Resenha Na Encruzilhada Do Império

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RESENHA

“Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de


Janeiro (c.1650-c.1750)”, de Antonio Carlos Jucá de Sampaio (Editora Arquivo
Nacional, 2003) – capítulo 1

O capítulo do livro mencionado acima tem por objetivo elencar as mudanças ocorridas
na economia da cidade-porto do Rio de Janeiro e esboçar um retrato de sua sociedade,
destacando o período que se estende de 1650 a 1750.

A capitania estrategicamente posicionada era um mero centro urbano fundado por


Estácio de Sá em 1565. Após expulsarem os invasores franceses em 1567, os
portugueses tiveram o desafio de impor-se como detentores do domínio do território
perante os povos estrangeiros e também sobre a população local, a fim de desenvolver
a capitania e assim obter as desejadas vantagens econômicas.

A primeira atividade econômica na região foi o cultivo da cana-de-açúcar, que utilizava


a mão de obra de baixíssimo custo dos indígenas escravizados. Embora os povos
indígenas não fossem sujeitos passivos do processo de colonização, uma vez que
tinham suas próprias estruturas sociais, cultura e história, os portugueses se valeram
dos conflitos e divisões existentes entre eles para a conquista.

Seja pelos conflitos bélicos, seja pela contaminação dos indígenas por microrganismos
introduzidos na região pelos europeus, o fato é que vários deles foram dizimados, o que,
com o tempo, acabou resultando na busca pela mão de obra alternativa africana. Apesar
disso, o baixo custo laboral facilitava o uso agrário da terra. Em consonância com as
afirmações de JUCÁ, FRAGOSO nos aponta um aumento exponencial no número de
engenhos de cana-de-açúcar no Rio de Janeiro no período de 1583 a 1629, no que seria
o prenúncio da atividade agrária escravista e exportadora do Rio de Janeiro no período
colonial.

No que diz respeito à análise demográfica das famílias senhoriais ou elites da época,
tema caro tanto a JUCÁ quanto a FRAGOSO, cabe ressaltar que a distribuição das
terras era desigual, reforçando o surgimento de uma hierarquia, embora os latifúndios
não chegassem a atingir as mesmas dimensões daqueles da Bahia. Contudo, o domínio
sobre a terra aliado ao modo de produção escravista consolidava o surgimento de uma
elite colonial na capitania do Rio de Janeiro.
Nesse aspecto, FRAGOSO ressalta que eram muitas vezes as mesmas famílias
agraciadas com concessões múltiplas, além do fato de seus membros frequentemente
casarem entre si – casamentos esses que davam direito não só a um dote, mas também
a uma série de benesses próprias da elite colonial. Podemos, assim, concluir que a
economia local cresce por meio da prática da exclusão social.

A população modesta da capitania do Rio de Janeiro, bem inferior à da capitania de São


Vicente, fazia com que tivesse participação discreta na economia da colônia na segunda
metade do século XVI. Foi somente no final do século XVI e no começo do século XVII
que se deu o crescimento do setor agroexportador fluminense e o deslocamento do
centro estratégico da região de São Vicente para o Rio, com a migração de famílias
daquela capitania para cá à medida que declinava o número de engenhos em São
Vicente, enquanto o Rio de Janeiro só perdia em número de engenhos para
Pernambuco e Bahia.

O sistema agrário do Rio de Janeiro, entretanto, era bem diferente daquele da Bahia, já
que aqui abundavam alimentos como milho, algodão, frutas cítricas e banana que
muitas vezes supriam as carências da Bahia. A farinha de mandioca era exportada para
Angola em troca de escravos, de modo que se pode dizer a partir do texto de JUCÁ que
os fundos obtidos no RJ foram decisivos para o tráfico de escravos africanos.

