Reproducao de Peixes Migradores de Agua Doce Do Brasil. Zaniboni Filho e Nuner.2004
Reproducao de Peixes Migradores de Agua Doce Do Brasil. Zaniboni Filho e Nuner.2004
Reproducao de Peixes Migradores de Agua Doce Do Brasil. Zaniboni Filho e Nuner.2004
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um ajuste temporal que garanta que a desova ocorra no melhor local e no momento exato,
quando as condições ambientais se apresentarem as mais favoráveis para a sobrevivência dos
descendentes. Dessa forma, a sincronia entre os processos fisiológicos de maturação gonadal com
as condições ambientais faz-se extremamente necessária.
Uma série de mecanismos de ajuste está envolvida no processo de maturação gonadal e
desova, basicamente através de controles hormonais. No início do desenvolvimento gonadal,
ocorre um aumento no nível de gonadotropina na hipófise e no plasma, servindo provavelmente
para recrutar os ovócitos e iniciar a vitelogênese no período reprodutivo corrente (Zohar, 1989).
Essa elevação da gonadotropina estimula o aumento na concentração de testosterona e estrogênio,
porém esses níveis diminuem rapidamente (Carolsfeld, 1989). Apesar disso, a vitelogênese persiste
mesmo na aparente ausência de elevados níveis de gonadotropina (Peter, 1983). No final da
vitelogênese, o nível de gonadotropina volta a crescer na hipófise e no plasma, assim como a
testosterona e o estrogênio do plasma.
Não existe um padrão de variação da concentração desses hormônios no plasma
sangüíneo, relacionado ao estádio de desenvolvimento gonadal, nas distintas espécies de peixes.
Enquanto em Ciprinídeos o nível de gonadotropina se mantem baixo até o momento que antecede
a ovulação, quando apresenta uma elevação aguda, seguida por uma queda abrupta em um intervalo
de menos de 12 horas (Stacey et al., 1979), em Salmonídeos a elevação da concentração no
plasma pode anteceder a ovulação em cerca de uma semana, apresentando um pico na ovulação
e uma lenta redução após a desova (Zohar, 1989). Apesar disso, a concentração de gonadotropina
na hipófise se mantém elevada durante todo o período reprodutivo, decrescendo após a desova
(Carolsfeld, 1989). Embora a secreção de gonadotropina no plasma possa mostrar um padrão
diário em trutas, com picos diurnos (Zohar, 1989), a significância destes ritmos ainda não é
clara. Aparentemente a sensibilidade das gônadas à secreção da gonadotropina apresenta uma
variação temporal (Peter, 1981).
Independentemente das variações observadas nas distintas espécies de peixes, parece
correto supor que não existe um padrão específico para este complexo mecanismo regulatório e,
dessa forma, os organismos podem estar sintonizados com as variações ambientais e fisiológicas,
garantindo que o sucesso reprodutivo seja atingido mesmo com as variações das condições
intrínsecas e externas.
de maturação, de modo que a gônada pode ser mais ou menos receptiva à gonadotropina, cujo
efeito também varia ao longo do desenvolvimento gonadal, atuando na produção de esteróides
distintos (Figura 1). A sensibilidade da gônada a esses esteróides também se altera ao longo do
processo (Harvey e Carolsfeld, 1993).
Figura 1 - Produção de hormônios e sua atuação nas diferentes estruturas reprodutivas de peixes migradores
brasileiros. O símbolo indica o local de atuação do hormônio ou do estímulo; indica a produção
de hormônio; indica a desova
peixe, dando origem aos folículos que apresentam basofilia citoplasmática. Semelhante à
ovogênese, os mecanismos de regulação do crescimento primário dos ovócitos ainda são pouco
compreendidos, de modo que não existem técnicas para indução artificial deste processo (Harvey
e Carolsfeld, 1993).
Numa determinada época do ano, em resposta a estímulos ambientais, a corrente
sanguínea recebe descargas periódicas de gonadotropina, que induzem o início da vitelogênese.
A duração da vitelogênese pode ser reduzida artificialmente, através da aplicação de pequenas
injeções de hormônio de crescimento, ou por intermédio de implantes que possibilitam a liberação
lenta e prolongada de hormônio liberador da gonadotropina (GnRH) e testosterona (Harvey e
Carolsfeld, 1993).
Depois de concluída a vitelogênese, a atividade ovariana se torna mais reduzida e
permanece em sintonia com a adequação das condições ambientais, garantindo assim que a
liberação dos ovócitos coincida com o período em que as características ambientais estejam mais
adequadas, para propiciar a máxima sobrevivência da prole. Essa fase é conhecida como “período
de dormência” e sua duração varia de uma espécie para outra, sendo observado, para peixes
brasileiros, um período que se estende desde poucas semanas até alguns meses (Figura 2).
a) b)
(= Prochilodus scrofa) (Romagosa et al., 1982), Piaractus mesopotamicus (Romagosa et al., 1988)
e Leporinus reinhardti (Miranda et al., 1999).
Durante o “período de dormência”, quando as condições ambientais são propícias, tem
início a etapa final de maturação gonadal. A fase final de maturação dos ovócitos é caracterizada
pela migração da vesícula germinal (núcleo) para a periferia celular e a sua posterior desintegração,
quando os ovócitos estão prontos para serem eliminados do envelope folicular (Vazzoler, 1996).
