O Curinga No Teatro Fórum
O Curinga No Teatro Fórum
O Curinga No Teatro Fórum
Goiânia
2017
SARAH REIMANN OLIVEIRA
Goiânia
2017
BANCA EXAMINADORA:
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O Teatro Fórum é uma das modalidades mais difundidas do Teatro do Oprimido. Ele foi
sistematizado nos anos de 1970 e aborda em cena opressões sociais e psicológicas para que
sejam discutidas e reencenadas pelo público. O mediador entre a cena-fórum e o público é
o curinga. Este trabalho propõe uma investigação entre a linguagem do curinga do Teatro
Fórum e do bufão. O bufão é um palhaço com origem nos tempos medievais que faz uso da
comicidade, principalmente, através de gestos corporais grotescos e falas irônicas. A
presente pesquisa tem como objetivo primordial investigar características do bufão
presentes no curinga do Teatro Fórum de modo que o olhar crítico do público seja
provocado. Para isso, foi realizado um resgate histórico do Teatro Fórum, do curinga e do
bufão por meio de livros e vídeos que trazem conceitos e práticas sobre eles; foi escrito
sobre o drama social de Victor Turner, tendo em vista um dos eixos de desenvolvimento da
pesquisa que é o estudo das Performances Culturais e suas relações com o Teatro do
Oprimido; e se realizou uma análise de vídeos, encontrados na internet, de peças de Teatro
Fórum apresentadas em capitais brasileiras. A análise dos vídeos selecionados foi feita a
partir de duas categorias, são elas: Teatro Fórum e curingagem, e aspectos bufonescos. As
categorias para a análise foram guiadas por três perguntas: De que forma o Teatro Fórum
vem se apresentando no que tange as questões da criticidade? Há criticidade na fruição dos
espect-atores através da curingagem? Os aspectos bufonescos podem contribuir para a
formação do curinga do Teatro Fórum? A principal consideração obtida nesta investigação
mostra que parte das peças de Teatro Fórum estudadas estão esvaziadas politicamente e
não buscam o olhar crítico dos espect-atores. Portanto, é fundamental que o curinga
construa o jogo de sua atuação pela qualidade improvisacional, que é um dos atributos das
atividades do bufão, dessa forma poderá haver criticidade na fruição dos espect-atores.
The Forum Theater is one of the most widespread Theater of the Oppressed’s modalities. It
was systematized in the 1970s and it approaches social and psychological opressions on
the scene so that they are discussed and restaged by the public. The mediator between the
forum-scene and the public is the joker. This work proposes an investigation between the
Forum Theater joker’s language and the buffoon. The buffoon is a clown with origins in
the medieval times that uses comicality mainly through grotesque body gestures and ironic
speech. This research has as primordial objective to investigate political and theatrical
buffoon’s characteristics being in Forum Theater’s joker in order to provoque the critical
eye. To that end, it was accomplished a historical rescue of the Forum Theater, of the joker
and of the buffoon by means of books and videos that bring concepts and practices about
them; it was written about the Victor Turner’s social drama bearing in mind one of the
research’s development axes: the study of the Cultural Performances and their relations
with the Theater of the Oppressed; and it was effected an analysis of videos, found on the
internet, about Forum Theater’s plays presented in the brazilian’s state capitals. The
selected videos’ analysis was done parting from two categories, they are: Forum theater
and jokering; and buffoon aspects. The analyis’ categories were guided through three
questions: In what way the Forum Theater has been presenting regarding the criticality
matters? Is there criticality in the spect-actors’ fruition through the jokering? Can the
buffoons’ aspects contribute to the Forum Theater’s joker formation? The mainly
consideration obtained in this investigation shows that part of the studied Forum Theater
plays are politically emptied and don’t seek the spect-actor’s critical eye. Therefore is
fundamental that the joker builds his/her acting game by the improvisational quality that is
one of the atributes of the buffoon’s activities, in this way is going to be possible having
criticality in the spect-actors’ fruition.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
1. TEATRO FÓRUM, CURINGA E BUFÃO ................................................................ 17
1.1 As formas de agitprop e a politização do teatro brasileiro ........................................ 17
1.2 O Teatro de Arena e suas contribuições para a sistematização do Teatro do Oprimido
......................................................................................................................................... 20
1.3 As modalidades do Teatro do Oprimido .................................................................... 33
1.4 Curingagem e fruição crítica no Teatro Fórum ......................................................... 37
1.5 A fruição dos espect-atores no Teatro Fórum pela relação entre autonomia,
democracia e política ....................................................................................................... 42
1.6 Quem são os bufões? ................................................................................................. 45
2 O DRAMA SOCIAL DA CURINGAGEM ................................................................. 51
2.1 O Teatro do Oprimido enquanto performance artística e cultural ............................. 51
2.2 O drama social de Victor Turner, o Teatro Fórum e as Performances Culturais....... 63
2.3 A escolha YouTube para a pesquisa .......................................................................... 70
2.3.1 Procedimentos metodológicos para a coleta dos vídeos: sistematização do processo
do levantamento de vídeos no YouTube para a pesquisa ................................................ 74
3 O QUE O YOUTUBE NOS TRAZ? ............................................................................ 85
3.1 Critérios para a análise dos vídeos ............................................................................. 85
3.1.1 Categoria: Teatro Fórum e curingagem .................................................................. 87
3.1.2 Categoria: aspectos bufonescos .............................................................................. 89
3.2 Análise dos vídeos de curingagens do Teatro Fórum nas capitais brasileiras ........... 92
3.3 Principais aspectos dos vídeos analisados ............................................................... 117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 127
APÊNDICES ................................................................................................................. 135
Apêndice A .................................................................................................................... 136
Apêndice B .................................................................................................................... 138
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa foi planejada por meio dos estudos práticos e teóricos desenvolvidos
por mim sobre o Método Teatro do Oprimido1 concebido pelo brasileiro Augusto Boal nos
anos 1970, segundo Boal (2009b). O Método leva para a cena a discussão de opressões
vivenciadas pelos indivíduos, de modo que elas sejam discutidas e repensadas. Em meados
de 2009, passei a fazer parte do Grupo de Teatro do Oprimido do Instituto de Artes da
Unesp (GTO/IA/UNESP), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Carminda Mendes André. O
encontro dos artistas e pesquisadores do GTO/IA/UNESP se deu a partir da vontade que
tínhamos de praticar o Teatro do Oprimido. O grupo era formado pelos graduandos em
teatro, música e artes visuais Alice Fonseca, Armindo Pinto, Andressa Maria, Ariane
Cuminale, Lissa Santi, Natália Bonilha, Fábio Santos, Flávio Silva, Gabriel Urasaki e
Sarah Reimann. O GTO/IA/UNESP criou, ensaiou e apresentou peças de reflexão e
proposição para a transformação de opressões sociais, bem como se aprofundou nos
estudos teóricos acerca dessa prática. E assim as atividades com o Teatro do Oprimido e
suas diferentes modalidades se tornaram minha principal ocupação.
O Teatro do Oprimido é baseado na ideia de que todos somos teatro. Que, para
além de um ofício, o teatro é uma ferramenta cotidiana de vivência. Boal acreditava que o
ser humano é teatro e nele estão presentes todas as características do ofício teatral que são
empenhadas para as atuações em sociedade. O ser humano carrega em si mesmo o ator e o
espectador de si mesmo, ou seja, ele atua e se assiste atuando; ele é o próprio dramaturgo,
pois delineia o roteiro de suas falas e ações; o ser humano é seu próprio figurinista ao
decidir que roupar e adereços usar; e, por fim, o ser humano é diretor das ações que
executa em sua vida cotidiana.
1
O artigo masculino na língua portuguesa é usado nas generalizações dos artigos nas frases. Esse fato
permite que a língua siga as condições do patriarcado e machismo em nossa sociedade. Manterei o artigo
masculino para facilitar a leitura, mas deixo aqui expressado meu descontentamento com o padrão.
10
multipliquei grupos de atores e não atores por intermédio dos procedimentos deste Método.
Fui mediadora de questões sociais, culturais e políticas dentro de escolas formais e em
instituições de educação não formal. Dessa forma, o Teatro do Oprimido se converteu em
um imprescindível meio de mediação entre opressões sociais vividas e alternativas de
resolução dos conflitos no meu trabalho como arte-educadora. Nesse processo, pude
compreender a importância do Teatro do Oprimido na recepção crítica de estudantes acerca
das opressões vividas. Também fui atriz e curinga2 de peças de Teatro do Oprimido,
vivenciei o desenvolvimento da fruição crítica como receptora e emissora de debates sobre
opressões sociais.
2
Mediador entre o público e os atores no Teatro do Oprimido. Existe divergência acerca do correto uso dos
termos curinga e coringa. Alguns dicionários defendem que são palavras sinônimas, outros privilegiam o uso
de determinados significados para cada uma dessas palavras. O mais comum é usar a palavra “curinga” para
se referir a uma carta do baralho com características especiais, bem como uma pessoa versátil, que
desempenha diversas funções. Já a palavra “coringa” é atribuída a um tipo de pequena vela triangular ou
quadrangular, em canoas ou barcaças, bem como o trabalhador dessas mesmas embarcações. Ademais,
ambas as palavras podem ser usadas para indicar uma pessoa feia e raquítica. A palavra curinga tem sua
origem na palavra em quimbundo kurínga, devendo assim ser escrita, com u na primeira sílaba. É sinônima
de dunga, curingão, basto, melé e joker, bem como de versátil, multifuncional e polivalente. A palavra
coringa tem uma origem desconhecida. Ambas as palavras podem ser sinônimas de magro, raquítico, feio e
enfezado. Augusto Boal fez uso das grafias “curinga” e “coringa” em seus escritos. No TCC (OLIVEIRA,
2013), utilizamos a grafia “coringa” escrita em itálico para ressaltarmos a relação do mediador com o Teatro
do Oprimido, porém neste trabalho usaremos “curinga”, pois acreditamos que esta forma é mais adequada
para explicitar que falamos do exegeta do Teatro Fórum.
3
A crítica nesta dissertação está ligada à construção do questionamento em relação à informação. Com a
crítica nada fica como posto e imóvel, mas há o desenvolvimento de um sistema de refutação e arguição
sobre o objeto. Entendemos que nas sessões de Teatro Fórum, a crítica dos espect-atores deve ser concebida
com foco na desconstrução dos padrões hierarquizados e opressores.
4
Nicola Abbagnano (2007) define revolução como “violenta e rápida destruição de um regime político, ou
mudança radical de qualquer situação cultural. Neste segundo sentido fala-se de "R. filosófica", "artística",
"literária", "dos costumes", etc, ou também de "R. copernicana". Mas está claro que, neste sentido, o uso da
palavra visa somente a ressaltar a importância da mudança ocorrida, e não tem significado preciso” (p. 858-
859). Nessa perspectiva, entendemos “caráter revolucionário” como uma posição que se dirige ao
questionamento dos padrões políticos, sociais e culturais vigentes.
5
A recepção dos espectadores, nesta dissertação, é compreendida como o acolhimento do público em relação
à peça assistida ou o ato de utilização que os espectadores fazem das imagens e palavras transmitidas no
espetáculo, buscando dar sentido a eles. Usaremos outros termos como: fruição, leitura, percepção, olhar,
11
curingar uma sessão de Teatro Fórum, ou seja, ao mediar as discussões entre o público e os
atores. A partir daí, comecei a me deparar com a necessidade de retomar os textos de Boal
sobre este Método.
Boal (2009b) critica a recepção desinteressada do teatro, mas para ele foi o
desenvolvimento das práticas teatrais que tornou os espectadores passivos - a
contemplação passiva de objetos inertes foi estabelecida. Para que o Teatro Fórum desperte
o olhar crítico, a recepção dos espect-atores não pode ser desinteressada dos
acontecimentos. “Não há evolução ou transformação do teatro que se dê sem a efetiva
participação dos espectadores” (DESGRANGES, 2003, p. 27).
contemplação. Todos os termos foram retirados de obras do pesquisador Flávio Desgranges (2003; 2011;
2012) e, aqui, eles são sinônimos.
12
anteriores” (DESGRANGES, 2003, p. 62). As ideias revolucionárias dos movimentos de
vanguardas teatrais dos anos de 1960 e 1970 desaparecem e dão lugar a propostas
mercantis no teatro. Os espectadores deixam de fazer parte fundamental do diálogo teatral
e se tornam testemunhas oculares de realizações teatrais espetaculares.
13
(que será reconstruída no fórum) e com a recepção crítica dos espect-atores acerca da peça
e da opressão social problematizada.
6
Figuras cômicas com origem na Antiguidade Clássica e diferentes formas de aparição durante festas
populares medievais, estilos cênicos e presenças na realeza, são conhecidas como histriões e cômicos
presentes em castelos, ruas e festas, possibilitando comicidade, especialmente pela paródia e estética
grotesca. Os bufões têm como uma de suas principais características o uso da ambiguidade em suas falas e
movimentações.
14
dissertação. Por fim, falamos sobre as origens e atuações do bufão e justificamos a
necessidade do estudo desta figura para esta pesquisa.
O primeiro contato que tive com esta linguagem foi em 2011 em uma oficina de
treinamento do ator cômico e bufão ministrada por Sofia Papo. A partir desta oficina,
comecei a desenvolver estudos teóricos e práticos sobre o bufão na graduação. Destes
estudos, cheguei à compreensão da necessidade de relacionar esta figura ao curinga do
Teatro Fórum. O bufão cria um jogo cênico entre opostos que revela críticas sociais,
políticas e culturais. As maneiras utilizadas por eles para tal são as principais fontes de
relação entre a atuação do curinga no Teatro Fórum e a recepção crítica dos espectadores.
Quais são as necessidades dos diferentes públicos que participam de sessões de
Teatro Fórum? Este foi o questionamento fundamental para encontrar as qualidades da
recepção crítica no Teatro Fórum. Por meio desta pergunta, pudemos direcionar os estudos
desta dissertação baseando-nos nas características da curingagem.
15
Oprimido e as Performances Culturais no capítulo 2. Tivemos como foco encontrar qual é
o drama social da curingagem no Teatro Fórum e quais as características necessárias à
mediação para que o drama social seja questionado e resolvido. Para tanto, foi realizado
um levantamento de vídeos de curingagens pelas capitais brasileiras no YouTube. O
término do segundo capítulo se deu neste levantamento, que originou a necessidade da
análise dos vídeos selecionados para que pudessem ser constatadas as características
bufonescas presentes e não presentes nos curingas.
A análise dos vídeos de curingagens do Teatro Fórum foi feita no terceiro capítulo.
Desenvolvemos duas categorias de análise que visam o Teatro Fórum, a curingagem e os
aspectos bufonescos nos vídeos analisados. Além destas categorias, fomos guiados pela
ideia da importância dos diferentes textos usados para a construção de uma peça de teatro.
No caso do Teatro Fórum, entendemos que o texto político é essencial na elaboração de
uma peça. Foram priorizadas nas análises as características dos curingas relacionadas às
dos bufões encontradas nas apresentações, visando à fruição crítica dos espect-atores.
16
1. TEATRO FÓRUM, CURINGA E BUFÃO
O teatro e a luta social são duas vertentes de trabalho que podem ser averiguadas na
história do teatro brasileiro. O surgimento do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 1950,
principalmente, é uma experiência essencial para o desenvolvimento do foco principal
desta pesquisa. Ele refere-se ao Teatro do Oprimido, desenvolvido por Augusto Boal, cuja
experiência da prática de agitprop7 na Revolução Russa (1917) foi fundamental para a
relação do teatro e da luta social no Brasil.
Para evitar mal-entendidos, é bom avisar desde logo que a função geral do teatro
de agitprop soviético era política em sentido próprio, isto é: tratava-se de uma
atividade determinada e patrocinada pelo Estado revolucionário tendo como
finalidade a construção do poder soviético. (COSTA, 2015, p. 37-38).
7
O termo agitprop, uma abreviação para “agitação e propaganda”, foi desenvolvido e usado no final do
século XIX pelos revolucionários russos. Amplamente difundido no começo do século XX na Revolução
Russa.
17
revolucionários russos. As técnicas8 usadas eram: o processo de agitação; o teatro-jornal;
peça de agitação; peças dialéticas; peças alegóricas; cenificações; montagem literária;
melodrama revolucionário; vaudeville; opereta; cabaré vermelho; marionete vermelho.
Estas técnicas terão influência direta nas modalidades do Teatro do Oprimido.
Nas peças dialéticas, o foco são as contradições das personagens. Elas sublinham os
conflitos dialógicos presentes na Revolução, como, por exemplo, o velho (capitalismo)
versus o novo (socialismo). Ao final da apresentação realizam-se debates. Trata-se de
peças alegóricas cujas apresentações criam alegorias e personificam instituições de poder
na sociedade, como a burguesia9 e o sindicato operário. São intervenções breves e trazem
questões do cotidiano.
8
A esquematização das técnicas teatrais no agitprop russo teve como referência o artigo da autora Iná
Camargo Costa no livro Residência agrária da UNB: teatro político, formação social, avanços, limites e
desafios da experiência dos anos de 1960 ao tempo presente (2015).
9
Burguesia é uma classe social do regime capitalista, onde seus membros são os proprietários do capital, ou
seja, comerciantes, industriais, proprietários de terras, de imóveis, os possuidores de riquezas e dos meios de
produção. Fonte: <https://www.significados.com.br/burguesia/>.
18
simples leitura ou até como a construção de espetáculo com figurino, cenário, acrobacias
etc.
As formas de teatro agitprop foram trazidas para o Brasil pelo Centro Popular de
Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE), segundo Costa (2015). O CPC
da UNE foi formado por militantes e artistas egressos da Companhia Teatro de Arena de
São Paulo. Acreditamos que já no Arena havia a proliferação das ideias existentes no
agitprop russo, especialmente porque mais tarde o grupo irá praticar o teatro-jornal, que é
uma das técnicas do agitprop, dirigido por Augusto Boal.
10
Pequenos teatros onde eram realizadas apresentações de paródias de peças que estavam sendo apresentadas
na época.
11
Segunda fase da Revolução Russa de 1917.
19
1.2 O Teatro de Arena e suas contribuições para a sistematização do Teatro do
Oprimido
A Companhia Teatro de Arena foi criada em 1953 por José Renato Pécora, porém,
apenas em 1955, o grupo passa a possuir uma sede, localizada na rua Teodoro Baima no
centro da cidade de São Paulo. A princípio, tinham como objetivo realizar montagens de
peças teatrais de modo mais econômico e viável para estudantes da Escola de Arte
Dramática da Universidade de São Paulo, de onde vinham seus integrantes. Além disso,
José Renato se interessava pela relação palco-plateia, que no teatro de arena é diferente do
teatro italiano.
Augusto Boal foi um carioca nascido no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, filho
de portugueses, que foi aos EUA realizar o desejo de seu pai, estudar química, e sua
vontade, estudar dramaturgia teatral. Boal teve como professor de dramaturgia o crítico
20
teatral John Gassner. Com a influência de Gassner, Boal pode assistir ensaios e oficinas de
interpretação realizadas no Actor’s Studio, um importante espaço de formação de atores
com base nas teorias do diretor russo Constantin Stanislavski, conhecido por seu sistema
de técnicas de interpretação baseado em ações físicas e espírito interior. Depois dessas
experiências, Boal é contratado como diretor do Teatro de Arena de São Paulo.
Foi com o trabalho de Boal como diretor, desse momento em diante, que o teatro
norte-americano passaria a ser conhecido, no Brasil, nos seus três campos
constitutivos: o da escritura dramatúrgica, cujo estudo Boal desenvolveu nos
Seminários do Arena, o da interpretação, com os exercícios stanislavskianos que
criou nos Laboratórios de Interpretação a partir de sua experiência no Actors’, e
o do repertório, com as montagens que [...] apresentavam na prática a
ressonância das concepções e do trabalho formativo de Gassner, que Boal
incorporara em seu trabalho como diretor e como formador (BETTI, 2015, p. 17-
18, grifo da autora).
A fase inicial do Teatro de Arena foi marcada pela necessidade que o elenco e o
diretor, José Renato, tinham em criar um repertório de peças com baixo custo de
montagem em contraposição às peças sofisticadas apresentadas pelo Teatro Brasileiro de
Comédia (TBC12). Nesta etapa, as peças do Arena priorizavam as características do atores,
“a interpretação seria tão melhor na medida em que os atores fossem eles mesmos e não
atores” (BOAL, 2009b, p. 244-245).
12
O TBC foi inaugurado em 1948 na cidade de São Paulo pelo italiano Franco Zampari. Este teatro era
conhecido pelas peças luxuosas e dramaturgicamente clássicas. “[...] O TBC cumprirá a função de trazer a
modernidade do teatro burguês europeu aos palcos paulistas. A empresa teatral foi, durante toda a década de
1950, a representação do que havia de mais moderno (de acordo com afirmações da história oficial do teatro)
na dramaturgia estrangeira” (SILVA, 2016, p. 17).
21
A segunda fase coincidiu com “o nacionalismo político, com o florescimento do
parque industrial de São Paulo, com a criação de Brasília, com a euforia da valorização de
tudo nacional” (BOAL, 2009b, p. 247).
Nesses anos de 1964 a 1968, o setor social que mais se radicalizou foi a classe
média estudantil, fenômeno facilmente verificável pelas manifestações políticas
do período. Estas contavam inclusive com a “classe teatral”, que lutava contra a
13
Segundo o historiador brasileiro Nelson Werneck Sodré: “povo é o conjunto de classes, camadas e grupos
sociais empenhados na solução objetiva das tarefas do desenvolvimento progressista e revolucionário na área
em que vive. As classes compreendem as parcelas da população que, por sua situação objetiva, têm interesses
comuns a defender” (SODRÉ, 1962, p. 12).
22
censura e a repressão que a atingia. Havia todo um deslocamento para a esquerda
de setores da classe média, de onde provieram, inclusive, muitos dos que se
dirigiram à luta guerrilheira. Os CPCs, bem como o Arena catalisaram tais
anseios, pela radicalidade de suas colocações (CAMARGO, 1992, p. 152).
Em relação a isso, Paulo Bio Toledo (2015, p. 52) afirma que Boal “sabia com quem
estava falando, sabia que seu público era constituído por certa juventude universitária
inconformada com os rumos da política além de setores médios progressistas da
sociedade” (TOLEDO, 2015, p. 52). Mas ainda assim, mesmo que os autores estejam
falando de épocas diferentes, acreditamos que havia no Arena a facilidade de encontro com
um público ativista e que colaborou para seu sucesso. De qualquer maneira, isto não
invalida a importância histórica do Teatro de Arena.