Voltando ao tema da população local, FRAGOSO nos mostra que ao longo do século
XVII a primeira elite senhorial do Rio descendia de pessoas ligadas à administração da
vida pública, por vezes até de ministros ou oficiais do rei, os quais acabavam por se
tornar senhores de engenhos. Por outro lado, somente pessoas ricas e influentes, em
geral grandes proprietários de terras, integrantes da elite colonial, podiam exercer
cargos políticos, numa dinâmica que caracterizava uma clara promiscuidade entre o
público e o privado, além de evidentes conflitos de interesses:

“O Ser Senhor de Engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido,
obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo,
bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionalmente se
estimam os títulos de fidalgos do Reino.” (ANTONIL, 1982)

FRAGOSO apresenta ainda uma tabela de escrituras públicas que expõem como eram
investidos os recursos no período de 1800 a 1816: em imóveis rurais (23,8% do valor
total, uma vez que os valores eram relativamente baixos), em lojas e navios (37,8%),
enquanto JUCÁ, em tabela semelhante referente ao período de 1650 a 1750, conclui
que a partir da segunda metade do século XVII a prioridade da sociedade fluminense
era investir em bens agrários, notadamente em engenhos. Na virada do século XVII
para o XVIII, contudo, percebe-se um processo de urbanização e consequente
valorização dos imóveis urbanos.

Praticamente não havia transações que envolvessem lojas e estabelecimentos


comerciais, de modo que outra conclusão a que podemos chegar com base no texto de
JUCÁ é que a classe mercantil era pouco desenvolvida, com reduzida capacidade de
acumulação. Além disso, a solidez do setor agrário fazia com que boa parte dos ganhos
fosse nele investido, dificultando assim a existência de duas elites distintas, mercantil e
agrária.

Some-se a isso o fato de que o máximo de prestígio da hierarquia social colonial


continuava a ser a elite agrária, o que resultava numa acumulação senhorial, um
conjunto de práticas que mesclava atividades mercantis, ocupação de cargos públicos
e união política nas famílias que ocupavam o topo da pirâmide social.

No século XVIII a descoberta do ouro em Minas Gerais intensificou o crescimento


urbano no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que provocou um movimento migratório
para as regiões auríferas. Isso resultou em profundas transformações na economia
fluminense, notadamente no surgimento de uma elite mercantil bem estruturada na
praça fluminense, com significativo acúmulo de capital e que começava a se distinguir
da elite agrária. Essa nova elite utilizava formas de cooperação mercantil e controlava
os mecanismos de crédito de forma semelhante ao que se fazia na Europa no mesmo
período, além da oferta de mão de obra escrava, possibilitando assim a perpetuação da
sociedade colonial fluminense.

JUCÁ também enfatiza a importância da concessão de crédito para estabelecer ou


consolidar relações sociais com a elite local. Realizar empréstimos para senhores de
engenho ou outros homens de negócio constituía um mecanismo eficaz de entrada e
participação na própria elite colonial, sempre disposta a se aliar a indivíduos bem-
sucedidos que lhe pudessem servir como fonte de recursos.

A descoberta do ouro teve como consequência a inflação e o posterior aumento nos


preços dos imóveis. A urbanização do Rio de Janeiro seguia seu curso, e os negócios
rurais já deixavam de ser tão atraentes, dando lugar às chácaras, propriedades menores
próximas à cidade, com pequenas plantações.

Conclui JUCÁ que, no período de cem anos estudado, a economia da sociedade é


essencialmente agrária. Tal atividade agrícola persiste no século XVIII, apesar da
expansão demográfica e econômica e da urbanização. As riquezas advindas da
descoberta de grande quantidade de ouro são distribuídas desigualmente entre as
camadas sociais, perpetuando assim uma estrutura social que, desde o seu nascimento,
apresenta características de profunda desigualdade.

Nádia Salviano Lamas, aluna do curso de pós-graduação em História do Rio de Janeiro

REFERÊNCIAS

ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, São
Paulo, Edusp. 1982.

FRAGOSO, João L. Ribeiro (2000). A nobreza da República: notas sobre a formação


da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII). Topoi(1): 45-122.

SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e


conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c.1650 - c.1750). Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2003.

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