A liberação dos ovócitos para a luz do ovário ocorre através do seguinte processo: uma pequena
hidratação dos ovócitos promove neles um aumento de volume, cuja conseqüência é o rompimento
do envelope folicular. Essa fase é conhecida como ovulação. Após o rompimento da ligação com
as células foliculares, os ovócitos deixam também de manter uma ligação com a corrente sanguínea,
que lhes proporcionou suprimento alimentar e possibilitou as trocas gasosas. As reservas alimentares
do ovócito garantem a sua sobrevivência até o início da alimentação exógena, que ocorre dias
depois da ovulação, porém, as trocas gasosas que passam a ocorrer por difusão direta definem um
curto tempo para a eliminação de ovócitos viáveis.
Trabalhos com peixes migradores sul-americanos têm revelado que a fertilidade dos
ovócitos diminui rapidamente após a ovulação, havendo correspondente aumento das
anormalidades larvais. A taxa de fertilização em Prochilodus marggravii foi inferior a 30%, após
90 minutos da ovulação, e menor que 10%, após 120 minutos (Rizzo et al., 1999). A viabilidade
inicial dos ovócitos de Brycon siebenthalae foi reduzida à metade após 120 minutos da ovulação,
sendo verificado um gradativo aumento no diâmetro dos ovócitos (Velasco-Santamaria et al., no
prelo). Outras espécies de peixes podem apresentar reduções drásticas da fertilidade dos ovócitos
depois de 5 a 10 minutos da ovulação. Por outro lado, algumas espécies de salmonídeos retêm os
ovócitos ovulados para liberação de gametas viáveis até uma semana depois (Harvey e Carolsfeld,
1993).
3.1.1. Estocagem
A densidade de estocagem dos tanques de cultivo sabidamente afeta o desempenho dos
peixes, estando relacionada principalmente com a qualidade da água e com a disponibilidade do
alimento. Durante a fase de desenvolvimento gonadal, os peixes, via de regra, tornam-se mais
sensíveis em relação à qualidade da água, o que exige uma maior atenção do produtor.
Apesar da maior parte dos peixes cultivados tolerarem condições de superpopulação, os
seus efeitos sobre o desenvolvimento das gônadas são quase sempre danosos (Woynarovich e
Horváth, 1983). Esses autores, com base na experiência do setor produtivo com espécies exóticas,
recomendaram a manutenção de reprodutores maduros em uma biomassa entre 150 e 250 kg
em cada 1000 m2. Com relação às espécies brasileiras, há uma enorme deficiência de informações
sobre esse aspecto. Apesar disso, o setor produtivo tem realizado a preparação de plantéis de
8 Zaniboni Filho & Nuñer
reprodutores para desovas anuais de distintas espécies. A estratégia básica utilizada, via de
regra, é a de reduzir ao máximo a densidade de cultivo, garantindo a preparação gonadal dos
peixes.
Outros fatores associados à densidade têm demonstrado sua importância no tocante
ao desenvolvimento gonadal. Por exemplo, peixes que fazem a desova em ninhos e apresentam
comportamento territorialista no período reprodutivo tendem a inibir o comportamento de
disputa pelos territórios quando se encontram em densidades elevadas. Por outro lado,
experimentos com peixes que formam cardumes durante a fase de maturação gonadal e desova
demonstram que a redução da biomassa de cultivo pode interferir negativamente na preparação
das gônadas. A manutenção de reprodutores de Piaractus mesopotamicus pesando entre 2 e 3 kg
e estocados em duas densidades - 1 ou 2 peixes/m2 - ao longo de todo o período de maturação
gonadal, posteriormente submetidos aos protocolos convencionais de indução hormonal para
indução à desova, demonstraram que os peixes estocados em maior densidade produziram maior
quantidade de ovos, ou seja, apresentaram maior fecundidade (Romagosa et al., 1994).
3.1.2. Alimentação
A alimentação adequada é de primordial importância para os peixes reprodutores
(Woynarovich e Horváth, 1983), de modo que a limitação na qualidade ou quantidade do alimento
pode induzir à reabsorção de ovócitos vitelogênicos, resultando num menor número de ovócitos
maduros, ou pode ainda atuar numa fase anterior, impedindo o início da vitelogênese (Harvey e
Carolsfeld, 1993).
Através do conhecimento adquirido com peixes de clima temperado, temos a informação
de que os reprodutores cultivados com alimentação natural abundante ou com dieta artificial
rica em proteínas fornecem resultados satisfatórios, proporcionando a formação adequada dos
gametas. Woynarovich e Horváth (1983) sugerem que uma dieta especial deva ser elaborada
durante a fase de vitelogênese, particularmente rica em aminoácidos, vitaminas e minerais; caso
contrário, o desenvolvimento dos óvulos é afetado, resultando no fracasso da ovulação. Como
discutido anteriormente, os produtores brasileiros, baseados nesses conhecimentos, garantiram a
preparação dos plantéis de reprodutores de peixes nativos com uma dieta rica em proteínas,
fornecida em quantidade abundante durante os meses que antecederam a desova.
Através de estudos de biologia de peixes brasileiros no ambiente natural, foi observado
que, ao contrário do registrado para as principais espécies de clima temperado utilizadas na
piscicultura, várias espécies migradoras apresentam grandes depósitos de gordura intramuscular
e intraperitonial quando se inicia o desenvolvimento gonadal (Ribeiro, 1983; Zaniboni Filho,
1985). A presença desses depósitos lipídicos permite que a fase de vitelogênese, no ambiente
natural, coincida com uma fase de restrição na disponibilidade alimentar de várias espécies.
Dessa forma, observa-se uma redução natural na ingestão de alimentos durante a fase de maturação
gonadal, sendo gradativamente utilizada a energia armazenada, o que praticamente extingue os
depósitos lipídicos, liberando espaço para que a cavidade abdominal passe a ser ocupada por
gônadas bastante desenvolvidas (Zaniboni-Filho, 1985; Arias-Castellanos, 1995; Lima e Goulding,
1998).
