2008.GT2 Karina Dias

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Notas sobre paisagem, visão e invisão1

Karina Dias, [email protected]


Artista plástica e professora

Resumo
Em “Notas sobre paisagem, visão e invisão”, minha intenção é, através da minha prática
artística, desenvolver a idéia de que a paisagem cotidiana se revela em meio às coisas, em um
movimento acelerado de pontos de vista distintos, ela é passagem, um deslocamento do olhar.
Experimentá-la então, seria como ativar um movimento do olhar onde ver e não ver se
articulam, onde os pontos de não visão, de um certo estado de cegueira se transformam em
invisão, em uma visão interna. E é nesta dialética entre ver e não ver, entre não ver e ver
internamente que se constitui o que chamamos de paisagem. Aqui, não se trata de ver tudo,
mas sim de se aproximar para habitar, de se situar para olhar no mesmo, no espaço de
sempre, a diferença.
Palavras-chave: Paisagem, visão, invisão, cegueira, noite

Abstract
In "Notes about Landscape, seen and unseen”, my proposal is, through my artistical practice, to
explore the idea that the experience of the daily scenery occurs in the surroundings, in an
accelerated movement of view points, where the non vision points, the unseen, multiply
themselves according to our ways of displacement and our routine blindnesses. It's in that
dialectics between what we see and what we don't see, what we don't see and what we imagine
that constitutes the experience of the daily scenery, where it's not a matter of seeing everything,
but a matter of coming closer in order to inhabit.
Keywords: Landscape, seen, unseen, blindness, night.

O que se produz entre o olhar e o espaço cotidiano, urbano ou não, para


que este último possa ser percebido como paisagem? Partimos da idéia de que
esta se revela em meio às situações rotineiras e banais, em um movimento
acelerado de pontos de vista distintos, ela é passagem, um deslocamento do
olhar.
Isso significa pensar nas formas de ver, “os olhos são o lugar da
paisagem”2. Nesse sentido, podemos pensar na interrogação que Merleau-
Ponty3 faz à Cézanne acerca da montanha Sainte-Victoire. Ele se pergunta o
que exatamente quer o pintor da montanha, o que ele pede à montanha?
“Pede-lhe desvelar os meios, apenas visíveis, pelos quais ela se faz montanha
aos nossos olhos.”4
Experimentar a paisagem no cotidiano seria ativar um movimento do olhar
onde ver e não ver se articulariam, onde os pontos de não-visão, de um certo
estado de cegueira se transformariam em invisão, em uma visão interna. Não
se trata de ver tudo, de ver em panorama, mas sim de se aproximar para
habitar, de detalhar para se situar, para olhar no mesmo, no espaço de sempre,
a diferença.
Assim, a experiência da paisagem no cotidiano se forja na junção de uma
certa maneira de olhar e dos caminhos percorridos. Ela tomaria forma a partir
de detalhes corriqueiros que, por serem vistos e (re)vistos continuamente, se
tornariam in-visíveis aos nossos olhos. Como então interromper, mesmo que
momentaneamente, nossa percepção visual rotineira para que se instale uma
percepção inusitada, uma experiência sensível do nosso espaço de todos os
dias? Em outras palavras, como através da prática artística, o espaço rotineiro
da cidade vai se revelando como uma paisagem singular, como um espaço-
em-paisagem?

Habitante-artista-habitante

Na minha pesquisa plástica minha intenção é sempre articular duas


posturas pessoais: a primeira é aquela que denomino a postura da habitante da
cidade onde tento compreender como eu percorro os espaços da rotina e da
repetição, onde eu me interrogo em que momento esse espaço se transforma
em um espaço-em-paisagem? A segunda postura é a da artista plástica, que
tenta restituir o mais fielmente possível as transformações perceptivas vividas,
onde eu me pergunto como apreender e como tornar visível “a visão-minha-do
visível”5 sem trair aquilo que vivi?
Dessa articulação emergem três questões:
Primeiramente, o que vejo?
Em seguida, como vejo?
E por fim, o que vejo quando não vejo?
Na minha prática teórico-artística tento explorar essas questões a partir de
dois eixos principais de reflexão: a paisagem e o movimento do olhar, este
último englobando ver e não-ver ou in-ver.
Logo, pressupondo que o que vejo é uma paisagem, seria interessante
tentarmos compreender sucintamente o que é uma paisagem.

