Medcel Obstetrícia - Vol 3
Medcel Obstetrícia - Vol 3
Medcel Obstetrícia - Vol 3
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Fábio Rol:5er,to Ca15ar,
Síndromes hemorrágicas da 1ª
metade da gestação
Fábio Roberto Cabar
1. Aborto
Costuma-se chamar aborto o término da gestação antes das primeiras 20 a 22
semanas, contadas a partir do 1º dia da última menstruação. Também são
assim chamados os fetos que, ao nascimento, tenham menos de 500g de peso,
segundo a Organização Mundial da Saúde.
A - Incidência
B - Etiologia
a) Fatores fetais
b) Fatores maternos
- Drogas
- Doença sistêmica
- Infecções maternas
- Endocrinopatias
- Fatores imunológicos
- Malformações uterinas
- Incompetência cervical
Importante
Incompetência cervical é a principal causa de abortamento tardio de
repetição. O tratamento, quando indicado, é realizado por meio de
circlagem uterina.
Figura 1 - Circlagem uterina – técnica de McDonald: aspectos (A) externo e (B) interno
Figura 2 - Colo uterino depois de circlagem
C - Mecanismo de abortamento
D - Classificação
O aborto pode ser classificado em espontâneo ou provocado. Segundo a sua
evolução, pode, ainda, ser classificado em:
a) Ameaça de abortamento
b) Abortamento em curso
E - Diagnóstico e tratamento
Importante
Sangramento vaginal no 1º trimestre pode vir acompanhado de hemorragia
fetomaterna e consequente isoimunização Rh. Sempre se devem pedir
tipagem sanguínea e Coombs indireto.
a) Ameaça de abortamento
Nas situações de aborto retido, observa-se regressão dos sintomas e dos sinais
gravídicos, o colo uterino encontra-se fechado, e, frequentemente, não há
sangramento por via vaginal. O exame ultrassonográfico revela saco
gestacional com diâmetro interno médio >25mm sem embrião (gestação
anembrionada) ou mostra a presença de embrião sem sinais de vitalidade
(óbito embrionário/aborto retido). Nesses casos, o tratamento deve ser feito da
seguinte maneira:
e) Abortamento infectado
A - Etiologia e patogênese
Dica
Salpingite prévia é o principal fator de risco para gravidez ectópica.
B - Fisiopatologia
a) Gestação ovariana
b) Gestação intersticial
c) Gestação cervical
d) Gestação abdominal
e) Gestação tubária
C - Manifestações clínicas
D - Diagnóstico
A anamnese e o exame físico são capazes de diagnosticar quadros agudos de
rotura tubária, quando a paciente geralmente apresenta dor abdominal intensa
e choque hemorrágico. Por outro lado, as gestações ectópicas iniciais
apresentam quadros clínicos subagudos e comumente necessitam de
investigação mais apurada.
A dosagem de beta-HCG sérico representa um exame fundamental para o
diagnóstico de atividade do tecido trofoblástico. A concentração sérica de
beta-HCG em casos de gestação ectópica tende a ser menor que aquela
observada em gestação tópica de mesma idade gestacional. A gestação tópica
inicial tende a duplicar o título de beta-HCG no intervalo entre 36 e 72 horas.
Se, em 2 dosagens consecutivas, com intervalo de 48 horas, a elevação no
título de beta-HCG for inferior a 54%, trata-se de gestação ectópica em 85%
das vezes.
O avanço da ultrassonografia foi fundamental para o diagnóstico precoce da
gestação ectópica. As principais imagens descritas são presença de saco
gestacional extrauterino, com embrião com ou sem batimentos cardíacos, saco
gestacional extrauterino com vesícula vitelínica, anel tubário, massa sólida ou
complexa na pelve.
Figura 8 - Ultrassonografia: gestação ectópica e imagem de anel tubário; (SG) Saco Gestacional
E - Tratamento
Tratamento
São critérios para a indicação de metotrexato: gestação ectópica íntegra de
até 4cm no maior diâmetro, estabilidade hemodinâmica, desejo de
procriação, beta-HCG sérico <5.000mUI/mL e crescente em 2 dosagens
consecutivas e líquido livre restrito à pelve.
Dica
A realização de salpingectomia não altera o futuro reprodutivo da paciente
com gestação tubária desde que a tuba contralateral seja sadia.
3. Doença trofoblástica gestacional
A mola hidatiforme e o coriocarcinoma são doenças do trofoblasto, mais
especificamente das vilosidades placentárias, que, como todo o trofoblasto,
são de origem ectodérmica. As doenças trofoblásticas gestacionais são
reconhecidas há milênios como uma forma de gravidez anormal. No entanto,
ainda não está estabelecido se as diferentes formas de apresentação, como a
mola hidatiforme e o coriocarcinoma, representam fases diferentes de uma
mesma doença ou se são entidades distintas. Nos últimos tempos, o emprego
mais adequado da quimioterapia e das demais formas de tratamento reduziu a
mortalidade, mesmo das formas metastáticas, a níveis muito baixos. O
coriocarcinoma foi, aliás, a 1ª neoplasia a ser curada pela quimioterapia,
mesmo na sua forma metastática.
A - Classificação e fisiopatologia
B - Citogenética
Por outro lado, cerca de 90% das molas parciais têm cariótipo triploide
(69,XXX), resultado da fertilização de um óvulo normal por 2
espermatozoides. As demais molas parciais têm cariótipo 69,XXY ou
69,XYY (Figura 12).
Figura 12 - Fecundação dispérmica: mola incompleta (parcial)
Dica
O potencial de transformação maligna é de 5 a 10% na mola parcial e de 10
a 20% na mola completa.
C - Sinais e sintomas
D - Exames complementares
Quanto à mola parcial, têm sido descritos alguns padrões sugestivos da sua
presença, especialmente alterações no formato do saco gestacional, sugestivas
de triploidia. Outros achados sugestivos da presença de mola são o
espessamento da placenta (associado à presença de áreas anecoicas) e a
ausência de incisura no exame dopplervelocimétrico da artéria uterina.
Um problema de difícil solução é o diagnóstico de mola completa ou parcial,
coexistindo com gestação avançada com feto vivo. O diagnóstico da presença
concomitante pode, ainda, ser mais dificultado pela ausência de hemorragia
genital e pela presença de feto vivo.
E - Tratamento
Pacientes com NTG devem ser tratadas com quimioterapia e/ou cirurgia, se
houver hemorragia genital persistente após esvaziamento molar e presença de
imagem de infiltração miometrial, ascensão nos títulos de beta-HCG em 2
dosagens consecutivas, beta-HCG detectável e sem tendência de queda até 6
meses do seguimento, diagnóstico histológico de coriocarcinoma, mola
invasora ou tumor de sítio placentário em qualquer local (incluindo
metástases).
Na mola invasora (não metastática), recomenda-se quimioterapia nas
nulíparas e histerectomia nas multíparas. A histerectomia total é suficiente
para remissão completa na mola invasora não metastática; nos casos de
coriocarcinoma, é necessário o emprego de tratamento adjuvante (cirurgia e
quimioterapia).
Os quimioterápicos mais utilizados são o MTX, a actinomicina D, o
etoposídeo e os derivados da platina.
O prognóstico da NTG de baixo risco, mesmo com a presença de metástases,
é muito bom; as chances de cura são grandes (cerca de 90% de remissão). Nas
doenças metastáticas de alto risco, a histerectomia é realizada quando o tumor
uterino é superior a 6cm ou ele se tornará resistente à quimioterapia.
Resumo
Costuma-se chamar de aborto o término da gestação antes das primeiras
20 a 22 semanas, a partir do 1º dia da última menstruação;
Abortamento espontâneo é a perda involuntária da gestação;
Ameaça de abortamento é a ocorrência de sangramento uterino com colo
uterino fechado sem eliminação de tecidos ovulares;
Abortamento completo ocorre quando a totalidade do conteúdo uterino
foi eliminada;
Abortamento incompleto é quando apenas parte do conteúdo uterino foi
eliminada;
Abortamento inevitável é quando há sangramento e dilatação cervical,
mas ainda não ocorreu eliminação de conteúdo uterino;
Abortamento retido é quando ocorre a morte do embrião ou feto e este
permanece na cavidade uterina, sem ser eliminado. De maneira geral, o
colo está fechado, podendo ocorrer leve sangramento;
Abortamento infectado é o processo de abortamento acompanhado de
infecção genital, como endometrite, parametrite e peritonite;
Abortamento habitual ocorre quando há perdas espontâneas e sucessivas
de 3 ou mais gestações;
A maior parte dos abortamentos espontâneos (cerca de 80%) acontece
nas primeiras 12 semanas da gestação;
A gestação ectópica é definida como a implantação do ovo fecundado
fora da superfície endometrial da cavidade uterina;
Dependendo do local de implantação, a gestação pode ser tubária,
ovariana, abdominal, cervical ou intersticial;
A gestação ectópica tubária ampular é a mais comum;
São fatores de risco para gestação ectópica: moléstia inflamatória pélvica
aguda, falha de DIU, cirurgias tubárias, gestação ectópica prévia,
fertilização assistida, falha de contracepção de emergência, tabagismo;
Existem 2 tipos de doença trofoblástica benigna: mola parcial e mola
completa. O quadro clínico é de sangramento genital, beta-HCG elevado,
crescimento uterino maior que o esperado e presença de cistos teca-
luteínicos.
Síndromes hemorrágicas da 2ª
metade da gestação
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução
As síndromes hemorrágicas da 2ª metade da gestação constituem diagnósticos
frequentes em Obstetrícia. São uma das principais causas de internação de
gestantes no período anteparto, com importante aumento da morbimortalidade
materna e perinatal, assim como de cesáreas. A morbimortalidade perinatal
está relacionada aos altos índices de prematuridade associados a esses casos.
Várias são as possíveis causas de sangramento. Dentre as obstétricas, as mais
importantes são o Descolamento Prematuro de Placenta (DPP) e a Placenta
Prévia (PP), que correspondem a até 50% dos diagnósticos. Entre as causas
não obstétricas, podem ocorrer sangramento proveniente do colo de útero
durante o trabalho de parto, cervicites, pólipo endocervical, câncer do colo
uterino e trauma vaginal. Os prognósticos materno e fetal vão depender do
diagnóstico correto da causa de sangramento e da conduta adequada com base
nesse diagnóstico.
2. Descolamento prematuro de placenta
A - Conceito
Define-se DPP como a separação abrupta da placenta normalmente inserida
em gestação acima de 20 semanas e antes da expulsão do feto. Quando a
placenta está inserida no segmento inferior do útero (PP), também se observa
hemorragia genital, porém com abordagens clínica e obstétrica diferenciadas
(essa situação não é chamada de DPP).
B - Incidência
Importante
As causas não traumáticas são as principais motivadoras de DPP,
especialmente as síndromes hipertensivas.
D - Fisiopatologia
Dica
Frequentemente, ocorre sofrimento fetal agudo no DPP, não relacionado
com a quantidade de hemorragia genital.
Figura 2 - Fisiopatologia miometrial
E - Diagnóstico
F - Conduta
3. Placenta prévia
A - Conceito e incidência
B - Classificação
D - Quadro clínico
Quadro clínico
A PP apresenta-se como hemorragia genital sem causa aparente, indolor, de
coloração vermelho-viva, com início e interrupção súbitos em episódios
que se repetem e se agravam.