Nas condições de cativeiro, mesmo as espécies que apresentam redução do consumo de
alimento no período pré-reprodutivo em ambiente natural mantêm uma intensa ingestão de
alimentos. Dessa forma, caso haja o fornecimento de quantias elevadas de ração, como tem sido
recomendado por vários autores (Huet, 1978; Woynarovich e Horváth, 1983), não ocorrerá
redução dos depósitos lipídicos.
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 9
Muito poucos trabalhos têm sido realizados com o manejo alimentar de reprodutores de
peixes que apresentam essa característica de redução do consumo de alimento no período de
preparação gonadal. A análise do desenvolvimento ovariano de reprodutores de Piaractus
brachypomus alimentados, nos cinco meses que antecederam o período reprodutivo, com dietas
contendo valores crescentes de proteína bruta e energia digestível (entre 25,4% PB e 2605 kcal
até 38,2% PB e 3828 kcal), revelou que a aparência histomorfológica dos ovários não foi afetada
pelas distintas dietas, porém as fêmeas alimentadas com a dieta contendo os mais baixos valores
de energia e proteína apresentaram óvulos vitelogênicos maiores e num período de tempo
relativamente menor (Vásquez-Torres, 1994).
A redução em 50% no fornecimento de alimento para reprodutores de Brycon siebenthalae,
nos três meses que antecederam o período reprodutivo, demonstrou que o manejo alimentar não
afetou o desempenho reprodutivo das fêmeas com restrição alimentar, quando comparado com
peixes tratados com a quantidade normal de ração (3% da biomassa ao dia), apresentando
semelhanças nos valores das taxas de fertilização e de eclosão. Apesar disso, o grupo submetido à
restrição alimentar apresentou maior efetividade ao tratamento hormonal e produziu óvulos
maiores no momento da desova (Arias-Castellanos, 2002). Trabalho semelhante realizado com
Brycon cephalus, comparando o desempenho de larvas e alevinos provenientes de fêmeas
alimentadas até a saciedade, com o desempenho de outros provenientes de fêmeas submetidas a
restrição alimentar, revelou que o crescimento das larvas é semelhante nas primeiras 24 horas de
vida (Camargo et al., 2002b), mas que, após 15 dias de cultivo, os alevinos provenientes das
fêmeas restritas apresentaram maior crescimento (Camargo et al., 2002a).
3.1.3. Domesticação
A domesticação pode ser entendida como a utilização de práticas periódicas de
manipulação dos peixes, com o intuito de que estes apresentem repostas cada vez menos alteradas
de comportamento e homeostase (Schreck, 1981). Com a prática das técnicas de domesticação é
esperada uma redução do estresse, ou seja, uma redução na intensidade e na duração da
hipersecreção hormonal primária de catecolaminas e cortisol, as repostas fisiológicas iniciais dos
peixes a qualquer agente estressor (Donaldson, 1981; Sumpter, 1997).
A seqüência de eventos metabólicos que se surge como resposta secundária ao estresse é
muito variada e dependente de múltiplos fatores, porém conduz ao restabelecimento das condições
normais do organismo e consome uma grande quantidade de energia (Carneiro, 2001).
Sabidamente a condição de estresse em peixes, entre outras, pode induzir à reabsorção de ovócitos
vitelogênicos, resultando num menor número de ovócitos maduros, ou, ainda, pode atuar numa
fase anterior, impedindo o início da vitelogênese (Harvey e Carolsfeld, 1993). Apesar do
conhecimento de que os distúrbios freqüentes na tranqüilidade dos peixes interferem no
desenvolvimento normal das gônadas, na prática chinesa há o costume de se capturar os peixes
uma ou duas vezes antes do tratamento hormonal para indução à desova, mantendo os peixes em
ambiente superpovoado, visando preparar o reprodutor para o manuseio e transporte e assim
reduzir a mortalidade pós-desova e aumentar a taxa de ovulação (Woynarovich e Horváth, 1983).
Algumas espécies de peixes brasileiros são dóceis e respondem muito bem ao manejo
necessário para o tratamento de indução hormonal, como, por exemplo, Piaractus mesopotamicus
e Colossoma macropomum, enquanto outras espécies, como Brycon cephalus, B. orbignyanus,
Leporinus obtusidens e Salminus maxillosus, são muito agitadas e sofrem muito com o manejo de
indução à desova, apresentando elevada taxa de mortalidade após a desova, ou morrendo antes
mesmo de completar a maturação final e desova ou espermiação. Essa característica tem exigido
10 Zaniboni Filho & Nuñer
atenção especial dos produtores para adequar o manejo e garantir a sobrevivência dos reprodutores
ao tratamento necessário.
Como a maioria dos peixes brasileiros utilizados na piscicultura atinge a maturidade
gonadal no mínimo no primeiro (os machos) ou no segundo (as fêmeas) ano de vida, os elevados
custos associados à formação anual dos reprodutores podem ser perdidos, uma vez que esses
animais podem sucumbir ao tratamento de indução à desova, sem mencionar a possibilidade de
que morram sem a liberação de gametas viáveis.
Uma das práticas utilizadas na preparação do plantel de reprodutores de espécies menos
dóceis, como Salminus maxillosus, é a criação em cativeiro desde a fase juvenil, com os indivíduos
sendo submetidos ao freqüente manejo de pesca e manipulação para realização de biometria
(Zaniboni-Filho, et al., 1988). A comparação do desempenho reprodutivo de exemplares de
Brycon siebenthalae submetidos a estratégias distintas de manejo pré-reprodutivo revelou que os
peixes mantidos em cativeiro desde a fase juvenil, sendo manipulados mensalmente, apresentaram
maior efetividade ao tratamento de indução hormonal, maior fecundidade relativa e maior
sobrevivência dos reprodutores pós-desova, quando comparados com reprodutores selvagens ou
criados em cativeiro, sem a manipulação mensal (Arias-Castellanos, 2002).
