A Educação Ambiental No Contexto Preliminar Da Base

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO PRELIMINAR DA BASE


NACIONAL COMUM CURRICULAR

Paulo Cesar Canato SANTINELO1


Marcia Regina ROYER2
Shalimar Calegari ZANATTA3

RESUMO

A necessidade em promover a Educação Ambiental é um consenso social. Preocupações com


a manutenção da vida do nosso planeta nunca foram tão expressivas e necessárias. Apesar da
legislação vigente, a escola não tem cumprido seu papel social como promotora da Educação
Ambiental de forma interdisciplinar, visando integrar todas as áreas do conhecimento. O que
se observa na prática é que tal temática tem sido trabalhada de modo fragmentado, mediante a
realização de projetos pontuais, alusivos às datas comemorativas: Dia da Árvore, Semana do
Meio Ambiente ou Campanhas de Combate à Dengue. Dessa forma, o presente trabalho
discute a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual propõe nortear o
desenvolvimento de competências e habilidades, necessárias para todos os estudantes
brasileiros do Ensino Fundamental e Médio. Sendo assim, é pertinente proceder um estudo a
partir do método de Análise de Conteúdo para verificar como a Educação Ambiental está
inserida no contexto da Base Nacional Comum Curricular. Os resultados obtidos indicam que
a temática aparece de forma muito modesta, pouco valorizada, com o predomínio da visão
Ecológica e a cargo das Ciências da Natureza, como tem sido predominantemente.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Inserção curricular. Base Nacional Comum


Curricular.

THE ENVIRONMENTAL EDUCATION IN THE CONTEXT OF PRELIMINARY


BASE NATIONAL COMMON CURRICULUM

ABSTRACT

The need for promote environmental education is a social consensus. Concerns about the
maintenance of life in our planet never have been so expressive and necessary. Although the
current law, the school has not fulfilled the her hole social of promoter of environmental
education as interdisciplinary, integrated in all areas of knowledge. What is observed in
practice is that this theme is fragmented and worked as specifics projects like: Tree Day,
Environment Week or Combat Dengue campaigns. On the other hand, we are discussing the
implementation of the Base National Common Curriculum (BNCC) (common core) which

1
Mestrando em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar pela UNESPAR – Campus Paranavaí. Professor da
Escola de Educação Básica Fundação Bradesco de Paranavaí. Graduado em Ciências Licenciatura Plena pela
Universidade Estadual do Paraná; Graduado em Química pela Faculdade da Grande Fortaleza, Especialização
em Gestão Ambiental pela Universidade Estadual do Paraná e Especialização em Química do Cotidiano na
Escola pela Universidade Estadual de Londrina. [email protected]
2
Professora do Colegiado de Ciências Biológicas, e da Pós-Graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar, da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) – Campus Paranavaí. Graduada em Ciências
Biológicas e Doutora em Agronomia pela Universidade Estadual de Maringá -
[email protected]
3
Professora do Colegiado de Ciências Biológicas, e da Pós-Graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar, da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) – Campus Paranavaí. Graduada e Doutora em
Física pela Universidade Estadual de Maringá - [email protected]

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proposes guide the development of skills and abilities required for all Brazilian students of
elementary and high school. Therefore, it is appropriate to carry a Content Analysis to verify
how environmental education is embedded within the Base National Common Curriculum.
The results indicate that the subject appears too modest. We can say that the BNCC theme is
undervalued with the predominance of ecological vision and position of natural sciences, as
has been predominantly.

Keywords: Environmental Education. Curricular insertion. Base National Common


Curriculum.

