Reproducao de Peixes Migradores de Agua Doce Do Brasil. Zaniboni Filho e Nuner.2004

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Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 1

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Doce
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Brasil

Evoy Zaniboni Filho


Alex Pires de Oliveira Nuñer

1. Histórico do conhecimento adquirido


A possibilidade de uma espécie de peixe reproduzir-se naturalmente em cativeiro foi
considerada, durante vários anos, uma característica desejável para uma espécie destinada ao
cultivo, como sugere Huet (1978).
Certamente, a impossibilidade de se conseguir a reprodução de peixes migradores
brasileiros em condições de cultivo foi por muito tempo um dos entraves ao desenvolvimento de
pacotes tecnológicos para a produção destes peixes. Apesar da dificuldade inicial no
desenvolvimento de tecnologia para garantir a reprodução das espécies migradoras em cativeiro,
verifica-se que estes peixes apresentam a vantagem de possuir elevada fecundidade, ou seja, o
esforço de indução à desova pode ser recompensado pela produção de um grande número de
ovos. Atualmente, o fato de uma espécie não se reproduzir em cativeiro durante a fase de engorda
pode ser considerado como uma vantagem, pois permite que a energia fornecida no alimento
seja canalizada para o crescimento do corpo, ao invés de direcionada para o desenvolvimento
gonadal e comportamento reprodutivo.
A reprodução de peixes ficou restrita, durante séculos, à utilização de técnicas de indução
ambiental, através das quais o produtor criava condições apropriadas que simulavam aquelas que
desencadeavam a desova dos peixes, tais como colocação de substratos, simulação de enchentes,
elevação da temperatura, entre outras. Essas técnicas são eficientes para induzir a desova de várias
espécies de peixes, porém, em peixes migradores brasileiros, ainda não foi obtido sucesso.
Os primeiros trabalhos de indução à desova de peixes reofílicos foram desenvolvidos
paralelamente na Argentina (Houssay, 1930) e no Brasil (Ihering, 1935), quando foram obtidos
resultados positivos de indução à maturação final e desova de peixes migradores a partir da
aplicação de hormônios naturais presentes na hipófise de peixes maduros. Essa técnica continua
sendo uma das alternativas utilizadas para induzir a reprodução de peixes migradores em todo
mundo, sendo conhecida como “hipofisação”.
Passadas as experiências bem sucedidas da equipe de Rodolpho Von Ihering, somente
foram obtidos resultados expressivos no desenvolvimento de tecnologia da reprodução de peixes
migradores brasileiros na década de 70, com a equipe do Departamento Nacional de Obras
Contra a Seca (DNOCS). A primeira reprodução induzida do tambaqui (Colossoma macropomum)
foi obtida com o uso da hipofisação (Luchini, 1990; Silva et al., 1978). Até o início dos anos 90,
foram obtidos resultados positivos de indução hormonal à maturação final e desova de vários
peixes migradores brasileiros, quer através da hipofisação ou da aplicação de hormônios sintéticos
(Zaniboni Filho e Barbosa, 1996).
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Os trabalhos de indução hormonal de peixes migradores brasileiros foram iniciados


através do método de tentativas, acertos e erros. Através dos procedimentos bem sucedidos para
a indução hormonal de outras espécies, diferentes protocolos de aplicação com distintos hormônios
foram utilizados até que se obtivessem gametas viáveis. Essa metodologia garantiu a desova de
várias espécies de peixes brasileiros, porém muitos equívocos foram cometidos.
Considerando-se o conhecimento adquirido para peixes de clima temperado, tem-se a
informação de que os peixes necessitam de uma dieta abundante e completa durante a fase de
maturação gonadal, quando muita energia é canalizada para a formação das gônadas. Assim, foi
recomendado o fornecimento de uma dieta rica em proteínas, e em quantidade abundante,
durante os meses que antecedem a desova.
Somente com a realização de estudos de autoecologia de peixes migradores foi observado
que a dinâmica alimentar destes peixes é bastante distinta. Enquanto peixes de clima temperado
têm a limitação do inverno rigoroso para a alimentação, necessitando compensar o déficit alimentar
no início da primavera e garantir a energia adicional necessária para a maturação gonadal e
desova, os peixes tropicais brasileiros, via de regra, apresentam grandes depósitos de gordura
intramuscular e intraperitonial quando se inicia o desenvolvimento gonadal (Ribeiro, 1983;
Zaniboni Filho, 1985). Dessa forma, observa-se uma redução natural na ingestão de alimentos
durante a fase de maturação gonadal, sendo gradativamente utilizada a energia armazenada. Ao
final do desenvolvimento gonadal, verifica-se que os depósitos lipídicos são praticamente extintos
e a cavidade abdominal passa a ser ocupada por enormes gônadas.
Em cativeiro, o consumo de alimento permanece intenso, de modo que, caso haja o
fornecimento de quantidades elevadas de ração, não ocorrerá a redução dos depósitos lipídicos,
e, conseqüentemente, espera-se o desenvolvimento de gônadas menores devido à falta de espaço
na cavidade abdominal, o que conduz a uma menor fecundidade. Alguns autores registraram
que a migração reprodutiva propicia a redução da gordura visceral e amplia o espaço abdominal,
permitindo um maior crescimento gonadal (Zaniboni-Filho, 1985; Arias-Castellanos, 1995;
Lima e Goulding, 1998). Além disso, a prática de indução à desova com a utilização de
hormônios hipofisários tem mostrado uma menor efetividade quando são utilizados
reprodutores com mais gordura, sendo preferida a indução de exemplares com menos gordura.
O hormônio gonadotrófico é lipófilo, portanto, é capturado pelo tecido adiposo e deixa de
atuar sobre as gônadas.
Arias-Castellanos (2002) realizou um experimento de restrição alimentar do plantel de
reprodutores de yamú (Brycon siebenthalae) durante o período de maturação gonadal. O autor
avaliou o desempenho reprodutivo de peixes submetidos à redução de 50% da alimentação nos
três meses que antecederam o período reprodutivo, comparando esses animais com um lote
alimentado sem restrição, que recebeu o equivalente a 3% do peso vivo ao dia. Através do uso de
técnicas convencionais de indução hormonal foram comparados os resultados desses dois grupos
de reprodutores em dois anos consecutivos. O autor concluiu que o manejo alimentar não afetou
o desempenho reprodutivo das fêmeas, observando semelhanças nas taxas de fertilização e de
eclosão. Apesar disso, foi verificado que o grupo submetido à restrição alimentar apresentou
maior efetividade ao tratamento hormonal e produziu óvulos maiores no momento da desova.
Esses resultados corroboram a estratégia utilizada por vários piscicultores que, ao longo da vivência
no trabalho de reprodução induzida de peixes, vêm selecionando, empiricamente, os peixes com
menos gordura para o tratamento hormonal. Além disso, merece também destaque o menor
custo com a ração para a manutenção do plantel de reprodutores, proporcionado por esse manejo,
e a menor poluição do viveiro com dejetos e restos de alimento não consumidos.
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2. Ciclo reprodutivo de peixes no ambiente natural


As estratégias utilizadas pelas diferentes espécies nos ciclos de vida resultam da seleção
natural para produzir o número máximo de jovens capazes de sobreviver para maturar, sob as
condições impostas pelos seus biótopos (Lowe-McConnel, 1999). A maioria dos peixes tropicais
desova várias vezes na vida, sendo este um processo que ocorre em intervalos que se repetem.
Entre as espécies, os ovócitos podem maturar todos de uma única vez e serem liberados em um
período do ano, sendo, portanto, produzidos em um único lote, ou os ovócitos podem maturar
em lotes distintos, sendo eliminados em intervalos durante a estação reprodutiva, ou sem
sazonalidade definida. As espécies pertencentes ao primeiro grupo, de acordo com Bagenal (1978),
são denominadas “desovadoras totais”, enquanto as do segundo são “desovadoras múltiplas”.
Apesar das distintas espécies de peixes apresentarem particularidades no comportamento
reprodutivo, mostrando gradações entre as categorias apresentadas, no conjunto, as desovadoras
totais apresentam estações de desova mais bem definidas e são mais fecundas, produzindo
numerosos ovócitos pequenos, sendo que muitas delas realizam longas migrações. As desovadoras
múltiplas apresentam estações de reprodução menos definidas e realizam apenas deslocamentos
locais para áreas de reprodução. Os desovadores de pequenas ninhadas geralmente estabelecem
um território, e fazem ninhos onde desovam e guardam os ovos, apresentando um comportamento
complexo no ritual de acasalamento para garantir a sincronização da desova, enquanto os
desovadores totais podem manter-se juntos e serem estimulados por fatores externos, como, por
exemplo, as enchentes (Lowe-McConnel, 1999).
Embora as variações sazonais no fotoperíodo e na temperatura nos trópicos sejam
pequenas, quando comparadas com as observadas nas regiões temperadas, as mudanças no regime
de ventos e chuvas causam certa sazonalidade em muitos ambientes tropicais. A sazonalidade nos
rios é provocada principalmente pelas mudanças no nível da água, enquanto em lagos e represas
pode ser induzida por ressurgências provocadas pelos ventos. Essas mudanças afetam os peixes
tanto pela variação na disponibilidade qualitativa e quantitativa de alimento quanto pelo
surgimento de hábitats nas planícies de inundação.
Parece lógico que o processo de seleção natural direcione a produção dos jovens no
período do ano mais favorável para a sua sobrevivência, quando existe alimento abundante para
um crescimento rápido e maior proteção contra predadores. Entre os desovadores totais de rios
tropicais, o início da estação de cheias é o principal período de desova para peixes cujas larvas se
alimentam nas planícies de inundação. A estratégia de realizar migrações entre os locais de
alimentação e desova são bastante comuns em desovadores totais brasileiros (Goulding, 1980;
Ribeiro, 1983; Zaniboni-Filho, 1985). Esta estratégia permite que algumas espécies de peixes
maximizem o aproveitamento do ecossistema, buscando os melhores locais para cada uma das
etapas do ciclo de vida.
A elevação do nível da água pode ser necessária para permitir a realização do deslocamento
migratório, uma vez que obstáculos, como as cachoeiras, deixam de existir (Zaniboni-Filho e
Schulz, no prelo), ou para permitir que os ovos e larvas liberados no rio principal sejam carregados,
juntamente com a água, para as recém inundadas lagoas marginais (Goulding, 1980; Ribeiro,
1983; Zaniboni-Filho, 1985), ou mesmo para permitir o acesso dos reprodutores às lagoas
marginais para a desova (Lowe-McConnel, 1999).