Carolsfeld, 1993). Os modelos mais comuns de marcas mecânicas externas apresentam a forma
geral de um tubo de vinil (modelo tipo “espaguete”), que possui um código ou uma legenda. Essa
forma geral pode ainda apresentar uma ponta de plástico (modelo tipo “âncora”), que é inserida no
corpo do animal, sendo este um tipo muito utilizado. Também estão disponíveis marcas externas
com formato de disco e marcas desenvolvidas para serem presas na mandíbula ou no opérculo.
A identificação com marcas internas é a melhor opção disponível, uma vez que possuem
longo tempo de duração. As marcas do tipo PIT (Passive Inductive Transponder) possuem o
tamanho de um grão de arroz e são formadas por um microprocessador e uma antena, envoltos
externamente por um material bio-compatível. Cada PIT possui uma identificação única que, ao
ser estimulado por um leitor, transmite o código da marca para o aparelho. Essas marcas são
implantadas no músculo do animal, próximo à nadadeira dorsal, e apresentam muitas vantagens,
como o tamanho reduzido, que proporciona danos mínimos de instalação, a alta capacidade de
retenção, a ausência de influência no comportamento, um número infinito de combinações e a
possibilidade de reaproveitamento. Entretanto, apresentam como desvantagem o elevado custo.
Identificadores internos que são implantados nos tecidos transparentes dos peixes, como
a região dos olhos, também estão disponíveis no mercado. Essas marcas têm por objetivo propiciar
a identificação visual dos indivíduos, sem a utilização de nenhum tipo de aparelho auxiliar (Harvey
e Carolsfeld, 1993). Essa técnica apresenta a desvantagem de não ocorrer cicatrização do tecido
cortado durante a implantação, o que possibilita a perda da marca.
a seleção de reprodutores sul-americanos (Eckmann et al., 1984; Verani et al., 1997; Andrade-
Talmelli et al., 1999; Arias-Castellanos, 2002).
Apesar da diversidade de procedimentos recomendados para garantir a seleção adequada
dos reprodutores, persistem as diferenças que são observadas entre indivíduos ou situações, talvez
afetados pela temperatura, estresse ou outro fator ambiental, ou ainda algum fator do processo
de maturação gonadal ainda não determinado (Carolsfeld, 1989). Esse fato pode ser comprovado
pela dificuldade das estações de piscicultura em obter a desova da totalidade dos peixes migradores
brasileiros selecionados. Embora contem com profissionais experientes e trabalhem com grandes
plantéis de reprodutores manejados de maneira semelhante, essas estações conseguem resultados
positivos em apenas parte dos exemplares selecionados. Considerando-se a revisão apresentada
por Zaniboni Filho e Barbosa (1996), na qual são apresentados dados provenientes de trabalhos
de pesquisa e do setor produtivo, observa-se que das oito espécies brasileiras testadas, os valores
positivos de desova variaram entre 50 e 90% dos peixes selecionados.
No processo de seleção, merece destaque o manejo dos viveiros e o posterior transporte
dos peixes até o laboratório. Essa etapa apresenta enorme importância, conforme discutido no
item “Domesticação”. A reação ao manejo apresentada pelas diferentes espécies de peixes é bastante
distinta, além da história de vida do lote a ser manejado. O manejo inadequado dos reprodutores
pode interferir negativamente no resultado final do tratamento de indução à maturação final e
desova, sem mencionar a possibilidade de perda do reprodutor. Apesar da ausência de informações
sobre os procedimentos recomendados para o manejo de seleção e transporte dos reprodutores
de peixes migradores brasileiros, existem métodos simples que podem ser adotados para reduzir
o estresse durante o manejo, conforme indicação de Harvey e Carolsfeld (1993). São eles: reduzir
a superpopulação de peixes apreendidos na rede, durante a captura; devolver os peixes ao tanque
cuidadosamente, sem nunca jogá-los; sempre molhar as mãos e os equipamentos utilizados no
manejo, para minimizar a retirada de muco e a perda de escamas; cobrir os olhos dos peixes com
um pano úmido, sempre que possível; desenvolver técnicas para segurar os peixes sem maltratá-
los; reduzir o ruído sonoro durante o manejo; utilizar água levemente salgada durante o transporte
dos peixes (1 a 2% de NaCl) e adicionar oxigênio quando o transporte for mais longo ou a
densidade for elevada.
Outro procedimento é a utilização de anestésicos para reduzir a atividade e o metabolismo
dos peixes durante a seleção, transporte, pesagem e biopsia dos reprodutores. Uma lista de produtos
químicos que podem ser utilizados para sedar peixes é apresentada por Kubitza (1999). Apesar
das vantagens da sedação dos peixes, o manejo de seleção de reprodutores em viveiros possibilita
a anestesia através da colocação dos peixes em recipientes que contêm produtos químicos, de
modo que a captura é feita sem o efeito dos anestésicos. A maior parte do estresse causado pelo
manejo de grandes reprodutores utilizados na piscicultura ocorre durante a fase de captura (Harvey
e Carolsfeld, 1993).
indicada (Harvey e Carolsfeld, 1993); o doador deve apresentar baixo valor de mercado, para
que seja economicamente viável, e ser coletado no período de desova; a presença de hormônios
não gonadotrópicos na hipófise pode inibir o efeito da gonadotropina (Donaldson e Hunter,
1983).
