A Santa Sé E O Estado Da Cidade Do Vaticano - Salmo Caetano de Souza

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 29

A SANTA SE E O ESTA DO DA CIDA DE DO VATICANO: distingño e

complementaridade

Resurno:
O presence artigo quer explicar como o papa ou a Santa SP que, al ias, sfio
c•xpressñes sinñnimas e mani fcstam a mesma real idade — sc apresenta e, por
conseguinte, atua, diplomaticamente. no contexto da Comunidade das Na9oes
Unidas (ON LI). Em outras palavras, este artigo procura mostrar a rcla9ao que ex iste
entre a Santa Sé e a sua .A9ño Diplomatica no seio dos Estados-membros clue
compñem o refcrido Organismo I ntemacional.
Palavras-cleave: Direito Canfinico. Santa Sé. Estado da L“idade do Vaticano.
Tratado de I.at rao.

Abstract:
This paper delineates how the pope and the Holy See- synonymous entit ies and as
such expressing the one and the same reality function u ithin the international
community. This explanation is elicited especial1y from their diplomatic action
is’ithin the Community of Countries at the United Nations (UN). The action of the
pope and the Holy See through the diplomatic act ivity in the countries wit h in
community serves as a backdrop for this elucidation.
Keywords: Canon Law. Hole Sec. City of Vatican State. Treaty o I I .atran.

1ntrodu§âo

A Santa Sé e o Estado da C idade do Vaticano sño dois conceitos que, ao


longo da historia e ate hoje em dia se inisturarn, se con fundem e, as vczes, se fundem, sendo
tornados um pelo outro no entendimento geral, sobretudo pet a midi a e até mesrno pelos
proprios fiéis catolicos. A situa9ño flea pior quando a esses dois conceitos se acrescenta um
terceiro, on seja. o de Igreja Catolica. A i, entao, nño sc sabe cJuem é qiiem. O mais comrlm
é a associapño entre os dois ultimos conceitos, ou seja. o “Vaticano”. como é
farniliarmente chamado o Estado da Cidade do Vaticano, e a I_•reja Catolica. ondc aquele
pi‘imeiro aparece como o centro de podcr ou de direpño (o Papa) dessa ulti ma. Mas. poucos
sabem onde se cnca ixa nessa relap3o triangular a Santa Sé.

Doutor ein Direito lntemacional Publ ico pet a Faculdade d<• Direiio da Unis'ersidade dc S*ao Paulo (IJ SP).
Sacerdote da A rquidiocese de Sao Paulo, c4ouIor em Direito Canfinico pela Ponti ficia Un iversidade Sao
Toir3s de Aquino, de Roma.

Rev ista da i'auuldadc de Dircitu da UnivcrsidaJc Ie Sdn Pa‹ilo v. 100 p. 2S 7-31 jan.'dcz. 2005
4
Sthnio Coetoito ‹fr 'fiyti.“o

O objctivo deste artigo é mostrar como se da a aHicula9ño entre estas trés


figuras, evi dcnciando que tal rela9ño se da, ao mesnio tempo, através de dois aspectos:
d istinqño c compl cinentaridade.

I. Qucrn é a Santa Sc'

Scgundo o C3non 361, do Cfidigo de Direito Canñnico dc 1983, o tcrmo


Santa Sé ou Sé Apostolica tern dois sentidos difercntes, ao afirmar o quanto segue:
Sob a denoinina9ño de Sé Apostol ica on Santa Se. neste
Codigo. vem nño-so o Romano Pontifice, mas tambéni. a nâo
ser o, ue pet a natureza da coisa ou pelo contcxto das palavras
se depreenda o contrario, a Secrc-taria de Estado, o C.onsel
ho para os N c•gocios Pu blicos da Igreja e os dcmais
organismos
da Curia Itoinana.*

O primeiro scntido fi amplo e p•eral e, o outro. estrito e especial.


No sclitido amplo c geral, o nome Santa Sé ou Sé Apostfilica colrpreende
nño-so o Romano Pontifice, “(...) mas, lainhém, a nâo str que pela nntm e a da coisu on
pe/o conlcxto das f›alai›ras Je deforeenda oulra roi.so, a Secrctaria de Estado” e outras
instituipñes da Curia Ronaana.'
No scntido estrito e especial, o termo Santa Se ou Sé A postolica designa
sonacnte o Romano Pontifice, quer dizer, o Oficio ou a Funpño do Romano Pontifice; ou,
em outras palavras, designa o Papado, o Pi imado Romano e a sua pessoa.
Para os propositos dcsse artigo, convein ressaltar mais o ñltimo sentido do
termo Santa Sé, ou seja. o seu sis ficado estrito e especial. vale dizer, a pessoa c a fun9ño
do Romano Pontifice, que apai ece aqui enquanto o titular em exc•rcicio da Santa Se.
enquanto Orgño Supremo de dire9ño da Igreja. A C(mia Romana, segulido o .sent ido
amplo, é so mm ñrgño aux il iar do papa no goxerno universal da Igreja. Lste cñnon coloca
entao o papa como Cabepa da Igreja e, consequentemente, como detentor da Suprema
A utoridade da mesma.

O conteudo desse item se encontra lariamente desenvol vido no Segundo Capiiulo da nossa tese dc
doutorado a prcsen iada ao Oc•pari amen to de l9 ircito I nternacional da I’ac ul dadc dc Dir ciio da £J nivers idade
de Sao Paul o. e m 25/ 10/2004, in I iiu:ada “A Medial ao da Santa Sc nu Media9io do t"anal de l3eagle”
L.‘ODlGO ‹:I‹ Dr ‘cite €’oi outro (CIS.). ‘I’radu9 to em 1 ingua portuguesa da Con feréncia Nacional do Bras it,
Sao Paulo: Loyola, I '7S3.
U5n. 36.1 , C I C 1983.
Note-set. porém, q tic a Su preira A utoridade da 1 greja t’atol ica tern como destinal ‹a rios. a lém do papa, o
Colégio dos 13 ispos. Trata-se, pt›rtanto, dc dois suje itos inadequadamen te distintos. q tie atuam errs dois
niodos: urn pessoal (o Papa) e o out ro colegial (C’olcg io dos Bispos) (C’3non 33b. C I C).
289

A Igreja Catolica, por sua vez, sob o aspecto juridico, surge como sendo
utria comrinidade de fé autfinoma, socialmcnte organizada e fundada por Deus através de
Cristo c, porianto, independente dc qualquer poder humano, quer di zer. soberana, cujo
exercicio da soberania é uma soberania espiritual papa. corresponde ao Note-se.
portanto, que a Igreja e o papa sao fenomenos que riascerarn simultaneamente e
inseparavel mente, mas com papéis distintos, se bem que complementares. por vontade de
seu fcndador, Jesus Cristo. O papa foi pos to pelo Cristo como Cabeqa da 1 greja. como
a firma Rafael Llano Ci fucntcs:
Em primeiro lugar. Jesus escol hen doze honiens c•ntre ecus
discipuJos com o intuito dc prepara-los para una especial
min istéi io apostolico de dire9ño.' E é a eles que Cristo diz:
“Quem voz recebe. a mini recebe, quem me recebe, rccebe a
quem me enviou” C risto. porém, nño se I imita a escol he-
los. con ferc- I hes urna autoridade. uin poder de govemar:
“Em verdarle vos digo. que ludo o que vos ligardes na terra
sera ligado no Cum e tudo o que desligardes na terra scra
desligado no Cen” Servindo-se dc-sta meta fora tao comum
na linguagem rabinica, “ligar e desk igar” que significa
pt oil›ir ou yet iriifir, Cristo enteridia dai a scans discipulos
uma . negavc•l oiitoriñode goverriativa e um J›oder supremo
de jm-isdiqâo, que aharca a possibi lidade de condenar c de
cxcluir da 1greja qualq ucr dos seus membros.

Essa a utoridade prossegue o rcferido autor ele a centraliza nulna pessoa


concrcta, quando diz:
Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a ininha Igreja e as
porias do Inferno nño prevaleccrño contra el ‹i. Dar-te-ei as
chaves do Reino dos Ceus c tudo quanto ligarcs na tcrra scr3
is a do nos Céus e tiido quanto desl igares na ierra sera des1
imado nos Ceus.

A pedra fundariacn:al, alirma o referido autor, base jurisdicional da Igreja,


tern, além do poder de atar e desatar, aquele “poder das chaves”, que sclrpre se havia considerado
inclusive em ou[ros lugares paralelos do Antigo Testainento — como simbolo do podcr
soberano. Pedro — e os sells sucessores , a queue se entregararn as chaves do reino dos ceus
como tradicionalrnente se faz com aquele a quem se outol‘ga o

LI ANO Cl FU S:ITES, It. Cllr» ‹ie /J//'c//u I ”o›7d/›ic‹›. Sâo l’aulo: Saraiva. I fi7 I . p. 2.
i'vlc., 16. I (^, init. I fi, I k-20: LLAMO CIFU I:NTES. It.. op. cit.. p. 25.
Alt. I . 2-9: Me. 3. I 3- I '1. Lc., 6. I 3- I G. Jo.. 10. 2-4: LLANO Cl FLT ENTER, It., np. c if.. p. 2 .
MI. 18, I g. LL.'\hO cm rN Ls. It., op. cit,. p. 25.
Mt. I h. I d: LLANO Cl F U ENTFS, ft.. op. cit., p. ?S.

ko°visia da Faculdadc dc Dircilo da UnivcrsiJad°. du- Sâo Paulo . 100 p. 257-3 1 jan.ldcs. 2005
4
domin io dunia cidade ou duly reino tern o podcr supremo da Igreja, reino be De us na
terra.
Ma is a inda, acrescenta ri irencinnodo yutor Cristo, como q tie rjue rendo por
em relevo o carater sects/ c 11ierarqtiico la Igreja, no ambience dc solenidade de que
esta a revestida a sua despedi da. antes da Ascensño aOS Céus, disse aos Apostolos:
f’oi me dado todo o poder no céu e na terra: ide. pois, e
ensioa i a tod as as gentcs, batixando-as em nome do Pai, do
Filho e do Espirito Santo. ensinando-as a observar tod as as
coisas que \‘os tcnha mandado atc a consut›Japño dos

Reccbei o Espii‘ito Santo: aqueles a quem vos perdoardes, os pecados ser-


1hes-ño perdoados, e aqueles a quem vos o retiverdes, ser-lhes-ao i‘etidos.' '
A interpretaqao ma is estrita destes textos. assevcra o referido autor.
referendada por nunicrosos estudos escritriristicos. deixa clai‘o que Cristo. de um inodo
explicito, quis a lgreja como socieJade e, labelecitla c’om ian poder .‹ol›erano
li ierarqi/ic‹rineiif‹• cons/i/tiido. ' '
Ora, por estai’ constituido essencialmentc pelo Oficio do Romano Pontifice,
correspondeir a Santa Sé todos os direitos e prerrob•ati vas que competent ao Romano
Pontifice:
I . enquanto cabe9a do corpo eclesial, o poder do regime ot dinario,
suprenio, f›letio, ii iediato e tmivei.Tal que I he é prfiprio;'
2. enquanto soberano telrporal do Estado da C idade do Vaticano: "
3. enquanto Patriarca do Ocidente. Primal da lta lia, Metropolita da
Provincia Roman a e Bispo de Roma, e com o conjunto dos orgños que compñem o Otñcio
Pi imacial, ta is como dicastérios, tribunais e oficios romanos, no seu sentido amplo, ou
seja, a Cunt a Romans.
A Santa Sé veni a ser. entño, de forlra histfirica e concreta, cuja realidade
objetiva nao podc sei negada, a Suprema Direpño on o Organisiuo Supremo de Direqao e
Represeritapño da Igreja Catolica. Nao imports se a dire9‹ao é exercida pessoalrnente pelo
papa ou, en seu nome. pelas institui9ñes ccntrais colaboradoi as dele. coino, por exemplo,
a C(iria rornana.