Ainda em 1958, após a estreia de Eles não usam black-tie, aconteceram os
Seminários de Dramaturgia do Arena (1958-1961), que eram encontros semanais que tinha
como objetivo valorizar a dramaturgia brasileira.
Nesses encontros eram discutidas peças escritas por autores nacionais a partir de
partes práticas e teóricas. Nove textos foram montados pela Companhia: Chapetuba
Futebol Clube - Oduvaldo Vianna Filho (1959); Quarto de Empregada - Roberto Freire
(1959); Bilbao, Via Copacabana - Oduvaldo Vianna Filho (1959); Gente como a gente -
Roberto Freire (1959); A Farsa da esposa perfeita - Edy Lima (1959); Fogo Frio -
Benedito Ruy Barbosa (1960); Revolução na América do Sul - Augusto Boal (1960);
Pintado de Alegre - Flávio Migliaccio (1961) e O Testamento do Cangaceiro - Francisco
de Assis (1961). “A sede do Arena tornou-se, então, a casa do autor brasileiro”
(MAGALDI, 1984, p. 7).
23
didáticas, mas foi com o teatro épico que Brecht elaborou um novo paradigma nas teorias e
práticas mundiais do teatro. O teatro épico brechtiano foi construído no século XX, “foi
desde 1926 que Brecht começou a falar de ‘teatro épico’” (ROSENFELD, 2008, p. 146).
No teatro épico brechtiano, a ação histórica e o caráter dialético são mais fortes que
a linearidade do drama. As duas razões fundamentais que contrapõem o teatro brechtiano
ao aristotélico (catártico), segundo Rosenfeld (2008), são o desejo de não mostrar inter-
relações pessoais e o caráter didático das obras, que procuram “despertar os oprimidos do
pesadelo imposto pela burguesia” (SILVA, 2008, p. 39).
Anatol Rosenfel (2008, p. 149) apresenta uma tabela que contem diferenças entre a
forma dramática e a forma épica teatrais, de acordo com Brecht:
24
uma cena pela outra (encadeamento; nota cada cena por si;
do autor);
crescimento (organismo; nota do autor); montagem;
acontecer linear; em curvas;
necessidade evolutiva; saltos;
o homem como ser fixo; o homem como processo;
o pensar determina o ser; o ser social determina o pensar;
emoção. raciocínio.
Fonte: ROSENFEL, 2008, p. 149.
No Arena, Boal, como diretor, passa a desenvolver trabalhos teatrais que colocam
sua atenção voltada para as mazelas dos oprimidos da sociedade. Ali ele tem condições de
dar espaço às suas vontades e necessidades políticas em cena. O desejo de usar o teatro
como ferramenta para a revolução se torna um objetivo de Boal e da Companhia.
A peça Revolução na América do Sul (1960), escrita por Boal, tem nessa abertura
para a dramaturgia nacional e protagonização do oprimido sua principal fonte propulsora.
O teor político da peça pode ser claramente visto sem que a forma teatral do
espetáculo fique em segundo plano, pois Boal consegue atingir um bom
equilíbrio entre esses dois elementos. Em Revolução, nota-se que o espetáculo
ganha força política na medida em que a forma oferece um entendimento direto e
objetivo. (SILVA, 2008, p. 34-35).
25
A figura do oprimido representada nesta peça é o desenvolvimento da figura
surgida em Eles não usam black-tie, mas, na peça de Boal, não há contradição entre forma
e conteúdo, pois eles serão épicos por excelência. As ideias brechtianas de Boal aparecem
explicitamente em seu teatro. As personagens oprimidas das peças do alemão influíram
diretamente nas personagens construídas pelo dramaturgo brasileiro. Assim, Boal começa a
desenvolver outras formas de colocar o oprimido em cena.
Essa fase da pesquisa do grupo dura até meados de 1964, quando o acirramento
das tensões políticas e sociais no país leva ao golpe civil militar que interrompe
essas parcerias com os movimentos sociais que davam uma nova inflexão para a
pesquisa laboratorial projetando-a para fora do teatro e mostrando cada vez mais
sua força nas ruas. A partir daí será necessário reformular a maneira como a
pesquisa e os projetos de Boal e do Teatro de Arena como um todo se
intercambiam com a sociedade, o que levará a montagem de [...] peças da fase do
Arena Conta (CHAGAS, 2015, p. 33).
14
Esta, porém, não marcou o período final da Companhia de Teatro Arena. Em 1968, surgiu a I Feira
Paulista de Opinião, que reunia artistas do teatro, da música e das artes visuais contra a ditadura brasileira
daquele momento, porém a censura não permitiu que a peça fosse apresentada e isso provocou um
movimento de resistência dos artistas, especialmente da classe teatral paulistana. A direção geral deste
trabalho era de Augusto Boal que continuou trabalhando com o Arena até 1971 quando foi preso pela
ditadura civil-militar brasileira. A Companhia se manteve atuando até seu fechamento no mesmo ano.
26
encenação que será um dos princípios para a elaboração das teorias do Teatro do
Oprimido, de acordo com Silva (2008): o Sistema Coringa.
1) A desvinculação ator/personagem;
2) O ecletismo de gênero e de estilo;
3) A narração coletiva;
4) A música como suporte de conceitos.
Todos podem fazer qualquer personagem, não há mais a fixação de um papel por
ator. Dessa forma, o conjunto de artistas poderia ser menor, e as personagens
desenvolvidas alternadamente. O ecletismo estilístico quebrava com as construções
realistas/naturalistas que o Teatro de Arena até então montava. A música, além de ser
usada como maneira de climatização de um espetáculo, passou a conter as pretensões
político-ideológicas da obra. E, por fim, o elemento da narração coletiva servia de fio
condutor para a ação dramática, proporcionando aos artistas da peça outra forma de
dialogar com o público e expor e/ou explicar algo do enredo. A narração coletiva passaria a
ser fortalecida na função do Sistema Coringa.
Na figura 1 abaixo, podemos ver uma cena da peça Arena Conta Tiradentes na qual
há a intervenção do Coringa do Sistema desenvolvido por Boal:
27
Figura 1: Apresentação da peça “Arena Conta Tiradentes” em 1967
15
O Coringa é a personagem polivalente que pode atuar em qualquer papel e substituir qualquer ator,
inclusive o protagonista. Em cena, ele funciona como um conferencista, um exegeta na relação entre a
estrutura da obra e o público.
16
A narração completa deste episódio pode ser encontrada nas páginas 50, 51 e 52 da dissertação de
Anderson de Souza Zanetti da Silva (2013) - A estética da subjetividade rebelde na poética teatral do
oprimido.
28
Outra influência para a construção do Teatro do Oprimido esteve presente nos
últimos momentos de Boal como diretor do Arena, em 1971. Ele passou a desenvolver o
teatro-jornal, no qual as personagens oprimidas são representadas por elas mesmas na vida
cotidiana, ou seja, não são mais atores profissionais (que levam o teatro como profissão)
que representam uma história de outro indivíduo, mas pessoas oprimidas do cotidiano que
fazem do teatro um mecanismo de resistência, contando suas próprias narrativas.
17
LGBTT é a abreviatura para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros.
18
Em entrevista concedida à atriz Dina Staf, Augusto Boal afirma que o Teatro do Oprimido surgiu no Brasil
e se desenvolveu em outros países da América Latina. Boal conta que o Teatro do Oprimido começou em
1968 no Teatro de Arena, porém é certo que o Método só foi sistematizado na década seguinte. A entrevista
pode ser vista no documentário Augusto Boal e o Teatro do Oprimido, de Zelito Viana (2010).
29
formas de se libertar das amarras opressivas a partir da criação do pensamento crítico por
meio do teatro.
O TO [Teatro do Oprimido] ajuda seus praticantes a analisar o passado,
em linguagem teatral, para que possam inventar o futuro. O TO busca
transformar a realidade e não apenas compreendê-la e, resmungando,
lamentá-la. (BOAL, 2003, p. 174).
19
Segundo Silva (2015), Augusto Boal foi integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização
política de esquerda-marxista.
20
Evento realizado de 5 a 9 de setembro de 2016. Local: Cine Goiânia Ouro, Goiânia, GO.
30
ideia de analfabeto, mas de alfabetizando. Para Freire, todo educando poderia viver o
movimento de passagem da consciência ingênua para a consciência crítica. E a
alfabetização é a capacidade de lermos o mundo. Freire acreditava em experiências
fundantes e temas geradores, de modo que a alfabetização poderia trazer palavras próprias
do mundo do educando.
Ainda na já citada palestra do Prof. Corte Real, este disse que a Pedagogia do
Oprimido é uma ação político-pedagógica de empoderamento do povo, que valoriza o
diálogo. O diálogo em busca de temas geradores para a educação é o elemento que permite
investigar os problemas concretos do povo, para que se possa ser desenvolvido um
programa educacional que faça sentido, contribuindo com leituras de mundo.
O Prof. Corte Real, na referida palestra, afirmou ainda que a leitura de mundo
configura-se em uma educação na qual o código escrito da palavra possui intento
pedagógico quando vem acompanhado da compreensão do contexto social. Em
consonância está a ideia das palavras e temas geradores, como proposto por Freire,
utilizados para perguntar aos alfabetizandos dos círculos de cultura21 acerca dos
significados das palavras aprendidas. Nesse sentido, a leitura política reveste de significado
a leitura da palavra e a leitura de mundo. Há a possibilidade de, por meio da leitura, sermos
capazes de dizer nossas próprias palavras, o que rompe o processo de silenciamento a nós
imposto na sociedade brasileira.
21
Sala de aula ou roda de conversa de estudantes e educadores.
31
O processo de silenciamento é responsável pela criação de “analfabetos políticos”,
que assistem acriticamente aos movimentos do governo no país e não se veem como parte
das decisões e da construção da política. Quando trabalhamos com temas geradores,
estamos lidando com temas atuais. Para isso, precisamos questionar o momento histórico
da classe brasileira.
É necessário criar condições para que os indivíduos sejam capazes de fazer leituras
de mundo segundo as posições que ocupam no mundo e com o mundo, de modo que os
cidadãos busquem participar politicamente da vida em sociedade. Essas condições podem
ser criadas a partir das artes e do diálogo. O diálogo é essencial para a composição das
práticas do Teatro do Oprimido, visto que este atua por meio da leitura de mundo dos
participantes, ao construir as cenas teatrais.
Paulo Freire e Augusto Boal foram motivados pela premissa de que todos têm
condições de aprender qualquer tipo de conteúdo, seja ele da agricultura, da medicina, da
matemática ou do teatro. O mais importante é que seja dado aos oprimidos o poder de
escolha, para que sejam construtores do próprio conhecimento. Portanto, a visão crítica é
imprescindível para que se dê o processo de autodescobrimento afirmado por Boal e Freire.
No Peru, esse teatrólogo pode se aprofundar na criação ativa do oprimido em cena, o que
influenciou decisivamente na construção das modalidades do Teatro do Oprimido.
32
acreditamos que é importante que façamos as associações e memórias entre Teatro do
Oprimido e agitprop, já que este foi crucial para a união do teatro e da luta social no Brasil.
22
Em letras maiúsculas, pois me refiro ao Teatro Jornal desenvolvido como modalidade do Teatro do
Oprimido. Da mesma forma, as outras modalidades do Teatro do Oprimido serão escritas com letras iniciais
maiúsculas.
23
Desenvolvido a princípio no Teatro de Arena antes de Boal exilar-se do Brasil, mas ainda não como parte
do Método do Teatro do Oprimido, o Teatro Jornal “sustentava [...] um caráter didático, o de montar nove
técnicas de transformação de uma notícia em cena teatral” (MAGALDI, 1984, p. 91-92).
33
classes oprimidas, não apenas como dramaturgo e diretor, mas também
como cidadão e ativista. (SANTOS, 2016, p. 76).
Em 1971, após Augusto Boal ser preso, torturado e exilado do Brasil, ele vai para a
Argentina, onde desenvolve outra modalidade do Teatro do Oprimido: o Teatro Invisível.
Essa modalidade consiste na criação e apresentação de peças teatrais em espaços públicos,
simulando cenas cotidianas, de forma que seja fomentado um processo de discussão crítica
sobre os temas trazidos, porém os espectadores não estão cientes que se trata de uma cena
cuja ação é teatral. Ao final da apresentação, os atores deixam o espaço sem contar aos
transeuntes que se tratava de uma peça. Provavelmente, as formas de agitprop não se
realizavam em teatros (espaços fechados) com público convidado, devido à repressão
política da época. Portanto, acreditamos que os espectadores dessas apresentações também
eram “pegos de surpresa” na condição de transeuntes, como no Teatro Invisível.
No Peru, em 1973, surgiu o Teatro Fórum. De acordo com a curinga Bárbara
Santos (2016), o Teatro Fórum está presente em mais de 72 países pelos cinco continentes
do mundo. A cena, no Teatro Fórum, surge a partir de uma opressão compartilhada por um
grupo por analogia ou por identidade. Ao longo de um processo que engloba jogos e
exercícios desenvolvidos para o Teatro do Oprimido, a percepção artística, social e crítica
dos participantes é aprimorada e, por vezes, reconstruída.
34
O Teatro Imagem dá suporte para a construção e multiplicação do Teatro do
Oprimido como linguagem corporal e artística. A modalidade foi desenvolvida nos anos de
1970 e pressupõe falar por intermédio do corpo o que se quer dizer, dispensando o uso da
palavra, mesmo que esta seja extremamente importante para desenvolver os mecanismos
corporais imagéticos e de possibilidades motoras. Os principais meios de atuação da
modalidade são a imagem e as construções que ela gera; a modalidade perpassa as outras,
ou seja, é um caminho em comum a ser seguido por todas as formas.
35
nesta fase é comparado, e por vezes igualado, ao psicodrama24. Boal ainda reitera a relação
do social e psicológico quando explicita que a separação entre os dois deve se manter
apenas como elemento didático, pois o social está inserido no psicológico e vice-versa.
24
O psicodrama foi desenvolvido por Jacob Levi Moreno em 1921. Este é uma prática que empresta do teatro
técnicas de jogo e cenas para que os pacientes de terapia possam trabalhar com seus “problemas”
psicológicos a partir do viés teatral. Assim, lidam com o seu universo mental de outra forma. A ação
dramática faz parte do psicodrama.
36
criação em detrimento daquela veiculada pelas mídias e padrões de massa. O Teatro Fórum
precisa fazer uso da Estética do Oprimido para que os indivíduos passem a serem
produtores da própria arte, tendo o teatro como prática e a liberdade como objetivo. No
subcapítulo seguinte, iremos nos aprofundar sobre o Teatro Fórum e a curingagem.
O Teatro Fórum não pode representar o último estágio da opressão: a agressão. Por
exemplo, se é apresentada uma cena em que uma mulher, em casa, é agredida fisicamente
pelo marido e não tem possibilidades de sair dali, é bem provável que o público tenha
dificuldades de encontrar alternativas para a situação que não sejam físicas. Assim, para
Boal, o fórum precisa ser feito anteriormente: o que a mulher poderia ter feito para não
estar nessa situação com o marido? Sabemos que o ideal é que o marido não seja agressivo,
pois é ele que precisa deixar de ser opressor. Porém, é verdade que os oprimidos têm de
37
encontrar maneiras de não chegar a serem agredidos e vivenciar o pior desfecho das
opressões: a morte.
Assim, o texto de uma representação não está restrito apenas à comunicação verbal,
o corpo também comunica. O fato de as representações estarem ligadas às classes sociais
dos atores atesta que eles têm algum tipo de consciência sobre elas. Isso porque alguns
trejeitos e características da representação têm estreita relação com o lugar social de quem
atua. Assim, no Teatro Fórum, os atores devem ter consciência da fachada que representam
em cena.
A mediação entre o palco e a plateia em uma sessão de Teatro Fórum é feita pelo
curinga. Normalmente, o curinga é o diretor artístico do grupo, mas isto não é uma regra.
Ele é um “misto de animador, coordenador, diretor de teatro e moderador dos eventos de
Teatro do Oprimido” (TEIXEIRA, 2007a, p. 14). No Teatro Fórum, o curinga avalia, junto
ao público, as alternativas apresentadas pelos espectadores e questiona suas implicações na
peça e na vida cotidiana.
A obra de Teatro Fórum pode ser uma ação transformadora, quando evidencia
criticamente uma opressão social a ser discutida. O curinga, mais do que tornar uma
opressão evidente na obra, facilita entre os espectadores e a peça o debate da opressão
25
Goffman (2002) usa o termo “fachada” para se referir ao conjunto expressivo empregado consciente ou
inconscientemente por um indivíduo durante sua representação cotidiana.
38
observada, que é o instante de libertação do oprimido. A característica da obra em favor da
ação transformadora é a epistemologia intrínseca do Teatro do Oprimido, pelo seu caráter
teatro-educativo-crítico.
O oprimido não vê outra situação a não ser a condição opressiva que vive. O Teatro
Fórum poderá, então, criar o viés crítico que o moverá para fora da situação de
conformidade. A mobilização do espect-ator precisa ser a consequência transformadora da
cena-fórum.
Augusto Boal não gostava da palavra “espectador”, pois a considerava “feia”.
Acreditava que se referia a um indivíduo que assiste passivamente à peça. Para ele, os
espectadores precisam participar ativamente de uma sessão de teatro, em especial no
Teatro Fórum. O espectador de teatro é considerado um consumidor massivo de
entretenimento cultural. Boal, em seus estudos e práticas, passa a chamar o fruidor de
Teatro do Oprimido de espect-ator, para afirmar que o espectador da sessão de Teatro
Fórum é interlocutor ativo e está em expectativa para atuar, para entrar em cena:
O Teatro do Oprimido propõe ao público que o assiste trazer alternativas para que
ocorra o fim da opressão social evidenciada. Primeiramente, a ideia é dar poder de luta ao
oprimido, para que ele se conscientize da opressão e tente sair dela.
Este teatro que vislumbra espect-atores faz parte de um movimento que transporta o
indivíduo do público do lugar de contemplador para co-criador. De forma que, em
consonância com o que afirma Boal, o teatro se cumpra “enquanto espaço de
aprendizagem, de exercícios de direitos e deveres do cidadão (ensaio para a Revolução)”
(ANDRÉ, 2007, p. 63).
39
que seja apresentada uma cena de Teatro Fórum que proporcione ao público possibilidades
de reflexões e busca de alternativas dentro de situações contextualizadas. Boal (2000, p.
323) conclui:
40
Vale ressaltar, portanto, que Boal não traz um modelo fechado para a formação do
mediador no Teatro Fórum, propondo que os curingas priorizem a discussão sobre a
opressão e não, apenas, a entrada do espect-ator em cena.
O modelo seguido pela maioria dos curingas no mundo produz erros, segundo
avaliação de Julian Boal. Para ele, o erro mais comum dos curingas é promover o
democratismo falso, ao dizer que todas as opiniões são válidas. Agindo assim, o curinga
deixa transparecer que não conhece muito bem o tema que está sendo curingado ou que
não sabe porque está ali. Isso também leva à crença de que “por si só a cena salva”,
induzindo o curinga a forçar que os espect-atores entrem em cena. Consequentemente, o
curinga não dá atenção à discussão que é suscitada, muitas vezes mais interessante que a
intervenção na peça. Isto acontece não só pela necessidade que possui o curinga de que os
espect-atores entrem em cena, mas também pelo esvaziamento de questões políticas na
formação do mediador.
Para Boal (2000), a atitude física do curinga é extremamente importante, ele deve
estar em alerta durante a sessão de Teatro Fórum e mostrar prontidão corporal. Boal diz
que a figura precisa estar atenta ao seu corpo, não demonstrando relaxamento ou
desinteresse. O curinga precisa estimular a plateia. No livro Stop: c’est magique,27 uma das
principais obras do Teatro do Oprimido, podem ser encontrados apontamentos de
comportamento para o curinga. A importância que Boal sublinha à atitude física do curinga
nos coloca em questão a constituição da composição física do mediador. Afinal, se sua
posição corporal é relevante no processo do Teatro Fórum, como ela se constituiu? Quem
trouxe os procedimentos teatrais para a formação corporal do curinga?
26
Evento realizado de 4 a 6 de setembro de 2015. Local: Cine Teatro Coronel Raymundo, Santana de
Parnaíba, SP.
27
Na 11ª edição do livro Jogos para atores e não atores (2000), Augusto Boal repetirá as perguntas sobre as
dúvidas e certezas no Teatro Fórum.
41
Julian Boal acredita que o modo de proceder à curingagem de Teatro Fórum e da
postura corporal do curinga foi traçado pelos escritos de seu pai. Considera, portanto, que
os apontamentos dados por Boal são relevantes à percepção de curingas quando trabalham
com o Teatro Fórum. Mas a maneira como os curingas devem proceder foi dada como
modelo a partir das atuações de Augusto Boal como curinga. Julian Boal assinala que
existem poucos escritos sobre a curingagem. Segundo ele, seu pai via a curingagem como
algo pessoal, de cada curinga e não acreditava que ela fosse “necessariamente transferível”
entre mediadores.
O fato de Augusto Boal não ter criado um modelo fechado de curingagem torna o
Teatro Fórum uma forma produtiva de combate a opressões sociais, uma vez que a
curingagem está aberta a influências e sugestões do público. O público é o referencial no
trabalho do curinga e a ele todas as perguntas têm de ser enviadas para suscitar o debate.
Por isso, vemos a curingagem como uma abordagem de transformação social e entendemos
que é indispensável buscar a recepção crítica no Teatro Fórum.
1.5 A fruição dos espect-atores no Teatro Fórum pela relação entre autonomia,
democracia e política
Qual a relação entre política, democracia e autonomia? Esta pergunta nos surge
como grande desafiadora da proposta de repensar um teatro no qual o espect-ator seja
provocado criticamente para discutir e fazer parte da construção da obra de Teatro Fórum.
42
início de uma transformação social necessária e não um momento de equilíbrio e repouso”
(BOAL, 2009b, p. 19). O curinga irá provocar o questionamento da opressão pelos espect-
atores. Dessa forma, a recepção da audiência no Teatro Fórum deve ser crítica.
43
intersubjetivos e como sinônimo de liberdade, somos levados a entender que a política,
quando instaurada em um indivíduo, tende a conduzi-lo ao exercício de afirmação de si
mesmo como sujeito histórico, social e cultural. Essa afirmação se fortifica quando
pensamos que os sujeitos entram em relação e constroem paradigmas de conduta e
vivência que são baseados em suas próprias vidas.
