaginal: colo curto e com afunilamento
e alto risco de prematuridade

c) Uso de marcadores bioquímicos

Existem vários marcadores bioquímicos possíveis: as interleucinas (ILs) 6 e 8,


o hormônio liberador da corticotrofina (CRH), o estriol sérico e salivar, a
fibronectina fetal (fFN) e, mais recentemente, a proteína-1 fosforilada ligada
ao fator de crescimento insulina-símile (phIGFBP-1).
Vários estudos demonstram que os níveis elevados de IL-6 e IL-8 no líquido
amniótico e no conteúdo cervical se associam ao parto prematuro,
principalmente na presença de infecções. As ILs atraem e ativam neutrófilos
polimorfonucleares que liberam enzimas (elastases e colagenases)
responsáveis por alterações do colo uterino.
O CRH é produzido no hipotálamo e na placenta, no cório, no âmnio e nas
células deciduais. Alguns autores verificaram elevações do CRH no soro
materno, a partir da 20ª semana, de gestantes submetidas ao estresse e que
tiveram parto prematuro. Dessa forma, sua dosagem parece útil em situações
de estresse durante a gestação.
Os estrogênios agem nas células miometriais, aumentando a sensibilidade a
ocitocina. A ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal materno e/ou
fetal se relaciona à produção placentária de estrogênios, que acontece de 3 a 5
semanas antes do parto, com elevação dos níveis de estriol plasmático e
salivar. Entretanto, os estudos disponíveis até o momento não permitem que o
estriol salivar seja utilizado de rotina para a predição do TPP.
A fFN é uma glicoproteína de alto peso molecular produzida pelo trofoblasto,
e sua função é assegurar a aderência do blastocisto à decídua. Normalmente,
está presente no conteúdo cervicovaginal durante as primeiras 20 semanas de
gestação. Após a 22ª semana, ocorre a fusão do âmnio com o cório, e a fFN
desaparece da vagina até a 36ª semana, a menos que haja rotura de
membranas, presença de fator mecânico que separe o cório da decídua ou
diante de um processo inflamatório, infeccioso ou isquêmico na interface
materno-fetal. A fFN tem elevado valor preditivo negativo, que varia de 81 a
96%, fato que a torna muito útil para afastar o risco de parto prematuro na 2ª a
3ª semanas seguintes à realização do teste. Além de tudo isso, é aplicada
basicamente em 2 grupos:

Gestantes sintomáticas, com queixas de contrações uterinas;


Gestantes assintomáticas, mas de alto risco para prematuridade
(antecedente de parto prematuro espontâneo e gestação gemelar).

A utilização em gestantes de baixo risco para o parto prematuro e


assintomáticas é controversa pela baixa sensibilidade (22%).

Diagnóstico
O teste de fibronectina no colo uterino de gestante sintomática tem alto
valor preditivo negativo para parto prematuro.

- Coleta

A coleta deve ser realizada em gestante apenas nas seguintes condições:

Idade gestacional entre 22 e 36 semanas;


Bolsa íntegra;
Dilatação cervical <3cm;
Ausência de sangramento genital;
Ausência de relação sexual nas últimas 24 horas.

As amostras são coletadas no fundo de saco de Douglas com o auxílio do


espéculo vaginal e do kit próprio para o exame. É importante não realizar
toque vaginal, coleta de esfregaços vaginais e uso de lubrificantes vaginais
antes da coleta do exame, uma vez que esses recursos aumentam as taxas de
falso positivo ou negativo.

Figura 4 - Kit de coleta


Figura 5 - Local de coleta
Figura 6 - Descrição dos resultados do teste

Recentemente, surgiram evidências de que o parto prematuro fosse precedido


por alterações na concentração da proteína-1 fosforilada ligada ao fator de
crescimento insulina-símile no conteúdo cervical. A phIGFBP-1 é uma
proteína produzida pela decídua humana, cuja função ainda não está
totalmente esclarecida. Há estudos que sugerem sua participação no processo
de invasão das células do trofoblasto, além de estimular a proliferação, a
diferenciação e o metabolismo celular. A partir do 2º trimestre, com a fusão
do cório e do âmnio, sua concentração no líquido amniótico se torna 100 a
1.000 vezes maior em relação ao soro materno. A detecção da phIGFBP-1 no
colo uterino, com membranas intactas, sugere comprometimento da decídua.

4. Condução do trabalho de parto prematuro


A - Estágio I

No 1º estágio, enquadram-se as gestantes com fatores de risco para o parto


prematuro. Diante desses fatores, o aspecto mais importante é o bom
acompanhamento pré-natal. A assistência pré-natal deve ser a mais completa
possível. O ideal é que o obstetra atue como membro de uma equipe de
profissionais de Enfermagem, Assistência Social, Nutrição e Psicologia. A
gestante deve receber orientações quanto a hábitos de higiene, nutrição e
aporte psicológico.
O exame ultrassonográfico deve ser realizado o mais precocemente possível,
a fim de estabelecer com precisão a idade gestacional e diagnosticar situações
de risco, como a presença de malformações uterinas, miomas e gestação
gemelar. As intercorrências clínicas mais comuns devem ser diagnosticadas e
tratadas corretamente.
Nas malformações uterinas (útero didelfo, bicorno e septado) e nos partos
prematuros de repetição, deve ser utilizada a progesterona por via vaginal a
partir da 16ª semana de gestação. A progesterona micronizada é bem
absorvida quando administrada por via vaginal ou oral, porém mostra maiores
níveis de concentração endometrial quando se utiliza a via vaginal. Nas
gestações gemelares e naquelas em que há miomatose uterina associada, a
utilização de progesterona micronizada ainda é questionável.
Nos casos confirmados de incompetência cervical, faz-se a circlagem eletiva
do colo uterino entre a 12ª e a 16ª semanas de gestação. Diante de situações
especiais, como na gestação gemelar, a gestante é orientada a fazer repouso
físico a partir da 25ª semana.
As consultas médicas devem ser mais frequentes. Os retornos devem ser
quinzenais até a 28ª semana e semanais a partir de então. O objetivo é
verificar as queixas e avaliar as contrações uterinas e as condições cervicais.
É importante que as gestantes de risco tenham conhecimento dos sintomas e
dos sinais do trabalho de parto, ou seja, do aparecimento de contrações
uterinas regulares, durante pelo menos 1 hora, mesmo que indolores, da
sensação de peso no baixo-ventre e da alteração no fluxo vaginal.

B - Estágio II

Trata-se de um estágio em que ocorrem os eventos bioquímicos do TPP e a


contratilidade uterina é anormal; as alterações cervicais podem ser pequenas
ou estar ausentes. O aparecimento de contrações uterinas sem alteração do
colo do útero se chama útero irritável, situação em que a gestante deve ser
mantida em repouso e submetida a sedação.
As intercorrências clínicas, quando presentes, devem ser tratadas, e, pela
frequência elevada, as infecções urinárias e vaginais devem ser sempre
investigadas.
É imprescindível a USG obstétrica, a fim de analisar a idade gestacional, as
estruturas fetais e o crescimento do feto. A partir da 28ª semana de gestação,
deve-se analisar a vitalidade fetal por meio da cardiotocografia ou do perfil
biofísico fetal.
É importante manter a paciente em repouso e sob vigilância contínua. Diante
do aumento das contrações uterinas e da mudança progressiva do colo, deve-
se atuar como no estágio III.

C - Estágio III

Nesse estágio, existem contrações uterinas rítmicas, capazes de provocar


dilatação cervical. Estão presentes, no verdadeiro TPP, contrações uterinas
regulares a cada 5 minutos, dilatação cervical de, pelo menos, 1cm e
esvaecimento cervical de, no mínimo, 80%.
No falso trabalho de parto, não ocorre a mudança progressiva do colo, e as
contrações cessam espontaneamente após um período de repouso. Em casos
duvidosos, é importante que a gestante permaneça em repouso durante 2 a 3
horas, para observação clínica. Nesses episódios, podem ser empregados
ainda os marcadores bioquímicos.
Antes de inibir as contrações uterinas, devem-se analisar, com cuidado, as
condições materno-fetais. Diante de doença materna que torne desfavorável o
ambiente intrauterino ou se agrave com a continuidade da gestação, o trabalho
de parto não deve ser inibido.
Caso se decida pela inibição das contrações uterinas, a gestante deve ser
mantida em repouso absoluto no leito e deve ser iniciada a hidratação
parenteral. Até 50% das pacientes com contrações regulares respondem bem
apenas com o repouso e a hidratação. Se, após 1 hora, persistirem as
contrações uterinas, deverá ser introduzida a terapêutica tocolítica.
Importante
Convém atentar-se para as condições e contraindicações para tocólise.

a) Uterolíticos

O uso de agentes tocolíticos ou inibidores das contrações uterinas deve ser


iniciado assim que se estabelecer o diagnóstico de TPP, desde que sejam
respeitadas as contraindicações para o seu uso. O principal objetivo da
tocólise é ganhar tempo necessário para a ação da corticoterapia e/ou o
transporte materno para serviço terciário com segurança. Os mais utilizados
para a inibição das contrações uterinas, no passado, eram os beta-agonistas.
Entretanto, outras drogas vêm sendo estudadas, algumas com resultados
promissores.

- Bloqueadores dos canais de cálcio

Tema frequente de prova


De acordo com o Ministério da Saúde, os bloqueadores dos canais de
cálcio (como o nifedipino) são os tocolíticos de 1ª escolha. Além disso, são
frequentes nos exames de concursos médicos.

De acordo com o Ministério da Saúde, são a 1ª escolha dentre as drogas


tocolíticas, inibindo a entrada do cálcio extracelular pela membrana
citoplasmática. O nifedipino, droga mais utilizada, é empregado em cápsulas
de ação rápida de 10mg. Devem-se administrar 10mg VO, a cada 20 minutos,
até 4 doses, ou 20mg VO, em dose única, e, se a atividade uterina persistir,
20mg, após 90 a 120 minutos.
Se, após a 2ª dose, a atividade uterina se mantiver, deverá ser considerada
falha terapêutica e utilizado outro agente. A dose de manutenção é de 20mg
VO, a cada 4 a 8 horas (por, no máximo, 72 horas). As contraindicações são
hipotensão materna (pressão arterial <90x50mmHg) e bloqueio
atrioventricular.

- Inibidores de prostaglandinas

Atuam inibindo a enzima cicloxigenase necessária à conversão de ácido


araquidônico em prostaglandinas. Aparentemente são eficazes como
uterolíticos, bem tolerados e de fácil administração e, por atravessarem
facilmente a placenta, inibem a síntese de prostaglandinas nos tecidos fetais.
Como consequência, podem ocorrer enterocolite necrosante, fechamento
precoce do ducto arterioso, hipertensão pulmonar primária, oligoâmnio e
hemorragia intracraniana fetal. A ecocardiografia fetal e a USG devem ser
realizadas com frequência, a fim de detectar precocemente sinais de
constrição do ducto arterioso e oligoâmnio.
A dose de ataque é de 50mg VO ou 100mg por via retal, e a dose de
manutenção é de 25mg VO, a cada 4 a 6 horas (por, no máximo, 48 a 72
horas), ou 100mg por via retal, a cada 24 horas (no máximo, 2 doses). O uso
da indometacina em dose única de 100mg por via retal é especialmente
importante às gestantes a serem transferidas para centros de atenção
secundária ou terciaria. As contraindicações são disfunção renal ou hepática,
úlcera péptica ativa, asma sensível a anti-inflamatório não hormonal,
desordens de coagulação, trombocitopenia, oligoâmnio (rotura de
membranas) e passada a 32ª semana de gestação (para evitar complicações,
como fechamento precoce do ducto arterioso).

- Sulfato de magnésio

Age como um antagonista do cálcio na fibra muscular e representa alternativa


a determinadas situações clínicas em que o beta-agonista não pode ser
utilizado. Pode ser empregado na dose de 4g diluídos em soro glicosado a
10%, infundido por via intravenosa, em 20 minutos, como dose de ataque,
seguidos de 2 a 3g/h até cessarem as contrações uterinas. A diurese deve ser
rigorosamente monitorizada, bem como a frequência respiratória e os reflexos
patelares. A magnesemia materna deve ser medida a cada 6 horas. Apesar dos
riscos potenciais, poucos efeitos colaterais maternos são observados quando a
concentração sérica de magnésio é mantida em níveis terapêuticos (4 a
6mEq/L-mg/dL). A hipermagnesemia fetal está relacionada a hiporreatividade
e hipotonia.

- Antagonista de ocitocina

A atosibana é um peptídio sintético que age competindo com a ocitocina no


seu receptor da célula miometrial e reduzindo os efeitos fisiológicos desse
hormônio, com potente ação tocolítica. Entretanto, estudos comparativos não
demonstraram sua superioridade em retardar o nascimento prematuro com
relação ao nifedipino, além de apresentar alto custo, embora revele menor
incidência de efeitos colaterais maternos e fetais.

- Etanol

Inibe a secreção de ocitocina e hormônio antidiurético pela neuro-hipófise,


reduz o número de receptores para ocitocina e age como inibidor da ocitocina
no miométrio. Não é utilizado, já que é menos eficaz do que os betamiméticos
e apresenta efeitos colaterais indesejáveis (vômitos, agitação, acidose láctica e
coma).

- Nitroglicerina

Sob a forma de adesivos, tem sido empregada em alguns estudos como agente
tocolítico. Seu mecanismo de ação se baseia na formação de óxido nítrico,
que tem ação relaxante no músculo liso. Em vista do número reduzido de
casos avaliados até o momento, há a necessidade de maiores estudos para
avaliar a eficácia e a segurança da droga para essa finalidade.

- Agentes betamiméticos

Apesar de, quando utilizados por via intravenosa, não alterarem o coeficiente
de prematuridade, esses uterolíticos são úteis por adiarem o parto durante 2 a
3 dias, tempo suficiente para o emprego dos corticosteroides, importantes por
reduzirem as complicações pulmonares e neurológicas do recém-nascido.
Entre essas drogas, destacam-se a terbutalina, o salbutamol, a isoxsuprina, o
fenoterol e a ritodrina, embora somente esta última tenha sido aprovada pela
Food and Drug Administration para inibir o trabalho de parto. Essas drogas
atuam em receptores beta-1 (coração e intestinos) e, predominantemente,
beta-2 (miométrio, vasos sanguíneos e bronquíolos), estimulando-os e
determinando o relaxamento da fibra muscular uterina, pela diminuição do
cálcio livre no interior das células. Por agirem em diversos órgãos e no
sistema cardiovascular, o uso dessas drogas é potencialmente perigoso. Além
disso, atravessam a placenta e podem causar diversos efeitos colaterais no
feto, entre os quais taquicardia, hiperinsulinismo, hipoglicemia, hipocalemia e
hipotensão arterial. Também aumentam o risco de edema agudo de pulmão,
especialmente quando associados a hidratação venosa, e podem elevar a
glicemia materna.
São cuidados que devem ser tomados: eletrocardiograma materno prévio,
controle cuidadoso de pulso e pressão arterial (mantendo o pulso materno
<120bpm), ausculta periódica dos pulmões e do coração e monitorização dos
batimentos cardíacos fetais. Os efeitos colaterais cardiovasculares, como o
edema agudo de pulmão, são mais frequentes em situações de hipervolemia
materna – polidrâmnio, gestação gemelar – e pacientes submetidas a infusão
de grande quantidade de líquidos.

Dica
Deve-se evitar o uso concomitante de uterolítico beta-agonista e
corticosteroide.

Salbutamol: solução de 5mg (10 ampolas) em 500mL de soro glicosado


a 5% (0,01mg/mL). Iniciar a 10µg/min (60mL/h em bomba de infusão
ou 20 gotas/min) e aumentar 10µg/min de 20 em 20 minutos até a
inibição das contrações ou o aparecimento de efeitos colaterais maternos
indesejáveis (FC >120bpm, dor torácica, hipotensão). Manter por 60
minutos, diminuir 10µg/min a cada 30 minutos até menor dosagem
efetiva para a inibição das contrações e manter por 12 horas;
Terbutalina: solução de 5mg (10 ampolas) em 500mL de soro glicosado
a 5% (0,01mg/mL). Iniciar a 10µg/min (60mL/h em bomba de infusão
ou 20 gotas/min) e aumentar 10µg/min de 20 em 20 minutos até a
inibição das contrações ou efeitos colaterais maternos indesejáveis (FC
>120bpm, dor torácica, hipotensão). Manter por 60 minutos, diminuir
10µg/min a cada 30 minutos até menor dosagem efetiva para a inibição
das contrações e manter por 12 horas;
Ritodrina: solução de 50mg (ou 5 ampolas) em 500mL de soro
glicosado a 5% (0,1mg/mL). Iniciar a 50µg/min (30mL/h em bomba de
infusão continua ou 10 gotas/min) por via intravenosa e aumentar
50µg/min de 20 em 20 minutos até inibição das contrações ou efeitos
colaterais maternos (FC >120bpm, dor torácica, hipotensão). Manter por
60 minutos, diminuir 50µg/min a cada 30 minutos até menor dosagem
que mantiver contrações inibidas e manter por 12 horas.

A paciente deve permanecer em repouso absoluto e sob vigilância por mais 24


horas. Caso retornem as contrações, o esquema intravenoso pode ser
reutilizado. Não há indicação para o uso dos beta-agonistas por via oral após a
infusão intravenosa, pois, nos estudos disponíveis, não demonstraram eficácia
em postergar o parto.

b) Corticoterapia

Os benefícios da terapêutica antenatal com corticosteroides incluem redução


de 40 a 60% de membrana hialina entre recém-nascidos de 28 a 34 semanas,
menor gravidade da síndrome da angústia respiratória, quando presente,
menor incidência de hemorragia intracraniana e maior sobrevida dos recém-
nascidos prematuros, com melhora na estabilidade circulatória e com
necessidades reduzidas de oxigenação e de suporte ventilatório. Além disso,
observam-se melhores respostas terapêuticas ao uso do surfactante neonatal
quando a paciente faz uso do corticosteroide no período antenatal.
O mecanismo de ação dos corticosteroides permanece pouco conhecido. A
principal teoria admite que atuam em receptores pulmonares fetais, levando à
produção de fosfatidilcolina, o principal componente do surfactante.
A betametasona e a dexametasona são os corticosteroides preferidos para a
terapia antenatal. Preconiza-se o uso dessas drogas entre a 24ª e 34ª semanas
de gestação.
Utiliza-se a betametasona em dose intramuscular de 12mg, com intervalo de
24 horas, num total de 2 aplicações. Outra opção é a dexametasona em dose
intramuscular de 6mg, a cada 12 horas, num total de 4 aplicações. Em ambos
os esquemas, o efeito máximo inicia-se em 24 horas. É recomendável 1 único
ciclo de corticoterapia em virtude dos efeitos colaterais em longo prazo.
Entretanto, o Ministério da Saúde do Brasil permite a realização de até 3
ciclos de corticoterapia desde que a droga utilizada seja a betametasona.
Deve ser evitada a corticoterapia na vigência de tocólise com beta-agonista,
pelo maior risco de edema agudo de pulmão; em casos como esse, os
corticosteroides devem ser administrados a partir da retirada do agente
tocolítico.

Importante
Foram publicados, recentemente, alguns artigos científicos em que os
autores propuseram a corticoterapia para benefício fetal até 37 semanas de
gestação. Ocorre que os resultados dos benefícios observados para os
recém-nascidos ainda não foram absolutamente definidos, de forma que os
principais protocolos assistenciais brasileiros e internacionais ainda não
determinam a utilização rotineira dessas drogas nesses casos.

c) Neuroproteção

Sabe-se que a prematuridade é um importante fator de risco para paralisia


cerebral, cujo risco é maior quanto mais prematura a gestação. A chance de
esta ocorrer entre 34 e 36 semanas é 3 vezes maior, entre 30 e 33 semanas é
de 8 a 14 vezes maior, entre 28 e 30 semanas é 46 vezes maior e, quando
menor de 28 semanas, pode ser até 80 vezes maior quando em comparação
com recém-nascidos a termo. Mesmo os fetos saudáveis, porém prematuros,
pertencem ao grupo de risco para lesão cerebral.
O uso do sulfato de magnésio na neuroproteção de prematuros já vem sendo
estudado desde a década de 1980, quando alguns estudos descreveram menor
incidência de lesões do sistema nervoso central em recém-nascidos de
gestantes com doença hipertensiva específica da gestação que o conceberam.
Assim, certos serviços de Neonatologia o preconizam como droga importante
para a prevenção de paralisia cerebral em prematuros. A dose e o protocolo de
utilização não estão bem determinados, mas, nos locais em que a profilaxia é
realizada, utilizam-se 4g de sulfato de magnésio. Não faz parte do protocolo
do Ministério da Saúde do Brasil.
Figura 7 - Recomendações para o uso de sulfato de magnésio para neuroproteção fetal às mulheres
com parto prematuro iminente

D - Estágio IV

a) Assistência ao parto prematuro

A boa assistência ao parto prematuro depende, antes de tudo, da experiência


da equipe médica. São necessários, no acompanhamento do trabalho de parto,
ao menos 2 obstetras. Não se pode esquecer que, em cerca de 50% dos casos,
o parto prematuro se associa a problemas clínicos e obstétricos que envolvem
riscos, como rotura prematura de membranas, gestação gemelar, inserção
baixa de placenta, descolamento prematuro de placenta, hipertensão arterial
grave etc. Um bom berçário e uma UTI neonatal adequada são fundamentais
para que o trabalho de toda a equipe envolvida alcance o sucesso esperado.

b) Escolha da via de parto

É discutível o melhor tipo de parto ao prematuro.