Inicialmente se utilizavam hipófises frescas de peixes para indução, mas em 1939, foi
desenvolvida a técnica de conservação em álcool, tornando seu uso muito mais prático (Ribeiro
e Tabarelli-Neto, 1943). A conservação também pode ser feita em acetona pura. As funções
desses solventes orgânicos são a limpeza externa e a completa desidratação da glândula. Hipófises
de carpa, tratadas com acetona, puderam ser armazenadas com sucesso por dez anos de estocagem
(Donaldson e Hunter, 1983). Foram obtidos resultados positivos na indução a maturação final,
ovulação e/ou espermiação de vários peixes migradores brasileiros com a utilização do extrato
bruto de hipófise (Morais Filho e Schubart, 1955; Silva et al., 1977; Godinho e Godinho, 1986;
Zaniboni Filho e Barbosa, 1996).
Os elevados preços das hipófises de carpa e de salmão, nos mercados nacional e
internacional, estimularam a realização de trabalhos com a hipófise de outros animais, obtendo-
se sucesso na indução à desova de peixes com hipófises de frango, pato e rã (Nwadukwe, 1993;
Amaral Jr., 1995; Yu et al., 1995; Streit Jr., 2002) e de insucesso com o uso de hipófise de coelho
(Streit Jr., 2002) ou da urófise de peixes (Behr et al., 2000).
A gonadotropina parcial ou totalmente purificada de peixes foi obtida em 1970,
possibilitando a utilização de um produto bem mais específico que o extrato hipofisário
(Donaldson e Hunter, 1983). A gonadotropina semipurificada de salmão (SG G100) chegou a
ser produzida comercialmente, sendo um produto padronizado através de bioensaio que permitia
um longo período de estocagem; apesar disso, o preço elevado limitou o seu uso no setor produtivo
(Harvey e Carolsfeld, 1993). O processo de purificação utiliza uma combinação de extração com
cromatografia e, aparentemente, proporciona a perda de gonadotropina durante o processo
(Donaldson e Hunter, 1983), de modo que quantidades equivalentes de extrato hipofisário se
mostram mais potentes que a gonadotropina purificada (Barannikova et al., 1981). No Brasil, há
registro de um único trabalho que obteve sucesso na indução à desova de peixe de piracema
(Piaractus mesopotamicus) com a utilização da SG G100 (Pinto e Castagnolli, 1984). Os demais
trabalhos sempre associaram a aplicação de extrato bruto de hipófise à gonadotropina
semipurificada de salmão.
A gonadotropina purificada de origem humana também foi testada, mostrando-se um
potente indutor da ovulação de várias espécies de peixes, apesar de não estimular todas as espécies.
A HCG (gonadotropina coriônica humana) é produzida naturalmente pela placenta e pode ser
extraída da urina, estando disponível no mercado farmacêutico para usos distintos. A grande
diferença na estrutura molecular da HCG, comparada com a gonadotropina de peixes, tem
exigido a aplicação de elevadas doses para estimular a maturação final de peixes, tornando o
processo economicamente proibitivo (Harvey e Carolsfeld, 1993). Além disso, o uso continuado
da HCG no plantel de reprodutores reduz a performance reprodutiva dos peixes (Donaldson e
Hunter, 1983; Van der Kraak et al., 1989). Há registros de resultados positivos na indução à
desova de peixes migradores brasileiros com o uso exclusivo de HCG (Godinho et al., 1977;
Valencia Ramos et al., 1986).
A utilização dos hormônios liberadores de gonadrotropinas (GnRH) para a indução à
desova de peixes vem sendo utilizada com sucesso desde 1975 (Donaldson e Hunter, 1983).
Esses hormônios são muito semelhantes entre os vertebrados superiores e inferiores, havendo
pequenas alterações na estrutura molecular do decapeptídeo. Por essa razão, o hormônio liberador
16 Zaniboni Filho & Nuñer
de gonadotropina de mamífero e os seus análogos são efetivos para induzir a desova de várias
espécies de peixes. Como se trata de uma molécula pequena e simples, a síntese desse hormônio
foi possível, abrindo possibilidade para alteração da estrutura molecular e a síntese de análogos,
possibilitando a produção de hormônios 50 a 100 vezes mais potentes (Harvey e Carolsfeld,
1993). Apesar da existência de vários análogos no mercado, os mais utilizados para indução à
maturação final de peixes são os análogos dos hormônios liberadores de gonadotropina (GnRH-
a) de mamíferos e de salmão.
Há relativa confusão na literatura sobre a forma de apresentar esses dois análogos.
Passaremos aqui a utilizar a terminologia proposta por Harvey e Carolsfeld (1993), que sugerem
[D-Ala6, Pro9 NEt] LHRH para o de mamífero e [D-Arg6, Pro9 NEt] sGnRH para o análogo de
salmão. Esses dois análogos são nonapeptídeos devido à retirada da glicina presente originalmente
na décima posição. Além disso, há substituição do peptídeo localizado na sexta posição pela
alanina ou pela arginina, ambas na posição dextro, para o análogo de mamífero e de salmão,
respectivamente.
Existem três grandes vantagens dos hormônios liberadores sobre a gonadotropina na
indução a maturação final e desova dos peixes. A primeira é que atuam no início da cadeia
hormonal e estimulam o peixe a sintetizar a sua própria gonadotropina, eliminando assim os
problemas relacionados à utilização de gonadotropina de outras espécies. A segunda é que a
molécula não é altamente espécie-específica. Por último, são estruturas simples e facilmente
fabricadas, apresentam grande estabilidade estrutural, são efetivas com pequenas dosagens de
aplicação e o seu uso é economicamente vantajoso (Harvey e Carolsfeld, 1993).