Iu
it. 28. I 8-2ff: LI ANO Al F”l ENT ES", It.. op. cit.. [›. 25.
Jo. I 9.20: LI.ANO Cl FL! ENTk S, k., cp. cit.. p. 25.
LL.A fi(J Al FL! kNTE . It.. of. cii., p. 2 S-25.

'' Dessc tcma I ratarcmos no item 2: ueni é o Lstado da I idade do Vat ica nu”
29

O can. 113, §l’ do Cñdigo de Direito Canñnico de 1 983, afirma o


seguinte: “A Igreja calâlica e a Sé Aposfñ/ica .sâo pes.soas morai.s yela pi-kpria orJena âo

A Santa Sé e a Igreja Catfil ica sño pcssoas morais, no semi do em que elas
nao recebem sua personalidade e sua existéncia juridica de algum ordenamento temporal e
territorial, mas, sim, diretairente de seu fundador, Jesus Cristo: a mbos sao pessoas
chamadas de pré-juridicas, porque é pessoa de natureza espiritual, religiosa e humanitaria,
isto e, cmana de um Direito inerente a sua prdpria natureza, ou seja, que mo procede dos
meios institucionais caracteristicos do regilre democratico." A Santa Sé e a Igreja
Catñl ica constituem uma realidade de naturexa espiritual, porque postas de pé pelo proprio
Cristo. seu fuiidador e promulgador, através do Ministério Petrino. A sucessño legitima
direta e ininterrupta desse ministério que Cristo con fiou a Pedro atravessa a histñria
através dos séculos. chegando ate nos na pessoa do atual Pontifice. Bento XVI. que é o
265° papa na linha da sucessño legitima. A Santa Se, assim. é uma realidade dinñmica na
historia, porque eta sc faz presente em cada momento da mesma, através de seu legitiino
titular.
Assim, os direitos e prerrogativas da Santa Sé on da Supreme A utoridade da
Igreja Catol ica sño inercntes a sua prdpria missño espiritual no mundo e, elaquanto ta1, foi
reconhecida pelo ordenamento positivo intemacional."
Tal reconhecimento internacional da especificidade da Santa Se data de 380
d.C., quando o lmperador Romano Teodosio promulgou o Edito de Tessalfinica Cuncfos
Pofwlos, através do qual estabelecia que a religiño crista era oficialmente reconhecida
como a religiño do Estado. A pan ii‘ de entño. a Santa Sé participa ativanaentc da vida da
Comunidade Intemacional.
Assim, a especificidade da natureza e da missño espiritual da Santa Sé, bem
como a sua qualidadc dc Pessoa Juridica de Direito lnternacional Publ ico, vem
acontecendo atravcs de url costume e praxe intcriiacional antiqiiissimos, ou seja, desde
380 d.C. Dessa forma, pode-se d:zer que a experiéncia intcrnacional da Santa Sé antecede
aquela dos Estados em quase quinze séculos, considerando o nascimento dos mesmos a
partir de 1645. com o Tratado de Vestfalia.

C.IC 1953.
Vale dizer, do Direito Divino.
" No sentido da Conven9io de Monievidéu sobre os dire itos c deveres dos Eslados, aprovada en 26 de
dexcmbru de 1933. na Sétima Confe-Lucia I nternacional A mericana. quc dcclara o sc•_uinte: Artigo 6—“ “O
rcconhccinaento dc tina Estado apcnas sign i lica que aquele 9ue o reconhece aceita a personal idade do outro,
coin todos os direitos e devcres deterrninados pelo dii ei io intemacional. Trata-se de tins reconhecimento no
sent ido declaralñrio, ou seja. simplesmente constata I preex isténcia do 1\stado ora rcconhccido”

Rev isia da Faculdado de Diru•iic› da Lini versidadc dc Sao Paulo v. 100 p, *87-? jan./dcz. 200a
14
Assim. desde o seculo I V, a Santa Sé nunca dci xou de ser um membro ativo
da Comunidade internacional.
Hr›je em dia, a par I icipapño da santa Sé nos organ ismos intcmacionais se dd
por cinco maneiras: O6seio•aJdr Permanence; Observador errs Base Inforiiial ; Membro;
Flospede de Honra: Delegado Especial.
Assim. é a Santa Sé que participa de con feréncias e subscreve ou adere a
con •énios internacionais. exercendo os mesmos direitos que os outros Estados-membros,
em pcrfeita paridade com todos eles. depcndendo do status da sua participa9ño. I nclusive,
conforms o Protocolo de Aquisgrana e a Convenqño de Viena de 1961 ' sobre Rela9oes
Diplomñticas, na qualidade de membro e de obscrvador pcrmanente, reconhece-se aos
seus reprcsentantes a prccedéncia coino Decano do Corpo Diploinatico.'
Desta forma, foram sendo subscritos os documentos intemacionais, tanto
en nome da Santa Sé quando em none do Fstado do Vaticano. Porém, a partir de 1957, é
a Sanui Sé que assume e clii.siv'ainetile a dupla reprcsenta9ao, tanto do Estado da Cidade
do Vaticano quanto da Igreja Catolica. E o que se entende a pariir da seguinte
comrinicagño da Secretaria de Estado da Santa Sé ao Secretario Geral das Napñes Unidas,
cm 1957:
(...) para dissipar algumas incericzas que vinlaain se
manifiestando a rcspcito do tema das relagñes entre a
Secretaria de Estado c a Secretaria das Napiies Unidas, esta,
0
a tra ’es dc Lima comunica gao' ao Sucrctario Coral Dag
Hammersk.iold,'' pela dual a Secretaria de Estado dcc Sua
Santidade quis precisar que as rela9fies que est a rnantéin com
a Secretaria das N a9iies Uti idas se entendam estabelccidas
entre a Santa Sé e as Napñes Unida:s. e que as delega9ñcs que
a Secretaria de Estado possa vir a ac-reditar perante a
Organiza9ao das Napñes I nidas sao dclcga9ñes da Santa Sé
e devem ser designadas de agora em diante como tais.

A excepao dc um iringuadissilro numero dc Estados, a Santa Sé mantém


rela9ñcs diplomaticas com todos os out ros membros das Na9ñes Unidas f 19 I membros).
A Santa Se mantém relapñes diplomaticas tainbém com a Uniño kuropéia c
com a Soberana Ordem N il itar ‹ie Malla (SOMM), bem como tern relaqñcs de natui eza

'' A ssinada em 1 S de abri 1 dc 1 ^96 1. Entrada em vigor end 24 de abril de 1964. Aprox'ada pelo Dccreto 1.eg
is lai ivo n. I .003, dc 1964. Ratilicada em 2.3 de fevereiro de 1'7fi5. Dcposito de instrinnc•nto de ratifica9ao pelo
Decreto n. 5t›.435 de 8 de junho de 1965 ( D.O.U, dc 1 1 dc }unho do rnesino ano).
SALVA DOit. C.€’.; EMB IL, J.M.U. Dti‹ ionrii’io J‹• Direito Cuztñi/rco. S.o Paulo: Loyola, 1'783. p.
G77. "’ 1.eg. 34- 1, dc 29/ 10/ 195'J.
' ‘ NOt‹a n. 6.7.52/57. de 1 6/ I ') ’1957.
°' SALVADOR, t’.C.; EM BI L.J.M. U., op. cit., p. fi77
especial com a Federa9ño RusSa e com a Organi xmpño para a Libertapño da Palestina
(OLP).
Participa, tan béin, de di fcrentes organi za9ñes e organisimos
intergovernamentais internacionais.
O ñrgño ou dicastério propriamente encarregado de auxiliar o papa na sua
rela9ño com os Estados é a Secretaria de Estado. O papa Joño Paulo 11. em 25 de junlao de
1985, promulgou a Constituipño Apostolica “Pastor Bonus”. pela qual, reforniando a
Curia Romana, dividiu a Secretaria de Estado em duas Sec9ñes: a Sec9ao dos Assuntos
Gerais, ou Primeira Sec9ño, e a Secpño das Relay0es com os Estados, ou Segunda Sec9ño,
na qual confluiu o Consellio dos Assuntos Publicos da Igreja e que e. propriairente
falando, encarregada das rela9ñes diplomaticas da Santa Sé com os Estados, incluindo a
estipulapao de concordatas ou acordos semelhantcs, represcnta9ño da Santa Sé junto a
Organismos e das Conferencias lnternacionais, além da provisño de Bispos para as Igrejas
Particulares e de tratados internacionais com a Santa Sé.2"

Justificapño ou Raxoes da Diplomacia da Santa Sé

l) Estrutui a organizativa claranaente universal da Igreja Catolica Romana (nao-


srlpemacional, mas, antes, transnacional): é a unica confissño religiosa que tern acesso
ñs rela9oes diplomaticas.
?) Personalidade juridica internaciorial do Pontificio Romano: que passa a goza-la a parti r
da sua e Ie igâo em conclave.
3) Papado: a panir do século IV. o Papado tornou-se o centro das napoes do Ocidente
cristño: é su ficiente pensar na época da Re.‹ Puhlica Chi isliatia, ou entño no periodo
end que o Sulro Pontifice pl‘onunciava arbitragens e promovia a pax em nome do /ic‹
genlitim chrislionoi um. Poder-se-ia rccordar, ainda, as suas mediagñes intcrnaciona is
nas disputas enti‘c a Espanha e Portugal, relativas aos territorios do Novo Mundo.'“
4) Pcrsonalidade juridica intemacional da Santa Sé: ao longo dos sécu los. a subjetividade
intemacional da Santa Se sobreviveu as toi‘mentas da reforma protestante, da
i’evolupño francesa e da anexapâo ital iana, a tal ponto cjue, grapas a personalidade que
I he é reconhecida, a Santu Sé pode exercer, mesmo nos dias de hoje, uina presen9a
ativa nas relii9ñes internacionais, de modo particular no contexto da diplomacia
bilateral e multilateral. L fa-lo atraves de Nina redc de relapoes diplomaticas, que a pñe

Para aprofundamento. consulie nossa reuse doutora 1, op. cit., p. 1 24- 1 29.
" Z I MMERklAñ'N, M. Organisation internal ionale (Fin du 4loyen Age). decider/ Ie.› Coun:s, v. 2. p. 327,
1933.
" Para aprofundamento, consul te: B RL! NO, J.L. 4lerlioc ioites poy‹i/‹•.s en la Jiisfr›riri. Montcvideo: fvl
inisterio de Rclaciones Extcriores. 1981, p. 4fi-64, tambérn a nossa iesc doutoral, op. cit,. p. 132- 136.

Rev ista da F aculdade de Direilo da Universidade dc Sao v. 100 p. ? an;dt/.


