Pneumatologia em João

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A MISSÃO DO ESPÍRITO SANTO NA PNEUMATOLOGIA JOANINA

ALEXANDRE SOUSA ALVES DA SILVA

A Pneumatologia Joanina é considerada pelos estudiosos como a segunda grande


pneumatologia neotestamentária, deixando Paulo a precedência dessa temática. Apesar disto, a
concepção joanina acerca do Espírito Santo, pondo à parte o “discurso de despedida” (Jo 13-
17), é próxima da concepção do cristianismo primitivo clássico, ou seja, muito próxima de
Paulo e Lucas, embora não possamos esquecer as diferenças básicas que apresenta esta
pneumatologia. Encontra-se exatamente no discurso de despedida concepção joanina sobre o
Espírito. Ela é marcada pelo aparecimento de um novo conceito, um conceito tão conhecido
pela Igreja desde sua origem, o de Paráclito, que está em relação estreita com o de Espírito
Santo (Cf Jo 14,26) ou do Espírito da verdade (14,17; 15, 26; 16,13). Segundo Bingemer (2001,
p.191):

O quarto evangelho já descreve uma experiência e uma teologia do Espírito


mais permanente, mais tranquila. Trata-se de sentir profundamente que Jesus
permanece com a comunidade e a leva a praticar o ágape, o amor, a
caridade.” É importante lembrar que a pneumatologia que encontramos nos
escritos joaninos não está baseada em conceitos abstratos, mas advém de uma
realidade experiencial, pois tanto João como a comunidade joanina sentem
que o Espírito Santo de Deus permanece neles/as e os faz experimentar que
participam da comunhão divina (cf. 1 Jo 3,24; 4,13).É a partir desta
experiência espiritual que João vai percebendo como o Espírito divino é
concedido à comunidade de fé cristológica e como esta comunidade deve agir.
Veremos a seguir como isto acontece na pneumatologia joanina.

O Espírito é a fonte de vida por excelência

O Espírito Santo é fonte de vida. Assim destacamos uma primeira definição do Espírito
na obra joanina. Podemos perceber esta afirmação com mais vigor em dois encontros de Jesus
que só vemos narrados no Quarto Evangelho, o que aponta para sua importância na perspectiva
joanina. O primeiro deles, relatado no capítulo três do quarto evangelho, é o encontro com
Nicodemos, um fariseu, um “notável dos judeus” como é afirmado no texto (3,1), o que significa
dizer que Nicodemos é um dos membros do Sinédrio. Este homem, um fariseu honesto,
profundamente convencido da validade da Lei, depois de ver os sinais que Jesus havia realizado
no templo, fica impressionado e interessado em saber mais e melhor a seu respeito. Temendo
represália dos seus amigos “notáveis”, vai visitar Jesus à noite (3,2). “Noite” aqui simbolizada
pela confusão, pelo medo, pelo enigma. Este mestre dos judeus tem mais medo dos seus do que
de Jesus, por isso escolhe ir à noite para não ser notado.
Nicodemos, como bom fariseu, observante e mestre da Lei, está convencido que a Lei é
manifestação definitiva da vontade divina, sendo, portanto, partidário da ideologia legalista que,
não percebe ele, submete o povo e o impede de realizar o desígnio divino. Ele dirige-se a Jesus
usando o título de “Rabi” (v.2). Portanto, Nicodemos aceita o Nazareno como Messias-mestre.
Mas, o que significa esse fato de Nicodemos aceitar Jesus como Messias-mestre? Na realidade
significa que ele aceita Jesus como àquele que impondo a observância da Lei instaura o Reinado
de Deus. Como podemos ver este messianismo na perspectiva de Nicodemos está em total
oposição com o messianismo de serviço vivido por Jesus. Diante deste mal entendido, Jesus faz
a seguinte afirmação categórica a este mestre dos judeus:
Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o
Reino de Deus.’ Disse-lhe Nicodemos: ‘Como pode um homem nascer, sendo
já velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?’
Respondeulhe: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e
do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne,
o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: vós
deveis nascer de novo. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não
sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que
nasceu do Espírito. (Jo 3, 5-8)