Paisagem: ponto de vista, ponto de contato

Entre tantos autores que discutem a noção de paisagem, poderíamos citar


Milton Santos6 que, em seu livro A natureza do espaço – técnica e tempo,
razão e emoção, afirma que, a rigor, a paisagem é apenas uma porção da
configuração territorial que é possível ser abarcada pela visão. Nós poderíamos
citar também o historiador Alain Corbin7 para quem a paisagem é uma certa
leitura do espaço. A essas duas visões soma-se a contribuição do geógrafo
Augustin Berque8 que nos lembra que a paisagem articula o lado objetivo do
mundo, isto é, ela se reporta a objetos concretos os quais existem realmente
ao redor de todos nós (pedras, montanha...) e o lado subjetivo, singular e
íntimo de cada observador.
Nesse sentido, perceber ou reconhecer a paisagem no cotidiano é
compreendê-la como uma espécie de aparição, como algo que
inesperadamente surge diante de nossos olhos, uma espécie de epifania
imprevisível. Seria aquele momento onde os prédios deixariam de ser apenas
prédios, continuando a ser os mesmos prédios. É o instante onde conseguimos
ver a poesia das formas, onde o muro se transforma em nuvem9.
A paisagem seria então uma maneira singular de ver no mesmo a
diferença, seria o momento onde nos aproximamos do espaço e somos
enlaçados, atravessados por ele. Ela é ponto de vista, ponto de contato. Essa
experiência pode ser pensada como uma fissura, como um hiato que rompe
com o tempo da rotina e instala o tempo de um certo ponto de vista, o tempo
de uma certa vista. É como se a cada experiência da paisagem, o espaço
cotidiano repentinamente ganhasse relevo e se elevasse aos nossos olhos.

