Este documento resume um livro intitulado "A Construção dos Corpos. Perspectivas feministas" organizado por Tânia Navarro-Swain e Cristina Stevens. O livro apresenta estudos de diferentes campos acadêmicos sobre a construção da diferença sexual e questões centrais para teorias feministas. Alguns capítulos abordam conceitos como gênero, patriarcado e sujeito, assim como perspectivas queer e análises feministas de obras culturais como o filme "Brokeback Mountain".
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Este documento resume um livro intitulado "A Construção dos Corpos. Perspectivas feministas" organizado por Tânia Navarro-Swain e Cristina Stevens. O livro apresenta estudos de diferentes campos acadêmicos sobre a construção da diferença sexual e questões centrais para teorias feministas. Alguns capítulos abordam conceitos como gênero, patriarcado e sujeito, assim como perspectivas queer e análises feministas de obras culturais como o filme "Brokeback Mountain".
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Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro
RESENHA: A Construção dos Corpos. Perspectivas
feministas. STEVENS, Cristina M. T. e SWAIN, Tania Navarro. Florianópolis: Mulheres, 2008.
Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro
A Construção dos Corpos, perspectivas feminis-
tas é mais um título da Editora Mulheres lançado no Brasil que evidencia o interesse crescente de es- tudiosas/os, leitoras/es e, também, do mercado edi- torial, pelo tema da construção da diferença sexual. Trata-se de problemática central no âmbito das te- orias e das lutas feministas que, investigada sob as- pectos e abordagens distintas, não por acaso emer- ge nos quatro cantos do mundo, fertilizando a refle- xão acadêmica, o diálogo e a intervenção cotidiana. Doze capítulos apresentam estudos e pesquisas realizadas por intelectuais que atuam em diferentes campos disciplinares — economia, sociologia, edu- cação, psicologia, comunicação, história e literatu- ra — e suas inquietações definem um campo de re- flexões, lutas e o foco político de teorias e práticas feministas, publicadas na obra organizada por ta- nia navarro-swain (HIS/UnB) e Cristina Stevens (LIT/UnB). A coletânea revela um conjunto de co- municações apresentadas no colóquio “A Constru- ção dos Corpos: violência material e simbólica”, re- alizado no Simpósio Internacional Fazendo Gênero
Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro. Doutora em História pelo
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, no momento atua como professora do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia / INHIS/UFU. [email protected]
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A construção dos corpos. Perspectivas feministas. STEVENS, Cristina M. T. e SWAIN, Tania Navarro. Florianópolis: Mulheres, 2008.
7, promovido pela UFSC, e realizado em agosto de
2006 em Florianópolis/SC. Heleieth I. B. Saffioti, referência inegável no cam- po dos estudos feministas no Brasil, no capítulo A Ontogênese do Gênero, retoma conceitos e catego- rias elementares — gênero, patriarcado, sujeito —, também para salientar sua historicidade, ou alguns sentidos que definem seus usos em relação a certos quadros de pensamento. A categoria analítica do gênero que se alastra rapidamente no Brasil nos anos 90 permite pensar relações hierarquizadas entre se- res socialmente desiguais, apesar dos limites localizáveis em algumas acepções e usos. Adentrar o ‘reino da História’ seria o caminho que, para ela, possibilita que sujeitos plurais leiam, compreendam e transformem a relação entre homens e mulheres e, também, intervenham em desigualdades, injusti- ças e iniqüidades de uma ordem política andro- cêntrica. No capítulo O Estranhamento Queer, Guacira Lopes Louro aborda a perspectiva que surge com os movimentos e estudos gays e lésbicos nos anos 1990. Se inicialmente a expressão queer funcionou como enunciado performativo que fez e faz existir a quem nomeia com a marca da marginalidade, o termo passa a ser assumido orgulhosa e afirmativamente por um conjunto de excluídos da posição sexual do- minante, para marcar outra posição que, parado- xalmente, não se pretendia fixar. Ela constata a con- quista de direitos e a construção de políticas de in- clusão social, mas quer sublinhar a conotação teóri- ca e política da expressão que aponta para o espaço de uma diferença que não quer ser integrada, a po- sição de sujeitos que questionam a norma e se colo- cam contra a normatização: para ela, o estranha- mento queer é uma forma “instigante de pensar a cultura, a sociedade, para pensar o próprio pensa- mento”, ou seja, “para romper os limites do pensável em muitos espaços, em muitos domínios”. Em Sobre gênero, sexualidade e O Segredo de Brokeback Mountain: uma história de aprisiona- mentos, Diva do Couto Gontijo Muniz nos apresen- ta um exercício de leitura feminista do filme dirigi- do por Ang Lee, — cineasta nascido em Taiwan e