Jesus mostra para Nicodemos que o Reino de Deus não se baseia no anterior, aquele tão
esperado por sua classe religiosa, mas exige um novo começo, por isso, é preciso “nascer de
novo/do alto” (Cf Jo 3,7). Este nascimento se dá a partir da água-Espírito e é indispensável para
se entrar no Reino. Não é o esforço pessoal, aquele que nasce da fraqueza humana (sarx), que
fazem do homem e da mulher aptos a participarem do Reino. Para fazer parte deste Reino é
necessário um princípio vital novo, criado por Deus. É o Espírito, que cria no ser humano a
condição de “espírito”, o que lhe possibilita a capacidade de amar. Segundo Mateos &
Barreto(1999, p. 224) “o esforço consistirá em adquirir sabedoria interior nem lenta perfeição
própria segundo a Lei, e sim na tarefa do amor aos outros”.

Este novo nascimento produz uma liberdade que orienta toda a vida da pessoa (v.8).
Entretanto, é fundamental deixar bem claro que o “nascer de novo”, na perspectiva joanina, não
se realiza automaticamente nem é um processo mágico ou misterioso, mas é um acontecimento
marcado pela liberdade, em que se recebe o Espírito, por ele se deixa interpelar/questionar e a
ele se dá uma reposta concreta e consciente. Logo, o v.8 se refere à liberdade do Espírito e à
liberdade da pessoa que é por ele presenteada. Como podemos ver também, João afirma a
ligação entre fé e recebimento do Espírito, ser batizado e vida nova a partir do Espírito. O ser
humano nascido do Espírito, isto é, nascido “do alto” passa por uma transformação radical.
Para Konnings(1989, p.129):
Quem nasce da “carne” continua sendo mero ser humano fechado em seu
egoísmo. Entretanto, ao nascer do Espírito que é verdadeira vida, o ser
humano se transforma em pessoa impulsionada por Deus. O que significa
dizer que é capaz de viver uma nova vida que não se acreditava capaz.
Portanto, para João, é o Espírito, que sendo Vida, gera a vida, o nascimento
do alto ou “de Deus” nos seres humanos, desta forma, é ele quem gera a Vida
por excelência, a Vida Nova.

O segundo encontro, onde podemos perceber esta característica da pneumatologia


joanina, é o de Jesus com a samaritana, narrado no capítulo quarto do evangelho de João. Nele
encontramos Jesus descansando à beira do poço, a “fonte de Jacó”, com o sol a pino. Neste
momento chega uma mulher da cidade de Sicar, portanto, uma samaritana, para tirar água do
poço. Jesus lhe pede de beber e a mulher estranha esta atitude vinda de um homem, e ainda por
cima, de um judeu. Jesus então lhe responde:
Se conhecêsseis o dom de Deus e quem é que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu é
que lhe pedirias e ele te daria água viva! [...] Aquele que bebe desta água (da
fonte) terá sede novamente; mas quem beber da água que lhe darei, nunca mais
terá sede. Pois a água que lhe der tornar-se-á nele fonte de água jorrando para
a vida eterna.” (4, 10. 13-14)

No encontro de Jesus com a samaritana podemos perceber um “diálogo de revelação” a