2.1. Controle hormonal


Considerando-se que o objetivo da reprodução é a produção de jovens que possam
atingir a idade adulta e procriar (Lowe-McConnel, 1999), o sucesso da reprodução depende de
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um ajuste temporal que garanta que a desova ocorra no melhor local e no momento exato,
quando as condições ambientais se apresentarem as mais favoráveis para a sobrevivência dos
descendentes. Dessa forma, a sincronia entre os processos fisiológicos de maturação gonadal com
as condições ambientais faz-se extremamente necessária.
Uma série de mecanismos de ajuste está envolvida no processo de maturação gonadal e
desova, basicamente através de controles hormonais. No início do desenvolvimento gonadal,
ocorre um aumento no nível de gonadotropina na hipófise e no plasma, servindo provavelmente
para recrutar os ovócitos e iniciar a vitelogênese no período reprodutivo corrente (Zohar, 1989).
Essa elevação da gonadotropina estimula o aumento na concentração de testosterona e estrogênio,
porém esses níveis diminuem rapidamente (Carolsfeld, 1989). Apesar disso, a vitelogênese persiste
mesmo na aparente ausência de elevados níveis de gonadotropina (Peter, 1983). No final da
vitelogênese, o nível de gonadotropina volta a crescer na hipófise e no plasma, assim como a
testosterona e o estrogênio do plasma.
Não existe um padrão de variação da concentração desses hormônios no plasma
sangüíneo, relacionado ao estádio de desenvolvimento gonadal, nas distintas espécies de peixes.
Enquanto em Ciprinídeos o nível de gonadotropina se mantem baixo até o momento que antecede
a ovulação, quando apresenta uma elevação aguda, seguida por uma queda abrupta em um intervalo
de menos de 12 horas (Stacey et al., 1979), em Salmonídeos a elevação da concentração no
plasma pode anteceder a ovulação em cerca de uma semana, apresentando um pico na ovulação
e uma lenta redução após a desova (Zohar, 1989). Apesar disso, a concentração de gonadotropina
na hipófise se mantém elevada durante todo o período reprodutivo, decrescendo após a desova
(Carolsfeld, 1989). Embora a secreção de gonadotropina no plasma possa mostrar um padrão
diário em trutas, com picos diurnos (Zohar, 1989), a significância destes ritmos ainda não é
clara. Aparentemente a sensibilidade das gônadas à secreção da gonadotropina apresenta uma
variação temporal (Peter, 1981).
Independentemente das variações observadas nas distintas espécies de peixes, parece
correto supor que não existe um padrão específico para este complexo mecanismo regulatório e,
dessa forma, os organismos podem estar sintonizados com as variações ambientais e fisiológicas,
garantindo que o sucesso reprodutivo seja atingido mesmo com as variações das condições
intrínsecas e externas.

2.2. Desenvolvimento gonadal


Decorridas várias semanas após o início do processo de maturação dos peixes migradores
brasileiros, ocorre o completo desenvolvimento dos gametas, dirigido por um controle
hormonal. Dessa forma, os peixes precisam perceber antecipadamente a aproximação das
condições favoráveis para a desova, possibilitando que os gametas estejam preparados no
momento oportuno. Dentre os peixes migradores que realizam longos deslocamentos, via de
regra, a maturação gonadal se inicia juntamente ou imediatamente após o início da migração
reprodutiva. Assim, o processo de maturação gonadal ocorre ao longo do deslocamento
migratório, sendo controlado e sincronizado através da percepção do peixe em relação ao
ambiente e às variações ocorridas nos diversos habitats percorridos, de maneira que o final da
maturação ocorra nas proximidades dos locais de desova.
A maturação dos gametas é regulada pelas gonadotropinas que estimulam as gônadas a
sintetizar seus hormônios esteróides. Ao longo do processo de desenvolvimento gonadal, diferentes
esteróides sexuais apresentam importância em cada fase, porém as gonadotropinas influenciam a
produção de todos eles. A influência da gonadotropina sobre a gônada varia ao longo do processo
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de maturação, de modo que a gônada pode ser mais ou menos receptiva à gonadotropina, cujo
efeito também varia ao longo do desenvolvimento gonadal, atuando na produção de esteróides
distintos (Figura 1). A sensibilidade da gônada a esses esteróides também se altera ao longo do
processo (Harvey e Carolsfeld, 1993).

Figura 1 - Produção de hormônios e sua atuação nas diferentes estruturas reprodutivas de peixes migradores
brasileiros. O símbolo indica o local de atuação do hormônio ou do estímulo; indica a produção
de hormônio; indica a desova

O desenvolvimento ovocitário de peixes teleósteos é apresentado através de variadas


nomenclaturas e subdivisões pela literatura em geral, que é unânime em reconhecer quatro fases:
de célula recém formada, de basofilia citoplasmática, de vitelogênese e de maturação final (Chaves,
1985).
A análise dos folículos em desenvolvimento e do processo de reorganização gonadal
fornece informações importantes para conhecimento do tipo de desova do peixe. Nesse sentido,
são descritas três formas básicas no desenvolvimento dos folículos numa gônada: sincrônico,
sincrônico em grupo e assincrônico (Wallace e Selman, 1981). O desenvolvimento sincrônico é
aquele em que todos os ovócitos formados crescem e ovulam conjuntamente. O sincrônico em
grupo é aquele que, em um determinado instante, apresenta pelo menos duas populações de
folículos, sendo uma a dos não-vitelogênicos. O tipo assincrônico se caracteriza por apresentar
folículos em todas as fases de desenvolvimento, porém, sem a dominância de qualquer uma
delas.
No caso do grupo sincrônico, os indivíduos eliminam todos os ovócitos em uma única
desova. Esse comportamento é observado no salmão (gênero Oncorhynchus), que morre após se
reproduzir, e nas enguias catádromas (Wallace e Selman, 1981). Nesse caso, não haveria necessidade
de manter ovócitos no estoque para ciclos reprodutivos futuros.
Dentre os que apresentam desenvolvimento sincrônico em grupo, podem ser observadas
duas possibilidades. Uma delas se caracteriza pela ocorrência, no período reprodutivo, de apenas
uma desova, de modo que a gônada é formada por dois lotes de ovócitos, um que será eliminado
na desova seguinte e os que permanecerão para as futuras. Esse grupo é denominado como de
desova única. A segunda possibilidade é que, no período reprodutivo, ocorram várias desovas.
Nesse caso, a gônada é formada por mais de um lote de ovócitos vitelogênicos e caracteriza os
peixes que apresentam desova múltipla (Chaves, 1985).
A grande maioria dos peixes migradores brasileiros apresenta o desenvolvimento
gonadal do tipo sincrônico em grupo e desova única. Nesse caso, as células germinativas ou
ovogônias estão presentes no ovário ao longo de toda a vida do peixe, originando os ovócitos
através da redução da carga genética promovida pela meiose. Ao iniciar a meiose, os ovócitos
são circundados por uma camada de células epiteliais que dá origem ao envelope folicular. No
término da meiose, inicia-se um longo período de crescimento citoplasmático dos ovócitos. A
fase de crescimento primário dos ovócitos ocorre durante todo o ano e por toda a vida do
6 Zaniboni Filho & Nuñer

peixe, dando origem aos folículos que apresentam basofilia citoplasmática. Semelhante à
ovogênese, os mecanismos de regulação do crescimento primário dos ovócitos ainda são pouco
compreendidos, de modo que não existem técnicas para indução artificial deste processo (Harvey
e Carolsfeld, 1993).
Numa determinada época do ano, em resposta a estímulos ambientais, a corrente
sanguínea recebe descargas periódicas de gonadotropina, que induzem o início da vitelogênese.
A duração da vitelogênese pode ser reduzida artificialmente, através da aplicação de pequenas
injeções de hormônio de crescimento, ou por intermédio de implantes que possibilitam a liberação
lenta e prolongada de hormônio liberador da gonadotropina (GnRH) e testosterona (Harvey e
Carolsfeld, 1993).
Depois de concluída a vitelogênese, a atividade ovariana se torna mais reduzida e
permanece em sintonia com a adequação das condições ambientais, garantindo assim que a
liberação dos ovócitos coincida com o período em que as características ambientais estejam mais
adequadas, para propiciar a máxima sobrevivência da prole. Essa fase é conhecida como “período
de dormência” e sua duração varia de uma espécie para outra, sendo observado, para peixes
brasileiros, um período que se estende desde poucas semanas até alguns meses (Figura 2).
a) b)

Figura 2 - Maturação gonadal em fêmeas de peixes migradores brasileiros. a) Desenvolvimento gonadal.


(Adaptado de Harvey e Carolsfeld, 1993). b) Variação do índice de gordura visceral (IGV = peso da gordu-
ra visceral / peso total) e do índice gonadossomático (IGS = peso da gônada / peso total).

A extensão do período de dormência é muito afetada pelas condições em que os


reprodutores são mantidos, tais como qualidade de água, alimentação e freqüência de manejo.
Decorrido o período de dormência, caso as condições ambientais não tenham desencadeado a
maturação final e a desova posterior, ocorre um processo de atresia folicular ou reabsorção celular,
seguido pelo rearranjo gonadal (Woynarovich e Horváth, 1983; Romagosa et al., 1988; Vazzoler,
1996).
O processo de atresia folicular foi detalhadamente estudado em fêmeas de Leporinus
reinhardti mantidas em condições de cativeiro, revelando que todo o processo durou quatro
meses, e ainda que esses peixes maturaram no ciclo subseqüente, indicando a recuperação da
atividade gonadal (Miranda et al., 1999). O processo de rearranjo gonadal garante que os ovários
que não chegaram a desovar estejam completamente recuperados e prontos para iniciar o processo
de maturação gonadal no próximo período reprodutivo. Esse mecanismo pode ser esperado para
a grande maioria dos peixes migradores brasileiros, tendo sido confirmado para Prochilodus lineatus
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(= Prochilodus scrofa) (Romagosa et al., 1982), Piaractus mesopotamicus (Romagosa et al., 1988)
e Leporinus reinhardti (Miranda et al., 1999).
Durante o “período de dormência”, quando as condições ambientais são propícias, tem
início a etapa final de maturação gonadal. A fase final de maturação dos ovócitos é caracterizada
pela migração da vesícula germinal (núcleo) para a periferia celular e a sua posterior desintegração,
quando os ovócitos estão prontos para serem eliminados do envelope folicular (Vazzoler, 1996).
A liberação dos ovócitos para a luz do ovário ocorre através do seguinte processo: uma pequena
hidratação dos ovócitos promove neles um aumento de volume, cuja conseqüência é o rompimento
do envelope folicular. Essa fase é conhecida como ovulação. Após o rompimento da ligação com
as células foliculares, os ovócitos deixam também de manter uma ligação com a corrente sanguínea,
que lhes proporcionou suprimento alimentar e possibilitou as trocas gasosas. As reservas alimentares
do ovócito garantem a sua sobrevivência até o início da alimentação exógena, que ocorre dias
depois da ovulação, porém, as trocas gasosas que passam a ocorrer por difusão direta definem um
curto tempo para a eliminação de ovócitos viáveis.
Trabalhos com peixes migradores sul-americanos têm revelado que a fertilidade dos
ovócitos diminui rapidamente após a ovulação, havendo correspondente aumento das
anormalidades larvais. A taxa de fertilização em Prochilodus marggravii foi inferior a 30%, após
90 minutos da ovulação, e menor que 10%, após 120 minutos (Rizzo et al., 1999). A viabilidade
inicial dos ovócitos de Brycon siebenthalae foi reduzida à metade após 120 minutos da ovulação,
sendo verificado um gradativo aumento no diâmetro dos ovócitos (Velasco-Santamaria et al., no
prelo). Outras espécies de peixes podem apresentar reduções drásticas da fertilidade dos ovócitos
depois de 5 a 10 minutos da ovulação. Por outro lado, algumas espécies de salmonídeos retêm os
ovócitos ovulados para liberação de gametas viáveis até uma semana depois (Harvey e Carolsfeld,
1993).