Os seguintes aspectos devem ser considerados para decidir sobre a melhor via
de parto: idade gestacional (viabilidade), peso estimado do feto, apresentação
fetal, condições do colo uterino, integridade das membranas amnióticas,
possibilidade de monitorização fetal, experiência da equipe e condições do
berçário.
A elevada morbidade em médio e longo prazos de prematuros com idades
gestacionais <28 semanas não garante o aparente sucesso da taxa de sobrevida
desses recém-nascidos. Assim, apesar da melhora na sobrevida destes nos
últimos anos, a 28ª semana ainda é considerada limite da viabilidade; abaixo
disso, a morbidade permanece elevada.
Deve-se optar pelo parto vaginal diante de TPP espontâneo em apresentação
cefálica fletida e nas apresentações pélvicas com peso fetal estimado pela
USG ≥2.500g e naqueles <1.000g (<28 semanas), ou seja, inviáveis. O
aumento de catecolaminas durante o trabalho de parto causa diminuição da
produção de líquido pelas células alveolares dos pulmões fetais. Além disso, o
recém-nascido, ao passar pelo canal de parto, elimina mais facilmente o
líquido pulmonar e expande melhor os pulmões. A monitorização fetal, a
amnioscopia e a avaliação do pH fetal devem ser consideradas.
Durante o trabalho de parto prematuro, deve-se evitar a realização de toques
vaginais frequentes para que se diminua a chance de contaminação do feto e
da câmara amniótica, especialmente com relação ao Streptococcus do grupo
B.
Durante a assistência ao parto prematuro, deve-se evitar o uso de analgésicos
tranquilizantes ou sedativos, que deprimem a respiração. A analgesia do parto
com anestesia combinada (raquidural + peridural) deve ser instituída, sempre
que possível, para minimizar a reação de estresse em resposta à dor e à
ansiedade materna e suas consequências fetais.
A amniotomia deve ser tardia, ou seja, >8cm de dilatação cervical.
Recomenda-se tal atitude pelo efeito protetor da bolsa das águas sobre a
cabeça fetal. O desprendimento do polo cefálico e do bisacromial deve ser
lento, para evitar os traumas sobre o sistema nervoso central e o plexo
braquial, além de favorecer a expressão torácica durante a passagem pelo
canal de parto, permitindo expansão pulmonar adequada.
De acordo com o Ministério da Saúde, não há evidências de que a episiotomia
e a utilização de fórcipes rotineiramente melhorem o prognóstico neonatal.
Outros estudos, entretanto, sugerem que a episiotomia seja ampla o suficiente
para permitir o nascimento sem resistência perineal. O fórcipe baixo encurta o
período expulsivo e diminui a incidência de hemorragia do sistema nervoso
central, porém não deve ser utilizado se o peso fetal estimado for inferior a
1.500g.
A cesárea deve ser feita diante de intercorrências clínicas e obstétricas e nas
apresentações cefálicas defletidas e pélvicas com peso fetal estimado entre
1.000 e 2.499g, situações em que os traumas fetais prejudicam o prognóstico
neonatal.
A laqueadura do cordão umbilical deve ser realizada após 45 a 60 segundos,
mantendo-se o recém-nascido em nível inferior ao da placenta, sem praticar a
ordenha. Esse intervalo de tempo é necessário, pois se sabe que 50% do
sangue do prematuro estão na placenta, contra 30% no recém-nascido de
termo. Por outro lado, a passagem excessiva de sangue para o recém-nascido
pode levar a hiperbilirrubinemia e hiperviscosidade sanguínea.

c) Profilaxia da infecção neonatal pelo Streptococcus do


grupo B

O Streptococcus do grupo B (Streptococcus agalactiae) é frequentemente


encontrado na vagina e no reto da mulher grávida. Quando essa bactéria é
transmitida da mãe para o feto (o que acontece na maioria das vezes durante o
trabalho de parto e no parto), pode causar sepse neonatal, principalmente no
prematuro.

Recomenda-se a pesquisa do Streptococcus na região perineal durante o 3º


trimestre, entre a 35ª e 37ª semanas de gestação, a todas as gestantes de
regiões com alta prevalência do Streptococcus.
A melhor forma de evitar a infecção neonatal pelo Streptococcus do grupo B é
a profilaxia com antibióticos durante o trabalho de parto. A profilaxia
antibiótica deve ser realizada em todas as gestantes de risco (fatores listados)
ou aquelas com cultura perineal positiva. Na maioria dos protocolos
assistenciais, independentemente da estratégia para a indicação da
antibioticoprofilaxia, bacteriúria por Streptococcus do grupo B durante a
gestação é sinônimo de quimioprofilaxia intraparto, independentemente do
resultado da cultura perineal (que nem é necessária nesses casos) ou do
tratamento adequado da infecção urinária. Tal conduta não é indicada pelo
Ministério da Saúde do Brasil.
Em todos esses casos, deve-se prescrever, no período intraparto, penicilina G
na dose de 5.000.000 de unidades, como dose de ataque, e 2.500.000 de
unidades a cada 4 horas, até o parto. Como alternativa, pode ser empregada
ampicilina 2g, na dose de ataque, e 1g a cada 4 horas, até o parto. Diante de
alergia a penicilina, pode-se empregar clindamicina 900mg IV, a cada 8 horas,
até o parto, ou eritromicina 500mg IV, a cada 6 horas, até o parto. Caso a cepa
seja resistente ou a suscetibilidade a eritromicina ou clindamicina seja
desconhecida, com risco de anafilaxia ao uso de penicilina e derivados,
prescreve-se vancomicina 1g a cada 12 horas até o parto.
O American College of Obstetricians and Gynecologists orienta a não
realização rotineira da profilaxia em gestantes colonizadas submetidas a
cesariana antes da ruptura de membranas. E, de acordo com o Ministério da
Saúde do Brasil, gestantes com cultura negativa na atual gestação não
precisam de profilaxia em nenhuma situação.

Resumo
Restrição do crescimento fetal
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução
Conceitua-se Restrição do Crescimento Fetal (RCF) como a limitação
patológica de um feto em atingir o seu potencial de crescimento, devido a
vários fatores. O crescimento fetal depende de elementos genéticos,
placentários, nutricionais, hormonais e outros ainda pouco conhecidos. A
gravidez pode ser acometida por diversas condições que prejudicam o
crescimento fetal, aumentando a incidência de complicações perinatais. A
RCF, também denominada crescimento intrauterino restrito, é a 2ª principal
causa de morbidade e mortalidade perinatal, superada apenas pela
prematuridade.

2. Crescimento fetal normal


Após a embriogênese, que se estende até a 8ª semana depois da fecundação,
inicia-se a fase de crescimento fetal. Trata-se de um período de crescimento
importante do concepto, cujas dimensões corpóreas passam dos valores
iniciais de 3,5cm e 2g para 50cm e 3.000g no termo da gestação.
O aumento das medidas corpóreas depende de 3 estágios de crescimento em
nível celular: um período quando o crescimento decorre da multiplicação
celular (hiperplasia), até 16 semanas de gestação; outro em que há hiperplasia
e aumento de tamanho das células (hipertrofia); o terceiro, a partir da 32ª
semana de gestação, quando só ocorre a hipertrofia. A duração desses estágios
pode variar em relação ao tipo de tecido.
A sequência de eventos que culminam com o crescimento dos tecidos e
órgãos depende das informações genéticas contidas nas células, de fatores de
crescimento, do aporte de substratos essenciais para o metabolismo energético
e de influências hormonais. Do equilíbrio desses fatores resulta o crescimento
adequado.

A - Fatores de crescimento
Sabe-se que determinados fatores de crescimento insulina-like – Insulin-like
Growth Factors (IGF-I e IGF-II) – e suas proteínas carregadoras – Insulin-
like Growth Factor Binding Proteins (IGFBP-1 a 8) – têm um papel
importante, mas ainda não totalmente esclarecido no crescimento fetal. Esses
fatores estão amplamente expressos nos tecidos em desenvolvimento e,
portanto, promovem a diferenciação celular e a síntese proteica.

B - Nutrição fetal
A transferência materna de nutrientes é fundamental para o crescimento fetal
(daí a influência do estado nutricional materno). A glicose é o principal
nutriente para a obtenção de energia necessária ao crescimento. Seu transporte
é efetuado por difusão facilitada e, portanto, depende da concentração
materna dessa substância e da perfusão uteroplacentária. Com relação às
proteínas, pode-se dizer que a oferta inadequada pode causar danos
irreversíveis ao crescimento, principalmente nas fases de hiperplasia. Os
ácidos graxos essenciais são importantes não só como elementos
fundamentais para o arcabouço celular cerebral e vascular, mas também para
a formação placentária adequada e a síntese de prostaglandinas
vasodilatadoras. A desnutrição intraútero leva à carência tanto de nutrientes
essenciais quanto de alguns específicos, entre os quais o ácido fólico, cuja
falta se associa a malformações fetais.

C - Influências hormonais

A insulina é o hormônio que mais parece influenciar o crescimento fetal. Uma


passagem transplacentária maior de glicose que produza hiperglicemia fetal
mantida leva ao aumento da secreção de insulina. A insulina promove o
crescimento, estimulando a captação celular de aminoácidos e,
subsequentemente, a síntese de proteínas. Aumenta, também, o depósito de
glicogênio e lipídios nos tecidos de armazenagem, como fígado, músculo e
tecido adiposo. Por outro lado, a ausência congênita de pâncreas está
associada à RCF.
O hormônio de crescimento (GH), apesar de ter algumas ações sobre o
metabolismo fetal de hidratos de carbono, não afeta o crescimento somático.
O hormônio lactogênio placentário (HPL), de estrutura semelhante à do GH e
secretado pelo sinciciotrofoblasto, parece influenciar o crescimento fetal.
Estudos in vitro indicam que o HPL, embora em concentrações pequenas no
feto, influencia o metabolismo fetal apresentando sinergismo à insulina,
especialmente na síntese de glicogênio hepático.
3. Curvas de crescimento fetal
Considera-se crescimento fetal adequado quando o peso para determinada
Idade Gestacional (IG) se situa entre os percentis 10 e 90.

4. Definição
O Recém-Nascido (RN) com menos de 2.500g é denominado de baixo peso e
pode ou não ser prematuro, a depender da IG.
Em virtude dos inúmeros fatores epidemiológicos que podem influenciar o
peso fetal, a Organização Mundial da Saúde recomenda que cada população
tenha a sua própria curva de crescimento fetal. RN Pequeno para a Idade
Gestacional (PIG) é aquele cujo peso está abaixo do percentil 10 para
determinada IG. Quando o peso se situa abaixo do percentil 3, considera-se
PIG grave. É fundamental conhecer com exatidão a IG, sem a qual é
impossível o diagnóstico correto.
Os termos RCF e PIG são geralmente empregados como sinônimos.
Entretanto, sabe-se que o PIG indica apenas que o feto ou o RN está abaixo
de uma medida de referência de peso para determinada IG, enquanto a RCF
traduz a existência de uma afecção capaz de modificar o potencial de
crescimento fetal e promover alterações importantes no RN, como
hipoglicemia, hipotermia e policitemia. Essa distinção é importante, pois nem
todos os RNs com percentil abaixo de 10 se apresentam doentes. Alguns são
constitucionalmente pequenos.

Dica
Pequeno para a idade gestacional indica apenas que o feto ou o RN estão
abaixo de uma medida de referência de peso para determinada idade
gestacional. A RCF está associada à existência de morbimortalidade
perinatal.

5. Incidência
A incidência de RCF varia com a população estudada, os fatores de risco
envolvidos, os critérios utilizados para o cálculo da IG e a curva-padrão
utilizada. Com tantas dificuldades, é de supor que a incidência exata de RCF
permaneça desconhecida. No Brasil, essa prevalência, em diversas
casuísticas, varia entre 6,8 e 15% dos nascimentos.

6. Morbidade e mortalidade
A morbidade perinatal é cerca de 5 vezes maior nos RNs que tiveram RCF do
que naqueles que nascem com peso Adequado para a Idade Gestacional
(AIG), em consequência da maior frequência de hipóxia, aspiração de
mecônio, hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia, hipotermia, hemorragia
pulmonar e prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor.
A hipoglicemia neonatal presente nesses casos relaciona-se à redução dos
estoques de glicogênio hepático e do miocárdio, decréscimo da
gliconeogênese hepática e redução do tecido adiposo. A hipocalcemia decorre
em função da prematuridade e da ocorrência de hipóxia. A hipotermia,
quando presente, decorre da perda excessiva de calor, por escassez de tecido
subcutâneo. A policitemia é consequente à elevação da eritropoetina fetal
decorrente da hipóxia crônica intraútero; a hiperviscosidade sanguínea pode
originar outras complicações, como insuficiência cardíaca, trombose cerebral
e insuficiência respiratória.
Com relação ao prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor, os estudos
mostram que, quando o tecido cerebral é agredido antes de 34 semanas,
surgem problemas de adaptação, irritação e concentração. Entretanto, quando
a agressão é muito precoce, ou seja, antes de 26 semanas, os distúrbios são
mais graves, com comprometimento do aprendizado, da fala e da escrita. A
evolução desses casos ao longo da infância sofre forte influência da classe
social a que pertencem os pais. A mortalidade perinatal é cerca de 8 vezes
maior do que nos RNs AIG.
Além das repercussões no período perinatal, a RCF pode repercutir na vida
adulta. Estudos epidemiológicos recentes demonstram associação de
crescimento fetal reduzido e presença de fatores de risco cardiovasculares na
vida adulta, como hipertensão arterial, níveis séricos elevados de triglicérides
e baixas concentrações séricas de HDL, além de insulinorresistência.

7. Classificação
O comprometimento fetal e o seu prognóstico dependem do agente agressor,
da fase comprometida da gestação e da duração do estímulo prejudicial.
Segundo essa classificação, a RCF pode ser dividida em 3 tipos clínicos,
relatados a seguir.

A - Tipo I (simétrico)

O agente agressor atua precocemente na gravidez, ou seja, durante a


embriogênese. Há prejuízo do processo de multiplicação celular (hiperplasia),
originando RNs com redução proporcionada das medidas corpóreas (peso,
estatura e perímetro cefálico abaixo do percentil 10). Os fatores mais
frequentemente envolvidos são os genéticos, as infecções congênitas, drogas e
radiações ionizantes. Correspondem a aproximadamente 20 a 30% dos casos
de RCF e apresentam prognóstico geralmente ruim, já que mostram
incidência elevada de malformações fetais.

B - Tipo II (assimétrico)

O agente agressor atua sobre o feto no 3º trimestre da gestação, isto é, na fase


correspondente ao aumento do tamanho das células (hipertrofia), e origina
RNs com redução desproporcionada das medidas corpóreas. O polo cefálico e
os ossos longos são pouco atingidos, permanecendo acima do percentil 10. O
abdome é a estrutura mais comprometida. É típico das insuficiências
placentárias, mas pode decorrer de fatores fetais, além de ser o tipo mais
frequente, presente em cerca de 75% dos casos, e, em geral, de apresentar
bom prognóstico, desde que seja diagnosticado precocemente.

Importante
RCF assimétrica é o tipo mais comum. O fator agressor incide no 3º
trimestre da gestação e ocasiona redução desproporcionada das medidas
corpóreas.

C - Tipo intermediário
O agente agressor atua no 2º trimestre da gestação e compromete tanto a fase
de hiperplasia quanto a de hipertrofia das células. Geralmente, nesses casos, o
feto apresenta comprometimento cefálico e de ossos longos, mas em grau
menor do que no tipo I, o que dificulta o diagnóstico. Os fatores mais
frequentemente envolvidos são desnutrição, uso de determinados fármacos,
fumo e álcool. Corresponde a aproximadamente 10% dos casos de RCF.

Figura 1 - Correlação entre o momento da interferência de fatores externos no crescimento celular e


o consequente tipo clínico de restrição do crescimento fetal

8. Etiologia
Diversos são os fatores que podem estar envolvidos na gênese da RCF. Esses
agentes podem ter origem exclusivamente fetal, materna ou placentária.
Outras vezes, há a associação entre diversos fatores. Em cerca de 40% dos
casos de RCF, a etiologia é desconhecida.

A - Causas fetais

Inúmeras são as alterações genéticas acompanhadas por RCF. Dentre as


principais, destacam-se as cromossomopatias, principalmente as trissomias
autossômicas (21, 18 e 13). Dentre as demais alterações cromossômicas,
destacam-se as triploidias, a síndrome de Turner (45,X) e os mosaicismos.
Outras alterações genéticas, como defeitos do tubo neural, acondroplasia,
condodistrofias e osteogênese imperfeita, também podem estar associadas à
RCF.
Embora as alterações genéticas estejam mais frequentemente associadas ao
tipo I de RCF, a presença de RCF do tipo assimétrico precoce também merece
investigação do ponto de vista genético.
Muitas malformações congênitas se associam à RCF; em aproximadamente
10% dos casos de RCF, há anormalidade congênita associada.
Em geral, quanto mais grave a malformação, maior o comprometimento fetal.
O espectro de malformações relacionadas à RCF é amplo e inclui as dos
sistemas cardiovascular, nervoso, geniturinário, digestivo e
musculoesquelético.

B - Causas maternas

a) Infecções

As infecções congênitas são responsáveis por, aproximadamente, de 5 a 10%


dos casos de RCF e podem ser causadas por vírus, bactérias ou protozoários.
Entre as infecções virais, encontram-se bem estabelecidas aquelas pelo vírus
da rubéola e pelo citomegalovírus, embora outros, como HIV, varicela-zóster
e herpes, também possam comprometer o crescimento fetal. O vírus da
rubéola diminui a velocidade de multiplicação celular durante a
organogênese; o citomegalovírus causa citólise e necroses localizadas.
Com relação às infecções bacterianas, a tuberculose é causa comprovada de
RCF. Já a sífilis, causada pelo T. pallidum, é motivo de controvérsias entre os
autores.
Das infecções por protozoários, sabe-se que a toxoplasmose aguda pode
causar RCF. Na malária, embora os parasitas raramente atravessem a
placenta, têm grande afinidade com os vasos deciduais e podem comprometer
a função placentária.

b) Drogas e substâncias tóxicas

Qualquer droga que cause efeito teratogênico também é capaz de


comprometer o crescimento fetal. Assim, alguns anticonvulsivantes, como a
difenil-hidantoína e a trimetadiona, podem ser responsáveis por alterações
morfológicas que incluem a RCF.
O álcool é um agente teratogênico importante, portanto compromete o
crescimento fetal. A quantidade de álcool ingerido diariamente capaz de
comprometer o feto não é conhecida. O álcool e o seu principal metabólito, o
acetaldeído, também comprometem a circulação uteroplacentária.
O fumo é uma das causas mais importantes de RCF. A redução do peso está
relacionada ao número de cigarros consumidos por dia, havendo, em média,
diminuição de cerca de 250g no peso dos RNs de mães que fumaram
aproximadamente 20 cigarros por dia ao longo da gestação. A agressão ao
crescimento fetal acontece, mais comumente, no final do 2º e durante o 3º
trimestre.
Permanece controverso o mecanismo pelo qual o fumo leva à RCF. Diversas
são as possibilidades: a nicotina poderia aumentar a resistência vascular
placentária e diminuir o fluxo uteroplacentário ou, ainda, o monóxido de
carbono promoveria a formação da carboxi-hemoglobina, diminuindo a
oxigenação fetal.

c) Radiações ionizantes

Dentre os efeitos prejudiciais da radiação sobre o produto conceptual,


destacam-se as malformações e a RCF. Nos estágios iniciais de diferenciação
dos diversos órgãos, a radiação ionizante causa destruição celular. Após a
organogênese, os efeitos da radiação tendem a restringir-se à redução do
crescimento fetal.

d) Desnutrição

A desnutrição materna grave, quando presente no 1º e no 2º trimestres,


acomete a fase de hiperplasia, resultando em lesões irreversíveis, em especial
na esfera neurológica. Já no 3º trimestre, quando as células crescem,
sobretudo em tamanho, a desnutrição compromete predominantemente o peso
fetal.
Embora já esteja bem estabelecido que a deficiência de nutrientes seja causa
de RCF, ainda se discute o grau de desnutrição e quais nutrientes
comprometem o crescimento fetal. Apesar de a maioria dos autores tenha
concluído que a restrição calórica desempenhe papel primário na deficiência
do crescimento fetal, ainda não está estipulado se ela, por si só, ou igualmente
a deficiência proteica, têm importância no determinismo da RCF. Além desses
nutrientes, os ácidos graxos essenciais têm sido destacados como elementos
estruturais não só para o sistema nervoso e o vascular, como também para a
síntese de prostaciclinas, que têm ação vasodilatadora e antitrombótica. A sua
ausência leva à diminuição do fluxo uteroplacentário e à RCF.
O estado nutricional materno deve ser avaliado durante o pré-natal por meio
de informações sobre o peso pré-gestacional e o ganho de peso ao longo da
gestação em função da altura materna. Admite-se que o ganho médio de peso
ideal durante a gravidez seja de 11kg. No 1º trimestre, a média de ganho de
peso é pequena – de 1 a 2kg, ou até mesmo ausente. No 2º e no 3º trimestres,
a média de ganho é de 400g por semana. O ganho de peso materno
inadequado, principalmente no 3º trimestre, constitui sinal de alerta para
possível RCF, mas deve ser avaliado com outros elementos clínicos.

e) Anemias

Embora todos os tipos de anemias possam comprometer o crescimento fetal,


as hemoglobinopatias, principalmente a anemia falciforme, são as mais
importantes. Esta última, além de diminuir acentuadamente a oxigenação
fetal, eleva a viscosidade do sangue e possibilita a formação de trombos
placentários.

f) Síndromes hipertensivas

A RCF está presente em cerca de 25% dos casos de hipertensão arterial. Por
outro lado, de todos os casos de RCF, a hipertensão arterial tem participação
em até 40%. Essas incidências elevadas estão relacionadas ao
comprometimento vascular placentário, com consequente queda do fluxo
uteroplacentário.
A frequência de RCF nas síndromes hipertensivas está diretamente
relacionada à gravidade do caso, ou seja, à dificuldade do controle pressórico,
bem como ao grau de comprometimento de outros sistemas do organismo
materno (renal, cardiovascular etc.).

g) Cardiopatias

A presença de cardiopatia na gestação constitui uma das principais causas de


RCF. O risco fetal está intimamente relacionado ao tipo de cardiopatia e às
condições clínicas maternas. Em portadoras de estenose de valva mitral,
cardiopatia reumática mais prevalente no nosso meio, a incidência de RCF é
de cerca de 30%. Tal frequência tão elevada pode ser explicada pela presença
de baixo débito cardíaco fixo e consequente diminuição da oxigenação
materna e da fetal.

h) Diabetes mellitus

O diabetes de longa evolução pode causar RCF. Nesse caso, há


comprometimento vascular avançado no sítio de implantação placentário,
com diminuição do fluxo uteroplacentário.

i) Doenças autoimunes
O lúpus eritematoso sistêmico constitui uma das principais entidades do
grupo das doenças autoimunes responsáveis pela RCF. A presença de
imunocomplexos na membrana basal do trofoblasto e a vasculite placentária
explicam a insuficiência placentária encontrada nesses casos. A presença de
hipertensão arterial e de comprometimento renal torna o prognóstico ainda
mais sombrio.
C - Causas placentárias

a) Doenças placentárias

A inserção baixa de placenta associa-se à RCF em cerca de 16% dos casos.