A comparação dos resultados obtidos com a utilização do [D-Ala6, Pro9 NEt] LHRH e
com o extrato de hipófise, na indução da carpa capim (Ctenopharingodon idella), revelou que a
taxa de mortalidade dos reprodutores é menor quando se utiliza o análogo (Donaldson e Hunter,
1983) e, em Piaractus mesopotamicus, foi verificada semelhança qualitativa e quantitativa na
produção dos gametas, porém, com custo 4,5 vezes menor quando o análogo foi utilizado
(Zaniboni Filho, 1995).
A aplicação de duas doses de GnRH-a tem se mostrado mais efetiva que a quantia
equivalente aplicada em dose única, tanto para estimular a liberação de gonadotropina (Peter,
1980) quanto a ovulação (Carolsfeld et al., 1988a). Os análogos de mamífero e de salmão são
muito efetivos na indução da maturação final dos gametas, espermiação e ovulação de peixes,
sendo impossível destacar algum vantagem no uso de um sobre o outro (Harvey e Carolsfeld,
1993).
Existem vários registros de sucesso na indução à desova de espécies de peixes migradores
brasileiros, com a utilização do GnRH-a de mamíferos ou de salmão (Bernardino e Ferrari, 1987;
Carolsfeld et al., 1988a; Zaniboni Filho e Barbosa, 1996). Apesar disso, não foi possível induzir a
desova do gênero Brycon com esses análogos (Ramos et al., 1997; Pardo-Carrasco, 2001).
O detalhamento dos estudos das formas de GnRH presentes nas diferentes espécies de
peixes tem demonstrado a existência de três tipos, sendo que o padrão de distribuição dos diferentes
tipos tem sido utilizado para elucidar o complexo processo evolutivo das distintas famílias e
gêneros de peixes (Powell et al., 1997). A explicação para a impossibilidade de induzir a maturação
final e desova do gênero Brycon, com GnRH-a de mamífero ou de salmão pode estar relacionada
com os tipos de GnRH presentes nas espécies desse gênero.
Em alguns ciprinídeos, foi observado que o GnRH-a possibilitou apenas a maturação
final dos ovócitos, sem garantir a ovulação (Billard et al., 1984), tendo sido verificado que a
dopamina inibia a liberação da gonadotropina e que a associação de antagonistas da dopamina
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 17
com o GnRH-a solucionava a problema (Chang e Peter, 1983), já que a dopamina atua como
um fator de inibição da liberação de gonadotropina (GRIF). A injeção de GnRH-a juntamente
com antagonistas da dopamina é conhecida como método LINPE, em homenagem aos
pesquisadores Lin e Peter, que iniciaram estes estudos (Harvey e Carolsfeld, 1993). Existem
distintas substâncias que atuam como supressores da dopamina, tais como: pimozide, domperidone
e metoclorpramida.
Há no mercado um produto que associa GnRH-a com domperidone, o Ovaprim-C®,
produzido pelo Laboratório Syndel, do Canadá. A vantagem no uso do método LINPE foi
largamente comprovada para ciprinídeos, mas falta informação sobre sua aplicabilidade para
outros peixes. Há indicação de que os inibidores de dopamina não apresentam importância no
tratamento de indução hormonal de Piaractus mesopotamicus (Harvey e Carolsfeld, 1993). Por
outro lado, o sucesso na indução à desova de Brycon cephalus foi possível quando o GnRH-a foi
aplicado juntamente com metoclorpramida, ou ainda quando Ovaprim-C® foi aplicado em dobro
da dose recomendada pelo fabricante (1 mL kg-1) (Ramos, 2000). O autor observou, ainda, que
nem todos os bloqueadores do GRIF são efetivos para essa espécie.
Um outro análogo do GnRH, a busserelina, vem sendo utilizado com sucesso para a
indução de peixes. Trata-se, igualmente, de um nonapeptídeo, porém apresenta a serina inserida
na posição dextro em substituição ao sexto peptídeo. O produto comercial utilizado é o
Conceptal®, produzido pelo Laboratório Hoechst. Esse hormônio foi utilizado com sucesso na
indução a maturação final e desova de peixes migradores brasileiros (Bernardino e Ferrari, 1987;
Méndez e Rodriguez, 1989), porém, parece ser menos efetivo que os análogos de salmão e de
mamífero, exigindo a aplicação de uma maior quantidade de hormônio para estimular a maturação
final e a desova (Curry e Tsukamoto, 1988).
O tempo necessário para que ocorra a ovulação após o tratamento de indução hormonal
varia de acordo com a espécie, com a temperatura da água e o tipo de hormônio utilizado.
A indução à reprodução com análogos de GnRH retarda a ovulação em aproximadamente
40% do tempo, quando comparada aos resultados obtidos com EPC. Dentre os
peixes migradores brasileiros, os dos gêneros Brycon e Salminus apresentam a ovulação
antecipada em cerca de 25 a 50% do tempo necessário para a ovulação das demais espécies de
peixes.
A temperatura afeta diretamente o processo de maturação final, havendo uma redução
do tempo com a elevação da temperatura. Para facilitar a determinação exata do momento da
ovulação, os produtores utilizam a unidade que considera o tempo e a temperatura, chamada
“hora-grau” ou “grau-hora”. Consiste na multiplicação do tempo (em horas) necessário para
ocorrer a ovulação, a partir da aplicação da dose decisiva de hormônio, pelo valor médio da
temperatura da água no período. Dados históricos dos valores de “hora-grau” para a ovulação de
diferentes espécies, tratadas com determinado tipo de hormônio, são muito precisos para indicar
o momento exato da ovulação, sendo bastante utilizados pelo setor produtivo para definir o
tempo certo para a extrusão dos gametas.