Uma prática do banal

Nada mais comum para os habitantes da cidade que subir ou descer uma
rua, olhar a paisagem pelas janelas do carro, do ônibus ou do metrô.
Entretanto, é justamente nesta absoluta banalidade que poderiam residir os
instantes de paisagem. O que eu evoco na minha prática artística são
experiências perceptivas que, se apresentadas de maneira poética, ganham
novos sentidos, nos fazem ver, rever , ver mais uma vez, uma vez ainda, aquilo
que já havíamos visto tantas vezes.
Uma tautologia poética onde, pela constatação, a evidência nos é
mostrada, onde um detalhe, um detalhe qualquer, um quase-nada, um não-sei-
o-que teria a capacidade de nos interpelar e orientar nossa percepção espacial.
Seria, assim, suscitar o desejo de ver, despertar nossa visão adormecida,
colocá-la em movimento para o olhar o corriqueiro, o habitual, o banal.
Assim, o detalhe é entendido como
um micro-evento que nos faz ver
melhor, ver do interior, o conjunto que
se apresenta diante dos nossos olhos.
Ele é aquilo que inquieta nossa maneira
de ver, é resistência a uma certa ordem
cotidiana, é relevo, é fissura.
Nessa pratica do banal, o espaço
Karina Dias, Passager II, vídeo-projeção, 2006.
cotidiano se transforma em espaço do
viajante. Em outras palavras, esse primeiro espaço domesticado, controlado
onde tudo parece ocupar um lugar previsível e perene se transforma pela
nossa capacidade de olhar, de ver e (re)ver, em um espaço estranho,
estrangeiro, irreconhecível temporariamente. É o olhar do viajante que vê o
novo no familiar, o caótico na ordem, incluindo o imprevisível no previsível, o
imprevisto no previsto. Seria como fixar a atenção para além dos contornos já
experimentados, entrevendo na evidência a possibilidade de reestruturar o
espaço da rotina e da repetição.
Finalmente não seria assim a experiência da paisagem, uma experiência
sensível do espaço? Não seria ela, o vislumbre de perspectivas singulares que
nos fazem perceber, pressentir uma estranheza efêmera? Um certo “se sentir
ailleurs”, se sentir longe, em outro lugar, estando no mesmo lugar? Aqui viajar
não é se deslocar no espaço, é se deslocar no tempo. A viagem aqui é uma
experiência temporal, é um ato de ruptura que instala uma fenda onde se
alojaria nossa experiência sensível do espaço... é se dar conta que temos o
horizonte no olhar.
Logo, como manter esse olhar alerta? Como desenraizá-lo quando estamos
tão enraizados nos espaços da rotina? Poderíamos nos lembrar do
personagem Palomar de Ítalo Calvino10 cuja principal atividade era observar as
coisas. O personagem nos narra como ele observa uma onda do mar e como
ele a distingue das demais, ou então como ele observa o reflexo do sol tão
perceptível e tão fugidio quando nos aproximamos, “Palomar, de toda maneira,
não se desencorajava: ele acreditava que a cada instante ele conseguia ver de
seu ponto de observação, mas finalmente surgia sempre algo que escapava,
que ele não havia se dado conta [...]”11
Minha prática artística se localizaria então nesse projeto do personagem
Palomar, nessa intenção de se situar continuamente no limiar da visibilidade,
entre aquilo que vemos e aquilo que escapa ao nosso olhar, entre o visto e o
não-visto, num movimento que inclui ver e não ver, onde ver seria como olhar
pela primeira vez.
Isto nos conduz a minha segunda questão, como eu vejo?

Eu vejo, eu olho, eu vi

Poderíamos responder a essa questão “como vejo?” nos aproximando do


movimento do olhar, numa diferenciação de três instâncias: o ver, o olhar12 e o
visto. Sucintamente, o ver seria ligado a nossa capacidade fisiológica, basta
abrir os olhos para vermos. Como nos assinala Sérgio Cardoso13, ele seria um
deslizamento horizontal ininterrupto no espaço que nos daria a sensação de
totalidade, de homogeneidade. Poderíamos acrescentar que o ver é um
movimento que nos lançaria numa visão panorâmica.
Por outro lado, o olhar seria um movimento interno do sujeito que interroga,
pensa e se inquieta com aquilo que se apresenta diante dos olhos. O olhar é
um ato intencional de dirigir os olhos para discernir e é incitado por um apelo
sensorial (uma luz, um barulho...), por uma mudança no campo do ver que
suscita que a “coisa” seja considerada. Citando novamente Cardoso, o olhar é
vertical, ele rompe com a linearidade do campo do ver, fissurando assim a
sensação ilusória de totalidade. Assim, podemos sugerir que o olhar é o olho
vivo, é o olho alerta.
A terceira e última instância é o visto, àquela que teria a capacidade de
preservar o que foi olhado, é como a conclusão do processo seletivo do olhar.
Essa instância isola e instala o visível, armazena aquilo que foi garimpado pelo
ato de olhar. Poderíamos pensar o visto como a memória de um visível triado,
filtrado e eleito que adviria de um tipo de duelo entre aquilo que conseguimos
ou não ver. O visto seria a pausa, o instante capturado onde estaríamos numa
memória que é o presente que dura.
Se o ver nos dá a sensação de abarcar de uma só vez, o ato de olhar
trabalha na descontinuidade, na fragmentação, no detalhe. Se o ver é
superfície, o olhar é profundidade, se o ver é uma cobertura rápida do espaço,
o olhar é atravessamento, ele tem um objetivo, um alvo, ele é aproximação.
Portanto, estabelecendo uma seleção, o movimento do olhar nos posiciona
sempre entre aquilo que desejamos ver, aquilo que realmente vemos e aquilo
que ainda não vemos. Nesse sentido, a inquietação que se instala é se aquilo
que ficou fora da nossa focalização, do nosso alvo, mas que certamente estava
no campo da nossa visão, pode ser considerado invisível aos nossos olhos?
Como designar aquilo que não vimos, mas que estava lá, em algum lugar,
informe, indefinido, “na sombra”, à espera do nosso olhar?
Chegamos à nossa terceira questão: O que vejo quando não vejo?