E - Diagnóstico
F - Diagnóstico diferencial
DPP;
Rotura uterina;
Rotura de VP;
Rotura do seio marginal;
Lesões cervicais: tumorações, inflamações, pólipos;
Lesões na vagina ou vulva.
G - Conduta
4. Rotura uterina
A rotura uterina é uma complicação grave da gestação que pode ocorrer
durante a gravidez ou o trabalho de parto. A boa qualidade da assistência pré-
natal e do atendimento durante o trabalho de parto pode diminuir a sua
incidência. A rotura pode ser classificada em parcial, quando preserva a
serosa uterina, ou total, quando se rompe a parede uterina incluindo a serosa.
A rotura uterina durante a gestação é uma intercorrência rara e pode advir
espontaneamente ou após trauma abdominal. O enfraquecimento da parede
uterina pela presença de cicatrizes de cesáreas predispõe a sua ocorrência.
Outros fatores que podem facilitá-la são cicatriz de miomectomia,
endometriose, adenomiose, áreas de degeneração ou necrose, ou, ainda,
região onde houve acretismo placentário em gestações prévias.
A maioria dos casos acontece durante o trabalho de parto. Além dos fatores
predisponentes, devem ser lembrados os relacionados ao parto obstruído ou
bloqueado: desproporção cefalopélvica, macrossomia fetal, gemelaridade,
apresentações anômalas, tumores prévios ou malformações uterinas. O uso
inadvertido de ocitócicos pode ocasionar taquissistolia e hipersistolia,
predispondo, também, à rotura do segmento inferior do útero.
Clinicamente, a rotura uterina durante o trabalho de parto apresenta-se em 2
momentos bem distintos.
Na iminência da rotura uterina, a paciente, geralmente ansiosa e agitada, com
contrações uterinas muito fortes e dolorosas, apresenta, à palpação, anel de
constrição separando o corpo uterino do segmento inferior (sinal de Bandl).
Os ligamentos redondos estão desviados para a face ventral do útero e podem
ser palpados, apresentando-se excessivamente retesados e distendidos (sinal
de Frommel).
Não havendo intervenção médica imediata, segue-se a rotura, em geral,
acompanhada de quadro clínico grave. No momento da rotura, a mulher
frequentemente relata dor súbita, de forte intensidade, na região do baixo-
ventre. O trabalho de parto é imediatamente interrompido, e partes fetais
podem ser palpadas no abdome da mãe. A hemorragia genital pode ser
discreta ou grave, podendo sobrevir choque hipovolêmico. Ao toque vaginal,
a subida da apresentação é o sinal mais importante; os batimentos cardíacos
fetais frequentemente são inaudíveis (óbito fetal). A palpação abdominal
permite perceber a crepitação produzida pela passagem de ar para o peritônio
e o tecido subcutâneo da parede abdominal através da vagina e da brecha
uterina (sinal de Clark).
As roturas traumáticas e as espontâneas são consideravelmente mais perigosas
para o binômio mãe-feto. O prognóstico fetal é muito grave, e a mortalidade
perinatal pode chegar a 58%. Nas situações de deiscência de cicatriz de
cesárea, o prognóstico é mais favorável.
Figura 8 - Histerectomia puerperal após rotura uterina durante trabalho de parto
Dica
As vasas prévias estão comumente associadas a lobo placentário acessório,
inserção velamentosa de cordão, PP prévia, placenta sucenturiada,
gestações múltiplas e banda amniótica.
Figura 11 - Ultrassonografia com Doppler: vaso umbilical (setas amarelas) que cruza o orifício
interno do colo (seta branca)
Resumo
DPP é a separação abrupta da placenta normalmente inserida em
gestação acima de 20 semanas e antes da expulsão do feto;
As causas do DPP podem ser divididas em 2 grupos: traumáticas e não
traumáticas. As não traumáticas são as maiores responsáveis;
O diagnóstico é basicamente clínico. A paciente com DPP raramente é
assintomática. Frequentemente são referidos sangramento vaginal, dor
súbita e intensa no baixo-ventre e parada de movimentos fetais;
O tratamento do DPP consiste no esvaziamento da cavidade uterina com
a maior brevidade possível. Em gestações com feto vivo e >28 semanas,
a resolução da gestação deve ser imediata e realizada pela via de parto
mais rápida. Na maioria das vezes, a cesárea representa a conduta a ser
tomada;
A PP é aquela que se insere parcial ou totalmente no segmento inferior
do útero após a 28ª semana de gestação;
A PP apresenta-se como hemorragia genital sem causa aparente, indolor,
de coloração vermelho-viva, com início e cessar súbitos em episódios
que se repetem e se agravam. A associação a acretismo placentário é
usualmente encontrada;
Em gestações com menos de 37 semanas, deve-se internar a paciente, na
tentativa de controlar o sangramento. É importante a corticoterapia
visando ao amadurecimento pulmonar fetal em gestações com idade
gestacional entre 26 e 34 semanas. A gestação deverá ser interrompida
quando atingir o termo ou na impossibilidade de controlar a hemorragia
materna;
Em gestações de termo, a maioria dos casos de PP deve ser resolvida por
cesárea;
A maioria dos casos de rotura uterina ocorre durante o trabalho de parto;
São fatores que podem facilitar a rotura uterina durante a gestação:
cicatriz de cesárea, cicatriz de miomectomia, endometriose, adenomiose,
áreas de degeneração ou necrose, região onde houve acretismo
placentário em gestações prévias;
Na iminência da rotura uterina, a paciente apresenta contrações uterinas
muito fortes e dolorosas. À palpação, há anel de constrição que separa o
corpo uterino do segmento inferior (sinal de Bandl), e os ligamentos
redondos estão desviados para a face ventral do útero, podendo ser
palpados excessivamente retesados e distendidos (sinal de Frommel);
A principal conduta é a profilaxia. Devem ser vigiadas todas as pacientes
em trabalho de parto, especialmente aquelas que apresentam vícios
pélvicos, fetos macrossômicos, apresentações anômalas, tumores
prévios, multiparidade, cicatrizes de cesáreas ou de miomectomias;
A VP é a anomalia de inserção do funículo umbilical na placenta, na qual
os vasos umbilicais cruzam o segmento inferior uterino, colocando-se à
frente da apresentação fetal;
Não existe risco materno, a não ser nos casos de DPP. O diagnóstico de
VP é costumeiramente negligenciado, em função da raridade dessa
alteração dos vasos umbilicais, da grande dificuldade diagnóstica e da
escassez de tempo entre a suspeita diagnóstica e a intervenção médica;
Feito o diagnóstico de certeza de VP, a melhor conduta é aguardar a
maturidade fetal e submeter a gestante a cesárea eletiva;
Quando o diagnóstico ocorre após rotura desses vasos, trata-se de
emergência obstétrica, e a cesárea de urgência é o procedimento
realizável.
Gestação gemelar
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução
A gestação múltipla é definida como aquela proveniente de 1 ou mais ciclos
ovulatórios e resulta no desenvolvimento de mais de 1 embrião ou na sua
divisão, independentemente do número final de recém-nascidos. Observa-se
aumento em sua frequência durante as 2 últimas décadas. Em gestações como
essa, há aumento de cerca de 5 a 6 vezes da mortalidade neonatal quando
comparadas com gestações únicas, respondendo por cerca de 10 a 15% da
mortalidade perinatal.
2. Incidência e epidemiologia
A incidência é de 7:1.000 nascimentos no Japão, 10:1.000 na Europa e na
América do Norte e de 40:1.000 em alguns países da África. Alguns fatores
demográficos interferem na frequência de gestações dizigóticas, cuja
ocorrência é mais comum quando há história familiar materna e aumento da
idade materna e da paridade. No entanto, o uso cada vez mais frequente de
medicações para a indução da ovulação e a transferência de múltiplos
embriões por ciclo de reprodução assistida são os principais responsáveis pelo
aumento acentuado observado ao longo das últimas décadas.
3. Zigoticidade e corionicidade
As gestações múltiplas podem ser classificadas segundo a zigoticidade ou a
corionicidade.
As gestações dizigóticas resultam da fecundação de mais de 1 óvulo, e os
embriões apresentam materiais genéticos diferentes. As monozigóticas
resultam da divisão de massa embrionária inicial única, e os embriões
resultantes apresentam carga genética idêntica.
Cerca de 2/3 das gestações gemelares naturalmente concebidas são
dizigóticas, e 1/3, monozigóticas. O aumento observado na incidência delas
deve-se, principalmente, à maior frequência de gestações dizigóticas;
entretanto, as técnicas de reprodução assistida, mesmo que em menor
proporção, também favorecem a ocorrência de gestações monozigóticas. Nas
dizigóticas, cada embrião desenvolve seus próprios cório e âmnio (sempre
dicoriônicas e diamnióticas). As monozigóticas, por sua vez, têm
corionicidade e amnionicidade variáveis, conforme o momento em que ocorre
a divisão da massa embrionária. Em cerca de 25% dos casos, quando a
divisão do blastocisto ocorre em até 72 horas, podem ser encontrados 2
placentas e 2 sacos amnióticos (gestação dicoriônica diamniótica). Em 74%, a
divisão acontece entre o 4º e o 8º dias após a fertilização, quando já ocorreu a
diferenciação das células que originam o cório, resultando em 1 placenta e 2
cavidades amnióticas (gestação monocoriônica diamniótica). Em cerca de 1%
dos casos, a divisão do blastocisto ocorre entre o 8º e o 13º dias após a
fertilização, isto é, quando já se formaram a placa coriônica e o saco
amniótico, originando as gestações monocoriônicas monoamnióticas.
Os gêmeos unidos são resultantes da falha da separação completa dos
embriões e ocorrem quando o processo de divisão é tardio (ao redor do 15º ao
17º dias).
Figura 1 - Classificação segundo a zigoticidade, a corionicidade e a amnionicidade
Diagnóstico
Na ultrassonografia, a gestação gemelar dicoriônica apresenta o sinal do
lambda, enquanto a gestação gemelar monocoriônica apresenta o sinal do
“T”.
6. Complicações fetais
Do ponto de vista fetal, a gemelaridade também aumenta as chances de
complicações como óbito fetal, malformações fetais, acidentes de cordão e
apresentação fetal anômala durante o trabalho de parto. O diagnóstico de
baixo peso ao nascer é frequente devido à maior incidência de prematuridade
e Restrição do Crescimento Fetal (RCF). Algumas das intercorrências são
exclusivas de gestações múltiplas, como a síndrome da transfusão fetofetal e a
discordância entre os fetos quanto a alterações morfológicas, da vitalidade
fetal e do crescimento fetal.
A duração média da gestação gemelar é de cerca de 35 semanas, e da gestação
trigemelar, de 32 semanas. Assim, o parto prematuro ocorre em 30 a 50% dos
casos, e, pela alta frequência, a prematuridade é o principal fator determinante
das elevadas taxas de morbidade e mortalidade associadas a esse tipo de
gestação. O prognóstico dos recém-nascidos prematuros de gestações
múltiplas é similar ao observado em gestações únicas da mesma idade
gestacional. O risco de parto pré-termo é maior nas gestações
monocoriônicas.