Essa associação é consequência de um prejuízo na função placentária,
decorrente de um sítio de implantação deficiente, além da perda constante de
sangue. Outras alterações placentárias e de cordão umbilical podem estar
relacionadas à RCF: placenta circunvalada, corioangiomas, inserção
velamentosa de cordão e artéria umbilical única.

b) Transferência placentária deficiente

Alterações placentárias, como a presença de trombos e infartos, são


frequentes diante de condições maternas que levam ao comprometimento
vascular, como a doença hipertensiva específica da gestação ou o diabetes
mellitus.
A RCF é uma intercorrência frequente da gestação gemelar e está presente em
cerca de 20 a 40% dos casos. Implicado apenas o fator nutricional, a redução
do crescimento dos fetos é, na maioria das vezes, discreta. A gestação
múltipla apresenta alguns agravantes que podem originar a RCF grave:
anomalias genéticas (são mais frequentes na gemelaridade), síndrome da
transfusão fetofetal etc.

9. Diagnóstico
A suspeita clínica de RCF deve estar alicerçada na precisão da IG, idealmente
por meio de ultrassonografia (USG) obstétrica de 1º trimestre (9 a 12
semanas). Altura uterina menor do que a esperada no 3º trimestre de gestação
deve ser indicação de USG obstétrica para avaliação do crescimento fetal. É
muito importante diferenciar nesse exame os fetos constitucionalmente
pequenos (placentação normal, pais de biotipo menor) daqueles conceptos
que reduziram o ritmo de crescimento, sendo impedidos de atingir seu
potencial genético. Esse grupo agrega morbidade perinatal considerável, bem
como possibilidade de sequelas na vida adulta. O acompanhamento obstétrico
adequado durante o pré-natal é de suma importância na detecção das
alterações do crescimento fetal. A anamnese cuidadosa na 1ª consulta de pré-
natal pode revelar a presença de fatores de risco, história de RCF, morte fetal
ou neonatal anterior. Esses fatores devem alertar quanto à possibilidade de
RCF na gestação atual.

Diagnóstico
A confirmação do diagnóstico de RCF faz-se por meio de ultrassonografia
obstétrica.

A - Ganho de peso materno

O exame físico materno, por meio do ganho de peso, pode informar


indiretamente sobre o crescimento fetal, principalmente no 3º trimestre da
gestação. Esse parâmetro não deve ser analisado separadamente, mas junto
com medida da altura uterina e USG. A evolução ponderal materna é
acompanhada por meio de gráficos que levam em conta peso e altura.

B - Medida da altura uterina

A medida da altura uterina com a fita métrica constitui um método importante


de screening para a detecção da RCF. Dentre as principais causas de erros,
destacam-se o desconhecimento da IG e a imprecisão na medida da altura
uterina. Seu emprego tem pouco valor na situação transversa, na gestação
gemelar, no polidrâmnio e na obesidade extrema. Recomenda-se que cada
serviço médico utilize uma curva de altura uterina adequada (ou específica)
para a população assistida.

Figura 2 - Medidas da altura uterina em função da idade gestacional

C - Ultrassonografia

Aproximadamente 50% dos casos de RCF não são detectados clinicamente.


Esse fato estimulou o aperfeiçoamento das medidas de diversos parâmetros
ultrassonográficos do crescimento fetal, visando ao diagnóstico mais preciso e
mais precoce. Na avaliação do crescimento fetal, diversos parâmetros
permitem a detecção e a classificação do RCF. São importantes as medidas do
diâmetro biparietal, a Circunferência Cefálica (CC), a Circunferência
Abdominal (CA), a relação CC-CA, o comprimento do Fêmur (F), a relação
F-CA e a estimativa de peso fetal.
Para adequado acompanhamento clínico e ultrassonográfico, é fundamental o
conhecimento exato da IG, o que poderá acontecer com segurança se o exame
for realizado no 1º trimestre, de preferência entre a 9ª e a 12ª semanas,
período em que a margem de erro é menor, de, aproximadamente, 3 a 5 dias.
A medida do diâmetro biparietal é mais acurada entre a 20ª e a 30ª semanas,
com erro de, no máximo, 1,5 semana. De modo geral, a medida isolada é um
método impreciso para o diagnóstico precoce da maioria dos casos de RCF, já
que a cabeça fetal é a última estrutura a ser comprometida na insuficiência
placentária. No rastreamento da RCF pela USG, o parâmetro mais adequado
para essa finalidade é a circunferência abdominal.
A medida do volume de líquido amniótico tem grande valor no diagnóstico da
RCF, acompanhado ou não de malformações congênitas. É realizada a
avaliação da quantidade de líquido por meio do Índice de Líquido Amniótico
(ILA), sendo considerado oligoâmnio quando inferior a 5cm.
O valor da aceleração da maturidade placentária no diagnóstico da RCF é
discutível, e esse achado deve ser valorizado apenas diante de outros
parâmetros alterados à USG.

Figura 3 - Peso fetal estimado pela ultrassonografia em função da idade gestacional

10. Conduta assistencial


Não há, até o momento, nenhum tratamento efetivo que interrompa o
processo da RCF totalmente. Cabe ao obstetra fazer propedêutica
complementar, na tentativa de esclarecer a etiologia (que pode ser encontrada
em, aproximadamente, 60% dos casos), bem como avaliar a vitalidade e a
maturidade fetal para definir o momento ideal para o parto.
Na presença de RCF, deve ser realizada avaliação ultrassonográfica
minuciosa, visando ao estudo morfológico fetal, uma vez que o risco de
malformações é maior nesses casos.

A - 2º trimestre da gestação
Na presença de malformações fetais e na RCF que se instala antes da 28ª
semana, indica-se a ecocardiografia fetal, com o intuito de diagnosticar, com
precisão, possíveis malformações cardiovasculares.
A cordocentese é outro procedimento possível em casos de RCF de instalação
precoce e de causa desconhecida. Esse procedimento permite a detecção de
anomalia cromossômica ou infecção congênita.
Em situações com etiologia definida, o tratamento deve ser específico. A
gestante deve ser orientada a parar de fumar se for tabagista e iniciar dieta
adequada (>2.500 calorias) se estiver desnutrida.
São evidentes as dificuldades de abordagem clínica diante da RCF que se
estabelece precocemente. O mais importante é o acompanhamento da
gestação até a viabilidade fetal (28 semanas), além da programação do parto
quando houver maturidade pulmonar ou diante de comprometimento da
vitalidade do feto.

B - 3º trimestre da gestação

No 3º trimestre, deve-se estar sempre atento à vitalidade fetal. As causas mais


comumente relacionadas à RCF no último trimestre estão associadas a
insuficiência placentária, porém malformações fetais devem ser investigadas.
A cardiotocografia anteparto constitui um indicador importante da avaliação
do bem-estar fetal e deve ser realizada a cada 3 dias e, nos casos mais graves,
diariamente. Complementa-se a propedêutica fetal com o Perfil Biofísico
Fetal (PBF). Na presença de sofrimento fetal (quando mais de 2 parâmetros
do exame estão alterados), está indicada a interrupção da gestação,
independentemente da presença de maturidade pulmonar do feto.
A dopplervelocimetria também é usada para o acompanhamento da vitalidade
fetal e como método de prognóstico da RCF. Trata-se de um método não
invasivo e qualitativo, em que se avalia a velocidade do fluxo sanguíneo para
o útero e para a circulação fetoplacentária.
A avaliação da maturidade pulmonar fetal constitui etapa importante da
propedêutica obstétrica. Diante de condições que prejudicam o crescimento
fetal, a interrupção da gravidez na presença de maturidade fetal é a melhor
maneira de favorecer o prognóstico perinatal. Cabe ao obstetra selecionar o
momento ideal para o término da gravidez. Na maioria dos fetos com RCF
decorrente de insuficiência placentária, ocorre a aceleração da maturidade
pulmonar, fenômeno secundário ao estresse da hipóxia crônica.
Quando o peso fetal estimado pela USG estiver entre os percentis 3 e 10 e o
ILA normal, a dopplervelocimetria deverá ser empregada. Se a
dopplervelocimetria de artéria umbilical estiver normal, a gestação poderá ser
acompanhada até a 37ª semana, desde que haja acompanhamento cuidadoso
da vitalidade fetal (PBF). Diante de grave alteração de fluxo sanguíneo na
artéria umbilical (diástole zero ou reversa), estará indicada a pesquisa diária
da dopplervelocimetria do ducto venoso (Figura 4).

Figura 4 - Dopplervelocimetria na restrição do crescimento fetal a partir da 28ª semana de gestação

A conduta assistencial preconizada pelo Ministério da Saúde envolve os


passos descritos no algoritmo que se segue (Figura 5); de acordo com esse
protocolo, as condições biofísicas fetais (após 28 semanas), bem como a
dopplervelocimetria fetoplacentária, podem auxiliar na tomada de decisão
quanto ao melhor momento para antecipação do parto.
Figura 5 - Conduta obstétrica de acordo com o Ministério da Saúde do Brasil

11. Assistência ao parto


Prefere-se o parto vaginal nos casos de malformações fetais incompatíveis
com a vida. Nos demais casos, a via de parto deve ser individualizada, tendo-
se em mente que o feto com restrição de crescimento é mais suscetível a
mudanças bruscas de fluxo uteroplacentário, com maior risco de hipóxia,
mecônio e morte intraparto. Portanto, ao optar pela via vaginal, é importante o
controle rigoroso da vitalidade fetal.
Pode-se induzir ao parto desde que haja boa oxigenação fetal, a apresentação
seja cefálica e o peso estimado pela USG, superior a 1.500g.
O emprego do fórcipe de alívio fica restrito aos casos em que o peso estimado
do feto é superior a 1.500g. A cesárea deve ser realizada diante de alterações
das provas de vitalidade fetal, nas apresentações pélvicas e em fetos com peso
inferior a 1.500g.
Durante a assistência ao parto, deve-se evitar o uso de analgésicos e
tranquilizantes ou sedativos que deprimam a respiração. A analgesia do parto
vaginal com anestesia combinada (raquidural + peridural) deve ser instituída
sempre que possível.
O clampeamento do cordão umbilical deve ser precoce, logo após o 1º
movimento respiratório do RN, a fim de evitar maior transferência de massa
eritrocitária e consequente hiperviscosidade sanguínea.

Resumo
A gravidez pode ser acometida por diversas condições que prejudicam o
crescimento fetal, aumentando a incidência de complicações perinatais;
Considera-se crescimento fetal adequado quando o peso para
determinada IG se situa entre os percentis 10 e 90;
PIG indica que o feto ou o RN está abaixo de uma medida de referência
de peso para determinada IG, enquanto a RCF traduz a existência de uma
afecção capaz de modificar o potencial de crescimento fetal e promover
alterações importantes no RN;
A morbidade perinatal é cerca de 5 vezes maior nos RNs que tiveram
RCF do que naqueles que nascem com peso adequado, em consequência
da maior frequência de hipóxia, aspiração de mecônio, hipoglicemia,
hipocalcemia, policitemia, hipotermia, hemorragia pulmonar e prejuízo
no desenvolvimento neuropsicomotor;
Nem todos os RNs com percentil abaixo de 10 se apresentam doentes.
Alguns são constitucionalmente pequenos;
Diversos fatores podem estar envolvidos na gênese da RCF: agentes de
origem exclusivamente fetal, materna ou placentária.
Fatores maternos:
Baixo peso pré-gravídico (<50kg);
Tabagismo;
Infecções hematogênicas;
Síndrome antifosfolípide e trombofilias;
Drogadição;
Anemia grave e hemoglobinopatias;
Hipóxia materna;
RCF em gestação anterior;
Aborto de repetição.
Doenças maternas que afetam a placentação:
Pré-eclâmpsia;
Doença autoimune;
Trombofilias;
Doença renal;
Diabetes;
Hipertensão essencial.
Outros fatores placentários:
Placenta circunvalada;
Mosaicismo;
Gemelaridade;
Descolamento coriônico;
Anomalias uterinas;
Infartos placentários;
Fatores fetais;
Aneuploidias;
Síndromes genéticas;
Infecções congênitas.
Amniorrexis prematura
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução
Amniorrexis Prematura (AP) diz respeito à rotura das membranas ovulares
antes do início do trabalho de parto, independentemente da idade gestacional.
Quando a rotura ocorre antes da 37ª semana de gestação, é chamada
Amniorrexis Prematura Pré-Termo (APPT). As membranas ovulares e o
Líquido Amniótico (LA) desempenham importantes funções, como a
proteção, o crescimento e o desenvolvimento do feto.
A deglutição e a micção fetais permitem o equilíbrio do LA e o
desenvolvimento dos sistemas digestivo e urinário. O LA promove aumento
da pressão luminar na árvore pulmonar durante os movimentos torácicos
fetais, permitindo o desenvolvimento pulmonar; a movimentação fetal dentro
da cavidade amniótica possibilita o desenvolvimento muscular e o
crescimento do produto conceptual. O LA também protege o feto de traumas
externos, assim como o cordão umbilical de compressões durante a
movimentação fetal ou as contrações uterinas, contendo fatores imunológicos
que atuam contra a sua contaminação e infecção fetal.
A quebra da integridade das membranas pode interferir em todos esses
processos fisiológicos.
O intervalo entre a rotura das membranas e o início do trabalho de parto é
denominado intervalo de latência. A duração do período de latência tem
relação direta com risco de infecção e relação indireta com a idade
gestacional; quanto menor a idade gestacional, maior o período de latência
observado.
2. Incidência
A incidência de AP varia de acordo com as características populacionais, o
método de diagnóstico, o intervalo de latência exigido para o diagnóstico e a
idade gestacional considerada.
De modo geral, quando considerados qualquer idade gestacional e qualquer
intervalo de latência, sua incidência gira em torno de 3% das gestações para
todos os partos e em 30% para os prematuros.
Quando a AP ocorre no termo, 90% das pacientes evoluem para trabalho de
parto em 24 horas. Quando a rotura acontece no período pré-termo, a
evolução para trabalho de parto ocorre em até 7 dias em 90% dos casos.

3. Etiologia
Vários fatores têm sido relacionados com a gênese da AP, apesar de nenhum
deles, por si só, ter um papel dominante na sua etiologia. Embora sejam
conhecidos os vários fatores de risco, a incidência continua elevada.
As membranas amnióticas apresentam propriedades dinâmicas e elásticas em
virtude de seu conteúdo de elastina e colágeno, o que confere a elas a
capacidade de alteração do seu estado original e posterior retorno à sua forma
de origem. Quando submetidas a aumentos de pressão (como no trabalho de
parto), traumatismos ou infecções, enfraquecem, podendo se romper com
maior facilidade.
A infecção cervicovaginal é um dos principais fatores que predispõem à AP.
Os micro-organismos mais frequentemente envolvidos são Neisseria
gonorrhoeae, Streptococcus B, Bacteroides sp., Gardnerella vaginalis,
Chlamydia trachomatis e Enterococcus. Esses micro-organismos, alcançando
as membranas de forma ascendente, levariam a alterações estruturais a partir
da produção de proteases e colagenases, predispondo-as à rotura. A liberação
de mediadores inflamatórios favoreceria tanto a dilatação cervical quanto o
aumento da atividade uterina.
Estados nutricionais deficientes também podem levar a defeitos nas
membranas ovulares. Sabe-se que a vitamina C é essencial à formação do
colágeno e que níveis diminuídos dessa vitamina estão relacionados com
maior incidência de AP.
O tabagismo também é um dos fatores de risco. Gestantes que fumam mais de
10 cigarros por dia apresentam maior risco. O fumo afeta o estado nutricional
global da gestante, prejudica a imunidade materna e causa alteração da
oxigenação tecidual.
Sangramentos em qualquer época da gravidez também estão associados a
maior risco de AP. Quando intracavitários, causam aumento da pressão
intrauterina e produzem maior atividade uterina, pela irritabilidade das fibras
miometriais, apresentando maior risco de descolamento e/ou rotura das
membranas ovulares.
Incompetência cervical e outras deformidades do colo uterino podem expor as
membranas à microflora bacteriana vaginal, aumentando o risco de
corioamnionite e subsequente AP.
Outro fator associado ao aumento do risco de rotura prematura de membranas
é a hiperdistensão uterina (gestações múltiplas, polidrâmnio).
4. Diagnóstico
A história clínica e o exame físico podem estabelecer claramente o
diagnóstico. Na rotura franca das membranas, o escoamento do líquido é
inconfundível. Após o 1º episódio de perda, o fluxo normalmente é contínuo
ou em pequenos intervalos, dependendo da posição da gestante, da
apresentação fetal e da presença de insinuação fetal.

Diagnóstico
A queixa típica de perda de líquido por via vaginal pode estabelecer o
diagnóstico de amniorrexis prematura em até 90% dos casos.

Existem situações em que o fluxo não é visto, tornando muito difícil a


confirmação clínica da rotura das membranas. Outros dados do exame físico,
como a medida da altura uterina ou a avaliação subjetiva da quantidade de LA
à palpação uterina, podem auxiliar no diagnóstico, mas, para a sua
confirmação, são necessários métodos diagnósticos subsidiários. A manobra
de Tarnier (elevação da apresentação por meio da palpação abdominal e
compressão do fundo uterino) e a manobra de Valsalva (aumento da pressão
intra-abdominal) podem auxiliar no diagnóstico clínico de rotura prematura
de membranas.
A ultrassonografia é um método auxiliar importante, porém não definitivo: à
redução do volume do LA, soma-se a avaliação da idade gestacional,
parâmetro fundamental na tomada de conduta. Da mesma forma, anidrâmnio
à ultrassonografia pode tornar inquestionável o diagnóstico.
Perante situações de impossibilidade de realização de ultrassonografia ou
quando o LA está normal (possibilidade remota), outros testes podem ser úteis
na elucidação diagnóstica. A medida do pH vaginal com instrumento sensível,
como o papel de nitrazina, que muda de cor na faixa de pH entre 6,4 e 6,8,
mostra boa sensibilidade e baixa especificidade (torna-se azul em contato com
o fluido vaginal; pode apresentar resultado falso positivo na presença de
sangue, tricomoníase e vaginose bacteriana). Esse teste se baseia no fato de
que a medida do pH vaginal de gestantes com rotura das membranas varia de
6 a 8,1 (o LA tem pH básico, de cerca de 7,0 a 7,3), enquanto, na ausência da
AP, o pH vaginal encontra-se entre 3,8 e 4,2. O pH da urina também é ácido,
ao redor de 5,0 a 6,0.
A observação da cristalização em forma “de samambaia” do LA obtido do
canal cervical de gestantes com rotura das membranas, além de não sofrer
quase nenhuma interferência com a presença de pequenas quantidades de
sangue e mecônio, tem um pequeno índice de falsos negativos e falsos
positivos (4,8 e 12,7%, respectivamente), podendo também auxiliar no
diagnóstico.
O teste de Ianetta consiste na mudança de coloração (incolor para marrom) do
esfregaço da amostra de LA em lâmina, aquecida durante 1 minuto (com bico
de Bunsen, isqueiro ou fósforo, a uma distância que não chamusque a
lâmina).
A pesquisa, por microscopia, de células fetais na secreção vaginal, com ou
sem o auxílio de substâncias (como o azul de Nilo), é menos precisa, mas
também é indicada para complementar o diagnóstico da AP.
Outros exames também podem ser utilizados para auxiliar no diagnóstico,
como a instilação transabdominal, que, guiada por ultrassonografia com 1mL
de corante índigo carmim (teste cada vez menos utilizado, substituído por
exames menos invasivos) diluído em 9mL de solução salina estéril dentro da
cavidade amniótica e observação de tingimento de um forro ou tampão
vaginal, confirma o diagnóstico, embora deva ser reservada para serviços
mais especializados.
Deve ser feito diagnóstico diferencial com emissão involuntária de urina ou
outras eliminações vaginais, como leucorreias, muco etc.
O AmniSure® Teste de Ruptura das Membranas Fetais é um teste
imunocromatográfico qualitativo rápido, não instrumental para a detecção in
vitro de LA na secreção vaginal de mulheres grávidas. Ele detecta a presença
da proteína alfa-1-microglobulina placentária (PAMG-1), estabelecida como o
marcador do LA, cuja perda clinicamente significativa aumenta a
concentração de PAMG-1 nas secreções cervicovaginais na ordem dos
milhares. O limiar de sensibilidade é definido por um fator 20 vezes acima do
nível basal de PAMG-1 (o AmniSure® detecta de 5 a 7ng/mL de PAMG-1).
Em casos muito raros, quando uma amostra é obtida 12 horas ou mais depois
da ruptura, pode ocorrer um resultado falso negativo. De modo geral, é um
teste bastante confiável, com altas sensibilidade e especificidade.
Importante
Deve-se evitar o toque vaginal para a prevenção de corioamnionite, exceto
nas gestações a termo, em gestantes com parto iminente ou quando se
planeja a indução imediata.