partir do versículo dez. Jesus vai introduzindo a samaritana em seu mistério pouco a pouco.
Num primeiro momento Jesus se revela como aquele que dará a “água viva” (v.10). Esta mulher
entende “água viva” a água corrente da mina do fundo do tão Poço do Pai Jacó. Ela não entende
que “água” é esta. Jesus continua a iniciação da samaritana (vv.13b-14a). Apesar disto ela ainda
não entende, pois quer a água para não ter que tirá-la mais do poço (v.15). No simbolismo
veterotestamentário a água viva (Cf. Eclo 21,13; 24,23-34) representa a sabedoria e a Lei (cf.
Pr 13,14; 16,22; Br 3,12; Eclo 24,21; Is 55,1). Mas, este símbolo pode representar também o
Espírito de Deus (Is 32,15; 44,3; Ez 36,25-27). Segundo Johan Konings (1989, p.142):
Esses dois simbolismos parecem convergir aqui, como em outros textos de
João e da catequese batismal dos primeiros cristãos. Ora, a sabedoria deixa a
gente com sede (Sr 24,21), mas Jesus não: ‘A água que eu darei se tornará nele
uma fonte de água jorrando para a vida eterna’ (cf. 6,35). Jesus é mais que
Jacó, mais que a Sabedoria dos livros bíblicos. A comunhão com Jesus,
simbolizada pela água do batismo, é uma fonte de vida que não estanca e que
nos comunica o Espírito (cf. 7,37-39).

Esta água-Espírito, que é o guia interior da conduta do ser humano, transforma-se em


manancial interior que fecunda o ser (v. 14). Ela rega a terra de cada um desenvolvendo nele
suas próprias potencialidades. Esta água-Espírito que Jesus concede se torna princípio interno
de Vida.
No Antigo testamento a imagem mais característica do Espírito (ruah) é o vento, o
sopro. Conforme Mateos & Barreto(1999, p. 220)
Na linha joanina esta imagem é a água, que apesar de não ser de uso habitual,
tornando-a de difícil compreensão aos ouvintes de Jesus, foi compreendida
por João (7, 39). Portanto, para João o Espírito é aquele que gerando a vida
nova “impulsiona e anima o fiel até a vida eterna, do mesmo modo como uma
água vinda do alto faz subir a esse mesmo nível.”

O Espírito leva a afirmar a encarnação de Jesus

Passamos agora para um avanço. Queremos agora deixar em segundo plano a discussão
que se lança sobre o papel do Espirito Santo no Evangelho para acenarmos algumas nuances
que se encontram sobre esta mesma temática, mas agira, nas epístolas joaninas. A preocupação
dominante de João em sua primeira epístola é a de fortalecer seus leitores contra um grupo que
se afastou da comunidade (1 Jo 2,19), e que ainda tenta conquistar outros adeptos. Segundo
Brown (2010, p. 98)
os participantes deste grupo não reconhecem que Jesus Cristo veio na carne
(sarx), o que significa o mesmo que negar sua importância salvífica (4,2-3).
Eles chegam a crer que não têm necessidade de guardar os mandamentos, pois
acreditam estar livres da culpa do pecado (1,6. 8 ; 2,4). Além disso, não
mostram amor aos irmãos (2,9-11; 3,10-24; 4,7-21). Diante disto João afirma:
“Amados, não acrediteis em qualquer espírito, mas examinais os espíritos para
ver se são de Deus, pois muitos falsos profetas vieram ao mundo. Nisto
reconhecereis o espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo
veio na carne é de Deus; e todo espírito que não confessa Jesus não é de Deus;
” (1 Jo 4, 1-3a)

Mas, o que significa “não confessar Jesus na carne”? É exatamente o que os separatistas
desta comunidade estão fazendo: enfatizam tanto o princípio divino em Jesus que negligenciam
a carreira terrestre do princípio divino. É claro que para João a divindade de Jesus, sua pré-
existência como Filho de Deus, é fundamental na confissão de fé do cristão/ã, tanto quanto a
afirmação de sua humanidade. Podemos perceber isto no prólogo do quarto evangelho onde seu
autor articula magistralmente a humanidade e a divindade de Jesus: “E o Verbo se fez sarx
(humano) e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória (divindade) que ele tem junto ao Pai
como Filho único, cheio de graça e de verdade.” (Jo 1, 14).
Apesar disso, o problema que João enfrenta neste momento é a negação da humanidade
de Jesus, e, portanto, é este aspecto que é por ele enfatizado como um dos critérios de
discernimento espiritual. Quem, a partir da experiência do Espírito nega a humanidade de Jesus,
na realidade não está fazendo uma verdadeira experiência do Espírito, pois ela leva a pessoa a
confessar que Jesus não veio na sarx.

