Pneumatologia em João
Pneumatologia em João
Pneumatologia em João
O Espírito Santo é fonte de vida. Assim destacamos uma primeira definição do Espírito
na obra joanina. Podemos perceber esta afirmação com mais vigor em dois encontros de Jesus
que só vemos narrados no Quarto Evangelho, o que aponta para sua importância na perspectiva
joanina. O primeiro deles, relatado no capítulo três do quarto evangelho, é o encontro com
Nicodemos, um fariseu, um “notável dos judeus” como é afirmado no texto (3,1), o que significa
dizer que Nicodemos é um dos membros do Sinédrio. Este homem, um fariseu honesto,
profundamente convencido da validade da Lei, depois de ver os sinais que Jesus havia realizado
no templo, fica impressionado e interessado em saber mais e melhor a seu respeito. Temendo
represália dos seus amigos “notáveis”, vai visitar Jesus à noite (3,2). “Noite” aqui simbolizada
pela confusão, pelo medo, pelo enigma. Este mestre dos judeus tem mais medo dos seus do que
de Jesus, por isso escolhe ir à noite para não ser notado.
Nicodemos, como bom fariseu, observante e mestre da Lei, está convencido que a Lei é
manifestação definitiva da vontade divina, sendo, portanto, partidário da ideologia legalista que,
não percebe ele, submete o povo e o impede de realizar o desígnio divino. Ele dirige-se a Jesus
usando o título de “Rabi” (v.2). Portanto, Nicodemos aceita o Nazareno como Messias-mestre.
Mas, o que significa esse fato de Nicodemos aceitar Jesus como Messias-mestre? Na realidade
significa que ele aceita Jesus como àquele que impondo a observância da Lei instaura o Reinado
de Deus. Como podemos ver este messianismo na perspectiva de Nicodemos está em total
oposição com o messianismo de serviço vivido por Jesus. Diante deste mal entendido, Jesus faz
a seguinte afirmação categórica a este mestre dos judeus:
Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o
Reino de Deus.’ Disse-lhe Nicodemos: ‘Como pode um homem nascer, sendo
já velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?’
Respondeulhe: ‘Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e
do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne,
o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: vós
deveis nascer de novo. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não
sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que
nasceu do Espírito. (Jo 3, 5-8)
Jesus mostra para Nicodemos que o Reino de Deus não se baseia no anterior, aquele tão
esperado por sua classe religiosa, mas exige um novo começo, por isso, é preciso “nascer de
novo/do alto” (Cf Jo 3,7). Este nascimento se dá a partir da água-Espírito e é indispensável para
se entrar no Reino. Não é o esforço pessoal, aquele que nasce da fraqueza humana (sarx), que
fazem do homem e da mulher aptos a participarem do Reino. Para fazer parte deste Reino é
necessário um princípio vital novo, criado por Deus. É o Espírito, que cria no ser humano a
condição de “espírito”, o que lhe possibilita a capacidade de amar. Segundo Mateos &
Barreto(1999, p. 224) “o esforço consistirá em adquirir sabedoria interior nem lenta perfeição
própria segundo a Lei, e sim na tarefa do amor aos outros”.
Este novo nascimento produz uma liberdade que orienta toda a vida da pessoa (v.8).
Entretanto, é fundamental deixar bem claro que o “nascer de novo”, na perspectiva joanina, não
se realiza automaticamente nem é um processo mágico ou misterioso, mas é um acontecimento
marcado pela liberdade, em que se recebe o Espírito, por ele se deixa interpelar/questionar e a
ele se dá uma reposta concreta e consciente. Logo, o v.8 se refere à liberdade do Espírito e à
liberdade da pessoa que é por ele presenteada. Como podemos ver também, João afirma a
ligação entre fé e recebimento do Espírito, ser batizado e vida nova a partir do Espírito. O ser
humano nascido do Espírito, isto é, nascido “do alto” passa por uma transformação radical.
Para Konnings(1989, p.129):
Quem nasce da “carne” continua sendo mero ser humano fechado em seu
egoísmo. Entretanto, ao nascer do Espírito que é verdadeira vida, o ser
humano se transforma em pessoa impulsionada por Deus. O que significa
dizer que é capaz de viver uma nova vida que não se acreditava capaz.
Portanto, para João, é o Espírito, que sendo Vida, gera a vida, o nascimento
do alto ou “de Deus” nos seres humanos, desta forma, é ele quem gera a Vida
por excelência, a Vida Nova.