O termo democracia, de acordo com Abbagnano (2007), tem a ver com uma forma
de governo que permite ao cidadão fazer o que quer. Refere-se a definição que poderia
estar de acordo com a de liberdade, como proposto por Arendt, não fosse o fato de a
filósofa acreditar que a liberdade não está ligada ao querer, mas sim ao poder. Ainda
segundo Abbagnano (2007, p. 487), “a democracia existe quando os livres governam”.
44
atingida em uma forma de governo democrática, na qual todos fazem o que podem e são
livres para agir de acordo com sua auto-organização e regimento.
A busca pela emancipação que precisa ser despertada nos espect-atores em uma
sessão de Teatro Fórum nascerá por meio da fruição crítica. Isso porque, no momento em
que o espect-ator não aceita as propostas em cena como estão e sente a necessidade de
intervir e modificar as situações, ele está passando por um processo de reconstrução da
qualidade crítica de sua fruição.
Dessa maneira surge a questão impulsora desta pesquisa: como pode se estabelecer
a formação do curinga no Teatro Fórum, primando pela fruição crítica dos espect-atores?
Vale dizer que entendemos que melhor alternativa para isso é a constituição do curinga por
meio de características do bufão.
45
O ator-bufão adota a ideia dos paradoxos, como uma espécie de equilíbrio, para que
a atuação seja criada. As ações bufonescas ocupam um espaço entre o trágico e o cômico,
entre a verdade e a mentira, entre o cênico e o real. Esta dualidade é fundamental para que
o curinga fomente a percepção crítica dos espect-atores, afinal, em uma sessão de Teatro
Fórum a curingagem precisa lidar com as realidades da opressão no cotidiano e no teatro.
46
Figura 2: Bufão Perkeo frente ao Castelo de Schwetzingen - Johann Georg Dathan (À esquerda).
Figura 3: O Bufão Pablo de Valladolid - Diego Rodrigues da Silva y Velásquez (À direita).
Lopes (2001) afirma que o artista que estiver trabalhando com o bufão necessita
colocar no jogo da representação energia suficiente para que haja um alto grau de presença
em cena. Na atuação do curinga no Teatro Fórum, é essencial que ele possua um alto grau
de presença em cena, afinal, ele precisa estar atento às observações e representações dos
espect-atores. Para isso, é necessário que o curinga seja regido por impulsos e forças
excessivas que deixem aparecer sua animalidade e ambiguidade cênicas, assim como nos
bufões.
Os bufões misturam em suas ações de ambiguidade ideias do sábio e do tolo, do
artista ou do mago, provocando aproximação entre eles e os interlocutores com quem
falam, seja eles parte da corte real ou da população de um reino. As oposições presentes
em sua personalidade possibilitam que o bufão produza um jogo baseado na alteridade 28 de
forma que ele consiga alcançar a todos com suas críticas político-sociais.
28
Segundo Abbagnano (2007): “ser outro, colocar-se ou constituir-se como outro” (p. 34).
47
Entendemos que o curinga formado por características bufonescas, terá um espaço
no qual suas críticas possam ser feitas sem retaliações superficiais, mas por
questionamentos que despertem o olhar crítico do público. A loucura trazida pelos bufões
foi considerada na Antiguidade um signo do entendimento humano.
A loucura da atuação dos bufões era tolerável socialmente, pois se aceita do louco o
que não se aceitaria de uma pessoa “normal”.
Os ricos e os poderosos tiveram ao seu lado, desde muito cedo, pobres diabos,
quase sempre deformados e mal-feitos, e às vezes verdadeiros loucos,
encarregados de fazer rir, ou levá-los a conhecer suas prosperidades futuras e os
desígnios dos deuses. A loucura era considerada na antiguidade como signo do
entendimento sobre-humano (GAZEAU, 1995, p. 14, tradução minha).29
29
Los ricos y los poderosos tuvieron desde muy temprano a su lado pobres diablos, casi siempre deformes y
contrahechos, y a veces, verdaderos locos, encargados de hacer reír, o bien de darles a conocer los sucesos
futuros y los designios de los dioses. La locura se consideraba en la antigüedad como signos de un
entendimiento sobrehumano. (GAZEAU, 1995, p. 14).
48
O riso expressado pelo bufão é associado a um momento de prazer, porém,
também, é ligado a um processo lógico de percepção das realidades em que se vive. Nas
ações do bufão, vemos um intento crítico aguçado, apesar de nem sempre intencional, que
é construído por meio de ações cômicas e grotescas, que podem denunciar mundos
carregados de contradições e incoerências das relações entre os seres humanos.
As risadas proferidas pelos espect-atores poderão ser resultado de olhares críticos
suscitados pela mediação do curinga formado por características bufonescas que possuem
este intento crítico aguçado. Assim sendo, as risadas exprimidas pelo bufão podem
influenciar o curinga a criar um ambiente cômico na curingagem que critica a opressão e
provoca o olhar reflexivo sobre ela.
Rir em uma peça de Teatro Fórum pode ser o mesmo que negar a opressão em
cena, mas a verdade encoberta precisa ser desvelada pelo viés crítico que é instaurado
pelos espect-atores. Se o público ri, ele é cúmplice das ações do curinga, porém suas
risadas não podem ser vazias, precisa haver um tom de crítica à opressão social.
Por certo, o curinga deve ser o responsável por mediar a relação palco e plateia no
Teatro Fórum e provocar a leitura crítica no espect-ator. A partir da criação do jogo
improvisacional com o público, como o bufão, deve fazer críticas e desvelar opressões. A
49
conexão estabelecida entre eles (o curinga e o bufão) exalta a importância do
posicionamento crítico durante a fruição de cenas de Teatro Fórum. Esta conexão colabora
para a busca de alternativas para o fim conflito motriz da pesquisa, que é um dos
problemas encontrados pelo curinga em sua atuação no Teatro Fórum, que não permite que
ele instigue os espect-atores a ponto de que estes vivam a fruição crítica da opressão
apresentada em cena.
50
2 O DRAMA SOCIAL DA CURINGAGEM
51
sobre a formação do curinga do Teatro Fórum a partir do bufão a favor da fruição crítica
dos espect-atores.
Alguns autores já abordaram questões para a expansão das possibilidades estéticas
do curinga. A análise feita desses autores mostrou que as propostas acerca da formação do
curinga são alternativas criadas no âmbito teórico, alternativas que são delineadas como
teoria. Não há aprofundamento dessas concepções e a figura do bufão é visada mais como
espírito de loucura e menos como proposta teatral e crítica para o curinga. As autoras e o
autor analisados a seguir são: Mady Schutzman, Márcia Pompeo Nogueira, Jan Cohen
Cruz, Sonia Laiz Velloso e Tim Prentki.
Schutzman e Cruz (2006) apresentaram possíveis mudanças para o curinga no
capítulo Joker runs wild, cujo título ao traduzirmos para o português é: O curinga
enlouquece. As questões suscitadas por elas estão em torno da revitalização do curinga,
propondo sua maior semelhança com a atuação da figura Coringa do Sistema Coringa,
desenvolvido nos anos de 1960 no Teatro de Arena de São Paulo. Schutzman e Cruz estão
em busca do uso do humor no trabalho da curingagem com as opressões, mas elas não
apontam para a utilização de exercícios e características bufonescas na formação do
curinga, como fazemos neste estudo.
Tim Prentki (2011) traz ideias similares àquelas vistas anteriormente, de
enlouquecimento do curinga, porém pensando em outra figura, o bobo da corte, uma
personagem que tinha a função de divertir e criticar reis, poderosos e nobres na Idade
Média e no Renascimento. Por meio do humor, eles teciam comentários sobre as atitudes
de seus senhores e suas decisões como comandantes. Os principais questionamentos de
Prentki colocam o curinga como uma figura crítica, porém ainda não o relacionam à
recepção dos espect-atores no Teatro Fórum. Os questionamentos são:
Por outro lado, este autor investiga as relações e herança compartilhada entre o
curinga e o bobo da corte, e questiona: será que o curinga deveria confrontar os
sem poder, da mesma forma que o louco confronta os poderosos? Será que o
curinga tem licença de revelar as contradições também nos oprimidos? Em
outras palavras, será que o curinga é uma figura que pode negociar
espontaneamente entre o impulso democrático dos espectadores e a perspectiva
política da peça? Será que o bobo só pode provocar um dos grupos? Estaria o
outro grupo isento dessa provocação? (Apud NOGUEIRA; VELLOSO, 2012, p.
103).
Marcia Pompeo e Sonia Laiz (2012) levantaram em seu artigo uma reflexão sobre
propostas estéticas para o curinga, basearam-se, principalmente, nos últimos autores
citados. Entretanto, estas duas autoras não abordaram perspectivas diferentes das já vistas.
52
Depois de ler e refletir sobre estes escritos que propõem novas características para o
curinga pude perceber a necessidade de aprofundar e desenvolver essas propostas, do
ponto de vista estético, teórico e prático, tendo em vista a construção de outras
possibilidades teatrais e políticas para que o curinga colabore para a promoção da fruição
crítica dos espect-atores no Teatro Fórum. Temos como cerne do trabalho a investigação
das qualidades performáticas do bufão para a formação do curinga.
O estudo das Performances Culturais no contexto do teatro é um dos principais
eixos para o desenvolvimento desta pesquisa. Ao tratarmos especificamente da curingagem
no Teatro Fórum, neste estudo, abordamos a questão da recepção crítica dos espect-atores
por meio de características bufonescas.
O termo performance passou a ser amplamente usado no teatro a partir dos anos de
1960 nos Estados Unidos, em atividades de contracultura que criticavam os padrões sociais
impostos aos cidadãos até então. Para Richard Schechner (2012), a migração de artistas,
pensadores europeus e asiáticos, e suas ideias trazidas por soldados americanos que
viajaram pelo mundo devido a guerras, colaborou para a continuidade nos EUA das
vanguardas europeias e sua transformação. “De novas comidas ao Yoga e ao Zen, as
culturas estrangeiras educaram a minha geração. Portanto, o que se passou aqui foi uma
continuação das vanguardas europeias – e uma transformação dessas vanguardas,
também.” (SCHECHNER, 2012).
A expressão Performances Culturais foi cunhada pela primeira vez em 1955 pelo
estudioso estadunidense Milton Singer. Pensar o termo no plural auxilia a compreender
que as Performances não são definidas por apenas um aspecto, mas por vários, que estão
em consonância entre si. Por isso, vemos o Teatro do Oprimido, nesta pesquisa, como um
53
estudo cultural, no qual há a organização teatral de diversos aspectos sociais em
concordância para enaltecer o debate crítico sobre as injustiças cotidianas. Assim, as
Performances do Teatro do Oprimido podem surgir em um contexto de dramatização
teatral, como mostram os estudos da antropologia da performance de Schechner.
54
complexa; os dados não são mais, apenas, objetivos: os subjetivos também são levados em
consideração.
No trabalho com as Performances Culturais, o processo etnográfico deve ser
encarado como um diálogo, uma troca, e não como mera observação e determinação das
práticas do outro. Elas podem apresentar outros âmbitos de uma sociedade além dos
culturais, tais como sociais e políticos. Os exercícios e jogos teatrais do Teatro do
Oprimido trabalham com a premissa de que é necessária a troca entre os multiplicadores
deste Método e os participantes do processo para a produção das cenas resultantes das
oficinas e cursos.
Richard Schechner (2006) diz que nem tudo é performance, mas tudo pode ser
estudado como performance, como nos adverte neste excerto: “Qualquer evento, ação e
comportamento podem ser examinados ‘enquanto’ performances” (SCHECHNER, 2006,
p. 49). Podemos estender essa afirmação para as Performances do Teatro do Oprimido,
pois este Método é uma apresentação artística, atua na vida cotidiana, foca na importância
do desempenho crítico dos participantes do processo e todas as áreas de estudo podem
colaborar para sua existência.
No artigo Performance e sua diversidade como paradigma político: a contribuição
da abordagem de Bauman e Briggs, Esther Jean Langdon (1995) aborda outras
perspectivas da performance que não aquelas formuladas por Schechner e pelo antropólogo
britânico Victor Turner. A autora inicia seu texto mencionando a importância que o
pesquisador Richard Bauman teve para o surgimento da discussão sobre performance no
cenário da antropologia. Ela assinala que o autor concretizou a definição do termo em seu
artigo Verbal art as performance (BAUMAN, 1975). A arte verbal da qual Bauman fala
em seu trabalho é a oralidade. Ele acredita que a arte verbal está no centro da compreensão
do fazer folclórico e artístico.
Muitas coisas têm sido estudadas sob o nome de folclore, mas a arte verbal
sempre esteve no ou próxima do centro do campo de estudo maior e constituiu a
principal base comum entre folcloristas antropológicos e aqueles de outras
tendências. (BAUMAN, 1975, p. 291, tradução minha). 30
30
Many things have been studied under the name of folklore, but verbal art has always been at or near the
center of the larger domain, and has constituted the chief common ground between anthropological
folklorists and those of other persuasions. (BAUMAN, 1975, p. 291).
55
A oralidade é uma das qualidades que participa da construção do Teatro Fórum. Por
vezes, no trabalho com essa modalidade, as comunidades envolvidas no processo trazem
como meio e forma de documentação histórica de seu ambiente a oralidade, é por meio
dela o principal registro das características culturais do lugar. A arte verbal é a principal
catalisadora das elaborações teatrais no Teatro Fórum.
No Brasil, os estudos de performance na antropologia “cresceram
significativamente a partir do início da década de 1990” (LANGDON, 1995, p.164).
Langdon (1995) afirma que alguns congressos brasileiros de antropologia abriram, nessa
década, espaço para discussões sobre a performance e a trataram em suas diferentes formas
de apresentação: peças, rituais, protestos políticos, festas, funerais, partidas de futebol.
Nesta pesquisa, tomaremos o Teatro Fórum como uma peça de teatro e um ritual de
passagem em uma comunidade que deve gerar o questionamento dos espect-atores por
meio da curingagem, sendo que propomos que esta seja estruturada através de
características da bufonaria.
Em uma pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), Esther Jean Langdon (1995), em parceira com Luciana Hartmann,
descobriu que o uso da palavra performance tem uma variada significação na língua
portuguesa e que isso leva à confusão do uso dos termos. No Dicionário de filosofia de
Abbagnano (2007) é atribuído à performance o significado de enunciado em que uma ação
é realizada. Também pode ser dada a ela a definição de proeza ou desempenho de um atleta
em uma competição esportiva, ou a uma pessoa durante um treinamento de musculação e
até a um cavalo numa corrida. Performance é a capacidade de alcançar o resultado
desejado com eficiência. O resultado desejado em nosso trabalho é o desenvolvimento do
olhar crítico no Teatro Fórum através da curingagem pelos aspectos bufonescos.
Performance pode se referir a uma apresentação artística, qualquer que seja o
gênero, em público. Performance também se refere à habilidade interpretativa ou
competência de falantes nativos de uma língua. Essa profusão de significados explicita a
necessidade de não se usar o termo com uma significação única. Ele precisa ser
especificado e aprofundado. Daí o porquê do amplo estudo das Performances e suas
diversas manifestações. No Teatro do Oprimido encontramos a mesma questão: não há
como estudar este Método em uma significação única, este traz, por excelência, uma
56
profusão de relações artísticas e culturais em sua prática in lócus. O material de trabalho do
Teatro do Oprimido parte da vida cotidiana dos integrantes do evento de forma teatral e
crítica.
De acordo com Langdon (1995, p. 166), Bauman definiu a performance como “um
evento comunicativo no qual a função poética é dominante”. A função poética é
fundamental para a constituição da peça-fórum. No Teatro Fórum, serão colocadas em
cena opressões sociais que acontecem no cotidiano de uma comunidade, porém, a ideia é
que esse material seja repensado poeticamente para a cena, logo, os exercícios e jogos
teatrais do Teatro do Oprimido se encontram nesse viés, o poético.
Para Bauman (1975), a performance produz um estranhamento com o cotidiano e o
espectador é levado a uma experiência em relevo. A experiência em relevo pode ser
comparada à experiência estética. A experiência estética para Flávio Desgranges (2003,
2011) desperta no espectador o pensamento crítico e para isso é necessário que haja um
diálogo entre o espectador e a obra de arte.
Dessa maneira, o evento comunicativo (a obra de arte) na curingagem do Teatro
Fórum necessita priorizar a fruição crítica dos espect-atores através de vivências de
experiências estéticas, por meio do curinga-bufo. Estas experiências estão intrinsecamente
ligadas ao contexto sociocultural no qual os indivíduos estão inseridos. A experiência
estética possui importância para a realização da performance.
A abordagem dos antropólogos Richard Bauman e Charles Briggs é sobre como
cada gênero performático de um grupo é construído e produzido. Para Bauman (1975), são
cinco os elementos essenciais da performance: 1) display – trata do comportamento para
uma plateia; 2) responsabilidade de competência – os atores devem exibir maneiras
apropriadas em cena; 3) avaliação – quem assistiu à performance a avalia; 4) experiência –
deve ser aflorante, para que a expressão dos atores no evento seja percebida com
intensidade especial e as reações provocadas nos espectadores sejam essenciais para a
concretude da experiência; 5) keying – refere-se a atos performáticos que não são eventos
do cotidiano; eles são notadamente sinalizados, ou seja, os atos performáticos têm um
“aviso” de seu começo, são percebidos como não cotidianos. “A sinalização focaliza o
evento e indica como interpretar a mensagem a ser comunicada” (BATESON apud
LANGDON, 1995).
O último elemento (keying) é relevante para este estudo, pois torna clara uma das
diferenciações entre o conceito de performance de Bauman e Briggs e o de Schechner e
Turner. A sinalização, que Bauman e Briggs veem como indispensável para o
57
acontecimento da performance, é inexistente na definição de performance feita pelos
outros dois autores e encontramos nesta sinalização a qualidade estética necessária para a
composição da curingagem no Teatro Fórum. Esta qualidade diz respeito ao aquecimento
feito pelo curinga para iniciar a sessão de Teatro Fórum e à fala que ele faz na finalização
da sessão, evidenciando para os espect-atores a não cotidianidade do evento e a
importância do olhar crítico do espect-ator.
Sobre a importância do aquecimento do público antes da apresentação da peça de
Teatro Fórum, Boal (1980) explicita que já viu curingas fazerem dois tipos de
aquecimento:
a) No primeiro modelo, o curinga começa a sessão explicando para os espect-
atores o que é o Teatro do Oprimido, as modalidades da técnica e explica as regras do jogo
que vai acontecer (o Teatro Fórum). Depois ele ministra um exercício teatral simples e que
não gere resistência (como tocar no outros ou fazer sons “estranhos”), por último o curinga
propõe exercícios da modalidade do Teatro Imagem nos quais os espect-atores começam a
trabalhar esteticamente.
b) No segundo modelo, o curinga começa o aquecimento realizando um
exercício e depois faz a explicação. Boal (1980) acredita que dessa maneira os espect-
atores se sentem receosos a participar por não conhecerem ainda o que irá acontecer,
segundo o autor, quando a explicação se dá primeiro os espect-atores confiam no curinga e
realizam o exercício com mais tranquilidade.
Augusto Boal (1980) afirma que, ainda assim, o aquecimento não é indispensável,
ele pode predispor os espect-atores para a ação, mas o que efetivamente mobilizará o
público é o tema e a peça. Acreditamos que além do tema e da peça, o curinga é
imprescindível para que o público se mobilize criticamente para participar da sessão de
Teatro Fórum e, dessa forma, o aquecimento se torna essencial, pois é feito por ele.
A essencialidade do aquecimento reside no fato dele preparar fisicamente e
ideologicamente a plateia para a sessão. O aquecimento desperta o espect-ator de modo
que ele fique mais atento à peça desde seu início, em especial, quando ele se identifica com
o tema.
No campo de lingüística antropológica, ela [Sherry Ortner] reconhece que a
abordagem de performance de Bauman e de seus pares foi resultado da rejeição
da noção de estrutura e de modelos estáticos em favor do estudo da linguagem
em ação. (LANGDON, 1995, p.171).
Esther Jean Langdon (1995) traz em seu artigo questões sobre a perspectiva política
das Performances. Cita exemplos de estudos das Performances em comunidades indígenas
58
com sentido político, em que se analisa a relação dos indígenas com o Estado. A
performance do Teatro do Oprimido é especialmente política. As relações culturais e
artísticas, que constituem as peças e cenas teatrais, devem se dar em um contexto político
de desvelamento de opressões sociais por meio da construção da crítica do público através
do diálogo promovido pela curingagem-bufa.
Para Bauman e Briggs (apud LANGDON, 1995), os conceitos de dialogicidade e
gêneros de fala de Mikhail Bakhtin (1980), relativos às práticas discursivas características
de grupos particulares, remetem aos “aspectos políticos das performances” (LANGDON,
1995, p.172). No Teatro Fórum, a dialogicidade e os gêneros de fala, trabalhados juntos, na
curingagem compõem a maneira como o curinga enviará questionamentos ao público,
podendo ou não suscitar a fruição crítica. Os gêneros de fala ou gêneros discursivos,
segundo Bakhtin (1997), são resultantes da interação social no cotidiano:
59
– o conceito de performance é mutável, ele advém da cultura, das relações sociais, por isso
passa por alterações e ressignificações.
Estas cinco qualidades precisam estar presentes no Teatro Fórum, em especial, na
curingagem, para que sejam construídas leituras críticas pelos espect-atores. Vemos nestas
qualidades duas principais premissas que a curingagem deve possuir para provocar o olhar
crítico do espectador. Estas premissas serão usadas para o desenvolvimento analítico deste
estudo. São elas: processo dialético e alta energia corporal do curinga por meio de
características bufonescas.
A noção de performance ainda é recente. Data da segunda metade do século XX.
Portanto, trata-se de uma noção que poderá mudar e deslocar pontos de vista várias vezes.
O grande número de sentidos que a palavra performance tem na língua portuguesa pode
também estar ligado à característica perambulante do conceito. Talvez vejamos um
desenvolvimento da performance que possa fixar sua definição de alguma maneira, mas a
riqueza de estudos e significados que lhe são dados fazem com que sua existência permita
pensar nas diversas qualidades que a performance tem na interação social e artística.
Pelo contexto dialógico em prol do processo teatral, o Teatro do Oprimido se
estabelece, neste estudo, como uma performance artística e cultural. Completa uma
experiência cotidiana, referente às opressões sociais sofridas, e gera outra teatralmente.
Trata-se de outra experiência que diz respeito ao cotidiano e às peripécias enfrentadas nele
por meio do teatro, influenciadas por atributos culturais.