5. Complicações
A rotura prematura de membranas pode evoluir com oligoidrâmnio,
aumentando o risco de algumas deformidades, como fácies característica, com
orelhas dobradas, nariz achatado e pele enrugada. Também pode causar
deformidades de extremidades, como pé torto (por imobilidade) e contraturas
musculares.
A principal alteração que pode ser provocada é a hipoplasia pulmonar.
Quando a rotura das membranas acontece antes da 24ª semana de gestação, o
risco de hipoplasia pulmonar é maior, sendo tanto maior o risco quanto mais
precoce a rotura.
A AP é responsável por 30 a 40% dos casos de prematuridade, importante
causa de morbimortalidade perinatal.
A infecção é uma das complicações mais temidas da rotura prematura de
membranas. A infecção intraútero, chamada corioamnionite, pode levar à
sepse materna e, se não tratada a contento, à morte da gestante. A infecção
fetal predispõe a pneumonia, septicemia e infecção do trato urinário no
período neonatal.
A incidência de hipóxia e asfixia fetal também se eleva na rotura prematura de
membranas. A principal causa é a compressão funicular, decorrente da
diminuição do volume do LA.
6. Conduta
Quando a AP ocorre a termo ou próximo dele, o feto, na maioria das vezes,
nasce dentro de 24 a 72 horas, a despeito da conduta, que na AP a termo é
sempre resolutiva.
Quando a amniorrexis acontece no período pré-termo, a conduta pode ser
resolutiva, conservadora ou expectante. Aqueles que defendem a conduta
resolutiva o fazem para evitar complicações infecciosas maternas e fetais,
porém correm o risco de enfrentar complicações decorrentes da
prematuridade. Os defensores da conduta conservadora observam atentamente
as evidências de corioamnionite e da vitalidade fetal, podendo incluir, em sua
conduta, inibição do trabalho de parto, corticoterapia e antibióticos
profiláticos. A conduta expectante englobaria os mesmos cuidados,
aguardando-se até que as pacientes entrassem em trabalho de parto, que
desenvolvessem infecção ou que ocorresse comprometimento da vitalidade
fetal, momento em que a resolução da gestação seria indicada.
A FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia) defende que, após a rotura prematura das membranas ovulares em
gestante pré-termo, a paciente deve ser internada para controle infeccioso e de
vitalidade fetal. Caso o parto não ocorra após as primeiras 72 horas, o
acompanhamento posterior poderá ser feito em ambulatório apenas nos casos
em que a gestante residir próximo ao hospital, dispuser de meio de transporte
fácil, o feto estiver em apresentação cefálica, o Índice de Líquido Amniótico
(ILA) for maior do que 8cm e não existir suspeita de infecção intra-amniótica.
Essa gestante deverá ser orientada a realizar consulta pré-natal semanalmente,
aferir temperatura 2x/d, realizar mobilograma 3x/d, colher hemograma
completo 2x/sem e realizar perfil biofísico fetal 2x/sem e ultrassonografia
obstétrica semanalmente.
Ressalte-se, entretanto, que há estudos que mostram aumento do risco de
corioamnionite e infecção neonatal nas pacientes submetidas a manejo
expectante domiciliar quando comparadas àquelas que permanecem
hospitalizadas.
Alguns autores demonstraram que a morbimortalidade associada ao parto
imediato na AP e à prematuridade é maior do que a morbimortalidade
associada ao risco de infecção materno-fetal. Na conduta expectante, quanto
menor a idade gestacional, maior o tempo de latência até a resolução da
gestação, e, quanto maior esse tempo de latência, maiores os riscos de
deformações fetais e hipoplasia pulmonar nos casos de oligoidrâmnio intenso.
Algumas medidas podem ser tomadas na tentativa de aumentar, pelo menos
transitoriamente, a quantidade de LA: repouso no leito, hiper-hidratação oral
ou intravenosa. Esses recursos apresentam resultados pouco efetivos quando a
espera é prolongada. Além disso, na ausência de trabalho de parto, deve-se
internar a paciente e realizar exames clínico, ginecológico e obstétrico,
controle da temperatura, hemograma, Proteína C Reativa (PCR) e velocidade
de hemossedimentação (VHS) a cada 48 horas e avaliação periódica da
vitalidade fetal por meio do perfil biofísico fetal.
A conduta conservadora com o uso de uterolíticos, antibioticoprofilaxia e uso
de corticoides é controversa. O efeito da tocólise na AP não está associado a
qualquer benefício perinatal, pois não há evidências de que essa terapia
prolongue a gravidez por mais de 24 a 48 horas. A antibioticoterapia deve ser
prontamente instituída nos casos de corioamnionite ou quando a cultura
perineal é positiva para Streptococcus do grupo B. A validade da
antibioticoterapia como profilaxia nos casos de AP permanece muito
discutível. Quando existe a decisão de utilizar corticoterapia para redução da
morbimortalidade fetal, esta é realizada em gestações com idade gestacional
<32 semanas e nos mesmos moldes tradicionais: betametasona 12mg IM,
1x/d, por 2 dias, ou dexametasona 6mg IM, a cada 12 horas, por 2 dias.
O Ministério da Saúde do Brasil (MS) preconiza que a conduta seja
individualizada de acordo com a idade gestacional. Em gestações com
duração entre 22 e 24 semanas, o prognóstico perinatal é bastante ruim, além
de os riscos maternos associados serem altos, como corioamnionite, sepse e
óbito materno. Diante disso, o MS defende que se ofereça à mulher e sua
família a opção de interrupção da gestação. Tal conduta é bastante discutível,
pois poderia se configurar interrupção de gestação com feto vivo, situação
não prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Caso a mulher opte por uma conduta expectante, esse fato deve ser registrado
no prontuário. Deve-se fazer a internação no momento do diagnóstico, com
hiper-hidratação por 48 a 72 horas e reavaliação do ILA. A partir de então,
deve-se reavaliá-la periodicamente. O acompanhamento poderá ser feito em
nível ambulatorial se não houver evidências de infecção ou sangramento
vaginal, conforme a seguir:

Avaliação de sinais de infecção e de começo do trabalho de parto:


Controle de febre;
Hemograma 2x/sem;
Presença de contrações uterinas.
Avaliação do estado fetal:
Biometria fetal a cada 15 dias;
Percepção de movimentos fetais pela mãe;
Ausculta de batimentos cardiofetais 2x/sem.
Repouso estrito no leito;
Evitar relação sexual;
Antibioticoterapia;
Não realização de tocólise;
Não realização de corticoterapia.

Se a gravidez se prolongar além de 24 semanas, manejar a gestante como


segue.

A - Gestações entre 24 e 34 semanas

Internação;
Repouso no leito com permissão para uso do banheiro;
Curva térmica a cada 4 horas (exceto durante o sono noturno da
gestante);
Observar a presença de contrações uterinas;
Realizar exame especular, quando necessário, para avaliar as condições
cervicais e eliminação de LA;
Hemograma 2x/sem ou se surgirem sinais de corioamnionite;
Velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa quando possível;
Avaliação do estado fetal:
Ausculta de batimentos cardiofetais 2 a 3x/d;
Contagem de movimentos fetais pela mãe 2x/d (após almoço e
jantar);
Cardiotocografia basal diária ou, no mínimo, 2x/sem;
Perfil biofísico fetal diário para gestantes com ILA <5cm e 2x/sem
para gestantes com ILA >5cm;
Avaliação de volume de LA por ecografia de 2 em 2 dias.
Hidratação oral (3 a 4L/d);
Antibióticos.
O MS defende que os antibióticos, além de reduzirem o risco infeccioso,
melhoram os resultados perinatais.
Existem vários esquemas propostos com base no uso de um antibiótico
derivado da penicilina associado a um macrolídeo por 7 dias. Um esquema
possível seria com ampicilina 2g IV, a cada 6 horas, e estearato de
eritromicina 250mg IV, a cada 6 horas, por 48 horas, seguido por 5 dias de
amoxicilina 500mg VO, a cada 8 horas, e estearato de eritromicina 333mg
VO, a cada 8 horas. Uma alternativa a ser considerada é a da azitromicina
(1g/d VO) durante 3 dias.
Adicionalmente, deve-se utilizar azitromicina 1g VO, em dose única.

Utilização de corticoides:
Betametasona 12mg IM, a cada 24 horas, por 2 dias (2 doses);
Dexametasona 6mg IM, a cada 12 horas, por 2 dias (4 doses).
Indicações: idade gestacional entre 24 e 34 semanas;
Contraindicações: evidências de infecção e/ou de parto iminente,
hipersensibilidade à droga.

B - Gestações com mais de 34 semanas

Para as mulheres que apresentem rotura de membranas com gravidez de idade


gestacional >34 semanas, independentemente da paridade e do
amadurecimento cervical, indica-se interrupção imediata da gestação
mediante a indução do trabalho de parto; a escolha do método de indução
dependerá do estado de amadurecimento cervical. Se houver condições
cervicais favoráveis, utiliza-se ocitocina. No caso de colo desfavorável, lança-
se mão do método de amadurecimento cervical. A cesárea estará recomendada
apenas nas indicações obstétricas (por exemplo, presença de 2 ou mais
cesáreas anteriores). São critérios para interrupção da gestação:

Gestação de até 20 semanas (respeitadas as limitações legais);


Gestação com mais de 34 semanas;
Trabalho de parto espontâneo;
Sinais de comprometimento fetal;
Sinais de infecção:
Febre (temperatura materna ≥37,8°C) e pelo menos 2 dos sinais
seguintes:
Útero doloroso;
Odor vaginal desagradável;
Taquicardia materna (FC >100bpm);
Taquicardia fetal (FCF >160bpm);
Leucocitose (leucograma >15.000 células/mL).

Para o diagnóstico de corioamnionite, além dos critérios apresentados,


podem-se considerar a elevação sustentada e progressiva dos leucócitos, a
alteração nos testes de VHS e PCR e o fluxo cervical anormal ao exame
especular (fluxo purulento).
O uso do corticoide (para amadurecimento pulmonar) é contraindicado nos
casos de corioamnionite, tanto devido à impossibilidade de aguardar seu
efeito, quanto aos riscos de reduzir a imunidade materna.
A alteração no perfil biofísico fetal, representada pela ausência de
movimentação torácica (respiratória) fetal, também tem sido apontada como
sinal de infecção intra-amniótica. Na suspeita de infecção, indicam-se a
instituição de antibioticoterapia de amplo espectro, como penicilina ou
ampicilina, gentamicina e metronidazol, e a resolução da gestação.
Figura 1 - Decisões de acordo com protocolo do Ministério da Saúde

7. Aspectos controversos

A - Antibioticoprofilaxia

A conduta expectante nos casos de rotura prematura de membranas visa ao


prolongamento da gestação, para obter melhores condições de maturidade
pulmonar fetal. Entretanto, a manutenção da gravidez, mesmo por alguns dias
ou, inclusive, por algumas horas, expõe a cavidade uterina à ação dos micro-
organismos da flora vaginal, estabelecendo uma situação de benefícios e
potenciais danos maternos e/ou perinatais decorrentes da conduta adotada.
A infecção genital prévia tem sido considerada fator de risco importante para
as complicações infecciosas maternas e perinatais da rotura prematura de
membranas, principalmente nos casos de gestantes colonizadas por
Streptococcus agalactiae do grupo B de Lancefield e E. coli. Com base nesses
fatos, a antibioticoprofilaxia tem sido proposta por ocasião da conduta
expectante, com o propósito de reduzir a flora infectante, permitindo que a
gestação se prolongue. Entretanto, a utilização profilática de antibióticos em
pacientes com rotura prematura de membranas pré-termo ou em gestantes de
termo está longe de representar unanimidade.
Dentre as complicações maternas decorrentes da rotura prematura de
membranas que poderiam ser reduzidas pela antibioticoprofilaxia, destacam-
se a morbidade febril, a corioamnionite e a endometrite puerperal. Dentre as
complicações perinatais que também poderiam ser reduzidas com
antibioticoprofilaxia, estão a prematuridade e a sepse neonatal. Entretanto, os
estudos sobre o papel da profilaxia antimicrobiana para essas pacientes
apresentam resultados discordantes.
Alguns ensaios randomizados concluíram que o uso profilático de
antimicrobianos para pacientes com rotura prematura de membranas pode
reduzir a morbidade infecciosa materna quando comparados com o grupo
controle, enquanto outros não conseguiram demonstrar essa redução. Da
mesma forma, não existe unanimidade quanto à morbidade perinatal, havendo
resultados favoráveis à antibioticoprofilaxia e outros nos quais essa medida
profilática não se mostrou totalmente efetiva, principalmente quando
associada a corticoterapia para acelerar a maturidade pulmonar fetal.
De forma geral, os resultados perinatais com antibioticoprofilaxia são
melhores em gestantes colonizadas pelo Streptococcus agalactiae do grupo B.
Contudo, quando se estabelece a mortalidade perinatal como parâmetro,
mesmo com aumento do tempo de latência, os antibióticos não diminuem a
mortalidade perinatal.
Assim, a utilização de antibióticos como terapia profilática permanece
controversa na literatura, de tal maneira que grande parte dos serviços
médicos universitários não indica esse procedimento.

Tratamento
A FEBRASGO considera que os benefícios da utilização profilática de
ampicilina 2g e eritromicina 250mg (IV, a cada 6 horas, por 48 horas),
seguida por amoxicilina 250mg e eritromicina 500mg (VO, a cada 8 horas,
por 5 dias), superam seus riscos potenciais em gestações abaixo de 32
semanas de duração.

B - Tocólise

Como a prematuridade aumenta a morbimortalidade neonatal, poderia parecer


evidente que a inibição do trabalho de parto prematuro em pacientes com
rotura prematura de membranas levaria a melhor evolução desses casos.
Entretanto, graças à associação entre essa condição e infecção ovular e rotura
prematura de membranas, a tocólise nessas situações não é rotineiramente
indicada. Uma revisão recente da literatura mostra que a prevalência de
infecção subclínica da cavidade amniótica, em casos de rotura prematura de
membranas sem contração uterina, chega a quase 30%. A incidência de
infecção intra-amniótica está diretamente relacionada ao período de latência,
que, por sua vez, apresenta relação inversa com a idade gestacional. Quanto
menor a idade gestacional, provavelmente, maior o período de latência.
Estudos sobre tocólise visando aumentar o período de latência para essas
pacientes apresentam resultados discordantes. Três estudos randomizados
com 235 gestantes que utilizaram tocólise profilática não relataram benefício
em prolongar a gestação, em relação ao grupo-controle. Outro estudo (caso-
controle) mais recente demonstrou que a tocólise profilática após rotura
prematura de membranas não foi eficiente em aumentar o período de latência.
Assim, a inibição do trabalho de parto prematuro em gestantes com rotura
prematura de membranas não representa conduta indicada na prática
obstétrica com base em evidências.

Resumo
AP é a rotura das membranas ovulares antes do início do trabalho de
parto, independentemente da idade gestacional;
O intervalo entre a rotura das membranas e o início do trabalho de parto
é denominado intervalo de latência. A duração do período de latência
tem relação direta com risco de infecção;
Quanto menor a idade gestacional, maior o período de latência esperado;
A infecção cervicovaginal é um dos principais fatores para rotura
prematura de membranas. Os micro-organismos mais frequentemente
envolvidos são Neisseria gonorrhoeae, Streptococcus B, Bacteroides sp.,
Gardnerella vaginalis, Chlamydia trachomatis e Enterococcus;
A história clínica e o exame físico podem confirmar o diagnóstico em até
90% dos casos, já que o escoamento do líquido é inconfundível nos
casos de rotura franca das membranas;
A rotura prematura de membranas pode evoluir com oligoidrâmnio,
aumentando o risco de acarretar algumas deformidades, como fácies
característica, deformidades de extremidades e hipoplasia pulmonar;
A AP é responsável por 30 a 40% dos casos de prematuridade, causa
importante de morbimortalidade perinatal;
A infecção é uma das complicações mais temidas da rotura prematura de
membranas. A infecção intraútero, chamada corioamnionite, pode levar a
sepse materna e consequente morte da gestante. Antibioticoterapia de
amplo espectro é indicada nesses casos;
Quando a AP ocorre no período pré-termo, a conduta pode ser resolutiva,
conservadora ou expectante. Não havendo sinais de infecção ou
sofrimento fetal, indica-se a resolução eletiva da gravidez em 36
semanas de gestação.
Oligoâmnio e polidrâmnio
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução
O líquido amniótico é essencial para o adequado desenvolvimento do feto. As
principais funções desse líquido são proteção fetal contra traumas externos,
manutenção da temperatura fetal, participação no mecanismo de crescimento
e de movimentação normal do feto, participação na homeostase bioquímica
fetal, desenvolvimento e maturação normais dos pulmões e, no trabalho de
parto, proteção do feto contra o efeito das contrações, além de auxílio na
dilatação do colo uterino.

2. Origem e composição do líquido amniótico


Aproximadamente 6 dias após a ovulação, o óvulo fertilizado se encosta no
endométrio, dando início à implantação. Por volta do 8º dia de
desenvolvimento, o trofoblasto do polo embrionário se diferencia em 2
camadas celulares distintas: sincício e citotrofoblasto. Entre este último e o
disco embrionário, aparecem pequenos espaços que confluem para formar a
cavidade amniótica. À medida que o embrião se desenvolve, essa cavidade,
repleta de líquido amniótico, cresce gradualmente à custa da cavidade
coriônica e chega a circundar por completo o embrião e obliterar o espaço
coriônico.
O líquido amniótico é formado de 98 a 99% de água e de 1 a 2% de material
sólido. Cerca da metade dos sólidos é formada por constituintes orgânicos,
dos quais aproximadamente 50% são proteínas. Os constituintes inorgânicos
se assemelham àqueles do fluido extracelular.
Inicialmente, até a 16ª semana, a composição do líquido é semelhante à do
soro materno e fetal. Com a evolução da gestação, particularmente na 2ª
metade, sua osmolaridade gradualmente declina até chegar, no termo, a cerca
de 92% dos valores séricos maternos. As concentrações de sódio, cloro e
potássio diminuem, enquanto as de creatinina e ureia aumentam em,
respectivamente, 250 e 70%.
Próximo ao termo da gestação, as concentrações de creatinina e ureia são
mais elevadas do que as encontradas no soro materno. Relações semelhantes
existem entre o líquido amniótico e o soro fetal.
Com relação à bilirrubina, verifica-se que a sua concentração aumenta da 18ª
à 25ª semana de gestação, atingindo seu máximo em torno da 26ª semana.
Posteriormente, decai até a 36ª semana, quando passa a ser indetectável.
O volume de líquido amniótico apresenta aumento progressivo com a
evolução da gestação. Na 10ª semana, é de apenas 30mL, atinge 190mL na
16ª semana e chega a 900mL entre a 32ª e a 35ª semanas. Após a 36ª semana,
há declínio do seu volume, especialmente no período após a 40ª semana.

Dica
O volume máximo de líquido amniótico ocorre por volta de 32 a 35
semanas de gestação.