Os testes que demonstraram melhor desempenho para a predição de parto
prematuro foram a avaliação do comprimento do colo uterino por USG e a
determinação da fibronectina fetal em secreção cervicovaginal. O
comprimento do colo uterino em gestações gemelares se reduz gradualmente,
de 47mm na 13ª semana a 32mm na 32ª semana; colo uterino com
comprimento menor que 20mm na 24ª semana de gestação indicaria maior
risco de parto pré-termo. Estudos prospectivos randomizados que testaram a
efetividade da circlagem cervical não mostraram efeitos benéficos desse
tratamento em gestações gemelares. A internação hospitalar rotineira e o
repouso no leito também não demonstraram benefícios. Recomenda-se, no
entanto, a redução das atividades físicas, bem como a adequação da jornada e
da carga de trabalho.
O uso de agentes tocolíticos de maneira profilática também não demonstra
efeito benéfico na diminuição da incidência de trabalho de parto prematuro.
Diante dos casos em comprovado trabalho de parto prematuro, os tocolíticos
são vantajosos para prolongar a gestação por período de até 48 horas e
consequente corticoterapia para o desenvolvimento pulmonar fetal. A
administração de corticosteroides fica indicada aos casos com mais de 28
semanas e menos de 34 semanas de gestação e que apresentem fortes indícios
de risco de parto nas próximas 48 horas. As doses são as mesmas
preconizadas para gestações únicas.
A RCF é outro fator de risco importante para o aumento da morbidade e da
mortalidade perinatais. O risco de um feto nascer com restrição de
crescimento em gestações gemelares é cerca de 10 vezes maior do que em
gestações únicas. A RCF (peso de nascimento abaixo do percentil 10 para a
respectiva idade gestacional) acontece em, pelo menos, 1 dos fetos em
aproximadamente 23% das gestações dicoriônicas e 34% das monocoriônicas.
O diagnóstico de RCF por meio do exame clínico é muito difícil em gestações
gemelares. Sua confirmação é feita pela estimativa do peso fetal por meio de
avaliações ultrassonográficas; apesar de existirem curvas de normalidade
propostas para essas gestações, habitualmente são utilizadas as de
crescimento fetal de gestações únicas para avaliar e diagnosticar os distúrbios
de crescimento. É fundamental que a datação tenha sido estabelecida
preferencialmente durante o 1º trimestre.
O padrão de crescimento fetal é semelhante ao das gestações únicas durante o
1º e o 2º trimestres, passando a apresentar diminuição no ritmo a partir de 28
semanas. Dessa forma, durante o 3º trimestre, para uma mesma idade
gestacional, fetos de gestações gemelares são menores do que os de gestações
únicas. O repouso absoluto no leito e a administração de ácido acetilsalicílico
em baixas doses não são efetivos para a prevenção da ocorrência da RCF nas
gestações gemelares. A condução diante do diagnóstico de restrição em 1 ou
ambos os fetos segue rotina semelhante à das gestações únicas.
O acompanhamento ultrassonográfico de gestações gemelares diagnosticadas
precocemente permite identificar elevada incidência de parada espontânea do
desenvolvimento embrionário. Assim, a incidência durante o 1º trimestre é
maior do que a incidência no parto, em virtude da maior frequência de
abortamento (mais comuns nas gestações monocoriônicas quando comparadas
às dicoriônicas).
Em alguns casos, pode ocorrer parada do desenvolvimento de somente 1 dos
embriões. Exceto pelo diagnóstico ultrassonográfico, a maioria desses casos
não apresenta quaisquer manifestações clínicas ou repercussões ao feto
remanescente; eventualmente, a gestante pode apresentar queixa de
sangramento vaginal. Quando a parada do desenvolvimento embrionário
ocorre durante o 1º trimestre, frequentemente há reabsorção completa dos
tecidos, e não são encontrados indícios no momento do parto ou no exame
histopatológico da placenta.
A gestação gemelar também é fator de risco para óbito fetal. Quanto mais
precoce, menor a chance de sobrevida do feto remanescente, principalmente
nos casos em que os fetos são de sexos concordantes. Nas gestações em que
acontece óbito de 1 dos fetos, há risco aumentado para óbito, presença de
sequelas neurológicas e parto pré-termo do outro feto.
O prognóstico do gemelar remanescente depende de fatores como
corionicidade, idade gestacional em que ocorre o óbito, causa específica deste
e intervalo de tempo do óbito fetal até o nascimento do outro gemelar. Nas
gestações monocoriônicas, quando 1 dos fetos morre, há 25% de chances de
morte do outro gemelar e 25% de chances de sequela neurológica no feto
sobrevivente. Isso se deve a hipotensão e isquemia abruptas secundárias ao
desbalanço hemodinâmico no feto sobrevivente, cuja volemia é exsanguinada
para o território vascular do gemelar morto. Pelo risco elevado de sequelas no
sobrevivente, recomenda-se monitorização ultrassonográfica periódica para o
diagnóstico de anormalidades no desenvolvimento do sistema nervoso central.
Em gestações dicoriônicas, não há anastomoses vasculares entre as placentas,
e o risco de desequilíbrio hemodinâmico para o gemelar remanescente é
mínimo. Nesses casos, o feto que morre pode ser reabsorvido ou permanecer
envolvido pelas membranas e ser comprimido contra a parede uterina materna
(feto papiráceo).
Quando a causa específica do óbito fetal não influencia o aumento do risco
para o feto sobrevivente, a conduta pode ser expectante. A coagulação
intravascular disseminada raramente acontece em gestações gemelares com
feto morto. Diante do óbito de ambos, a via de parto preferencial é a vaginal,
com acompanhamento laboratorial materno até o parto.
No tocante a malformações fetais, sua incidência em gestações gemelares é de
aproximadamente 5 a 6%, superior à encontrada em gestações únicas. Essa
incidência é ainda maior nas gestações monozigóticas, provavelmente pelo
processo de divisão da massa embrionária. Nesse grupo, as anormalidades
estão comumente relacionadas aos defeitos da linha média e incluem
holoprosencefalia, defeitos abertos do tubo neural, extrofia da cloaca e
malformações cardíacas. Também as gestações monocoriônicas estão
associadas a risco 2 a 3 vezes maior de malformação fetal do que as
dicoriônicas.
7. Complicações específicas
A síndrome de transfusão fetofetal é uma complicação específica e exclusiva
das gestações monocoriônicas: acontece em cerca de 10 a 15% destas. O
mecanismo primário consiste na transferência desigual de sangue entre as
circulações dos 2 fetos por meio de anastomoses vasculares placentárias do
tipo arteriovenosas, que funcionam como se fossem fístulas.
Na placenta monocoriônica, sempre são encontradas anastomoses vasculares,
seja arteriovenosa, venoarterial, venovenosa e arterioarterial. A origem do
problema está no desbalanço entre as comunicações, e acredita-se que as
comunicações responsáveis sejam as arteriovenosas e que as arterioarteriais
sejam um fator de proteção para o desenvolvimento da síndrome.
O gêmeo-doador apresenta anemia e RCF grave acompanhados de oligúria e
oligoidrâmnio, enquanto o gêmeo-receptor apresenta sobrecarga circulatória e
policitemia, o que pode levar ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca e
hidropisia fetal. Polidrâmnio no feto-receptor leva ao aumento da pressão
intrauterina, que pode prejudicar ainda mais a circulação placentária.
Os casos graves, em que há o desenvolvimento de polidrâmnio agudo,
manifestam-se entre 16 e 24 semanas de gestação. Quando não tratados, esses
casos associam-se a taxas de mortalidade de 80 a 100%. Isso se deve,
especialmente, às altas taxas de óbito fetal espontâneo de 1 ou ambos os fetos,
abortamento, amniorrexis prematura e parto prematuro. A morte de 1 deles
(geralmente o receptor morre antes) leva a alterações hemodinâmicas que
resultam em hipovolemia acentuada do feto sobrevivente, com alta morbidade
(especialmente sequelas neurológicas) e alta mortalidade.
Importante
De acordo com recomendações do Ministério da Saúde, o achado
ultrassonográfico de polidrâmnio (maior bolsão vertical >8cm) em uma das
cavidades amnióticas e oligoidrâmnio (maior bolsão vertical <2cm) na
outra, independentemente do tamanho dos fetos, atesta o fenômeno de
transfusão fetofetal, devendo a gestante ser encaminhada a serviço terciário
de atenção perinatal.
C - Septostomia
a) Transfusão fetofetal
8. Gestação monoamniótica
As gestações gemelares monoamnióticas correspondem a cerca de 1% de
todas as monozigóticas e estão associadas ao risco de 50 a 75% de óbito fetal
intrauterino, devido, principalmente, ao enovelamento dos cordões umbilicais
e à consequente interrupção do fluxo sanguíneo. Outros fatores associados às
perdas fetais são as malformações e o parto prematuro.
O diagnóstico baseia-se na demonstração da presença de 2 fetos no interior do
mesmo saco gestacional, sem membrana interposta, ou na demonstração do
enovelamento do cordão umbilical no exame de Doppler com fluxo colorido.
Os pais, por sua vez, devem estar cientes quanto ao risco de óbito súbito
inexplicado. O momento ideal para a interrupção da gestação é motivo de
controvérsias; alguns autores indicam parto na 32ª semana, enquanto outros
consideram que o risco de óbito súbito diminui no 3º trimestre, o que
justificaria retardar o momento do parto. Esse limite deve ser estabelecido
individualmente, de acordo com as condições disponíveis de cuidados
intensivos neonatais.
- Gêmeos unidos
Dica
Trigemelares beneficiam-se de cesárea, bem como fetos portadores de
síndrome de transfusão fetofetal, gemelares monoamnióticos e
gemelaridade imperfeita (fetos acolados).
Resumo
As gestações dizigóticas resultam da fecundação de mais de 1 óvulo, e os
embriões apresentam materiais genéticos diferentes; cada embrião
desenvolve seus próprios cório e âmnio – são sempre dicoriônicas e
diamnióticas;
As gestações monozigóticas resultam da divisão de massa embrionária
inicial única, e os embriões resultantes apresentam carga genética
idêntica. A corionicidade e a amnionicidade são variáveis, conforme o
momento da divisão da massa embrionária:
Quando a divisão do blastocisto acontece em até 72 horas, podem
ser encontrados 2 placentas e 2 sacos amnióticos (gestação
dicoriônica diamniótica);
Quando a divisão acontece entre o 4º e o 8º dias após a fertilização,
resulta em 1 placenta e 2 cavidades amnióticas (gestação
monocoriônica diamniótica);
Quando a divisão ocorre entre o 8º e o 13º dias após a fertilização,
as gestações são monocoriônicas e monoamnióticas.
Os gêmeos unidos são resultantes da falha da separação completa dos
embriões e ocorrem quando o processo de divisão é tardio (cerca do 15º
ao 17º dias);
O melhor período para a determinação da corionicidade e da
amnionicidade é o 1º trimestre da gestação;
A gestação dicoriônica pode ser diagnosticada pela identificação da
projeção do componente coriônico entre as membranas amnióticas,
identificado na base da inserção placentária (formação do sinal do
lambda);
Na gestação monocoriônica, no final do 1º trimestre, há a fusão das
membranas amnióticas adjacentes, originando um septo fino entre as 2
cavidades amnióticas que se insere de forma abrupta na placenta,
formando o sinal do “T”;
A gemelaridade aumenta as chances de complicações como óbito fetal,
malformações fetais, acidentes de cordão e apresentação fetal anômala
durante o trabalho de parto;
O diagnóstico de baixo peso ao nascer é frequente devido à maior
incidência de prematuridade e RCF;
Algumas das intercorrências são exclusivas de gestações múltiplas: a
síndrome da transfusão fetofetal e a discordância entre os fetos quanto a
alterações morfológicas, de vitalidade fetal e do crescimento fetal;
A idade gestacional ideal para a resolução das gestações gemelares é
controversa. Frequentemente, indicam-se:
Gemelares dicoriônicos e diamnióticos: 38 semanas;
Monocoriônicos e diamnióticos: 36 semanas;
Monocoriônicos e monoamnióticos: 34 semanas.