3. Possibilidades de indução à maturação gonadal, ovulação e desova

3.1. Preparação dos reprodutores


As condições de cultivo afetam fortemente o desenvolvimento gonadal, principalmente
durante a fase de vitelogênese, de modo que uma limitação na qualidade ou quantidade do
alimento, excessiva densidade de estocagem e estresse podem induzir à reabsorção de ovócitos
vitelogênicos, resultando num menor número de ovócitos maduros, ou ainda podem atuar numa
fase anterior, impedindo o início da vitelogênese (Harvey e Carolsfeld, 1993).

3.1.1. Estocagem
A densidade de estocagem dos tanques de cultivo sabidamente afeta o desempenho dos
peixes, estando relacionada principalmente com a qualidade da água e com a disponibilidade do
alimento. Durante a fase de desenvolvimento gonadal, os peixes, via de regra, tornam-se mais
sensíveis em relação à qualidade da água, o que exige uma maior atenção do produtor.
Apesar da maior parte dos peixes cultivados tolerarem condições de superpopulação, os
seus efeitos sobre o desenvolvimento das gônadas são quase sempre danosos (Woynarovich e
Horváth, 1983). Esses autores, com base na experiência do setor produtivo com espécies exóticas,
recomendaram a manutenção de reprodutores maduros em uma biomassa entre 150 e 250 kg
em cada 1000 m2. Com relação às espécies brasileiras, há uma enorme deficiência de informações
sobre esse aspecto. Apesar disso, o setor produtivo tem realizado a preparação de plantéis de
8 Zaniboni Filho & Nuñer

reprodutores para desovas anuais de distintas espécies. A estratégia básica utilizada, via de
regra, é a de reduzir ao máximo a densidade de cultivo, garantindo a preparação gonadal dos
peixes.
Outros fatores associados à densidade têm demonstrado sua importância no tocante
ao desenvolvimento gonadal. Por exemplo, peixes que fazem a desova em ninhos e apresentam
comportamento territorialista no período reprodutivo tendem a inibir o comportamento de
disputa pelos territórios quando se encontram em densidades elevadas. Por outro lado,
experimentos com peixes que formam cardumes durante a fase de maturação gonadal e desova
demonstram que a redução da biomassa de cultivo pode interferir negativamente na preparação
das gônadas. A manutenção de reprodutores de Piaractus mesopotamicus pesando entre 2 e 3 kg
e estocados em duas densidades - 1 ou 2 peixes/m2 - ao longo de todo o período de maturação
gonadal, posteriormente submetidos aos protocolos convencionais de indução hormonal para
indução à desova, demonstraram que os peixes estocados em maior densidade produziram maior
quantidade de ovos, ou seja, apresentaram maior fecundidade (Romagosa et al., 1994).

3.1.2. Alimentação
A alimentação adequada é de primordial importância para os peixes reprodutores
(Woynarovich e Horváth, 1983), de modo que a limitação na qualidade ou quantidade do alimento
pode induzir à reabsorção de ovócitos vitelogênicos, resultando num menor número de ovócitos
maduros, ou pode ainda atuar numa fase anterior, impedindo o início da vitelogênese (Harvey e
Carolsfeld, 1993).
Através do conhecimento adquirido com peixes de clima temperado, temos a informação
de que os reprodutores cultivados com alimentação natural abundante ou com dieta artificial
rica em proteínas fornecem resultados satisfatórios, proporcionando a formação adequada dos
gametas. Woynarovich e Horváth (1983) sugerem que uma dieta especial deva ser elaborada
durante a fase de vitelogênese, particularmente rica em aminoácidos, vitaminas e minerais; caso
contrário, o desenvolvimento dos óvulos é afetado, resultando no fracasso da ovulação. Como
discutido anteriormente, os produtores brasileiros, baseados nesses conhecimentos, garantiram a
preparação dos plantéis de reprodutores de peixes nativos com uma dieta rica em proteínas,
fornecida em quantidade abundante durante os meses que antecederam a desova.
Através de estudos de biologia de peixes brasileiros no ambiente natural, foi observado
que, ao contrário do registrado para as principais espécies de clima temperado utilizadas na
piscicultura, várias espécies migradoras apresentam grandes depósitos de gordura intramuscular
e intraperitonial quando se inicia o desenvolvimento gonadal (Ribeiro, 1983; Zaniboni Filho,
1985). A presença desses depósitos lipídicos permite que a fase de vitelogênese, no ambiente
natural, coincida com uma fase de restrição na disponibilidade alimentar de várias espécies.
Dessa forma, observa-se uma redução natural na ingestão de alimentos durante a fase de maturação
gonadal, sendo gradativamente utilizada a energia armazenada, o que praticamente extingue os
depósitos lipídicos, liberando espaço para que a cavidade abdominal passe a ser ocupada por
gônadas bastante desenvolvidas (Zaniboni-Filho, 1985; Arias-Castellanos, 1995; Lima e Goulding,
1998).
Nas condições de cativeiro, mesmo as espécies que apresentam redução do consumo de
alimento no período pré-reprodutivo em ambiente natural mantêm uma intensa ingestão de
alimentos. Dessa forma, caso haja o fornecimento de quantias elevadas de ração, como tem sido
recomendado por vários autores (Huet, 1978; Woynarovich e Horváth, 1983), não ocorrerá
redução dos depósitos lipídicos.
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Muito poucos trabalhos têm sido realizados com o manejo alimentar de reprodutores de
peixes que apresentam essa característica de redução do consumo de alimento no período de
preparação gonadal. A análise do desenvolvimento ovariano de reprodutores de Piaractus
brachypomus alimentados, nos cinco meses que antecederam o período reprodutivo, com dietas
contendo valores crescentes de proteína bruta e energia digestível (entre 25,4% PB e 2605 kcal
até 38,2% PB e 3828 kcal), revelou que a aparência histomorfológica dos ovários não foi afetada
pelas distintas dietas, porém as fêmeas alimentadas com a dieta contendo os mais baixos valores
de energia e proteína apresentaram óvulos vitelogênicos maiores e num período de tempo
relativamente menor (Vásquez-Torres, 1994).
A redução em 50% no fornecimento de alimento para reprodutores de Brycon siebenthalae,
nos três meses que antecederam o período reprodutivo, demonstrou que o manejo alimentar não
afetou o desempenho reprodutivo das fêmeas com restrição alimentar, quando comparado com
peixes tratados com a quantidade normal de ração (3% da biomassa ao dia), apresentando
semelhanças nos valores das taxas de fertilização e de eclosão. Apesar disso, o grupo submetido à
restrição alimentar apresentou maior efetividade ao tratamento hormonal e produziu óvulos
maiores no momento da desova (Arias-Castellanos, 2002). Trabalho semelhante realizado com
Brycon cephalus, comparando o desempenho de larvas e alevinos provenientes de fêmeas
alimentadas até a saciedade, com o desempenho de outros provenientes de fêmeas submetidas a
restrição alimentar, revelou que o crescimento das larvas é semelhante nas primeiras 24 horas de
vida (Camargo et al., 2002b), mas que, após 15 dias de cultivo, os alevinos provenientes das
fêmeas restritas apresentaram maior crescimento (Camargo et al., 2002a).

3.1.3. Domesticação
A domesticação pode ser entendida como a utilização de práticas periódicas de
manipulação dos peixes, com o intuito de que estes apresentem repostas cada vez menos alteradas
de comportamento e homeostase (Schreck, 1981). Com a prática das técnicas de domesticação é
esperada uma redução do estresse, ou seja, uma redução na intensidade e na duração da
hipersecreção hormonal primária de catecolaminas e cortisol, as repostas fisiológicas iniciais dos
peixes a qualquer agente estressor (Donaldson, 1981; Sumpter, 1997).
A seqüência de eventos metabólicos que se surge como resposta secundária ao estresse é
muito variada e dependente de múltiplos fatores, porém conduz ao restabelecimento das condições
normais do organismo e consome uma grande quantidade de energia (Carneiro, 2001).
Sabidamente a condição de estresse em peixes, entre outras, pode induzir à reabsorção de ovócitos
vitelogênicos, resultando num menor número de ovócitos maduros, ou, ainda, pode atuar numa
fase anterior, impedindo o início da vitelogênese (Harvey e Carolsfeld, 1993). Apesar do
conhecimento de que os distúrbios freqüentes na tranqüilidade dos peixes interferem no
desenvolvimento normal das gônadas, na prática chinesa há o costume de se capturar os peixes
uma ou duas vezes antes do tratamento hormonal para indução à desova, mantendo os peixes em
ambiente superpovoado, visando preparar o reprodutor para o manuseio e transporte e assim
reduzir a mortalidade pós-desova e aumentar a taxa de ovulação (Woynarovich e Horváth, 1983).
Algumas espécies de peixes brasileiros são dóceis e respondem muito bem ao manejo
necessário para o tratamento de indução hormonal, como, por exemplo, Piaractus mesopotamicus
e Colossoma macropomum, enquanto outras espécies, como Brycon cephalus, B. orbignyanus,
Leporinus obtusidens e Salminus maxillosus, são muito agitadas e sofrem muito com o manejo de
indução à desova, apresentando elevada taxa de mortalidade após a desova, ou morrendo antes
mesmo de completar a maturação final e desova ou espermiação. Essa característica tem exigido
10 Zaniboni Filho & Nuñer

atenção especial dos produtores para adequar o manejo e garantir a sobrevivência dos reprodutores
ao tratamento necessário.
Como a maioria dos peixes brasileiros utilizados na piscicultura atinge a maturidade
gonadal no mínimo no primeiro (os machos) ou no segundo (as fêmeas) ano de vida, os elevados
custos associados à formação anual dos reprodutores podem ser perdidos, uma vez que esses
animais podem sucumbir ao tratamento de indução à desova, sem mencionar a possibilidade de
que morram sem a liberação de gametas viáveis.
Uma das práticas utilizadas na preparação do plantel de reprodutores de espécies menos
dóceis, como Salminus maxillosus, é a criação em cativeiro desde a fase juvenil, com os indivíduos
sendo submetidos ao freqüente manejo de pesca e manipulação para realização de biometria
(Zaniboni-Filho, et al., 1988). A comparação do desempenho reprodutivo de exemplares de
Brycon siebenthalae submetidos a estratégias distintas de manejo pré-reprodutivo revelou que os
peixes mantidos em cativeiro desde a fase juvenil, sendo manipulados mensalmente, apresentaram
maior efetividade ao tratamento de indução hormonal, maior fecundidade relativa e maior
sobrevivência dos reprodutores pós-desova, quando comparados com reprodutores selvagens ou
criados em cativeiro, sem a manipulação mensal (Arias-Castellanos, 2002).