3.7.1. Resfriamento
O resfriamento consiste na manutenção do sêmen e dos ovócitos em temperaturas baixas,
acima do ponto de congelamento, o que reduz a atividade metabólica dos gametas e evita a
ativação espontânea dos ovócitos, prolongando a sua viabilidade no meio externo.
De modo geral, o resfriamento tem sido utilizado como uma estratégia de conservação
de tempo limitado. Os gametas que serão utilizados para a reprodução são submetidos a baixas
temperaturas por um breve período de tempo, como forma de conservá-los durante o processo
de extrusão de diferentes reprodutores, durante o transporte em curtas distâncias, ou ainda para
que os gametas mantenham a sua viabilidade quando houver a necessidade de sincronizar a
obtenção de gametas dos diferentes sexos. Para tanto, o sêmen é estocado na temperatura
recomendada, com ou sem diluição e recebendo ou não a adição de soluções-tampão, cujo objetivo
principal é inibir a ativação da motilidade. Os melhores resultados são obtidos quando o sêmen,
e não os ovócitos, é resfriado. Nesse sentido, muitos estudos foram conduzidos com diversas
espécies não nativas, com bons resultados quando o resfriamento é mantido em torno de 4oC por
períodos de tempo que variam de algumas horas a alguns dias.
Em Cyprinus carpio, o efeito do resfriamento do sêmen exposto a diferentes temperaturas
e diferentes soluções-tampão não foi uniforme. Em um experimento, foram registradas taxas
variáveis de motilidade do sêmen, entre as amostras expostas a uma temperatura de 5oC, por 20
horas. A partir de então, a motilidade em todas as soluções decresceu continuamente, sendo que,
após 84 horas, o sêmen sem diluição apresentou motilidade de aproximadamente 35%, superior
à dos demais tratamentos. Na temperatura de 2oC, a motilidade reduziu-se acentuadamente em
todas as soluções-tampão a partir das 20 horas, atingindo valores praticamente nulos com 84
horas (Ravinder et al., 1997). Em Latris lineata, a motilidade do sêmen fresco, armazenado sem
diluição, a 5oC, foi mantida por dois dias, apresentando acentuado declínio até o oitavo dia,
quando o sêmen praticamente não apresentava motilidade (Ritar e Campet, 2000).
Para as espécies nativas brasileiras, existem alguns estudos, com espécies migradoras,
que apresentaram diferentes tipos de resultados. A queda gradual na viabilidade do sêmen ao
longo do tempo, entre indivíduos da mesma espécie, entre as diferentes espécies e entre os diferentes
intervalos de tempo, foi registrada para Brycon lundii, Piaractus mesopotamicus, Prochilodus lineatus,
P. marggravii, Leporinus reinhardti e Leporinus elongatus, em amostras mantidas em ambiente
resfriado com gelo (Marques e Godinho, 2001). Nesse estudo, a taxa de motilidade espermática
mínima, considerada de 30%, foi registrada após 7 horas de resfriamento em L. elongatus e após
25-29 horas em P. mesopotamicus. Em Leporinus obtusidens, as melhores taxas de motilidade e o
maior tempo de duração de motilidade do sêmen, resfriado em temperatura de 4oC, foram obtidas
utilizando-se uma diluição à base de BTS 5%+KCl 0,16%+DMSO 10% (Murgas et al., 2002).
22 Zaniboni Filho & Nuñer
3.7.2. Congelamento
A manutenção de reprodutores em cativeiro é, atualmente, a principal estratégia utilizada
para a obtenção de gametas viáveis e de boa qualidade, que fazem parte do conjunto de requisitos
que irão garantir o sucesso da reprodução destas espécies. Os reprodutores formam um estoque
com potencial para a produção constante de futuros gametas. No entanto, a infra-estrutura, o
manejo, e o custo, associados à manutenção de reprodutores em cativeiro são significativos, uma
vez que os reprodutores necessitam, por exemplo, de instalações adequadas e de alimentação de
excelente qualidade, o que eleva o custo total do processo de reprodução.
Em função desses aspectos, a criopreservação de gametas, ou seja, a preservação de gametas
em temperaturas negativas, bem abaixo do ponto de congelamento, vem sendo implementada,
utilizando-se principalmente o sêmen de várias espécies de peixes como estratégia para reduzir o
tamanho plantel e otimizar o processo reprodutivo.
Para as espécies em que reprodutores selvagens ainda são utilizados para cultivo, como é
o caso de boa parte dos peixes migradores brasileiros, o sêmen criopreservado pode apresentar
um papel importante na produção de sementes, além também ser alternativa quando há assincronia
na maturação dos sexos das espécies; no processo de melhoria do vigor de um plantel de
reprodutores, através da introdução de genoma selvagem e na implementação de técnicas de
cruzamento (Ponniah, 1998). No entanto, a criopreservação precisa ainda ser aprimorada, no
sentido de desenvolver uma técnica viável que permita o congelamento de ovos e embriões.
Do ponto de vista ambiental, a criopreservação apresenta grande importância, uma vez
que é possível, através dela, conservar os recursos genéticos. A conservação desse patrimônio
poderá ser vital para a manutenção futura dos ecossistemas naturais e como fonte potencial para
a formação de ecossistemas artificiais, tais como os ambientes aquáticos de cultivo.