1 INTRODUÇÃO

Mais do que parte integrante do meio, o homem é um ser formado pelo próprio meio,
tendo em vista que é o ambiente que fornece em todas as instâncias as condições e elementos
para a sua existência. Dependente de forma incondicional e direta dos recursos existentes
nele, em que extrai tudo o que é necessário para sua sobrevivência e para a produção dos
diferentes bens. Voltar seu olhar para questões básicas de sustentabilidade e mudar de forma
profunda o modo de pensar para a importância da interação dos demais seres vivos entre si e o
ambiente, e na interação que ele próprio estabelece com os mesmos é o primeiro passo de uma
jornada de reconciliação, que parece longa e até mesmo dolorosa.
Mais do que nunca há necessidade do homem pensar e repensar sua responsabilidade
sobre aquilo que dominou e transformou durante sua história, muitas vezes de forma
irracional e predatória. Essa reflexão remete a compreensão do meio como sendo a fonte da
qual deriva toda a forma de vida conhecida, sendo ele o fruto de relações e interações
extremamente complexas, interdependentes e frágeis. Essa primeira e superficial análise já
revela o quão raro e precioso é o que está nas mãos do homem ao passo que aponta também o
tamanho da responsabilidade que possui.
Ao atuar na transformação drástica do ambiente ao longo do tempo, o homem
realmente criou melhores condições de domínio do meio, afastando possíveis ameaças, ao
mesmo tempo em que gerou um profundo desequilíbrio nas relações biológicas,
desencadeando problemas ambientais das mais diferentes ordens. O poder de intervenção na
natureza atingiu dimensões gigantescas nos séculos XIX e XX, e esse fato remete a
preocupações cada vez mais sérias acerca do futuro do planeta. Da natureza retiramos todo o
nosso sustento e em troca devolvemos grandes quantidades de lixo e resíduos de vários tipos.
A sociedade tem transformado profundamente a natureza, destruindo espécies animais e
vegetais, desviando cursos de rios, cortando montanhas, drenando pântanos e despejando
toneladas de resíduos provenientes de suas atividades, no ar, na água e no solo. A atuação

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humana intensa sobre o meio ambiente nos remete a um momento histórico em que devemos
tomar decisões que afetarão diretamente a continuidade e a qualidade da vida no planeta
Terra.
Diante deste panorama, qual o papel da escola e do currículo neste contexto? A
escola não pode ficar alheia a toda problemática envolvida, até porque perante a legislação
vigente a escola deve ser responsável por promover a Educação Ambiental. A Lei nº 9.795, de
27 de abril de 1999, que “dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de
Educação Ambiental e dá outras providências”, estipula em seu artigo segundo que “a
educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo
estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo,
em caráter formal e não-formal”, e em seu artigo onze que “a dimensão ambiental deve
constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as
disciplinas” (BRASIL, 1999).
Assim, os conteúdos devem ser trabalhados frente à complexidade da dinâmica das
ações e reações. Se por um lado a escola é transmissora do conhecimento acumulado, por
outro lado, deve despertar o senso crítico do aluno. Portanto, a escola não deve ser apenas a
transmissora do conhecimento, mas a instituição responsável pelo despertar do senso crítico.
Para tanto, isso vai muito além da mera transmissão dos saberes.
Inserido nesse contexto, a base curricular deve ser consistente e clara quanto ao papel
de todos os componentes curriculares perante a Educação Ambiental. Ressaltamos a
necessidade de corrigir um engano histórico que ainda permanece, em que se acredita que a
mesma é de responsabilidade única dos componentes curriculares pertencentes à área de
Ciências da Natureza, o que não é verdade. Cabe enfatizar que a Educação Ambiental deve
ser promovida por todas as áreas do conhecimento.
Será que a BNCC está em consonância com estas prerrogativas?
O objetivo geral desse trabalho foi investigar quantitativamente a inserção do tema
“Educação Ambiental” no texto preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por
meio da Análise de Conteúdo. A metodologia utilizada foi por meio da busca de palavras-
chave, como: “Ambiental” e “Socioambiental”, “Meio Ambiente”, “Ecologia”, “Ecológico” e
“Ecológica”, “Sustentável” e “Sustentabilidade”. Ao comando de busca dessas palavras no
texto da BNCC, quando encontradas a frase, a qual se inseria, a mesma foi retirada para
análise posterior. Ao final dessa metodologia, agrupamos as frases para análise do contexto.
É indiscutível que existem outras palavras que se relacionam ao tema, porém as que
foram elencadas expressam de forma mais relevante os conceitos inerentes a ele.

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Segundo Caregnato e Muttr (2006, p.682), a Análise de Conteúdo, para grande parte
dos autores, se apresenta “como uma técnica de pesquisa que trabalha com a palavra,
permitindo de forma prática e objetiva produzir inferências do conteúdo da comunicação de
um texto replicáveis ao seu contexto social”. Essa metodologia de pesquisa utiliza textos e
documentos como fonte de informação, e os utilizam para descrever e interpretar os
conteúdos, tanto de forma qualitativa, quanto quantitativa. Moraes (1999, p.9) afirma que
“essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a
reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que
vai além de uma leitura comum”.