Prematuridade
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução
A Organização Mundial da Saúde define prematuridade como todo recém-
nascido vivo com menos de 37 semanas completas de gestação, contadas a
partir do 1º dia do último período menstrual. O recém-nascido prematuro
pode ser classificado em:
a) Infecção amniótica
c) Alterações hormonais
d) Incompetência istmocervical
g) Gemelaridade e polidrâmnio
B - Ginecológicos
b) Malformações uterinas
c) Miomas
A presença de mioma pode causar sangramentos e rotura prematura de
membranas ovulares. Os miomas de pior prognóstico são os submucosos,
especialmente quando estão próximos à inserção placentária
(subplacentários).
C - Epidemiológicos
b) Desnutrição
d) Estresse
e) Fumo
f) Drogas
D - Clínico-cirúrgicos
a) Doenças maternas
E - Iatrogênicos
3. Prevenção
Em situações de prematuridade eletiva, a gestação é interrompida em virtude
de complicações maternas e/ou fetais, e sua prevenção exige o controle de
doenças maternas; na prematuridade espontânea, ocorre o TPP, cuja etiologia
é multifatorial e, muitas vezes, desconhecida.
É difícil instituir a prevenção primária, ou seja, remover todas as causas
possíveis do parto prematuro. Dessa forma, a prevenção secundária é a
melhor opção. Nessa etapa, podem ser detectadas alterações bioquímicas, da
contratilidade uterina e das características do colo uterino antes do trabalho de
parto. Algumas medidas, como o repouso, a circlagem do colo uterino (na
incompetência cervical) e o emprego da progesterona, podem impedir o parto
prematuro. Já na prevenção terciária, em que são recomendadas a inibição do
TPP e a corticoterapia, só há benefício se as medidas são tomadas na fase
inicial do TPP, com dilatação cervical <3cm.
Tratamento
O Ministério da Saúde preconiza que, para aquelas que apresentam
comprimento cervical de 15mm ou menos em ultrassonografia transvaginal
realizada entre 20 e 25 semanas, independentemente de fatores de risco
presentes, deve ser considerado o uso de 200mg de progesterona vaginal
diariamente até, pelo menos, 34 semanas.
Figura 2 - Medida do colo uterino por ultrassonografia transvaginal: colo normal e baixo risco de
prematuridade
Figura 3 - Medida do colo uterino por ultrassonografia transvaginal: colo curto e com afunilamento
e alto risco de prematuridade
Diagnóstico
O teste de fibronectina no colo uterino de gestante sintomática tem alto
valor preditivo negativo para parto prematuro.
- Coleta
B - Estágio II
C - Estágio III
a) Uterolíticos
- Inibidores de prostaglandinas
- Sulfato de magnésio
- Antagonista de ocitocina
- Etanol
- Nitroglicerina
Sob a forma de adesivos, tem sido empregada em alguns estudos como agente
tocolítico. Seu mecanismo de ação se baseia na formação de óxido nítrico,
que tem ação relaxante no músculo liso. Em vista do número reduzido de
casos avaliados até o momento, há a necessidade de maiores estudos para
avaliar a eficácia e a segurança da droga para essa finalidade.
- Agentes betamiméticos
Apesar de, quando utilizados por via intravenosa, não alterarem o coeficiente
de prematuridade, esses uterolíticos são úteis por adiarem o parto durante 2 a
3 dias, tempo suficiente para o emprego dos corticosteroides, importantes por
reduzirem as complicações pulmonares e neurológicas do recém-nascido.
Entre essas drogas, destacam-se a terbutalina, o salbutamol, a isoxsuprina, o
fenoterol e a ritodrina, embora somente esta última tenha sido aprovada pela
Food and Drug Administration para inibir o trabalho de parto. Essas drogas
atuam em receptores beta-1 (coração e intestinos) e, predominantemente,
beta-2 (miométrio, vasos sanguíneos e bronquíolos), estimulando-os e
determinando o relaxamento da fibra muscular uterina, pela diminuição do
cálcio livre no interior das células. Por agirem em diversos órgãos e no
sistema cardiovascular, o uso dessas drogas é potencialmente perigoso. Além
disso, atravessam a placenta e podem causar diversos efeitos colaterais no
feto, entre os quais taquicardia, hiperinsulinismo, hipoglicemia, hipocalemia e
hipotensão arterial. Também aumentam o risco de edema agudo de pulmão,
especialmente quando associados a hidratação venosa, e podem elevar a
glicemia materna.
São cuidados que devem ser tomados: eletrocardiograma materno prévio,
controle cuidadoso de pulso e pressão arterial (mantendo o pulso materno
<120bpm), ausculta periódica dos pulmões e do coração e monitorização dos
batimentos cardíacos fetais. Os efeitos colaterais cardiovasculares, como o
edema agudo de pulmão, são mais frequentes em situações de hipervolemia
materna – polidrâmnio, gestação gemelar – e pacientes submetidas a infusão
de grande quantidade de líquidos.
Dica
Deve-se evitar o uso concomitante de uterolítico beta-agonista e
corticosteroide.
b) Corticoterapia
Importante
Foram publicados, recentemente, alguns artigos científicos em que os
autores propuseram a corticoterapia para benefício fetal até 37 semanas de
gestação. Ocorre que os resultados dos benefícios observados para os
recém-nascidos ainda não foram absolutamente definidos, de forma que os
principais protocolos assistenciais brasileiros e internacionais ainda não
determinam a utilização rotineira dessas drogas nesses casos.
c) Neuroproteção
D - Estágio IV
Resumo
Restrição do crescimento fetal
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução
Conceitua-se Restrição do Crescimento Fetal (RCF) como a limitação
patológica de um feto em atingir o seu potencial de crescimento, devido a
vários fatores. O crescimento fetal depende de elementos genéticos,
placentários, nutricionais, hormonais e outros ainda pouco conhecidos. A
gravidez pode ser acometida por diversas condições que prejudicam o
crescimento fetal, aumentando a incidência de complicações perinatais. A
RCF, também denominada crescimento intrauterino restrito, é a 2ª principal
causa de morbidade e mortalidade perinatal, superada apenas pela
prematuridade.
A - Fatores de crescimento
Sabe-se que determinados fatores de crescimento insulina-like – Insulin-like
Growth Factors (IGF-I e IGF-II) – e suas proteínas carregadoras – Insulin-
like Growth Factor Binding Proteins (IGFBP-1 a 8) – têm um papel
importante, mas ainda não totalmente esclarecido no crescimento fetal. Esses
fatores estão amplamente expressos nos tecidos em desenvolvimento e,
portanto, promovem a diferenciação celular e a síntese proteica.
B - Nutrição fetal
A transferência materna de nutrientes é fundamental para o crescimento fetal
(daí a influência do estado nutricional materno). A glicose é o principal
nutriente para a obtenção de energia necessária ao crescimento. Seu transporte
é efetuado por difusão facilitada e, portanto, depende da concentração
materna dessa substância e da perfusão uteroplacentária. Com relação às
proteínas, pode-se dizer que a oferta inadequada pode causar danos
irreversíveis ao crescimento, principalmente nas fases de hiperplasia. Os
ácidos graxos essenciais são importantes não só como elementos
fundamentais para o arcabouço celular cerebral e vascular, mas também para
a formação placentária adequada e a síntese de prostaglandinas
vasodilatadoras. A desnutrição intraútero leva à carência tanto de nutrientes
essenciais quanto de alguns específicos, entre os quais o ácido fólico, cuja
falta se associa a malformações fetais.
C - Influências hormonais
4. Definição
O Recém-Nascido (RN) com menos de 2.500g é denominado de baixo peso e
pode ou não ser prematuro, a depender da IG.
Em virtude dos inúmeros fatores epidemiológicos que podem influenciar o
peso fetal, a Organização Mundial da Saúde recomenda que cada população
tenha a sua própria curva de crescimento fetal. RN Pequeno para a Idade
Gestacional (PIG) é aquele cujo peso está abaixo do percentil 10 para
determinada IG. Quando o peso se situa abaixo do percentil 3, considera-se
PIG grave. É fundamental conhecer com exatidão a IG, sem a qual é
impossível o diagnóstico correto.
Os termos RCF e PIG são geralmente empregados como sinônimos.
Entretanto, sabe-se que o PIG indica apenas que o feto ou o RN está abaixo
de uma medida de referência de peso para determinada IG, enquanto a RCF
traduz a existência de uma afecção capaz de modificar o potencial de
crescimento fetal e promover alterações importantes no RN, como
hipoglicemia, hipotermia e policitemia. Essa distinção é importante, pois nem
todos os RNs com percentil abaixo de 10 se apresentam doentes. Alguns são
constitucionalmente pequenos.
Dica
Pequeno para a idade gestacional indica apenas que o feto ou o RN estão
abaixo de uma medida de referência de peso para determinada idade
gestacional. A RCF está associada à existência de morbimortalidade
perinatal.
5. Incidência
A incidência de RCF varia com a população estudada, os fatores de risco
envolvidos, os critérios utilizados para o cálculo da IG e a curva-padrão
utilizada. Com tantas dificuldades, é de supor que a incidência exata de RCF
permaneça desconhecida. No Brasil, essa prevalência, em diversas
casuísticas, varia entre 6,8 e 15% dos nascimentos.
6. Morbidade e mortalidade
A morbidade perinatal é cerca de 5 vezes maior nos RNs que tiveram RCF do
que naqueles que nascem com peso Adequado para a Idade Gestacional
(AIG), em consequência da maior frequência de hipóxia, aspiração de
mecônio, hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia, hipotermia, hemorragia
pulmonar e prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor.
A hipoglicemia neonatal presente nesses casos relaciona-se à redução dos
estoques de glicogênio hepático e do miocárdio, decréscimo da
gliconeogênese hepática e redução do tecido adiposo. A hipocalcemia decorre
em função da prematuridade e da ocorrência de hipóxia. A hipotermia,
quando presente, decorre da perda excessiva de calor, por escassez de tecido
subcutâneo. A policitemia é consequente à elevação da eritropoetina fetal
decorrente da hipóxia crônica intraútero; a hiperviscosidade sanguínea pode
originar outras complicações, como insuficiência cardíaca, trombose cerebral
e insuficiência respiratória.
Com relação ao prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor, os estudos
mostram que, quando o tecido cerebral é agredido antes de 34 semanas,
surgem problemas de adaptação, irritação e concentração. Entretanto, quando
a agressão é muito precoce, ou seja, antes de 26 semanas, os distúrbios são
mais graves, com comprometimento do aprendizado, da fala e da escrita. A
evolução desses casos ao longo da infância sofre forte influência da classe
social a que pertencem os pais. A mortalidade perinatal é cerca de 8 vezes
maior do que nos RNs AIG.