O Teatro do Oprimido desenvolve-se de várias formas – jogos, rituais,
apresentações artísticas, exercícios teatrais –, construídas segundo os parâmetros de
determinada cultura. Vale dizer que as opressões sociais representadas inserem-se nos
contextos dos participantes das manifestações e potencializam as características das
Performances Culturais do Teatro do Oprimido pelo cruzamento de aspectos cotidianos e
artísticos, conforme explicam Camargo e Schifino (2015, p. 1):
60
“tiras” de comportamento. As “tiras” não são processos, mas coisas que serão usadas e
reusadas, arranjadas e rearranjadas, selecionadas e (re) selecionadas durante o processo de
construção da performance.
O comportamento na performance é restaurado, ou seja, é o comportamento duas
vezes vivenciado. O comportamento é vivenciado em circunstâncias completamente
diferentes. Ele entra nessa perspectiva da restauração exatamente pelas diferentes
circunstâncias onde se insere. Embora o performer (indivíduo que realiza uma
performance) ensaie uma peça e a apresente várias vezes, ela sempre será apresentada de
maneira diferente, pois o lugar onde está acontecendo, assim como as pessoas que estão
assistindo e o modo de se fazer irão mudar. Este paradigma acontece com o Teatro Fórum,
a cada apresentação ocorrem mudanças que são geradas pelos comportamentos restaurados
dos atores, curingas e espect-atores. Estas mudanças intervirão na recepção crítica do
público na sessão performática do Teatro Fórum. Acreditamos que as características
bufonescas podem compor a formação do curinga em favor da recepção reflexiva do
público.
61
originalidade dos comportamentos restaurados por meio do Teatro Fórum poderá surgir do
entendimento crítico que os espect-atores criam em relação às situações correntes.
62
aos poucos. Porém, algumas vezes se faz necessário alterar a ordem de acordo com as
necessidades de cada grupo envolvido no trabalho. Os jogos e exercícios teatrais, além da
criação de cenas para o Teatro Fórum, têm como objetivo a “desmecanização” do corpo,
especialmente o social, gerando questionamentos em relação aos entraves físicos que
reprimem a expressão corporal cotidiana.
A peça do Teatro Fórum não tem um final, ela é “inacabável”. Os finais serão
propostos pelas intervenções do público. As intervenções dos espect-atores e o debate
sobre as propostas trazidas em cena devem ser mediados criticamente pelo curinga para
que surjam alternativas concretas de mudança da opressão social apresentada por meio da
leitura crítica dos espect-atores.
Eis que se instaura o drama social deste trabalho, que ocorre em detrimento de um
estudo analítico de quando se estabelece a leitura crítica dos espect-atores no Teatro Fórum
através da curingagem construída pelos aspectos do bufão.
Vale assinalar que a junção dos estudos teatrais na investigação das rupturas nas
comunidades propiciou ao antropólogo Victor Turner o desenvolvimento dos dramas
sociais usados por ele como método de análise e atividade de simbolização. Os dramas
sociais se assemelham à forma estética encontrada nas tragédias gregas. Entende-se os
dramas sociais como estudos metateatrais.
Segundo Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (2007, p. 127), Turner “coloca
o leitor na posição de um espectador teatral” ao relatar os dramas sociais vivenciados na
aldeia africana Ndembu (TURNER, [1957]1996). Segundo o professor de antropologia
social John Cowart Dawsey:
Nos anos de 1950, vendo como as aldeias Ndembu ganhavam vida em momentos
de crise, Victor Turner elaborou o modelo de drama social que lhe serviria como
instrumento de análise, inclusive nas formulações posteriores da antropologia da
performance e antropologia da experiência. Discussões sobre ritos de passagem
foram fundamentais para as formulações de Turner. (DAWSEY, 2005, p. 165).
63
A análise dramática que Turner faz da estrutura social da aldeia não é, apenas,
simbólica, mas sociológica. Ele não usa a estrutura teatral como metáfora para a estrutura
social do grupo. Contudo, na linearidade dramática encontra a mesma sucessão de fases
vistas nos conflitos da aldeia. Diante disso, acreditamos que os dramas sociais estão em
estreita relação com as construções do Teatro Fórum. De forma semelhante, nesta
modalidade, acontece a análise dramática de estruturas sociais opressivas de forma a
estabelecer a reflexão nos espect-atores. Turner compara os dramas sociais desenvolvidos
por ele aos dramas gregos, nos quais o herói precisa resolver um conflito/problema que
atravessa seu caminho. Turner explica o que é o drama social:
31
Encontro que se deu por ocasião da palestra proferida por Clifford Geertz, em Nova York, em 1977.
64
conhecimento. A convergência de suas ideias foi essencial para o aprofundamento dos
estudos em teatro e antropologia. Turner (1985, p. XI-XII) fala sobre a contribuição de
Schechner:
As conturbações sociais dentro das comunidades foram tratadas por Turner como
Performances Culturais. As pessoas dos grupos pesquisados pelo antropólogo se
encontravam fora de períodos de normalidade na comunidade. Chamam-se esses períodos
de liminares. As personagens em cena no Teatro Fórum também estão em períodos
liminares, as opressões sociais são tomadas como fases fora da normalidade em uma
comunidade.
Os indivíduos em fase liminar, que são privados de seu status social, político e
cultural em uma comunidade, desenvolvem um forte sentimento de conexão entre si.
Chamam-se tais conexões de communitas. Porém, Turner não as coloca em dependência
dos processos de liminaridade, pois considera que elas podem surgir fora destes. A
professora Sainy Veloso (2014, p. 199) explica que os laços geradores da communitas
“desenvolvem, às vezes, o que é chamado pelo autor de antiestrutura social, uma vez que
são violadores dos momentos de ordem estabelecida e são caracterizados por seu potencial
para alcançar mudanças significativas na estrutura social”. A communitas surge
espontaneamente, porém, as pessoas, voluntariamente, sentem a necessidade de fazer parte
dela e compartilhar da liberdade de estar e ver o mundo.
65
no interesse pela antiestrutura surgida nos momentos de suspensão dos papéis do cotidiano.
O Teatro do Oprimido almeja a interrupção dos papéis vividos pelos oprimidos e
opressores. Por meio destas interrupções, “é possível ter uma percepção mais funda dos
laços que unem as pessoas” (DAWSEY, 2005, p. 166). A antiestrutura estudada pelo
antropólogo é característica da fase de liminaridade em uma comunidade.
A partir do conceito de ritos de passagem desenvolvidos pelo antropólogo francês
Arnold van Gennep, é que Turner constrói a ideia de liminaridade. Para aquele autor, os
ritos de passagem localizam-se entre o mundo profano e o mundo sagrado. O Teatro
Fórum, nesta perspectiva, se configura como um rito de passagem que deve promover a
leitura crítica do espect-ator, permitindo que ele saia da zona de conforto e veja a opressão
social como uma condição mutável.
Segundo Arnold van Gennep (2008), cada sociedade tomada de modo geral inclui
sociedades especiais. Isso quer dizer que não podemos classificar como una e imutável
uma comunidade, visto que os aspectos culturais podem se alterar e variar dentro dos seus
grupos específicos. Além disso, os ritos têm semelhanças entre si. As semelhanças entre os
ritos de passagem decorrem do fato de eles fazerem com que o indivíduo passe de uma
situação específica a outra. Esta transição também pode ser vista nas modalidades do
Teatro do Oprimido, nas quais as semelhanças entre elas estão na transformação da posição
social que oprimidos e opressores procuram em cena.
Gennep (2008) acreditava na necessidade de classificação dos ritos, pois até então
não havia sido captada sua razão de ser e nem se havia compreendido o motivo de suas
semelhanças. Sobretudo, não se havia mostrado porque “se executam seguindo uma
determinada ordem” (GENNEP, 2008, p. 11, tradução minha)32. Ainda assim, as categorias
dos ritos são misturadas, ou seja, uma categoria de rito sempre é influenciada por outra.
Cada tipo de rito pode comportar outros tipos de rito:
Mesmo assim, as cerimônias do matrimônio comportam ritos de fecundação; as
de nascimento, ritos de proteção ou de predição; as cerimônias dos funerais, ritos
de defesa; as de iniciação, ritos de propiciação; as de ordenação, ritos de
apropriação pela divindade, etc. Todos estes ritos, que têm um fim especial e
atual, se justapõem aos ritos de passagem ou se combinam com eles, às vezes de
maneira tão íntima que não se sabe se tal rito pormenorizado é, por exemplo, um
rito de proteção ou um rito de separação. (GENNEP, 2008, p. 26, tradução
minha).33
32
Se ejecutan siguiendo un determinado orden. (GENNEP, 2008, p. 11).
33
Asimismo, las ceremonias del matrimonio comportan ritos de fecundación; las del nacimiento, ritos de
protección o de predicción; las de los funerales, ritos de defensa; las de la iniciación, ritos de propiciación; las
de ordenación, ritos de apropiación por la divinidad, etc. Todos estos ritos, que tienen un fin especial y
66
Mesmo propondo classificações dos ritos de passagem, o autor não pretende dar
uma explanação parcial dos mecanismos. As separações também podem passar por
processos de imbricamento. Gennep não pretendia afirmar que os ritos do nascimento, da
iniciação ou do matrimônio são, somente, ritos de passagem, pois cada um deles tem seu
próprio objeto.
Tais ritos possuem três fases: separação, margem e reagregação. Turner se
concentra nas propriedades do período negligente e amorfo dos ritos, o período marginal
ou liminal. Para Turner (1974a), a liminaridade é um momento de transição, sendo que a
pessoa que a atravessa está em condição fronteiriça. Seu status presente deixa de existir e
ela passa por um realocamento social na comunidade.
No Teatro Fórum, investiga-se a mudança do status social da personagem oprimida.
Pela apresentação da peça e curingagem, o indivíduo deve sair da posição de oprimido para
a de desoprimido. Não só os atores podem passar por essa transição, mas os espect-atores
também. Por isso, é necessário a curingagem que desperte a consciência crítica e gere
dialética entre as cenas apresentadas e as alternativas trazidas pelo público. É por esta
razão que, neste estudo, propomos que a curingagem seja construída por meio de aspectos
bufonescos.
Segundo Turner (1974a, p. 120), “a vida social é um tipo de processo dialético” no
qual ocorre a passagem de um estado para o outro. Turner se concentra no estado de
subjugado, em que a autoridade – o indivíduo quando está em posição mais alta – é
colocada para a troca de status no ritual. As características do período marginal são
chamadas de atributos pré-liminares e pós-liminares. “Esses atributos de ausência de
sexualidade e de anonímia34 são inteiramente característicos da liminaridade” (TURNER,
1974a, p. 126).
Na liminaridade, acontecem fenômenos de suspensão da realidade: liminares e
liminoides. Os fenômenos liminares surgem em sociedades antigas, como tribais e agrárias.
Produzem símbolos de natureza objetiva e social comuns a um coletivo. Têm a tendência
de surgir como resultado de uma experiência coletiva, contribuindo para o bom
actual, se yuxtaponen a los ritos de paso o se combinan con ellos, a veces de manera tan íntima que no se
sabe si tal rito pormenorizado es, por ejemplo, un rito de protección o un rito de separación. (GENNEP,
2008, p. 26).
34
Anonimidade.
67
funcionamento de uma comunidade. A simbologia criada é total e única para todos os
indivíduos.
Fenômenos liminoides tendem a aparecer em sociedades mais industrializadas e
apresentam significados que conectam indivíduos e grupos que competem entre si
mercadologicamente. Os símbolos trazem representações pessoais e psicológicas, mesmo
que surja um processo de massificação do coletivo. Tais fenômenos não são centrais e não
se desenvolvem como um todo. Eles costumam ocorrer às margens de uma comunidade e
podem gerar manifestações críticas que levarão a processos de revolução social.
O Teatro do Oprimido surge em momentos de liminaridade em uma sociedade.
Podemos pensá-lo como fenômeno liminar e liminoide. Pode ter características mais
pessoais ou sociais, o que dependerá da sociedade em que se insere. Esta abordagem é uma
forma de rearranjo de uma comunidade. Ao expor seus problemas, busca-se solucioná-los a
partir de sugestões debatidas criticamente e encenadas teatralmente.
Nesta pesquisa, focamos na modalidade Teatro Fórum. Esta se trata da
apresentação de uma peça que possui uma opressão como tema principal. A ideia é que a
opressão seja problematizada pela apresentação e pelo fórum, gerando o questionamento
nos espect-atores, por meio da curingagem. Neste estudo, usamos as características
bufonescas como uma possibilidade para que a recepção crítica seja construída.
O drama social da curingagem se instaura pelos conflitos encontrados pelo curinga
em sua atuação no Teatro Fórum. A tensão do drama social vivido pelo curinga não
permite que ele instigue o público a ponto de que eles vivam a fruição crítica e sintam
necessidade de intervir em cena e problematizar a opressão social apresentada.
68
provocações que gerarão reflexões a serem praticadas em cena pelo público durante o
fórum.
No drama social, a crise por que passa o indivíduo se processa nele e na estrutura
da qual ele faz parte. E assim a mudança da crise do curinga ocorre tanto nele quanto na
estrutura do Teatro Fórum. O conflito que ele vive durante o fórum caracteriza a primeira e
a segunda fase dos dramas sociais de Turner. O drama social deste estudo foi gerado pelo
estado de conflito vivido pelo curinga no Teatro Fórum. As opressões sociais na maioria
das vezes não atingem criticamente os indivíduos sem que haja a mediação com vistas à
promoção da reflexão. No Teatro Fórum, o elemento gerador do olhar crítico dos espect-
atores pode estar localizado na curingagem e acreditamos que esta precisa ser permeada
por qualidades de atuação do bufão para tal.
Esta pesquisa, deste modo, busca compreender como está sendo realizada a
curingagem no Teatro Fórum a fim de analisar criticamente o conflito do drama social
vivido pelo curinga. Para isso, realizamos uma verificação de vídeos postados nas capitais
brasileiras no site/plataforma YouTube. Por meio da investigação sobre a curingagem,
pudemos localizar os recursos necessários para que o jogo cênico do curinga promova o
olhar crítico dos espect-atores: jogos e exercícios teatrais característicos da bufonaria. Para
isso, entendemos ser necessário assistir a curingagens feitas por curingas brasileiros,
69
sobretudo curingagens de apresentações de Teatro Fórum para nos aprofundarmos
devidamente nas particularidades de cada uma delas.
A opção que se mostrou viável para nosso trabalho foi realizar um tipo de busca
com vistas à análise de vídeos de curingagem no Teatro Fórum. Conforme dito
anteriormente, tomamos como principal elemento para a análise o levantamento de vídeos
do YouTube que pudessem respaldar nosso estudo.
Vale assinalar que o YouTube foi criado em 2005 e desde então é um dos maiores
meios de cultura colaborativa na internet. O site foi desenvolvido por ex-funcionários do
site de comércio on-line PayPal. O YouTube disponibiliza uma interface simples, na qual
70
seus usuários têm a oportunidade de hospedar, compartilhar e assistir a vídeos de diferentes
conteúdos e lugares do mundo. O slogan “Broadcast Yourself” (Transmita-se/Transmita
você mesmo) possibilitou aos internautas fazerem uso artístico, informativo e
administrativo de si mesmos e por si mesmos, dando ao site a visibilidade necessária para
que ele se tornasse, mais do que um veiculador de vídeos, uma rede social mundial.
Na introdução de seu livro, Taylor (2003) nos conta como chegou aos estudos das
performances a partir de sua vivência pessoal na infância, inicialmente no México e
posteriormente no Canadá. Ela justifica a necessidade do uso de, não apenas documentos
de arquivo, mas materiais não tradicionais (da cultura escrita e duradoura) para o estudo
das performances. Taylor (2003) acredita que é importante que sejam olhados os traços
políticos e culturais de uma performance para que seus fundamentos possam ser
construídos. A partir dessa perspectiva teórica, ela elabora o termo repertório, que abarca
nos estudos das performances diferentes tipos de materiais que corroboram a pesquisa na
área. Segundo ela:
A metodologia que associamos aos estudos das performances podem e devem ser
revisadas constantemente através do compromisso com outras realidades
regionais, políticas e linguísticas. Por isso, embora eu conteste o paroquialismo
de alguns conhecimentos sobre os estudos das performances, eu não estou
sugerindo que nós meramente estendamos nossa prática analítica a outra áreas
“não-ocidentais”. Em vez disso, o que eu proponho aqui é o real engajamento
entre dois campos que nos ajudam a repensa-los (TAYLOR, 2003, p. XVIII,
tradução minha).35
As outras realidades das quais a autora fala trazem perspectivas que não estão
evidentes na leitura de livros ou artigos sobre uma performance. Encaramos o Teatro
Fórum enquanto uma performance artística e cultural e, para que a pesquisa se desenrole,
recorremos a diversos meios de conhecimento sobre o Método do Teatro do Oprimido.
35
The methodology we associate with performance studies can and should be revised constantly through
engagement with other regional, political, and linguistic realities. So, although I contest the parochialism of
some performance studies scholarship, I am not suggesting that we merely extend our analytic practice to
other ‘‘non- Western’’ areas. Rather, what I propose here is a real engagement between two fields that helps
us rethink both (TAYLOR, 2003, p. XVIII).
71
Encontramos, porém, durante o percurso a necessidade de, também, estudar atuações mais
dinâmicas dos curingas de Teatro Fórum, pois aquelas descritas nos livros não nos
satisfizeram suficientemente e impossibilitaram que questões referentes à movimentação
dos curingas em cena fossem analisadas. Tivemos então a precisão de transitar entre o
arquivo e o repertório.
Isto coloca o YouTube como um meio que pode registrar as práticas efêmeras de
forma a “eternizá-las” e as tornar passíveis de investigação. Aqui, esta ferramenta teve
importância especial, pois analisamos uma modalidade constituída há anos e, mais ainda,
que está presente em diferentes países e estados. Podendo, deste modo, apresentar diversas
colocações teatrais e políticas em sua existência.
Por meio do YouTube, podemos ter maior “controle” dos objetos estudados. Os
vídeos analisados registram a apresentação de peças de Teatro Fórum, por mais que não
possamos analisar perfeitamente a recepção dos espectadores durante a função, ainda
acreditamos que é possível encontrar pistas para a construção da crítica na percepção do
público por meio da análise da concepção da corporeidade do curinga em cena. Os vídeos
72
possibilitam que a movimentação do curinga seja vista e revista. De forma que os detalhes
não passem despercebidos devido a uma exibição única. O uso do YouTube permite que:
[...] se volte à cena anterior para observar a ação dos atores que não estava em
foco; ver detalhes do cenário, do figurino; rever a ação realizada por determinado
personagem e capturar detalhes de sua partitura corpórea; repetir determinada
fala, observando como os diferentes parâmetros vocais foram usados na
construção da imagem sonora emitida. Enfim dão um caráter permanente e
manipulável ao efêmero (TEIXEIRA, 2007b, p. 88-89).
73
A popularização dos meios audiovisuais artísticos eletrônicos torna a pesquisa no
YouTube relevante, visto que na internet as pessoas se consideram “mais aptas” a assistir
uma peça de teatro e o fazem por esse motivo, pela facilidade do não deslocamento e pela
gratuidade. Ademais, entendemos que é possível que haja um viés crítico por meio da
ciber-recepção, possibilitando que o intento artístico-pedagógico dos curingas seja
analisado qualitativa e criticamente.
36
Os resultados correspondentes a propagandas comerciais ou capas de perfis de usuários do YouTube não
foram considerados na coleta como parte dos vinte primeiros vídeos.
74
A cada capital brasileira adicionamos outras palavras-chave que contribuem para a
investigação do nosso objeto de pesquisa. As palavras-chave usadas foram: Augusto Boal e
Teatro do Oprimido; Oficina e Teatro do Oprimido; Oficina e Augusto Boal; Arte-
Educação e Curinga; Jogos Teatrais e Curinga; Sala de Aula e Teatro do Oprimido; Sala de
Aula e Curinga; Teatro Fórum e Curinga; Teatro Fórum. Dessa forma, foram pesquisados
9 eixos no YouTube.
Para cada eixo pesquisado foram coletados37 os vinte primeiros vídeos. Elegemos
usar os vinte primeiros vídeos por serem os mais acessados por internautas e, portanto,
possuírem maior recepção/visualização de ciberespectadores.
Cidade/Estado Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: TOTAL
Augusto Oficina e Oficina Arte- Jogos Sala de Sala de Teatro Teatro
Boal e Teatro do e Educação Teatrais Aula e Aula e Fórum Fórum
Teatro Oprimido Augusto e e Teatro do Curinga e
do Boal Curinga Curinga Oprimido Curinga
Oprimid
o
Aracaju/SE 20 20 20 14 15 12 01 20 20 142
Belém/PA 20 20 20 16 14 19 20 20 20 169
Quadro 1 - Levantamento de vídeos coletados no YouTube de Teatro Fórum de todas as capitais brasileiras, para anális
qualitativa crítica da curingagem (continua)
37
Os vídeos foram coletados em novembro e dezembro de 2015.
75
Macapá/AP 20 20 01 12 00 08 00 01 20 82
Maceió/AL 20 20 17 01 00 19 13 00 20 110
Manaus/AM 20 20 14 12 00 13 01 14 20 114
Natal/RN 20 20 20 20 16 20 20 19 20 175
Palmas/TO 20 20 16 00 12 20 11 01 20 120
Porto Alegre/RS 20 20 20 14 11 20 15 14 20 154
Porto Velho/RO 20 20 01 00 00 12 00 00 20 73
Recife/PE 20 20 20 15 00 09 19 13 20 136
Rio Branco/AC 20 20 14 13 01 14 12 14 20 128
Rio de Janeiro/RJ 20 20 20 20 20 20 20 20 20 180
Salvador/BA 20 20 20 17 01 20 16 20 20 154
São Luís/MA 20 20 20 19 13 20 20 15 20 167
São Paulo/SP 20 20 20 20 17 20 20 20 20 177
Teresina/PI 20 20 14 12 12 07 01 12 20 118
Vitória/ES 20 20 20 17 14 20 20 12 20 163
TOTAL 540 540 451 338 224 447 358 302 540 3740
Dos nove eixos, os que tiveram maior número de vídeos levantados e coletados foram:
Augusto Boal e Teatro do Oprimido; Oficina e Teatro do Oprimido; e Teatro Fórum. Esses três
eixos apresentaram o número suficiente de vídeos para coleta dos vintes primeiros vídeos. Além
disso, quando seguimos ao início dos procedimentos de cortes dos vídeos, verificamos que
nesses três eixos houve maior repetição dos vídeos resultantes, ou seja, em cada cidade
pesquisada os resultados possuíam vídeos que se repetiam e apareciam na maioria dos eixos de
busca.