Na placenta, as circulações materna e fetal estão em contato íntimo, e a


permeabilidade à água é virtualmente ilimitada, dependendo somente das
forças hidrostáticas e osmóticas em ambos os lados da placenta.
Os únicos locais onde ocorre eliminação de fluidos fetais de forma
significativa são os tratos urinário e respiratório. Por outro lado, a deglutição
é responsável por grande parte do volume que retorna ao concepto. A água
remanescente parece ser removida do líquido amniótico para o espaço
interviloso por intermédio do âmnio e do cório, por difusão. Com todos esses
movimentos dos fluidos, o líquido amniótico é completamente reciclado a
cada 3 horas.
Na gestação precoce, o mecanismo mais provável para a formação do líquido
amniótico parece ser o transporte ativo de solutos para o espaço amniótico por
meio do âmnio, com passagem da água, em virtude do gradiente químico.
Na 2ª metade da gestação, a produção urinária é a principal responsável pelo
volume amniótico. A urina está presente no espaço amniótico a partir da 8ª até
a 11ª semana de gestação. A produção urinária aumenta de aproximadamente
110mL/kg/d na 20ª semana para cerca de 190mL/kg/d na 39ª semana. Após a
40ª semana, por incapacidade de aumento da produção urinária, existe
diminuição no fluxo. Nas gestações pós-data, há clara redução da diurese
fetal.
A deglutição do feto inicia-se também por volta da 8ª até a 11ª semana de
gestação. Na gestação avançada, o volume deglutido varia de 210 a 760mL/d.
Esses volumes não incluem a quantidade de fluido eliminado pelo trato
respiratório e que é deglutida antes de alcançar o espaço amniótico.
Na 1ª metade da gravidez, é possível um considerável volume de líquido ser
trocado por intermédio da pele altamente permeável do feto. Após a
queratinização (por volta da 24ª semana), a pele fetal impediria essa troca.
Qualquer desequilíbrio na produção e na eliminação do líquido amniótico, por
menor que seja, pode resultar em alterações importantes em seu volume. A
redução acentuada do fluido resultará em oligoâmnio, e o aumento excessivo
levará a polidrâmnio.

3. Oligoâmnio

A - Definição
O oligoâmnio caracteriza-se pela diminuição da quantidade de líquido
amniótico, incide em cerca de 4% das gestações e é considerado entre a 21ª e
a 42ª semanas de gestação, quando o volume do líquido amniótico é inferior a
250mL. Como esse volume é difícil de ser estimado na prática, o critério
ultrassonográfico é o mais utilizado para o diagnóstico.

B - Etiologia
As principais causas determinantes da diminuição do volume amniótico são
rotura prematura de membranas, insuficiência placentária e presença de
anomalias congênitas fetais. Dentre as anomalias fetais mais relacionadas ao
oligoâmnio, têm destaque as que acometem o sistema urinário, principalmente
a agenesia renal bilateral, as displasias renais e a obstrução do trato urinário.
A hipertensão arterial, o tabagismo e a pós-maturidade, provavelmente pela
hipoperfusão placentária, também estão relacionados à diminuição do volume
de líquido amniótico. Em poucas situações, a etiologia é desconhecida.

C - Prognóstico

O oligoâmnio relaciona-se, com frequência, a resultado perinatal


desfavorável, seja em razão da doença de base que o determinou, seja em
decorrência de seu efeito mecânico sobre o concepto. Dentro da última causa,
podem ser relacionados os seguintes fatores: pressão contínua sobre o feto,
provocando alterações musculoesqueléticas, aderências entre o âmnio e as
partes fetais, determinando graves deformidades, desenvolvimento de
hipoplasia pulmonar e compressão funicular, principalmente durante o
trabalho de parto. Relaciona-se, ainda, com restrição de crescimento fetal,
alterações cardiotocográficas, aumento do percentual de partos cesárea,
baixos índices de Apgar ao nascimento, aumento da mortalidade perinatal e
maior incidência de líquido amniótico meconial.

D - Diagnóstico

O diagnóstico clínico é difícil. A suspeita clínica ocorre sempre que a altura


uterina for incompatível com a esperada para a idade gestacional,
especialmente se estiver associada à acentuada redução da movimentação
fetal e fácil percepção das partes fetais à palpação obstétrica.
A ultrassonografia tornou possível estimar o volume de líquido amniótico.
Para a obtenção do Índice de Líquido Amniótico (ILA), divide-se o útero em
4 quadrantes, por meio de 2 linhas imaginárias, perpendiculares, traçadas ao
nível da cicatriz umbilical materna, a vertical posicionada sobre a linha nigra
(Figura 1). O maior bolsão de líquido de cada quadrante, livre de partes fetais
e/ou cordão umbilical, é medido em seu diâmetro longitudinal, em
centímetros (Figura 2). A soma dos 4 valores obtidos, 1 em cada quadrante,
determina o resultado do ILA.

Dica
Para a obtenção do ILA, divide-se o útero em 4 quadrantes. O maior bolsão
de líquido de cada quadrante é medido em seu diâmetro longitudinal, em
centímetros. A soma dos 4 valores obtidos, 1 em cada quadrante, determina
o resultado do ILA.
Figura 1 - Divisão do abdome materno em 4 quadrantes para a aferição do índice de líquido
amniótico

O valor do ILA inferior a 5cm está relacionado ao pior prognóstico da


gestação, em correlação direta entre a diminuição do volume amniótico, a não
reatividade fetal à cardiotocografia e a presença de desacelerações da
frequência cardíaca fetal. O líquido meconial, a indicação da cesárea por
sofrimento fetal e baixos índices de Apgar no 1º e no 5º minuto costumam ser
mais frequentes entre pacientes com ILA ≤5cm. Valores situados entre 5,1 e
7,9 são considerados suspeitos, com classificação de líquido reduzido. ILA
situado entre 8 e 18cm é considerado (totalmente) normal.

Figura 2 - Aferição do índice de líquido amniótico: maior bolsão livre de líquido amniótico em cada
quadrante

E - Conduta

Perante o diagnóstico ultrassonográfico do oligoâmnio, é obrigatório


pesquisar as causas determinantes da alteração, especialmente a presença de
malformações fetais. A ausência ou acentuada redução do volume de líquido
amniótico dificultará a avaliação ultrassonográfica. Quando for afastada a
presença de alterações morfológicas, deverá ser dada atenção especial à
possível presença de restrição do crescimento fetal. É obrigatória a avaliação
frequente da vitalidade fetal por meio do perfil biofísico fetal e da
dopplerfluxometria dos compartimentos placentário e fetal.
É muito importante o controle das doenças maternas associadas ao
oligoâmnio, especialmente da hipertensão arterial. A desidratação materna
também pode estar relacionada à diminuição do volume de líquido. A
hidratação oral da gestante pode aumentar o ILA em aproximadamente 30%.
Quando o oligoâmnio resulta de malformação fetal, especialmente a
obstrução do trato urinário, a derivação cirúrgica intraútero do fluxo urinário,
nos casos em que a função renal está preservada, pode representar alternativa
terapêutica, porém com resultados modestos.
Durante o trabalho de parto e o parto dessas gestantes com oligoâmnio,
observa-se maior incidência de tocotraumatismos e sofrimento fetal agudo,
seja pela doença de base, seja pela compressão do cordão umbilical do feto.
As taxas de parto cesárea são maiores nesses casos.
A infusão de soro fisiológico dentro das membranas amnióticas,
amnioinfusão, pode ser utilizada no transcorrer do trabalho de parto para
diminuir a chance de sofrimento fetal, principalmente pela compressão do
cordão umbilical e para diluir o mecônio, minimizando as chances da
síndrome de aspiração meconial. Ao utilizar a técnica, relata-se redução do
sofrimento fetal agudo, das desacelerações da frequência cardíaca fetal, dos
índices de cesáreas e da síndrome de aspiração meconial.
Nas situações de oligoâmnio idiopático, indica-se interrupção da gestação
entre 37 e 38 semanas de idade gestacional. Quando o oligoâmnio está
associado a outras complicações, como restrição de crescimento fetal e/ou
insuficiência placentária, a conduta deve ser individualizada.
4. Polidrâmnio

A - Definição
A definição de polidrâmnio é um tanto controversa. Alguns o definem como
volume de líquido amniótico superior a 2.000mL no momento da resolução da
gestação, há quem considere volume superior a 3.000mL, e outros o definem
como a quantidade de líquido amniótico em dobro da esperada para a idade
gestacional. Como esse volume é difícil de ser estimado na prática, o critério
ultrassonográfico é o mais utilizado para o diagnóstico.
Acredita-se que o polidrâmnio esteja presente em 0,4 a 1,5% das gestações.
Pode ser agudo, quando seu aparecimento é rápido, às vezes instalado em
menos de 24 horas e de ocorrência bastante rara, ou crônico, com
desenvolvimento mais lento no decorrer da gestação e mais frequente no 3º
trimestre.

B - Etiologia
O excesso de líquido amniótico associa-se a algumas doenças, com destaque
para certas infecções, diabetes mellitus, doença hemolítica perinatal e
gemelaridade. Também existe a correlação entre o aumento do volume do
líquido amniótico e as malformações fetais.
O diabetes mellitus descompensado constitui a principal condição materna
associada ao polidrâmnio. Sugere-se que a hiperglicemia fetal ocasione
polaciúria, sendo o mecanismo fisiopatológico nesse caso.
As principais anomalias ligadas ao aumento do volume de líquido amniótico
são aquelas que acometem o Sistema Nervoso Central (SNC), o trato
gastrintestinal, o coração, o trato geniturinário e o sistema musculoesquelético
fetal. As alterações do SNC são as mais comuns, respondendo por 45% das
anomalias congênitas envolvidas; dessas, a anencefalia responderia por 80%
das anormalidades diagnosticadas. As malformações obstrutivas do trato
gastrintestinal superior, como a atresia esofágica, também estão bastante
relacionadas ao polidrâmnio.

C - Prognóstico

O polidrâmnio está relacionado ao aumento da morbimortalidade perinatal,


em virtude de sua coexistência com maior número de malformações fetais,
elevados índices de prematuridade, maior frequência de alterações
cromossômicas, prolapso de cordão, descolamento prematuro de placenta ou é
decorrente da doença materna determinante do quadro, especialmente a
isoimunização pelo fator Rh e o diabetes mellitus.
O polidrâmnio também está associado ao aumento da morbidade materna em
consequência de maior número de apresentações anômalas, descolamento
prematuro de placenta, amniorrexis prematura, distocia funcional e
hemorragia pós-parto. Em pacientes com cicatriz uterina prévia, o risco de
rotura uterina está aumentado. Os eventos citados determinam maior
frequência de parto cesárea.

Dica
O polidrâmnio está relacionado com aumento da morbimortalidade fetal.

D - Diagnóstico
Deve-se suspeitar, quanto ao diagnóstico clínico, sempre que a altura uterina
for maior do que a esperada para a idade gestacional, especialmente quando a
paciente refere diminuição da movimentação fetal e há dificuldade em palpar
partes fetais e realizar a ausculta fetal. O tônus uterino pode estar aumentado,
e é frequente o edema de membros inferiores e da parede abdominal, além da
presença de estrias abdominais. Em casos graves, podem ocorrer desconforto
respiratório e dispneia pela elevação e compressão do diafragma e oligúria
decorrente da compressão ureteral pelo útero gravídico. No diagnóstico
diferencial, deve-se afastar a possibilidade de gemelaridade e macrossomia
fetal.
A presença de um único bolsão de líquido amniótico medido verticalmente,
igual ou superior a 8cm, faz o diagnóstico de polidrâmnio. Com relação ao
ILA, valores maiores que 18cm são considerados líquido amniótico
aumentado e, quando maiores que 25cm, possibilitam o diagnóstico de
polidrâmnio.
De acordo com o Ministério da Saúde, o diagnóstico de polidrâmnio é
confirmado quando o ILA é maior que 18cm (e não 25cm, como aponta a
literatura tradicional).
O resultado perinatal nas gestações complicadas por polidrâmnio parece estar
intimamente relacionado à presença de malformações fetais. Não havendo
alterações morfológicas do feto, o prognóstico neonatal é favorável, a menos
que haja alguma intercorrência, como descolamento prematuro de placenta,
prolapso de cordão etc.

E - Conduta
O polidrâmnio leve raramente requer tratamento. Graus moderados, com
algum desconforto, podem ser acompanhados sem procedimentos invasivos.
A avaliação rigorosa das condições fetais é obrigatória. Na presença de
dispneia, dor abdominal intensa ou dificuldade para deambular, a internação
pode ser necessária. Repouso e sedação podem ser utilizados paliativamente,
pois não há outra terapêutica satisfatória para o polidrâmnio sintomático além
da remoção do excesso de líquido amniótico por meio de amniocentese.
A redução do volume de líquido amniótico, quando indicada, deve ser
realizada até que a altura uterina esteja compatível com a idade gestacional ou
se obtenha ILA compatível com a normalidade para a idade gestacional. A
remoção do líquido deve ser lenta, para que o risco de desprendimento
placentário seja pequeno. Além disso, a descompressão aguda leva à redução
do índice pulsátil da artéria cerebral média do feto. O procedimento pode ser
repetido, sempre que necessário, para manter a gestante assintomática.
Como terapia alternativa, tem-se utilizado a indometacina, um inibidor da
síntese de prostaglandinas. O mecanismo de ação provável seria a redução da
produção urinária do concepto. A indicação deve restringir-se aos casos
idiopáticos, com menos de 32 semanas de gestação. A principal complicação
é o risco de fechamento precoce do ducto arterioso, especialmente após a 32ª
semana de gestação. É essencial pesar os riscos e os benefícios.
Nos casos de rotura de membranas durante o trabalho de parto, o
extravasamento do líquido por via vaginal deve acontecer de forma lenta, para
diminuírem os riscos de descolamento prematuro de placenta e prolapso de
cordão.
Nos casos leves e moderados, a gestação pode alcançar 39 a 40 semanas de
idade gestacional. Nos casos graves, interrompe-se a gestação com 37
semanas. Caso exista polidrâmnio grave em idade gestacional compreendida
entre 34 e 37 semanas, está indicada a amniocentese para esvaziamento.

Resumo
Na gestação precoce, o líquido amniótico é produzido por transudato
pela pele do embrião;
Na 2ª metade da gestação, o líquido amniótico é produzido
principalmente pela urina fetal;
A reabsorção do líquido amniótico ocorre principalmente pela deglutição
fetal;
Oligoâmnio é um importante fator para desenvolvimento de hipoplasia
pulmonar;
ILA entre 8 e 18cm no termo é considerado normal;
O oligoâmnio é um marcador de sofrimento fetal crônico;
O polidrâmnio aumenta o risco de hemorragia pós-parto, prolapso de
cordão e descolamento prematuro de placenta.
Vitalidade fetal
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução e indicações
O prognóstico de gestações de alto risco tem melhorado nos últimos anos
devido ao melhor controle das doenças maternas e ao desenvolvimento dos
métodos de avaliação do bem-estar fetal. A propedêutica para a avaliação da
vitalidade fetal inclui os métodos clínicos (observação de movimentação
fetal), a cardiotocografia, o Perfil Biofísico Fetal (PBF) e a
dopplervelocimetria. São testes não invasivos que possibilitam a predição do
sofrimento fetal, não a confirmação desse diagnóstico.
Não há benefícios na utilização de métodos de propedêutica para a avaliação
da vitalidade fetal em gestações de baixo risco. Desse modo, os testes para
essa avaliação são indicados apenas para gestações de alto risco, em geral, a
partir da 26ª à 28ª semanas de gravidez, momento em que existem viabilidade
fetal e maturidade do sistema nervoso autonômico do feto (permite a
avaliação da cardiotocografia).
Assim, somente a observação dos movimentos fetais e a ausculta dos
batimentos cardíacos devem ser feitas em todas as consultas médicas durante
o pré-natal.

Importante
Os métodos de avaliação da vitalidade fetal devem ser utilizados no
seguimento de gestações de alto risco.

Dessa forma, os exames são indicados a situações em que haja risco de


sofrimento fetal e que podem ser divididas de acordo com o que segue.

A - Doenças maternas

Síndromes hipertensivas: hipertensão arterial crônica, doença hipertensiva


específica da gestação, síndrome HELLP, iminência de eclâmpsia e
eclâmpsia;
Endocrinopatias: diabetes mellitus e tireoidopatias;
Cardiopatias: congênitas e adquiridas;
Pneumopatias;
Doenças do tecido conjuntivo: lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide
e dermatomiosite;
Nefropatias;
Hemopatias: anemias carenciais, anemias hemolíticas (hemoglobinopatias),
anemia falciforme e coagulopatias;
Trombofilias: congênitas e adquiridas;
Desnutrição materna;
Neoplasias.

B - Intercorrências da gestação

Restrição do crescimento fetal;


Pós-datismo;
Antecedentes obstétricos desfavoráveis: natimorto de causa desconhecida,
restrição do crescimento fetal e descolamento prematuro de placenta;
Distúrbios na produção do líquido amniótico: oligoidrâmnio e polidrâmnio;
Rotura prematura de membranas ovulares;
Gemelaridade: síndrome de transfusão fetofetal e gêmeos discordantes;
Placenta prévia;
Doenças fetais;
Anemias fetais: isoimunização Rh;
Cardiopatias fetais;
Malformações e infecções fetais.
Quando os resultados desses exames de vitalidade fetal estão normais, a
continuidade da gestação está assegurada até o período mais próximo do
termo. As alterações na cardiotocografia e no PBF representam diminuição da
oxigenação no Sistema Nervoso Central (SNC) do feto. Essa redução pode
ocorrer com mais frequência em casos em que já está instalada a insuficiência
placentária, mas pode também indicar alteração aguda. Resultados anormais
desses testes devem levar a raciocínio clínico que inclua sempre a avaliação
sobre eventuais danos decorrentes da hipóxia e da prematuridade.

2. Métodos biofísicos de avaliação


A - Cardiotocografia

A cardiotocografia de repouso é o método de avaliação de vitalidade fetal que


analisa parâmetros que possibilitam estudar os efeitos da hipoxemia no SNC
e, consequentemente, na Frequência Cardíaca Fetal (FCF). Trata-se de um
método simples e não invasivo, muito usado em todo o mundo. Como
principais desvantagens, devem ser citadas as variações na interpretação
(quando da análise visual, e não da computadorizada), o alto custo e a
imprecisão no reconhecimento de desacelerações (quando realizada a
cardiotocografia computadorizada). Além disso, o uso excessivo da
cardiotocografia, especialmente em gestações de baixo risco, pode levar a um
aumento desnecessário nas taxas de partos operatórios e cesarianas.

a) Parâmetros da frequência cardíaca fetal

A grande variabilidade intraobservador e interobservador, existente na


interpretação dos traçados de cardiotocografia, determina a utilização de
parâmetros bem estabelecidos no estudo da FCF. O consenso de
cardiotocografia do National Institute of Child Health and Human
Development (NICHD) define os parâmetros a seguir.

- Linha de base

A linha de base representa a média aproximada dos valores da FCF, avaliada


em qualquer segmento de 10 minutos do traçado cardiotocográfico, excluindo
segmentos em que a variação da FCF apresente diferenças >25bpm,
desacelerações e acelerações.
A FCF normal varia de 110 a 160bpm, e seu comportamento sofre influências
da idade gestacional; assim, com a evolução da gestação, há diminuição da
frequência cardíaca basal e aumento na frequência e na amplitude de
acelerações transitórias.
Figura 1 - Cardiotocografia com linha de base e variabilidade normais

As causas mais comuns de bradicardia fetal (FCF <110bpm) são o pós-


datismo e o uso de drogas betabloqueadoras pela gestante. Algumas arritmias,
como o bloqueio atrioventricular fetal, também cursam com bradicardia
intensa, situações em que são observadas frequências cardíacas mais baixas
(de 50 a 60bpm). Bradicardia também pode estar presente nos casos terminais
de sofrimento fetal.
Figura 2 - Bradicardia fetal: linha de base = 80bpm

A taquicardia fetal (FCF >160bpm) tem como causa mais grave a hipóxia
fetal crônica, que aparece em virtude da estimulação do componente
simpático do sistema nervoso autônomo. Outras causas associadas são
hipertermia materna (a FCF se eleva em 10bpm a cada grau centígrado),
infecção ovular, uso de drogas parassimpaticolíticas (atropina) e uterolíticas
(isoxsuprina, orciprenalina e ritodrina), excesso de atividade fetal e
taquiarritmias, nas quais a FCF basal geralmente apresenta valores >200bpm.
Figura 3 - Taquicardia fetal: linha de base = 170bpm

- Variabilidade

A diminuição na variabilidade pode ser notada em situações como hipóxia,


sono fisiológico fetal e ação de drogas (barbitúricos, opiáceos e
tranquilizantes). Na prematuridade, em virtude da imaturidade do componente
parassimpático do sistema nervoso autônomo, é normal a diminuição da
variabilidade da FCF.

Figura 4 - Frequência cardíaca fetal com variabilidade diminuída

O aumento da variabilidade está relacionado à movimentação excessiva do


feto e pode ser verificado na hipoxemia aguda.

Figura 5 - Frequência cardíaca fetal com variabilidade aumentada

O padrão sinusoidal é caracterizado por ondas em forma de sino, com


amplitudes de 5 a 15bpm, padrão monótono, ritmo fixo e regular que não se
alteram, mesmo após a aplicação de estímulos. O padrão sinusoidal está
associado a risco elevado de morte fetal, podendo ser observado em fetos com
anemia grave (fetos hidrópicos de gestações isoimunizadas graves ou
hidropisia não imune), além do uso materno de narcóticos e alguns casos de
corioamnionite.

Figura 6 - Padrão sinusoidal


- Acelerações transitórias

De acordo com a classificação proposta pelo NICHD, a aceleração transitória


é definida como a ascensão abrupta (intervalo entre o início da aceleração e o
pico <30 segundos) da FCF, cujo ápice é maior ou igual a 15bpm em relação
à linha de base, com duração mínima de 15 segundos e duração máxima de
até 2 minutos. Em idade gestacional inferior a 32 semanas, as acelerações são
definidas quando o pico atinge 10bpm, com duração ≥10 segundos.
A aceleração prolongada é definida quando sua duração é igual ou superior a
2 minutos e inferior a 10 minutos. Quando superior a 10 minutos, é
considerada mudança da linha de base.