Invisão

Vamos tentar responder essa questão compreendendo o visível pela


invisão. Uma invisão que, se nos detivermos nas duas acepções do prefixo IN
– negação e inclusão - pode ser explorada ora como uma negação temporária
da visão, isto é uma cegueira provisória, ora como visão interna, como a
imensidão íntima14 singular a cada observador.
Assim, poderíamos afirmar que em tudo que vemos há um não-visto15 ou
um in-visto que pulsa e, mesmo que ele se encontre na sombra, não é a
sombra do visível. Ele é, pois, uma instância bem presente, talvez já percebida
pelo nosso olhar, mas ainda não vista. O não-visto pode a todo o momento
surgir no visível, ele está lá, em qualquer lugar, talvez já visto por alguém, na
iminência de aparecer, de ser singularizado, delimitado, distinguido.
O não-visto é informe e está sempre próximo de um ponto de ebulição
possível. Ele não é o negativo do visível, não é sua semelhança, mas ele é
alteridade. Ele está no limiar da nossa visão e estaria sempre em vias de..., em
vias de se tornar visto. Poderíamos dizer que tudo aquilo que foi visto, o foi
porque o olhar conseguiu enquadrar, delimitar, envolver.
Poderíamos, então, nos interrogar se no quotidiano não estaríamos num
eterno estado de invisão, isto é de não-visão, de cegueira voluntária e que
teríamos apenas alguns lampejos de visão clara e distinta?
Nós sabemos que a faculdade da visão organiza o mundo e que a cegueira
desenvolve outros sentidos. Longe de fazer aqui uma apologia da cegueira, na
invisão nós entramos num mundo embaçado, indistinto, indiferenciado. O que
nos interessa nesse estado de cegueira transitória é a possibilidade de se
ultrapassar os limites impostos pelo mundo da visão. É abrir espaço, dar lugar
a percepções de outra ordem, a novas interpretações que, como nos lembra
Eugen Bavcar16, sob o peso demasiado do visual17 não conseguem traçar um
caminho.
Na minha prática artística o exercício da cegueira se dá, por exemplo,
quando privo o espectador de uma parte da vista apresentada. Nos meus
trabalhos ver e não ver são inelutavelmente ligados e o espectador entra e sai
permanentemente de uma forma de cegueira. Minha intenção é metamorfosear
esse estado de cegueira cotidiana em desejo de ver, de ver paisagem.

Nesse sentido, ver as


paisagens do cotidiano significa
sair desse estado cego, desse
excesso de visível que acaba
por nos cegar, para explorar as
zonas sombreadas da visão. É
tentar ocupar este terreno pouco
Karina Dias, Passager I, vídeo-projeção, 2004. luminoso, habitá-lo com
desenvoltura, situando o espectador não no centro de um nada qualquer, mas
no centro de um mundo que sai da sua reserva. Diferentemente de um cego de
nascença, nosso olhador-cego pode a qualquer momento “liberar” os olhos e
tudo reordenar.
Ir de uma margem a outra, entre o visto e o não-visto, entre visão e invisão,
tendo a memória como aliada parece ser a situ-ação imposta aos espectadores
dos meus trabalhos. Seria como nos diz Hélène Cixous18, atravessar a nado o
estreito que separa o continente cego do continente da visão. Se nós
evocarmos a experiência da visão como a experiência da forma e do limite, o
que interrogo com a minha prática artística é até onde vai esse limite, até onde
nossos olhos vêem, qual é o limite do nosso olhar?