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radicado nos Estados Unidos —, com o uso de lentes
teóricas que ela explicita: reconhecendo-se como “sujeito constituído dentro do sistema sexo-gênero e também fora dele, reconhecendo sexo-gênero como indissociáveis, como produtos e processos de dife- rentes tecnologias sociais, e o cinema como uma de- las”. Sob as luzes em movimento dessa análise, a autora desvela uma “história de aprisionamentos”, de enquadramento dos personagens e do enredo no interior da lógica binarizante, esta que orienta a pro- posta do diretor. Através das lentes analíticas do sexo-gênero, ela enxerga, nos encontros furtivos dos cowboys no isolamento da montanha, apenas fissu- ras, e não rupturas, e constata que a morte de um e a sobrevivência solitária do outro remetem à “clás- sica associação entre crime e castigo, pecado e pu- nição, desvio e exclusão”. Na interpelação feita ao público com o recurso a tais imagens, portanto, o diretor não consegue transpor os limites das grades generizadas da identidade sexual, dos quadros da heterossexualidade normativa ou das “concepções maniqueístas da tradição judaico-cristã”. Margareth Rago e Luana Saturnino Tvardovskas, no capítulo O corpo sensual em Márcia X, focali- zam a obra de uma das mais inquietantes artistas dos anos 80. As historiadoras se re-apropriam do diálogo que Marcia X (1959-2005) propõem com as temáticas do corpo e do erotismo, para pensá-lo en- tre as interferências perturbadoras da ordem falo- cêntrica, em meio aos processos positivos e singula- rizantes que se podem instaurar. As autoras ilumi- nam nas obras um conjunto de “intensidades cria- doras que podem subverter um contexto de homoge- neização, como o que vivemos, e as novas potências de vida possíveis na era das biopolíticas”. O capítu- lo faz reviver a imaginação sexualizada, viva e liber- tina de Márcia X e potencializa a ironia da artista em relação ao discurso do poder. A expressão de Márcia e a reflexão de Margareth e Luana, portan- to, somam-se às contribuições de uma crítica da cul- tura, baseada em deslocamentos que incidem no ter- reno das artes, das ciências, das narrativas e lingua- gens, esforços que enfocam/desfocam/desvelam cor- pos, subjetividades e sexualidades.
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A construção dos corpos. Perspectivas feministas. STEVENS, Cristina M. T. e SWAIN, Tania Navarro. Florianópolis: Mulheres, 2008.
Relações hiperbólicas da violência da linguagem
patriarcal e o corpo feminino é o capítulo em que Marie-France Depêche aborda a questão da impor- tância das palavras na construção / reconstrução das coisas, para pensar a partilha política que cria seres sexuados. A incitação discursiva atua não só no con- trole das enunciações, mas na produção da diferen- ça, da sexualidade e dos corpos que a exercem. A autora destaca expressões da cultura popular oci- dental e metáforas poéticas da cultura erudita que associam a mulher a figuras desprezíveis, por exem- plo à privada (Baudelaire), à cloaca (Nietzsche) ou outras, em clássicos como Balzac, Zola, Kant e Lévi- Strauss. Assim, ela revela como funciona todo um sistema de opressão e a prática vocabular em dife- rentes idiomas que exprime, tanto pela palavra es- crita quanto oral, um exercício não menos violento do que o representado por agressões físicas. Como uma espiral que se retroalimenta, ela explica, o ato físico e o lingüístico movimentam a linguagem do patriarcado e encerram, inclusive, regiões não me- nos violentas de silêncio acerca das experiências fe- mininas. No capítulo Bestiários, Norma Telles investe em um mergulho no universo dos manuscritos que cir- cularam e inspiraram a literatura e as artes na Eu- ropa medieval, e descreviam figuras reais ou fantás- ticas compostas de animais, vegetais e minerais. Tal mergulho, entretanto, é uma forma de proceder a um outro, este, na produção de Leonora Carrington e Remédios Varo, artistas inglesa e espanhola, res- pectivamente. Encontraram-se, primeiro, no movi- mento surrealista em Paris, em seguida, no México, varridas da França ocupada pelo nazismo e da Eu- ropa em guerra, e tornaram-se amigas. Ao retomar trechos da obra pictórica e textual das artistas, Telles re-apresenta as figuras híbridas, inusitadas, criadas pelas duas, que aproximam realidades dis- tantes e oferecem ao olhar seres que transcendem fronteiras e construções sociais de gênero. A liber- dade das artistas e os significados mais ou menos prováveis de suas obras são amplificados na análise da autora, que, assim, contribui para alargar as vias de inteligibilidade e o reino dos viventes, ao tempo
