Ascomycota

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Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.

Moderna taxonomia dos Ascomycota

JOSÉ LUIZ BEZERRA - PESQUISADOR DO CENTRO DE PESQUISAS DO CACAU,


CEPLAC, ITABUNA-BA

Introdução

Os Ascomycota constituem o maior filo entre os fungos, com registro de 07


classes, 56 ordens, 226 famílias, 3409 gêneros e mais de 32.793 espécies
(Kirk et al. 2001). Como característica principal, na reprodução sexuada
formam esporos denominados ascósporos, em estruturas especializadas,
saculiformes (ascos) que podem estar ou não no interior de ascomas.

Vivem como sapróbios, parasitas ou simbiontes, formando líquens e


micorrizas, em ambientes terrestres e aquáticos os mais diversos, com
distribuição cosmopolita.

O sistema vegetativo dos Ascomycota pode ser unicelular (leveduras), mas


em geral é micelial, com hifas septadas bem desenvolvidas. Neste caso, há
presença de septos simples nas imediações dos quais são encontradas
estruturas especializadas, denominadas corpos de Woronin. A reprodução
assexuada é realizada principalmente por conídios, mas outros tipos de
esporos são formados (clamidósporos, artrósporos).

Na reprodução sexuada produzem gametângios masculino e feminino, cujos


núcleos, ao se fusionarem, originam os ascósporos, no interior de ascos,
estruturas típicas que distinguem o filo. Neste grupo observa-se uma fase
extra na reprodução sexuada, caracterizada pelo pareamento de núcleos
compatíveis, numa mesma célula, e que assim permanecem por um período
até que, finalmente ocorre a cariogamia. Esta, que é conhecida como fase
dicariótica, distingue os Ascomycota e Basidiomycota dos demais grupos de
fungos, onde a dicariofase não ocorre. Por essa razão e dada a
complexidade de estruturas formadas, caracterizando estágios evolutivos
mais avançados, os dois filos, Ascomycota e Basidiomycota foram, no
passado, denominados e reconhecidos como “fungos superiores”.

Ao contrário dos Zygomycota onde anamorfo e teleomorfo ocorrem juntos e


recebem o mesmo binômio específico, em Ascomycota anamorfo e
teleomorfo, com freqüência, se desenvolvem em épocas diferentes e em
diferentes substratos. Isso explica a razão de muitas vezes existirem dois
nomes para um mesmo fungo. Como as fases anamorfa e teleomorfa foram
encontradas separadamente, julgou-se que eram pertencentes a fungos
diferentes e para cada uma foi dada uma denominação, o que até hoje é
aceito pelo Código Internacional de Nomenclatura Botânica, que também
rege a nomenclatura micológica. Há cerca de 1500 genêros e 30000
espécies de fungos formadores de conídios e que constituem a fase
anamorfa de Ascomycota (Kirk et al., 2001).
Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.

A taxonomia micológica é uma disciplina dinâmica e progressiva que requer


mudanças em nomenclatura; estas mudanças são difíceis de entender para
os profissionais da área de agronomia e medicina. Os fungos são
classificados geralmente com base na sua morfologia mais do que em
diferenças nutricionais e bioquímicas. Isto implica que conceitos diferentes
são aplicados na taxonomia fúngica. Diferentes conceitos são utilizados por
micologistas para definir espécie fúngica: conceito clássico ou morfológico
(fenético ou fenotípico); conceito ecológico; conceito biológico e conceito
filogenético que começa a ser utilizado na moderna micologia. Estudos
populacionais e moleculares mostram que muitas espécies morfológicas na
realidade compreendem várias espécies biológicas ou filogenéticas. A
morfologia relativamente simples, a deficiência de registros fósseis e a
grande diversidade dos fungos dificultam o estudo das relações
evolucionárias entre os fungos (Berbee & Taylor, 1992). Com o advento dos
enfoques cladísticos e moleculares esta situação está mudando e
possibilitando nova compreensão da evolução fúngica. Apesar da micologia
ter sido considerada um ramo da botânica, há evidências de que o reino
Fungi é mais próximo dos animais do que das plantas (Nikoh et al., 1994).
Os três filos principais dos fungos, Zygomycota, Ascomycota e
Basidiomycota divergiram dos Chytridiomycota há cerca de 550 milhões de
anos e a separação dos Ascomycota-Basidiomycota ocorreu,
aproximadamente, 400 milhões de anos atrás, após as plantas terem
invadido a terra (Guarro et al., 1999).