3.1.4. Fotoperíodo e temperatura


Considerando o ciclo reprodutivo dos peixes no ambiente natural, pode ser observado
que as diferentes espécies apresentam mecanismos de regulação hormonal para garantir a sincronia
da maturação gonadal e a desova com determinadas condições ambientais, de modo a aumentar
a possibilidade de sobrevivência da prole. Essa característica permite supor que o manejo das
condições ambientais possa ser uma excelente ferramenta de manipulação para indução da
maturação gonadal. O fotoperíodo e a temperatura são considerados os principais moduladores
da maturação gonadal de peixes (Carolsfeld, 1989). Apesar disso, há carência de informação
sobre a eficiência do manejo da temperatura e fotoperíodo em peixes migradores brasileiros. Essa
possibilidade de indução ambiental foi testada, com sucesso, para algumas espécies de peixes de
clima temperado, nas quais o manejo do fotoperíodo e da temperatura possibilita desencadear
todo o processo de maturação gonadal (Lam, 1983; Lam e Munro, 1987). Apesar desses resultados,
as fases finais de maturação gonadal, ovulação e espermiação, aparentemente são reguladas por
uma série de mecanismos, entre eles: ferormônios, variações de temperatura ou mesmo aspectos
relacionados ao período de chuvas ou de enchente (Carolsfeld, 1989).
A compreensão dos mecanismos ambientais que regulam o ciclo reprodutivo dos peixes
proporciona uma grande aplicabilidade na piscicultura, possibilitando ao produtor a obtenção
de peixes maduros em distintas épocas do ano, e assim produzir alevinos em um período maior
que aquele encontrado no ambiente natural. Essa necessidade pode ser suprida pelo manejo das
condições ambientais de distintos lotes de peixes, de modo que os distintos grupos maturem em
períodos diferentes. Outra possibilidade é a de estimular os peixes a maturar mais de uma vez
num mesmo período reprodutivo.
O primeiro relato da possibilidade de obtenção de mais de uma desova de peixes
migradores brasileiros é datado da década de 40. Trabalhos sobre reprodução realizados no Posto
de Piscicultura de Lima Campos, em Icó, no estado do Ceará, revelaram que exemplares de
Prochilodus sp., sem qualquer manejo especial para indução da maturação gonadal, foram capazes
de produzir gametas viáveis e férteis em três oportunidades de um mesmo período reprodutivo.
Esses peixes foram submetidos ao tratamento convencional de hipofisação nos meses de fevereiro,
maio e agosto de 1944 (Fontenele et al., 1946). Resultado semelhante foi observado com Piaractus
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 11

brachypomus na região equatorial da Orinoquia Colombiana, onde exemplares fêmeas responderam


positivamente ao processo de indução hormonal duas vezes no mesmo período reprodutivo, com
intervalo entre três e quatro meses entre cada desova (Vásquez-Torres, 1994).
Uma outra possibilidade para ampliar o período em que se pode obter peixes maduros
é o manejo para prolongar o “período de dormência”, ou seja, evitar que se inicie o processo de
reabsorção e regressão gonadal. Os mecanismos que desencadeiam os processos de regressão
gonadal ainda são pouco conhecidos, embora, para algumas espécies, estejam relacionados com
temperaturas ou fotoperíodos inadequados (Hanyu e Razani, 1985) ou ainda pelo estresse (Harvey
e Carolsfeld, 1993).
Nesse sentido, Pinheiro e Silva (1988) obtiveram sucesso na indução à desova de
Colossoma macropomum, com o uso da técnica de hipofisação, ao longo de todo o ano. A estratégia
utilizada foi a de manter o plantel de reprodutores separado em diversos viveiros, sendo submetidos
ao mesmo manejo de manutenção. A seleção dos peixes maduros para aplicação do protocolo de
indução hormonal foi realizada em um único viveiro, sucessivamente, até que não houvesse mais
peixes preparados. Nesse momento, a seleção começava a ser realizada em outro viveiro. Cada
viveiro de reprodutores foi manejado aproximadamente por dois meses. Esse experimento
demonstra que os reprodutores de tambaqui submetidos à manipulação periódica são estimulados
a iniciar o processo de regressão gonadal. Cabe destacar que o referido experimento foi realizado
na Região Nordeste no Brasil, onde as variações de temperatura e fotoperíodo são bastante tênues
ao longo do ano. Essa condição, associada à redução do estresse provocado pelo manejo de
seleção dos reprodutores, foi suficiente para possibilitar a disponibilidade de reprodutores de
tambaqui maduros durante todo o ano.

3.1.5. Identificação do plantel


Durante o processo de reprodução, a identificação dos reprodutores é etapa fundamental
para distinguir indivíduos que receberão diferentes quantidades de hormônio, haja visto que essa
quantia varia com o peso corporal e com o sexo. Além disso, a identificação durante a seleção dos
peixes possibilita o controle do desempenho reprodutivo de cada exemplar do plantel. Para a
identificação de reprodutores, as opções disponíveis resumem-se à remoção de parte das nadadeiras,
à marcação a frio, à identificação mecânica e à identificação com marcas internas.
Um tipo de marcação muito utilizado na reprodução de peixes migradores, devido à
ausência de custos e simplicidade de operação, é a remoção parcial de pequenas partes das
nadadeiras, particularmente útil quando do manejo durante a indução hormonal. Entretanto,
quando o sistema adotado é simples, o número de combinações possíveis não é grande. Como as
nadadeiras tendem a se regenerar em velocidade variável conforme o tamanho da remoção, esse
tipo de marcação apresenta tempo limitado de duração.
A marcação a frio, realizada com o auxílio de uma ferramenta resfriada em nitrogênio
líquido que, pressionada contra a pele do animal por poucos segundos, transfere a marca para o
animal, tende a apresentar um tempo de duração mais longo e acrescenta como vantagem o fato
de ser um procedimento não invasivo, que não afeta o comportamento (Harvey e Carolsfeld,
1993). Mesmo assim, a marcação desaparecerá ao longo do tempo.
Diversos identificadores externos estão disponíveis no mercado. Essas marcas mecânicas
possibilitam a apresentação de uma maior quantidade de informações, de modo a permitir a marcação
de um número maior de animais. A firmeza de instalação da marca e o atrito produzido com a água
são os pontos críticos para o sucesso de sua utilização. Além disso, como a marca deve ser presa
através da musculatura ou dos ossos, o risco de aparecimento de infecções é elevado (Harvey e
12 Zaniboni Filho & Nuñer

Carolsfeld, 1993). Os modelos mais comuns de marcas mecânicas externas apresentam a forma
geral de um tubo de vinil (modelo tipo “espaguete”), que possui um código ou uma legenda. Essa
forma geral pode ainda apresentar uma ponta de plástico (modelo tipo “âncora”), que é inserida no
corpo do animal, sendo este um tipo muito utilizado. Também estão disponíveis marcas externas
com formato de disco e marcas desenvolvidas para serem presas na mandíbula ou no opérculo.
A identificação com marcas internas é a melhor opção disponível, uma vez que possuem
longo tempo de duração. As marcas do tipo PIT (Passive Inductive Transponder) possuem o
tamanho de um grão de arroz e são formadas por um microprocessador e uma antena, envoltos
externamente por um material bio-compatível. Cada PIT possui uma identificação única que, ao
ser estimulado por um leitor, transmite o código da marca para o aparelho. Essas marcas são
implantadas no músculo do animal, próximo à nadadeira dorsal, e apresentam muitas vantagens,
como o tamanho reduzido, que proporciona danos mínimos de instalação, a alta capacidade de
retenção, a ausência de influência no comportamento, um número infinito de combinações e a
possibilidade de reaproveitamento. Entretanto, apresentam como desvantagem o elevado custo.
Identificadores internos que são implantados nos tecidos transparentes dos peixes, como
a região dos olhos, também estão disponíveis no mercado. Essas marcas têm por objetivo propiciar
a identificação visual dos indivíduos, sem a utilização de nenhum tipo de aparelho auxiliar (Harvey
e Carolsfeld, 1993). Essa técnica apresenta a desvantagem de não ocorrer cicatrização do tecido
cortado durante a implantação, o que possibilita a perda da marca.

3.2. Seleção e transporte dos reprodutores


A capacidade de seleção de peixes maduros é vital para o sucesso do processo de indução
da maturação final e desova, sendo considerada a etapa mais importante para o sucesso da desova
(Carolsfeld, 1989). A seleção consiste na escolha de exemplares que estão com as gônadas no “estádio
de dormência”, ou seja, aqueles peixes que têm maior probabilidade de responder positivamente ao
tratamento de indução hormonal, resultando na ovulação ou espermiação de gametas viáveis.
Apesar da enorme importância da seleção de peixes maduros, os critérios utilizados
pelos produtores estão baseados em características subjetivas. Por exemplo, fêmeas com abdômen
dilatado e macio que apresentam a papila genital intumescida e avermelhada (Woynarovich e
Horváth, 1983). A seleção dos machos, na maioria das espécies migradoras brasileiras, é
feita através de pressão abdominal, de modo que os peixes maduros eliminam pequenas
quantias de sêmen. Em algumas espécies, se observa dimorfismo sexual - os machos, durante o
período reprodutivo apresentam espículas na nadadeira anal (Brycon lundii, B. orbignyanus,
Salminus maxillosus), enquanto em outras, os machos maduros emitem sons (Leporinus friderici,
L. elongatus, Prochilodus lineatus). Essas características adicionais facilitam o processo de
seleção dos reprodutores para iniciar o tratamento de indução. Por outro lado, peixes como o
Pimelodus maculatus apresentam testículos franjados que não permitem a eliminação de
sêmen por pressão abdominal, sendo um grande desafio para o produtor selecionar machos
maduros.
A dificuldade para padronização dos critérios para seleção dos reprodutores tem
estimulado trabalhos de pesquisa na busca de métodos mais objetivos, principalmente para as
fêmeas. Dessa forma, tem sido recomendada a realização de biopsia ovariana para análise do
diâmetro médio dos ovócitos (Kuo e Nash, 1975), da distribuição de freqüência dos diferentes
tamanhos de ovócitos (Romagosa et al., 1988; Romagosa et al., 1990) e da posição da vesícula
germinal (Bruzska, 1979; Pardo-Carrasco, 2001). Mais recentemente, vem sendo utilizada a
análise do fator de condição relativo, proposta inicialmente por Le Cren (1951) e aplicada para
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 13