Figura 7 - Acelerações transitórias


Figura 8 - Acelerações transitórias

- Desacelerações

As desacelerações intraparto (DIPs) são classificadas em precoces (DIP I),


tardias (DIP II) e variáveis (DIP U, umbilical) e relacionam-se temporalmente
com as contrações uterinas.

- DIP I

Na DIP I, a queda da FCF coincide com a contração uterina ou, caso


apresente decalagem (intervalo entre o pico da contração uterina e o nadir da
desaceleração), esta será inferior a 15 segundos. Essas desacelerações
ocorrem pela compressão do polo cefálico e são secundárias às contrações
uterinas. Nessas situações, ocorre aumento momentâneo da pressão
intracraniana do feto, com redução do fluxo sanguíneo cerebral e consequente
hipóxia. A hipóxia local estimula o centro vagal no 4º ventrículo, levando à
diminuição da FCF concomitantemente à queda local da pO2.
Esse tipo de desaceleração é comum no período expulsivo do trabalho de
parto e raramente ocorre com membranas amnióticas íntegras, com a exceção
de casos em que há oligoidrâmnio grave. Não há correlação com ocorrência
de sofrimento fetal ou acidose no nascimento. A presença dessas
desacelerações não implica indicação de parto imediato.
As desacelerações precoces não são habituais no período anteparto pelo fato
de as contrações de Braxton Hicks não apresentarem, como característica, o
tríplice gradiente descendente nem a intensidade das contrações de trabalho
de parto, o que faz que, mesmo em condições de oligoidrâmnio ou
membranas rotas, seja raro esse tipo de desaceleração.

Figura 9 - Fisiopatologia
Figura 10 - Desaceleração precoce

- DIP II

As desacelerações tardias (DIP II) são simétricas e recorrentes e têm início


após o período de decalagem, de 20 a 30 segundos. Estão associadas à
diminuição do pH fetal no momento do nascimento e maiores morbidade e
mortalidade perinatal. A presença de variabilidade diminuída acompanhada de
DIP II apresenta associação direta a sofrimento fetal grave. Quanto mais
frequentes as desacelerações, maior o risco de acidose metabólica.
A DIP II é causada por hipoxemia fetal resultante da redução do fluxo
sanguíneo placentário em fetos com baixa reserva em oxigênio. A pO2 basal
dos fetos situa-se entre 23 e 30mmHg, valores suficientes para que, mesmo
durante as contrações uterinas, quando ocorre diminuição do fluxo sanguíneo
placentário, a pO2 se mantenha em níveis >18mmHg.
Fetos com baixa reserva de oxigênio não suportam essa redução do fluxo
sanguíneo para a placenta que ocorre durante as contrações uterinas. A pO2
<18mmHg estimula o centro vagal no 4º ventrículo, e ocorre bradicardia. A
presença de DIP II, apesar de ser patognomônica de sofrimento fetal, não
indica, por si só, parto imediato.

Figura 11 - Fisiopatologia
Figura 12 - Desaceleração tardia

- DIP umbilical

As desacelerações variáveis (DIP umbilical) são recorrentes e não apresentam


relação com as contrações uterinas de forma fixa. Seu início e fim são
abruptos, e podem ser precedidas ou seguidas por pequenas acelerações de
frequência cardíaca ocasionadas pela compressão momentânea do cordão
umbilical.
A oclusão dos vasos umbilicais interrompe a circulação sanguínea, além de
aumentar a resistência vascular periférica e a pressão arterial do feto. Por
mecanismo reflexo, há estímulo de barorreceptores e consequente redução da
FCF.
Na dependência da frequência e da duração desses episódios, poderá ocorrer
acidose fetal, pois a interrupção das trocas materno-fetais ocasiona redução do
nível de oxigênio e acúmulo de CO2 no sangue do feto.

Importante
São parâmetros avaliados em uma cardiotocografia: linha de base,
variabilidade da frequência cardíaca fetal, presença de acelerações
transitórias e ausência de desacelerações.

Figura 13 - Fisiopatologia
Figura 14 - Desaceleração variável

À semelhança da aceleração prolongada, a desaceleração prolongada é a


queda da FCF de natureza rápida ou lenta, de amplitude variável, porém
>15bpm, com duração de 2 a 10 minutos e posterior retorno à linha de base.
Quando a duração for igual ou superior a 10 minutos, será considerada
mudança na linha de base; diversas vezes, é associada à hipotensão materna
e/ou hipertonia uterina.

b) Interpretação

Os parâmetros descritos podem ser interpretados utilizando-se índices que


incluam a avaliação dos diversos componentes da FCF. O índice
cardiotocométrico de Zugaib-Behle é o somatório das diversas pontuações
recebidas. Com base nesses valores, o feto é classificado em ativo (índices 4 e
5, normal), hipoativo (índices 2 e 3, suspeito) e inativo (índices zero e 1,
alterado).
Outra classificação, que também pode ser utilizada, foi recentemente adotada
pelo American Congress of Obstetricians and Gynecologists:
Categoria I (normal):

FCF basal (110 a 160bpm);


Variabilidade moderada (6 a 25bpm);
Ausência de desacelerações tardias ou variáveis;
Desacelerações precoces (presentes ou não);
Acelerações (presentes ou não).

Categoria II (indeterminado):

Taquicardia/bradicardia, não acompanhada de ausência de variabilidade;


Variabilidade:
Mínima (detectável até 5bpm);
Ausente, sem desacelerações recorrentes;
Aumentada (≥25bpm);
Ausência de acelerações após estimulação fetal.
Desacelerações:
Variáveis recorrentes, não acompanhadas de variabilidade ausente;
Prolongada (>2 minutos e <10 minutos);
Tardias recorrentes, com variabilidade moderada;
Variáveis com retorno lento, com linha de base ou acelerações
“ombro”.

Categoria III (anormal):


Variabilidade ausente acompanhada de:
Desacelerações tardias recorrentes (>50%);
Desacelerações variáveis recorrentes (>50%);
Bradicardia.
Padrão sinusoidal.
- Cardiotocografia estimulada

A cardiotocografia estimulada objetiva alterar o estado de sono fetal para o de


vigília; é um complemento da cardiotocografia de repouso quando esta
apresenta resultado suspeito (feto hipoativo). Tem importância no
discernimento de fetos com boa oxigenação que estejam apenas em período
de sono daqueles que realmente estão apresentando alterações na frequência
cardíaca decorrentes da hipoxemia. O estímulo ao feto pode ser sonoro,
mecânico (movimentação do polo cefálico) ou vibratório.

- Teste da estimulação sonora

Em grande parte dos serviços obstétricos, opta-se pelo teste da estimulação


sonora, utilizando-se fonte que tem por características frequência de 500 a
1.000Hz e pressão sonora de 110 a 120dB.
Após a análise do traçado da cardiotocografia de repouso e o diagnóstico de
hipoatividade ou inatividade fetal, coloca-se a buzina sobre o ventre materno
(na região correspondente ao polo cefálico fetal). Aciona-se a buzina por, pelo
menos, 3 segundos. A interpretação da resposta cardíaca fetal baseia-se na
resposta cardioaceleratória.
Feto reativo: quando há resposta com aumento da frequência cardíaca
>20bpm, com duração >180 segundos (considera-se o término da resposta
quando há retorno para a linha de base por 30 segundos ou mais). Quando,
após essa resposta inicial, observa-se a presença de aceleração transitória, a
resposta é ainda chamada bifásica. A ausência de aceleração transitória após a
estimulação constitui a resposta monofásica;
Feto hiporreativo: quando amplitude <20bpm e/ou duração <3 minutos;
Feto não reativo: quando não se verifica resposta cardíaca fetal.

Figura 15 - Resultado hipoativo/hiporreativo monofásico


Figura 16 - Resultado hipoativo/hiporreativo
Figura 17 - Resultado hipoativo/não reativo

c) Cardiotocografia com sobrecarga

O teste de sobrecarga mais utilizado é o de Pose, que consiste em provocar


sobrecarga ao feto por meio de contrações uterinas produzidas pela infusão de
ocitocina. Tem sido cada vez menos utilizado, devido à realização mais
frequente de outros testes de avaliação da vitalidade fetal menos invasivos e
que conferem menor risco e maior benefício para o estudo do bem-estar fetal.
Os resultados anormais na cardiotocografia podem ser indicativos de
resolução da gestação, porém sua análise deve ser feita com cuidado,
considerando-se os quadros clínicos materno e fetal.

B - Perfil biofísico fetal

O PBF é um método de avaliação do bem-estar fetal que estuda atividades


biofísicas fetais e a estimativa do volume de líquido amniótico. Baseia-se na
hipótese de que as atividades biofísicas fetais são reflexos do grau de
oxigenação do SNC e tem, por objetivo, associar variáveis analisadas
separadamente para melhorar a predição do sofrimento fetal. Além disso,
consiste em exames cardiotocográfico e ultrassonográfico e é indicado como
complemento a:

Cardiotocografias normais: resultado normal na cardiotocografia não


exclui a possibilidade da existência de oligoidrâmnio, tornando
necessária a avaliação do Índice do Líquido Amniótico (ILA). A
realização apenas da cardiotocografia e do ILA configura o PBF
simplificado;
Cardiotocografias suspeitas ou anormais: para diminuir os resultados
falsos positivos da cardiotocografia e evitar os partos prematuros
iatrogênicos. São importantes para avaliar situações em que as alterações
da FCF são decorrentes de arritmias cardíacas fetais ou da utilização de
drogas pela mãe (betabloqueadores, sedativos), que atravessam a
placenta e interferem na FCF.

O PBF é composto por 4 marcadores agudos e 1 marcador crônico.

a) Marcadores agudos

Os marcadores agudos são FCF (avaliação da cardiotocografia), movimentos


torácicos fetais, movimentos corpóreos fetais e tônus fetal. Correspondem a
parâmetros que têm o seu comportamento controlado por áreas específicas no
SNC, e seu desenvolvimento ocorre em diferentes idades gestacionais. A
sensibilidade desses centros nervosos a hipoxemia respeita a ordem inversa
do desenvolvimento embrionário (teoria da hipóxia gradual), ou seja, em
situações de hipóxia, o 1º marcador a sofrer alteração foi o que se
desenvolveu por último, e assim por diante.
Dessa forma, a FCF é o 1º parâmetro a ser alterado; a seguir, os movimentos
torácicos fetais, depois os movimentos corpóreos fetais e, por último, o tônus
fetal. Observa-se ainda que, considerando essa teoria, caso a cardiotocografia
seja normal, todos os outros parâmetros agudos estarão normais, e é possível
realizar apenas a medida do ILA (PBF simplificado), com resultados tão
confiáveis como quando se inclui a avaliação de todos os marcadores agudos.

b) Marcador crônico

O marcador crônico do PBF é o líquido amniótico. Após a 2ª metade da


gestação, os principais responsáveis pela produção do líquido são os pulmões
e, principalmente, os rins. Diante da hipoxemia crônica e após o
desencadeamento do fenômeno da centralização da circulação fetal, ocorre
redução da perfusão sanguínea dos rins, levando a menor diurese e, assim,
diminuição do volume de líquido amniótico. Esse parâmetro pode ser
estimado por meio do ILA ou pela medida do maior bolsão.

- Descrição dos parâmetros biofísicos

Cada um dos 5 parâmetros já descritos recebe, para composição do PBF, a


pontuação zero ou 2, de acordo com a obtenção (2 pontos) ou não (zero
ponto) dos critérios estabelecidos.

- Cardiotocografia

Considera-se normal: padrão ativo (classificação de Zugaib-Behle), padrão


reativo ao estímulo sonoro ou padrão bifásico (observação de acelerações
transitórias após a resposta ao estímulo sonoro).

- Variáveis ultrassonográficas

As variáveis ultrassonográficas (movimentos torácicos fetais, movimentos


corpóreos fetais, tônus fetal e volume de líquido amniótico) são observadas
pelo período máximo de 30 minutos, entretanto a média de tempo necessário
para a observação dessas variáveis é inferior a 5 minutos. A observação das
variáveis pelo período de até 30 minutos objetiva evitar as possíveis
influências do ciclo sono-vigília fetal.

- Movimentos torácicos fetais

Os movimentos torácicos fetais (também chamados movimentos respiratórios


fetais) são considerados paradoxais, pois, ao contrário da respiração em ar
ambiente, quando ocorre o rebaixamento do diafragma, observam-se retração,
e não expansão da caixa torácica. Esses movimentos do tronco fetal são
facilmente observados por meio da ultrassonografia de tórax fetal e pelos
movimentos em gangorra com afastamento e aproximação dos arcos costais.
Considera-se normal a presença de episódio de movimentos torácicos com
duração de 30 segundos. Esses movimentos ocorrem em episódios
intercalados por momentos de pausa e sofrem a influência de alguns fatores:
podem estar ausentes na hipóxia, na infecção ovular e na hipoglicemia e
exacerbados na hiperglicemia e quando há consumo excessivo de cafeína.

- Movimentos corpóreos fetais

A atividade motora fetal pode ser identificada por meio de ultrassonografia já


no 1º trimestre e inclui movimentação de polo cefálico, face, tronco e
membros. A maioria desses movimentos pode ser perceptível pela gestante.
Os movimentos corpóreos fetais podem ser classificados em simples
(movimentos de flexão e extensão de membros), rotação (movimentos de
tronco), estiramento (movimentos coordenados de tronco e membros) e
movimentos torácicos.
Além disso, podem estar diminuídos ou mesmo ausentes em situações de
sono fetal, drogas sedativas, curare, cigarro e hipóxia fetal, ou estimulados
pela contração uterina e mesmo por estímulos externos, como o sonoro ou o
motor. A ocorrência de movimento rápido e amplo ou de 3 movimentos
corpóreos lentos caracteriza a normalidade dessa atividade biofísica.

- Tônus

O tônus é a 1ª atividade biofísica a se desenvolver e a última a desaparecer na


avaliação do PBF. É verificado pela atitude fetal de flexão ou pela presença de
movimentação corpórea adequada. Na ausência de movimentos corpóreos
fetais, deve-se avaliar o tônus pela identificação dos movimentos de abertura
e fechamento das mãos e pela observação dos movimentos palpebrais ou de
sucção.

- Volume de líquido amniótico

Pode-se utilizar a medida do maior bolsão de líquido para avaliação do


volume de líquido amniótico. Para ser considerado normal, é necessário que o
maior bolsão meça mais que 2cm.
Uma alternativa para avaliação do volume de líquido amniótico é a utilização
do ILA, que permite o estudo de toda a cavidade uterina. Consideram-se
normais valores de ILA entre 5 e 25cm. O ILA é obtido a partir da divisão
imaginária do útero em 4 quadrantes e posterior soma do comprimento
vertical do maior bolsão de cada 1 dos quadrantes do útero, determinados por
essa divisão. O útero é dividido pela linha nigra longitudinal e
perpendicularmente por uma linha que passa pela cicatriz umbilical.

Importante
O perfil biofísico fetal é composto por 1 marcador crônico – volume de
líquido amniótico – e 4 marcadores agudos – cardiotocografia,
movimentação respiratória, movimentação corpórea e tônus fetal.
- Interpretação do perfil biofísico fetal

Para cada uma das variáveis consideradas normais, são atribuídos 2 pontos;
para as anormais, zero. O valor total do teste varia, portanto, de zero a 10
pontos. A interpretação clínica e a conduta variam com os escores obtidos e
cada serviço obstétrico.

As Tabelas a seguir demonstram 2 protocolos distintos: o da Faculdade de


Medicina da Universidade de São Paulo e o do Ministério da Saúde do Brasil.
Geralmente, indica-se resolução da gestação quando os valores do PBF são
<6 (4, 2 ou zero). Essa indicação se baseia no fato de que, abaixo desse valor,
existe associação a acidose no nascimento, marcador considerado padrão-ouro
para o diagnóstico de sofrimento fetal. A morbidade neonatal aumenta
significativamente e de forma inversamente proporcional aos valores do PBF.
A indicação da realização do parto deve sempre considerar a idade gestacional
e o risco de morte e sequelas neonatais. Assim, os valores de PBF iguais a 6
poderão indicar a resolução da gestação, quando a idade gestacional for
superior a 34 semanas, ou poderão indicar reavaliação após 6 horas (com
traçado de cardiotocografia mais longo), quando a idade gestacional for
inferior ou muito próxima a 28 semanas. Devem ser considerados, ainda, o
quadro clínico materno, a estabilização ou não da causa do sofrimento fetal e
a existência de outras alterações fetais, como a presença de restrição do
crescimento fetal ou outras anormalidades na dopplervelocimetria.
C - Dopplervelocimetria

A dopplervelocimetria visa à avaliação indireta da função placentária


(insuficiência placentária) e da resposta fetal a hipoxemia. Esse exame
possibilita, de forma não invasiva, estudar a hemodinâmica fetal em resposta
ao déficit de oxigenação.
A dopplervelocimetria pode ser utilizada para avaliar as circulações materna
(artérias uterinas), fetoplacentária (artérias umbilicais) e fetal (artéria cerebral
média, aorta abdominal, artérias renais, ducto venoso e seio transverso).
Apesar de não existirem evidências sobre efeitos prejudiciais da utilização da
ultrassonografia e da dopplervelocimetria na gestação, orienta-se a
identificação da imagem bidimensional com posterior acionamento do
dispositivo Doppler colorido e pulsado pelo menor tempo necessário,
evitando os possíveis, mas improváveis, danos biológicos.

D - Modalidades de aparelhos de ultrassonografia com


dispositivo Doppler
a) Doppler contínuo

O Doppler contínuo restringe-se à monitorização da FCF. Inicialmente, essa


modalidade era aplicada para obter sonogramas de artérias umbilicais, mas foi
gradualmente substituída pelo Doppler pulsátil.
b) Doppler pulsátil

O Doppler pulsátil é empregado em conjunto com a ultrassonografia


bidimensional, em tempo real. Tem a grande vantagem de possibilitar a
identificação anatômica do vaso a ser estudado, o que permite, ao acionar o
dispositivo Doppler, ter a informação hemodinâmica de determinada
circulação.

c) Mapeamento colorido do fluxo sanguíneo

O mapeamento colorido do fluxo sanguíneo permite a avaliação


hemodinâmica qualitativa, que inclui a identificação da presença do fluxo
sanguíneo e a direção dele.

d) Obtenção de sonogramas

Para a obtenção dos sonogramas de determinado vaso, deve-se sempre:

Identificar com precisão o vaso a ser estudado, utilizando mapeamento


colorido do fluxo sanguíneo, caso necessário;
Verificar a normalidade da FCF (de 110 a 160bpm). A bradicardia e a
taquicardia podem alterar os sonogramas, invalidando os seus resultados;
Comprovar a ausência de movimentação torácica fetal no momento do
exame, já que a presença desses movimentos altera a pressão
intratorácica e, consequentemente, a hemodinâmica fetal;
Atentar-se ao local de insonação das artérias umbilicais; quanto mais
próximo à placenta, menor a resistência;
Fixar o filtro de janela em 50Hz; isso reduz a interferência de vasos e
tecidos adjacentes ao vaso de interesse, sem ocasionar perda de
informações dos sonogramas analisados.

e) Técnica para a obtenção de sonogramas

Artérias umbilicais: a avaliação deve ser realizada próximo à inserção do


cordão umbilical na placenta;
Artéria cerebral média: quando identificado o polígono de Willis, detectam-
se facilmente as artérias cerebrais médias e os ramos mais calibrosos da
artéria carótida interna. Deve-se insonar a emergência do vaso situado no
hemisfério mais próximo ao transdutor;
Ducto venoso: em corte transversal do abdome fetal, quando visualizada a
veia umbilical, nota-se a origem do ducto venoso, local onde deve ser obtido
o sonograma.

f) Interpretação dos sonogramas

A maioria dos índices utilizados para a avaliação dos sonogramas considera


velocidades máximas e mínimas e a avaliação de todo o ciclo cardíaco com
estudo da velocidade média. O estudo do sonograma pode ser feito de forma
qualitativa (forma da onda) ou quantitativa (utilização de índices).

Figura 18 - Sonogramas arterial e venoso; (S) Sístole; (VM) Velocidade Média; (A) contração Atrial;
(D) Diástole

Os índices mais utilizados são relação sístole-diástole (A-B), índice de


pulsatilidade (sístole-diástole/velocidade média) e índice de resistência
(sístole-diástole/sístole).
Cada vaso de interesse apresenta curva de normalidade correspondente e
relacionada à respectiva idade gestacional. O estudo da forma da onda tem
aplicabilidade na identificação da incisura protodiastólica nas artérias uterinas
e na identificação de fluxo ausente ou reverso nas artérias umbilicais e no
ducto venoso.
No 1º trimestre, geralmente se observa fluxo diastólico ausente nas artérias
umbilicais. Por volta da 14ª semana de gestação, o fluxo diastólico já se torna
positivo, refletindo a diminuição da resistência placentária decorrente da 1ª
onda de invasão trofoblástica. Com a evolução da gestação e da placentação,
ocorre aumento gradual do fluxo diastólico nos vasos umbilicais.