A nomenclatura dos fungos é regida pelo Código Internacional de


Nomenclatura Botânica – CINB (Greuter et al., 1994) e adotada em cada
congresso internacional de botânica. A modalidade de propagação dual dos
fungos, sexual e assexual deu origem a uma nomenclatura micológica
também dual. Os fungos compreendem um estádio sexual (teleomorfo) e
um ou mais estádios assexuais (anamorfo) uma vez que cada fase tem sido
descrita com total ignorância da existência da outra, em muitos casos mas,
o CINB mantém que é legal aplicar-lhes binômios separados (Hennebert &
Weresub, 1977).

O conceito de espécie micológica

Nos fungos a distinção entre uma população e um indivíduo nem sempre é


fácil podendo gerar confusão em estudos genéticos (Carlile & Watkinson,
1994; Guarro et al., 1999). Existem diferentes conceitos para definir
espécie fúngica: o conceito morfológico (fenético ou fenotípico), o
enfoque clássico usado por micologistas; o conceito politético, baseado
na combinação de caracteres de diferentes estirpes; o conceito ecológico
baseado na adaptação aos diferentes habitats; o conceito biológico
baseado na troca genética dentro de uma espécie. As abordagens
filogenéticas e a incorporação de técnicas biológicas e moleculares,
particularmente a análise das seqüências de nucleotídeos do DNA na
moderna sistemática, favorecem o conceito filogenético de espécie.
Estudos moleculares revelam que muitas morfoespécies usadas atualmente
compreendem várias espécies biológicas ou filogenéticas. Este problema
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tem sido paulatinamente resolvido por meio da análise cladística de


características moleculares. Entretanto a definição do conceito filogenético
de espécie é complexo e tem limitações. Assim os micologistas precisam se
familiarizar com os diferentes conceitos de espécie e definir claramente
quais eles estão utilizando para reconhecer espécie (Avise & Ball, 1990).

Filogenia

A morfologia relativamente simples, a falta de registros fósseis úteis e a


grande diversidade fúngica dificultam o progresso dos estudos filogenéticos
com os fungos (Berbee & Taylor, 1992). Os estudos clássicos da evolução
fúngica eram baseados na morfologia comparativa, composição da parede
celular, testes citológicos, ultra-estrutura, metabolismo celular e registros
fósseis. Mais recentemente o surgimento dos enfoques clavístico e
molecular tem mudado a situação existente e fornecido novas percepções
da evolução fúngica (Guarro et al. 1999, Kirk et al. 2001). Embora a
micologia tenha sido considerada um ramo da botânica o reino Fungi está
mais relacionado aos animais do que às plantas (Nikoh et al., 1994). A
hipótese antiga de que os fungos derivam das algas foi abandonada
definitivamente (Nikoh et al., 1994; Hawksworth et al., 1995). A época de
origem dos grupos fúngicos foi calculada com base nas substituições das
seqüências de nucleotídeos no DNA que é diretamente proporcional ao
tempo passado. Os Ascomycota-Basidiomycota separaram-se cerca de 400
milhões de anos atrás, após as plantas terem invadido a terra. Estes
resultados são apoiados em evidências fósseis (Berbee & Taylor, 1993).