Pai,ilo 8*-;l4 2UO5
294 SalMo boersno de Soi -•o

em contato com os seus representantes junto ñ Organizapño das Na9ñes Unidas e de


outras orgala izapñes governamentais.
5) A alao diplomatica internaciona I da Santa Sé se di ferencia daquela dos Estados. pois,
enquanto aqueles tern ambipñes de poder politico, matei‘ia1, aquela tent pretensñes de
poder espiritual, moral e de in fluéncia, mas “inspirada soinente pelo desejo de prestar
servipo a todos' 26 Essencialmente falando. A Santa Sé constitui, assim, url sujeito soberano
de direito internacional, mas de natureza claramente religiosa e hu manitaria. Por
conseguinte, a sua “estratégia' consists, sobretudo, em realpar e en dar voz a consciéncia
das pessoas e dos povos em geral. E por este motivo, e nño por ambipñes de poder
material, que ela mantém um dialogo franco e cordial com os governantes. Dirigindo-se as
consciéncias, ela promove os principios, sem os quais nao se pode falar de uma
“Comunidade de Napñes'
Em outras palavras, a conceppño que a Santa Sé nutre pelo poder revela
uma visño diferente do mesmo, por um lado, quanto a eficacia e, por outro lado, quanto a
naturexa:
- quanto a eficacia: nño se baseia na coa9ño da fork a para a sua observñncia,
mas sim na forma da consciéncia,
- quanto ñ natureza: baseia-se nos valores Ixora is perenes e comuns a todos
os seres humanos, nño por serern valores catolicos. mas universals.

Principios que Constituem uma Especie de Coryus da Moral Intemacional


da Santa Sé:

1) Em primeiro lugar, a centralidade da pessoa humana e, por conseguinte. dos seus


direitos: a Santa Sé se compromete a recordar e. se for necessario. a defender o
primeiro de todos os direitos humanos — o direito ñ vida, em todas as fases do
desenvol vilrento biolfigico da pessoa, até a sua mortc natural (...).' 7 Em seus contatos
com os responsaveis da coirunidade intemacional, a Santa Sé nunca cessou de
recordar que a vida constitui um dom que provém do Outro — Deus e que, portanto,
é sagrada (...). A firmando isso, ela deseja talar também em nome de todos os cristños
e, inclusivamente, em nome dos homens de boa vontade. A fern disso, ela quer‘

" CONC I LIO VA TICANO I I, Parte 1, Cap. V, n. S9: “(...1 ri /grejri de ve e for al›.solulomriitc prescribe na
comiinidade dos povos, pora %niyiiIni- c desperlor o coo.Tier a('ño eiiti-e us homens. e isl‹o Ionio pot sii‹as
in.sliIiiiq.âes pt.iblicos, coino oincla peln plrna e siitcer‹i cnIohorci9âo de todos os crisiño›. iris pirod i soacute
pelo de.sefo dr f›rc•stor sei‘vi os a toc'os ”
" Ac] uela que decorre por causas natu ra is. biolfig icas c internal ou cxtcmas, por violéncia acidental (um dcsastre
dc carro. por exeinplo). excluindo assim qualquer possibil i‹lade de antecipa9ao intencional da nioric pela
inlerven;ao do homem. conao, por exemplo, a erltanâs ia. just ificando-a pretensarnenie cc'm razoes de na
iscricordia.

kev isia da F nculdadc dv Direito da L!ni vcrsidade de fi o Paulo v. l0U p. 287-3 14 jan. 'dcz. 2005
sublinhar o Nato de que o dii eito d Vida e o fundamento de todos os outros direitos
que I he estño a peito: o direito a I i bei’dade, de consciéncia c de rel igiño, a
educapño, ao trabo1 ho, ao desen ol v i inento humano, etc. Os d i reitos fundaiventa is
nño deri vam dos Estados, nem dc qualqilei outra autoridade humana, mas da
propria pessoa (...) c. por isso, sño universais, inviolñveis e inalicnaveis.
l . I ) L iberdade de consciéncia e dc rel igiao: nño apenas corno 1 iberdade de cillto, mas
também como possibilidadc para os crentes participarena ma vida social e politica do
pa is de que sño cidadaos. mas semprc como membros de Lima comunidade de lc (...).
Quando a liberdadc• de red igiño é supriinida, na realidade passam a ser anaeapadas
todas as outras liberdades fundamentais.
km sintese, pode-se a firmar que a Santa Sé se opñe a quaml c r visao unidirnensional
do homem e propoe outra, que e aberta aos seris com Jaonentes individuais. sociais e
transccndcntes.
2) Promo9ao e sal vaguarda da paz: a Santa Sé rejcita a gucrra como meio de solu9ño
nao-pacitico para as controvérsias entre os povos. Por ocasiao da recente crise
iraquiana. o papa Joño Paulo 11 e os seus colaboradores recordai‘am que cada um dos
Estados tern o dever dc protegei‘ a sua pi’opria ex isténcia c I iberdade, con meios
proporcionais, conlra urn irijusto agressor. Para além do caso da leg itima defesa, que
jtlstifica o rectlrso as armas, para resol ver as contendas devem preferir-se sempre os
instrumentos do dialogo e da mediapao, como a arbitragem de ter ceiros, c]ue sejam
imparciais, ou de uma autori‹Jade intcrnacional munida de su ficientes po‹leres. Com
efcito, a experiéncia tern rnostrado que a violéncia g•era wais violéncia. Deve-se
recol dar a exclamapño do papa durante a primeira Gueri a do Gol fo: “.d gtiei ra ñ
unia a veniiii -a sem rcloriio” Ou, ainda, ha poucos meses: “ 4 guei-i a é .seniyrc runa
derrola para a luitnanidade '
Poi‘ conseguinte, a Santa Se sein pi‘c cncorajou os es torsos reali zados com vista a
alcangar min desarmamcnto efctivo. que va além da dissuasño, fundainentado no
equil ibrio do terror. Para apoiar moi‘almelste ra coin proinisso nessc scntido, en 197.1
cla nao hcsitou cm assinar o Tratado dc Nño-Proli Rei acao Nuclcar: cm 1093, adcriu
ao Tratado Contra a Produ9ao. o Desenvt›1vimcnto e o I lso das A rmas Quimicas: e
em 19°)7. aderiu ao Tratado que proibe as rn in as anti-homens. E tudo isso ;›ara
encorajar uma auténlica cultura da pax.
3) N3o Isa paz sem justipa: a paz c lruito ma is do que a atlséncia de con fJ itos. Ela
fundamelita-sc nrlma ordem social e intelxiacional. assenta sobre o direito e a justipa.
C'ada pa is lem o dever se assegurar aos seus cidad3os a satis fapao de al*um as
necessidades l“undaincntais, homo, por exemplo, a alilnenta9ño. a saude. o traball o. a

kev isl a la I aculJade dc Dircilr› dn L’ni\’crsida‹!c du Sao Pri\i Ie


moradia e a educapño. “A Igreja conlrihui pai-a alarg‹u o campo de a;âo da jtisli;a e
rh oiiior, no inlui-ior de r.’aâa i,im Jos yaises erifre fodos as nagâes” ‘”
Pri ricip ios consiiettiri in a rios do Dire ito I ntemaciona I e as con venpñes: a Santa Sé esta
ta irbem convencida de que cada um dos paises tern o dever de respeitar tars
pt’incipios e convenpñes a que liv remente aderiu. Scm direito nño ex iste ordcm e,
lruito menos, libcrdade e paz.
5) Grlerra preventiva: durante a crise iraquiana, a Santa Sé afirmou que nño-
compartilhava de tal principio inventado ad hoc e pediu que se respeitasse o
conteudo da Carta das Organiza9ñes das Na9ñes Unidas. de modo particular o seu
Capitiilo V II, que define os critérios de componamento em caso de amea9as ou de
agressñes contra a paz. Com efeito, a comunidade internacional elaborou e codi ficou
uma serie He direitos e deveres que ja constituem urna parte do patrimonio comum da
humanidade. A custa dc saci i i?cios enormes, a coiiiunidade intemacional adquiriu rim
corpus juridico consistente e pormenorizado que, se tivesse sido apt icado nestes
ñ ltimos anos, em confiorniidade corn a an tiga mdxima latina f›aclo .sunl servancla.
teria poupado muito derramamento dc sangue e evitado numerosas crises
intemacionais.
6) Direito internacional: a Santa Sé sempre manifestou o seu aprepo pot tal direito e
freqiientemente colaborou para a reda9ño de colivengñes que, muitas vezes. o
renovaram. Por excmplo, o dever das intcrven9iies lsumanitarias ou os direitos das
lninorias, cxcegñes essas ao Principio da Nño- I ntervenqño ou Ingeréncia."
7) Organizaqño das Na9ñes Unidas: os Papas nunca hesitarana em exprimir a sua estima
por essa lnstituipño, all rmando-a conio “. o maior Ne todos os irish amento. de
siamese e de coordeita .âo da vida iiiternac.ional” real9ando que a sua atividade
condiciona a cultrra c a etica inteniacionais, e desejando que “. . essa Oi-p•ariiza;âo
(...) .se eleve cada vu- Quais, do eslâdio de tima in›lilui âo insensivel de tipo

Gauditim ct spes, 76.


'" \Vl LSON, L.G. A prat ica e o stalus da iiaierven93o e da n3o-interven9âo no d1 re ito internal
ional conternporfineo. Rcvi.sIa cle I)%i m‹z âo Izc•gis himva. Brasil ia, v. 20. n. 7'9, 1983. p. 257: “ . ‹i tint iiiti rlci
iiâo- inlyriieii;âo, o corr›/Trio Jrz .so/?eroiiia. i* oiJirfo time yri’/e âo rfireiio i iteriiricional e ñ o‹ ei/o

pelo
imporlaiile c iiece.‹sârio ju. lificar ciiidodo. aineiii‹°. eiii iei iiios /egoi.‹. .suas iniciwaiighe.s n.r›mn seiido
, t¿gpi;t•J p ruin-infervei;Qcio” I bidein, p, 255: “ molastanfe r› /c•rdéricin iitlei’vc•iicioiiista, n iiiiidnii;a be
cr»i/e.r/o p rontc•iido do.s i-el‹sqñrs irilri iincionais c• os otaqu‹•s no sisl‹•wa ‹k• Estado e snhc•i’oiiici dniniius
ntes. o iiormo In trio-inlern'e ii5ño ‹' riiii‹/a lorgomeiile oc‹•it‹ e firatiradii” Para aprofiliidamcnto,
consume: DA V I LLA, A. N«mazi i/ai’irni hire'.'edition iii public lit/eriin/iriiiri/ /riit'. Geneva: Inst itut I?
niversita ire de IN autes kiudes 1 ntemat ionalcs, Dr pl, N. 9fi, 1967; REIS Al AN, Al . & McDOt!GAL. M. H
umanitarian intervene ion to protect the I Nos. ln: LI LI HH, R.N. (ed.). !liiiiionitriri in iiiirin’eiition oiirl
the k!iiitrd S atian. . Chorlottes villc: NJ nis'ersity Press of V ir* inia, 1973. p. I 67- 1 '95.