Além das repercussões no período perinatal, a RCF pode repercutir na vida
adulta. Estudos epidemiológicos recentes demonstram associação de
crescimento fetal reduzido e presença de fatores de risco cardiovasculares na
vida adulta, como hipertensão arterial, níveis séricos elevados de triglicérides
e baixas concentrações séricas de HDL, além de insulinorresistência.
7. Classificação
O comprometimento fetal e o seu prognóstico dependem do agente agressor,
da fase comprometida da gestação e da duração do estímulo prejudicial.
Segundo essa classificação, a RCF pode ser dividida em 3 tipos clínicos,
relatados a seguir.
A - Tipo I (simétrico)
B - Tipo II (assimétrico)
Importante
RCF assimétrica é o tipo mais comum. O fator agressor incide no 3º
trimestre da gestação e ocasiona redução desproporcionada das medidas
corpóreas.
C - Tipo intermediário
O agente agressor atua no 2º trimestre da gestação e compromete tanto a fase
de hiperplasia quanto a de hipertrofia das células. Geralmente, nesses casos, o
feto apresenta comprometimento cefálico e de ossos longos, mas em grau
menor do que no tipo I, o que dificulta o diagnóstico. Os fatores mais
frequentemente envolvidos são desnutrição, uso de determinados fármacos,
fumo e álcool. Corresponde a aproximadamente 10% dos casos de RCF.
8. Etiologia
Diversos são os fatores que podem estar envolvidos na gênese da RCF. Esses
agentes podem ter origem exclusivamente fetal, materna ou placentária.
Outras vezes, há a associação entre diversos fatores. Em cerca de 40% dos
casos de RCF, a etiologia é desconhecida.
A - Causas fetais
B - Causas maternas
a) Infecções
c) Radiações ionizantes
d) Desnutrição
e) Anemias
f) Síndromes hipertensivas
A RCF está presente em cerca de 25% dos casos de hipertensão arterial. Por
outro lado, de todos os casos de RCF, a hipertensão arterial tem participação
em até 40%. Essas incidências elevadas estão relacionadas ao
comprometimento vascular placentário, com consequente queda do fluxo
uteroplacentário.
A frequência de RCF nas síndromes hipertensivas está diretamente
relacionada à gravidade do caso, ou seja, à dificuldade do controle pressórico,
bem como ao grau de comprometimento de outros sistemas do organismo
materno (renal, cardiovascular etc.).
g) Cardiopatias
h) Diabetes mellitus
i) Doenças autoimunes
O lúpus eritematoso sistêmico constitui uma das principais entidades do
grupo das doenças autoimunes responsáveis pela RCF. A presença de
imunocomplexos na membrana basal do trofoblasto e a vasculite placentária
explicam a insuficiência placentária encontrada nesses casos. A presença de
hipertensão arterial e de comprometimento renal torna o prognóstico ainda
mais sombrio.
C - Causas placentárias
a) Doenças placentárias
9. Diagnóstico
A suspeita clínica de RCF deve estar alicerçada na precisão da IG, idealmente
por meio de ultrassonografia (USG) obstétrica de 1º trimestre (9 a 12
semanas). Altura uterina menor do que a esperada no 3º trimestre de gestação
deve ser indicação de USG obstétrica para avaliação do crescimento fetal. É
muito importante diferenciar nesse exame os fetos constitucionalmente
pequenos (placentação normal, pais de biotipo menor) daqueles conceptos
que reduziram o ritmo de crescimento, sendo impedidos de atingir seu
potencial genético. Esse grupo agrega morbidade perinatal considerável, bem
como possibilidade de sequelas na vida adulta. O acompanhamento obstétrico
adequado durante o pré-natal é de suma importância na detecção das
alterações do crescimento fetal. A anamnese cuidadosa na 1ª consulta de pré-
natal pode revelar a presença de fatores de risco, história de RCF, morte fetal
ou neonatal anterior. Esses fatores devem alertar quanto à possibilidade de
RCF na gestação atual.
Diagnóstico
A confirmação do diagnóstico de RCF faz-se por meio de ultrassonografia
obstétrica.
C - Ultrassonografia
A - 2º trimestre da gestação
Na presença de malformações fetais e na RCF que se instala antes da 28ª
semana, indica-se a ecocardiografia fetal, com o intuito de diagnosticar, com
precisão, possíveis malformações cardiovasculares.
A cordocentese é outro procedimento possível em casos de RCF de instalação
precoce e de causa desconhecida. Esse procedimento permite a detecção de
anomalia cromossômica ou infecção congênita.
Em situações com etiologia definida, o tratamento deve ser específico. A
gestante deve ser orientada a parar de fumar se for tabagista e iniciar dieta
adequada (>2.500 calorias) se estiver desnutrida.
São evidentes as dificuldades de abordagem clínica diante da RCF que se
estabelece precocemente. O mais importante é o acompanhamento da
gestação até a viabilidade fetal (28 semanas), além da programação do parto
quando houver maturidade pulmonar ou diante de comprometimento da
vitalidade do feto.
B - 3º trimestre da gestação
Resumo
A gravidez pode ser acometida por diversas condições que prejudicam o
crescimento fetal, aumentando a incidência de complicações perinatais;
Considera-se crescimento fetal adequado quando o peso para
determinada IG se situa entre os percentis 10 e 90;
PIG indica que o feto ou o RN está abaixo de uma medida de referência
de peso para determinada IG, enquanto a RCF traduz a existência de uma
afecção capaz de modificar o potencial de crescimento fetal e promover
alterações importantes no RN;
A morbidade perinatal é cerca de 5 vezes maior nos RNs que tiveram
RCF do que naqueles que nascem com peso adequado, em consequência
da maior frequência de hipóxia, aspiração de mecônio, hipoglicemia,
hipocalcemia, policitemia, hipotermia, hemorragia pulmonar e prejuízo
no desenvolvimento neuropsicomotor;
Nem todos os RNs com percentil abaixo de 10 se apresentam doentes.
Alguns são constitucionalmente pequenos;
Diversos fatores podem estar envolvidos na gênese da RCF: agentes de
origem exclusivamente fetal, materna ou placentária.
Fatores maternos:
Baixo peso pré-gravídico (<50kg);
Tabagismo;
Infecções hematogênicas;
Síndrome antifosfolípide e trombofilias;
Drogadição;
Anemia grave e hemoglobinopatias;
Hipóxia materna;
RCF em gestação anterior;
Aborto de repetição.
Doenças maternas que afetam a placentação:
Pré-eclâmpsia;
Doença autoimune;
Trombofilias;
Doença renal;
Diabetes;
Hipertensão essencial.
Outros fatores placentários:
Placenta circunvalada;
Mosaicismo;
Gemelaridade;
Descolamento coriônico;
Anomalias uterinas;
Infartos placentários;
Fatores fetais;
Aneuploidias;
Síndromes genéticas;
Infecções congênitas.
Amniorrexis prematura
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução
Amniorrexis Prematura (AP) diz respeito à rotura das membranas ovulares
antes do início do trabalho de parto, independentemente da idade gestacional.
Quando a rotura ocorre antes da 37ª semana de gestação, é chamada
Amniorrexis Prematura Pré-Termo (APPT). As membranas ovulares e o
Líquido Amniótico (LA) desempenham importantes funções, como a
proteção, o crescimento e o desenvolvimento do feto.
A deglutição e a micção fetais permitem o equilíbrio do LA e o
desenvolvimento dos sistemas digestivo e urinário. O LA promove aumento
da pressão luminar na árvore pulmonar durante os movimentos torácicos
fetais, permitindo o desenvolvimento pulmonar; a movimentação fetal dentro
da cavidade amniótica possibilita o desenvolvimento muscular e o
crescimento do produto conceptual. O LA também protege o feto de traumas
externos, assim como o cordão umbilical de compressões durante a
movimentação fetal ou as contrações uterinas, contendo fatores imunológicos
que atuam contra a sua contaminação e infecção fetal.
A quebra da integridade das membranas pode interferir em todos esses
processos fisiológicos.
O intervalo entre a rotura das membranas e o início do trabalho de parto é
denominado intervalo de latência. A duração do período de latência tem
relação direta com risco de infecção e relação indireta com a idade
gestacional; quanto menor a idade gestacional, maior o período de latência
observado.
2. Incidência
A incidência de AP varia de acordo com as características populacionais, o
método de diagnóstico, o intervalo de latência exigido para o diagnóstico e a
idade gestacional considerada.
De modo geral, quando considerados qualquer idade gestacional e qualquer
intervalo de latência, sua incidência gira em torno de 3% das gestações para
todos os partos e em 30% para os prematuros.
Quando a AP ocorre no termo, 90% das pacientes evoluem para trabalho de
parto em 24 horas. Quando a rotura acontece no período pré-termo, a
evolução para trabalho de parto ocorre em até 7 dias em 90% dos casos.
3. Etiologia
Vários fatores têm sido relacionados com a gênese da AP, apesar de nenhum
deles, por si só, ter um papel dominante na sua etiologia. Embora sejam
conhecidos os vários fatores de risco, a incidência continua elevada.
As membranas amnióticas apresentam propriedades dinâmicas e elásticas em
virtude de seu conteúdo de elastina e colágeno, o que confere a elas a
capacidade de alteração do seu estado original e posterior retorno à sua forma
de origem. Quando submetidas a aumentos de pressão (como no trabalho de
parto), traumatismos ou infecções, enfraquecem, podendo se romper com
maior facilidade.
A infecção cervicovaginal é um dos principais fatores que predispõem à AP.
Os micro-organismos mais frequentemente envolvidos são Neisseria
gonorrhoeae, Streptococcus B, Bacteroides sp., Gardnerella vaginalis,
Chlamydia trachomatis e Enterococcus. Esses micro-organismos, alcançando
as membranas de forma ascendente, levariam a alterações estruturais a partir
da produção de proteases e colagenases, predispondo-as à rotura. A liberação
de mediadores inflamatórios favoreceria tanto a dilatação cervical quanto o
aumento da atividade uterina.
Estados nutricionais deficientes também podem levar a defeitos nas
membranas ovulares. Sabe-se que a vitamina C é essencial à formação do
colágeno e que níveis diminuídos dessa vitamina estão relacionados com
maior incidência de AP.
O tabagismo também é um dos fatores de risco. Gestantes que fumam mais de
10 cigarros por dia apresentam maior risco. O fumo afeta o estado nutricional
global da gestante, prejudica a imunidade materna e causa alteração da
oxigenação tecidual.
Sangramentos em qualquer época da gravidez também estão associados a
maior risco de AP. Quando intracavitários, causam aumento da pressão
intrauterina e produzem maior atividade uterina, pela irritabilidade das fibras
miometriais, apresentando maior risco de descolamento e/ou rotura das
membranas ovulares.
Incompetência cervical e outras deformidades do colo uterino podem expor as
membranas à microflora bacteriana vaginal, aumentando o risco de
corioamnionite e subsequente AP.
Outro fator associado ao aumento do risco de rotura prematura de membranas
é a hiperdistensão uterina (gestações múltiplas, polidrâmnio).
4. Diagnóstico
A história clínica e o exame físico podem estabelecer claramente o
diagnóstico. Na rotura franca das membranas, o escoamento do líquido é
inconfundível. Após o 1º episódio de perda, o fluxo normalmente é contínuo
ou em pequenos intervalos, dependendo da posição da gestante, da
apresentação fetal e da presença de insinuação fetal.
Diagnóstico
A queixa típica de perda de líquido por via vaginal pode estabelecer o
diagnóstico de amniorrexis prematura em até 90% dos casos.