A repetição dos vídeos é relevante para a percepção de que existem poucos vídeos sobre
o Teatro do Oprimido hospedados no YouTube. E isso pode fazer com que menos pessoas
tenham acesso ao Método, afinal o YouTube é, atualmente, uma das ferramentas virtuais de
relações sociais mais populares existente. Esta consideração foi essencial para que realizássemos
as primeiras observações sobre os resultados encontrados no levantamento.
Durante a coleta e seleção dos 3.740 vídeos, foi-nos possível fazer primeiras observações
que dizem respeito ao conteúdo dos resultados encontrados.
76
Levantamento geral dos vídeos
Levantamento geral dos vídeos
4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
Teatro…
levanta…
Teatro…
Fórum e
Augusto
Oficina e
Teatro do
Sala de
Educação
Curinga
Teatro
Fórum
Total de
Teatrais e
e Curinga
Oprimido
Sala de
Augusto
Curinga
Aula e
Oficina e
Aula e
vídeos
Teatro
Boal e
Curinga
Jogos
Boal
Arte-
Constatamos haver uma proximidade nesses diferentes eixos. Como se pode ver nos
Gráficos 1 e 2, não houve uma variação significativa no número de resultados originados em
cada eixo. Tal resultado revela que a maioria das palavras usadas na busca estava presente nos
títulos ou nas descrições dos vídeos de Teatro do Oprimido, postados no YouTube.
Por que incluir ou excluir determinados vídeos? Selecionamos os vídeos de acordo com
as especificidades do objeto de pesquisa deste estudo. Procuramos nos vídeos imagens de
77
curingagens em peças de Teatro Fórum para que possamos analisar a atuação dos curingas em
cena e investigar as características bufonescas que contribuíram ou podem contribuir para que a
curingagem fomente a recepção crítica dos espect-atores. As primeiras observações feitas no
levantamento dos vídeos foram relevantes para construir os procedimentos de cortes e verificar a
quais conteúdos respondem as palavras-chave utilizadas nas buscas.
Como se nota com base nessas duas primeiras observações, as premissas políticas e
sociais do Teatro do Oprimido estão em lugares como igrejas e empresas para discutir as
opressões sofridas diante das complicações neles vividas. Isso nos mostra que os ideais
revolucionários do Teatro do Oprimido estão sendo usados e praticados de variadas formas, que
não só aquelas idealizadas, a princípio, por Augusto Boal, quando sistematizou esse Método.
Também houve muitos resultados referentes ao jogo da capoeira, em especial pelo fato de
existir um mestre de capoeira chamado Coringa/Curinga (as duas grafias são usadas para
designá-lo). O mestre Coringa/Curinga faz parte da Associação Cultural IUNA de Capoeira no
Rio de Janeiro, mas vídeos relacionados a ele aparecem em todas as capitais, evidenciando a
importância nacional que possui este mestre.
Percebe-se pelos resultados obtidos em todas as capitais nos eixos Sala de Aula e Teatro
do Oprimido e Sala de Aula e Curinga que o teatro é uma ferramenta usada como recurso para a
concretização de temas que são veiculados na aprendizagem da arte-educação na escola formal,
porém há dificuldade por parte dos professores de proceder pelo uso do teatro como forma de
conhecimento e não, só, como uma ferramenta metodológica e hermética de trabalho.
Alguns resultados obtidos trouxeram vídeos de músicas e shows musicais pelo país. O
estilo musical funk foi o mais encontrado nos vídeos levantados, sobretudo por existir um cantor
funkeiro carioca chamado de Mc Koringa (ou Mc Curinga).
78
A palavra “curinga” também trouxe resultados relacionados à marca de pneus
automobilísticos GoodYear vendidos pelas lojas chamadas “Curinga dos Pneus Ltda.”, com
franquias em todo território nacional.
Alguns vídeos eram músicas do álbum musical baseado em poemas escritos por Augusto
Boal, de Maria Aparecida Guimarães Campiolo (Cida Moreira), atriz e cantora brasileira. O
álbum intitula-se “Soledade” e foi gravado em 2015 pela gravadora Joia Moderna.
A capital do estado do Rio de Janeiro foi a que apresentou mais resultados relacionados
ao Teatro do Oprimido. Provavelmente por sediar o Centro de Teatro do Oprimido (CTO-Rio)
fundado em 1986 por Augusto Boal. Por isso, grande parte dos vídeos refere-se a entrevistas
realizadas com a equipe do CTO-Rio, apresentações e oficinas feitas pelo grupo. No Rio de
Janeiro também atua o Grupo de Teatro do Oprimido Gesto, que realiza anualmente um encontro
denominado Jornadas Internacionais de Teatro do Oprimido, em que são produzidos vídeos, que
estão hospedados na rede YouTube.
Parte dos vídeos levantados para a pesquisa é da banda gospel Oficina G3, formada na
capital de São Paulo em 1987. São vídeos das turnês nacionais realizadas pela banda nos últimos
anos. E também de outra banda gospel, a Renova Jampa, de João Pessoa, Paraíba.
79
Na capital de São Paulo encontramos vídeos de discussão e propaganda sobre o Foro de
São Paulo. O Foro é uma conferência de partidos políticos de esquerda criada em 1990. Os
vídeos são de críticas ao Foro ou de exaltação de sua importância e eficiência.
As pesquisas referentes à cidade de São Paulo também identificam vídeos sobre futebol,
com entrevistas a técnicos, jogadores, críticos e partidas de jogos. Isso se deve, provavelmente,
ao fato de haver no estado de São Paulo um grande investimento midiático no esporte, em face
da existência de grandes times com jogadores aclamados pelo público. Ainda, é esse estado que
detém os principais meios de comunicação da imprensa e, dessa forma, veicula informações
sobre o futebol.
Foram determinados processos de cortes38 dos vídeos, para seleção apenas dos vídeos que
pudessem ser relevantes na análise crítica para a pesquisa e estivessem em consonância com o
objeto de estudo do trabalho: vídeos que trouxessem curingagens em apresentações de Teatro
Fórum por curingas brasileiros. Por conseguinte, realizamos quatro cortes nos 3.740 vídeos
totalizados no levantamento da pesquisa.
Primeiro corte: vídeos que não tratavam diretamente sobre o Teatro do Oprimido
Evidentemente, o primeiro corte foi dos vídeos que não tratavam sobre o Teatro do
Oprimido. Para tanto, consideramos como parte da temática do Teatro do Oprimido os
vídeos com imagens de entrevistas com Augusto Boal ou com informações sobre ele.
Trata-se de vídeos com depoimentos, considerações sobre os aspectos históricos e práticas
do Teatro do Oprimido de Boal ou outras pessoas. Os vídeos que não se referiam ao Teatro
38
Os vídeos excluídos em um dos procedimentos não foram novamente contados no próximo.
80
do Oprimido em nenhuma das instâncias citadas acima foram excluídos da seleção para a
análise.
Segundo corte: vídeos que não eram protagonizados por artistas brasileiros
No segundo corte, procedemos à exclusão, na lista de vídeos selecionados, daqueles
que não eram protagonizados por artistas brasileiros. Quando o grupo ou curinga brasileiro
está apresentando em outro país, entendemos que o vídeo deva ser analisado. Como se trata
de ações de um grupo e de um curinga que atua no Brasil também e pertence a algum
estado da nação, consequentemente, tem influência no modelo de curingagem em todo
território nacional, portanto retiramos da seleção aqueles vídeos que tratavam de Teatro do
Oprimido, mas não traziam artistas brasileiros em cena.
Terceiro corte: vídeos que não tratavam diretamente sobre o Teatro Fórum
O terceiro corte excluiu os vídeos que não tratavam sobre o Teatro Fórum. Assim,
as peças inspiradas no Teatro do Oprimido ou do tipo Teatro do Oprimido não foram
consideradas como peças de Teatro Fórum, pois não exibiam curingagens. Contudo,
consideramos alguns vídeos cuja descrição das apresentações não informavam diretamente
que a curingagem realizada na cena se caracterizava como tal e buscava a intervenção do
espect-ator como no Teatro Fórum. Para a análise crítica, neste estudo, precisamos de
imagens de Teatro Fórum, por isso os vídeos que não traziam esta modalidade foram
retirados.
81
Segue o quadro final dos vídeos baixados por eixos, por cidade e estado, levados
para a análise:
Cidade/Estado Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: Eixo: TOTAL
Augusto Oficina Oficina Arte- Jogos Sala de Sala de Teatro Teatro
Boal e e Teatro e Educaçã Teatrais Aula e Aula e Fórum e Fórum
Teatro do Augusto o e e Teatro Curinga Curinga
do Oprimid Boal Curinga Curinga do
Oprimid o Oprimid
o o
Aracaju/SE 01 02 02 00 01 05 00 04 06 21
Belém/PA 01 02 02 01 01 05 00 03 05 20
Belo Horizonte/MG 01 00 01 00 00 01 00 02 00 05
Boa Vista/RR 01 00 01 00 00 04 00 00 00 06
Brasília/DF 01 02 03 00 02 05 00 05 05 23
Campo Grande/MS 01 00 00 00 00 01 00 01 00 03
Cuiabá/MT 01 01 00 00 00 05 00 00 05 12
Curitiba/PR 01 01 01 00 00 05 00 03 05 16
Florianópolis/SC 01 01 01 00 00 05 00 03 05 16
Fortaleza/CE 01 01 03 00 00 05 00 00 06 16
Goiânia/GO 01 01 01 00 00 05 00 00 07 15
João Pessoa/PB 03 01 01 00 00 01 00 02 00 08
Macapá/AP 01 01 00 00 00 00 00 00 06 08
Maceió/AL 01 01 03 00 00 05 00 00 08 18
Manaus/AM 01 01 01 00 00 05 00 03 05 16
Natal/RN 01 01 01 00 00 05 00 03 05 16
Palmas/TO 01 01 02 00 00 05 00 00 05 14
Porto Alegre/RS 01 02 01 00 00 00 00 02 00 06
Porto Velho/RO 02 03 01 00 00 01 00 00 02 09
Recife/PE 01 02 01 00 00 04 00 03 05 16
Rio Branco/AC 01 01 01 01 00 00 01 02 00 07
Rio de Janeiro/RJ 00 01 01 00 00 00 00 03 02 07
Salvador/BA 01 02 01 00 00 06 00 03 05 18
São Luís/MA 02 01 01 00 00 00 00 02 00 06
São Paulo/SP 01 01 02 00 00 01 00 03 01 09
Teresina/PI 01 01 01 01 00 00 00 03 05 12
Vitória/ES 01 02 01 00 00 05 00 03 05 17
TOTAL 30 33 34 03 04 84 01 53 98 340
Após a realização dos cortes, restaram 340 vídeos dos 3.740 vídeos levantados.
Contudo, foi necessário realizar uma filtragem, pois muitos deles se repetiam (Quadro 3).
82
Ordem Nome do vídeo Link do vídeo Aparições
1 A PRIMEIRA VEZ - TEATRO DO OPRIMIDO - https://www.youtube.com/watch?v=w-xUWEqIR54 1
2 FRATERNIDADE
Apresentação CHARLES
Teatro PIERRE
do Oprimido - Av.- São
PARTE
João1 - https://www.youtube.com/watch?v=NxregX3ZnZg 11
3 Ocupação
AugustoSão João
Boal https://www.youtube.com/watch?v=c-LE9kXutRw 21
4 CTO-RIO https://www.youtube.com/watch?v=ja5xcYS8Kug 2
5 DEU A LOUCA NA DOMESTICA - TEATRO FORUM https://www.youtube.com/watch?v=1nz-Kdi9C1A 4
6 DEU A LOUCA NA DOMESTICA - TEATRO FORUM https://www.youtube.com/watch?v=NyU5UFkslwo 2
7 Mostra de Teatro do Oprimido da Escola Oga Mitá https://www.youtube.com/watch?v=cfdhcxYXztQ 1
8 Oficina 1 - Teatro do Oprimido de Londrina - Parte 1 https://www.youtube.com/watch?v=ZHXIm8p7fOM 19
9 O Teatro-Fórum https://www.youtube.com/watch?v=IZhlpnSVRUg 2
10 PEÇA: Seja Forte- CTO- centro do teatro do oprimido https://www.youtube.com/watch?v=0ogPvW9MmwE 1
11 14/09/2015
Pré-Enecom 2008 do Coletivo Alagoas - Teatro do Oprimido https://www.youtube.com/watch?v=VODW4Mjq9R4 1
12 RIO ARTE 2012: APRESENTAÇÃO DA OFICINA TEATRO https://www.youtube.com/watch?v=mntG29i0zSI 14
13 DO del
Taller de Teoría y Práctica OPRIMIDO
Teatro del Oprimido con Julian https://www.youtube.com/watch?v=WHjNlXWGPu0 21
14 Boal
Teatro do oprimido https://www.youtube.com/watch?v=Zy1n9vNqgX4 1
15 Teatro do oprimido 2 https://www.youtube.com/watch?v=LwyGIuHe6fk 2
16 Teatro do oprimido minas escola Anne Frank https://www.youtube.com/watch?v=O5agDXTRJWQ 1
17 Teatro do Oprimido na Escola Oga Mitá https://www.youtube.com/watch?v=oL5wCYcpbYo 1
18 Teatro do Oprimido na sala de aula https://www.youtube.com/watch?v=_bX9qACCNZ4 16
19 Teatro do oprimido na sala de Aula https://www.youtube.com/watch?v=BEFdHXz_JVs 1
20 Teatro do Oprimido na sala de aula https://www.youtube.com/watch?v=s96UqSwXROQ 17
21 Teatro do Oprimido na sala de aula https://www.youtube.com/watch?v=VrVJfqLvHSI 16
22 Teatro do Oprimido na sala de aula https://www.youtube.com/watch?v=x6wHT1n6WeE 16
23 Teatro dos Oprimidos no lançamento do relatório da CDDHC https://www.youtube.com/watch?v=QOI46HbM9ks 24
24 Teatro dos Oprimidos no lançamento do relatório da CDDHC https://www.youtube.com/watch?v=QOI46HbM9ks&s 1
25 Teatro e Fórum - Goiânia (Parte II) pfreload=1
https://www.youtube.com/watch?v=LdsWIQjR34s 1
26 Teatro e Fórum - Goiânia (Parte III)): https://www.youtube.com/watch?v=j0_K1ser6Xk 1
27 Teatro fórum de Augusto Boal https://www.youtube.com/watch?v=7HJ3gEAaamA 24
28 Teatro-Fórum Núcleo Ocupa Madalena https://www.youtube.com/watch?v=qqvQM5OKk5A 28
29 TEATRO-FÓRUM -SESI video 1 https://www.youtube.com/watch?v=_bwRZA2tz1s 30
30 TEATRO-FÓRUM -SESI video 2 https://www.youtube.com/watch?v=dRL0hTR9grA 33
31 Teatro- Imagem no GERIBANDA - FURG 2011 https://www.youtube.com/watch?v=v6qIeUr8Fcs 1
32 Tecno Barca 2 - Medo do Futuro // Teatro Fórum https://www.youtube.com/watch?v=WyXzCawLew8 1
33 TORQUEMADA - augusto boal na bienal 2010 https://www.youtube.com/watch?v=DN5xXBYFF70 4
34 TORQUEMADA - Homenagem a Augusto Boal na Bienal de https://www.youtube.com/watch?v=VN519aHsvpo 1
35 Arte
Torquemada SãodeBernardo
São Paulo
do2010
Campo – SBC https://www.youtube.com/watch?v=-nbYShWi6rg 1
36 VI FPTO 2014 TEATRO FORUM INTERVENÇÃO EDERA https://www.youtube.com/watch?v=6fPX621LxFA 19
TOTAL 340
Dada a duplicidade desses vídeos nas diferentes capitais brasileiras, não contamos
as repetições dos vídeos, ou seja, eles foram selecionados somente uma vez. Dos trezentos
e quarenta vídeos com a presença do curinga resultou que apenas trinta e três39,40 tratavam
39
Os vídeos de número 23 e 24, 33 e 34, ainda que possuam links de acesso diferentes, são os mesmos
vídeos, razão por que serão contados uma só vez. Contudo, mantivemos os links 23 e 33, pois aparecem em
mais resultados das cidades na busca no YouTube. Já o vídeo 27 é uma compilação do vídeo 3, demodo que
também será contado apenas uma vez. Mantivemos o vídeo 3, que é mais completo.
83
sobre o Teatro Fórum e exibiam imagens de curingagens. A partir, portanto, de seus
conteúdos desenvolvemos categorias e subcategorias que são a base para a pesquisa.
40
Os detalhes de conteúdo dos vídeos estão anexados à dissertação.
84
3 O QUE O YOUTUBE NOS TRAZ?
85
Esta crítica dessacraliza o texto ‘final’ ao colocar em discussão toda a pré-
escritura realizada na publicação de um determinado material, a gênese do texto,
seu passado formador e suas variantes, e os caminhos e descaminhos percorridos
pelo autor (CAMARGO, 2008, p. 7).
Tendo o Teatro Fórum como obra inacabada que será finalizada pela reflexão
crítica do espect-ator, nos apoiamos na ideia de experiência artística de Desgranges (2003)
e entendemos que é fundamental que os espect-atores façam parte de uma peça de Teatro
Fórum como co-criadores artísticos e críticos da sessão.
86
ferramentas para que suas atuações sejam aprimoradas, não estamos nos questionando
sobre “o que” ele faz, mas sobre “como” é feito. Além destes critérios que usaremos na
análise, lançaremos mão de categorias que os apoiem nesta investigação.
Os aspectos bufonescos (2) analisados nos curingas e nas peças de Teatro Fórum
foram baseados, especialmente, nas bibliografias: Cultura Popular na Idade Média e no
Renascimento: François Rabelais (BAKTHIN, 2010), Historias de Bufones (GAZEAU,
1995), A blasfêmia, o prazer, o incorreto e Ainda é Tempo de Bufões (SILVA, 2005;
2001).
Para a construção das categorias usadas para a análise com foco no curinga, nos
baseamos nas teorias acerca do Teatro Fórum. O principal teórico utilizado foi Augusto
Boal. Em seus livros, ele aponta as etapas e condições para a realização do Teatro Fórum.
Guiamo-nos na formação do curinga sugerida por Boal. Ele fala sobre a importância das
87
características físicas e psicológicas do curinga: é relevante que o curinga seja ativo e
dinâmico durante a curingagem e mostre animação para estimular os espect-atores a entrar
em cena (BOAL, 1980).
O curinga deve ser o responsável por receber os questionamentos e afirmações do
público de forma a torná-los potencializadores de debate sobre o enredo da obra
apresentada, de forma a promover a reflexão do/com o espect-ator.
O processo de formação do curinga ainda é um campo misterioso no Teatro do
Oprimido. Augusto Boal não se aprofundou em suas produções sobre os aspectos da
formação para a função do curinga, como exercícios, jogos e preparação física. No livro do
pesquisador Licko Turle (2014b, p. 108), podemos encontrar um esquema construído por
Boal usado na preparação de curingas no CTO-Rio41:
Podemos ver pelo esquema apresentado na Figura 4 que o foco no treinamento dos
curingas está nas etapas que são importantes para “revelar a complexidade da situação”,
41
Centro de Teatro do Oprimido criado em 1986 no Rio de Janeiro por Augusto Boal e outros curingas.
88
fazendo com que a opressão social em cena seja demostrada de melhor forma para a
discussão cênica.
Boal também trouxe alguns tratados para a atuação do curinga, os quais estavam
abertos a modificações e sugestões dos praticantes da curingagem. A partir das regras de
comportamento sugeridas pelo autor e sua atuação in lócus como curinga, foram
constituídos os paradigmas de atuação na curingagem do Teatro Fórum e das outras
modalidades de Teatro do Oprimido.
Os fundamentos colocados nesta categoria serão os principais parâmetros analíticos
para o estudo das curingagens nos vídeos selecionados. Além destas características, iremos
olhar para a criação do viés crítico na percepção do espect-atores da peça de Teatro Fórum.
Para isso, não faremos uma investigação sobre a recepção do público, pois as imagens não
são suficientes para isso, mas teremos um foco na atuação do curinga como provocador de
situações que possam levar à reflexão e para tanto faremos uso de atributos teatrais e
políticos do bufão como procedimentos de análise. As características essenciais dos
bufões, para nosso estudo dos vídeos, serão descritas a seguir.
89
ele profere não são obviamente chistes despretensiosos, mas parecem, também, ironias. As
formas irônicas presentes nas ambiguidades podem desencadear um processo dialético na
curingagem, ou seja, o diálogo será o elemento básico para a reflexão crítica da opressão
social a partir das contradições que ela apresenta nas ações das personagens.
Nicola Abbagnano (2007) define a dialética como a síntese dos opostos a partir da
conciliação entre os dois. A curingagem que objetivamos deve trazer a dialética como traço
permeador de sua atuação durante a apresentação de Teatro Fórum. Para o
desenvolvimento da dialética em cena, se faz necessário outro aspecto bufonesco: a alta
energia corporal. A atenção e agilidade corporal estão em paralelo às deformações físicas
dos corpos dos bufões, que concretizam o discurso das ambiguidades em cena,
potencializando o jogo da dialética na curingagem.
O curinga formado por meio de características bufonescas constrói seu jogo através
da qualidade improvisacional, característica que será usada para desenvolver a
versatilidade processual do curinga. Ele pode ser um ativador de experiências e processos
de alteridade se atuar de forma que o público relacione as cenas apresentadas a situações
vividas cotidianamente. O curinga, ao atuar dessa forma, estará relaxado, tranquilo, mas
sempre à espreita, atento para as reações dos espect-atores durante a curingagem.
A estética adotada pelo curinga em seu jogo será a mesma do bufão: a grotesca.
Segundo Lopes o grotesco, como categoria estética:
Os atores que utilizam a máscara bufonesca trazem para sua vida e para sua prática
um alto grau de exercício de liberdade. O modo de representação do bufão pressupõe a
90
anarquia, por meio da qual há o rompimento com todas as regras sociais e morais. Por
conseguinte, o curinga se posiciona explicitamente contra as opressões sociais.
Não há fronteiras e regras no jogo do bufão, mas sim no jogo do curinga. Suas
regras e fronteiras são compostas pelos princípios do Teatro Fórum que podem ser
repensados com os espect-atores, porém não deverão ser destruídos completamente.
O jogo do bufão é movido pela crítica, que é uma forma lógica de apreensão da
realidade. Ele impõe elementos de reflexão crítica ao parodiar a realidade cotidiana. Antes
de palavras e frases, o bufão alimenta suas paródias e ironias pela ação corporal e gestos
exagerados.
O curinga deve negar a opressão em seu jogo. Assim como o bufão, sua imagem
grotesca representará a ridicularização da opressão e dos opressores. A movimentação
alegre e dinâmica que ele desenvolve em cena pretende criar oposição entre a seriedade de
uma opressão e a leviandade da mesma.