Nomenclatura

A nomenclatura dos fungos é regida pelo Código Internacional de


Nomenclatura Botânica (CINB) e endossada em cada Congresso
Internacional de Botânica. A revista Táxon é o periódico oficial da
Associação Internacional de Taxonomia Vegetal. A nomenclatura micológica
tem sido dual devido ao fato dos fungos possuírem estádio sexual
(teleomorfo) e um ou mais estádios assexuais (anamorfos). O CINB
considera legal aplicar binômios separados para diferentes estádios
fúngicos, mas os micologistas divergem quanto ao uso da nomenclatura
dual. O uso dos termos “fungos mitospóricos” e “fungos meiospóricos”
também têm gerado controvérsias (Guarro et al. 1999). Um esforço
especial deveria ser feito para desenvolver sistemas taxonômicos fáceis de
usar e que não requeiram equipamentos caros e complicados (McGinnis &
Salkin, 1993).

Métodos atuais de tipificação de fungos

A correta identificação de fungos é de grande importância prática para as


clínicas médicas e fitopatológicas, biodeterioração, biotecnologia e estudos
ambientais. A classificação micológica tradicional ainda é a mais usada
baseando-se em caracteres morfológicos fáceis de observar. As técnicas de
microscopia eletrônica permitiram o reconhecimento de detalhes de grande
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significação taxonômica (Kimbrough, 1994), permitindo a realização de


estudos fenotípicos mais confiáveis.

As técnicas moleculares contribuíram para melhorar a sistemática


micológica (Guarro et al. 1999), destacando-se o advento do PCR e a
seleção de primers universais para fungos. Os campos mais beneficiados
pelos estudos moleculares são: filogenia, taxonomia, epidemiologia e
genética de populações. Os genes mais freqüentemente utilizados em
estudos filogenéticos são β-tubulina, fator de alongamento, actina, quitina
sintetase, acetil-coenzima A sintetase, gliceraldeído-3-fosfato
desidrogenase, lignina peroxidase e orotidina 5”-monofosfato
descarboxilase e genes da região rebossômica (O'Donnell. 1992.)
Comparações das seqüências 18S rRNA foram feitas para acessar o
relacionamento dos principais grupos de organismos vivos. Na filogenia de
fungos filamentosos, a seqüência 18S é mais usada completa ou em
subunidades acima de 600 pb.

A distância evolucionária é geralmente apresentada na forma de árvores


construídas pelos métodos de distância-matriz ou parsimônia-máxima
(Masclaux et al., 1995). A determinação do conteúdo de guanina mais
citosina no DNA nucléico foi estabelecida para muitos fungos (Kurtzman,
1994). Uma diferença de 2% no conteúdo GC indica que estirpes devem ser
colocadas em espécies diferentes.

A hibridização DNA-DNA serve para calcular a velocidade de formação de


heteroduplex comparada à cinética padrão de estirpes individuais. Valores
com menos de 20% são provas de não identidade (Smith et al., 1995).

O sequenciamento e a eletroforese têm sido usados recentemente na


taxonomia de espécies (White et al., 1990). A variação teleomorfo-
anamorfo nem sempre é congruente (Rehner & Samuels, 1995). Em geral
uma variação intraespecífica de 2% é aceitável. O uso de ITS é
problemático, ocasionalmente, devido a ocorrência de dois tipos diferentes
em um mesmo organismo (O'Donnell, 1992; Bruns et al.,1991). Métodos de
tipificação baseado em RFLP são usados para revelar conexões anamorfo-
teleomorfo (Gene et al., 1996).

Outras técnicas

Existem outros métodos usados para complementar estudos taxonômicos:


técnicas fisiológicas e bioquímicas, metabolismo secundários, composição
de ácidos graxos, sistemas de ubiquinonas, composição da parede celular,
composição protéica (Guarro et al. 1999).