a seleção de reprodutores sul-americanos (Eckmann et al., 1984; Verani et al., 1997; Andrade-
Talmelli et al., 1999; Arias-Castellanos, 2002).
Apesar da diversidade de procedimentos recomendados para garantir a seleção adequada
dos reprodutores, persistem as diferenças que são observadas entre indivíduos ou situações, talvez
afetados pela temperatura, estresse ou outro fator ambiental, ou ainda algum fator do processo
de maturação gonadal ainda não determinado (Carolsfeld, 1989). Esse fato pode ser comprovado
pela dificuldade das estações de piscicultura em obter a desova da totalidade dos peixes migradores
brasileiros selecionados. Embora contem com profissionais experientes e trabalhem com grandes
plantéis de reprodutores manejados de maneira semelhante, essas estações conseguem resultados
positivos em apenas parte dos exemplares selecionados. Considerando-se a revisão apresentada
por Zaniboni Filho e Barbosa (1996), na qual são apresentados dados provenientes de trabalhos
de pesquisa e do setor produtivo, observa-se que das oito espécies brasileiras testadas, os valores
positivos de desova variaram entre 50 e 90% dos peixes selecionados.
No processo de seleção, merece destaque o manejo dos viveiros e o posterior transporte
dos peixes até o laboratório. Essa etapa apresenta enorme importância, conforme discutido no
item “Domesticação”. A reação ao manejo apresentada pelas diferentes espécies de peixes é bastante
distinta, além da história de vida do lote a ser manejado. O manejo inadequado dos reprodutores
pode interferir negativamente no resultado final do tratamento de indução à maturação final e
desova, sem mencionar a possibilidade de perda do reprodutor. Apesar da ausência de informações
sobre os procedimentos recomendados para o manejo de seleção e transporte dos reprodutores
de peixes migradores brasileiros, existem métodos simples que podem ser adotados para reduzir
o estresse durante o manejo, conforme indicação de Harvey e Carolsfeld (1993). São eles: reduzir
a superpopulação de peixes apreendidos na rede, durante a captura; devolver os peixes ao tanque
cuidadosamente, sem nunca jogá-los; sempre molhar as mãos e os equipamentos utilizados no
manejo, para minimizar a retirada de muco e a perda de escamas; cobrir os olhos dos peixes com
um pano úmido, sempre que possível; desenvolver técnicas para segurar os peixes sem maltratá-
los; reduzir o ruído sonoro durante o manejo; utilizar água levemente salgada durante o transporte
dos peixes (1 a 2% de NaCl) e adicionar oxigênio quando o transporte for mais longo ou a
densidade for elevada.
Outro procedimento é a utilização de anestésicos para reduzir a atividade e o metabolismo
dos peixes durante a seleção, transporte, pesagem e biopsia dos reprodutores. Uma lista de produtos
químicos que podem ser utilizados para sedar peixes é apresentada por Kubitza (1999). Apesar
das vantagens da sedação dos peixes, o manejo de seleção de reprodutores em viveiros possibilita
a anestesia através da colocação dos peixes em recipientes que contêm produtos químicos, de
modo que a captura é feita sem o efeito dos anestésicos. A maior parte do estresse causado pelo
manejo de grandes reprodutores utilizados na piscicultura ocorre durante a fase de captura (Harvey
e Carolsfeld, 1993).

3.3. Indução ambiental


A possibilidade de estimular a reprodução dos peixes migradores através da indução
ambiental é viável, visto que esse mecanismo desencadeia todo o processo em condições naturais.
Apesar disso, a complexidade dos mecanismos de controle do desenvolvimento gonadal e do
comportamento reprodutivo dificulta muito a simulação em condições de cativeiro.
Kirschbaum (1984) realizou experimentos em aquários nos quais, através da diminuição
da condutividade, aumento do nível de água e simulação de chuvas, conseguiu induzir a maturação
das gônadas de diferentes espécies de peixes.
14 Zaniboni Filho & Nuñer

Em trutas foi observado que a simples manipulação do fotoperíodo é suficiente para


desencadear, ou mesmo acelerar, a vitelogênese. Por outro lado, em carpas, a influência da
temperatura é mais importante que o comprimento do dia, de modo que a elevação da temperatura
pode acelerar ou mesmo iniciar a vitelogênese (Harvey e Carolsfeld, 1993).
Resultados que comprovem o sucesso na indução ambiental para a maturação final e
desova de peixes migradores brasileiros são muito raros, há apenas o registro de Kossowski et al.
(1986). Esses autores registraram a desova natural de exemplares de Colossoma macropomum
acondicionados em pequenos tanques de 6m2, na proporção de 2 machos para 3 fêmeas ou vice
versa, dois meses antes de observarem a produção de ovos viáveis.

3.4. Indução hormonal


A aplicação das técnicas convencionais de indução hormonal é indicada para peixes
maduros, ou seja, aqueles que se encontram na “fase de dormência”. Nessa fase, conforme descrito
no item “Desenvolvimento Gonadal”, a vitelogênese está completa nos ovócitos, sendo necessária
a indução hormonal para garantir a maturação final e desova: essas etapas consistem basicamente
na migração e posterior desintegração da vesícula germinal, o rompimento do envelope folicular
e a conseqüente liberação dos ovócitos na luz do ovário, seguido pela eliminação dos ovócitos.
Para os machos, a função básica da indução hormonal é o aumento do volume de sêmen, que
está mais associado com uma maior fluidez do sêmen produzido do que com o aumento do
número das células espermáticas.
Apesar dessa orientação básica para a aplicação das técnicas convencionais de indução
hormonal, há indicação de que a repetição de pequenas doses preparatórias, aplicadas em longos
intervalos de tempo, pode estimular o desenvolvimento dos primeiros estádios de maturação
gonadal de peixes migradores. Uma comprovação foi observada com fêmeas de Colossoma
macropomum que não estavam maduras, de acordo com os critérios indicados por Woynarovich
e Horváth (1983) (Woynarovich, 1986).

3.4.1. Tipos de hormônios


A utilização do extrato bruto da hipófise de peixes maduros continua sendo a técnica
mais utilizada para a indução hormonal da maturação final dos peixes migradores brasileiros.
Esse é o procedimento mais antigo utilizado para a indução hormonal da desova de peixes (Houssay,
1930; Ihering, 1935; Ihering e Azevedo, 1936; Ihering, 1937; Menezes, 1945).
A técnica é simples e está baseada na importância da gonadotropina para a regulação da
fase final do processo de maturação gonadal. A concentração máxima de gonadotropina na hipófise
ocorre durante a fase final da vitelogênese e se estende por todo o período de dormência, quando
se processa a coleta da hipófise de peixes doadores para aplicação nos reprodutores. Dessa forma,
o processo atua como um complemento da quantidade de gonadotropina produzida pelo
organismo receptor, substituindo a quantia que deixou de ser processada pela ausência das
condições ambientais favoráveis.
Essa técnica apresenta muitas vantagens, entre as quais destacam-se a praticidade dos
procedimentos, a utilização de equipamentos simples, e o fato de que outros hormônios contidos
na hipófise podem apresentar efeito sinérgico (Donaldson e Hunter, 1983).
Atualmente, essa técnica continua sendo uma ótima opção para os produtores, sendo
utilizadas, principalmente, as hipófises de carpa (EPC - extrato de pituitária de carpa) e de salmão
(EPS). Apesar disso, ela apresenta algumas desvantagens, tais como a variabilidade na quantidade
de gonadotropina presente em hipófises distintas, o que dificulta a padronização da dosagem
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 15

indicada (Harvey e Carolsfeld, 1993); o doador deve apresentar baixo valor de mercado, para
que seja economicamente viável, e ser coletado no período de desova; a presença de hormônios
não gonadotrópicos na hipófise pode inibir o efeito da gonadotropina (Donaldson e Hunter,
1983).
Inicialmente se utilizavam hipófises frescas de peixes para indução, mas em 1939, foi
desenvolvida a técnica de conservação em álcool, tornando seu uso muito mais prático (Ribeiro
e Tabarelli-Neto, 1943). A conservação também pode ser feita em acetona pura. As funções
desses solventes orgânicos são a limpeza externa e a completa desidratação da glândula. Hipófises
de carpa, tratadas com acetona, puderam ser armazenadas com sucesso por dez anos de estocagem
(Donaldson e Hunter, 1983). Foram obtidos resultados positivos na indução a maturação final,
ovulação e/ou espermiação de vários peixes migradores brasileiros com a utilização do extrato
bruto de hipófise (Morais Filho e Schubart, 1955; Silva et al., 1977; Godinho e Godinho, 1986;
Zaniboni Filho e Barbosa, 1996).
Os elevados preços das hipófises de carpa e de salmão, nos mercados nacional e
internacional, estimularam a realização de trabalhos com a hipófise de outros animais, obtendo-
se sucesso na indução à desova de peixes com hipófises de frango, pato e rã (Nwadukwe, 1993;
Amaral Jr., 1995; Yu et al., 1995; Streit Jr., 2002) e de insucesso com o uso de hipófise de coelho
(Streit Jr., 2002) ou da urófise de peixes (Behr et al., 2000).
A gonadotropina parcial ou totalmente purificada de peixes foi obtida em 1970,
possibilitando a utilização de um produto bem mais específico que o extrato hipofisário
(Donaldson e Hunter, 1983). A gonadotropina semipurificada de salmão (SG G100) chegou a
ser produzida comercialmente, sendo um produto padronizado através de bioensaio que permitia
um longo período de estocagem; apesar disso, o preço elevado limitou o seu uso no setor produtivo
(Harvey e Carolsfeld, 1993). O processo de purificação utiliza uma combinação de extração com
cromatografia e, aparentemente, proporciona a perda de gonadotropina durante o processo
(Donaldson e Hunter, 1983), de modo que quantidades equivalentes de extrato hipofisário se
mostram mais potentes que a gonadotropina purificada (Barannikova et al., 1981). No Brasil, há
registro de um único trabalho que obteve sucesso na indução à desova de peixe de piracema
(Piaractus mesopotamicus) com a utilização da SG G100 (Pinto e Castagnolli, 1984). Os demais
trabalhos sempre associaram a aplicação de extrato bruto de hipófise à gonadotropina
semipurificada de salmão.
A gonadotropina purificada de origem humana também foi testada, mostrando-se um
potente indutor da ovulação de várias espécies de peixes, apesar de não estimular todas as espécies.
A HCG (gonadotropina coriônica humana) é produzida naturalmente pela placenta e pode ser
extraída da urina, estando disponível no mercado farmacêutico para usos distintos. A grande
diferença na estrutura molecular da HCG, comparada com a gonadotropina de peixes, tem
exigido a aplicação de elevadas doses para estimular a maturação final de peixes, tornando o
processo economicamente proibitivo (Harvey e Carolsfeld, 1993). Além disso, o uso continuado
da HCG no plantel de reprodutores reduz a performance reprodutiva dos peixes (Donaldson e
Hunter, 1983; Van der Kraak et al., 1989). Há registros de resultados positivos na indução à
desova de peixes migradores brasileiros com o uso exclusivo de HCG (Godinho et al., 1977;
Valencia Ramos et al., 1986).
A utilização dos hormônios liberadores de gonadrotropinas (GnRH) para a indução à
desova de peixes vem sendo utilizada com sucesso desde 1975 (Donaldson e Hunter, 1983).
Esses hormônios são muito semelhantes entre os vertebrados superiores e inferiores, havendo
pequenas alterações na estrutura molecular do decapeptídeo. Por essa razão, o hormônio liberador
16 Zaniboni Filho & Nuñer