Noite noturna19

A noite é um mundo informe na forma, é a presença de um mundo que se


tornou outro continuando a ser o mesmo. Experimentá-la então nos engaja
numa certa modulação do olhar, pois, na noite tudo se altera: nossa visão se
reduz, nossos marcos espaciais se transformam. Ficamos submersos pela
escuridão, no entanto não ficamos completamente cegos.
Minha pesquisa plástica se concentra naquilo que a noite nos deixa ver de
sua paisagem, isto é, até onde conseguimos ver uma paisagem noturna? Aqui
a noite é compreendida como um dos territórios da invisão.
De um lado, temos o dia e o prestígio que lhe é conferido através da luz que
nos permite tudo ver e cultuar as idéias claras e distintas. Por outro lado, temos a
noite, esse momento em que experimentamos a desaparição dos contornos, o
apagamento dos limites. Se invertermos mais uma vez nosso raciocínio, a noite
poderia se transformar em um momento privilegiado, onde o olhar liberado do
compromisso da luz, libera também as formas de suas identidades singulares.
Para Geneviève Clancy20, a noite é um estado de espessura da luz. Aqui, a
noite noturna não é a noite do sono e dos sonhos, mas sim a do despertar de
nossos sentidos, de nossas percepções. Seria como abrir os olhos na sombra,
colocando em movimento o olhar-sombra. Noite sem limites que, segundo Didi-
Huberman21, quando a experimentamos, se transforma no lugar por excelência,
no meio do qual estamos absolutamente.
Nesse sentido, cabe a nós observadores, olhadores, do dia
metamorfoseados em olhadores da noite, a restabelecer a ordem das nossas
percepções para dar forma às paisagens noturnas. Minha intenção com meus
trabalhos é instalar o espectador no meio dessa noite, materializando
sucessivamente os instantes de transição, aqueles em que conseguimos ver e
aqueles em que aparentemente não vemos mais nada. Ver o pretume da noite
não significa nada ver, ao contrário, significa se dar conta do frágil equilíbrio
que sustenta nossa percepção de uma paisagem noturna. Paisagem essa que
se revela nas nuanças da escuridão da noite. Poderíamos dizer que a noite
noturna nos conduz do visível ao imaginável, de um visível compartilhado a um
visível não-compartilhado, nossa invisão. Experimentar a noite noturna seria,
então, responder a um desejo íntimo, intenso de não se deixar cegar.

Conclusão

Assim, perceber uma paisagem é ressentir suas faces escondidas, é


conjugar o que vejo com o que não vejo, o que escuto com o que não escuto
dando sentido ao que olho. É incluir a invisão na visão, o in-visível no visível,
não como contrários, mas como desdobramentos possíveis.
Na minha prática-teórica-artística eu me interrogo sobre os limites da
imagem face aos limites da nossa percepção visual quando as condições
normais de visibilidade se tornam deficientes e que então somos conduzidos a
ver de outra forma. Situações onde ver seria se aproximar de um visível que
nem sempre é a definição do claro e do distinto, mas de um visível que é a
descrição exata do embaçado, do transitório, do indistinto. Como na noite
noturna, é preciso modular o olhar, não para retirar o véu que encobre a
paisagem, mas para ativar um olhar-sombra, para enxergar a noite tal como ela
é, escura, indeterminada, imprevisível.
Minha intenção é incitar o espectador a tomar posse do seu olhar, a
assumir seu lugar de habitante/ olhador/habitante que para ver, para ver o dia,
deve dirigir seus olhos para a noite, para a névoa, para as zonas sombreadas
da visão, é olhar noturnamente. O que meus trabalhos questionam é como
conceber uma paisagem quando o olhar chega ao seu limite e que, então,
somos convidados a explorar um continente cego?
A partir dessa ausência, dessa falta, adentramos em zonas enevoadas e
imprevisíveis, entramos nas dobras do dia e da noite, da visão e da invisão. Se
o nosso mais íntimo desejo é nunca deixar de ver, ver paisagem na minha
prática artística seria ocupar a outra margem do rio, seria ajanelar o espaço da
rotina para olhar, olhar no cotidiano lá onde aparentemente não haveria nada
para se ver.