5. Complicações
A rotura prematura de membranas pode evoluir com oligoidrâmnio,
aumentando o risco de algumas deformidades, como fácies característica, com
orelhas dobradas, nariz achatado e pele enrugada. Também pode causar
deformidades de extremidades, como pé torto (por imobilidade) e contraturas
musculares.
A principal alteração que pode ser provocada é a hipoplasia pulmonar.
Quando a rotura das membranas acontece antes da 24ª semana de gestação, o
risco de hipoplasia pulmonar é maior, sendo tanto maior o risco quanto mais
precoce a rotura.
A AP é responsável por 30 a 40% dos casos de prematuridade, importante
causa de morbimortalidade perinatal.
A infecção é uma das complicações mais temidas da rotura prematura de
membranas. A infecção intraútero, chamada corioamnionite, pode levar à
sepse materna e, se não tratada a contento, à morte da gestante. A infecção
fetal predispõe a pneumonia, septicemia e infecção do trato urinário no
período neonatal.
A incidência de hipóxia e asfixia fetal também se eleva na rotura prematura de
membranas. A principal causa é a compressão funicular, decorrente da
diminuição do volume do LA.
6. Conduta
Quando a AP ocorre a termo ou próximo dele, o feto, na maioria das vezes,
nasce dentro de 24 a 72 horas, a despeito da conduta, que na AP a termo é
sempre resolutiva.
Quando a amniorrexis acontece no período pré-termo, a conduta pode ser
resolutiva, conservadora ou expectante. Aqueles que defendem a conduta
resolutiva o fazem para evitar complicações infecciosas maternas e fetais,
porém correm o risco de enfrentar complicações decorrentes da
prematuridade. Os defensores da conduta conservadora observam atentamente
as evidências de corioamnionite e da vitalidade fetal, podendo incluir, em sua
conduta, inibição do trabalho de parto, corticoterapia e antibióticos
profiláticos. A conduta expectante englobaria os mesmos cuidados,
aguardando-se até que as pacientes entrassem em trabalho de parto, que
desenvolvessem infecção ou que ocorresse comprometimento da vitalidade
fetal, momento em que a resolução da gestação seria indicada.
A FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia) defende que, após a rotura prematura das membranas ovulares em
gestante pré-termo, a paciente deve ser internada para controle infeccioso e de
vitalidade fetal. Caso o parto não ocorra após as primeiras 72 horas, o
acompanhamento posterior poderá ser feito em ambulatório apenas nos casos
em que a gestante residir próximo ao hospital, dispuser de meio de transporte
fácil, o feto estiver em apresentação cefálica, o Índice de Líquido Amniótico
(ILA) for maior do que 8cm e não existir suspeita de infecção intra-amniótica.
Essa gestante deverá ser orientada a realizar consulta pré-natal semanalmente,
aferir temperatura 2x/d, realizar mobilograma 3x/d, colher hemograma
completo 2x/sem e realizar perfil biofísico fetal 2x/sem e ultrassonografia
obstétrica semanalmente.
Ressalte-se, entretanto, que há estudos que mostram aumento do risco de
corioamnionite e infecção neonatal nas pacientes submetidas a manejo
expectante domiciliar quando comparadas àquelas que permanecem
hospitalizadas.
Alguns autores demonstraram que a morbimortalidade associada ao parto
imediato na AP e à prematuridade é maior do que a morbimortalidade
associada ao risco de infecção materno-fetal. Na conduta expectante, quanto
menor a idade gestacional, maior o tempo de latência até a resolução da
gestação, e, quanto maior esse tempo de latência, maiores os riscos de
deformações fetais e hipoplasia pulmonar nos casos de oligoidrâmnio intenso.
Algumas medidas podem ser tomadas na tentativa de aumentar, pelo menos
transitoriamente, a quantidade de LA: repouso no leito, hiper-hidratação oral
ou intravenosa. Esses recursos apresentam resultados pouco efetivos quando a
espera é prolongada. Além disso, na ausência de trabalho de parto, deve-se
internar a paciente e realizar exames clínico, ginecológico e obstétrico,
controle da temperatura, hemograma, Proteína C Reativa (PCR) e velocidade
de hemossedimentação (VHS) a cada 48 horas e avaliação periódica da
vitalidade fetal por meio do perfil biofísico fetal.
A conduta conservadora com o uso de uterolíticos, antibioticoprofilaxia e uso
de corticoides é controversa. O efeito da tocólise na AP não está associado a
qualquer benefício perinatal, pois não há evidências de que essa terapia
prolongue a gravidez por mais de 24 a 48 horas. A antibioticoterapia deve ser
prontamente instituída nos casos de corioamnionite ou quando a cultura
perineal é positiva para Streptococcus do grupo B. A validade da
antibioticoterapia como profilaxia nos casos de AP permanece muito
discutível. Quando existe a decisão de utilizar corticoterapia para redução da
morbimortalidade fetal, esta é realizada em gestações com idade gestacional
<32 semanas e nos mesmos moldes tradicionais: betametasona 12mg IM,
1x/d, por 2 dias, ou dexametasona 6mg IM, a cada 12 horas, por 2 dias.
O Ministério da Saúde do Brasil (MS) preconiza que a conduta seja
individualizada de acordo com a idade gestacional. Em gestações com
duração entre 22 e 24 semanas, o prognóstico perinatal é bastante ruim, além
de os riscos maternos associados serem altos, como corioamnionite, sepse e
óbito materno. Diante disso, o MS defende que se ofereça à mulher e sua
família a opção de interrupção da gestação. Tal conduta é bastante discutível,
pois poderia se configurar interrupção de gestação com feto vivo, situação
não prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Caso a mulher opte por uma conduta expectante, esse fato deve ser registrado
no prontuário. Deve-se fazer a internação no momento do diagnóstico, com
hiper-hidratação por 48 a 72 horas e reavaliação do ILA. A partir de então,
deve-se reavaliá-la periodicamente. O acompanhamento poderá ser feito em
nível ambulatorial se não houver evidências de infecção ou sangramento
vaginal, conforme a seguir:
Internação;
Repouso no leito com permissão para uso do banheiro;
Curva térmica a cada 4 horas (exceto durante o sono noturno da
gestante);
Observar a presença de contrações uterinas;
Realizar exame especular, quando necessário, para avaliar as condições
cervicais e eliminação de LA;
Hemograma 2x/sem ou se surgirem sinais de corioamnionite;
Velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa quando possível;
Avaliação do estado fetal:
Ausculta de batimentos cardiofetais 2 a 3x/d;
Contagem de movimentos fetais pela mãe 2x/d (após almoço e
jantar);
Cardiotocografia basal diária ou, no mínimo, 2x/sem;
Perfil biofísico fetal diário para gestantes com ILA <5cm e 2x/sem
para gestantes com ILA >5cm;
Avaliação de volume de LA por ecografia de 2 em 2 dias.
Hidratação oral (3 a 4L/d);
Antibióticos.
O MS defende que os antibióticos, além de reduzirem o risco infeccioso,
melhoram os resultados perinatais.
Existem vários esquemas propostos com base no uso de um antibiótico
derivado da penicilina associado a um macrolídeo por 7 dias. Um esquema
possível seria com ampicilina 2g IV, a cada 6 horas, e estearato de
eritromicina 250mg IV, a cada 6 horas, por 48 horas, seguido por 5 dias de
amoxicilina 500mg VO, a cada 8 horas, e estearato de eritromicina 333mg
VO, a cada 8 horas. Uma alternativa a ser considerada é a da azitromicina
(1g/d VO) durante 3 dias.
Adicionalmente, deve-se utilizar azitromicina 1g VO, em dose única.
Utilização de corticoides:
Betametasona 12mg IM, a cada 24 horas, por 2 dias (2 doses);
Dexametasona 6mg IM, a cada 12 horas, por 2 dias (4 doses).
Indicações: idade gestacional entre 24 e 34 semanas;
Contraindicações: evidências de infecção e/ou de parto iminente,
hipersensibilidade à droga.
7. Aspectos controversos
A - Antibioticoprofilaxia
Tratamento
A FEBRASGO considera que os benefícios da utilização profilática de
ampicilina 2g e eritromicina 250mg (IV, a cada 6 horas, por 48 horas),
seguida por amoxicilina 250mg e eritromicina 500mg (VO, a cada 8 horas,
por 5 dias), superam seus riscos potenciais em gestações abaixo de 32
semanas de duração.
B - Tocólise
Resumo
AP é a rotura das membranas ovulares antes do início do trabalho de
parto, independentemente da idade gestacional;
O intervalo entre a rotura das membranas e o início do trabalho de parto
é denominado intervalo de latência. A duração do período de latência
tem relação direta com risco de infecção;
Quanto menor a idade gestacional, maior o período de latência esperado;
A infecção cervicovaginal é um dos principais fatores para rotura
prematura de membranas. Os micro-organismos mais frequentemente
envolvidos são Neisseria gonorrhoeae, Streptococcus B, Bacteroides sp.,
Gardnerella vaginalis, Chlamydia trachomatis e Enterococcus;
A história clínica e o exame físico podem confirmar o diagnóstico em até
90% dos casos, já que o escoamento do líquido é inconfundível nos
casos de rotura franca das membranas;
A rotura prematura de membranas pode evoluir com oligoidrâmnio,
aumentando o risco de acarretar algumas deformidades, como fácies
característica, deformidades de extremidades e hipoplasia pulmonar;
A AP é responsável por 30 a 40% dos casos de prematuridade, causa
importante de morbimortalidade perinatal;
A infecção é uma das complicações mais temidas da rotura prematura de
membranas. A infecção intraútero, chamada corioamnionite, pode levar a
sepse materna e consequente morte da gestante. Antibioticoterapia de
amplo espectro é indicada nesses casos;
Quando a AP ocorre no período pré-termo, a conduta pode ser resolutiva,
conservadora ou expectante. Não havendo sinais de infecção ou
sofrimento fetal, indica-se a resolução eletiva da gravidez em 36
semanas de gestação.
Oligoâmnio e polidrâmnio
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução
O líquido amniótico é essencial para o adequado desenvolvimento do feto. As
principais funções desse líquido são proteção fetal contra traumas externos,
manutenção da temperatura fetal, participação no mecanismo de crescimento
e de movimentação normal do feto, participação na homeostase bioquímica
fetal, desenvolvimento e maturação normais dos pulmões e, no trabalho de
parto, proteção do feto contra o efeito das contrações, além de auxílio na
dilatação do colo uterino.
Dica
O volume máximo de líquido amniótico ocorre por volta de 32 a 35
semanas de gestação.
3. Oligoâmnio
A - Definição
O oligoâmnio caracteriza-se pela diminuição da quantidade de líquido
amniótico, incide em cerca de 4% das gestações e é considerado entre a 21ª e
a 42ª semanas de gestação, quando o volume do líquido amniótico é inferior a
250mL. Como esse volume é difícil de ser estimado na prática, o critério
ultrassonográfico é o mais utilizado para o diagnóstico.
B - Etiologia
As principais causas determinantes da diminuição do volume amniótico são
rotura prematura de membranas, insuficiência placentária e presença de
anomalias congênitas fetais. Dentre as anomalias fetais mais relacionadas ao
oligoâmnio, têm destaque as que acometem o sistema urinário, principalmente
a agenesia renal bilateral, as displasias renais e a obstrução do trato urinário.