Figura 19 - Artérias uterinas com incisura protodiastólica (seta)


Figura 20 - Artéria umbilical com diástole zero
Figura 21 - Artéria umbilical com diástole reversa

g) Indicações e aplicabilidade da dopplervelocimetria

- Diagnóstico de insuficiência placentária

A dopplervelocimetria dos vasos que destinam seus fluxos à placenta (artérias


uterinas e umbilicais) é utilizada para o estudo da função placentária. A
realização desse exame está indicada às gestações que possam evoluir com
insuficiência placentária, e sua utilização como rotina na assistência pré-natal
de gestações de baixo risco não traz benefícios para o prognóstico fetal.
Dentre as doenças maternas que mais se relacionam à insuficiência
placentária, devem ser citadas hipertensão arterial em todas as suas formas;
diabetes mellitus tipos 1 e 2; trombofilias congênitas e adquiridas;
cardiopatias, principalmente as cianóticas e aquelas com grave
comprometimento funcional desse órgão; lúpus e pneumopatias restritivas
graves.
A dopplervelocimetria de artérias uterinas é usualmente realizada na 26ª
semana de idade gestacional, e a 1ª avaliação das artérias umbilicais, em torno
de 20 a 26 semanas.

- Dopplervelocimetria de artérias uterinas

A invasão trofoblástica inadequada determina manutenção de alta resistência


vascular nas artérias uterinas e justifica os resultados anormais observados à
dopplervelocimetria. Essas anormalidades se relacionam à maior frequência
de casos de restrição do crescimento fetal e de pré-eclâmpsia; os sonogramas
caracterizam-se por índices dopplervelocimétricos elevados (acima do
percentil 95 de curva de normalidade) e presença de incisura protodiastólica
em ambas as artérias, que persistam após 24 a 26 semanas de gestação.
Apesar de haver associação entre resultados anormais na dopplervelocimetria
de artérias uterinas e resultados perinatais adversos, o valor preditivo positivo
do teste é baixo, o que limita a sua utilização na prática clínica.

- Dopplervelocimetria das artérias umbilicais

A dopplervelocimetria das artérias umbilicais reflete a resistência placentária,


que pode estar aumentada por placentação inadequada, tromboses ou infartos
presentes na placenta. É o melhor vaso para avaliar o bem-estar fetal nos
casos de restrição de crescimento e insuficiência placentária.
Tais alterações podem ser quantificadas pelos altos valores nos seus índices
dopplervelocimétricos (relação sístole-diástole, índice de pulsatilidade) pela
análise qualitativa da imagem, que mostraria diminuição ou ausência de fluxo
diastólico final ou fluxo reverso nas artérias umbilicais.
Começam a ser observados aumentos nos índices sístole-diástole de artérias
umbilicais quando cerca de 30% da área placentária se apresentam
comprometidos; o fluxo ausente ou reverso nas artérias umbilicais é
observado quando pelo menos 70% da placenta têm comprometimento
vascular.
Evento raro, mesmo em gestações de alto risco (aproximadamente, 2%), o
fluxo ausente ou reverso nas artérias umbilicais (diástole zero, diástole
reversa) representa insuficiência placentária grave. A detecção de fluxo
ausente ou reverso é associada a resultado perinatal adverso, com taxas de
óbito fetal de 170:1.000 e de óbito neonatal de 280:1.000 casos.

- Avaliação da hemodinâmica fetal

Quando se identifica a presença de anormalidades na dopplervelocimetria de


artérias umbilicais (resultados de índices anormais e com fluxo diastólico
ainda positivo ou diagnóstico de fluxo ausente ou reverso), a insuficiência
placentária deve ser considerada. Nessas situações, possivelmente há menor
oferta de nutrientes ao feto, o que culminará em restrição do crescimento
fetal, e diminuição da oferta de oxigênio, o que causará hipoxemia e
consequente desencadeamento de resposta hemodinâmica fetal.
As adaptações do sistema hemodinâmico fetal objetivam a redistribuição do
fluxo sanguíneo, priorizando-o para áreas nobres (cérebro, coração e
glândulas suprarrenais), em detrimento de músculos, vísceras e rins. Trata-se
de um mecanismo de defesa fetal diante da hipóxia. Essa redistribuição de
fluxo é conhecida como centralização da circulação fetal e pode ser avaliada
pela dopplervelocimetria do território arterial. Na sequência de alterações
hemodinâmicas desencadeadas pela hipoxemia, após as modificações no
território arterial, ocorrem anormalidades no sistema venoso fetal. É
importante esclarecer que valores anormais, observados no estudo de
qualquer uma das artérias fetais, não são indicativos de parto.

Tema frequente de prova


A centralização da circulação fetal é um tema frequente nas provas de
concursos médicos.

A artéria cerebral média é o vaso escolhido para o estudo do território arterial


do feto, pois a obtenção de sonograma é fácil e de boa reprodutibilidade. Em
situações de centralização da circulação fetal, observa-se aumento do fluxo
sanguíneo na diástole, com diminuição dos índices de pulsatilidade.
A tentativa de manutenção de fluxo sanguíneo adequado para os órgãos
nobres tem, como efeito adverso, a vasoconstrição dos demais territórios.
Essa vasoconstrição periférica leva ao aumento da pressão nas câmaras
cardíacas, seguido de alterações no território venoso fetal. A maioria dos
serviços utiliza o ducto venoso para o estudo do território venoso, pois esse
vaso apresenta boa reprodutibilidade. As anormalidades no território venoso
estão associadas à acidose no nascimento, o que faz que a análise desses
vasos seja utilizada para determinar o melhor momento para o parto.
Alterações no fluxo sanguíneo do ducto venoso se relacionam a mortalidade
neonatal e ocorrência de sequelas.

- Seguimento das gestações com diagnóstico de


insuficiência placentária

As pacientes com diagnóstico de insuficiência placentária que ainda


apresentam fluxo diastólico na dopplervelocimetria das artérias umbilicais e
fluxo normal na artéria cerebral média poderão ser acompanhadas em
ambulatório com 2 avaliações por semana, desde que a doença materna esteja
estável. Nos casos em que a centralização da circulação fetal estiver presente,
deve-se internar a gestante.
As gestantes com diástole zero ou reversa nas artérias umbilicais devem ser
internadas para avaliação diária da vitalidade fetal ou para realização de parto.
Por tratar-se de gestações em que, geralmente, os fetos são muito prematuros,
devem ser utilizados todos os métodos de avaliação da vitalidade fetal
disponíveis, a fim de adiar o momento do parto pelo maior tempo possível,
desde que não haja exposição fetal às possíveis sequelas da hipoxemia.
A resolução dessas gestações pode ou não ser precedida da corticoterapia
antenatal para maturação pulmonar. O momento para a realização do parto
pode ser:
Imediato (não precedido do uso de corticoterapia antenatal):
impossibilidade de controle da doença materna (risco de morte materna),
diástole reversa, ducto venoso com índice de pulsatilidade >1,5, PBF ≤6 (se
PBF = 6, o exame pode ser repetido em até 6 horas, e a resolução estará
indicada se o resultado for igual ou pior), presença de DIP II de repetição e
oligoidrâmnio grave (ILA <3);
Mediato (após uso de corticosteroide antenatal): ducto venoso com índice
de pulsatilidade entre 1 e 1,5 e oligoidrâmnio (ILA = 3 a 5).
Dica
O principal parâmetro dopplervelocimétrico fetal que indica resolução da
gestação é a alteração no índice de pulsatilidade do ducto venoso (IP >1 a
1,5).

Resumo
Os exames de avaliação da vitalidade fetal são realizados para assegurar
a continuidade da gestação com segurança ou determinar a realização
imediata do parto, ainda que prematuro;
A decisão valoriza os riscos de sofrimento fetal e de óbito intrauterino,
em contrapartida com os riscos relativos à prematuridade;
Quanto mais prematuro for o feto, mais exames deverão ser realizados,
com a finalidade de diminuir a chance de indicação iatrogênica de parto
prematuro;
Algumas alterações nos exames de avaliação da vitalidade fetal indicam
a necessidade de resolução imediata da gestação: presença de
desacelerações tardias de repetição, índices de PBF inferiores a 6,
diástole reversa nas artérias umbilicais e valores de índice de
pulsatilidade para veias de ducto venoso superiores a 1,5;
Pode-se considerar a utilização de corticoterapia antenatal para
maturação pulmonar fetal: ILA entre 3 e 5cm e valores de índice de
pulsatilidade para veias de ducto venoso entre 1 e 1,5.
Pós-datismo e gestação
prolongada
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução
A placenta tem duração fisiológica em torno de 280 a 300 dias. Observam-se
alterações fisiológicas e aceleração dos fenômenos de envelhecimento
placentário no período próximo ao termo da gestação, o que pode interferir
nas trocas materno-fetais realizadas pela placenta e determinar oxigenação
inadequada do produto conceptual. O déficit nutritivo geralmente não ocorre
nessas situações, uma vez que a insuficiência placentária tende a ocorrer após
o crescimento adequado do feto.
A International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) e a
Organização Mundial da Saúde (OMS) consideram que a gestação seja
prolongada (pós-termo) quando dura mais de 294 dias (42 semanas
completas), a partir do 1º dia do último período menstrual. O termo “pós-
datismo” é utilizado para as gestações entre 280 e 294 dias (de 40 a 42
semanas completas).

2. Incidência e fatores de risco


A incidência de pós-datismo varia entre as diversas populações, oscilando
entre 3 e 14% das gestações.
A gestação prolongada é mais frequente em primíparas, com incidência de
cerca de 10%. Alguns fatores maternos e fetais estão associados e podem ser
citados:
Baixas condições socioeconômicas: desconhecimento da data da última
menstruação e início tardio do pré-natal, situações que podem facilitar a
gestação prolongada;
Ciclos menstruais irregulares: principalmente os ciclos espaniomenorreicos
têm ovulação incerta, frequentemente em períodos não reconhecíveis;
Antecedente de gravidez prolongada: risco de 30 a 50% de repetição do
evento;
Utilização de anticoncepcionais hormonais: podem determinar ovulações
em períodos irregulares e desconhecidos, dificultando a estimativa da correta
idade gestacional e aumentando a ocorrência de pós-datismo e gestação
prolongada;
Idade materna: apesar de não ser confirmada em todos os estudos, alguns
autores defendem que a idade materna avançada predisponha a gestação
prolongada;
Malformações fetais: anencefalia e insuficiência ou hipoplasia da adrenal
determinam maior incidência de pós-datismo;
Deficiência de sulfatase placentária: doença rara e de herança recessiva
associada ao cromossomo X, resultando em menores níveis de estradiol, o que
pode retardar o início do Trabalho de Parto (TP). Ocorre em fetos do sexo
masculino;
Excesso de produção de progesterona: em situações em que ocorre
produção aumentada de progesterona pela placenta, pode haver retardo do
início do TP (a progesterona tem ação miorrelaxante).

3. Complicações
A taxa de mortalidade perinatal aumenta com o prolongamento da gestação.
São observadas taxas de 2,3:1.000 nascidos vivos com 40 semanas, 3:1.000
nascidos vivos com 42 semanas e 4:1.000 nascidos vivos com 43 semanas de
gestação.
O risco de mortalidade infantil também aumenta com a progressão da
gestação: de 0,34:1.000 nascidos vivos com 37 semanas e 3,72:1.000 nascidos
vivos com 43 semanas de gestação.
O risco de perda (natimortos + mortalidade infantil) também aumenta de
2,4:1.000 com 40 semanas para 5,8:1.000 com 43 semanas de gestação.
As morbidades gestacional e neonatal também são maiores em gestações que
atingem 40 semanas. Observam-se aumento na incidência de líquido meconial
e consequente síndrome de aspiração meconial, macrossomia fetal e distocia
de bisacromial, diminuição do líquido amniótico e oligoâmnio com
consequente compressão funicular, o que pode ocasionar deficiência na
oxigenação fetal.

Importante
A morbidade obstétrica é maior em gestação que atinge 40 semanas, em
que se observam aumento na incidência de mecônio, macrossomia fetal,
distocia do bisacromial e oligoâmnio.

Do ponto de vista neonatal, os recém-nascidos de gestação prolongada têm


maior risco de apresentar, nas primeiras horas de vida, desidratação,
policitemia, hipoglicemia, distúrbios respiratórios com consequentes hipóxia
e acidose, hipovolemia e diminuição da função adrenocortical.

4. Diagnóstico
O diagnóstico está associado ao correto conhecimento da data da última
menstruação. A ultrassonografia obstétrica no 1º trimestre para confirmar a
idade gestacional auxilia no acompanhamento pré-natal e no diagnóstico de
pós-datismo.
A ultrassonografia é, também, um recurso propedêutico valioso no 2º e no 3º
trimestres, porque, mesmo com menor acurácia, pode-se ainda estimar a idade
gestacional e avaliar outros parâmetros, como o crescimento fetal, a
quantidade de líquido amniótico e o bem-estar fetal por meio do perfil
biofísico fetal.

5. Conduta assistencial
A conduta assistencial visa diagnosticar precocemente uma possível falência
placentária, evitando os danos causados pela hipóxia ao produto conceptual.
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda que a
gestação não ultrapasse 42 semanas (294 dias); entretanto, considera razoável
a indução do TP em gestantes com idade gestacional entre 41 e 42 semanas.
Após a 42ª semana, as gestações devem ser avaliadas por meio de
ultrassonografia, e, se o peso fetal estimado for superior a 4.500g, deve ser
discutida a resolução da gestação por cesárea. Em gestações com peso
<4.500g, o colo uterino deve ser avaliado por meio do índice de Bishop, e,
quando favorável (Bishop >8), pode-se tentar induzir o TP. Colos uterinos
desfavoráveis podem ser maturados antes da indução do TP.

Dica
O índice de Bishop deve ser avaliado quando se considera indução ao
trabalho de parto. Tal índice é imprescindível para guiar a conduta a ser
tomada.
A - Maturação cervical

A maturação cervical consiste no processo pelo qual o colo uterino se altera


de uma estrutura fechada, determinada a manter a gestação intrauterina, para
uma estrutura macia, complacente, capaz de se dilatar e acomodar a passagem
do feto. Essas mudanças ocorrem em virtude da degradação do colágeno pela
ação de proteases e colagenases. Quando existe a necessidade de interrupção
da gestação e não se observam contraindicações ao parto vaginal, o grau de
maturação cervical influenciará de forma decisiva o desfecho desse
procedimento.
A utilização dos métodos de maturação cervical aumentou nos Estados
Unidos nas últimas décadas. Os 2 motivos principais apresentados foram a
preferência da paciente ou do médico por partos eletivos e a maior
disponibilidade de medicamentos que cumprem esse papel.
Os agentes mecânicos ou farmacológicos de maturação cervical devem ser
utilizados nas situações de cérvice desfavorável. A avaliação cervical pode ser
feita por meio da escala de Bishop, que pontua a situação cervical no
momento do exame e a altura da apresentação fetal. Bishop <6 é considerado
cérvice desfavorável. Os aspectos pontuados pela escala, juntamente com a
idade gestacional, o exame pélvico, o estado das membranas, o bem-estar
fetal e a documentação médica, incluindo o consentimento informado,
constituem pré-requisitos à realização de maturação cervical.
Os meios mais utilizados são as prostaglandinas de aplicação local, seguidas
pelos cateteres extra-amnióticos com balão, ambos com resultados
semelhantes.
Considera-se que o processo de maturação cervical tenha ocorrido de forma
efetiva quando o índice de Bishop é igual ou superior a 6. Nesses casos, como
já ocorreu a maturação cervical, a indução do TP deverá ser iniciada com
ocitocina.

a) Métodos farmacológicos

Os métodos farmacológicos utilizados para a maturação cervical têm o


objetivo de tornar a cérvice com Bishop menor do que 6 mais fina, curta e
dilatada, diminuindo o tempo de parto e as chances de falha na indução. São
fármacos utilizados para essa finalidade a ocitocina, as prostaglandinas e a
hialuronidase. As preparações com prostaglandinas são mais utilizadas por
atuarem no colo uterino e no miométrio, aumentando a chance de o parto
ocorrer dentro de 24 horas.
As prostaglandinas são as substâncias mais utilizadas, e, dentre elas, a
prostaglandina sintética E1 (misoprostol) e a prostaglandina natural (PGE2),
ou dinoprostona, são as mais estudadas. Essas drogas atuam diretamente no
colo, estimulando a maturação cervical e a contratilidade uterina.
A prostaglandina mais utilizada na prática é a sintética (misoprostol), uma vez
que tem baixo custo e apresenta boa estabilidade para armazenamento. A
melhor via de administração parece ser a vaginal. O uso oral ou sublingual do
misoprostol apresenta resultados semelhantes. O uso intravenoso tem eficácia
similar ao da ocitocina, mas apresenta muitos efeitos colaterais maternos,
incluindo a hiperestimulação uterina. O misoprostol foi primariamente
aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de
úlcera péptica e tem indicações específicas para o uso obstétrico: indução do
parto e maturação cervical. A droga é comercializada para uso exclusivo em
hospitais, na forma de comprimidos vaginais de 25, 100 e 200µg, com o nome
comercial de Prostokos®. Apesar do uso aprovado, não se conhece a dose
adequada para melhores resultados e menores efeitos colaterais. A dose inicial
não deve ultrapassar os 25µg, e os intervalos de administração devem ser de 3
a 6 horas.
É importante destacar que o misoprostol possui categoria X na escala de risco
fetal da FDA, sendo contraindicado durante a gestação por ser possivelmente
teratogênico e ter efeito abortivo.
A prostaglandina natural (dinoprostona) apresenta eficácia similar; é utilizada
em suas apresentações de gel endocervical e comprimido vaginal, ambas
aprovadas pela FDA, mas com 2 desvantagens: o preço e a necessidade de o
gel ser armazenado em ambiente refrigerado. Possui categoria C na escala de
risco fetal da FDA, não podendo ser utilizada antes do 3º trimestre de
gestação, pelo risco de teratogênese. O misoprostol, porém, apresenta mais
efeitos adversos, como distúrbios gastrintestinais, taquissistolia uterina,
hemorragia pós-parto e, em casos graves, ruptura uterina.
Outra substância é a hialuronidase, método farmacológico descrito em 1959
como agente de maturação cervical. Atua fazendo hidrólise do ácido
hialurônico, alterando o colágeno cervical e promovendo a dilatação cervical
de forma local, sem estimular a contração uterina. Clinicamente, o uso
intracervical de hialuronidase tem sido proposto como forma de acelerar o
processo de esvaecimento e a dilatação cervical, sendo indicada, também, aos
casos de excesso de componente conjuntival cervical (colo esclerótico ou
anelástico). Excluída a causa neoplásica, a ação da hialuronidase parece
vantajosa, já que a cérvice uterina, em condições normais, tem cerca de 85%
de tecido conjuntivo. Dessa forma, a hialuronidase poderia contribuir para a
diminuição do índice de cesáreas. Há, porém, carência de resultados
histológicos comprobatórios de que a dose preconizada atualmente ocasione
alterações estruturais significantes. A dose, o modo e o momento da aplicação
foram idealizados empiricamente. As doses variam de 1.000 a 20.000
unidades de hialuronidase intracervical com bons resultados na maturação
cervical, diminuição do tempo de TP e aumento da incidência de parto
vaginal.

b) Métodos não farmacológicos

Alguns autores apontam para maior risco de infecções materna e neonatal


associado ao uso dos métodos mecânicos em comparação com os
farmacológicos e um aumento na incidência de corioamnionites quando o
cateter de Foley é utilizado isoladamente.
A sonda de Foley é o 2º método de maturação cervical mais utilizado na
prática e o primeiro entre os métodos mecânicos. A dilatação cervical é
provocada quando o balonete insuflado libera prostaglandinas, estimulando a
contração uterina. Além disso, apresenta baixo custo e é de fácil
armazenamento, sendo boa opção para gestantes com risco de ruptura uterina
com a utilização de misoprostol (gestantes com cesárea em gestação prévia).
As laminárias podem ser sintéticas ou naturais. As naturais, laminaria digitata
e laminaria japonica, são um método mecânico produzido a partir de algas
marinhas de águas frias, pouco disponível no mercado e mais utilizado para a
expulsão de abortos. Apresenta efetividade, mas também maior risco de
infecções no período pós-parto quando comparada a outros métodos, não
sendo utilizada para indução de parto no 3º trimestre.
O descolamento de membranas amnióticas consiste em liberar delicadamente,
com o dedo, partes da membrana amniótica próxima ao colo uterino, o que
estimula a liberação de prostaglandinas, induzindo a maturação do colo. Esse
método, quando utilizado isoladamente, não apresenta evidências de efeitos
significativos na maturação do colo uterino.
Além dos métodos mecânicos citados, são descritos os de infusão salina
extra-amniótica e a amniotomia.

B - Indução de trabalho de parto

A indução do TP corresponde à estimulação de contrações uterinas em


pacientes fora do TP por meio do emprego de métodos específicos. Difere da
condução do TP, cujo objetivo é a adequação das contrações uterinas iniciadas
espontaneamente para determinada fase do TP.
Situações maternas e fetais nas quais ocorre benefício do término da gestação
indicam indução do TP. Assim, as indicações mais comuns são rotura
prematura das membranas ovulares, síndromes hipertensivas e pós-datismo.

Tema frequente de prova


Contraindicações à indução de trabalho de parto são bastante recorrentes
nas provas de concursos médicos.