Iti. i'ista da I- iiculdadc dc Direito da L!niversidadc• dc Sao Paulo v. 100 p. 257-3 1 4 jaw., dez. 2tJ05
297

ndmirii.sIraIivn, ao nivel de um cenlro moral em que lodas as na;âes do mundo s‹’


sinlain em casa, desenvolvendo a .sua con.sc.iénc ia comum ale serene, por assink di-
ct’. uma /an1ilia de nag.âes (. .). Pur saa naltire a, a fainilia é uma comtmiJadc
]tindarnenlada na confirma reciyi’oca, ma ajuda millua e no respeilo siricero, nwna
familiu autétitica nâo exisle o domiiiio dos rnais Jorles. pelo corifrñrio, os membros
mais Jrâgeis sâo, em vii’mde da s ua dehi/idade, duplamerue acolhidos e ervidos” "’0
Somente uma rigorosa apt icagño do direito, por parte de todos e cm cada uma das
circunstancias, pode impedir que o individuo mais fragil se tome vitima da md
vontade, da torqa c das manipula9ñes dos mars fortes. Por conseguinte, a Santa Sé
coinprornete-se a fazer com que a forma da lei prevalc9a sobre a lei do mais forte.
8) Democracia: a Santa Sé nutre aprepo pela democracia. A paz e a convivéncia civil
sño sempi‘e graveiiiente ainea9adas pelas di ferentes exprcssñes de um poder
totalitario, pela obsessño la seguranya. pe la ideologia. pela procura de privilég ios
para deterininadas categorias de cidad3os. E o seculo que ha pouco chegoii ao scu
termo ensina-os com eloqiiéncia (...). Democracia significa sempre participa9ño e
rcsponsabilidade, direitos e dc•veres.
9) Isto nño-significa que a Santa Sé opte ou pre li ra o regime democrat ico ou qualquer
outro regime ou ideologia politica. Significa, apenas, que a Santa Sé 1 econhecc os
valores increntes a essa ideologia politic a.
A Jgreja, na verdade, é Lima teocracia, ou seja, tern a sua origcm na x’ontade divina.
Assim, teocracia e democracia s3o dois principios antagonicos e diver gentes na sua
origeni e na sua naturexa. A teocracia e de natureza teologica, enquanto quC tl
democracia é de natureza sociologica. A democracia tcm origem no consenso
numerico da maioria, ao passo que a teocracia tern a sua origem na vontade di ina da autoridadc.
A Igreja Uatñlica, porém. tern elementos na sua estrutura seirelhantes ao
principio dcmocratico, rnas de naturexa teolñgica, tais conio o conceito de comunh3o
c de colegialidadc.
10) Mensagern profética: o papa Joño Pau lo 11 est a profcndainente convicto de que os
males que a ls em a sociedade internacional contemporanca nao sño uma fatalidade.
Na sun opiniño, cada um de nñs pode desenvol ver em si mesmo a potencialidade da
fé, de respeito pelo prox im‹›, de dedicagño ao serviqo de outros e, portanto. resol ver
situaqñes de injusti9a e de cont ito. Tudo pode mudar. a firma o Ponti tlce Romano.
Isso depends de cada um dc nos. Cada qual pode desenvolver em si o seu potencial
de fé. dc honradez, de respeito pelo prox imo, de dedicap3o ao servi o dos outros.
11 ) Os principais imperativos da Santa Sc poderiain ser assim resumidos:

"' JOAO PA I LO 11, em sua ultiira visiia, em 1995. por ocasiâo do 50° ani vcrsario da filrida9âo da ON L.

Rcvisia da F aculdade dc Direito da \'nivu•rsidadc de Sao Paulo )00


S in a vida.
Respeito pelo dii’eito.
Dever da sol idariedadc.
Nño a morte.
Nño ao egoisnao.
Nao ñ guen‘a.
Els sintese, “a i-a•ao de ser da Santa Sé” conclui o papa Joño Paulo lI —
’na seio da coinimidacle elas nag âes c’onsiste em con›tiluir a vow ‹fire a consciéncia
humona espera, sem por isso Jiininuir a conlribui âo das oulras lradiqâes rulip•iosas” I
Em outras pala ras, esse servi9o da consciéncia é exc I usivainente a (inica
arnbigño da diploinacia pontificia: convencer as pessoas que sao responsaveis pelas
sociedades de que a violéncia. o medo, a repressao, o mal e a di ferenpa nño podcm ter a
ultirna palavra.
A Santa Se e pessoa moral, relic iosa ou esf›irilual, porque foi fundada
diretamente por Deus, at raves de Cristo Jesus. Assim, ela emana de url Direito inerente a
sua propria natureza, on seja, que nño procede dos meios institucionais legais
cai‘acteristicos do regime deniocratico; vale dizer. a Santa Se é criaqño do Direito Divino.
Por isso, a Santa Sé é, também, f›ré-jui idica. pois surge antes mesmo da propria
intervenpño do direito positivo, a partir do qual nasce a pessoa juridica. E lluiiiaMitai ia.
porque trabalha pelo bem da humanidade, cooperando para resgata- la da iinensidade dc
sofrimentos e dissensñes em que se encontra, defendendo quc a organiza9ño da vida dos
homens se fat a segundo padrñes qualitativos pro8•essivOs de justipa e de amor. E a
Suj›rema zl uloriclade da I gi eja Catñlica e do Estacio la Cidade do Vaticano.
No plano liacional, a Santa Sé zela pelos interesses da Igi‘eja Catñlica junto
dos Govemos de cada Estado onde se fax presente e junto ao Episcopado estabelecido no

N o piano intemacional, a Santa Sé é constituida essencial mentc pelo Oficio


do papa e seus dii’eitos e prerrogativas derivados da sua .Solder ania Esf›iriltial, que é a sua
qualidade primordial, que constitui a vcrdadeira razño de ser do Papado c que fundaincnta
a sua Petsoiiali lade Juriclica ck 1)ireito 1nlc•rnac’ional Pt.’iblico, reconhecida. a1ias,
desde 380 d.C., momento cm que a Igreja L’atdlica tornou-se religiao oficial do 1 napério i
omano e, assim, comepou a participar ativa e ininterruptamente da vida internacional das
na ñes e, enquanto tal, é dotada dc direito ale lcgap3o, vale dizer, a Santa Se e um .set
diplomalic’o, cuja finalidade. alem de scr a de se eirpenhar para o bem da hurt anidade, é

' ' JCJAU PAL* LU II. Discui so ao I .orpil IJiplomatico acreditado junto a Sama Sé. dc I ?0S.

Rev isia da Faculdadc dc Direito da I ni p Mrs idade dc Duo Paulo v. l0U p. 2¥ 7-3 14 jan Uuz. 2003
A Sarah Sé e o Estado âa C.'Jade etc Vaiir‹wo disliiu,:to e coinplem‹•iiloi iâti‹h' 299

também a de colaborar ativa c positivamente para a consolidapño da Comunidade


lntemacional e pe la manutenpño da paz elitre os homens.
E nqtianto institui9ao dotado de ati vidade di plomatica, a Santa Sé possui um
conjunto de orgaos ou uma estrutura racional para lidar com assuntos das suas rela9oes
com outras entidades a ela assemelhadas. isto c, ru/uqâes cxleriores, we Hior dizendo,
extemas a um ordenamento juridico nacional. Isso significa que a Santa Sé tend Lima
politica exterior prdpria para lidar com as questñes internacionais.

2. Quem é o Estado da Cidade do Vaticano

2.1. A Questño Romana (1 870)

Segundo H ildebrando Accioly," antes de 1 570, o papa englobava em sua


pessoa o poder espiritual dc Chefe da Igreja Catol ica e o poder temporal do Chefe dos
Estados Pontiticios. Como soberano temporal, a sua autoridade era comparñvel a de
qualquer outro Chefe de Estado; exercia-se plcnamente, dentro dos limites dos seus
Estados. Por isso mesmo, nunca se discutiu ou se pñs em duvida a sila personalidade
internacional. F\ inegavel. todavia, observa o autor na obra Citada, que o poder temporal do
Chefe da Igreja nunca foi senao um acessñrio clo seu poder espiritual. O primeiro era, sem
dñvida, uma garantia para a independéncia do segundo. Mas o certo é que. acirna da sua
qualidade de soberano temporal, sempre esteve a de soberano espiritual, cuja autoridade
ultrapassava os I imitcs dos Estados Pontificios, tomando-se mundial. E essa qualidade
primordial é o que constitui a verdadeira raxño de ser do Papado.
Em todo caso, prossegue Accioly, a soberania do V igario de Cristo bastava
para que se nño discutisse a situapño intcrnacional da Santa Sé. Quando, porém,
acrescenta o autor, Vitorio Emmanuels I se apoderou violentamente de Roma, em
sctembro de 1870, a situa9ño mudou: o poder temporal do papa desapareceu. Até entño,
intemacional e juridicamente, so se considerava o papa no seu carater de Chefe de um
Estado (os Estados Pontil cios): era este, propriamente, que possuia a qualidade de pessoa
de direito intemacional. Desapa:’ecendo o F.stado (os Estados Ponti ficios). extinguia-se,
ipso ]acto, a personalidadc intemacional. E, assim, comeqou a ser negada ao C’hefe da
Igreja Catolica a condipño que. scm cxame mais detido. muitos consideravarn conio
simples reflexo da qualidadc de C hefe de Estado.

'" ACC I OLY. H. Ha vintc c• cinco anos... a personal idade intcrnaciona 1 dc papa. Scparada da: A €1i âeiii, Re-z..
1930. p. 63-72.

Revista da Faculdadc de Direito da \ nlvcrsidade dc Sâo Paulo v 100 p. 2ii / -314 jan, dev. 2005
2.2. Lei das fiarantias I g70- 1029)

logo apñs a to maka de Roma, prossegue Acciol y na obra citada, os homens


do Estado italialio compreenderain a necessidade dc dar satisfa9ñes aos millaocs de
catolicos do mundo inteiro e de tranquili zar as diversas poténcias influenciadas pelo
Catolicismo, naturalinente inquietas com a nova sittla9ao criada ao Papado.
Compreendcram, ao mesmo tempo. as conveniéncias de regulari xai’ as rela9ñes do Estado
it a1 iano com a Santa Sé e de assegurar a esta. ou antes. ao exercicio da sua funpño
espiritual. a mais Amp I a I ibcrdade dc a¿ao quc fosse possivcl. Dai a decrctagño da
chamada Lei das Garantias, de 13 de maio de 1 570.3" que vai prevalecer até 1929, coin a
assinatura entre os dois parses do Tratatlo de Latrño.
Essa lei, prossegue o autor na obra citada, ato unilateral do Parlamento
italiano, nunca foi reconhecida pela Santa Sé, rnas como que recebeu a aprova9ño on
aqiiicscéncia t/ocita dos Fstados estrarigeiros e adquiriu iin port3ncia internacional. Por ela,
embora nño se reconhecesse ao papa nenhum direito de soberania territorial, eram-lhe
concedidas quase todas as prcrrogativas dos soberanos ou chefes de estado: a
inviolabi lidade da pessoa, hon ’as peculiarcs aos sciberanos, imunidade de residéncia.
direito ativo e passivo de legapfio. A lém disso, a Lei das Garantias assc•gurava a
independéncia absolute do Santo Padre no cxercicio de sua missño espiritual.”
Acciol y, na obra citada. observe que, enquanto v/arios autorcs negavam
sistenaaticamente que o papa piidesse ser pessoa do Direito 1 nternacional, outros
sustentax’am que, em face da 1.ci das Garantias, o exercicio do direito dc legapao e da
faculdadc, que la unca foi negada ao Soberano Pontifice, de celebrar concordatas, nño se
Hue poderia contestar a personalidade internacional. Quanto as concordatas, embora se
1 econlaecesse cynic, historicamente, apresentavain forinas distintas dos tratados dos antigos
2stados Polati ficios, observe-se coin raxño que elas constituiarn contratos analogos aos
tratados c eratn cclebradas entre as partes contratalites ou poderes absolutaiaiente
indcpcndentea. A x erdade. enli ctanto, quc a persona lidade .i uri J ica do papa. a sua
soberania internacional. nao podia decola‘el da Lei das Garantias."
A lguns internacionalistas, prossegue Accioly na obra citada, no seu
raciocinio. j5 o tinham entrevisto ha alguns anos.
Gcoi-ges Schelcs, por exeirplo. em 191 7, declurando que o papa podcria ser
considerado como uma pessoa do Direito 1 nternacional, dizia:

1 930. p. é›4-65.
’ } bid.. p. h4 -65.
“ 1 bill.. p. (›fi -6f›.

kc isia da I aculdadc de Direito da t,’i i\’er.lidade dc S ‹› Paulo


Ele encama intcresses de ordem c•special, de natureza
religiosa, interesses comuns a urna larga comunidade
intc•rnacional e que chcgai am a agrupar-se cm torno de uma
6
personi tica9io c•special c distinta dos Estados.’