de gonadotropina de mamífero e os seus análogos são efetivos para induzir a desova de várias
espécies de peixes. Como se trata de uma molécula pequena e simples, a síntese desse hormônio
foi possível, abrindo possibilidade para alteração da estrutura molecular e a síntese de análogos,
possibilitando a produção de hormônios 50 a 100 vezes mais potentes (Harvey e Carolsfeld,
1993). Apesar da existência de vários análogos no mercado, os mais utilizados para indução à
maturação final de peixes são os análogos dos hormônios liberadores de gonadotropina (GnRH-
a) de mamíferos e de salmão.
Há relativa confusão na literatura sobre a forma de apresentar esses dois análogos.
Passaremos aqui a utilizar a terminologia proposta por Harvey e Carolsfeld (1993), que sugerem
[D-Ala6, Pro9 NEt] LHRH para o de mamífero e [D-Arg6, Pro9 NEt] sGnRH para o análogo de
salmão. Esses dois análogos são nonapeptídeos devido à retirada da glicina presente originalmente
na décima posição. Além disso, há substituição do peptídeo localizado na sexta posição pela
alanina ou pela arginina, ambas na posição dextro, para o análogo de mamífero e de salmão,
respectivamente.
Existem três grandes vantagens dos hormônios liberadores sobre a gonadotropina na
indução a maturação final e desova dos peixes. A primeira é que atuam no início da cadeia
hormonal e estimulam o peixe a sintetizar a sua própria gonadotropina, eliminando assim os
problemas relacionados à utilização de gonadotropina de outras espécies. A segunda é que a
molécula não é altamente espécie-específica. Por último, são estruturas simples e facilmente
fabricadas, apresentam grande estabilidade estrutural, são efetivas com pequenas dosagens de
aplicação e o seu uso é economicamente vantajoso (Harvey e Carolsfeld, 1993).
A comparação dos resultados obtidos com a utilização do [D-Ala6, Pro9 NEt] LHRH e
com o extrato de hipófise, na indução da carpa capim (Ctenopharingodon idella), revelou que a
taxa de mortalidade dos reprodutores é menor quando se utiliza o análogo (Donaldson e Hunter,
1983) e, em Piaractus mesopotamicus, foi verificada semelhança qualitativa e quantitativa na
produção dos gametas, porém, com custo 4,5 vezes menor quando o análogo foi utilizado
(Zaniboni Filho, 1995).
A aplicação de duas doses de GnRH-a tem se mostrado mais efetiva que a quantia
equivalente aplicada em dose única, tanto para estimular a liberação de gonadotropina (Peter,
1980) quanto a ovulação (Carolsfeld et al., 1988a). Os análogos de mamífero e de salmão são
muito efetivos na indução da maturação final dos gametas, espermiação e ovulação de peixes,
sendo impossível destacar algum vantagem no uso de um sobre o outro (Harvey e Carolsfeld,
1993).
Existem vários registros de sucesso na indução à desova de espécies de peixes migradores
brasileiros, com a utilização do GnRH-a de mamíferos ou de salmão (Bernardino e Ferrari, 1987;
Carolsfeld et al., 1988a; Zaniboni Filho e Barbosa, 1996). Apesar disso, não foi possível induzir a
desova do gênero Brycon com esses análogos (Ramos et al., 1997; Pardo-Carrasco, 2001).
O detalhamento dos estudos das formas de GnRH presentes nas diferentes espécies de
peixes tem demonstrado a existência de três tipos, sendo que o padrão de distribuição dos diferentes
tipos tem sido utilizado para elucidar o complexo processo evolutivo das distintas famílias e
gêneros de peixes (Powell et al., 1997). A explicação para a impossibilidade de induzir a maturação
final e desova do gênero Brycon, com GnRH-a de mamífero ou de salmão pode estar relacionada
com os tipos de GnRH presentes nas espécies desse gênero.
Em alguns ciprinídeos, foi observado que o GnRH-a possibilitou apenas a maturação
final dos ovócitos, sem garantir a ovulação (Billard et al., 1984), tendo sido verificado que a
dopamina inibia a liberação da gonadotropina e que a associação de antagonistas da dopamina
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 17

com o GnRH-a solucionava a problema (Chang e Peter, 1983), já que a dopamina atua como
um fator de inibição da liberação de gonadotropina (GRIF). A injeção de GnRH-a juntamente
com antagonistas da dopamina é conhecida como método LINPE, em homenagem aos
pesquisadores Lin e Peter, que iniciaram estes estudos (Harvey e Carolsfeld, 1993). Existem
distintas substâncias que atuam como supressores da dopamina, tais como: pimozide, domperidone
e metoclorpramida.
Há no mercado um produto que associa GnRH-a com domperidone, o Ovaprim-C®,
produzido pelo Laboratório Syndel, do Canadá. A vantagem no uso do método LINPE foi
largamente comprovada para ciprinídeos, mas falta informação sobre sua aplicabilidade para
outros peixes. Há indicação de que os inibidores de dopamina não apresentam importância no
tratamento de indução hormonal de Piaractus mesopotamicus (Harvey e Carolsfeld, 1993). Por
outro lado, o sucesso na indução à desova de Brycon cephalus foi possível quando o GnRH-a foi
aplicado juntamente com metoclorpramida, ou ainda quando Ovaprim-C® foi aplicado em dobro
da dose recomendada pelo fabricante (1 mL kg-1) (Ramos, 2000). O autor observou, ainda, que
nem todos os bloqueadores do GRIF são efetivos para essa espécie.
Um outro análogo do GnRH, a busserelina, vem sendo utilizado com sucesso para a
indução de peixes. Trata-se, igualmente, de um nonapeptídeo, porém apresenta a serina inserida
na posição dextro em substituição ao sexto peptídeo. O produto comercial utilizado é o
Conceptal®, produzido pelo Laboratório Hoechst. Esse hormônio foi utilizado com sucesso na
indução a maturação final e desova de peixes migradores brasileiros (Bernardino e Ferrari, 1987;
Méndez e Rodriguez, 1989), porém, parece ser menos efetivo que os análogos de salmão e de
mamífero, exigindo a aplicação de uma maior quantidade de hormônio para estimular a maturação
final e a desova (Curry e Tsukamoto, 1988).

3.4.2. Métodos de administração


Os hormônios utilizados para a indução à reprodução de peixes são hidrossolúveis, o
que facilita a administração da dosagem necessária através de uma solução aquosa. Geralmente,
a diluição é feita em água ou em solução salina (0,6% NaCl). Ao longo da evolução da técnica de
indução hormonal, foram utilizadas outras soluções como veículo dos hormônios gonadotrópicos,
tais como extrato glicerinado e óleo de amendoim. Os resultados finais da indução, via de regra,
são semelhantes com o uso dos diferentes solventes. A aplicação da solução é tradicionalmente
feita via intramuscular ou intraperitonial. Há registros de sucesso na administração de hormônio
gonadotrópico via oral (Sukumasavin et al., 1992), porém, apesar de promissor, esse procedimento
ainda não é utilizado pelo setor produtivo.
A aplicação desses hormônios através de solução aquosa permite que eles atinjam a
circulação do peixe em minutos, quando são metabolizados e excretados (Harvey e Carolsfeld,
1993). Há possibilidade de diluir os hormônios gonadotrópicos em substâncias que são mais
lentamente absorvidas pelo organismo, garantindo que a assimilação desses hormônios ocorra
gradativamente, ao longo de dias ou semanas. São utilizadas substâncias orgânicas de grande
peso molecular para garantir essa assimilação lenta, tais como: colesterol, celulose ou uma mistura
de colesterol e celulose. A mistura do hormônio com essa substância produz um pellet que pode
ser aplicado intramuscular ou intraperitonialmente. O procedimento para fabricação do pellet
está detalhado em Lee et al. (1986).
Vários resultados positivos de indução à desova de peixes migradores têm sido registrados
com o uso dessa técnica (Carolsfeld et al, 1988b; Crim et al., 1988), porém, não há testes com
peixes brasileiros de água doce. Na Colômbia, um dos maiores produtores de alevinos utiliza
18 Zaniboni Filho & Nuñer

exclusivamente a aplicação de pellets contendo GnRH-a para induzir a desova de Piaractus


brachypomus. A variação na velocidade de assimilação do hormônio tem sido regulada através da
relação entre o volume do pellet e a área de contato deste. Os pellets mais finos são absorvidos
mais rapidamente. Outra possibilidade é recobrir o pellet com silicone ou com polietileno
perfurado, de modo que a porosidade da cobertura possa regular a velocidade de assimilação do
pellet.
A quantidade de hormônio necessária para induzir a maturação final e a desova de
peixes através de implantes é maior que aquela necessária com o uso de injeções (Harvey e
Carolsfeld, 1993).

3.4.3. Dosagens recomendadas


A quantidade de hormônio gonadotrópico necessária para induzir a maturação final e
desova dos peixes depende do grau de maturação dos reprodutores, da espécie e do método
escolhido para fazer a aplicação. Dessa forma, a dosagem ideal recomendada para induzir diferentes
espécies pode ser bastante distinta. Quando o hormônio utilizado é proveniente do extrato de
hipófise, há ainda a variação da quantidade de gonadotropina presente na hipófise no momento
da sua coleta, acrescida da interferência que o processo de conservação pode oferecer na degradação
do hormônio. Essa variação pode ser observada nos diversos protocolos indicados para peixes
brasileiros. Para exemplificar, verificamos que a dosagem de extrato de hipófise necessária para
induzir fêmeas de Salminus maxillosus é de 25 mg de EPS/kg (extrato de hipófise de salmão)
(Pinto e Guglielmoni, 1986) ou de 5,5 mg de EPC/kg (extrato de hipófise de carpa) (Zaniboni
Filho e Barbosa, 1996).
Há inúmeras variações nos métodos para administração de hormônio em peixes,
porém as fêmeas geralmente requerem maiores doses de hormônio que os machos, sendo que
doses parceladas produzem resultados melhores que uma única dose (Woynarovich e Horváth,
1983). O método típico para indução de peixes de água doce utiliza duas aplicações nas
fêmeas: uma pequena dose para estimular a migração da vesícula germinal e 12 horas depois
uma dose grande para induzir a quebra da vesícula germinal, ovulação e desova (Woynarovich
e Horváth, 1983). Os machos recebem geralmente uma única dose, no momento em que
as fêmeas recebem a segunda aplicação. No Brasil, o procedimento usual utiliza
hipófises de carpa desidratadas em acetona na dosagem de 5 a 6 mg de EPC por quilo
de fêmea, enquanto os machos recebem entre 2 e 3 mg de EPC/kg (Harvey e Carolsfeld,
1993).
A dosagem dos análogos de GnRH recomendada para indução à desova de peixes é
igualmente variável, tendo sido efetiva entre 1 e 100 µg kg-1, embora o setor produtivo utilize
valores entre 5 e 20 µg kg-1 (Harvey e Carolsfeld, 1993).
A aplicação de uma dosagem prévia de hormônio (0,25 mg de EPC/kg), antes de iniciar
o tratamento convencional de indução hormonal com EPC ou com os análogos de GnRH,
possibilita maior produção qualitativa e quantitativa dos gametas (Zaniboni Filho e Barbosa,
1996). Foi comprovado que a aplicação de pequenas doses preparatórias aplicadas em longos
intervalos de tempo estimula o desenvolvimento dos primeiros estádios de maturação gonadal
(Woynarovich, 1986). Essa capacidade das pequenas doses de estimular o desenvolvimento gonadal
pode estar auxiliando a reduzir as diferenças individuais do estádio de maturação gonadal no
momento da seleção, possibilitando uma maior homogeneidade no lote. Além disso, pode
estimular os receptores hormonais, ampliando os efeitos das aplicações subseqüentes. Uma
avaliação do efeito da dose prévia sobre o tratamento convencional com EPC ou com GnRH-a,
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 19

em Colossoma macropomum, revelou que a simples aplicação da dose prévia possibilitou um


incremento superior a 80% sobre o número de larvas produzidas (Zaniboni Filho e Barbosa,
1996).