O Espírito é o agente dinâmico da verdadeira oração

Nos encontramos novamente diante do encontro entre Jesus e a samaritana. Como


dissemos anteriormente temos neste encontro um diálogo de revelação que agora passa a
aprofundar-se um pouco mais. Com o intuito de criar consciência de fé nesta mulher Jesus
manda-a chamar seu esposo. Ela responde que não tem marido (Jo 4,16-17a). Como um profeta
de visão aguçada e palavra provocante Jesus responde: “Bem disseste que não tens marido, pois
cinco tiveste, e o que tens agora não é teu marido” (Jo 4,17-18). Com esta resposta Jesus
demonstra todo o seu conhecimento do ser humano.
No momento em que denuncia sua situação, a mulher reconhece nele um profeta. A
partir daí a samaritana começa logo a falar de religião perguntando a Jesus quem está certo, os
judeus que adoram no templo de Jerusalém ou os samaritanos que adoram no monte Garizim
(Cf. Jo 4,20). Neste momento Jesus a coloca num nível mais profundo da revelação ao lhe dizer
que vem a hora em que nem no monte Garizim, nem no Templo de Jerusalém poderá se adorar
o Pai-Abbá (Cf. 4,21). O diálogo segue, e Jesus diz à samaritana:
Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus
é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade.” (Jo
4, 23-24).

Portanto, para a pneumatologia joanina a verdadeira oração só acontece no Espírito e a


fundamentação para isto está na afirmação “Deus é Espírito” (v. 24): porque Deus se dá aos
seres humanos no Espírito, estes só podem ter acesso a ele no Espírito. Logo, só conseguimos
nos aproximar de Deus porque ele se voltou a nós em seu Espírito, dando-nos seu Espírito e
fazendo-nos renascer a partir de seu Espírito. Mas, o que significa realmente “adorar em espírito
e verdade”? Significa dizer que o homem e a mulher de fé adorarão a Deus, movidos/as por seu
sopro, o Espírito Santo, e fiéis à manifestação de Deus em Cristo, que é a verdade. Logo, adorar
em “espírito e verdade” é a verdadeira forma de oração cristã que é possibilitada pelo Espírito
tendo como objetivo a ser buscado a conduta de Jesus Cristo.
Adorar em espírito e verdade não é realizar um culto somente espiritual, mas pressupõe-
se uma vida centrada na verdade manifestada em Jesus, isto é, na prática do amor fraterno,
possibilitada pelo Espírito. Vale a pena conferir o que nos diz Konnings sobre o culto em
“Espírito e Verdade”:
Adorar em Espírito e Verdade é expressão que indica adoração na luz e sob a
moção da Palavra reveladora de Jesus que, mediante o Espírito, tornou-se a
posse interior e a fonte permanente do crente. Trata-se não de dois princípios,
mas de um só: A verdade recebida e feita própria mediante o Espírito, ou
então, o Espírito que anima a palavra de revelação de Jesus. Princípio
cristológico e princípio pneumático estão intimamente unidos. Eles realizam
a adoração autêntica de Deus Pai que é Espírito, isto é, dom do
Espírito.”(2000, P.205)

O Espírito gera o amor efetivo

A vida de Jesus, resume-se no amor-serviço concretizado efetivamente pela atuação do