F acrcscentava:
O Papado goza, tradicional e log icamente. para dcfender os
interesses internacionais que encarna. de cerias preri ogativas
peiaencentes aos sujeitos do direito internacional e,
pi‘incipal mente. do direito dc legapao passivo e ativo.
coirplen4cnto indispensavel da competéncia, on, se
prcfcrem, da soberania, necessaria a execu9ao dos fi ns da
sua at ividade especial.

Real mente, argrlmenta Accioly na obra citada, a Igreja Catolica agrupa


interesses distintos e possui Lima vontade capaz de os dirigir. O seu chefe, apesar de
desaparecido o seu poder temporal. nño passou a ser sudito de nenhum Estado. Nunca se
lhe contestou a autoridade supreliia em matéria reli3iosa. Forposo era, pois, reconhecer-
ltte a qualidade de poder soberano e personalidade juridica prdpria."
Nño se diga que outras comunidades rcligiosas, acrescenta H ildebralido
Accioly, estao ou estavain nas mcsmas condiqoes. A nio scr a Igreja Catñlica, nenhuma
realixou jama is, como eta, a tiiiiversalidade,” dc par com a i/riidoJe;" nenhuina goza da
mesma indepenJénc’ia, ' nem da mesma autoridade moral; ‘’ nenhuma existc com
organi aqâo l0o pei-feila e iño disci alinaJa." O seu caso e, verdadeiramente, unico.
Concluindo seu pensamento, dix Accioly na obra citada: o papa, com ou
sem a Lei das Garantias, possuia personalidade intemacional. Nño se contesta, porém. que
esta tinha carater diferente da dos Estados. Basta assinalar que a sua soberania entre 1570
e 1929 ct a ap‹•iias âe nalm-c a spirilual. E.Isa soberania ‹.spiritual for, na verda le, o
fundamenlo das prerrogativas red.’onlieciclasñ Santa Sé.!” V, ainda hoje, apñs o Tratado de
Latrño, e net a que se baseia, princiJial mente, a a utoridade soberano do chefe do Cato1 icismo.
'6

SSH ELES, G. Pei'iie €jénéi ile be Droit Intei’nutioriul Piihli‹ . t. 24, p. 23G.
191 7. "SC’ll EL ES, G. op. cit., p. 251 .
" /\CDI OLY, IN. op. cit.. p,
66. "' O grifo é nosso.
O gri fo é
nosso. " O gri fo é
nosso. " O grilo é
nosso. " O gri fo é
nosso. “ O gri fo é
nosso. “ O gri fo é
nos so.
" A€'t I OLY, l4. op. cii.. p. 67.

Rcvista da Facnldade de Direito da Uni 'ersidadc dc Sao Paulo v. 1 00


N isso, tranquil iza Acciol y. estño de acordo muitos de entre os mais ilustres
intcrnacionalistas contclrporancos, tais como:
Yvcs dc la Bridrc:
(...) e de cai’ater unilateral e subsiste pela pr‹ipria natureza
das coisas. ainda que na ansericia de garant ias satisfatorias e
aceitâveis. O papa é soberanO." porcine nao depends do
podcr lcgislat ivo. judiciario ovi coercitivo dc nenhum Estado
temporal e porque sc acha habilitzdo a tratar, de igual para
igua!. corn todos os Estados c gon crnos, na comunidade do
dii e ito das gentcs."

Louis Le Fur a firrna, com justeza, que a soberania da Santa Sé “(...j â


fmlduda sobre rnotivos Juridic’o› e sociolâgicos per-maneii fe.s, sohre uina t’ealidcide socia/
.qac dure he 2000 anos ‹• nâo sobi e um Tratado que dala de alguns dia.s e qtie refit lodas as
f›i ol›oloilidad‹ s cle ‹:1esayarecer antes da yrñpri‹i Igreja” ”
Delos, apoiando, a lids, o ponto de vista de Le Fur, observa:
Creia oti nño o jurist a ria a fimaa9ño da 1greja sobre a sua
naturc•x.a e a origem do seu poder. um fato lhc ba:sta: a Igreja
é nuta sociedade humana, perfcita. livrc, senhora de si
mesma e de seus dest inos, sob a a utoridade do chefc que ela
escol he: o jurists tern diante de si mr grupo internacional
0
dotaflo da personalidade moral natural.’

Na boa companhia desses autores, Accioly a fi rma na obra citadd QUO “(...) a
aiiséncia do poder temporal tito iinplirava, absoliitameiile, ria ausincia da soberania” '
Em respaldo a essa conclusao, Accioly, na obra citada, cita novamente
Louis Le Fur, que, pol‘ sua vez, a finra:
A sobei‘‹inia c um direito de decisao end ultiina a had a, um
direito de man do. que se exerce sobre pessoas c nño sobre
tcri itorios. O territorio pcder scr apenas, cm relapâo a
soberania. um clcmento material sobre o qual esta, de
alguina sorte. sc apoia. I:ie servira para fixar os line itcs atc
onde se podera cxercci a .sobc-i’ania. pois que a soberania
icirporal, divisivel no espapo. ‹i repari ida entre os diversos

€J gri fo nosso.
“ DC LA BR I OR E, Y. La c]uest ion remains ci lc traité de Lal ran. fler irr i/e Dr cii liiterti‹itio›iol, t. 3, 1.929.
p.
24.
"" LE FLl R, 1.. he Sainl Siége e ie droit intern at ional. P‹'i'i« r/e Di‘r›it liiiei‘iiatioiuil, t. 3, | . 1.57, 1929.
(“onsultc, iamb‹im: Ll: 1 U R, 1.. 1.c Saint Sicgc et ie droit des g•ens. Paris. I '73O; tiOY A£J, C. L’Eglicsc
cathol ique c•t Ie droii dcs gens. decider/ rJ‹. Cr›/iz.s, p. 1.23 ss., 1925.

' A6CIOf.Y. I—I. up. cii.. p. (›8.


Estados do 3 lobo. O tcrritorio indica, assim, os individuos
que dependeir de cada soberania. M aS o fato t que, dinda
para o Estado, poléncia temporal, a soberania é. antes de
nirln. uis pnder sobre pessoas ' . antcs cjuc sobrc coisas ou o
tcrritñrio. Dcstartc, a subc•rania do Estado, na csséncia, pode
ser consider ada da mesma naturcza do quc sc atribui a Santa
SP ou ao papa." A unica difc‹cnpa ñ, por assim dizcr, de
proporgâo e resulta da di lercnpa dc lins.”

Em seguida, Accioly cita, na obra em aprepo, o papa Pio X1, mostrandu


assim a coincidélicia de pontos de vista com a sua compreensño sobre a natureza juridica
sobre a autéiitica soberania do Sumo Politifice e, portanto, da Santa Sé:
Lstao em prcsenpa. se nño dois Estados. certamenlc duas
soberanias. no sent ido amplo do termo, isto é, plenainentc
peifeitas. cada urna cm sua esfera necc•ssariamentc
deterininada pelos respectivos fins ao que é bastante
acrcscentar que a dignidade objetiva dos fi us determ ina rmo
mcnos objet iv'a e neccssariamente a absol uta
superioridade da Igreja.”

2.3. 0s Acoi’dos dc l.atrño (192'9) ”

No dia 1.1 dc fcvcreiro dc 1929. rclala Accioly na obra citada, foram


solcncn entc assinados, no Palacio de Latrao, en Roma, pelo catdcal Pictro CiaspaiTi, cm
nome da Santa Sé, e pelo pi iinciro-i Jinistro italiano, Beni to Mussolini, cm r oinc da Ttalia,

” 0 gri to é nosso.
" LE F U R, L. op. cit., p. fi7-56.
” ACTR Apostol icae Sedis. N/ciciit’ñ‹› de Pro ñ"l, 30 iraio 1.920. p. 30.
*' Cf. A UC I OLY, H.; S I LVA, G. E. 4/riJiirr›/ roe rfirr ifo iii/ernric'/raiiri/ piz/›/two, S3o Paulo: Saraii’a, 2002. p.
173- l 7S: .3TORIA dello Cliieso. I catiol ici Incl iron do contcmporaneo ( I 922- 1 925). M ilano: Ed. Paol inc.
199.1 . v. 23, p. SB-C3. Para aprol\indanJcnl‹› Ju lu‘ina: A K ZI LOTTI. U. I .a cond izionc girir idica
inlcmazionale clclla Santa fierlc° in sñjzuilo ayI i accordi dcl I.at erano. bit'/.\/n di Dii iiin h//c› ir‹i /oHc//c°. ›
. 4. fasc. 2, p. I 6S ss.. 1929., D’A VAL'K. A. P. La q\iaIi ldc a giuridic a della Santa Sedc i cllc
stipula zion i dcl trartato latcrancnsc. Ri i.''a zY/ Oil ///G’ //r/c/ nozio/›o/c. p. fi^ ss. c p. 2.17 ss.,. I 9.IN:
Cil fSTOSO l UDEU. L. Ln iii‹le.peiideiiciu zYc l‹i Sfimlu .\e‹7e \' el Ti ‹il‹J‹lo fJ‹’ Leii ‹iii, "vl urcia: [s. n.]. 1‘J3U.
A.A.V.V. Chiusa. air.ions catlolica fascisino iicl I” ltal ia sellcntrinr\aIu dlJranrc i I ponti fi«:mo i Pio
X I ( I ‘J22- I ^Mfi), Vita u f’ciJ icro, 193 I , Avc. Roma, I ‘JB.J. I3l .k S f\ I .LI. A. Doc iimcnt i su I Ie trattativc
pcr la soluzionc clcl la q\icslicne roi1\aria incl I S(› I . Eli c///\'r› mm /co //n/io//n. it. 1.1.1. p. 71- 1.00. I ‘J.ñ S: A
ATA A postcl icae Sadie... v. 2.1 . p. 200-2‘J4 : o Tratado dc Lalrâo. quaimo a partc concordalar ia. scre
modi ti«adn a tra vés da a ssinaI\era du Acordo dc 18 dc Icverciro dc I ‘J84 cntrc a llalia c a Sama SP.
Para api ofundamci\lo: Concordato I 0g4: premissc c prospctt ivc: QHo// ovc›f//. flrbino. I ‘J?ñ:
ñUL‘l-I AUX, H. Le Papc e I’ ltalie. les Accords du I .att an. Paris: B aticl\csnc, 1920; BA I.DASSA
IU. A. // Ti riliril‹› rI‹°I 1.‹iiei nno. hari: [s. n.]. I ‘J30. Brochurc dc 4.1 p.: I3A LlDllLLA ftT, M. cl al.
he‹ .Ie ‹ ‹» r/› c/// he// aH. f’aris: Spcs, I ‘J10; DI-.LUS, J. T., p. 4 2-4 7b: TOSTA IN. L. 1‹ iraii‹'
poliiiqiie r/// No// all› e/ ie /›c/:sorH7n/i/c' ‹°›/ di nil piiI›Iic. Paris: S[1cs. I V3t1.