2 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece uma proposta para 60%, das
competências e habilidades mínimas que devem ser apropriados por todos os estudantes das
escolas (públicas e privadas) do Ensino Fundamental, desde a creche até o Ensino Médio. Os
40% restantes devem atender as diversidades culturais de cada região, ficando sob a
responsabilidade da escola em formatar este percentual.
A implantação da BNCC está inserida num amplo processo de reformulações das
políticas educacionais em consonância com as políticas educacionais internacionais. De fato,
conforme Macedo (2014, p. 4) ressalta, em 1992 o Plano Mercosuljá falava em uma
“compatibilização e harmonização dos sistemas educativos”. Na mesma década, o Banco
Mundial propõe uma reforma da educação, baseada no tripé: base comum curricular,
formação do professor e avaliação. Apesar das atuais discussões, sua implantação atende aos
anseios de uma proposta que vem se consolidando ao longo de 28 anos desde sua menção na
Constituição Federal de 1988 (Artigo 210) (BRASIL, 1988, p. 122) e posteriormente
reforçada pela LDB no 9.394/96 (Artigo 26) (BRASIL, 1996). Portanto, trata-se de uma
proposta construída em consonância com outras iniciativas, como por exemplo, PNE (Plano
Nacional da Educação), CONAE (Conferência Nacional da Educação), EMI (Ensino Médio
Inovador), PNFEM (Pacto Nacional de Fortalecimento do Ensino Médio), PCN (Parâmetros
Curriculares Nacionais), DCN (Diretrizes Curriculares Nacionais), PNLD (Plano Nacional do
Livro Didático).
No documento atual a BNCC apresenta 4 áreas para o conhecimento: I - Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias; II – Ciências da Natureza e suas Tecnologias; III – Ciências
Humanas e suas Tecnologias e IV – Matemática. Cada uma delas está estruturada em eixos

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estruturantes. O ensino de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, por exemplo, está


estruturado em 4 eixos: Contextualização Histórica, Social e Cultural; Conhecimento
Conceitual; Processos e Práticas de Investigação e Linguagens das Ciências da Natureza. No
Ensino Fundamental I, ao longo dos 09 anos, os conteúdos referentes às disciplinas de
Biologia, Química e Física se apresentam como uma única área de conhecimento, devido suas
possibilidades de integração. Diversamente, no Ensino Médio, cada uma tem suas próprias
unidades de conhecimentos (UCs), mas devem apresentar integração entre si, conforme
exposto no documento (BRASIL, 2015b).
O currículo enquanto plano educativo formalizado pode ser compreendido como um
instrumento político e pedagógico em que as relações entre os sujeitos, o conhecimento e a
realidade são previstas e se articulam, norteando o processo de construção e reconstrução de
saberes. Segundo Gomes e Vieira (2009, p. 3.224) o mesmo “reflete práticas, experiências
cotidianas, ideologias, crenças, valores” juntamente aos conceitos e conteúdo que são nele
“previamente estabelecidos”. Desse modo, podemos compreender que no currículo sempre se
expressa algum tipo de poder que fundamenta sua construção, ou seja, não existe neutralidade
em seus textos e nem mesmo na seleção e articulação dos conceitos e conteúdo ali presentes.
Segundo Zotti (2004, p.3), o termo currículo possui sua origem na palavra Scurrere,
que significa “correr, e refere-se a curso, à carreira, a um percurso que deve ser realizado”.
Quando empregado no campo pedagógico vai ser tratado como uma “relação de
matérias/disciplinas com seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica”. É
no contexto pedagógico que se insere o documento preliminar intitulado Base Nacional
Comum Curricular, apresentado amplamente pelo MEC em 2015 e submetido a consulta
pública nos anos de 2015 e 2016.
Segundo o que apresenta a Secretaria da Educação Básica, setor integrante do
Ministério da Educação (MEC),

Este documento reúne direitos e objetivos de aprendizagem relacionados às quatro


áreas do conhecimento – Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens e
Matemática – e seus respectivos componentes curriculares para todas as etapas da
educação básica [...] A BNCC é constituída pelos conhecimentos fundamentais aos
quais todo/toda estudante brasileiro/a deve ter acesso para que seus Direitos à
Aprendizagem e ao Desenvolvimento sejam assegurados. Esses conhecimentos
devem constituir a base comum do currículo de todas as escolas brasileiras embora
não sejam, eles próprios, a totalidade do currículo, mas parte dele. (BRASIL, 2015b,
p.15).