Na criopreservação, os gametas são resfriados a temperaturas inferiores a 0oC, o que faz
com que haja a formação de gelo no seu exterior. Como a temperatura diminui continuamente
até o ponto de congelamento ideal, os gametas perdem água durante o processo. Se o congelamento
Reprodução de peixes migradores de água doce do Brasil 23
ocorresse lentamente, as células poderiam perder uma quantidade de água suficiente para que
não ocorresse congelamento interno, mas normalmente a desidratação da célula é inadequada
para evitar a formação de gelo em seu interior. Esse tipo gelo e os danos nas membranas, causados
pelo aumento da concentração de sal do lado externo da célula durante o processo de desidratação,
são os dois danos fatais que o sêmen criopreservado pode sofrer. Tais danos podem ser reduzidos
ou evitados através da utilização de crioprotetores (Harvey e Carolsfeld, 1993), que se dividem
em intracelulares e extracelulares. Os crioprotetores intracelulares mais comuns são o dimetil-
sulfóxido (DMSO), o glicerol e o metanol, e o crioprotetor extracelular mais comum é a gema de
ovo. Os crioprotetores são misturados ao sêmen através da adição de um diluente, sendo muito
freqüente a utilização da solução 5% de glicose-água destilada para esse fim (Harvey e Carolsfeld,
1993).
Protegido pelos crioprotetores, o sêmen pode ser congelado em gelo seco, a uma
temperatura de -79oC, ou em nitrogênio líquido, a -196oC. As células se mantêm bem preservadas
em gelo seco, porém, para uma estocagem de longo prazo, o nitrogênio líquido é a melhor opção
de armazenamento. Como a -196oC não ocorrem processos químicos ou biológicos, o tempo de
estocagem é, teoricamente, ilimitado.
Além dos cuidados e dificuldades inerentes ao processo de congelamento, igualmente
importante é a etapa de descongelamento, uma vez que as células podem morrer se forem
descongeladas muito rapidamente ou muito lentamente. Outra etapa importante é a ativação do
sêmen, uma vez que, de modo geral, a água não é o melhor ativador do sêmen descongelado,
sendo que os dois ativadores mais usados são o NaCl (0,45%) e o NaHCO3 (1%).
Assim, verifica-se a existência de várias etapas que devem ser cuidadosamente seguidas
para que a criopreservação seja bem sucedida, o que exige a adequação dos protocolos de
congelamento do sêmen para cada espécie de peixe. Vários estudos foram conduzidos em diferentes
espécies de peixes (Chambeyron e Zohar, 1990; Babiak, et al., 1995; Glogowski, et al., 1997;
Warnecke e Pluta, 2003), alguns utilizando espécies de peixes migradores brasileiros.
Um dos primeiros estudos de criopreservação de sêmen em espécies nativas avaliaram a
criopreservação do sêmen do pacu, Piaractus mesopotamicus, submetido à hipofisação (Fogli da
Silveira et al. 1990, Carolsfeld et al., 1990). A principal conclusão desses trabalhos foi a
identificação da possibilidade de utilização do sêmen criopreservado após o descongelamento.
De modo geral, para as espécies de peixes migradores estudadas, verificou-se que foram
encontrados bons resultados com soluções crioprotetoras contendo DMSO, gema de ovo, glicose
e água destilada. Esse tipo de solução, com pequenas variações em suas concentrações, foi utilizada
com sucesso variável nos estudos experimentais desenvolvidos com o sêmen de Prochilodus lineatus
(Silva, 2000), Salminus maxillosus (Veríssimo et al., 2001) e Brycon cephalus (Silveira et al., 2001).
Para Brycon orbignyanus, entretanto, melhores resultados foram obtidos com a utilização da água
de coco, em substituição à glicose. Para Pseudoplatystoma sp., os melhores resultados foram obtidos
com uma solução à base de metanol, glicose e leite em pó, diluídos em água destilada (Carolsfeld
e Harvey, 1999).
Os diferentes graus de sucesso obtidos na utilização do sêmen criopreservado das espécies
migradoras brasileiras indicam a necessidade de refinamento do protocolo para a determinação
precisa dos procedimentos a serem utilizados.
Com relação a ovos e embriões, os recentes avanços na seleção genética dos teleósteos e
o crescente interesse em programas de preservação da biodiversidade têm estimulado o
desenvolvimento de métodos para a sua criopreservação, mas até o momento os resultados são
contraditórios e desencorajadores (Chao e Chiu Liao, 2001). Como os ovos e embriões dos
24 Zaniboni Filho & Nuñer
peixes são estruturas espessas, que contêm uma grande quantidade de vitelo (recoberta por uma
camada espessa, o córion), ainda não foi possível obter sucesso na uniformidade de penetração
dos crioprotetores convencionais (Chao e Chiu Liao, 2001).
Sendo assim, a criopreservação de blastômeros isolados (Harvey, 1983) poderá ser uma
alternativa válida e interessante, embora protocolos de congelamento que assegurem altas taxas de
sobrevivência após o descongelamento ainda não tenham sido definidos para aplicações de rotina.
Os efeitos da toxicidade e da concentração do DMSO, do estágio de desenvolvimento
embrionário e da taxa de resfriamento na criopreservação, influíram significativamente na
sobrevivência dos blastômeros isolados de três espécies de peixes, representantes dos ambientes
marinho (Sillago japonica), estuarino (Odontesthes bonariensis) e de água doce (Oryzias latipes),
tendo sido registradas maiores taxas de sucesso com a utilização de blastômeros mais velhos, com
resfriamento lento e com concentração de 9-18% de DMSO (Strüssmann et al., 1999).
De acordo com esses resultados, verifica-se que ainda serão necessários mais estudos
para que a técnica da criopreservação possa ser utilizada para a conservação de ovos e embriões de
peixes.
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