1
As questões aqui abordadas fazem parte da minha tese de doutorado intitulada Le paysage: entre Le vu et
l’invu, pour une pratique paysagère dans le quotidien. Tese em Artes Plásticas defendida em setembro de 2007 na
Université Paris I – Panthéon Sorbonne.
2
Ibidem.
3
MERLEAU-PONTY, Maurice O Olho e o Espírito. Os Pensadores, São Paulo: Abril, 1980.
4
Ibid., p.281.
5
Em francês la vision mienne in MERLEAU-PONTY, Maurice. Le visible et l’invisible. Paris : Gallimard, 2005,
p.19.
66
SANTOS, Milton. A natureza do espaço – técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1999.
7
CORBIN, Alain. L’homme dans le paysage. Paris : Les éditions Textuel, 2001.
8
BERQUE, Augustin (org). Cinq propositions pour une théorie du paysage. Seyssel : Editions Champ Vallon,
1994.
9
Aqui faço referência a Leonardo da Vinci (1452-1519) que ao convidar seus alunos a olhar uma mancha no
muro aconselha: « Se olhas para um muro coberto de manchas, ou feito de pedras diferentes[...]verás paisagens
variadas, montanhas, rios, rochas, árvores planícies [...] como num som de sino onde cada badalada evoca o nome ou
o vocábulo que tu imaginas [...] in BRAMLY, Serge, Biographie de Léonard de Vinci, Carnet II, Paris, Éditions Jean-
Claude Lattés, 1995, p. 247.
10
CALVINO, ITALO. Palomar. Turin: Éditeur Guilio Einaudi, 1983. Palomar traduzido do italiano para o francês
por Jean-Paul Manganaro. Paris: Éditions Du Seuil, 2003.
11
Ibid,p.14
12
Remeto o leitor ao texto de Sérgio Cardoso intitulado O olhar viajante (do etnólogo) in NOVAES, Adauto (org) O
olhar. São Paulo; Companhia das Letras, 1999.
13
Ibidem
14
BACHELARD, Gaston. Poética do espaço.Tradução Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
15
Tradução aproximativa e provisória do termo em francês invu. Ver minha tese de doutorado intitulada Le
paysage: entre Le vu et l’invu, pour une pratique paysagère dans le quotidien. Tese em Artes Plásticas defendida em
setembro de 2007 na Université Paris I – Panthéon Sorbonne.
16
BAVCAR, Eugen. Le voyeur absolu. Paris: Seuil, 1992, p.16.
17
O fotógrafo cego Eugen Bvcar faz uma distinção entre o visual e o visível. Para ele, o visual é aquilo que os
olhos vêem e o visível aquilo que o espírito vê.
18
CIXOUS, Hélène, DERRIDA, Jacques. Voiles. Paris: Editions Galilée, 1998, p.19.
19
Além da noite, meus trabalhos exploram também a neblina, a bruma e o silêncio. Da mesma maneira que
desenvolvo a noção de invisão como uma outra vertente da visão, evoco o inaudível como uma outra vertente da
audição.
20
CLANCY, Geneviève. Les cahiers de La nuit. Paris : L’Harmatan, 2004.
21
DIDI-HUBERMAN, Georges. Ce que nous voyons, ce qui nous regarde. Paris : Les éditions de Minuit, 1992,
p.71.

Currículo Resumido
Karina Dias - Doutora em Artes pela Université Paris I - Panthéon Sorbonne, Mestre
em Poéticas Contemporâneas pela Universidade de Brasília, Graduada em
Licenciatura- Artes plásticas pela Universidade de Brasília. Trabalha com vídeo e
intervenção urbana, expondo no Brasil e no exterior. Atua também como professora
universitária.
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