Espírito de Deus que o habita sem medida. Este amor efetivo tem como atenção especial os
pequeninos/as e os renegados/as da sociedade. Vimos ainda que o Nazareno, na força do
Espírito, ama, serve e é solidário até às últimas consequências. Tudo isto é possível porque
Jesus de Nazaré sente-se amado de forma incondicional pelo Pai. De tal forma experimenta-se
amado, que é capaz de responder a este amor, amando seus semelhantes.
Esta experiência amorosa é feita por Jesus no Espírito. Para o Nazareno não há outra
forma de demonstrar o seu amor ao Pai a não ser cumprindo seu desejo de revelá-lo como Abba
que ama a todos/as sem exceção. Este amor do Pai dado incondicionalmente a todos/as, e que
nos é revelado por Jesus, deve unir as pessoas numa grande família de irmãos/ãs que se amam
mutuamente. Esta corrente de amor que vem do Pai e chega ao Filho, e daí, alcançando os seres
humanos é possibilitada pelo Espírito. Ele é o “condutor” deste amor que vem do Pai pelo Filho
aos seres humanos. Assim, também da mesma forma, todo amor para chegar ao Pai passa pelo
amor efetivo entre os irmãos/ãs, amor possibilitado pelo Espírito, e que é vivido e testemunhado
por Jesus. Somente assim, esta corrente amorosa pode nos ligar ao Pai.
Portanto, é novamente o Espírito Santo aquele “condutor” do amor que vai agora dos
seres humanos até o Pai, pelo Filho. João percebe muito bem esta maravilhosa realidade quando
alerta sua comunidade:
Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia seu irmão, é um mentiroso: pois
quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá
amar. E este é o mandamento que dele recebemos: aquele que ama a Deus
ame também seu irmão. (1 Jo 4, 20-21)

Segundo Johan Konings (2000, p. 291)


o acento mais forte deste relato encontra-se naquilo que os discípulos/as
devem fazer em imitação de Jesus. É este amor-serviço, amor efetivo e
concreto que, segundo a pneumatologia joanina, é gerado no seio de cada
homem e de cada mulher pelo Espírito Santo. Este amor mútuo entre os
irmãos/ãs gera uma ética solidária entre as pessoas, isto é, gera uma forma de
comportamento baseada no serviço e na ajuda efetiva a quem mais necessita
desta. Este comportamento, fruto da ação do Espírito, está muito claro para o
autor do QE. Podemos ver isto com mais evidência no relato do Lava-pés (Jo
13, 1-16).

O Espírito faz nascer a comunidade e é força para a missão

Esta outra característica do Espírito dentro da pneumatologia joanina é decorrência da


anterior. O amor efetivo e solidário gerado pelo Espírito une as pessoas, pois há entre elas o
amor mútuo. Isto faz com que os homens e mulheres que aderem ao projeto amoroso do Pai no
seguimento a Jesus formem uma comunidade. Pois, “abrir-se para os outros, possibilitar
comunicação e juntar as pessoas para a unidade, para a koinonia/communio – isso constitui a
essência do Espírito.” Dito de outra forma: é o Espírito que “colabora para que a pessoa (o ‘eu’)
se abra para realizar a comunidade (o ‘nós’), e aconteça a ‘koinonia’, pois a ordem do Espírito
não é apenas individual mas é também intersubjetividade.” De tal forma a comunidade é obra
do Espírito que podemos afirmar que ele é o sujeito e o princípio da mesma. Consequentemente
todo serviço e ministério que aí encontramos é fruto da ação do Espírito. Portanto, o é Espírito
que faz nascer a comunidade, aquele que atua constantemente em todos os membros da mesma
para que possam servir. Aqui já encontramos a outra característica do Espírito na perspectiva
joanina que veremos a seguir.
Acabamos de ver que o Espírito gera a comunidade a partir do amor mútuo que une as
pessoas. Entretanto, se esta comunidade é verdadeiramente fruto do Espírito não fica fechada
em si mesma, pois este Espírito impulsiona seus membros para a missão no mundo. Como
podemos afirmar isto? Vimos acima que o Paráclito-Espírito é o continuador da obra de Jesus
na comunidade. Foi esta presença misteriosa que modelou a visão missionária desta
comunidade, tornando-a estritamente ligada à missão de Jesus, o “apóstolo” do Pai por
excelência. Logo, “a Igreja joanina olhava para si mesma como continuadora da missão
apostólica do Ressuscitado-Glorificado, sempre presente em meio aos seus mediante a
assistência do Paráclito.”
Portanto, podemos afirmar que a comunidade joanina impulsionada pela força do
Espírito se abre ao mundo, onde em missão, leva a Boa Nova do Pai revelada por Jesus.
Entretanto, esta comunidade foi acusada por muitos dos estudiosos de ser uma seita, isto é, uma
comunidade fechada em si, devido ao amor mútuo. Acusação sem fundamento, visto que este
amor gera a comunidade dos seguidores de Jesus que é “impelida” pelo Espírito para o mundo.
Não podemos esquecer que foi este mesmo Espírito que impulsionou Jesus em sua
missão em direção ao mundo para cumprir o projeto amoroso do Pai. Para Brown (2010, p.116)
Afirmar que a comunidade joanina é fechada, significa o mesmo que negá-la
como essencialmente cristológica e pneumatológica, coisa que todos os
autores pesquisados afirmam ser. Podemos destacar isto em um dos textos do
QE em que a percebemos indo, com a proteção do Espírito, em direção ao
mundo. “À tarde desse mesmo dia, o primeiro da semana, estando fechadas
as portas onde se achavam os discípulos, por medo dos judeus. Jesus veio e,
pondo-se no meio deles disse: ‘A paz esteja convosco!’ Tendo dito isso,
mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos, então, ficaram cheios de alegria
por verem o Senhor. Ele lhes disse de novo: ‘A paz esteja convosco! Como o
Pai me enviou, também eu vos envio.’ Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes
disse: ‘Recebei o Espírito Santo.” (Jo 20,19-22)