Passamos agora para um avanço. Queremos agora deixar em segundo plano a discussão
que se lança sobre o papel do Espirito Santo no Evangelho para acenarmos algumas nuances
que se encontram sobre esta mesma temática, mas agira, nas epístolas joaninas. A preocupação
dominante de João em sua primeira epístola é a de fortalecer seus leitores contra um grupo que
se afastou da comunidade (1 Jo 2,19), e que ainda tenta conquistar outros adeptos. Segundo
Brown (2010, p. 98)
os participantes deste grupo não reconhecem que Jesus Cristo veio na carne
(sarx), o que significa o mesmo que negar sua importância salvífica (4,2-3).
Eles chegam a crer que não têm necessidade de guardar os mandamentos, pois
acreditam estar livres da culpa do pecado (1,6. 8 ; 2,4). Além disso, não
mostram amor aos irmãos (2,9-11; 3,10-24; 4,7-21). Diante disto João afirma:
“Amados, não acrediteis em qualquer espírito, mas examinais os espíritos para
ver se são de Deus, pois muitos falsos profetas vieram ao mundo. Nisto
reconhecereis o espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo
veio na carne é de Deus; e todo espírito que não confessa Jesus não é de Deus;
” (1 Jo 4, 1-3a)
Mas, o que significa “não confessar Jesus na carne”? É exatamente o que os separatistas
desta comunidade estão fazendo: enfatizam tanto o princípio divino em Jesus que negligenciam
a carreira terrestre do princípio divino. É claro que para João a divindade de Jesus, sua pré-
existência como Filho de Deus, é fundamental na confissão de fé do cristão/ã, tanto quanto a
afirmação de sua humanidade. Podemos perceber isto no prólogo do quarto evangelho onde seu
autor articula magistralmente a humanidade e a divindade de Jesus: “E o Verbo se fez sarx
(humano) e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória (divindade) que ele tem junto ao Pai
como Filho único, cheio de graça e de verdade.” (Jo 1, 14).
Apesar disso, o problema que João enfrenta neste momento é a negação da humanidade
de Jesus, e, portanto, é este aspecto que é por ele enfatizado como um dos critérios de
discernimento espiritual. Quem, a partir da experiência do Espírito nega a humanidade de Jesus,
na realidade não está fazendo uma verdadeira experiência do Espírito, pois ela leva a pessoa a
confessar que Jesus não veio na sarx.
Os discípulos/as encontram-se trancados por medo dos judeus. Jesus ressurreto aparece
e lhes diz por duas vezes “A paz esteja convosco!”. Esta saudação repetida parece implicar na
realização das promessas anunciadas por Jesus na hora da despedida. Ele havia prometido que
os seus haviam de revê-lo (14,19; 16,16s) com alegria (16,21s.24; cf. 15,11), e ele lhes daria a
paz (14,27). A paz e a alegria contrastam com o medo que aprisionava os discípulos/as
anteriormente. Realiza-se assim a promessa: “Tende coragem, eu venci o mundo” (16,31; cf.
16,11). É nesta perspectiva que devemos interpretar a missão que Jesus confia aos discípulos/as.
Em sua oração ao Pai, ao terminar seu discurso de despedida, Jesus confia uma missão
aos seus/as, que nada mais é que a mesma missão que o Pai havia a ele confiado: “Como tu me
enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”. (Jo 17,18). A missão, portanto, é a mesma.
Para que os seus/as possam realizar esta missão, e num gesto que lembra a ação de Deus na
criação (Gn 2,7), Jesus sopra (insufla) sobre eles o Espírito da parte de Deus. Eles não recebem
um simples carisma, mas sim uma vida nova, como sugere a proximidade da imagem do
insuflar. Os discípulos/as possuem agora o Espírito para que possam cumprir a missão de serem
testemunhas da fé frente à descrença do mundo, que segundo a perspectiva joanina é o pecado
do mundo. “O sopro do Cristo ressuscitado opera nos discípulos/as uma transformação radical,
recriaos e os torna aptos à obra sobre-humana da qual passam a ser responsáveis e os consagra
à missão.” Portanto, é a partir desta nova vida advinda do Espírito, que os discípulos/as
renovados e animados, encontram-se cheios de alegria, paz e coragem para assumir a missão
cristã no mundo.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2012
BINGEMER, M. C. L. Crer e dizer Deus Pai, Filho e Espírito Santo. In: Atualidade Teológica
n° 9. Rio de Janeiro, 2001.
KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. Petropolis: Vozes, 2000.
CONGAR, Yves . Revelação e Experiência do Espírito. Petrópolis. Vozes. 2012.