No processo de construção do documento preliminar da BNCC, a Secretaria de


Educação Básica realizou uma série de reuniões envolvendo entidades e órgãos diretamente
ligados ao ensino. Em junho de 2015, por meio da Portaria nº 592, de 17 de junho de 2015, se

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institui uma comissão de especialistas para a Elaboração da Proposta, sendo que em setembro
do mesmo ano, o texto preliminar é disponibilizado pelo MEC, para consulta pública no
Portal da Base Nacional Comum Curricular.
Segundo consta no documento, o mesmo:

[...] vai deixar claro os conhecimentos essenciais aos quais todos os estudantes
brasileiros têm o direito de ter acesso e se apropriar durante sua trajetória na
Educação Básica, ano a ano, desde o ingresso na Creche até o final do Ensino
Médio. Com ela os sistemas educacionais, as escolas e os professores terão um
importante instrumento de gestão pedagógica e as famílias poderão participar e
acompanhar mais de perto a vida escolar de seus filhos. (BRASIL, 2015b).

Dessa forma, a finalidade da construção de uma base comum curricular, para o MEC,
é a de organizar o currículo de modo a fornecer parâmetros mínimos de conhecimentos a
serem trabalhados na educação básica em todas as regiões do Brasil. Com a implantação do
documento final, o mesmo assumirá um posto de referência para a formulação dos Projetos
Políticos Pedagógicos (PPP) das instituições de ensino de todo o Brasil.

3 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA BNCC

A partir da Análise de Conteúdo da Base Nacional Comum Curricular, referente à


presença de temáticas associadas à Educação Ambiental, os dados obtidos encontram-se
demonstrados na tabela 1 e na figura 1.

Tabela 1. Palavras-Chave por Área de Conhecimento.


Número de vezes que cada palavra chave aparece nos
Termos Pesquisados textos da BNCC por Área de conhecimento
Linguagens Matemática Ciências da Ciências
Natureza Humanas
Ambiental e Socioambiental 5 0 23 11

Meio Ambiente 0 0 0 0

Ecologia, Ecológico e
0 0 7 1
Ecológica
Sustentável e
5 0 14 8
Sustentabilidade
Fonte: Próprios autores.

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Mediante os dados expostos pela tabela 1 e figura 1, verifica-se


verifica se que as palavras-chave
com maior incidência na BNCC, é Ambiental e/ou Socioambiental, sendo observada 39
vezes, tendo como área predominante Ciências da Natureza e suas Tecnologias,
Tecnologias em que
aparece 23 vezes. Sustentável e/ou Sustentabilidade
Sustentabilidade são encontradas 27 vezes e, assim como a
primeira, também é mais incidente na área de Ciências da Natureza, em que pode ser
observada 14 vezes. No entanto, as palavras-chave
chave Ecologia e/ou Ecológico e/ou Ecológica,
são observadas 8 vezes na BNCC, e em sua quase totalidade presente na área Ciências da
Natureza, em que pode ser encontrada 7 vezes. Um fator que deve ser ressaltado é que a
palavra-chave
chave Meio Ambiente não aparece em nenhuma das áreas de conhecimento
c
contempladas pela BNCC, além disso, a área de conhecimento Matemática não abrange
nenhuma das palavras-chave
chave em questão. Aliás, a completa ausência dos temas apontados na
área da Matemática é notório e deve ser melhor discutido,
discutido já que várias questões
uestões da Educação
Ambiental devem ser tratadas com o uso da matemática.

Figura 1. Número de vezes que cada palavra-chave


palavra chave aparece nos textos da BNCC por Área de
conhecimento.

25

20

15

10

0
Linguagens Matemática Ciências da Ciências Humanas
Natureza

Ambiental e Socioambiental Meio Ambiente


Ecologia, Ecológico e Ecológica Sustentável e Sustentabilidade

Fonte: Próprios autores.