91
3.2 Análise dos vídeos de curingagens do Teatro Fórum nas capitais brasileiras42
Vídeo 1
O Teatro-Fórum
42
Para a análise, foram utilizadas continuações dos vídeos sugeridas pelo YouTube, outros links encontrados
na internet com informações e um quadro com descrições históricas dos vídeos, estes documentos estão
disponíveis nos Apêndices A e B.
92
A intervenção da espect-atriz no Peru foi o movimento que fez surgir o Teatro
Fórum como ele se configura hoje. Até então, a modalidade se chamava Dramaturgia
Simultânea, pois os espect-atores não intervinham em cena, eles falavam para os atores
como a situação deveria ser e o elenco a representava. Depois o curinga discutia com o
público a possibilidade apresentada. A insatisfação da espect-atriz peruana com a tentativa
da atriz que não contemplava sua sugestão fez com que ela fosse à cena para mostrar o que
realmente queria dizer. Contudo, podemos afirmar que ela foi provocada para isso por dois
motivos: a curingagem e o tema da obra. A opressão mostrada em cena tocou
profundamente a espect-atriz fazendo com que ela sentisse obrigação de trazer outra
possibilidade para o desenvolvimento da trama. Porém, foi a energia da máscara corporal
do curinga que suscitou a crítica social e a intervenção. O espírito habilidoso, combativo e
os atos versáteis de Boal permitem que a curingagem seja sedutora aos espect-atores.
O intento do curinga foi debater a opressão apresentada em cena com o público.
Ele o faz usando seu corpo e voz através do jogo cênico. A qualidade improvisacional no
jogo do curinga chega a seu auge neste vídeo. Boal, frente à insatisfação da espect-atriz, a
provoca a querer estar em cena. Ele improvisou sua atuação e adicionou outras
possibilidades para a curingagem.
O curinga dialoga com a espect-atriz ironicamente, ele se mostra irritado, pois
ela não se satisfaz com as alterações feitas pela personagem oprimida em cena. A irritação
e ansiedade de Boal despertam a força crítica do humor e a necessidade da espect-atriz em
mostrar, ela mesma, o que deseja.
O princípio de alteridade foi extrapolado aqui quando a espect-atriz vê como
solução entrar no lugar da personagem oprimida para representar o que ela deve fazer. A
espect-atriz não só se colocou no lugar da outra (oprimida), mas vivenciou teatralmente a
experiência da personagem.
Entendemos que neste vídeo Augusto Boal é um curinga ativo e capaz de provocar
a leitura reflexiva nos espect-atores. Sua atuação é formada por características bufonescas
que acreditamos como essenciais para a curingagem. As principais são: alta energia
corporal, ambiguidade/dialética e jogo improvisacional. Na análise dos próximos 32 vídeos
93
selecionados, além das categorias observadas, iremos ter a curingagem de Boal neste vídeo
como base.
43
No século XIX e XX os atores pintavam os rostos de preto para que personagens negras fossem
representadas. A técnica era utilizada, pois atores negros eram proibidos de atuar em peças de teatro.
94
Entendemos que o conflito principal apresentado na peça diz respeito a pressões individuais sofridas
pela personagem protagonista. A temática não se configura como uma opressão social, mas como problema de
um pequeno núcleo. Boal chamava de Ascese 44 o caminho que as histórias de opressões fazem do âmbito da
microestrutura para a macroestrutura. Neste caso, não observamos este desenvolvimento, os conflitos
representados se mantiveram na microestrutura.
Por mais que a curinga esteja ativa e segura de sua curingagem, ela não se mostra aberta a improvisar
caso necessário e não problematiza as relações de opressão que aparecem em cena durante a primeira
apresentação e a segunda com intervenções do público.
Análise: Nessa apresentação, também há a pré-curingagem na qual o curinga explica para o público o
que é o Teatro Fórum, porém não é realizado um aquecimento físico com o público.
O conflito mostrado em cena trata do preconceito em relação às crianças de baixa renda que são
subestimadas em relação à suas potencialidades profissionais. As crianças em cena são moradoras de ocupações
residenciais do centro da cidade de São Paulo. Em cena também estão atores que fizeram parte das oficinas de
Teatro do Oprimido que foram propostas na ocupação durante alguns meses e resultaram na peça apresentada.
No público, além de amigos dos atores, estão as mães e pais das crianças atuantes (a maioria mães). Ou seja, há
homogeneidade no público, a maioria dos espect-atores vivem diretamente a opressão mostrada. Cremos que o
conflito trazido em cena se configura como uma opressão social e diz respeito a um grupo de pessoas que vive
ele, de formas diversas obviamente.
O curinga possui alta energia corporal em cena, há em sua atuação um enfoque grotesco - para que a
estética grotesca esteja presente, os signos da atuação do curinga não podem se encontrar diretamente no
cotidiano - que faz uso de ironias e ambiguidades durante a curingagem pós-apresentação. As ambiguidades
44
“A tarefa do Teatro do Oprimido é promover a Ascese: a necessária subida investigativa do micro, o caso
particular, até o macro, o contexto social, para a compreensão do problema” (SANTOS, 2016, p. 486).
95
estão marcadas pelas brincadeiras feitas na curingagem, ao mesmo tempo em que ele é chistoso, sua fala é
incisiva e desafiadora. As brincadeiras que ele profere não são obviamente chistes despretensiosos, mas
parecem, também, ironias. As formas irônicas presentes nas ambiguidades podem também desencadear um
processo dialético na curingagem. A atenção do curinga permite que ele baseie sua atuação na qualidade
improvisacional que está pronta para os questionamentos, sejam eles quais forem dos espect-atores.
Durante o fórum, o curinga não envia para o público as perguntas em relação à peça, as respostas não
são tidas como afirmações finais, mas como reflexões e questionamentos sobre o que foi visto. A curingagem
debateu com o público as sugestões dadas em cena e permitiu que a única intervenção fosse questionada e
discutida. Mesmo que o curinga se mostre ávido por uma intervenção em cena, ele não deixa de estar atento aos
comentários dos espect-atores.
Vídeo 4 Sinopse - A peça de
Teatro Fórum, que
Augusto Boal Boal curinga, aborda
https://www.youtube.com/watch?v=c-LE9kXutRw a crise financeira na
Acessado em 25 nov. 2015 França que levou ao
desemprego em
massa e na segunda
peça a tensão
envolve conflitos. A
segunda peça tem
como tensão os
conflitos presentes
em ambientes
escolares de ensino
formal no Brasil.
Análise: Neste vídeo, há a construção da obra baseada no tema da crise econômica na França. Um tema
que não é de foro pessoal, mas diz respeito à parcela da população que dependia de empregos dos setores
menos privilegiados do país. Augusto Boal é o curinga e não é possível ver a discussão crítica que ele realiza
com o público. Mas podemos assistir à forte qualidade corporal do curinga. Ele se move rapidamente pelo
palco e fala com o público usando um tom de voz fora do cotidiano e que chame a atenção dos espect-atores. A
outra curingagem do vídeo mostra um curinga que não se diferencia da espect-atriz que sobe em cena; ele não
está usando um tom de voz diferente nem uma qualidade corporal não-cotidiana, porém não nos atentaremos à
segunda curingagem, e sim, à primeira.
A alta energia corporal dos leva à constituição do jogo cênico entre ele e os espect-atores. Esta é um dos
principais aspectos para a construção de uma curingagem que proporcione o desenvolvimento de experiências
estéticas; é preciso que o curinga tenha prontidão física e esteja preparado para intervir nas falas e intervenções
do público quando necessário.
O curinga desenvolve sua atuação com espírito atento, dinâmico e versátil. Dessa forma, ele está
preparado para as respostas trazidas pelos espect-atores, mesmo que elas sejam contraditórias no que diz
respeito ao tema da peça. A atenção, o dinamismo e a versatilidade desenvolvem qualidades improvisacionais
no jogo cênico que permitirão que os curingas constituam a curingagem de modo a questionar a cena e as
intervenções ocorridas.
96
Vídeo 5 Sinopse - O
espetáculo de Teatro
CTO-RIO Fórum aborda a
https://www.youtube.com/watch?v=ja5xcYS8Kug história de uma
Acessado em 27 nov. 2015 mulher e as
opressões com as
quais ela tem que
lidar se dividindo
entre trabalho,
maternidade e
casamento, a
opressão reside na
imposição da
sociedade nas
atitudes relacionadas
ao gênero designado
a uma pessoa.
Análise: A peça mostra uma peça sobre a opressão de gênero na qual as mulheres são designadas a
tarefas domésticas compulsivamente. Este conflito se configura como uma injustiça social que atinge mulheres
em todas as partes do mundo, porém de maneiras diferentes. Por isso, a opressão apresentada precisa ser
discutida e possui características essenciais para o Teatro do Oprimido.
A curinga questionou o público sobre a intervenção da espect-atriz. A atuação na curingagem não foi
composta por afirmações da curinga, mas de perguntas que direcionou ao público. Quando as falas do público
são refletidas criticamente há possibilidade de que elas sejam notadas e questionadas na vida cotidiana.
Durante a mediação, a curinga se mostra desconfiada em relação às respostas do público, mas sua
desconfiança não transparece subestimação quanto as opiniões dos espect.-atores, mas comportamento
combativo de forma a mostrar que o que é dito precisa ser refletido antes de ser afirmado. Ela procura provocar
o viés crítico do público sobre a opressão mostrada em cena.
Vídeo 6 Sinopse - Na peça, o
marido em
DEU A LOUCA NA DOMESTICA - TEATRO comemoração às
FORUM bodas de prata no
https://www.youtube.com/watch?v=1nz-Kdi9C1A casamento com a
Acessado em 27 nov. 2015 esposa, lhe dá um
presente. O presente
Vídeo 7
é uma empregada
doméstica
DEU A LOUCA NA DOMESTICA - TEATRO
(Gioconda) que veio
FORUM
da caatinga
https://www.youtube.com/watch?v=NyU5UFkslwo
nordestina. A esposa
Acessado em 27 nov. 2015
fica muito feliz com
o presente e o casal
promete para a
empregada que ela
será tratada como se
fosse da família e é
quase dona daquela
casa. A opressão da
obra está na
escravização que
Gioconda sofre por
ser da caatinga
nordestina e
empregada
97
doméstica.
Análise: O tema da peça é relevante quando pensamos em uma discussão política sobre o lugar
ocupado pelas pessoas negras e do interior como empregadas domésticas em casas de famílias mais abastadas
de forma escravista. A peça mostra uma situação pessoal de uma família que representa um conflito social
maior que atinge grande parte da população brasileira. Porém a curingagem da atriz é feita pela principal
personagem opressora na peça: a patroa. Além de estar com o mesmo figurino usado pela personagem
opressora - o que poderia ser uma ferramenta de ambiguidade se problematizada - a atriz está com a energia
corporal muito baixa durante a curingagem e isso não permite que ela esteja atenta e ávida pela discussão com
os espect-atores.
Não é possível visualizar o público no vídeo, porém as perguntas que a curinga faz em sua atuação não
obtém resposta, confirmando que o questionamento não foi instaurado. Para mais, a curinga não está segura de
sua atuação e desiste rapidamente da possível discussão sobre a opressão com o público.
A intervenção da criança não teve o objetivo de mudar a situação apresentada, mas cabia à curinga
debater com o público sobre o que tinha acontecido em cena. Afirmamos que a curinga não instaurou um
ambiente crítico no fórum no qual a reflexão dos espect-atores fosse provocada.
Análise: As curingagens do vídeo são compostas por fragmentos da apresentação de duas peças
elaboradas por estudantes da Escola Oga Mitá no Rio de Janeiro. A primeira peça apresenta imagens
relacionadas a opressões de gênero (masculino x feminino). O público passa pelo conflito, pois a sociedade na
qual vivemos, infelizmente, é padronizada a partir de relações de gênero submissas, nas quais a mulher serve ao
homem, portanto, todos estão susceptíveis a reproduzir, ser oprimido e lutar contra a opressão. O conflito da
segunda peça não pode ser descrito, pois o vídeo não traz imagens suficientes para tal.
Os curingas sentem insegurança na curingagem, evidenciando uma provável falta de confiança em sua
atuação ou incredulidade em relação ao trabalho do Teatro Fórum. A falta de convicção na função gera no
público o mesmo sentimento e pode provocar acriticidade no fórum. Talvez a insegurança deles também pode
estar relacionada ao nervosismo de uma apresentação, principalmente sendo ela de uma escola, pois o público
costuma ser formado por amigos e parentes. Mas os curingas - como estudantes da mesma escola dos atores -
parecem ter conhecimento profundo sobre a peça e estar à vontade no ambiente, estas características podem
propiciar a abertura dos espect-atores para a criação de um olhar crítico, sem o curinga souber mediá-lo.
Vídeo 9 Sinopse - Na peça é
representada uma
Oficina 1 - Teatro do Oprimido de Londrina - Parte 1 sala de aula. Os
https://www.youtube.com/watch?v=ZHXIm8p7fOM estudantes possuem
Acessado em 26 nov. 2015 particularidades que
problematizam as
relações econômicas
e sociais da periferia
da cidade e como
elas influenciam na
98
escola.
Análise: Durante a peça, a professora faz a chamada da turma e os estudantes que faltaram à aula tem a
ausência justificada por um colega. Os casos de ausência se dão por gravidez na adolescência, toque de recolher
e trabalho. Umas das estudantes, Paula, chega atrasada na sala, pois disse estar trabalhando. A professora
também se atrasa devido à problemas no transporte público. Ao final da cena, uma policial contratada pela
escola entra na sala de aula para revistar os estudantes. Vemos na peça a apresentação de uma opressão que se
relaciona às más-estruturas das cidades que atingem, especialmente, os cidadãos menos privilegiados
economicamente.
O curinga faz uso de um instrumento musical no momento do aquecimento, isto aumentou sua agilidade
corporal. Não foi possível visualizar toda a curingagem e a que vimos pré-apresentação estava representada em
fotos, porém entendemos que objetos cênicos (não em quantidade demasiada), em especial aqueles que
produzem sons rítmicos, podem gerar fluidez para a instauração do jogo cênico entre o curinga e o público.
Mais que isso não é possível afirmar, entretanto percebemos que o curinga possui alta energia corporal durante
a curingagem isso pode marcar a prontidão física e atenção dele para com as colocações dos espect-atores de
forma a gerar o viés crítico.
Outra qualidade que pode ser gerada na atuação de um curinga ativo corporalmente é a improvisacional.
A partir do momento que o curinga desenvolve em cena uso de gestos não-cotidianos e está atento ao público,
ele tem condições de brincar com os espect-atores de forma a questionar suas falas e propor a reflexão sobra
elas.
Vídeo 10 Sinopse - A peça
aborda a
PEÇA: Seja Forte- CTO- centro do teatro do criminalização da
oprimido 14/09/2015 juventude negra no
https://www.youtube.com/watch?v=0ogPvW9MmwE país e a falta de
Acessado em 29 nov. 2015 direitos que os
negros têm em
relação a ocupar
espaços públicos no
Brasil. Em
específico, é colocado
o caso de um garoto
negro que foi preso
no ponto de ônibus
perto de sua casa
quando chegava da
faculdade à noite.
Análise: Na peça, a mãe do jovem levado pela polícia, Jacira, está muito exaltada durante as cenas e em
dois momentos ela comete (enquanto personagem e atriz) duas opressões, ela chama o deputado de “veado” e
“filha da puta”, e o presidente do bairro (Seu Calixto) de “filho da puta”, também. Os apelidos depreciativos de
Jacira indicam homofobia, pois ao chamar alguém de “veado” como xingamento, a pessoa está associando a
homossexualidade a algo ofensivo e maligno, quando Jacira chama os dois de “filhos da puta”, ela está dizendo
que a falta de comprometimento deles se dá por serem filhos de uma puta, como se isso fosse ruim e culpa da
mãe (mulher). Não é possível ver em cena se o curinga problematiza essas opressões (machismo e homofobia)
com os espect-atores, mas elas precisam ser discutidas.
Após a apresentação, o curinga pede para que o público escolha uma das peças apresentadas (foram
99
quatro) para que o fórum seja feito, porém a peça deve ser escolhida por analogia e não beleza, ou seja, a ideia
é que seja eleita a peça que possua um assunto com o qual o público se identifique e deseje discutir. O pedido
do curinga traz uma premissa importante para o Teatro do Oprimido, a estética importa no trabalho, mas antes
dela a crítica social dever ser prioridade da obra. Ademais, essa fala do curinga explicita para o público que ele
mediará a peça pelo viés crítico, adiantando para os espect-atores que o tema precisa ser problematizado.
O curinga tem atenção para com as respostas do público e o fato de pedir para que eles escolham a peça
que querem discutir já mostra que ele fará uso da qualidade improvisacional, porém para que esta seja
potencializada é necessário que mantenha alta energia corporal e traga ambiguidades para a curingagem.
100
Vídeo 12 Sinopse - O tema da
peça de Teatro
RIO ARTE 2012: APRESENTAÇÃO DA OFICINA Fórum é o
TEATRO DO OPRIMIDO envolvimento de
https://www.youtube.com/watch?v=mntG29i0zSI jovens
Acessado em 29 nov. 2015 frequentadores da
igreja evangélica
com drogas lícitas e
ilícitas.
Análise: Na primeira cena, a atriz representa o espírito de sua personagem já morta contando aos
espectadores como aquilo aconteceu. Atrás outras três jovens estão paralisadas olhando para o chão como se
fosse o corpo daquela que havia morrido. Elas mudam de lugar e voltam no tempo para contar o que ocorreu. A
menina que faleceu mais duas outras estão tentando convencer a outra jovem a ir a um baile e curtir a noite. A
menina que está sozinha diz não poder, pois precisa orar. As três meninas debocham da sua cara e saem. O
baile continua e um jovem compra drogas de um traficante, o traficante o ameaça com uma arma dizendo que
ele precisa pagar o que deve, mas que dessa vez vai deixar passar. O jovem que comprou a droga chega no
grupo de meninas e oferece à força drogas para a jovem que aparece morta no começo da peça. Os traficantes
da boca de fumo ameaçam a plateia dizendo que quem não pagar o que deve terá problemas. No final da peça,
um dos traficantes assassina a menina que apareceu morta na primeira cena, ele o faz, pois ela é amiga do
jovem que deve dinheiro para a boca de fumo.
A opressão é moralizadora para a comunidade de jovens que a assiste, afinal a personagem oprimida
morre no final, a morte não é uma situação que pode ser alterada, portanto, a ideia é que os jovens não
frequentem bailes funk, mas que eles vão a cultos para orar. A partir do momento que os jovens no público
frequentam a igreja, eles estão susceptíveis a convites de festas e a peça tem o intuito de mostrar que as festas
são um mau caminho a seguir. A opressão não se caracteriza como uma injustiça social, o que é mostrado se
relaciona a um universo macro, porém de forma a garantir que os fiéis das igrejas, especialmente evangélicas,
digam não a ações “pecaminosas”.
As risadas provocadas no público não são motivadoras de críticas em relação à opressão vivida em
cena, as risadas carregam preconceitos; atores pertencentes a um gênero (masculino) fazendo personagens de
outro (feminino) ou com trejeitos “femininos”. A criticidade em relação ao tema não é suscitada e os espect-
atores foram doutrinados pela peça e não levados a refletir sobre ela. A diversão reflexiva não ocorreu, as
risadas são preconceituosas e sem força crítica, elas são resultado de deboche e perpetuação de preconceitos,
especialmente, de gênero.
As contradições das personagens não são apontadas pelo curinga e o princípio da alteridade não é fomentado.
As pessoas procuram as intervenções como forma de mostrar o rumo que dariam à cena e não como motivação
de se colocar no lugar do outro e entender criticamente a opressão pela qual ele passa.
O curinga está atento às proposições dos espect-atores, ele a todo o momento lembra a plateia de que a situação
a ser alterada é a da personagem oprimida, pois as intervenções estão sendo feitas em relação às personagens
opressoras e não há a preocupação de discutir teatralmente a opressão social. Mesmo assim, o curinga ri e
aplaude as cenas, sem despertar o questionamento do público.
É possível afirmar que há homogeneidade entre o público, ou seja, que são pertencentes à mesma comunidade
que luta contra a opressão apresentada. E isso faz com que os espect.-atores se sintam parte da comunidade e à
101
vontade para entrar em cena. Além disso, esta homogeneidade pode ser vista como uma das razões para a
leviandade do público em suas intervenções, pois ali se preocupam mais em criar uma cena engraçada e que
deleite a plateia. Também afirmamos que a segurança dos espect-atores em participar da sessão se relaciona a
alta energia corporal do curinga que permite que o jogo aconteça. Outro aspecto do curinga que permite que o
público confie nele é a estabilidade que ele mostra ao curingar a peça, levando-nos a crer que também faz parte
da comunidade daquele Teatro Fórum.
Vídeo 13 Sinopse – As cenas
apresentadas têm
Taller de Teoría y Práctica del Teatro del Oprimido como temas a
con Julian Boal ditadura porto
https://www.youtube.com/watch?v=WHjNlXWGPu0 riquenha, a opressão
Acessado em 29 nov. 2015 do padrão de beleza
à mulher e a
opressão das leis
trabalhistas.
102
unanimidade da eficiência do sistema de leis no país, quando este deveria ser duvidado. O questionamento é
instaurado no fórum, os espect-atores são provocados a refletir sobre a peça, intervir em cena e debater a
condições das opressões apresentadas.
Vídeo 14 Sinopse - A peça
trata sobre uma
Teatro do oprimido família na qual a
https://www.youtube.com/watch?v=Zy1n9vNqgX4 filha (Isa) pode sair e
Acessado em 26 nov. 2015 se divertir e o filho
(Leo) tem que ficar
em casa estudando.
Vídeo 15
A opressão mostrada
diz respeito à
Teatro do oprimido 2
privação que um
https://www.youtube.com/watch?v=LwyGIuHe6fk
jovem vive mesmo
Acessado em 26 nov. 2015
estudando e
cumprindo suas
obrigações em
oposição à liberdade
que a irmã possui
ainda que não
cumpra seus deveres
Análise: Nos vídeos 14 e 15, não vemos na opressão uma injustiça social que diz respeito a uma
comunidade e minoria social. O conflito da peça está na relação privada entre uma família, na qual o oprimido
é um homem (Leo) e a mulher (Isa) tem liberdade para fazer o que quer, há uma inversão do machismo na obra.