Rev isia da f ac lidade dc I Direito da L!nivcrsidadc dc Sao Paulo . 100


304 Selino L”aeiano de Soar-u

dois documentos internacionais que se tornaram conhecidos e tiveram enorme repercussño


mundial, sob a denominapño de IcordoS de Lali âo.
Expl ica esse autrii que esses atns consto m de um /ro/or7ri yr›///try c de u ma
concordalu” — a segunda considerada pela Santa Sé, con forme se declara no respectivo
preñmbulo, como o complemento necessario do primeiro."
Sal vatorel li5’ Observa, porém. que a Conci liaqño (naturalmente entre a
Santa Sé e o Estado italiano) era, na verdade. o fato mais importante da pol itica
concordataria. que no tratado previa dois monicntos: o reconhecimcnto da completa
independéncia da Santa Se sobre o seu territorio e o restabelecimento dc rela§ñes
diplomaticas."It
As origens mais remotas dos Acor‹1os de Latrâo se rclacionavam d Questño
Romana, por uir lado, enquanto que suas origens ma is recentes, por outro lado,
consistiam no desejo da Santa Sé e da Igreja italiana de reverter uma situa9ño
insustentâvel, aproveitando-se da fase nacionalista do Governo Mussolini (que acabou
logo, alias, em 1931 ), disposto agora a conferir ñ Igreja a met hor posi9ño possivel, em
vista da expansño italiana no mundo. Para in iciar as tratativas com o Estado ital iano. a
Santa Sé fazia apenas duas exigencies: a concess3o de um territorio a Santa Sé e o
reconlaecimento dos efeitos cix is do mati‘imonio re1igioso. 6' Porém. o problema rna is
espinhoso passou a ser nao o matrimñnio com efeitos civis, mas sim a qricstño da
educapño coletiva da jug cntude dcvido ao avanpo do regime de Mussolini pelas vias do
totalitarismo. Por isso, as tratativas sofreram duas interruppoes, em 1927 e 1928. As
negociapñes foram reiniciadas e em 20 de agosto de 1928 o projeto final dos Acordos ja
estaVa pronto. Superada a fasc de discussao politica pela ltal ia, os Acordos be Latrño
estavalr prontos para serem assinados no dia 11 de fevereiro de 1929.
Na verdade, os .Acordos de Latrño compreendiam trés documentos: o
tratado. a concoi’data e a conven9ño f3nanceira. Através do Tratado, o Estado italiano
reconhecia a independéncia e a soberania da Santa Sé no territorio, ainda que minusculo,
denominado Estado da C“idade do Vaticano. A soberania do novo Lstado era, contudo, tño
completa que ltte era reconhecida ate a faculdade de ter representantes dos Estados mesmo
no caso que esses estivessem el‘n gucrra con o F:stado italiano. A Santa Sé, por sua vez.
dava por completamente encerrada a Questao Romana e reconhecia o kstado italiano

kssa sera rcnovada em 1 8/02/ 1989, como, alias, Hi ditu anteriormenle.


Cf. ACCI OLY. H. op. cit., p. 69-72.
SALVA FO It EL LI. L. W/o If ‹ la siio ererlilâ yoiilihcale. Torino: Rinandi, 1939. p. 1 27.
Cl“. S l’ORlzl delln L“ltte.in. op. cit.. p 5 Z.
ldc•na. loc. cit.
‹›’ .S TOR1. I J‹ //o C/Green. op. cit.. p. 59
Ben mais tardc, em 1 8/02/ 1954, essa concordata sera substituida por unca nos a. duranic o govemo dc
Bettino Cra x i e enquanto era Secretario do 1 'sta do o Cardeal f“asarol i.
3()3

regido pela dinastia dos Savñia e nos liinites territoriais cx istentcs. U ma troca dos
respectivos diplomatas deveria sancionar tais acordos.“

2.4. E leinentos mais relevances do Tratado de Latrño ( 1929)

Uma vez que o Estado da Cidade do Vaticano é fruto do Tratado de Latrño,


faremos agora rcferencia aos elementos ma is i elevantes do Tratado.
1 nicial mentc, no Prñ logo do rnencionado Tratado, afi rlram-se, dentre
outras, as scguintes razñes para a cria93o do Estado da Cidade do Vaticano:

assegurar ñ Santa Sé. be modo estavel, uma condi9ño de fato e de dii‘eito


que I he gai‘anta independéncia absoluta para o cuinprirnento da sua alta
lTliSSdO no mundo;"
asscgtlrar a Santa Sé independéncia absoluta c visivel; garantir- I he unia
sobel’atiia indiscutivel também no canapo internaCional ; visluinbrou-se a
nccessidade de constituir, com inodalidades particulares, a I’idadc• do
Vaticano,” reconhecendo sebre a mesma a propriedadc, o poder total,
exclusivo, absoluto, hem coino a jurisdi9ño soberana da Santa Sé."

Em outras palavras. o Tratado dc Latrño, que, rio seu Proémio. reconhece o


Estado da Cidade do Vaticano como sendo aquele determinado tcrritorio sobre o qual a
Santa .Sé goza de indepcndéncin politica absoluta intema c sobi’etudo no campo
interliacional, necessaria para a realiza93o de sua missao de evangelizapño no mundo.
Declara o Tl atado de I atrño, no seu art. 2“, reconhecer “t...J o soheraiiia da

Enquanto a Santa Se c pessoa moral. ou seja, possui tuna naturex.a i eligiosa


e humanitaria que antcccde em pelo inenos quinze seculos o aparecimento do proprio
Estado M odei no, em 1.645 (Tratado de Vest falia), e reconhecida c•iaquanto ta1 pelo
Direito Positivo I riternacional, o que lhe da, tamlaém, a condi9ño dc sujeito soberano de
Direito lnternacional. o 2stado da Cidadc do Vaticano, por sua vcz, é pessoa jui idica
intemacional pfiblica, pois surgiu de uni acordo bilateral celcbrado no Tratado de 1.atcâo

"’ .SféJP/ 4 drllri £’/ii‹sy. op. c ii.. p. 60.


"’ ACTA Apostolicae S›ed is... p. 209.
" O gri to c nosso.
' Ar: rA Apostolicac Sedis... p. *09-
210. "" '\CTA Apostol icae Scdis... p. 2.1
i.l.

kevista da Paculdadc dc Direito da L n i vcrsidade dc Sño


Paulo
de 1929 e. portanto, de Direito 1 ntemacional —. assinado entre a Santa Sé e o Estado
italiano. Esse Tratado, no seu ari. 3° a firma o ses U i Fl •:
A I IN1 ia rcconhccc- a Santa sé a plena propriedade e o
exclusivo e absoluto poder e jurisdipño soberanos sobre o
Vat icano coino é atualmente const ituido. com todas as suas
part inéncias e dotapñes, criando-se assim a C idade do
Vat icano para os fi ns especiais e sep•undo as riiodal idadcs
mencionadas no presente Ti atado. Fica claro, alcm do mais,
que a P rapa dc Sño Pedro, mesmo faxendo parie da U idade
do Vaticano, continuara nonral mente abeta ao pu bl ico c
sujcita aos poderes de pol icia das autoridades italian as, as
q ua is nao tiltrapassarño as escadas da Basil ica; ainda que
esta cont inue a ser destinada a culto publico. abster-se-fio de
su bir e adenirai a referido Basilica, sal o quando convidados
a intervir pela autoridade conipetente."

Para que nao haja duvidas sobre o sontiJo dessas disposigdes, o art. 4“ do
Tratado dc Latrao csclarccc: “A soberania r a jurisrliqâo exe:Iusivu Inc’ a liâlia reconl1ecc
h Sai1Ia Sé. sobre› a C'idade do kuiicano, imfiioi la quo, sohre a mesma, nâo cube
‹qualquer iiiyeréncia da pal Ie do Covei no Ilalinno e que ali nâo exis'Ie ouli a aumi idade
‹jug aquc’Ia da Sama Sé 7*
Artigo 5°
Para a cxeciipño do quanto esta estabelecido no art i3o
precedence, antes da cntrada cm vigor do presente Tratado, o
ierriiorio que const itui a U idade do Vaticano clevera ser, aos
cuidados do €ioverno Italiano, liberado de qualquer
empecilho c de cventuais ocupantes (...).’'

Artigo 6‘:
A I ta lia garantira o fornecimento (...) a Cidade do \*aticano
de: 1...) adequada quantidade de a•ua; (...) coinunic’a;0o
feri‘oviaria com a i ede feri’oviaria da Italia: (...) servipos
tclegra ficos, serv itos publ icos: I...) sistemas de acesso ao
Vaticano."

Artigo 7°
No t.rritorio que cii cunda a Cidadc do \*aticano. o Govcmo
italiano sc empcnha a i âo |›ern1itii nov as conslrupocs. que
constituent introspecpao, bem coiro deniolii parcialrnentc•.

.\C’T.A A postol icac Sedis..., p. 210-2 I I .


*” ACT7\ A poslolicac led is... p. 2.1 I .
’ In.. loc. cii.
Id. I bid., p. 212.

v. lO(+ p. 257-3 l4 ian./dcz. 2005


307

com o mesmo fim, aquelas cx istcntcs junto a Porta


Cavalleggeri, Via Aurélia e Viale Vaticano. Em
conformiâacle âs normas dc direito inter nacional. e proi bido
aos vcicu los néreos de qualquer tipo sobi‘evoar o terrltfiri o do
Vati cano. Na Prapa Rusticucci e nas zonas adjacentes as
Colunas; la ondc nño se estende a extraterritorialidade
tratada pelo art. 1.5, qualquc•i mudanpa cdil icia ou viaria que
possa interessar a Cidade do Vaticano se fara de comum
7
acordo.