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em que recomenda a variedade, a multiplicidade de
leituras de bestiários antigos ou inovadores. Ana Liési Thurler, em A Construção de corpos sexuados e a resistência das mulheres: o caso emble- mático de Juana Inês de la Cruz, ilumina a trajetó- ria da monja mexicana Juana Inês e de sua escrita. A monja-poeta admite ter buscado uma vida de es- tudo, quando optou pelo claustro no convento das Carmelitas descalças. Ao discutir os princípios da política moderna, que inventa a liberdade, a igual- dade e o consentimento livre da mulher à subordi- nação ao homem pelo contrato de casamento, — premissas da democracia liberal nascente —, Liési contrapõe e sublinha a marca da transgressão femi- nina nos vestígios deixados pela monja. A obra da Juana Inés revela uma luta para resistir aos dispo- sitivos da educação feminina e monástica, voltada para o exercício da humildade, do silêncio e da obe- diência nos domínios da vida profana ou sagrada. Fazendo repercutir sua fala e sua recusa ao silêncio, o capítulo de Liési contribui para inscrever e subli- nhar o nome da poeta na história. A escrita de Cristina Stevens neste livro percorre o corpo da mãe refigurado em matrizes fundadoras: no Gênesis, em Aristóteles, São Tomás, Santo Agos- tinho, nos escaninhos da psicanálise de Jung, Freud, Lacan, na concepção de Engels, entre outras. A au- tora nos convida a realizar uma travessia desse oce- ano de representações, conceitos e estereótipos, que perpassa, ainda, a literatura inglesa oitocentista (Charles Dickens, Jane Austen, George Eliot) e cul- mina nas plagas movediças do romance contempo- râneo (Jeanette Winterson, Michèle Roberts, D.M. Thomas). Fertilizando o campo das reflexões femi- nistas de Jane Gallop, Germaine Greer e Luce Iriga- ray, Stevens desmascara a tradição da “glória radi- ante” da maternidade e encontra estruturas narra- tivas polissêmicas, polifônicas, que buscam encenar experiências femininas e imagens maternas por ca- minhos não-convencionais. O capítulo desvela pari passo a criação de significantes e significados alter- nativos aos corpos e maternidades definidos pela engrenagem da cultura montada sobre o sistema da natureza e desvela a presença de corpos outros, tam-
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A construção dos corpos. Perspectivas feministas. STEVENS, Cristina M. T. e SWAIN, Tania Navarro. Florianópolis: Mulheres, 2008.
bém esculpidos por instrumentos afiados, em práti-
cas libertárias da literatura contemporânea. A Cláudia Maia interessa reler a construção dos corpos de “solteironas”, estes que representavam um indício de desestabilização do modelo desejado de ‘mulher verdadeira’. No capítulo Corpos que esca- pam: as celibatárias, ela revela como esses corpos foram sistematicamente desqualificados na prolífi- ca literatura médica do início do século XX, em dis- cursos que construíram signos, patologias e sinto- mas, definindo normas e perversões, para classifi- car e controlar os prazeres. Percebidos como estra- tégias políticas na análise da autora, esses saberes possibilitam observar como a imagem da castidade teve (talvez ainda tenha) papel importante na socie- dade brasileira: associada à moral sexual da socie- dade, no esforço de controle da honra e da virginda- de feminina, a construção reiterada dessa imagem em sua disseminação normativa produz “corpos puros para uso exclusivo do marido a serviço da maternidade sadia”, e faz reproduzir a idéia de um corpo social. Ao perseguir discursos que investem em imagens de “frustração, carência, do corpo estéril, danificado, frígido, recalcado, inútil” de mulheres “não-verdadeiras”, Maia se desloca entre enuncia- dos disciplinares do mundo social e desfere seu olhar crítico para deslindar territórios da cultura, onde