Os discípulos/as encontram-se trancados por medo dos judeus. Jesus ressurreto aparece
e lhes diz por duas vezes “A paz esteja convosco!”. Esta saudação repetida parece implicar na
realização das promessas anunciadas por Jesus na hora da despedida. Ele havia prometido que
os seus haviam de revê-lo (14,19; 16,16s) com alegria (16,21s.24; cf. 15,11), e ele lhes daria a
paz (14,27). A paz e a alegria contrastam com o medo que aprisionava os discípulos/as
anteriormente. Realiza-se assim a promessa: “Tende coragem, eu venci o mundo” (16,31; cf.
16,11). É nesta perspectiva que devemos interpretar a missão que Jesus confia aos discípulos/as.

Em sua oração ao Pai, ao terminar seu discurso de despedida, Jesus confia uma missão
aos seus/as, que nada mais é que a mesma missão que o Pai havia a ele confiado: “Como tu me
enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”. (Jo 17,18). A missão, portanto, é a mesma.
Para que os seus/as possam realizar esta missão, e num gesto que lembra a ação de Deus na
criação (Gn 2,7), Jesus sopra (insufla) sobre eles o Espírito da parte de Deus. Eles não recebem
um simples carisma, mas sim uma vida nova, como sugere a proximidade da imagem do
insuflar. Os discípulos/as possuem agora o Espírito para que possam cumprir a missão de serem
testemunhas da fé frente à descrença do mundo, que segundo a perspectiva joanina é o pecado
do mundo. “O sopro do Cristo ressuscitado opera nos discípulos/as uma transformação radical,
recriaos e os torna aptos à obra sobre-humana da qual passam a ser responsáveis e os consagra
à missão.” Portanto, é a partir desta nova vida advinda do Espírito, que os discípulos/as
renovados e animados, encontram-se cheios de alegria, paz e coragem para assumir a missão
cristã no mundo.
REFERÊNCIAS

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2012
BINGEMER, M. C. L. Crer e dizer Deus Pai, Filho e Espírito Santo. In: Atualidade Teológica
n° 9. Rio de Janeiro, 2001.
KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. Petropolis: Vozes, 2000.
CONGAR, Yves . Revelação e Experiência do Espírito. Petrópolis. Vozes. 2012.

BROWN, R. E. A Comunidade do Discípulo Amado.. Loyola. 2010. 5ª ed.


HILBERATH, B. J. Pneumatologia. In: SCHNEIDER, T. Manual de Dogmática.
MATEOS, J. & BARRETO, J. O Evangelho de São João: análise linguística e comentário
exegético. São Paulo. Paulus, 1999.

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