Rodrigo Marzano La Cienaga
Rodrigo Marzano La Cienaga
Rodrigo Marzano La Cienaga
SOM DIRETO
Guido Berenblum
Adrian de Michele
DIREÇÃO DE SOM
Herve Guyaer
MIXAGEM DE SOM
Emmanuel Croset
TEMAS MUSICAIS:
Esta sequência inicial em que vários adultos bebem ao redor da piscina termina
com um acidente, sem que esse ato seja mostrado em imagem visual. O tilintar que vem
do vidro faz com que as taças pareçam delicadas, aumentando a sensação de
instabilidade e de que em algum momento algo acontecerá a elas. Há toda uma
preparação para o incidente, com o uso de uma cuidadosa seleção de sons. Os novos
significantes que surgem desses sons aliados a essas imagens não se destacam apenas
pela evidência colocada no uso de intensidade desmedida, mas principalmente pelas
qualidades e características desses sons. A antecipação do acidente com os copos
quebrados brota da qualidade dos materiais: chão duro e áspero contra vidro fino e
delicado. Os ruídos, que habitualmente são sons pontuais dentro de um ambiente,
transformam-se na própria cenografia sonora na narrativa e também em personagens. A
quebra de comunicação e de identificação com os outros, a impossibilidade de
relacionar-se com o real, a falta de compreensão e de interesse de uns pelos outros são
potencializadas por estes espaços/personagens sonoros, que também subjugam as
pessoas representadas nele.
O som nos deixa em alerta. Os ruídos preenchem o espaço, substituindo uma
falta de comunicação entre os personagens – ou, por vezes, atrapalhando o diálogo entre
eles, já que constantemente o som invade os ambientes com violência. Os sons são
retirados pela autora de uma posição naturalista e utilizados de forma abstrata – fortes e
determinados, ao contrário dos personagens. Hiper-realistas, os sons chamam nossa
atenção ou nos incomodam por distorcerem nossa percepção do real (sem afastar-se dele
por completo), buscando um impacto sensorial. Há também situações em que um frágil
silêncio deve ser mantido, como quando as meninas não querem acordar o irmão mais
velho ao colocarem-no na cama, porém forte estrondo de um objeto derrubado provoca
um sobressalto e sustenta a sensação de constante desassossego que atravessa o filme.
Os sons diversos da água estão presentes em muitos momentos, tornando-a outro
personagem importante. Na chuva, nos chuveiros, nas “bombinhas” de bexiga ou gelo.
A densidade atmosférica proporcionada pelos ruídos de trovão e pelos chiados de
insetos é intensificada com essa presença constante da água, que também goteja como
num compasso, ou escorre, em todos os quartos e banheiros da casa de campo,
reforçando o aspecto precário do lugar, como se fosse possível sentir a umidade dos
cômodos, um ar viscoso e um cheiro de mofo. Ou de podridão, quando a garota pula na
piscina pantanosa, e após o mergulho só há o som das bolhas sob a superfície da água,
gerando uma ansiedade para o reaparecimento dela.
O som off volta a atuar como principal gerador de suspense na sequência em que
os meninos caçam no morro e o mais novo aproxima-se da vaca. Ele coloca-se entre o
animal e a mira das armas, e os meninos lhe pedem que saia da linha de tiro e
engatilham as armas, o que chama a atenção do garotinho, que olha para trás. Logo
depois num plano geral do morro, quando se ouve o estampido de dois tiros, carrega o
momento de tensão, devido ao fato de desconhecermos se Luciano manteve-se ou não
na linha de tiro dos garotos. O som off dos latidos do cachorro da casa vizinha instiga
Luciano. Em quase todos os momentos em que Luchi está em cena, o cachorro está
latindo, como se o garotinho estivesse constantemente em perigo. Da mesma forma, o
ruído irritante do telefone persegue Mecha. Ela é sempre perturbada pelos toques dos
vários aparelhos de telefone espalhados pela casa, o que contribui para o seu
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que o importante é a algazarra feita e não o que querem dizer. Além disso, há a cena em
que elas cantam na frente do ventilador, provocando uma reverberação em suas vozes,
que adquirem um timbre automatizado.
Um dos poucos momentos do filme no qual se pode denotar alguma alegria e
plenitude aos personagens é a sequência na qual Vero liga o toca-fitas. José começa a
dançar com as mulheres do quarto, que por um instante se enche de vitalidade. Essa
ocasião fugaz e encantadora tenta repetir-se quando Tali e Mariana procuram ouvir uma
melodia, no fim do filme. O som está distante, aparenta vir da casa vizinha. Enquanto
isso, Luciano sai do quarto com o triciclo e vai em direção ao quintal. Escuta novamente
o latido do cachorro vizinho e decide subir pela escada até o topo do muro que divide as
casas, movido pela curiosidade. O último degrau se solta, ele cai e escuta-se a forte
batida no chão. A morte de Luchi vinha sendo anunciada no decorrer do filme. Ele
suspende a respiração diversas vezes, coloca-se na mira das armas dos garotos,
machuca-se frequentemente, durante as brincadeiras é acuado pelas meninas e declarado
morto. Seguem três planos da casa desabitada e silenciosa, como que atestando a morte
do menino, representando o vazio e silêncio na falta da criança, sem ruído, movimento
ou aparição surpresa.
Nos créditos finais, sob uma imagem negra estão os sons que permearam todo o
filme: os trovões, a água, as cigarras, os passarinhos, os tiros de caça. Surge o som de
um carro que se aproxima e com ele uma música como que do rádio do veículo. O
mesmo tipo de construção diegética que dos outros temas musicais do filme (a canção
do toca-fitas, a do bar, a da loja de roupas e a do baile de carnaval), pois não há
presença de música incidental.
Em suma, Lucrecia Martel utiliza a ideia de imersão como conceito de
construção do seu filme. É como um mergulho em que imagem e som parece ser um
lugar antes a ser habitado que observado. A larga utilização do som off, aliada à
sobreposição e fragmentação dos corpos na mise en scène proposta, proporciona uma
profundidade à imagem e a criação de uma atmosfera pesada na qual potencializa-se a
antecipação de certas situações, como que um prenúncio da tragédia. A sucessão de
pequenos acidentes e de situações de risco nunca modifica o comportamento dos
personagens. A alternância entre perigo e apatia, na qual logo após um momento
inquietante, cada um recupera sua natural letargia, produz uma acumulação conflituosa.
Assim há um crescimento da tensão dramática que só pode resolver-se em uma
catástrofe. Além de prestar atenção à materialidade dos objetos através dos sons, dando
ao filme um caráter sensitivo e perturbador.