A curinga entra em cena e fala para o público: “Então, galera...”. O vídeo acaba e a continuação mostra a
intervenção de uma espectadora na cena, a espectadora é professora da turma que montou a peça. A cena está
sendo refeita e a espectadora grita “Para” no momento em que quer propor uma alternativa, ela fala que o pai
precisa fazer com que Isa sente a mesa e coma o que tem e Leo vá a festa. A curinga pergunta se ela não irá até
a cena e encenar a proposta. Ela vai e intervém no lugar do pai (opressor) na cena. Não podemos ver se a
proposta da espectadora foi debatida com o público por meio da curingagem, porém é preciso que a curinga
dialogue com o público sobre as implicações da alternativa trazida pela professora. No momento em que ela
substitui o opressor ela propõe que a irmã seja privada de sair e o irmão liberado, quais são as consequências
sociais dessas ações? É preciso que os espect-atores reflitam criticamente sobre essa proposição.
Não é possível classificar profundamente a curingagem feita, pois só há pequenas imagens da atuação
da curinga. Contudo, acreditamos que nesse fórum é necessário que a curinga esteja calcada na ironia para
apontar as contradições das personagens e as ambiguidades da cena. Ela poderá atuar assim usando formas
dialéticas na curingagem. As formas dialéticas usadas serão marcadas pelo humor ao tecer críticas sobre a peça.
Afinal, a peça é agradável de assistir e a situação é real, mas até que ponto a opressão vivida em cena atinge
socialmente a população? Essa deve ser a questão que guia a curinga em sua atuação.
A qualidade improvisacional no jogo da curinga permitirá que ela desenvolva a curingagem de modo a
questionar a cena e a intervenção ocorrida. O questionamento será instaurado se a curinga se dispuser a refletir
sobre o fórum. Enquanto for mantida a busca técnica por intervenções, esvaziada de ideias, por intervenções
não é possível que haja diversão reflexiva na fruição.
103
Vídeo 16 Sinopse - A peça
trata sobre o racismo
Teatro do oprimido minas escola Anne Frank contra pessoas
https://www.youtube.com/watch?v=O5agDXTRJWQ negras na escola.
Acessado em 27 nov. 2015
Análise: A peça é protagonizada por estudantes da Escola Municipal Anne Frank em Belo
Horizonte/MG. Os espect-atores parecem pertencer à mesma turma dos atores. Há homogeneidade no público,
o que possibilita que os indivíduos estejam à vontade entre si. A curinga está insegura em relação à
curingagem; ela esquece parte do que ia falar e é ajudada pelos espectadores a completar a fala, sua energia
corporal está baixa. Após a apresentação da peça, a curinga pergunta ao público se o que foi visto em cena
acontece no dia-a-dia, o público responde que sim.
O público ficou indignado com a opressão trazida na peça e se mostrou ávido a repensá-la criticamente.
Por mais que uma das intervenções ocorridas coloque a personagem oprimida ofendendo o opressor, ela
também se defende e mostra a fraqueza dos xingamentos racistas ouvidos por ela. A curinga questiona o
público em relação às intervenções ocorridas e o público se mostra aberto à debate-las, porém a curinga não
fomenta a discussão.
Por mais que a curinga não provoque o público e não revele prontidão física, atenção e agilidade em sua
curingagem, a plateia se excita durante o fórum. A curinga não usa dialética nem ironia em sua atuação. Suas
falas são diretas e inseguras; ela não constrói um ambiente de observação das contradições existentes na cena
quando os espect-atores que intervém o fazem replicando a humilhação feita pelas opressoras.
Ainda que a curinga tenha se mostrado insegura na sua atuação, a alteridade é criada durante o fórum,
provavelmente, porque os espectadores também sofrem racismo dentro da escola e se identificam com o tema;
porém, pelas duas intervenções ocorridas, os espect-atores se colocaram no lugar da amiga da oprimida e não
no lugar dela. Esse fato pode desconstruir o princípio da substituição no Teatro Fórum, porém o
questionamento instaurado.
Análise: Este vídeo se mistura ao vídeo 8, pois no final dele são mostradas as curingagens que foram
realizadas na apresentação daquele. Isso ocorre em razão dos dois vídeos serem referentes a apresentações de
104
Teatro do Oprimido da Escola Ogá Mitá no Rio de Janeiro. São mostradas duas partes da mesma peça, porém
em espaços diferentes e com públicos diferentes. A apresentação feita da peça mostrada no vídeo 8 é chamada
de Teatro Imagem aqui, mas entendemos que a partir do momento que há a mediação do curinga para
problematizar a obra, se instaura o Teatro Fórum. Em todo caso, iremos nos delimitar a analisar a curingagem
da peça apresentada neste vídeo, que por mais que não sejam amplamente mostrada, traz características
relevantes para nossa análise.
As duas intervenções de espect-atores mostradas trazem um viés crítico, afirmando que a curingagem
provocou a reflexão do público de forma a ele querer encontrar alternativas para o conflito apresentado.
Acreditamos que o melhor a ser feito depois das intervenções é que o curinga debata com o público as
alternativas trazidas nas intervenções. O curinga deve fazer isso com alta energia corporal e gestos não-
cotidianos que permitam que ele faça uso de ironias em cena e desenvolva improvisações mediante as falas dos
espect-atores.
105
Análise: Nesta apresentação, a curinga, além de mediar a peça, atua em cena como mediadora entre os
opressores e a oprimida, portanto ela se colocar duas vezes no trabalho como uma ponte entre o público e o
conflito apresentado. Não vemos problema quando o curinga atua em cena, desde que ele não esteja fazendo o
papel da personagem principal opressora ou oprimida. Porém encontramos em vez de ambiguidade, contradição
atuação da curinga. Ela provoca o público para que ele discuta a situação apresentada na cena, porém ela o faz
com baixa energia corporal, sem ironias e sem agilidade. A curinga, além de não despertar a criticidade no
público pela mediação, colabora (como atriz) para que os espect-atores vejam os agressores como vítimas do
uso de álcool e drogas que os levou a estuprar duas meninas, pois ela convence a oprimida de que eles merecem
ser perdoados.
Após a apresentação da peça, algumas espect-atrizes percebem a distorção de discurso trazido em cena
ao defender a condição inconsciente dos estupradores e o perdão dado a eles pelas meninas violentadas. Dessa
forma, algumas se exaltam e afirmam que não há justificativa para o que eles fizeram e por isso não podem ser
perdoados, porém a curinga-narradora não faz uso dessas falas para que seja instaurado um ambiente de
questionamento. A curinga não estava impelida a debater criticamente sobre a peça com o público.
Não aconteceram intervenções na cena, mas houve uma fala do professor ao final da apresentação. A
fala suscitou a crítica social mais do que a da curinga. Ele não apontou as contradições das personagens, mas
ele trouxe para o debate prontidão e objetividade, fazendo com o público se sentisse provocado a refletir sobre
a cena.
Vídeo 20 Sinopse - Duas
personagens entram
Teatro do Oprimido na sala de aula em cena brigando.
https://www.youtube.com/watch?v=s96UqSwXROQ Uma delas (pai) está
Acessado em 25 nov. 2015 segurando a outra
com força e a
acusando de ter
saído de casa sem
permissão, a menina
agredida está
dizendo que a mãe
permitiu, mas o pai
diz que não
interessa. A opressão
da peça é o
machismo e a
violência contra a
mulher.
Análise: Novamente, a atriz que faz a personagem opressora da peça é a curinga. A energia corporal da
curinga é alta (isso se deve ao fato dela ter acabado de se machucar em cena como atriz), mas ela não usa
dialética em suas falas, nem aponta as contradições das personagens. Ainda que ela fale sobre a relevância do
tema trazido pelo grupo, a curinga não se preocupa em provocar o debate e intervenções dos espectadores. Ela
faz um breve convite ao público para intervir em cena.
O público dá risada e começa a incentivar que um colega entre em cena. Eles gritam seu nome:
“Denner!”. Ele cede aos pedidos e entra em cena; ele mostra que está confuso em relação a que papel assumirá
em cena. Denner substitui a filha que está apanhando no começo da peça na primeira cena. Ele reage às
agressões do pai o empurrando e contra argumentando. Por fim, ele acaba empurrando forte demais a atriz que
106
interpreta o pai contra o quadro negro e ela se machuca; a intervenção de Denner acaba. A agressão do espect-
ator em cena não reflete criticamente a opressão, mas a finaliza de forma que ela não ocorra mais naquele
momento. Pode ser que a intervenção do espect-ator não possa ser pensada como uma alternativa de solução
para o machismo, porém Boal coloca que o fórum nestes casos deve ser feito em relação ao momento anterior;
antes da filha apanhar. Já que assim não foi feito, entendemos que a agressão do espect-ator tem como intuito
mais do que devolver à agressão, salvar sua vida. O professor faz a observação de que nesse momento a mulher
(filha) deixou de ser oprimida e passa a ser opressora, porém ele não traz a perspectiva crítica dessa ação, o que
deveria ser feito pela curinga.
A curinga não instaura o ambiente de questionamento, enviando para o público perguntas sobre a peça e
a intervenção ocorrida. A energia corporal dela é baixa e mesmo o que a curinga faça parte da comunidade que
sofre machismo diretamente (afinal é uma mulher) e da turma escolar, ela não faz uso de qualidades
improvisacionais para superar sua insegurança no tocante à curingagem.
Análise: O público se diverte quando o oprimido é agredido em cena e quando perdoa com facilidade
sua agressora. A comicidade encontrada pelos espect-atores nessas cenas pode gerar a força crítica do humor
para a reflexão da obra. Se a curinga souber mediar e valorizar as reações da plateia, estes momentos de risadas
do público podem se tornar resultados da instauração do olhar crítico.
Os espect-atores recebem bem a peça, especialmente, por se sentirem animados de ver colegas em cena
representando personagens, eles fazem parte da mesma turma na escola, portanto, convivem diretamente no
ambiente onde a opressão mostrada é reproduzida. Eles sofrem a opressão dentro da escola, alguns sofrem
racismo, outros por serem novatos e por outros motivos (machismo, homofobia).
A curinga entra em cena e pergunta se alguém mudaria a situação apresentada. A curinga não sente
necessidade de debater criticamente o tema, ela não está empolgada com a sessão de Teatro Fórum. Denner,
que participou ativamente das apresentações mostradas nos vídeos 19, 20 e 22, se manifesta e diz querer entrar
no lugar da personagem oprimida. Ao ver que Denner está repetindo a cena sem altera-la, o professor
interrompe e avisa que a ação dele tem que mudar a situação. O professor é ágil e analisa a atuação de Denner,
atuando como a curinga deveria.
A curinga não comenta com a plateia a intervenção de Denner, ela não está disposta a desenvolver o
processo de dialética e ambiguidade em sua curingagem, no qual as contradições das personagens são
apontadas. Ela não cria na sala o ambiente de discussão sobre a opressão social mostrada em cena e não joga
cenicamente com os espect-atores. Ela não usa qualidades improvisacionas para lidar com as adversidades de
sua atuação.
107
Análise: Em uma empresa o chefe chega e o gerente vai cumprimenta-lo. O chefe se exalta e briga com
ele. O chefe sai e o gerente vai até a mesa onde mais duas pessoas estão trabalhando. Ele grita com um dos
trabalhadores para que ele termine logo o que está fazendo. Enquanto o gerente sai ele cruza com outro
empregado que traz duas xícaras de café. Com veemência ele diz: “’Ôu’ meu café” e pega uma das xícaras. O
empregado leva a outra xícara para a mesa do trabalhador que foi humilhado pelo gerente e fala: “Trouxe seu
‘cafézinho’, parceiro”, ele briga pela demora em trazer o café.
O curinga novamente é um dos atores da peça, porém ele é oprimido na primeira cena e na segunda
oprime. Vemos na figura do curinga a relação da cadeia de opressões que é trazida em cena. Acreditamos que o
curinga deveria ser outra pessoa, que não estivesse na peça, pelo menos não ativamente. Contudo, após a
apresentação, o curinga questiona os espect-atores sobre o que foi visto em cena. As perguntas do curinga têm
como intuito despertar o olhar crítico do público sobre a cena.
Uma espect-atriz entra em cena, após o pedido do professor. Após a intervenção dela, o professor
observa que mesmo ela tendo sido violenta ela cortou a repressão e, às vezes, é melhor cortar a repressão do
que se deixar oprimir. Em vez de continuar provocando a discussão sobre esse ponto, o curinga pergunta se
mais alguém faria diferente e, outra vez, Denner diz que faria. Antes da intervenção de Denner, o professor
observa que na cena a opressão acontece dentro da hierarquia; uma hierarquia maior oprime uma menor e assim
por diante. Denner também desenvolve ações que buscam acabar com a opressão sofrida no momento, mas não
em escala maior.
O curinga não provoca o público a comentar as intervenções dos dois colegas, ele não joga cenicamente
com os espectadores e não mostra um espírito habilidoso e agilidade para criar habilidades improvisacionais
que pudessem desenvolver o debate sobre a peça. O curinga durante a sessão lê o roteiro de suas falas, ele está
animado com a curingagem, mas não é seguro em relação a ela.
As contradições das personagens poderiam ser apontadas pelo curinga; as personagens são oprimidas e
oprimem em cena, gerando uma cadeia de opressões. A crítica social existente na relação opressora hierárquica
seria o mote para que o questionamento fosse instaurado e os espect-atores entrassem em um processo de
alteridade em relação às personagens da cena, identificando-as com momentos de cadeias opressivas de seu
cotidiano.
Os vídeos 18, 19, 20, 21 e 22 são de peças que foram construídas por estudantes da mesma escola e,
provavelmente, mesma turma. Observamos que não houve de nenhuma forma o incentivo para que a energia
corporal do público fosse aumentada. Vemos curingas desestimulados que não provocam os estudantes da
plateia a debater e intervir criticamente na peça. As intervenções surgidas não foram motivadas pela
curingagem, mas pela inconformidade dos espect-atores com o opressor, de forma que eles buscassem humilhá-
lo e “vencer” a opressão, como um jogo cênico no qual há ganhadores e perdedores, mas não reflexões críticas.
Vídeo 23 Sinopse - A peça
apresentada se
Teatro dos Oprimidos no lançamento do relatório da chama “Cor do
CDDHC Brasil” e tem como
https://www.youtube.com/watch?v=QOI46HbM9ks tema (opressão)
Acessado em 27 nov. 2015 principal o racismo.
108
apresentação está diretamente relacionado a necessidade de direitos humanos pensada no evento.
O curinga (um dos atores da peça que representa uma personagem oprimida) conta que será apresentado
um tema conhecido pelo público e sofrido por muitas pessoas, especialmente, pelas negras. Com essa fala, o
curinga começa a fomentar o questionamento, os espect-atores se sentem interessados em descobrir qual é o
tema do qual ele fala e por meio de seus chamados começam a se aproximar da cena.
Durante a curingagem pré-apresentação a energia corporal do curinga está alta. Ele dialoga com a
plateia com vivacidade. Ele está eufórico no jogo com o público antes da apresentação e o aquecimento do
público é efetuado. Após a peça, o curinga pergunta ao público se a situação apresentada acontece e se já foi
vista. Depois ele propõe à plateia que o personagem oprimido seja substituído caso surjam alternativas de
modificação da cena. O curinga está ávido por discutir o tema da peça e o fato de representar um oprimido em
cena traz dialética à sua atuação, pois ele é um curinga negro que sofre racismo cotidianamente e um ator
oprimido que também sofre essa mesma opressão. Contudo, o curinga não usa ironias na curingagem para
despertar a reflexão entre os espect-atores.
As intervenções não são mostradas, mas acreditamos que pela alta energia proposta no aquecimento e
na peça, é possível que a fruição tenha sido crítica. Além do que, vimos que na pré-curingagem e aquecimento
o curinga fez uso de características improvisacionais que possibilitaram que ele tivesse desenvoltura e
confiança em sua atuação.
109
curingagem. Os espect-atores participam do processo de reconstrução da obra quando comentam a sugestão
dada pela espect-atriz.
A dialética na mediação não foi desenvolvida pela curinga, ela não usa os argumentos dados pelo
latifundiário opressor como contrapontos para as sugestões trazidas por Larissa. O discurso de justificativa para
a escravidão dado pelo opressor poderia ter sido usado pela curinga para que a opressão social fosse discutida
profundamente, de modo que se pudesse entender porque ela é uma opressão. É evidente que a escravidão é
uma opressão e deve ser combatida, mas a curingagem tem o papel de problematizar o conflito do Teatro
Fórum, permitindo que ele seja questionado pelo público.
Análise: A curinga pergunta quem conhece o Teatro do Oprimido e quem já viu uma sessão de Teatro
Fórum. Algumas pessoas respondem positivamente e a curinga afirma que já existe gente ‘treinada’ para o
trabalho. A curingaexplica para a plateia o que é o Teatro Fórum. Ela pede para os espect-atores se levantarem
e faz o aquecimento corporal com dois exercícios: “Se você disser que sim” e “A cruz e o círculo”. O
aquecimento é importante para ativar a energia do público, porém nesta apresentação isso não parece ter
acontecido.
A energia corpora da curinga é baixa, ela se movimenta durante a curingagem, mas os movimentos
demonstram insegurança em relação a sua atuação. Apesar disso, ela parece estar empolgada com a sessão de
Teatro Fórum. Antes que a cena comece, uma das atrizes canta um rap-funk sobre a libertação feminina. A
curinga a acompanha tocando o ritmo, a atriz recomeça a música três vezes alegando que a curinga está tocando
o ritmo “muito rápido”. A atriz que cantará a música demonstra vergonha para atuar e a conversa entre ela e a
curinga desestimula o público.
Após a apresentação da peça, a curinga entra em cena pedindo para que todos respirem devido à força
da cena apresentada. Ela pergunta aos espect-atores o que eles viram e o que aconteceu na história. Um espect-
ator fala que a menina saiu para se divertir e um ‘cara’ se aproveitou se sua condição de alcoolizada. A curinga
questiona: “Então, isso é uma coisa que acontece?”. Algumas pessoas da plateia respondem que sim. Ela
pergunta o que pode ser identificado na história, visto que existem personagens na peça que impedem a
Madalena (a personagem principal) de contar essa história; ela está tentando contar esta história e ela não está
conseguindo se expressar. Curinga: “Por que vocês acham que ela não consegue se expressar?”. Uma
espectadora responde que Madalena se sente culpada. Outro espectador diz que ela tem vergonha. Outra espect-
atriz comenta que ela acha que não “vai dar em nada”, a curinga completa que se ela contar “vai ser pior pra
ela”. Nesse momento, a atenção da curinga aumenta em comparação com a pré-curingagem, ela está interessada
nas respostas do público e tenta provoca-los a refletir sobre o tema.
Porém, a pressa que a curinga tem para que intervenções aconteçam é maior do que a de instaurar o
questionamento e fazer a crítica social da opressão apresentada. Alguém fala que a oprimida deveria denunciar.
A curinga pergunta: “Denunciar para quem?”. Alguém contesta: “Para a polícia”. Um espectador diz que a
alternativa para resolver a opressão deveria partir da educação, do princípio da mulher, pois até hoje a menina
110
passa tem a obrigação de ajudar a mãe em casa, para aquilo que ela vive, então para poder mudar essa situação
é necessária a reeducação familiar porque muitas vezes meninas veem a mãe apanhando do pai dentro de casa e
a mãe não pede ajuda, isso ajuda essa criança a pensar que a situação é ‘normal’. “Então acho que necessário
seria uma reeducação familiar no princípio, na base da família, acho que seria um ponto que poderia ajudar”. A
curinga não parece interessada na fala do espectador, isso pode ocorrer por ser um homem discutindo uma
opressão social feminina e/ou por estar buscando alternativas de atuação na cena e não discussão sobre o tema.
Nesse momento, a curinga poderia direcionar ao público questionamentos sobre a fala do espectador, pois ele
propõe que haja uma reeducação na base familiar para que a menina aprenda a denunciar quando for agredida,
porém não devemos ensinar mulheres como se portar frente a uma agressão, mas os homens precisam aprender
a não agredir. O comentário feito traz uma pergunta básica sobre a opressão apresentada: de quem é a culpa?
Da mulher que não denuncia ou do homem que agride?
Os espect-atores não se sentiram parte da sessão e não participar da reconstrução da obra, por mais que
Carolina os convide para entra em cena e mudar a situação, eles não se sentem provocados o suficiente. Os
comentários sobre a peça são feitos para colaborar com a reflexão sobre a opressão, contudo a curinga não
proporciona um espaço para a criticidade no fórum. Ela não desenvolve um jogo cênico em sua mediação entre
os espectadores e a peça apresentada. Ela não aponta as contradições da personagem: ser abusada e não
conseguir denunciar. Talvez isso também tenha acontecido pelo choque que a peça gera, por isso a curingagem
deveria fazer uso de comicidade para que a dialética entre a seriedade e a brincadeira fosse gerada.
Vídeo 27 Sinopse - A primeira
peça do projeto é
TEATRO-FÓRUM-SESI vídeo 1 chamada de “Cresça
https://www.youtube.com/watch?v=_bwRZA2tz1s e Apareça”. Ela tem
Acessado em 25 nov. 2015 como tema a
avaliação funcional
que é motivo de
Vídeo 28
insatisfação para
muitos
TEATRO-FÓRUM-SESI vídeo 2
trabalhadores. O
https://www.youtube.com/watch?v=dRL0hTR9grA
texto foi construído
Acessado em 25 nov. 2015
pelos atores, em cena
os atores levaram
para a plateia os
sentimentos em
relação ao assunto. A
segunda peça
montou o texto
dramatúrgico de
Augusto Boal
“Revolução na
América do Sul”. A
peça trata de
política, relações
entre patrão e
empregado,
ignorância do povo,
miséria, e o quadro
social e político da
América do Sul; são
mostradas opressões
vividas pelo
trabalhador José da
111
Silva.
Análise: Os vídeos fazem a divulgação do projeto de Teatro Fórum em parceria com o Serviço social da
Indústria (Sesi), a Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. (EMBASA) e a Universidade Federal da Bahia
(UFBA) – Salvador/BA. Nos três vídeos está presente a voz de um narrador que explica o que é o Teatro do
Oprimido, o projeto e as ações que ele possui. No vídeo são mostradas imagens dos ensaios, bastidores das
apresentações, entrevistas com pessoas envolvidas no projeto, apresentações das peças de Teatro Fórum e
curingagens. O narrador defende o projeto, ele faz a pergunta: “Por que o Sesi decidiu investir no Teatro do
Oprimido?”. Ele mesmo responde à pergunta: “O Sesi encampou a ideia por seu aspecto socioeducativo e por
se tratar de responsabilidade social e de atenção à qualidade de vida do trabalhador capaz de contribuir para o
exercício da cidadania e para a transformação do indivíduo, de forma a assegurar o desenvolvimento e
capacitação do corpo funcional”.