A ocitocina sintética é o fármaco mais usado para a indução do TP; sabe-se


que a eficácia da indução com essa droga aumenta quando as condições do
colo uterino são favoráveis. A indução do parto é, no entanto, frequentemente
prescrita a gestantes com colo uterino desfavorável ou imaturo, ou seja, índice
de Bishop ≤5, resultando muitas vezes em cesáreas.
O intervalo de tempo para iniciar a perfusão de ocitocina após o
amadurecimento cervical com misoprostol deve ser de 4 horas. Deve-se
avaliar a vitalidade fetal por meio da cardiotocografia e da observação do
líquido amniótico por amnioscopia, quando possível. Preparo da solução:

10UI de ocitocina (1 ampola);


1.000mL de soro fisiológico ou Ringer lactato, formando uma solução
com concentração de ocitocina de 10mUI/mL.

A velocidade de infusão se inicia com a infusão intravenosa de 2mUI/min, e


aumenta-se em 2mUI a cada 15 minutos até obter padrão de contração uterina
adequado para a fase do TP ou até a dose máxima de 32mUI/min.
Deve-se realizar monitorização da vitalidade fetal durante a indução por meio
de cardiotocografia. Amniotomia poderá ser realizada quando, após 2 horas
de infusão da dose máxima de ocitocina, não for diagnosticado o TP.
A falha de indução é caracterizada quando há ausência de atividade uterina
após 2 horas de infusão da dose máxima de ocitocina (32mUI/min) ou após 2
horas de amniotomia. Podem ser complicações do uso de ocitocina:
hiperestimulação uterina, sofrimento fetal, hiponatremia, intoxicação hídrica e
rotura uterina.
Na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, quando a gestação está associada a alguma
complicação materna ou obstétrica, em geral, não é permitido que a gravidez
ultrapasse 40 semanas. Nesse caso, o momento e a via do parto dependem,
entre outros fatores, da avaliação da doença materna e/ou obstétrica, como
diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença hipertensiva específica da
gestação, cesárea anterior etc. Nas demais gestações, admite-se que a gestante
atinja, no máximo, 42 semanas de gravidez.
Em razão das complicações perinatais já citadas, durante o período do pós-
datismo, deve ser realizada vigilância do bem-estar fetal. Preconiza-se a
cardiotocografia de repouso e com estímulo e perfil biofísico fetal a cada 3
dias. A presença de oligoidrâmnio (índice de líquido amniótico <5) indica
interrupção da gestação. O líquido amniótico também deve ser avaliado por
meio de amnioscopia sempre que o colo uterino estiver permeável; a presença
de mecônio indica resolução da gestação. Por último, recomenda-se indução
do TP quando a vitalidade fetal estiver preservada e o colo uterino favorável,
de acordo com os critérios de Bishop (>5).
Figura 1 - Conduta em Obstetrícia

Resumo
Observam-se alterações fisiológicas e aceleração dos fenômenos de
envelhecimento placentário no período próximo ao termo da gestação.
Isso pode interferir nas trocas materno-fetais e determinar inadequada
oxigenação do feto;
A FIGO e a OMS consideram que a gestação é prolongada (pós-termo)
quando dura mais de 294 dias (42 semanas completas), a partir do 1º dia
do último período menstrual;
O termo “pós-datismo” é utilizado para as gestações entre 280 e 294 dias
(de 40 a 42 semanas completas);
A gestação prolongada é mais frequente em primíparas, com incidência
de cerca de 10%;
Alguns fatores maternos e fetais estão associados à ocorrência de
gestação prolongada: baixas condições socioeconômicas, ciclos
menstruais irregulares, antecedente de gravidez prolongada, utilização de
anticoncepcionais hormonais, idade materna, malformações fetais,
deficiência de sulfatase placentária;
A taxa de mortalidade perinatal aumenta com o prolongamento da
gestação. As morbidades gestacional e neonatal também são maiores em
gestações que atingem 40 semanas;
A conduta assistencial visa diagnosticar precocemente uma possível
falência placentária, evitando os danos causados pela hipóxia ao produto
conceptual;
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda que
a gestação não ultrapasse 42 semanas (294 dias).
Pesquisa de maturidade fetal
Fábio Roberto Cabar

1. Introdução
A maturidade fetal consiste no pleno desenvolvimento dos diversos órgãos e
sistemas fetais que, no processo fisiológico normal, se completa entre 37 e 40
semanas de gestação. A maturidade do sistema respiratório fetal ocorre em
torno da 35ª semana de gestação, quando as adaptações anatômicas e
funcionais permitem ao recém-nascido prematuro sobreviver no ambiente
extrauterino.
Sabe-se que algumas condições clínicas aceleram a maturidade fetal (por
exemplo, hipóxia fetal crônica), enquanto outras, como diabetes mellitus,
estão associadas a atraso na maturação pulmonar. Entre as múltiplas
complicações da prematuridade, a imaturidade pulmonar, relacionada à
produção inadequada de surfactante, consiste na de maior gravidade,
determinando, muitas vezes, a sobrevida do concepto.
O obstetra deve realizar correta avaliação da maturidade fetal para evitar a
prematuridade iatrogênica por ocasião de cesárea eletiva, indução de parto e
parto prematuro terapêutico. O nascimento pré-termo é a principal causa de
morbimortalidade perinatal em nosso meio, e a sobrevivência do recém-
nascido está relacionada, fundamentalmente, à sua maturidade pulmonar.

2. Desenvolvimento pulmonar fetal


O desenvolvimento pulmonar fetal é dividido em 5 períodos: embrionário,
pseudoglandular, canalicular, sacular e alveolar.
O período embrionário inicia-se com o surgimento do botão pulmonar (entre
o 26º e o 28º dias pós-fecundação), o qual se divide em 2 brotos, que se
ramificam e formam os brônquios principais. Por volta da 6ª semana, já se
podem identificar todos os segmentos broncopulmonares.
O período pseudoglandular, entre a 7ª e a 16ª semanas de gestação,
caracteriza-se pela formação dos condutos aéreos e pelo esboço acinar. Nesse
período, o epitélio proximal é colunar alto e distalmente cuboide. Os ramos
continuam a se dividir. A única estrutura ainda não formada ao fim desse
período é a unidade de trocas.
Por volta da 24ª à 26ª semana, inicia-se o período canalicular; surge um
esboço do brônquio terminal (bronquíolos respiratórios e estruturas
saculares). Tem início a diferenciação em pneumócitos, com consequente
secreção de surfactante. Ao fim desse período, o pulmão já apresenta certa
capacidade de realizar trocas gasosas.
O período sacular começa na 28ª semana e se prolonga até o nascimento. No
início desse período, as vias aéreas terminam em um grupo de sacos terminais
que se diferenciam em alvéolos e ductos alveolares. Há expansão do espaço
respiratório e aumento na superfície de trocas; observa-se, ainda, que a
vascularização aumenta, o epitélio de revestimento se torna mais fino e ocorre
adelgaçamento do interstício.
O período alveolar inicia-se em torno da 36ª semana e não se completa até os
8 anos de vida. O maior aumento no número de alvéolos pulmonares acontece
nos 2 primeiros anos da criança.
O sistema de fibras colágenas também é muito importante no
desenvolvimento pulmonar; elas têm importante função no desenvolvimento
da complacência pulmonar. No início do 2º trimestre da gestação, as fibras
estão bem desenvolvidas nas grandes vias aéreas, nos vasos e na pleura,
porém são ainda escassas nos ácinos.

3. Surfactante
As substâncias surfactantes permitem que a expansão alveolar ocorra
adequadamente durante a inspiração e impedem o colapso alveolar durante a
expiração. Seu mecanismo de ação baseia-se na diminuição da tensão
superficial da parede dos alvéolos, principalmente nos de menores dimensões,
que tenderiam ao colabamento no final da expiração.
O surfactante é uma mistura de 90% de lipídios e de 10% de proteínas
produzidas pelos pneumócitos II. No interior destes, é armazenado nos corpos
lamelares e expelido por exocitose; no lúmen alveolar, é convertido em
mielina tubular.
É composto, basicamente, por dipalmitoilfosfatidilcolina (lecitina),
responsável por 70% dos fosfolípides, e por fosfatidilglicerol (10%). Outros
componentes de menor participação incluem fosfatidiletanolamina,
fosfatidilinositol, fosfatidilserina, lisolecitina e esfingomielina. A lecitina é o
principal componente tensoativo do sistema surfactante. A maturidade do
pulmão fetal ocorre em torno da 34ª e da 35ª semana de gestação, quando a
lecitina perfaz pelo menos 50% do total de lipídios.

Tema frequente de prova


Os pneumócitos II, que produzem o surfactante no complexo de Golgi,
compõem um tema que costuma ser cobrado em questões de concursos
médicos.
4. Métodos de avaliação da maturidade fetal

A - Clínicos
Os métodos clínicos fornecem subsídios para estimar a idade gestacional e a
provável maturidade fetal. A seguir, os métodos utilizados.

a) Data da última menstruação

O conhecimento da data da última menstruação em mulheres com ciclos


regulares, sem uso de anovulatório, representa um dado importante para
avaliar a idade gestacional correta e estimar a data provável de parto.

b) Ausculta dos batimentos cardíacos fetais

O estetoscópio de Pinard permite ausculta a partir da 20ª semana de gestação;


por meio do sonar Doppler, é possível a ausculta a partir da 12ª semana de
gestação.
c) Percepção da movimentação fetal

É possível a partir da 16ª semana, sendo mais comum a sua detecção a partir
da 20ª semana de gestação.

d) Mensuração da altura uterina

O crescimento do útero é proporcional à idade gestacional. Com idade


gestacional de 20 semanas, o útero se encontra ao nível da cicatriz umbilical,
e, após as 20 semanas, a altura uterina corresponde à idade gestacional (32
semanas desta = altura uterina de 32cm).
A ausculta do batimento cardíaco fetal, a percepção da movimentação fetal e a
medida da altura uterina podem ser influenciadas por miomas, malformações
uterinas, obesidade materna, presença de macrossomia fetal, alteração do
volume do líquido amniótico ou gestação múltipla.

B - Laboratoriais

a) Características físicas

O líquido amniótico apresenta-se inicialmente amarelado, tornando-se claro e


límpido a partir da 28ª à 32ª semana, quando começa a apresentar grumos em
quantidade crescente e adquire aspecto opalescente. Frequentemente, na 38ª
semana de gestação, contém muitos grumos, traduzindo a maturidade fetal.

b) Bioquímica

Creatinina: surge no líquido amniótico na 1ª metade da gestação por meio da


difusão simples da pele fetal, cordão e âmnio. Com a evolução da gestação, o
rim torna-se a fonte dessa substância. A maturidade fetal está presente quando
há valores >1,8mg% e a relação creatinina no líquido amniótico-creatinina no
soro materno é superior a 2;
Fosfolípides pulmonares: a maturidade pulmonar ocorre a partir da 34ª
semana. Diversas substâncias ajudam na secreção de surfactantes, como
corticosteroides, aminofilina, estimulantes beta-adrenérgicos, tiroxina,
prolactina, estrogênio, hormônio liberador de tireotrofina (TRH) e análogos
do TRH. A presença de contrações uterinas do trabalho de parto é importante
para fornecer a adequação do surfactante pulmonar à vida extrauterina.
Diversas patologias maternas ou intercorrências obstétricas podem contribuir
para a aceleração da maturidade fetal: hipertensão arterial crônica,
hemoglobinopatias, doenças cardiovasculares, uso crônico de heroína,
amniorrexis prematura, restrição do crescimento fetal, presença de infartos
placentários etc.
Outras situações podem retardar a maturidade pulmonar, dentre elas diabetes
mellitus, sífilis, toxoplasmose, isoimunização Rh, uso de bloqueadores beta-
adrenérgicos ou de antagonistas colinérgicos, feto anencefálico e nefropatia
intrínseca.

c) Relação Lecitina-Esfingomielina (L-E)

A esfingomielina é um fosfolipídio presente no líquido amniótico; não está


relacionado com a maturidade pulmonar, e sua concentração diminui da 32ª
semana até o termo. Com a lecitina, ocorre o contrário, o que permite uma
relação muito útil para estimar a maturidade pulmonar. Seu uso é bastante
difundido e considerado padrão-ouro para a avaliação da maturidade
pulmonar.
O líquido amniótico é obtido por amniocentese e deve ser resfriado ou
processado rapidamente pelo laboratório. A presença de contaminações
(mecônio, sangue) pode prejudicar os resultados, e a presença dessas
substâncias deve ser notificada. Os fosfolipídios são extraídos com solventes
orgânicos e aplicados em uma placa de sílica em gel, em que são separados
em razão das diferentes polaridades e afinidades com os solventes orgânicos
utilizados como efluentes. Faz-se a leitura por densitometria de reflectância
ou com o auxílio de uma ocular contendo escala milimetrada.
Em uma gestação normal, a maturidade pulmonar é atingida quando a relação
L-E é superior a 2. Valores <1,3 indicam imaturidade, enquanto valores entre
1,3 e 1,7 indicam situação intermediária.

Dica
Em uma gestação normal, a maturidade pulmonar é atingida quando a
relação lecitina-esfingomielina é superior a 2.

d) Perfil pulmonar

Trata-se de um teste que inclui a relação L-E, a porcentagem de


fosfatidilcolina saturada e a presença de fosfatidilglicerol e fosfatidilinositol.
O estudo dos fosfolípides pulmonares mostrou a importância de
fosfatidilcolina, fosfatidilglicerol e fosfatidilinositol para melhor adequação
da fisiologia respiratória do recém-nascido. A realização do perfil pulmonar e
da relação L-E demanda tempo e laboratórios especializados, fato que levou
ao desenvolvimento de anticorpos específicos para o fosfatidilglicerol,
permitindo a realização de teste de aglutinação, que se dá em 15 minutos.
e) Teste de Clements

Este teste baseia-se na habilidade do surfactante pulmonar em formar uma


superfície estável que pode assegurar a permanência de uma bolha intacta por
tempo prolongado. A adição de etanol afasta a possibilidade de a bolha estar
estável pela presença de proteínas, sais biliares ou ácidos graxos livres.
Após agitação rigorosa do tubo de ensaio com líquido amniótico por 15
segundos, esperam-se 15 minutos e faz-se a leitura. A presença de bolhas em
toda a volta do tubo caracteriza o teste positivo; se não houver bolhas, o teste
é negativo. O teste é realizado em 3 tubos com diferentes quantidades de
líquido amniótico: se o resultado for positivo nos 3 tubos, tem-se feto maduro;
se for positivo até o 2º tubo, o feto está em nível intermediário; e, se positivo
em apenas 1 tubo (ou em nenhum deles), o feto é considerado imaturo.
O teste de Clements não apresenta falsos positivos, e a taxa de falsos
negativos varia de 8 a 40%. A contaminação do líquido amniótico com sangue
ou mecônio pode aumentar as taxas de falsos positivos. Os testes com
resultados negativos podem ser valorizados.

f) Citologia

Com azul do Nilo: o líquido amniótico (1 gota) é corado com o sulfato azul
do Nilo (1 gota a 0,1%); são contadas 500 células, e é estabelecido o
percentual entre células orangiófilas e células azuis. As orangiófilas são
originadas pela esfoliação da pele fetal recobertas por gordura produzida
pelas glândulas sebáceas, traduzindo a maturidade funcional da pele fetal. Se
a contagem dessas células for maior que 10%, indicará maturidade fetal; se a
contagem estiver entre 5 e 10% e existir gordura livre, sugerirá falso negativo.
O índice de falsos negativos gira em torno de 15%;
Com lugol: cora em castanho-escuro as células do líquido amniótico ricas em
glicogênio (são células lugol positivas). O percentual dessas células diminui à
medida que se aproxima a maturidade fetal; valor inferior a 4% se relaciona
com maturidade fetal em 89% das avaliações.

C - Biofísicos

a) Amnioscopia

A amnioscopia consiste na visualização indireta do líquido amniótico por


intermédio das membranas amnióticas utilizando amnioscópio, introduzido no
colo uterino dilatado (dilatação superior a 1cm). A presença de grumos
grossos e o aspecto opalescente do líquido amniótico caracterizam a
maturidade fetal. A não observação de grumos exige investigação mais
apurada, por meio de métodos laboratoriais.

Figura 1 - Amnioscopia

b) Radiologia

A necessidade de expor o feto à radiação fez que esse método fosse


abandonado. Quando utilizado, avaliava os ossos longos fetais, procurando
pela epífise do fêmur (surge na 32ª semana) e da tíbia (surge depois da 36ª
semana).

c) Ultrassonografia

É efetiva para avaliar a idade gestacional e a provável presença de maturidade


fetal. Os parâmetros utilizados são:
Comprimento cabeça-nádegas: é o maior comprimento do embrião;
apresenta erro de 3 a 5 dias quando medido até a 13ª semana de gestação;

Dica
A ultrassonografia de 1º trimestre estima a idade gestacional com margem
de erro de 5 dias. É o melhor método para o cálculo da idade gestacional,
superior à data da última menstruação e ao exame físico.

Diâmetro biparietal: entre a 14ª e a 26ª semanas, estima a idade gestacional


com erro de 7 a 11 dias;
Núcleos de ossificação: a visualização e a medida de núcleos de ossificação
dos ossos longos (fêmur, tíbia e úmero) servem como parâmetro na avaliação
da idade gestacional; o núcleo de ossificação na epífise do fêmur pode ser
identificado com 32 semanas de gestação, e o núcleo de ossificação na tíbia
proximal é identificado com 35 semanas de idade gestacional;
Presença de grumos no líquido amniótico: a descrição de partículas
múltiplas com densidade linear entre 1 e 5mm de comprimento, suspensas no
líquido amniótico, indicaria a presença de grumos e, consequentemente, de
maturidade fetal;
Pulmão fetal: a ecogenicidade do pulmão fetal aumenta com a maturidade,
em virtude da elevação de interfaces acústicas advindas do acréscimo no
número de alvéolos pulmonares fetais;
Maturidade placentária: a placenta é classificada em graus (zero, I, II e III),
de acordo com a classificação de Grannum, representando a evolução da
maturação placentária e da maturidade fetal. Em gestações normais, a
evolução da maturidade placentária pode se associar à maturidade pulmonar
fetal. Essa classificação foi descrita em 1979 e se associa à relação L-E, por
meio da qual se evidencia a maturidade pulmonar fetal. A classificação
placentária nos graus zero, I, II e III se baseia nas mudanças que ocorrem na
placa coriônica, no tecido placentário e na lâmina basal, compreendendo 4
fases progressivas e relativamente distintas de sua maturação, que se sucedem
ao longo da gestação. A associação entre calcificação placentária e idade
gestacional é observada desde os primeiros estudos ultrassonográficos sobre a
placenta. É importante a relação entre a calcificação placentária precoce (grau
II e grau III placentário antes da 32ª e da 35ª semana de gestação,
respectivamente) e a possibilidade de desenvolvimento de restrição de
crescimento fetal, causa importante de morbimortalidade perinatal. Há maior
probabilidade de complicações na gestação quando o amadurecimento
placentário é precoce, situação que se associa a maior incidência de
sofrimento fetal, presença de mecônio no líquido amniótico, baixo índice de
Apgar, baixo peso ao nascer e óbito perinatal.

5. Conclusão
Os testes de avaliação da maturidade fetal sofrem influência da técnica de
coleta, do armazenamento, do volume e da dinâmica do líquido amniótico, da
presença de contaminação com sangue ou mecônio e da técnica utilizada na
realização desses testes. Os resultados falsos positivos são excepcionais, e o
índice de falsos negativos varia de 8 a 40%, o que indica que ainda não há um
teste perfeito para a avaliação da maturidade fetal e torna imperiosa uma
combinação de métodos para correta avaliação fetal.
O avanço da Perinatologia e dos estudos da fisiologia fetal tornou claro que
vários órgãos e sistemas fetais têm seu desenvolvimento afetado por inúmeras
afecções maternas ou pelo uso de determinadas drogas durante a gestação. O
obstetra deve procurar identificar os fatores que possam interferir na
maturidade fetal em cada gestação, buscando o benefício do feto e evitando
ao máximo problemas respiratórios neonatais.

Resumo
A maturidade fetal consiste no pleno desenvolvimento dos diversos
órgãos e sistemas fetais. No processo fisiológico normal, completam-se
entre 37 e 40 semanas de gestação;
A maturidade do sistema respiratório fetal ocorre em torno da 35ª
semana de gestação;
Algumas condições clínicas aceleram a maturidade fetal (por exemplo,
hipóxia fetal crônica); outras, como diabetes mellitus, estão associadas a
atraso na maturação pulmonar;
O desenvolvimento pulmonar fetal é dividido em 5 períodos:
embrionário, pseudoglandular, canalicular, sacular e alveolar. O período
alveolar inicia-se em torno da 36ª semana e não se completa até os 8
anos de vida;
As substâncias surfactantes permitem que a expansão alveolar ocorra
adequadamente durante a inspiração e impedem o colapso alveolar
durante a expiração. O surfactante é uma mistura de 80 a 90% de lipídios
e 10 a 20% de proteínas e é produzido pelos pneumócitos II;
Os métodos clínicos utilizados para estimar a idade gestacional e a
maturidade fetal são: data da última menstruação, ausculta dos
batimentos cardíacos fetais, percepção da movimentação fetal, medida
da altura uterina;
A esfingomielina é um fosfolipídio presente no líquido amniótico; não
está relacionada com a maturidade pulmonar, e sua concentração diminui
da 32ª semana até o termo. Com a lecitina, ocorre o contrário, o que
permite uma relação muito útil para estimar a maturidade pulmonar. Seu
uso é bastante difundido e considerado padrão-ouro.

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