0 art. 8° dcclara a pessoa Jo Suberano Pontifice como “(...) sagra‹Ja e


7
in violâvel ’
Con forme se estipulou no art. 9° do Tratado de Latrño e de acordo com os
pi eceitos do direito internacional, sño submetidos a soberania da Santa Sé as pessoas que
tern residéncia fixa na Cidade do Vaticano. Tal residéncia nño se perde pelo simples fato
de permanéncia temporaria em outro lugar.
N o art. 1.2, o Tratado de Latrño a firma que “(...) a Itñlia reconhece â Sanla
Sé o Jireito de represenlaqâo diplomcitica, alivo e passivo, segundo as regras gerais do
direilo inlernacionaL ’5
Segundo o mesmo artigo, “os diplooiatas esli angeiros acredil.ados junto a
Santa Sé continuarâo a goz•ai-, na Ilñlia, de ioda.s a6 prerrogativa.s e imuriiJades ‹f ue, de
ae’ordo coin o direilo inlernacioilal, sâo concedidas ou.s agentes diplomâticos” “'
A lém disso, a [ta1i a se compromete, expl icitamente “(...) a respeilar sempre
e em qualquer caso a liberJade Je c’orrespondéi1cia enlre loJos os Estados. inclusive os
heligerante.s, e a South Sé, e vice-versa”
A inda do art. 1.2 do Tratado dc Latrao consta a declaragño de que “o Nunc’io
Ayo.slâlico junlo ao Governo Jlaliario sera o Decano do C.orpo Diplotiiâlico, coiif!oi me o
direito c oslumeiro reconliecitlo pelo ato de 9 de junllo de 1815, clo Congi esso de l!
iena” ’"’"
Os arts. 13, 14, 15 e 1.6 do Tratado de Latrao referem-se ao reconheciinento
da propricdade da Santa Sé sobre diversos imoveis, situados em Roma ou nos arredores,
os quais gozarño das imunidades i‘cconhecidas pelo direito intemacional as residéncias
dos agentes diplomaticos dos EStodos estrangeiros."

AC’*fA Apostolicae Sedis... p. 2 I 2-


213. " Id. Ibid., p. 213.
" AC’TA /\postol icae Sedis... p. 21.5.
‘ Id., loc. cit.
“* Id., loc. cit.
A ATA ñpostolicac Scdis... p. 2 I .1-210,

kCvista da I'aculdadc de Direito dd I 'niversidad: de Sao Pa\ilo


O art. 20 do Tratado de 1.atrño permite que as mercadorias procedentes de
paises estrangciros e destinadas a Cidade do Vaticano ti ansitcm pelo territorio italiano com
p I ena isenqño dc d ircitos aduanciros on impostos de en ti ac4a.”
Di7 o art. 2.1 que “/odo.i os cardeais gozam, na //ñ/in, das honras devicla.s
aos principes Je sangue e acre,scenia que os residenles eni Rotnci, ainda cjue for a la
Cidade do Volicano, sâo, yara todos os rfritos, ‹ idadâo.s desla iillima” "
O mesmo ari igo consi gna disposi9ñcs tendentes a assegurar a I i vre reuniao
dos colsclaves, assim como dos Coiicilios presididos pelo papa. '
O art. 22 do Tratatlo dc Latrño contéin ulra estipula9ño curiosa: é a
delegapño a I talia, pela Santa Sé, do poder de jurisdi9ño do novo Estado, em determinadas
hipñtescs. Assim, diz esse artigo:
/\ pedido da Santa Sé, c por delegapño que podera ser dada
para cada caso particular on a titulo permanence, a ttalia
providenciara, no seu territorio, sobre a punipao dos del itos
que tenham sido cornetidos ria C’idadc do Vaticano,
sal vaguarda ao autor do del ito se tiver i efugiado no terrirorio
ital iano, caso em que ela procedera iirediatamente contra
ele, de exon rormidade com as leis ital ianas."'

O mesmo artigo acrescenta que:


A Santa Sé entregara aO Estado italiano as pessoas que.
dcpois de terern cometido atos considerados del iniosos pela:•
leis dos dois P.stados, se refugiarem na Cidade do Vat icano
ou em algum dos imfivcis que I he pertencem e que, segundo
o ari. 15, gozam de iinun idadcs diplomaticas."

Artigo 23:
Para a cxecupao na I ta lia das sentenpas ernanadas pelos
tribunais da U idade do Vaticano, aplicar-se-ao as noma as do
clireito interi acional.”*

to art. 24 do Tratado de Latrño figura a declaraqño de que “ ...) a Cidade


do Kaiicailo sera seinpi e. e ei›i qualquer cuso, consideradu Ie.rrilâi io i1euii o c
inviolâveF’ ”

” A6“Lz\ A poslolicae Sedis.....p. 218.


"" ld. Ibid., p.
2.1.8. ' I d.. loc. cii.
‘“ AC‘TA \postol icae Sedis... p. 2.19.

“ tel. lhid.. p. 220.


" Id., loc. cit,
3G9

Portanto. essa neutralidade é garantida por disposi9ño expressa do Tratado,


nos antigos acima citados.
O art. 26 do Tratado de Latrño, além de realirmar o quanto dito sobre as
razñcs para a cria9ño do Estado do Vaticano, a saber: liherdaclc e indeI•encléncia tin
poverno pastoral da Diocese de Roma, da Igreja Calrilic’a na Itâlia e no mundo, declara
tamhem:
Resolvida. de maneira defi nit iva e irrevogavel. a Questño
ltomana, surp•ida cm 1.870 com a anexapño de Roma ao
Reino da ital ia sob a dinastia da Casa de Savfiia, com Roma,
capital do Estado italiano, enquanto, por sua vez, a Italia
rcconhcce o Lstado da Cidade do Vaticano sob a soberania
do Sunio Pontifice.’ G

Isto posto, Accioly concluiu que nño pode mais haver dñvida alguma quanto
a personalidade juridica internacional da Santa Sé ou do seu chefe, o papa.'7
A partir desses elementos. algumas conclusñes sño necessñrias:
I . O Estado da Cidade do Vaticano, ainda que- minu ecu I o. possui logos os
caracteres forma is de um k.“slado soberano e sohre o qua! o papa
exc•rce p/eifa soberania.
>. Nño pode haver ma is duvida quanto a persoi1alida‹lr juridica Ja Santa
Sé on do seii cliefe, o paf›a.
3. Foi so a necessidade de se dar base material â soberania espirifna/ do
yaf›a, de › e lhe concedcr tin’ia garanlia de direiio j›ñhlico inlernar.tonal
capaz ‹:1e llie assegnrar a completa indepc•ntlencia, que determinou a
criaqio da soberania territorial da Santa Se, ainda Que sobre uma area
mm restrita."‘
4. A Santa Sé e o Estado da Cidade do Vaticano sfic› dois distintos ujeitos
internacionais. Embora possiuitn também mmci inmum re/aqâo de “uuiña
pessoa/ ”, ha varias teorias sobre isso na doutrina, coiro se vera a
seguir, dado ser o Sunlo Ponli ficc o Pod‹•r Supremo daqueles dois
siJeitos internacionais.
5. N faersonalidade juridica iiilertiocional conij›eie ex clusi»ameiilc ‹r Sanlo
Sé, seja no plano interno o proprio or‹Jenamento canñnico, seja no
plano intcrnaciona—l os Tratados, Concordatas.

““ A£”TA Apostolicae Scdis... p. 2 I


‘1. "* O grilo nosso.
‘’ ANC lOLY, H. op. cit.. p. 72.
“’ Explicar-sc-a inclhor no itcn 3 — Icmcnlo de complementaridade entre a .Santa Sc e o I sradc da Cidade do
dl iC8 IO.

kcvista da I'aculdadc de Dirc‘ito da Univcrsidacc dc Sae l’a ilo v. 100 p. 2S7-.i jan..'dex. 20()3
1.4
6. Como discemiu o ex-presidents das Na9oes Unidas, Dag Hairincrskjold.
em Ciencbra, no verño dc 1957: “Quando en s olicilo mna audiéncia no
Valic’anu. iiâo von visilai- o rei Fla L’idade cln Vatir.and›, ma.s o hr./r.
na Igreja Calolica ’0
Assim, ele distingue de fato ambos os conceitos. ou seja, o da Santa Sé e o
do Lstado da Cidade do Vaticano, a lcm de evidcnciar, tambem, a relapao de “uniño
pessoal” que liga os dois entcs internacionais."
Em sintese, sobre a identidade do Estado da Cidade do Vaticano, poder-sc-
ia d izer o seguinte: c fruto do Tratado dc Latrao de 1929. entre a Santa Sc e o Reino da
ltalia; por isso a sua origem é dc Direito Positivo I nternacional. Sua linalidadc é a de
'’assegurar â Santa Sé, dc modo e.s lâ vel. tana condi;âo de fato e de dii eito que lhr
garunlo inJe|aeiicléncia ahsolula yara o c umpriitienlo da siia allo missño no mundo” "‘
“ass equi it a Santa Sé indeyendéncia indisculivel laml›ém no raniyo iiilernacional,’
vislumbi on-se o nece.ssidaJe be conslituir, com modalidades f›articularc•s, a €.’idade Jo
Vaticano, recoril1ec’endo sobrc a mes’ina a pt opriedade, o f›odcr tolal, ex6-ltu;ivo,
uhsolulo, hem conio a Jiiriscli ’âo soberano da Sanla Sé” "° Portanto, a finalidade do
Estado da lidade do Vaticano c de constituir-se em base ter ritorial ou material para abrigar
a Santa Sc, que é, essencialmente, uma soberania espiritual, cujo titular c o Papa; a finn dc
que ele possa gozar dc independéncia pol itica absolute interno c. sobret udo, nO Cfim O
internacional, necessaria para a real iza9ao dc sua irissño de evangeliza9ño no mundo.
Portanto, a ex istencia do Estado da Cidade do Vaticano tern corno unica finalidade
assegurar a soberania da Santa Sé em relapño aos demais Estados (é um instrumento de
soberania da Santa Sc). sem, contudo, se identificar com aqueles. E Pessoa Juridica de
Direito I ntei nacional Pñblico, pois é plenamente um Estado. isto é. possui todas os
caractei’es forma is de um Estado soberano sobre o qual o papa cxerce plena sobc•rania. A
existéncia, contudo, do Estado da Cidade do Vaticano é mcdiante ñquela da Santa Sé, ou
seja, corn “fins cspcciais” ou, cm ouli as palavras, do ponto dc vista politico-territorial, a
missao espi ritua I da Igreja Catñlica. De modo que é sempre a Santa Sé, com a sua
mcncionada Pc•rsona1idade Juridica lntemacional, a quem compete representar.
exclusivamente, tanto a I gre.i• Catolica quanto o Estado da C idade do Vaticano, no
plano nacional e intemacional. O papa e, assim, a Suprema A utoridade desses dois u ltimos
e a relapño que se estabelece cntre a Santa Sé e o Estatlo da Cidade do Vaticano e chamado
de
her//c/riJe Pe.s’.sraa/ ou L/iii fi‹› Pe.‹.soa/, vale dizer. o papel ‹ie “chefe” comum da Santa
SP e

Sbu I°au Ie›: Lo} o la. I g93. p. 570.


"' I d.. loc. cii.
Tratado de I.at rño dc I '729: Aeia A postol icae $edis . 1/c'ciit fio ‹/e Pin› .Al. 3I) de ma io dc 1929. p. 2 O"2.
"’ Tral ado tie I .at r3o de 1929, op. cit., p. 2fl9-2 1 0.
II

da Cidade do Vaticano é exercido pela mesma pessoa, a saber, o papa. O papa é. cnt3o. a
instancia suprenaa da Santa Sc e do Estado da Cidade do Vaticano.