3.5. Desova semi-natural


Várias espécies de peixes submetidas ao tratamento de indução hormonal iniciam a
liberação dos óvulos na presença de machos, após a ovulação (Woynarovich e Horváth, 1983).
Nesse caso, os óvulos são fertilizados pelos machos dentro do tanque sem a interferência do
produtor. A utilização de uma nomenclatura para caracterizar essa modalidade de desova tem
sido variada, sendo chamada de “desova induzida” ou “desova induzida por hormônios”
(Woynarovich e Horváth,1983) ou ainda, “desova semi-natural” (Landinez-Parra, 1995).
Considerando que o processo de indução à maturação final das gônadas foi induzido por
hormônios (reprodução induzida) e que a desova ocorreu naturalmente no tanque (desova natural),
o termo recomendado deveria ser “reprodução induzida com desova natural” ou ainda, “desova
semi-natural”.
A comparação dos resultados obtidos através da desova semi-natural com aqueles da
desova por extrusão, em Leporinus macrocephalus, revelou uma maior taxa de sobrevivência dos
reprodutores e maior taxa de fertilização dos ovos quando a desova é semi-natural (Reynalte et
al., no prelo).
A desvantagem da desova semi-natural está relacionada com a necessidade de retirada
dos ovos do tanque para transferência às incubadoras. Esse manejo prejudica a evolução dos
embriões e aumenta a possibilidade de infecção dos ovos por fungos, reduzindo assim, a taxa de
sobrevivência dos ovos e a qualidade das larvas (Bermudez et al., 1979).

3.6. Desova por extrusão


Algumas espécies de peixes, quando em condições de cativeiro, não liberam os óvulos
espontaneamente após a ovulação, sendo necessária a retirada dos gametas por extrusão
(Woynarovich e Horváth, 1983). Essa é a técnica mais utilizada no Brasil, apresentando bons
resultados para diferentes espécies de peixes (Zaniboni Filho e Barbosa, 1996; Sato, 1999), além
da vantagem de reduzir a mão-de-obra operacional e permitir um maior controle da produção.
Outras vantagens da desova por extrusão são destacadas por Harvey e Carolsfeld (1993): dispensa
a necessidade de tanques especiais para a desova, facilita o manejo dos ovos fertilizados, permite
o manejo dos gametas para fins de melhoramento genético, utiliza mais eficientemente o sêmen
quando este é escasso (através de diluição ou de preservação) e permite o cruzamento entre
espécies e entre gêneros diferentes.
A técnica de desova por extrusão consiste na retirada das fêmeas imediatamente após a
ovulação, quando os óvulos estão soltos na luz do ovário, e através de pressão abdominal induzir
a saída dos óvulos pela papila genital. O mesmo procedimento é utilizado para a retirada do
sêmen, sendo ambos os gametas recolhidos em recipientes para posterior mistura. É necessário
determinar o momento exato da ovulação das fêmeas para garantir a obtenção de gametas de boa
qualidade (Bromage et al., 1994). A retirada dos óvulos antes ou depois de determinado tempo
da ovulação pode comprometer a qualidade das larvas e proporcionar baixas taxas de fertilização
(Hirose et al., 1977; Springate et al., 1984). Como vimos anteriormente, a qualidade dos óvulos
de peixes migradores brasileiros é comprometida rapidamente após a ovulação, de forma que
aproximadamente metade dos óvulos de Prochilodus sp. se torna excessivamente madura decorridos
entre 20 e 30 minutos da ovulação (Woynarovich e Horváth, 1983).
20 Zaniboni Filho & Nuñer

O tempo necessário para que ocorra a ovulação após o tratamento de indução hormonal
varia de acordo com a espécie, com a temperatura da água e o tipo de hormônio utilizado.
A indução à reprodução com análogos de GnRH retarda a ovulação em aproximadamente
40% do tempo, quando comparada aos resultados obtidos com EPC. Dentre os
peixes migradores brasileiros, os dos gêneros Brycon e Salminus apresentam a ovulação
antecipada em cerca de 25 a 50% do tempo necessário para a ovulação das demais espécies de
peixes.
A temperatura afeta diretamente o processo de maturação final, havendo uma redução
do tempo com a elevação da temperatura. Para facilitar a determinação exata do momento da
ovulação, os produtores utilizam a unidade que considera o tempo e a temperatura, chamada
“hora-grau” ou “grau-hora”. Consiste na multiplicação do tempo (em horas) necessário para
ocorrer a ovulação, a partir da aplicação da dose decisiva de hormônio, pelo valor médio da
temperatura da água no período. Dados históricos dos valores de “hora-grau” para a ovulação de
diferentes espécies, tratadas com determinado tipo de hormônio, são muito precisos para indicar
o momento exato da ovulação, sendo bastante utilizados pelo setor produtivo para definir o
tempo certo para a extrusão dos gametas.

3.6.1. Fertilização a seco


As células espermáticas permanecem imóveis no testículo dos peixes devido à elevada
concentração de potássio, de forma que, imediatamente após entrarem em contato com a água,
o potássio é diluído e as células são ativadas.
A motilidade do sêmen varia entre as diferentes espécies de peixes, porém geralmente
é inferior a um minuto (Harvey e Carolsfeld, 1993). De modo semelhante, os óvulos
de diferentes espécies são ativados pelo contato com a água, devendo ser fertilizados
imediatamente. Considerando as características fisiológicas dos gametas, a fertilização a
seco é o melhor método: óvulos e espermatozóides são retirados dos peixes sem contato
com a água, misturados e somente depois adicionados a água. Os reprodutores devem
ser enxugados com toalha antes de iniciar a retirada dos gametas (Woynarovich e Horváth,
1983).
O procedimento de fertilização a seco possibilita a vantagem de ampliar o tempo para o
manejo dos gametas, permitindo a separação e a quantificação da desova nas porções a serem
estocadas em distintas incubadoras, além de aumentar a taxa de fertilização.
Após a mistura dos óvulos com o sêmen, procede-se à inclusão de água para ativação dos
gametas. A quantidade a ser adicionada, porém, precisa ser bem dimensionada: a inclusão de
muita água causa a diluição do sêmen e a diminuição da possibilidade de que encontrem a
micrópila para a fertilização, da mesma forma que uma quantidade insuficiente pode causar a
obstrução da micrópila pelo muco do ovário ou pelo contato de outro óvulo (Woynarovich e
Horváth, 1983).
O uso de água do tanque para ativar os gametas quase sempre produz boas taxas de
fertilização, porém existem soluções que ampliam o tempo de vida das células espermáticas,
semelhante à solução fertilizante de carbamida utilizada para o sêmen de carpa comum
(Woynarovich e Horváth, 1983). Essas soluções são específicas e o seu efeito deve ser testado
sobre o sêmen de diferentes espécies. A utilização de bicarbonato de sódio 1% ou cloreto de
sódio 0,9%, como solução fertilizante, pode apresentar melhores resultados de fertilização em
determinadas espécies que a água, porém pode manter as células espermáticas inativas em
outras.
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 21

3.7. Conservação dos gametas


Os gametas masculinos e femininos produzidos pela técnica da hipofisação devem ser
prontamente utilizados, uma vez que apresentam redução em sua viabilidade logo após a extrusão,
sendo este um processo contínuo ao longo do tempo e de maior rapidez nos óvulos.
Nesse sentido, procedimentos que permitam o prolongamento da vida útil dos gametas
têm sido implementados com sucesso, ainda que não sejam adequados a todas as situações.
Dentre eles destacam-se o resfriamento e o congelamento de gametas, ainda que outras técnicas,
como a conservação de ovos no fluido celômico (Jensen e Alderdice, 1984) ou em meio artificial
(Goetz e Coffman, 2000), estejam sendo desenvolvidas, principalmente para salmonídeos.

3.7.1. Resfriamento
O resfriamento consiste na manutenção do sêmen e dos ovócitos em temperaturas baixas,
acima do ponto de congelamento, o que reduz a atividade metabólica dos gametas e evita a
ativação espontânea dos ovócitos, prolongando a sua viabilidade no meio externo.
De modo geral, o resfriamento tem sido utilizado como uma estratégia de conservação
de tempo limitado. Os gametas que serão utilizados para a reprodução são submetidos a baixas
temperaturas por um breve período de tempo, como forma de conservá-los durante o processo
de extrusão de diferentes reprodutores, durante o transporte em curtas distâncias, ou ainda para
que os gametas mantenham a sua viabilidade quando houver a necessidade de sincronizar a
obtenção de gametas dos diferentes sexos. Para tanto, o sêmen é estocado na temperatura
recomendada, com ou sem diluição e recebendo ou não a adição de soluções-tampão, cujo objetivo
principal é inibir a ativação da motilidade. Os melhores resultados são obtidos quando o sêmen,
e não os ovócitos, é resfriado. Nesse sentido, muitos estudos foram conduzidos com diversas
espécies não nativas, com bons resultados quando o resfriamento é mantido em torno de 4oC por
períodos de tempo que variam de algumas horas a alguns dias.
Em Cyprinus carpio, o efeito do resfriamento do sêmen exposto a diferentes temperaturas
e diferentes soluções-tampão não foi uniforme. Em um experimento, foram registradas taxas
variáveis de motilidade do sêmen, entre as amostras expostas a uma temperatura de 5oC, por 20
horas. A partir de então, a motilidade em todas as soluções decresceu continuamente, sendo que,
após 84 horas, o sêmen sem diluição apresentou motilidade de aproximadamente 35%, superior
à dos demais tratamentos. Na temperatura de 2oC, a motilidade reduziu-se acentuadamente em
todas as soluções-tampão a partir das 20 horas, atingindo valores praticamente nulos com 84
horas (Ravinder et al., 1997). Em Latris lineata, a motilidade do sêmen fresco, armazenado sem
diluição, a 5oC, foi mantida por dois dias, apresentando acentuado declínio até o oitavo dia,
quando o sêmen praticamente não apresentava motilidade (Ritar e Campet, 2000).
Para as espécies nativas brasileiras, existem alguns estudos, com espécies migradoras,
que apresentaram diferentes tipos de resultados. A queda gradual na viabilidade do sêmen ao
longo do tempo, entre indivíduos da mesma espécie, entre as diferentes espécies e entre os diferentes
intervalos de tempo, foi registrada para Brycon lundii, Piaractus mesopotamicus, Prochilodus lineatus,
P. marggravii, Leporinus reinhardti e Leporinus elongatus, em amostras mantidas em ambiente
resfriado com gelo (Marques e Godinho, 2001). Nesse estudo, a taxa de motilidade espermática
mínima, considerada de 30%, foi registrada após 7 horas de resfriamento em L. elongatus e após
25-29 horas em P. mesopotamicus. Em Leporinus obtusidens, as melhores taxas de motilidade e o
maior tempo de duração de motilidade do sêmen, resfriado em temperatura de 4oC, foram obtidas
utilizando-se uma diluição à base de BTS 5%+KCl 0,16%+DMSO 10% (Murgas et al., 2002).
22 Zaniboni Filho & Nuñer