cuidadosamente são modelados corpos femininos ‘nem tão dóceis ou úteis’, particularmente os que “não se reproduzem”, que “não se desejam” (quem?), locais onde habitam corpos de “solteironas”. Silvana Vilodre Goellner, em A cultura fitness e a estética do comedimento: as mulheres, seus cor- pos e aparências, pretende denunciar a autoridade do “imperativo da beleza”, que se manifesta por meio do que denomina cultura fitness, veiculada em dis- cursos e práticas que se investem nos corpos, inci- tam nossos desejos, e produzem uma profusão de artefatos midiáticos e científicos direcionados para o mercado do belo, da saúde e do bem-estar. Trata- se de um conjunto de instituições performantes que, ao moverem-se, ela ressalta, “carregam muito mais que músculos, ossos e aparências. Carregam signi- ficados, tornam carne representações e discursos que
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operam, no detalhe, o controle, a vigilância, o esqua-
drinhamento, a fixidez”. No mundo contemporâneo, corpos-espetáculos invadem e capturam as mulhe- res (e também homens), movimentando sonhos, fan- tasias e desejos, desenhando corpos e subjetivida- des, ainda que não consigam apagar o movimento e a afirmação de corpos e comportamentos outros, excêntricos, transbordantes, que insistem em não aderir, reagindo aos dispositivos do mundo fitness. O “imperativo da beleza” também é objeto do capítulo de Tânia Fontenelle-Mourão, Mutilações e normatizações do corpo feminino – Entre a Bela e a Fera. Nele, ela explora o corpo-texto, o corpo- agente ou metáfora da cultura, corpo-lugar de con- trole social e desvela reações que neles se manifes- tam. São, para ela, patologias de protesto que emer- gem historicamente sob a forma de ‘desordens men- tais e alimentares’ — neurastenia, histeria, anorexia, bulimia, agorafobia —, as primeiras desde a segun- da metade do século XIX e as últimas mais recente- mente. Consideradas manifestações nos corpos, es- tas funcionam paradoxalmente, como se estivessem em conluio com as condições culturais que as pro- duzem, reproduzindo em vez de transformar justa- mente aquilo que provoca o protesto. A autora nos mostra como o culto à imagem ideal atua como re- ferência de inserção social e, sem desprezar as pres- crições de saúde, recomenda não ceder às formas da “beleza vazia” do “corpo idealizado socialmente”. E sugere entender os corpos como locais de luta: “é preciso trabalhar para manter nossas práticas diá- rias a serviço da resistência à dominação de gênero e não a serviço da ‘docilidade’ e da normatização”. Em relação aos “imperativos da sexualidade”, Tania Navarro-Swain afirma ser possível, necessá- rio e urgente resistir. No capítulo Entre a vida e a morte, o sexo, desencrava construções que de for- ma incessante contornam e sublinham a norma, for- jando a pedagogia que provoca “cegueira social”, responsável por velar “as estratégias de diferencia- ção dos sexos para melhor instaurar uma ‘natural’ diferença política entre homens e mulheres”. Ela revela como as imagens da menstruação, da repro- dução, da menopausa e da TPM atuam de forma
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A construção dos corpos. Perspectivas feministas. STEVENS, Cristina M. T. e SWAIN, Tania Navarro. Florianópolis: Mulheres, 2008.
iterativa, conferindo às mulheres o sinal indelével
do fracasso, da fraqueza e da instabilidade, fazen- do operar inúmeros dispositivos que modelam e agem cotidianamente sobre os corpos sexuados, se- gundo seu pertencimento à classe binária dos gêne- ros. Nessa/dessa trama insistente e cotidiana, ela observa a ação do “dispositivo amoroso” que, acio- nado nas malhas disciplinares da cultura, configu- ra uma necessidade, uma razão de viver e de ser, mais um fundamento identitário que constrói corpos-em- mulher, prontos a se sacrificar, a viver no esqueci- mento de si pelo amor de outrem. Este último capítulo revela-se um produto e um momento no processo da trajetória das práticas e das resistências feministas, mas serve principalmente como um instrumento, uma lanterna, um alimento e uma arma. Não apenas o capítulo, mas o livro como um todo, é objeto de leitura obrigatória para aque- las/es que se inquietam, que querem transformar o mundo, que lutam para ampliar as fronteiras da crí- tica política e social, e para isso, procuram adentrar ou invadir temporalidades e lugares inusitados do pensamento e da ação.
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