3. Elemcnto de complenlcntaridade cntrc a ñanla Sé e o Estado da Cidade du Vaticano

A complementaridade essencial entre a Santa Sé c o Estado da Cidade do


Vaticano ucoize Koi meio Fla Identidade Pc.ssoal ou Uniao Pcssoal, pela qual u pada ñ a
Supicma Autoridadc da Santa Sé e do Estado da lidade do Vaticano. [dcntificagao
Pessoa I ou Llniâo Pcsscal signiflca, cm outras palavras, quc o Oficio da Suprcma
A utoridade das duas instituigocs ñ •xerciclo pela mesma pcssoa, a sabcr, o Bispo de Roma,
on seja, o papa. Portanto, o papa, ou B ispo de Roma, além de filhefe e Supremo detentor
do Oficio da Sé Apostolica. e também soberano do Estado da Cidade do Vaticano.
A soberania territorial do Estado da Cidade do Vaticant3 existe unicamcntc
para abrigar a soberania espiritur.1 da Santa Sé e tic semi titular, o papa. Aquela, portanto.
esta subordinada a esta ultima. A sober ania espiritual da Santa Sé. conttldo. é iiitcp•ra e
atuante. mesmo se, eventualmente, vier a pcrder sua base territoi ial.
Enquanto pessoas intcmaciona is. tunto a Santa Se colro o Estado da C’idade
do Vaticano› sño membros dc pleno direito da Comunidade Internacional dos 1 stados c
das Organizapñes lntergovernamentais.
Ambos participam de con fcréncias e subscrevem ou adcrcm a convenios
internacionais, segundo o status da sua participa9ao, cxercendo os mesmos direitos que os
outros Estados-membros, em perfeita paridade com todos eles.

4. Elementos de distin9ao entre a Santa Sé e o Estado da Cidade do Vaticano

No sentido estrito e especial. o termo Santa Sé A postol ica designa somentc


o R omano Pontifice, quer dizer, o Oficio ou a Funpao do papa; on. em outras palavras,
designa o Papado, o Primado Romano e a sua pessoa.
Para os propositos destc anigo, convém ressaltar Isa is o u ltimo sentido do
senao Santu Sé, ou seja, o scu significado esfrito c especial, ale dizci , a pessoa c a
jumbo do papa, quc aparcce aqui cnquanto o titrllai em cxercicio da SaiJla Sé cm\‹an to
Orgao Supremo rlc diregâo da Igicja Catol ica.
A Santa ñé é pcssoa moral, porque i\ao rcccbc sua pcrsonal idade c° sua
cxist ncia jui idica dc algum ordenamento temporal ou territorial, nsas. sin ,
dirctailaentc dc scu £undador. Jesus Cristo. Por isso. a Santa Sé é chamacla, tamb n1,
de pessoa “pre- jUFl*dica", porque nascc« antes do proprio urdenamcnto juridico. quc,
por sua vuz. dari a fundamento a gcssu a .i ridica. Nessc sentido. a Santa ñ é pessoa dc
natureza cspirit«aI,
Re ’ista la r.icu Idade de Dire i lo ‹la U niversidade dc Sao Paulo v. 100 p. d 7- 3 14 ian.*dcz. 2005
5’o/iriO C“oefnitO Je Settee

rel igiosa e humanitaria, isto é, emana de um Direito inerente a sua propria naturexa, ou
seja, que nño Procede dos meios institucionais caracteristicos do regime democratico. Em
outras pa lavras, procede do Direito Di v ino.
A Santa S›é, poHanto, é pessoa espiritual, dotada de Personalidade Juridica
de Direito I nternacional Pñblico, cujo seu titular é o papa.
O Estado da Cidade do Vaticano, poi’ sua vez, é fruto do Tratado dc Latrao
de 1929, entre a Santa Sé e a It‹alia, e, por isso, fi Pessoa de Direito Positivo I ntemacional.
Os agcntes diplomaticos que representam o Sumo Pontifice, no exterior,
representam somente a Santa S›é, a nño sei‘ que, por delegapño especial, 1 he seja dado
também representam o Fs1ado do Vaticano.”
O Niincio Apostolico. que possui status de embaixador, representa a Santa
Sé. e nño o Estado da Cidade do Vaticano perante os Estados com os quais mantém
relaqoes diplomñticas e perante as Igrejas presentes no territñrio dc cada napño. A sua
fungño esta i cgulamelatada no Codigo de Direito Canonico, Can. 362-367."
Apfis o Tratado de Latrño, os docurnentos intenaacionais eram subscritos
tanto em nome da Santa Sé como em nome do Estado da Cidade do Vaticano. kssa praxis
sñ mudou a panir de 1957, quando a Santa Sé, unicamente, assumiu a dupla
representapño.
A di ferenta, portanto, de sujeito intemacional entre a Santa Sé e o Estado
da Cidade do Vaticano devera ser deduzida da finalidade da representa9ño concreta
assumida em cada caso.
A pesar da dupla natureza de representa9ño intcrnacional, esta nao é ipual
nem em impoHñncia, nem cm atividade: a primordial e a corrcspondente a Santa Sé
enquanto ñrgño supremo da Igreja Cdtolica U niversal.
Somente a Santa Sé mantém representantes perante os Organismos
I nternacionais.
O Estado da Cidade do Vaticano, na mente do Ti’atado de Lan‘ño, foi criad‹a
com um fi m mediato ao da Santa Se, com “fins especiais”, vale dizer, viabilizar, do ponto
dc vista politico-territorial, a missño espiritual da lgreja Catolica.”
E a Santa Sé quem celebra acordos (concoi datas, rnediaqoes) com os
Estados signatarios.

”‘ A N I LOTTI. D. La condiz ionc gi»ridica interwa:r.ionaI0 della Santa Sede i n scguito a*l i accordi del
Laterano. Rio'/‹i‹i di Dii If to lriIE'rItuzioiinIe. x . 4, lasc. 2. p. 165 ss., I ‘J29.
SAL.VA DOR. C.C.. EM I3I J., J.J. op. cii.. p. S
13. ”° A NZ I LOTTI. D. op. cit., p. 2 17.
zl Santa SP e o Estodo dv Cidade ‹lo Voticoiio. disiiii;ño e conipleuieiiloricluâr 3

A Cidade do Vaticano é um organismo estatal que apresenta as mesmos


caracteristicas prñprias de um Estado, ou seja. coin os seus elementos materiais, tcrritñrio,
popu la9ao, aritonomia de governo prfiprio. exército, fi ns a serem persep•uidos.

CORC) USOO

Existe, portanto, uma relagño ou articula9ño triangular entre a l greja


Catolica, a Santa Sé e o Estado da Cidade do Vaticano. Aqueles dois primeiros conceitos
nascerarn simultancamente, enquanto pessoas morais, por vontade direta de Deus, isto e,
através de Jesus Cristo. O Senhor Jesus, por sua vez, colocou Pedro e, por conseguinte,
seus sucessorcs, os Papas, coino Cabepa ou Suprelca A utoridade da Igreja Catol ica. A
Funpño Petrina ou Suprema A utoridade da Igreja CilfoliCa chanaar-se-ñ Santa Sé, que
representam esta ñ ltima tanto no plano nacional quanto no internacional. A Santa Sé, por
sua vez, enquanto pessoa soberana espiritual, mora ou tern o seu doinicil io em um
territfiriu denominado Estado da Cidade do Vaticano. que lhe assegura estabilidade e
independéncia politica, absoluta e visivel em rela9ao aos demais Estados: ou. em outras
palavras, no Estado da Cidade do Vaticano reside o papa. que é a Suprema A utoridade da
Igreja Catolica e do Estado da Cidade do Vaticano. A Santa Sé esta por Suprema
A utoridade da Igreja Catfil ica. O Estado da Cidade do Vaticano é apenas um territorio.
Portanto, nunca o 'Vaticano” pode ser sinñnimo de Governo Central da Igreja Catñl ica,
vex. que nño é pessoa, mas, sim, um ente estatal ou, simplesmente, um territorio.

Sño Paulo, dezembro de 2005.

Referéncias

ACCIO LY, H. Nñ vitt/e e cittcc' anos... a personalidade internacional do papa. Separada da: A
Cti dem, dez. 1.930, p. 63-72.

ACCIOLY, H.; SI LVA, G. F.. Nlannal de. dii-eito irilernat ioncil piihlico. Sño Pan lo: Saraiva, 20G2.

ANZ I CO3’Tl. D. La condizione g iuridica intcmazionale della S›anta Sede in ses • • i3gl i lccordi del
Lateiano. Rivislet cli Diritlo ltiternazionale, v. 4. fasc. 2. p. 1.65 ss.. 1929.

CODIL›O dv Dii eilo h”ui1ânico (CIC,L Traduqâo em lingua portuguese da Confcretlcia Nacional do
Brasil. Sao Paulo: Loyola, I 9d3.

DE LA BRJ ERE. Y. La question romaiilc ct Ie traité dc Latt an. Serve de Di-oil liilei ncilional, t. 3,
1929.

Rev isia da l'aculdadc dv Direito da Univercsidadc dc S u Faulo p. 2b“7-3 1 4 jam./dcz. 2Ot) 5


S‹ilm‹› k’oeiaiio Jr Sotiza

D ELOS, J. T. Le Tra ité de Latran ct 1 a situation nouvelle de la Papauté. Rcvtie dcc Droit
International. i. 36, 3. serie. t. 3, 1 929.

LE F”Uk, L. Lc Saint Siégc c ie droit intcrnaticnal. Ac .'He Plc Hi oil iiJIc°i iiaIion‹il, t. 3. 1029.

LI.ANO CIFLi ENTES, R. F//›:s'u dr Dii eilo £ 'an‹o1ico. Sao I°aulo: Saraiva, 1 07 I .

SA LV A DOR, C.C.; EM BI L.J.M.U. Du: ionârio cle Dii’eilo C"ooñiiic’o. Sao Paulo: Loyola, 1 953.

SALV.STORE LU. L. Pio .II e lu s iiu erediih ponlificale. Torino: Einandi, 1930.

SCH F LES, G. Reviir Géiiéi alr de Droit lnlei’ncitioiial Public, t. *4, I '311.

STOP lA Jello Chie. a. 1 cattolici nel mondo conteinporaneo ( 1922- I °928). M ilano: Ed. Paoline,
1991. v. 23.

WI LSON. L. G. A pratica e o slatus da intervcn9ño e da nño-interven9ño no dire ito internacional


coniemporaneo. Revi.sta ale ln%rmagâo Legislativa, Brasilia, v. 20, n. 79.

fi IM MERMAfi K, M. Organisation intemationaJe (Fin du Moyen Age). Recueil ‹Yes Court. v. 2,


1 033.

Docuiucntos

ACTA A postolicac Sedis. Alociijâo de Pin Xl, 30 inaio 1 929.

CONCILI O VATlCANO 11, Pane 11, Cap. V, n. S9.

JOJO PA U TO 11. Ji.sc’iii-sr› ao Corpo Dif›lom‹ilie’o o‹’i‘e‹lilaâo Junto n Scmto Sé, de

1 <95. GA UDIUM et Spas, 76.

TRA’I’ADG dc Latrño de 1 929: Ac la zlyoslolic ie Seri.s. A lociipño de Pio XI. 30 de naaio de 1929. p.
209.

Você também pode gostar