No entanto, em todos os tratamentos, a motilidade sempre apresentou taxa inversamente


proporcional ao tempo de resfriamento. Para Brycon orbignyanus, observou-se que o resfriamento
do sêmen em temperatura de 4oC manteve inalterada a viabilidade do sêmen até o terceiro dia,
passando a apresentar redução a partir do sexto dia (Miliorini et al., 2002).
Com relação ao efeito do resfriamento sobre a conservação dos ovócitos dos peixes,
alguns estudos foram realizados, mas entre eles não figuram espécies nativas brasileiras.
A viabilidade dos ovócitos dos ciprinídeos é instável durante a conservação em curto
prazo (Withler, 1980; Billard, 1988; Lahnsteiner et al., 2001). Uma acentuada redução da
viabilidade foi registrada em Ctenopharyngodon idella e em Cyprinus carpio, quando se compararam
as taxas de fertilização dos ovócitos frescos com os refrigerados, ambos mantidos com o fluido
ovariano, por um período de 4 horas em temperatura de 4oC. Essa redução foi superior a 95%
em C. idella, e ao redor de 70%, em C. carpio (Lahnsteiner et al., 2001). Por outro lado, nos
salmonídeos, a viabilidade dos ovócitos é mantida constante por até um mês, quando o fluido
ovariano é drenado e os ovócitos são armazenados secos, em uma solução artificial salina, mantida
a uma temperatura de 0-3oC (Rosenberg, 1983; Munkittrick et al., 1992).
Deste modo, verifica-se que o resfriamento, tanto para sêmen quanto para ovócitos, é
uma alternativa viável para a conservação de curto prazo. Entretanto, o sucesso do procedimento
é variável e dependente da espécie, da utilização de diluidores e/ou ativadores específicos, e dos
estudos que devem ser desenvolvidos especificamente para cada espécie.

3.7.2. Congelamento
A manutenção de reprodutores em cativeiro é, atualmente, a principal estratégia utilizada
para a obtenção de gametas viáveis e de boa qualidade, que fazem parte do conjunto de requisitos
que irão garantir o sucesso da reprodução destas espécies. Os reprodutores formam um estoque
com potencial para a produção constante de futuros gametas. No entanto, a infra-estrutura, o
manejo, e o custo, associados à manutenção de reprodutores em cativeiro são significativos, uma
vez que os reprodutores necessitam, por exemplo, de instalações adequadas e de alimentação de
excelente qualidade, o que eleva o custo total do processo de reprodução.
Em função desses aspectos, a criopreservação de gametas, ou seja, a preservação de gametas
em temperaturas negativas, bem abaixo do ponto de congelamento, vem sendo implementada,
utilizando-se principalmente o sêmen de várias espécies de peixes como estratégia para reduzir o
tamanho plantel e otimizar o processo reprodutivo.
Para as espécies em que reprodutores selvagens ainda são utilizados para cultivo, como é
o caso de boa parte dos peixes migradores brasileiros, o sêmen criopreservado pode apresentar
um papel importante na produção de sementes, além também ser alternativa quando há assincronia
na maturação dos sexos das espécies; no processo de melhoria do vigor de um plantel de
reprodutores, através da introdução de genoma selvagem e na implementação de técnicas de
cruzamento (Ponniah, 1998). No entanto, a criopreservação precisa ainda ser aprimorada, no
sentido de desenvolver uma técnica viável que permita o congelamento de ovos e embriões.
Do ponto de vista ambiental, a criopreservação apresenta grande importância, uma vez
que é possível, através dela, conservar os recursos genéticos. A conservação desse patrimônio
poderá ser vital para a manutenção futura dos ecossistemas naturais e como fonte potencial para
a formação de ecossistemas artificiais, tais como os ambientes aquáticos de cultivo.
Na criopreservação, os gametas são resfriados a temperaturas inferiores a 0oC, o que faz
com que haja a formação de gelo no seu exterior. Como a temperatura diminui continuamente
até o ponto de congelamento ideal, os gametas perdem água durante o processo. Se o congelamento
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 23

ocorresse lentamente, as células poderiam perder uma quantidade de água suficiente para que
não ocorresse congelamento interno, mas normalmente a desidratação da célula é inadequada
para evitar a formação de gelo em seu interior. Esse tipo gelo e os danos nas membranas, causados
pelo aumento da concentração de sal do lado externo da célula durante o processo de desidratação,
são os dois danos fatais que o sêmen criopreservado pode sofrer. Tais danos podem ser reduzidos
ou evitados através da utilização de crioprotetores (Harvey e Carolsfeld, 1993), que se dividem
em intracelulares e extracelulares. Os crioprotetores intracelulares mais comuns são o dimetil-
sulfóxido (DMSO), o glicerol e o metanol, e o crioprotetor extracelular mais comum é a gema de
ovo. Os crioprotetores são misturados ao sêmen através da adição de um diluente, sendo muito
freqüente a utilização da solução 5% de glicose-água destilada para esse fim (Harvey e Carolsfeld,
1993).
Protegido pelos crioprotetores, o sêmen pode ser congelado em gelo seco, a uma
temperatura de -79oC, ou em nitrogênio líquido, a -196oC. As células se mantêm bem preservadas
em gelo seco, porém, para uma estocagem de longo prazo, o nitrogênio líquido é a melhor opção
de armazenamento. Como a -196oC não ocorrem processos químicos ou biológicos, o tempo de
estocagem é, teoricamente, ilimitado.
Além dos cuidados e dificuldades inerentes ao processo de congelamento, igualmente
importante é a etapa de descongelamento, uma vez que as células podem morrer se forem
descongeladas muito rapidamente ou muito lentamente. Outra etapa importante é a ativação do
sêmen, uma vez que, de modo geral, a água não é o melhor ativador do sêmen descongelado,
sendo que os dois ativadores mais usados são o NaCl (0,45%) e o NaHCO3 (1%).
Assim, verifica-se a existência de várias etapas que devem ser cuidadosamente seguidas
para que a criopreservação seja bem sucedida, o que exige a adequação dos protocolos de
congelamento do sêmen para cada espécie de peixe. Vários estudos foram conduzidos em diferentes
espécies de peixes (Chambeyron e Zohar, 1990; Babiak, et al., 1995; Glogowski, et al., 1997;
Warnecke e Pluta, 2003), alguns utilizando espécies de peixes migradores brasileiros.
Um dos primeiros estudos de criopreservação de sêmen em espécies nativas avaliaram a
criopreservação do sêmen do pacu, Piaractus mesopotamicus, submetido à hipofisação (Fogli da
Silveira et al. 1990, Carolsfeld et al., 1990). A principal conclusão desses trabalhos foi a
identificação da possibilidade de utilização do sêmen criopreservado após o descongelamento.
De modo geral, para as espécies de peixes migradores estudadas, verificou-se que foram
encontrados bons resultados com soluções crioprotetoras contendo DMSO, gema de ovo, glicose
e água destilada. Esse tipo de solução, com pequenas variações em suas concentrações, foi utilizada
com sucesso variável nos estudos experimentais desenvolvidos com o sêmen de Prochilodus lineatus
(Silva, 2000), Salminus maxillosus (Veríssimo et al., 2001) e Brycon cephalus (Silveira et al., 2001).
Para Brycon orbignyanus, entretanto, melhores resultados foram obtidos com a utilização da água
de coco, em substituição à glicose. Para Pseudoplatystoma sp., os melhores resultados foram obtidos
com uma solução à base de metanol, glicose e leite em pó, diluídos em água destilada (Carolsfeld
e Harvey, 1999).
Os diferentes graus de sucesso obtidos na utilização do sêmen criopreservado das espécies
migradoras brasileiras indicam a necessidade de refinamento do protocolo para a determinação
precisa dos procedimentos a serem utilizados.
Com relação a ovos e embriões, os recentes avanços na seleção genética dos teleósteos e
o crescente interesse em programas de preservação da biodiversidade têm estimulado o
desenvolvimento de métodos para a sua criopreservação, mas até o momento os resultados são
contraditórios e desencorajadores (Chao e Chiu Liao, 2001). Como os ovos e embriões dos
24 Zaniboni Filho & Nuñer

peixes são estruturas espessas, que contêm uma grande quantidade de vitelo (recoberta por uma
camada espessa, o córion), ainda não foi possível obter sucesso na uniformidade de penetração
dos crioprotetores convencionais (Chao e Chiu Liao, 2001).
Sendo assim, a criopreservação de blastômeros isolados (Harvey, 1983) poderá ser uma
alternativa válida e interessante, embora protocolos de congelamento que assegurem altas taxas de
sobrevivência após o descongelamento ainda não tenham sido definidos para aplicações de rotina.
Os efeitos da toxicidade e da concentração do DMSO, do estágio de desenvolvimento
embrionário e da taxa de resfriamento na criopreservação, influíram significativamente na
sobrevivência dos blastômeros isolados de três espécies de peixes, representantes dos ambientes
marinho (Sillago japonica), estuarino (Odontesthes bonariensis) e de água doce (Oryzias latipes),
tendo sido registradas maiores taxas de sucesso com a utilização de blastômeros mais velhos, com
resfriamento lento e com concentração de 9-18% de DMSO (Strüssmann et al., 1999).
De acordo com esses resultados, verifica-se que ainda serão necessários mais estudos
para que a técnica da criopreservação possa ser utilizada para a conservação de ovos e embriões de
peixes.

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