A hipertensão arterial, o tabagismo e a pós-maturidade, provavelmente pela
hipoperfusão placentária, também estão relacionados à diminuição do volume
de líquido amniótico. Em poucas situações, a etiologia é desconhecida.
C - Prognóstico
D - Diagnóstico
Dica
Para a obtenção do ILA, divide-se o útero em 4 quadrantes. O maior bolsão
de líquido de cada quadrante é medido em seu diâmetro longitudinal, em
centímetros. A soma dos 4 valores obtidos, 1 em cada quadrante, determina
o resultado do ILA.
Figura 1 - Divisão do abdome materno em 4 quadrantes para a aferição do índice de líquido
amniótico
Figura 2 - Aferição do índice de líquido amniótico: maior bolsão livre de líquido amniótico em cada
quadrante
E - Conduta
A - Definição
A definição de polidrâmnio é um tanto controversa. Alguns o definem como
volume de líquido amniótico superior a 2.000mL no momento da resolução da
gestação, há quem considere volume superior a 3.000mL, e outros o definem
como a quantidade de líquido amniótico em dobro da esperada para a idade
gestacional. Como esse volume é difícil de ser estimado na prática, o critério
ultrassonográfico é o mais utilizado para o diagnóstico.
Acredita-se que o polidrâmnio esteja presente em 0,4 a 1,5% das gestações.
Pode ser agudo, quando seu aparecimento é rápido, às vezes instalado em
menos de 24 horas e de ocorrência bastante rara, ou crônico, com
desenvolvimento mais lento no decorrer da gestação e mais frequente no 3º
trimestre.
B - Etiologia
O excesso de líquido amniótico associa-se a algumas doenças, com destaque
para certas infecções, diabetes mellitus, doença hemolítica perinatal e
gemelaridade. Também existe a correlação entre o aumento do volume do
líquido amniótico e as malformações fetais.
O diabetes mellitus descompensado constitui a principal condição materna
associada ao polidrâmnio. Sugere-se que a hiperglicemia fetal ocasione
polaciúria, sendo o mecanismo fisiopatológico nesse caso.
As principais anomalias ligadas ao aumento do volume de líquido amniótico
são aquelas que acometem o Sistema Nervoso Central (SNC), o trato
gastrintestinal, o coração, o trato geniturinário e o sistema musculoesquelético
fetal. As alterações do SNC são as mais comuns, respondendo por 45% das
anomalias congênitas envolvidas; dessas, a anencefalia responderia por 80%
das anormalidades diagnosticadas. As malformações obstrutivas do trato
gastrintestinal superior, como a atresia esofágica, também estão bastante
relacionadas ao polidrâmnio.
C - Prognóstico
Dica
O polidrâmnio está relacionado com aumento da morbimortalidade fetal.
D - Diagnóstico
Deve-se suspeitar, quanto ao diagnóstico clínico, sempre que a altura uterina
for maior do que a esperada para a idade gestacional, especialmente quando a
paciente refere diminuição da movimentação fetal e há dificuldade em palpar
partes fetais e realizar a ausculta fetal. O tônus uterino pode estar aumentado,
e é frequente o edema de membros inferiores e da parede abdominal, além da
presença de estrias abdominais. Em casos graves, podem ocorrer desconforto
respiratório e dispneia pela elevação e compressão do diafragma e oligúria
decorrente da compressão ureteral pelo útero gravídico. No diagnóstico
diferencial, deve-se afastar a possibilidade de gemelaridade e macrossomia
fetal.
A presença de um único bolsão de líquido amniótico medido verticalmente,
igual ou superior a 8cm, faz o diagnóstico de polidrâmnio. Com relação ao
ILA, valores maiores que 18cm são considerados líquido amniótico
aumentado e, quando maiores que 25cm, possibilitam o diagnóstico de
polidrâmnio.
De acordo com o Ministério da Saúde, o diagnóstico de polidrâmnio é
confirmado quando o ILA é maior que 18cm (e não 25cm, como aponta a
literatura tradicional).
O resultado perinatal nas gestações complicadas por polidrâmnio parece estar
intimamente relacionado à presença de malformações fetais. Não havendo
alterações morfológicas do feto, o prognóstico neonatal é favorável, a menos
que haja alguma intercorrência, como descolamento prematuro de placenta,
prolapso de cordão etc.
E - Conduta
O polidrâmnio leve raramente requer tratamento. Graus moderados, com
algum desconforto, podem ser acompanhados sem procedimentos invasivos.
A avaliação rigorosa das condições fetais é obrigatória. Na presença de
dispneia, dor abdominal intensa ou dificuldade para deambular, a internação
pode ser necessária. Repouso e sedação podem ser utilizados paliativamente,
pois não há outra terapêutica satisfatória para o polidrâmnio sintomático além
da remoção do excesso de líquido amniótico por meio de amniocentese.
A redução do volume de líquido amniótico, quando indicada, deve ser
realizada até que a altura uterina esteja compatível com a idade gestacional ou
se obtenha ILA compatível com a normalidade para a idade gestacional. A
remoção do líquido deve ser lenta, para que o risco de desprendimento
placentário seja pequeno. Além disso, a descompressão aguda leva à redução
do índice pulsátil da artéria cerebral média do feto. O procedimento pode ser
repetido, sempre que necessário, para manter a gestante assintomática.
Como terapia alternativa, tem-se utilizado a indometacina, um inibidor da
síntese de prostaglandinas. O mecanismo de ação provável seria a redução da
produção urinária do concepto. A indicação deve restringir-se aos casos
idiopáticos, com menos de 32 semanas de gestação. A principal complicação
é o risco de fechamento precoce do ducto arterioso, especialmente após a 32ª
semana de gestação. É essencial pesar os riscos e os benefícios.
Nos casos de rotura de membranas durante o trabalho de parto, o
extravasamento do líquido por via vaginal deve acontecer de forma lenta, para
diminuírem os riscos de descolamento prematuro de placenta e prolapso de
cordão.
Nos casos leves e moderados, a gestação pode alcançar 39 a 40 semanas de
idade gestacional. Nos casos graves, interrompe-se a gestação com 37
semanas. Caso exista polidrâmnio grave em idade gestacional compreendida
entre 34 e 37 semanas, está indicada a amniocentese para esvaziamento.
Resumo
Na gestação precoce, o líquido amniótico é produzido por transudato
pela pele do embrião;
Na 2ª metade da gestação, o líquido amniótico é produzido
principalmente pela urina fetal;
A reabsorção do líquido amniótico ocorre principalmente pela deglutição
fetal;
Oligoâmnio é um importante fator para desenvolvimento de hipoplasia
pulmonar;
ILA entre 8 e 18cm no termo é considerado normal;
O oligoâmnio é um marcador de sofrimento fetal crônico;
O polidrâmnio aumenta o risco de hemorragia pós-parto, prolapso de
cordão e descolamento prematuro de placenta.
Vitalidade fetal
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução e indicações
O prognóstico de gestações de alto risco tem melhorado nos últimos anos
devido ao melhor controle das doenças maternas e ao desenvolvimento dos
métodos de avaliação do bem-estar fetal. A propedêutica para a avaliação da
vitalidade fetal inclui os métodos clínicos (observação de movimentação
fetal), a cardiotocografia, o Perfil Biofísico Fetal (PBF) e a
dopplervelocimetria. São testes não invasivos que possibilitam a predição do
sofrimento fetal, não a confirmação desse diagnóstico.
Não há benefícios na utilização de métodos de propedêutica para a avaliação
da vitalidade fetal em gestações de baixo risco. Desse modo, os testes para
essa avaliação são indicados apenas para gestações de alto risco, em geral, a
partir da 26ª à 28ª semanas de gravidez, momento em que existem viabilidade
fetal e maturidade do sistema nervoso autonômico do feto (permite a
avaliação da cardiotocografia).
Assim, somente a observação dos movimentos fetais e a ausculta dos
batimentos cardíacos devem ser feitas em todas as consultas médicas durante
o pré-natal.
Importante
Os métodos de avaliação da vitalidade fetal devem ser utilizados no
seguimento de gestações de alto risco.
A - Doenças maternas
B - Intercorrências da gestação
- Linha de base
A taquicardia fetal (FCF >160bpm) tem como causa mais grave a hipóxia
fetal crônica, que aparece em virtude da estimulação do componente
simpático do sistema nervoso autônomo. Outras causas associadas são
hipertermia materna (a FCF se eleva em 10bpm a cada grau centígrado),
infecção ovular, uso de drogas parassimpaticolíticas (atropina) e uterolíticas
(isoxsuprina, orciprenalina e ritodrina), excesso de atividade fetal e
taquiarritmias, nas quais a FCF basal geralmente apresenta valores >200bpm.
Figura 3 - Taquicardia fetal: linha de base = 170bpm
- Variabilidade
- Desacelerações
- DIP I
Figura 9 - Fisiopatologia
Figura 10 - Desaceleração precoce
- DIP II
Figura 11 - Fisiopatologia
Figura 12 - Desaceleração tardia
- DIP umbilical
Importante
São parâmetros avaliados em uma cardiotocografia: linha de base,
variabilidade da frequência cardíaca fetal, presença de acelerações
transitórias e ausência de desacelerações.
Figura 13 - Fisiopatologia
Figura 14 - Desaceleração variável
b) Interpretação
Categoria II (indeterminado):
a) Marcadores agudos
b) Marcador crônico
- Cardiotocografia
- Variáveis ultrassonográficas
- Tônus
Importante
O perfil biofísico fetal é composto por 1 marcador crônico – volume de
líquido amniótico – e 4 marcadores agudos – cardiotocografia,
movimentação respiratória, movimentação corpórea e tônus fetal.
- Interpretação do perfil biofísico fetal
Para cada uma das variáveis consideradas normais, são atribuídos 2 pontos;
para as anormais, zero. O valor total do teste varia, portanto, de zero a 10
pontos. A interpretação clínica e a conduta variam com os escores obtidos e
cada serviço obstétrico.
d) Obtenção de sonogramas
Figura 18 - Sonogramas arterial e venoso; (S) Sístole; (VM) Velocidade Média; (A) contração Atrial;
(D) Diástole
Resumo
Os exames de avaliação da vitalidade fetal são realizados para assegurar
a continuidade da gestação com segurança ou determinar a realização
imediata do parto, ainda que prematuro;
A decisão valoriza os riscos de sofrimento fetal e de óbito intrauterino,
em contrapartida com os riscos relativos à prematuridade;
Quanto mais prematuro for o feto, mais exames deverão ser realizados,
com a finalidade de diminuir a chance de indicação iatrogênica de parto
prematuro;
Algumas alterações nos exames de avaliação da vitalidade fetal indicam
a necessidade de resolução imediata da gestação: presença de
desacelerações tardias de repetição, índices de PBF inferiores a 6,
diástole reversa nas artérias umbilicais e valores de índice de
pulsatilidade para veias de ducto venoso superiores a 1,5;
Pode-se considerar a utilização de corticoterapia antenatal para
maturação pulmonar fetal: ILA entre 3 e 5cm e valores de índice de
pulsatilidade para veias de ducto venoso entre 1 e 1,5.