Taxonomia de Ascomycota

Ascomycota é o maior filo do reino Fungi compreende cerca de 50% de


todas as espécies fúngicas conhecidas. Suas características essenciais são:
presença de ascos e paredes hifais com duas camadas uma externa delgada
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eletrodensa e uma interna relativamente eletrotransparente (Hawksworth et


al., 1995). O arranjo dos ascos tem sido usado na sistemática supra-ordinal
quando os Ascomycetos eram agrupados em seis classes:
Hemiascomycetes, Plectomycetes, Pyrenomycetes, Dyscomycetes,
Laboulbeniomycetes e Loculoascomycetes (Muller & von Arx, 1973). Este
sistema tradicional tem sido muito criticado por sua natureza artificial onde
muitas similaridades entre grupos podem não refletir homologia. Outro
problema é o da convergência na formação de ascomas (Malloch, D. 1981).
Algumas espécies que produzem peritécios podem ser induzidas a formar
cleistotécios, outras, como espécies de Microascus, têm ascomas do tipo
peritécio porém, com arranjo himenial típico de Plectomycetes. Conclui-se
que existem poucas características morfológicas estáveis úteis na definição
de taxa superiores, daí porque muitos micologistas modernos preferem não
definir categorias acima de ordem. Outros porém, advogam que muitas
categorias supra ordinais refletem agrupamentos naturais.

Dados moleculares permitem reconhecer três grupos principais de


Ascomycetos: 1- Ascomycetes basais incluindo Schizosaccharomycetes e
Pneumocistes; 2- Leveduras verdadeiras e Ascomycetes sem
ascomas; e 3- Ascomycetes filamentosos com ascomas. A classe
Pyrenomycetes parece estar bem representada por clades monofiléticas,
porém, os Loculoascomycetes são considerados polifiléticos (Spatafora et
al., 1995). Guarro (1999) propõem o arranjo de cinco grupos morfológicos:
Ascomycetes basais, Pyrenomycetes unitunicados, Pyrenomycetes
bitunicados, Plectomycetes e Leveduras gemulantes. Esses grupos
são deduzidos da análise do rDNA 18S que sugere uma derivação precoce
dos Schizosaccharomycetes e Pneumocystis carinii representando um ramo
basal dos Ascomycota (Ascomycetes basais). Logo em seguida, surgiu uma
bifurcação conduzindo às leveduras verdadeiras em um ramo e aos fungos
filamentosos com ascomas no outro. Neste ramo ocorreu outra derivação
compreendendo os Pyrenomycetes unitunicados seguidos pelos
Loculoascomycetes (Pyrenomycetes bitunicados) e Plectomycetes.

Kirk et al. 2001 dividem os Ascomycota em seis classes: Ascomycetes,


Neolectomycetes, Pneumocystidomycetes, Saccharomycetes,
Schizosaccharomycetes e Taphrinomycetes.

A classe Ascomycetes foi subdividida em doze subclasses:


Arthoniomycetidae, Chaetothyriomycetidade, Dothideomycetidade,
Erysiphomycetidade, Laboulbeniomycetidade, Lecanoromycetidade,
Leotiomycetidade, Meliolomycetidade, Pezizomycetidade,
Sordariomycetidade, Sphathulosporomycetidade.

Conclusões

A sistemática micológica ainda está baseada principalmente em critérios


morfológicos. Critérios alternativos incluem estudos nutricionais e
fisiológicos, testes serológicos, metabolitos secundários, sistemas de
ubiquinonas e ácidos graxos. Embora úteis, estes métodos são usados como
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ferramentas complementares de dados morfológicos na maioria dos casos.


Técnicas de biologia molecular especialmente das seqüências do rRNA são
usadas atualmente em estudos filogenéticos que possibilitam a proposição
de sistemas classificatórios naturais. Entretanto estas técnicas em sistemas
identificatórios não estão disponíveis rotineiramente. É necessário dar mais
atenção ao treinamento de micologistas de forma a capacita-los a identificar
corretamente fungos de interesse médico, agronômico, biológico e
industrial.

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