Diante do supracitado, observa-se


observa se que a proposta de promover a interdisciplinaridade
entre as unidades de conhecimento, como estabelecido pelos objetivos de implantação da
Base Nacional Comum Curricular não atende a Educação Ambiental, conforme resultados
apontados. O processo ensino e aprendizagem no Brasil deve vencer alguns entraves que
independem do currículo em si. O legado de Descartes, em que é baseado o modelo

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tradicional de ensino adotado no Brasil, ainda está presente até mesmo na mais atual proposta
curricular.
Segundo Jacobi (1999), a relação entre meio ambiente e educação para a cidadania
assume um papel cada vez mais desafiador, demandando a urgência de novos conhecimentos
para apreender processos sociais que se tornam cada vez mais complexos e riscos ambientais
que se intensificam.
Diante de tal situação, a escola não deve permanecer alheia, mas procurar contribuir
de fato para a formação de cidadãos críticos e participativos. Pois, assim como estabelecido
pelas Diretrizes Curriculares, esta é uma de suas funções, ou seja, promover ações que
possibilitem reflexões acerca de questões de cidadania.
Ao nos remetermos aos resultados expostos pela tabela 1 e figura 1 sobre a incidência
de palavras-chave associadas com a Educação Ambiental nas diversas áreas de conhecimento
que compõem a BNCC, verifica-se um predomínio visível da tradicional visão da Educação
Ambiental como algo exclusivamente de cunho associado à ecologia, sustentabilidade, e
muitas vezes deixando de lado seus aspectos social, ético, econômico, político, tecnológico e
cultural, que devem capacitar ao pleno exercício da cidadania. Cada aspecto citado pode ter
predominância sobre os outros e podem variar com o tempo, devendo considerar as condições
de cada país, região e comunidade.
Alcantara (2009) faz alguns apontamentos sobre a institucionalização da Educação
Ambiental no espaço escolar, e reconhece a mesma como um forte instrumento político,
assim o conceito de Educação Ambiental, bem como sua forma de inserção curricular, foi
sofrendo modificações ao longo do tempo. O autor complementa que, tendo sua origem no
movimento ambientalista, inicialmente a Educação Ambiental procurava envolver os cidadãos
em ações ambientalmente corretas, objetivando preferencialmente a conservação da natureza.
É importante destacar que, nos dias atuais, já se considera a necessidade da inclusão de
vários outros aspectos, priorizando o desenvolvimento da criticidade do aluno, incentivando
uma visão mais equilibrada do ser humano, não unicamente sobre o meio natural, bem como
relativa à sua trajetória social, além da formação cultural e ética.
Apesar de todas as medidas tomadas para o efetivo trabalho com Educação Ambiental
nas escolas, como a criação da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), o que se
verifica no trabalho com Educação Ambiental nas escolas é uma prática fragilizada e
assistemática, diferentemente do que preconiza tal legislação ambiental (ALCANTARA,
2009).

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Dessa forma, o que se observa no ambiente escolar, é que a Educação Ambiental é


praticada por meio de projetos pontuais e temáticos, especialmente em datas comemorativas
alusivas ao meio ambiente, como Dia da Árvore, Dia da Água ou na Semana do Meio
Ambiente, dando um enfoque “extracurricular”. As metodologias utilizadas incluem plantar
uma árvore, recolher e separar o lixo, sair a campo falando sobre os problemas da água
parada, etc. Todas essas ações são desvinculadas de conteúdos específicos, capazes de
subsidiar o aluno no desenvolvimento de sua capacidade crítica. A escola tem reproduzido
essa sistemática repetitiva, independentemente do nível de ensino.
Nesse sentido, a escola deve repensar seu papel na sociedade. Como bem aponta
Guimarães (2004), atualmente, o significado de educar ambientalmente vai muito além de
sensibilizar a população para o problema, complementando que apenas a compreensão da
importância da natureza não tem levado à sua preservação por nossa sociedade.
Assim, diante do supramencionado, observa-se que mesmo a Educação Ambiental
estando definitivamente incorporada à escola, há um consenso que tal prática está fragilizada
de modo geral, principalmente pelas suas ações fragmentadas e dissociadas do contexto em
que se inserem. E constata-se que mesmo a BNCC sendo uma tentativa de reverter tal
fragmentação em que se encontra o modelo atual de ensino, esta não engloba as questões
ambientais nos conteúdos específicos de todas as áreas de conhecimento propostas pela
mesma e, as que a contempla, ainda é de modo tímido e necessita de uma mudança de
postura, especialmente dos docentes que irão ministrar tais áreas. Para isso, há necessidade de
fornecimento de uma melhor capacitação acerca das peculiaridades do tema, pois, muitas
vezes, esse tema é pouco conhecido para alguns professores e, talvez por isso, não
demonstram interesse em trabalhar com tais assuntos em suas aulas.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação e implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é uma tentativa


de promover uma padronização nos conteúdos trabalhados na educação básica em todo país, e
principalmente o resgate da unicidade entre os mesmos, de modo a tentar reverter o processo
de fragmentação em que se encontra o conhecimento científico escolar, engavetado por meio
dos diferentes componentes curriculares, desconexos da realidade dos alunos.
Tal fragmentação, herança do modelo cartesiano, ainda em uso pelo sistema
tradicional de ensino, repercute em um grande desinteresse e desestímulo dos educandos