Pós-datismo e gestação
prolongada
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução
A placenta tem duração fisiológica em torno de 280 a 300 dias. Observam-se
alterações fisiológicas e aceleração dos fenômenos de envelhecimento
placentário no período próximo ao termo da gestação, o que pode interferir
nas trocas materno-fetais realizadas pela placenta e determinar oxigenação
inadequada do produto conceptual. O déficit nutritivo geralmente não ocorre
nessas situações, uma vez que a insuficiência placentária tende a ocorrer após
o crescimento adequado do feto.
A International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) e a
Organização Mundial da Saúde (OMS) consideram que a gestação seja
prolongada (pós-termo) quando dura mais de 294 dias (42 semanas
completas), a partir do 1º dia do último período menstrual. O termo “pós-
datismo” é utilizado para as gestações entre 280 e 294 dias (de 40 a 42
semanas completas).
3. Complicações
A taxa de mortalidade perinatal aumenta com o prolongamento da gestação.
São observadas taxas de 2,3:1.000 nascidos vivos com 40 semanas, 3:1.000
nascidos vivos com 42 semanas e 4:1.000 nascidos vivos com 43 semanas de
gestação.
O risco de mortalidade infantil também aumenta com a progressão da
gestação: de 0,34:1.000 nascidos vivos com 37 semanas e 3,72:1.000 nascidos
vivos com 43 semanas de gestação.
O risco de perda (natimortos + mortalidade infantil) também aumenta de
2,4:1.000 com 40 semanas para 5,8:1.000 com 43 semanas de gestação.
As morbidades gestacional e neonatal também são maiores em gestações que
atingem 40 semanas. Observam-se aumento na incidência de líquido meconial
e consequente síndrome de aspiração meconial, macrossomia fetal e distocia
de bisacromial, diminuição do líquido amniótico e oligoâmnio com
consequente compressão funicular, o que pode ocasionar deficiência na
oxigenação fetal.
Importante
A morbidade obstétrica é maior em gestação que atinge 40 semanas, em
que se observam aumento na incidência de mecônio, macrossomia fetal,
distocia do bisacromial e oligoâmnio.
4. Diagnóstico
O diagnóstico está associado ao correto conhecimento da data da última
menstruação. A ultrassonografia obstétrica no 1º trimestre para confirmar a
idade gestacional auxilia no acompanhamento pré-natal e no diagnóstico de
pós-datismo.
A ultrassonografia é, também, um recurso propedêutico valioso no 2º e no 3º
trimestres, porque, mesmo com menor acurácia, pode-se ainda estimar a idade
gestacional e avaliar outros parâmetros, como o crescimento fetal, a
quantidade de líquido amniótico e o bem-estar fetal por meio do perfil
biofísico fetal.
5. Conduta assistencial
A conduta assistencial visa diagnosticar precocemente uma possível falência
placentária, evitando os danos causados pela hipóxia ao produto conceptual.
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda que a
gestação não ultrapasse 42 semanas (294 dias); entretanto, considera razoável
a indução do TP em gestantes com idade gestacional entre 41 e 42 semanas.
Após a 42ª semana, as gestações devem ser avaliadas por meio de
ultrassonografia, e, se o peso fetal estimado for superior a 4.500g, deve ser
discutida a resolução da gestação por cesárea. Em gestações com peso
<4.500g, o colo uterino deve ser avaliado por meio do índice de Bishop, e,
quando favorável (Bishop >8), pode-se tentar induzir o TP. Colos uterinos
desfavoráveis podem ser maturados antes da indução do TP.
Dica
O índice de Bishop deve ser avaliado quando se considera indução ao
trabalho de parto. Tal índice é imprescindível para guiar a conduta a ser
tomada.
A - Maturação cervical
a) Métodos farmacológicos
Resumo
Observam-se alterações fisiológicas e aceleração dos fenômenos de
envelhecimento placentário no período próximo ao termo da gestação.
Isso pode interferir nas trocas materno-fetais e determinar inadequada
oxigenação do feto;
A FIGO e a OMS consideram que a gestação é prolongada (pós-termo)
quando dura mais de 294 dias (42 semanas completas), a partir do 1º dia
do último período menstrual;
O termo “pós-datismo” é utilizado para as gestações entre 280 e 294 dias
(de 40 a 42 semanas completas);
A gestação prolongada é mais frequente em primíparas, com incidência
de cerca de 10%;
Alguns fatores maternos e fetais estão associados à ocorrência de
gestação prolongada: baixas condições socioeconômicas, ciclos
menstruais irregulares, antecedente de gravidez prolongada, utilização de
anticoncepcionais hormonais, idade materna, malformações fetais,
deficiência de sulfatase placentária;
A taxa de mortalidade perinatal aumenta com o prolongamento da
gestação. As morbidades gestacional e neonatal também são maiores em
gestações que atingem 40 semanas;
A conduta assistencial visa diagnosticar precocemente uma possível
falência placentária, evitando os danos causados pela hipóxia ao produto
conceptual;
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda que
a gestação não ultrapasse 42 semanas (294 dias).
Pesquisa de maturidade fetal
Fábio Roberto Cabar
1. Introdução
A maturidade fetal consiste no pleno desenvolvimento dos diversos órgãos e
sistemas fetais que, no processo fisiológico normal, se completa entre 37 e 40
semanas de gestação. A maturidade do sistema respiratório fetal ocorre em
torno da 35ª semana de gestação, quando as adaptações anatômicas e
funcionais permitem ao recém-nascido prematuro sobreviver no ambiente
extrauterino.
Sabe-se que algumas condições clínicas aceleram a maturidade fetal (por
exemplo, hipóxia fetal crônica), enquanto outras, como diabetes mellitus,
estão associadas a atraso na maturação pulmonar. Entre as múltiplas
complicações da prematuridade, a imaturidade pulmonar, relacionada à
produção inadequada de surfactante, consiste na de maior gravidade,
determinando, muitas vezes, a sobrevida do concepto.
O obstetra deve realizar correta avaliação da maturidade fetal para evitar a
prematuridade iatrogênica por ocasião de cesárea eletiva, indução de parto e
parto prematuro terapêutico. O nascimento pré-termo é a principal causa de
morbimortalidade perinatal em nosso meio, e a sobrevivência do recém-
nascido está relacionada, fundamentalmente, à sua maturidade pulmonar.
3. Surfactante
As substâncias surfactantes permitem que a expansão alveolar ocorra
adequadamente durante a inspiração e impedem o colapso alveolar durante a
expiração. Seu mecanismo de ação baseia-se na diminuição da tensão
superficial da parede dos alvéolos, principalmente nos de menores dimensões,
que tenderiam ao colabamento no final da expiração.
O surfactante é uma mistura de 90% de lipídios e de 10% de proteínas
produzidas pelos pneumócitos II. No interior destes, é armazenado nos corpos
lamelares e expelido por exocitose; no lúmen alveolar, é convertido em
mielina tubular.
É composto, basicamente, por dipalmitoilfosfatidilcolina (lecitina),
responsável por 70% dos fosfolípides, e por fosfatidilglicerol (10%). Outros
componentes de menor participação incluem fosfatidiletanolamina,
fosfatidilinositol, fosfatidilserina, lisolecitina e esfingomielina. A lecitina é o
principal componente tensoativo do sistema surfactante. A maturidade do
pulmão fetal ocorre em torno da 34ª e da 35ª semana de gestação, quando a
lecitina perfaz pelo menos 50% do total de lipídios.
A - Clínicos
Os métodos clínicos fornecem subsídios para estimar a idade gestacional e a
provável maturidade fetal. A seguir, os métodos utilizados.
É possível a partir da 16ª semana, sendo mais comum a sua detecção a partir
da 20ª semana de gestação.
B - Laboratoriais
a) Características físicas
b) Bioquímica
Dica
Em uma gestação normal, a maturidade pulmonar é atingida quando a
relação lecitina-esfingomielina é superior a 2.
d) Perfil pulmonar
f) Citologia
Com azul do Nilo: o líquido amniótico (1 gota) é corado com o sulfato azul
do Nilo (1 gota a 0,1%); são contadas 500 células, e é estabelecido o
percentual entre células orangiófilas e células azuis. As orangiófilas são
originadas pela esfoliação da pele fetal recobertas por gordura produzida
pelas glândulas sebáceas, traduzindo a maturidade funcional da pele fetal. Se
a contagem dessas células for maior que 10%, indicará maturidade fetal; se a
contagem estiver entre 5 e 10% e existir gordura livre, sugerirá falso negativo.
O índice de falsos negativos gira em torno de 15%;
Com lugol: cora em castanho-escuro as células do líquido amniótico ricas em
glicogênio (são células lugol positivas). O percentual dessas células diminui à
medida que se aproxima a maturidade fetal; valor inferior a 4% se relaciona
com maturidade fetal em 89% das avaliações.
C - Biofísicos
a) Amnioscopia
Figura 1 - Amnioscopia
b) Radiologia
c) Ultrassonografia
Dica
A ultrassonografia de 1º trimestre estima a idade gestacional com margem
de erro de 5 dias. É o melhor método para o cálculo da idade gestacional,
superior à data da última menstruação e ao exame físico.
5. Conclusão
Os testes de avaliação da maturidade fetal sofrem influência da técnica de
coleta, do armazenamento, do volume e da dinâmica do líquido amniótico, da
presença de contaminação com sangue ou mecônio e da técnica utilizada na
realização desses testes. Os resultados falsos positivos são excepcionais, e o
índice de falsos negativos varia de 8 a 40%, o que indica que ainda não há um
teste perfeito para a avaliação da maturidade fetal e torna imperiosa uma
combinação de métodos para correta avaliação fetal.
O avanço da Perinatologia e dos estudos da fisiologia fetal tornou claro que
vários órgãos e sistemas fetais têm seu desenvolvimento afetado por inúmeras
afecções maternas ou pelo uso de determinadas drogas durante a gestação. O
obstetra deve procurar identificar os fatores que possam interferir na
maturidade fetal em cada gestação, buscando o benefício do feto e evitando
ao máximo problemas respiratórios neonatais.
Resumo
A maturidade fetal consiste no pleno desenvolvimento dos diversos
órgãos e sistemas fetais. No processo fisiológico normal, completam-se
entre 37 e 40 semanas de gestação;
A maturidade do sistema respiratório fetal ocorre em torno da 35ª
semana de gestação;
Algumas condições clínicas aceleram a maturidade fetal (por exemplo,
hipóxia fetal crônica); outras, como diabetes mellitus, estão associadas a
atraso na maturação pulmonar;
O desenvolvimento pulmonar fetal é dividido em 5 períodos:
embrionário, pseudoglandular, canalicular, sacular e alveolar. O período
alveolar inicia-se em torno da 36ª semana e não se completa até os 8
anos de vida;
As substâncias surfactantes permitem que a expansão alveolar ocorra
adequadamente durante a inspiração e impedem o colapso alveolar
durante a expiração. O surfactante é uma mistura de 80 a 90% de lipídios
e 10 a 20% de proteínas e é produzido pelos pneumócitos II;
Os métodos clínicos utilizados para estimar a idade gestacional e a
maturidade fetal são: data da última menstruação, ausculta dos
batimentos cardíacos fetais, percepção da movimentação fetal, medida
da altura uterina;
A esfingomielina é um fosfolipídio presente no líquido amniótico; não
está relacionada com a maturidade pulmonar, e sua concentração diminui
da 32ª semana até o termo. Com a lecitina, ocorre o contrário, o que
permite uma relação muito útil para estimar a maturidade pulmonar. Seu
uso é bastante difundido e considerado padrão-ouro.