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diante de um processo de ensino e aprendizagem deficitário e pouco significativo para os


mesmos. Isso porque a dinâmica escolar é uma repetição do que apregoa as mídias.
Nesse sentido, as questões ambientais, objeto de estudo desse trabalho, continuam
sendo abordadas de forma irrisória na proposta preliminar para implantação da BNCC, sendo
inexistente sua abordagem em áreas do conhecimento como a Matemática e inclusa de modo
irrisório na área do conhecimento Linguagens. Sua prática deve ser repensada, pois mesmo
nas áreas em que ela está presente nos conteúdos curriculares, o trabalho com a mesma ocorre
de modo isolado, fragmentado e, principalmente, por meio de projetos em datas
comemorativas ou quando acata a algum projeto proposto pelo Núcleo Regional de Educação
e, desse modo, repassado e cobrado o seu desenvolvimento pelas escolas, como por exemplo,
“Projetos de Combate ao Mosquito Transmissor da Dengue”. Assim, fica claro que as
políticas educacionais estão coniventes com as políticas neoliberais que enfatizam seu papel
social, reproduzindo a discussão ambiental sem aprofundamento das questões econômicas,
políticas, culturais, sociais ou mesmo do conhecimento específico que justifica a complexa
dinâmica a qual insere esse tema.
Essa situação de conivência com as políticas neoliberais pode ser explicada pela visão
“ecológica” da Educação Ambiental, intrinsecamente compartilhada entre os profissionais da
educação. O que resulta num trabalho unilateral do professor das áreas de Ciências da
Natureza. Como salienta Morin (1997, p. 20):

[...] nossa educação nos ensinou a separar e a isolar as coisas. Separamos os


objetos de seus contextos, separamos a realidade em disciplinas
compartimentadas uma das outras. Mas, como a realidade é feita de laços e
interações, nosso conhecimento é incapaz de perceber o complexus– o tecido que
junta o todo.

Sendo assim, devido à dificuldade herdada do modelo cartesiano, em que se promoveu


um afastamento entre as diferentes disciplinas curriculares, devido também à formação
“especializada” focada apenas nos conteúdos correspondentes ao seu respectivo curso de
licenciatura, a interdisciplinaridade, exigida pela Educação Ambiental, necessita muito mais
do que a implantação de uma base comum, mesmo que esse documento fosse completamente
adequado a essa área do desenvolvimento humano.
Diante do exposto, observa-se que além da real necessidade de se repensar a
estruturação da Base Nacional Comum Curricular, a Educação Ambiental deve ser repensada
no contexto da interdisciplinaridade e na formação do professor. Pois, como no modelo
tradicional, mesmo com as propostas de implantação da BNCC, os conteúdos relacionados à

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Educação Ambiental continuarão sendo pouco trabalhados e fragmentados, assim como


ocorre no sistema vigente, nos moldes cartesianos.
Desse modo, para que a BNCC surta os resultados ao qual se objetiva, necessita-se de
uma transformação nos cursos de licenciatura, pois se a sua formação ocorrer de modo
fragmentado, a tendência é esse futuro professor transmitir os conteúdos seguindo a mesma
metodologia pela qual foi ensinado.
Para que ocorra efetivamente mudança desse cenário e que a Educação Ambiental
tenha resultados significativos, necessita-se muito mais que conhecimento específico acerca
do tema, e sim, é essencial que o professor tenha uma visão holística acerca dos problemas ao
seu entorno e, desse modo, adote uma postura interdisciplinar, levando os alunos a refletirem
com criticidade sobre o conteúdo abordado. O atual modelo praticado pela escola para
promover a Educação Ambiental não será capaz de promover a consciência crítica do aluno,
com ou sem a implantação de uma Base Nacional Comum Curricular, independente da
qualidade desse documento.

REFERÊNCIAS

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ZOTTI, S. A. Sociedade, Educação e Currículo no Brasil: dos Jesuítas aos anos de 1980.
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Recebido em: 30 de agosto de 2016


Aceito em: 22 de setembro de 2016

Pedagog. Foco, Iturama (MG), v. 11, n. 6, p. 104-115, jul./dez. 2016

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