Analisaremos a curingagem das duas peças. A energia corporal das curingas está baixa, elas não jogam
cenicamente com os espect-atores; elas não fazem uso de gestos não-cotidianos em suas mediações. Elas
precisam trazer as ambiguidades presentes nas apresentações; especialmente, o caráter cômico das peças, que
faz o público rir, mas se preocupar em discutir o tema. O princípio da alteridade (se colocar no lugar do outro)
precisa ser desenvolvido a partir da crítica social ao tema. O comportamento combativo e a qualidade
improvisacional das curingas poderá criar uma dialética na mediação na qual os espectadores comentam a peça
e buscam alternativas para o combate à opressão, alternativas que podem ser refutadas. Todas essas
necessidades ocorreram na sessão
Os espect-atores se sentiram provocados a participar do fórum mais pela identificação com os temas do
que pelas provocações da curingagem. O processo das experiências vivências no Teatro Fórum é permeado
pelo conflito de cada peça; esse conflito precisa ser superado para que sejam vividas novas experiências. Não é
possível ver toda a curingagem nos vídeos, mas as curingas comentam com o público sobre as intervenções
ocorridas de modo a buscar o olhar crítico dele.
Como vemos a implantação do Teatro do Oprimido dentro de uma empresa? Acreditamos que o Teatro do
Oprimido revoluciona a vida de pessoas oprimidas que não se sentem aptas a debater as situações opressivas
vivenciadas. Contudo, quando uma empresa cria um projeto de Teatro do Oprimido para que os trabalhadores
possam falar de seus problemas, ficamos em dúvida sobre o intuito desta ação. Ao mesmo tempo em que a
empresa pode querer que seus funcionários estejam felizes, tenham espaços para discutir suas opressões
trabalhistas e seus problemas, o projeto pode ser uma maneira que a empresa encontra para manipular as
reivindicações dos trabalhadores e moldar as formas de luta daquela classe operária. Nem contra, nem a favor,
somos desconfiados.
Vídeo 29 Sinopse – A peça
trabalha com a
Teatro- Imagem no GERIBANDA - FURG 2011 linguagem do Teatro
https://www.youtube.com/watch?v=v6qIeUr8Fcs Imagem e é
Acessado em 27 nov. 2015 curingada como uma
sessão de Teatro
Fórum. O grupo
desenvolve ações
voltadas para
questões
socioambientais,
portanto, o tema da
obra está dentro
112
desse recorte.
Análise: A curingagem é feita pela integrante do grupo Mara. Ela entra em cena e diz: “Como ‘tá’ todo
mundo já bem ligado, ‘vamo vê’...”, então ela pergunta quem do público se habilita a trazer uma proposta de
movimento para a cena. A proposta de movimento funciona como uma alternativa para modificar a opressão
vivida pela personagem. Imediatamente após a pergunta, um espectador se manifesta para entrar em cena. Ele
sobe no palco e altera a cabeça/rosto da personagem oprimida; ele o faz e volta para a plateia. Mara pergunta
seu nome e fala: “Joca fez um movimento possível, um movimento, mas que ainda não levou ela (a personagem
oprimida) a, não levou essa menina a se desoprimir, a sair dessa situação”. Então ela pergunta quem pode subir
em cena e trazer outro movimento para colaborar com a ação da menina. A curinga lembra que qualquer um
dos personagens da imagem pode ser movimentado (inclusive as personagens opressoras). Mara: “Só que nós
precisamos da colaboração de vocês, do público. Tragam soluções. Como é que a gente vai fazer com que essa
menina que ‘tá’ buscando esses livros, que ‘tá’ sendo oprimida, como é que nós vamos fazer como que ela saia
dessa situação?”. A curinga não instaura um jogo de ironias e ambiguidades com o público, afinal ela não os
impele a investigar o que ocorreu em cena, mas ela dá as respostas e pede por novas ações. Isso também
impossibilita que se comportamento seja baseado em qualidades improvisacionais, pois ela parece seguir um
roteiro fechado de atuação.
Uma espect-atriz (Neide) sobe ao palco para alterar a imagem. Neide movimenta e muda a posição de
uma das opressoras em cena. A curinga chega próximo de Neide, a abraça e pergunta à atriz que foi
movimentada por Neide se ela quer fazer o que foi proposto, se ela quer liberar a oprimida. A atriz responde
que não, que ela não quer liberar a oprimida. A atriz é opressora na situação e a resposta dela se coloca na
ideologia do Teatro do Oprimido, a qual acredita que é mais provável que o oprimido mude do que o opressor.
A curinga diz: “Então esse é um movimento que não é possível na nossa imagem; o opressor não quer liberar o
oprimido”. Ela agradece Neide e pergunta se ela deseja dar outra possibilidade, fazer outro movimento. Neide
aceita e modifica a personagem oprimida fazendo com que ela saia do plano baixo e vá para o médio, além
disso, Neide movimenta o braço da oprimida de forma que ela impeça um dos opressores a fazer algo. A
curinga pergunta para a atriz que representa a personagem oprimida: “Sthefany, tu ‘qué’ te levantar?”. A atriz
responde que sim, a curinga afirma que ela quer se desoprimir, “então ela começa a fazer o primeiro
movimento de desopressão”. Mara agradece a participação de Neide e ela desce do palco.
A energia corporal da curinga é baixa, mas ela está atenta e pronta fisicamente para propostas dos
espect-atores. Mara não propõe a leitura da imagem em cena antes e depois das intervenções. Ela não se
preocupa em discutir com os espectadores a ideia trazida pela imagem e pelos movimentos colocados por
pessoas do público. Sem o diálogo não é possível que haja dialética na mediação da curinga, é preciso que os
espect-atores discutam o tema para que surjam refutações em relação às afirmações na situação.
A sessão de Teatro Fórum e Teatro Imagem mostrada no vídeo não proporciona aos espect-atores a
sensação de alteridade durante o processo, pois eles não entram no lugar do outro, mas reconstroem
imageticamente a cena, ou seja, eles alteram a disposição do corpo dos atores na imagem. As contradições das
personagens não são apontadas pela curinga, não há a descrição das personagens de forma a pensar nas suas
características dentro da posição ocupada por ela; opressora ou oprimida. O questionamento não foi instaurado.
113
Vídeo 30 Sinopse - A peça
apresentada se
Tecno Barca 2 - Medo do Futuro // Teatro Fórum chama “Medo do
https://www.youtube.com/watch?v=WyXzCawLew8 Futuro”. A situação
Acessado em 26 nov. 2015 opressiva
apresentada é que os
jovens em uma ilha
do Amapá vivem em
relação a ir para
faculdade na capital
e ter que trabalhar
para se sustentar
economicamente.
Análise: No começo do vídeo os atores da peça explicam a relação da peça com a vida deles. Eles são
jovens moradores da Vila Progresso no Arquipélago de Bailique (Amapá). A explicação dos atores promove
uma conexão entre o público e a peça a ser apresentada.
O curinga está calmo na curingagem e se sente seguro em relação a ela. No final da peça ele grita:
“Para!” e entra em cena. O curinga informa para a plateia: “Então pessoal, agora é a hora da tensão. O professor
deu um xeque-mate. Ele (apontando para o oprimido) continua a trabalhar, a estudar, a tentar a vida na capital.
A tentar realizar o sonho dele de fazer uma faculdade. Ou voltar para os sonhos dos pais. Voltar para o que o
professor disse, para a terra dele. O nome desse jovem é Pedro”. Uma legenda no vídeo informa que o público
foi convidado a entrar na peça e procurar uma saída para Pedro, outra legenda conta quando o grupo foi
formado.
A entrada do curinga em cena vem a corroborar para o chamado do público a entrar em cena. Não
podemos afirmar de que maneira se deu a curingagem, pois o vídeo não traz imagens sobre ela, mas
entendemos que é necessário que o curinga priorize a discussão do tema apresentada. Pelo cenário onde a peça
é apresentada, afirmamos que a peça acontece às margens do rio Amazonas, ou seja, em alguma ilha do
arquipélago de Bailique. Provavelmente, há espect-atores na peça que passam pela opressão mostrada e se
identificam com o tema, portanto, discutir a opressão é mais importante que buscar intervenções e
reconstruções cênicas que não problematizem o conflito vivido cotidianamente.
O curinga deve apontar as contradições das personagens na cena, especialmente, das opressoras. Onde
nasceram, onde cresceram, quais eram as condições financeiras da família, como tiveram acesso ao ensino
superior, essas informações gerarão a análise das ambiguidades presentes na opressão social apresentada.
A energia corporal do curinga é baixa e ele não instaura o jogo cênico na curingagem. Será necessário
que ele traga qualidades improvisacionais para a mediação que possibilitem o surgimento de um espaço outro
do cotidiano onde a dialética permeie as discussões sobre a peça. A dialética aqui será as contraposições entre
argumentos a favor e contra a opressão. Assim, o questionamento poderá ser construído.
114
e tortura durante a
ditadura militar
brasileira instaurada
em 1964. A obra se
refere às repressões
sofridas nos regimes
militar ditatoriais.
Na segunda parte da
peça é mostrada a
história de Bruno,
um jovem skatista
que sai de casa para
procurar um
emprego e é julgado
pela sua aparência.
Análise: No vídeo não é possível ver as intervenções em cena e a curingagem de forma completa por se
tratar de um vídeo de divulgação. A cena mostrada é de uma ‘revista’ feita por policiais em Bruno. A curinga,
Yara Toscano, pergunta à plateia quem já sofreu uma ‘revista’ como aquela ou já presenciou uma ‘batida’
policial como aquela; ela pede para que levantem a mão as pessoas que sim. Podemos ver um espect-ator
intervindo na cena e outro comentando a cena. A curinga o interrompe e pede para que ele execute teatralmente
sua ideia. Ele entra em cena e chama todos os espectadores para entrar também.
A energia corporal da curinga é alta e ela provoca o espect-ator para que ele relacione a cena que está
sendo vista com sua realidade. O intento da curinga é instaurar o debate sobre a peça e convidar os espect-
atores a intervir em cena. Não podemos ver se a curinga prioriza as intervenções em cena em vez de discuti-las,
mas sua prontidão física e agilidade fazem com que a plateia se sinta envolvida na sessão. Os espectadores
estão curiosos sobre o rumo que o fórum tomará, eles participam do jogo cênico proposto pela curinga; ela cria
outro ambiente que não é o cotidiano. Além disso, a energia corporal dos espect-atores também está alta,
grande parte deles assiste à peça em pé.
O conflito da peça é a censura, tortura do estado e repressão policial. Este conflito permeia as
experiências que estão sendo vivenciadas pelo público. As intervenções em cena e o questionamento
estabelecido são suscitados pela habilidade improvisacional da curinga, que está pronta para as repostas do
público.
Vídeo 32 Sinopse - Mesma do
vídeo 31.
Torquemada São Bernardo do Campo – SBC
https://www.youtube.com/watch?v=-nbYShWi6rg
Acessado em 26 nov. 2015
Análise: É realizado o aquecimento do público, mas ele não é feito pela curinga. O aquecimento é
conduzido por personagens da peça, eles fazem um jogo com a plateia criado pelo elenco a partir de
movimentações dos braços e das mãos. Depois do aquecimento a curinga entra em cena. Ela explica para a
plateia que ali será iniciado um jogo chamado Teatro Fórum. Ela diz: “Vocês vão perceber que vai ter
problemas acontecendo aqui. Vocês vão observar os problemas e vão ver como vocês fariam na situação
apresentada”. O aquecimentos e explicação do Teatro Fórum para o público antes da peça é relevante para que
os espect-atores “entrem” no jogo e se disponham para a discussão.
A peça é bem recebida pela plateia que é composta por crianças, jovens, adultos e idosos. A opressão
social trazida em cena (a censura, tortura do estado e repressão policial) é vivenciada pelo público: os
115
espectadores mais velhos podem ter nascido nos anos da ditadura militar no Brasil e por isso viveram a época
de censura e tortura no país na qual Augusto Boal foi preso e torturado. Os mais jovens da plateia são afetados
pela repressão policial que acontece atualmente nas cidades.
A curinga comentou com o público as intervenções ocorridas, ela incentiva os espect-atores a entrar em
cena, mas também instaura o questionamento entre eles; o trabalho de mediação da curinga se baseia na
dialética, na qual o diálogo com o público busca por verdades e não-verdades relacionadas à opressão. Ainda
assim, ela poderia apontar as ambiguidades presentes nas personagens opressoras, em especial, nos torturadores
e policiais, que também são oprimidos por um sistema que os obriga a obedecer cegamente regras e cumprir
ordens.
A energia corporal da curinga não é tão alta, mas ela veste uma roupa parecida cm o figurino dos atores
que a coloca em lugar diferente do ocupados pelo público. Durante a atuação da curinga, ela faz uso de
habilidades improvisacionais e está interessada nas proposições dos espect-atores, se a curinga usasse mais
comicidade em suas falas e aprimorasse o jogo cênico, a crítica social feita pela plateia seria mais contundente
e a diversão reflexiva criada. Por se identificarem com o tema e se sentirem provocados pela curingagem, os
espect-atores participam do fórum, discutindo o tema da peça, intervindo nas cenas apresentadas, as
modificando e reconstruindo a obra.
116
repentina da amiga da oprimida, ai existe a diversão reflexiva, pois há o prazer e a crítica.
De qualquer maneira, a curinga poderia adicionar à mediação o jogo cênico do bufão com base no
humor e na comicidade, dessa maneira ela elevaria sua energia corporal e revelaria apor meio da improvisação
a necessidade da crítica social.
Voltando à noção da crítica genética, nos deparamos com 33 vídeos, dos quais
apenas o de número 2845 traz para a cena uma peça com dramaturgia já estabelecida.
Mesmo que algumas apresentações sejam feitas livremente inspiradas em textos cênicos,
todas possuem doses de criação, sejam elas menores ou maiores. Portanto, existe um
processo de mesclagem de diversos textos, sejam eles dramatúrgicos ou não, para a
elaboração das peças de Teatro Fórum46.
Temos como principal objetivo analisar a formação do curinga, e para isso partimos
dos bufões, no entanto, não foi possível mascarar a despolitização de uma apresentação de
Teatro Fórum nas análises. As ações dos curingas continuaram existindo, contudo sua
mediação não teve o intento de suscitar a recepção crítica nos espect-atores. Pelos menos
não a recepção crítica da qual dissertamos, que é assumidamente desmistificadora de
45
Peça Revolução na América do Sul (1960) de Augusto Boal.
46
A construção dos textos e sua qualidade estética não foram analisadas nesta pesquisa.
117
padrões opressores. De todo modo, iniciamos a análise olhando para particularidades
técnicas do Teatro Fórum que colaboram para o surgimento do viés crítico relacionado a
assistir uma peça de teatro reflexivamente.
Acredito que muito mais importante do que chegar a uma boa solução é provocar
um bom debate. Na minha opinião, o que conduz à auto-ativação dos espect-
atores é o debate, não a solução que porventura possa ser encontrada. (BOAL,
2000, p. 326).
118
A maioria dos vídeos mostrou apresentações feitas para públicos de uma mesma
comunidade, ou seja, espect-atores que sofrem por analogia ou identificação a opressão
apresentada na peça. Esta é uma característica importante para o Teatro do Oprimido, pois
quando as apresentações são feitas para públicos mais homogêneos e em relação próxima
ao tema é mais provável que a situação em cena seja vivida após a apresentação e há maior
possibilidade de que as atividades no Teatro Fórum possam auxiliar na luta contra a
opressão no cotidiano.
O curinga não pode mostrar certeza em relação às sugestões trazidas pelo público,
ele enviará todas as decisões aos espect-atores em forma de pergunta, porém, o curinga
precisa se posicionar nitidamente contra a opressão e este posicionamento faz parte do
comportamento irreverente dele.
Se o curinga não permite que a plateia veja a opressão em outras personagens, além
da protagonista oprimida, ele em sua curingagem deixa explícito que uma delas é a
oprimida e somente ela precisa ser questionada, isso pode levar à redução da visão de
transformação do público em relação à obra apresentada e ao mesmo tempo instaurar uma
regra que não permite que outras possibilidades para o jogo cênico sejam construídas.
119
As formas irônicas promovem a força crítica do humor. Nesse processo, pode ser
desenvolvido o espírito niilista e zombeteiro do curinga para tecer críticas e apontar as
contradições das personagens e da cena. As críticas trazidas na curingagem despertarão a
criticidade e a recepção ativa da obra. Quando os espect-atores veem o curinga atuar com
irreverência e ironia, eles tendem a se sentir à vontade para fazer o mesmo ou semelhante,
permitindo que sejam vistas outras leituras das cenas.
120
daquelas presentes no Brasil, é fato que a peça desperta no público questionamento e
necessidade de intervenção.
Ainda que seja possível ver a intervenção de apenas uma espect-atriz, percebemos
que a curinga em sua atuação já está apoiada por um texto político ativista na sessão que,
como no vídeo 3, permite o debate crítico sobre a peça. Além disso, a curinga é mulher,
então ela sofre opressões de gênero e também conhece profundamente a obra, duas
características essenciais para que sua curingagem seja segura e se baseie na qualidade
improvisacional. Afinal, ela tem segurança do tema a ser tratado e está preparada para
diferentes proposições dos espect-atores.
O oprimido sofre por sentir que vive uma opressão ao ter que escolher entre ficar
com a herança da mãe (bastante dinheiro que pode proporcionar-lhe um grande casamento
com sua amada) ou doar o dinheiro para uma instituição de crianças carentes. A mãe do
oprimido pediu em seu leito de morte que ele doasse o dinheiro, mas ele está triste, pois
não quer fazer isso, uma obrigação dentro da instituição religiosa espírita da qual ele
participa - na peça e na vida cotidiana. Há nesta montagem a evidente necessidade de
doutrinar os participantes da instituição em relação a um pressuposto religioso de dentro da
instituição. A curinga não promove a criação do olhar crítico dos espect-atores. Uma
pessoa do público afirma ter uma solução, mas não quer atuar em cena e a curinga não
pede para essa pessoa do público falar o que pensa.
121
Nos vídeos 27 e 28, o Teatro do Oprimido é utilizado como uma ferramenta de
inclusão dentro de uma empresa. A apresentação da técnica nos vídeos parte da ideia de
que o Teatro do Oprimido humaniza e sensibiliza os indivíduos. Após a introdução, há
falas de diversas pessoas envolvidas no processo, pessoas que trabalham na EMBASA,
professoras da UFBA e atores das peças. O projeto transmite a noção de que o Teatro do
Oprimido foi um recurso encontrado pelos patrões da empresa para escutar e atender
melhor às necessidades dos funcionários.
Por exemplo, se a peça de Teatro Fórum trata sobre o machismo, é complicado ter
um homem curingando a sessão. Por mais que ele seja simpatizante do movimento
122
feminista e da luta contra as opressões patriarcais, ele nunca as sofreu diretamente. Dessa
forma, é improvável que ele entenda totalmente, na discussão, as demandas das mulheres
em relação à opressão, em especial, quando a enfrentam dia-a-dia.
Entendemos que existem exceções. Pode ser que seja necessário que um homem
curingue uma peça sobre o machismo, ou uma pessoa cisgênera sobre transfobia. Estes
casos ocorrem quando não há nenhum curinga, que viva diretamente a opressão, disponível
para curingar a sessão de Teatro Fórum. Vale nos perguntarmos se é melhor que o curinga
esteja ciente e conheça a peça a ser apresentada, ou seja, parte da minoria social que realiza
o trabalho. Acreditamos que é possível que a curingagem seja feita em dupla nestes casos.
De qualquer forma, é imprescindível que o curinga esteja inteirado politicamente do tema
da obra.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até o presente momento, a pesquisa nos demonstrou que o curinga formado por
meio de características bufonescas constrói seu jogo através da qualidade improvisacional.
A mediação dependerá do preparo cênico do curinga, que é o cerne desta pesquisa. Este
estudo apontou até seu fechamento que se faz inerente à peça de Teatro Fórum que o
mediador apresente criticidade em relação ao tema da obra, em consonância com as
reverberações sociais e políticas daquela opressão encenada.
Tivemos como resposta relevante em nosso processo de investigação que parte das
peças de Teatro Fórum estudadas estão esvaziadas politicamente e não buscam o olhar
crítico dos espect-atores. Para recuperar isso, entendemos que é fundamental que o curinga
124
construa o jogo de sua atuação pela qualidade improvisacional que é um dos atributos
teatrais das atividades do bufão. Nos vídeos, a maioria dos curingas não estavam abertos a
comentários e propostas do público. Eles mostravam não possuir real interesse no que os
espect-atores falavam como se não estivessem dispostos a modificar sua atuação e o
prosseguimento da curingagem no Teatro Fórum.
O Teatro Fórum por meio do jogo da curingagem formada por aspectos do bufão
pode trazer noções e formas específicas de reflexão para a instauração do questionamento
em relação à opressão social, pois o bufão pode representar a crítica social. Se o curinga
incorporar a sua atuação irônica e crítica, ele influenciará os espect-atores; as influências
poderão ocorrer nas ações do público, quando ele também é crítico e irônico, e também no
questionamento dos espect-atores em relação ao posicionamento do curinga e a motivação
da cena. É importante que o mediador esteja pronto para incorporar todos os comentários
ouvidos de modo que sejam dadas respostas a serem utilizadas no fórum e trazer benefícios
à sessão.
125
uma construção histórica e social, de modo que não haja o hiperindividualismo do
oprimido e a busca de alternativas para o problema a partir de ações pessoais, que apenas
resolvam a situação em lugar específico.
Assim, em alguns vídeos, encontramos peças de Teatro Fórum que estavam mais
preocupadas em trazer uma opressão que não se configura como uma discussão política
ativista de algum assunto que atinge grande parte da população e se caracteriza como uma
injustiça social.
126
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VIANA, Zelito. Augusto Boal e o Teatro do Oprimido. Brasil, cor, 2010, documentário.
134
APÊNDICES
135
Apêndice A
Vídeo 4: https://www.youtube.com/watch?v=60Sx9yxDa3g
Vídeo 5: http://ctorio.org.br/novosite/2009/10/world-forum-theatre-festival/
Vídeos 6 - 7: https://www.youtube.com/watch?v=8PKOsy4E0pk
https://www.youtube.com/watch?v=bbNBWoRpOEo
https://www.youtube.com/watch?v=MDYT0WcXxlc
http://normasoely.blogspot.com.br/2012/12/a-peca-deu-louca-na-domestica-do-
gatpi.html
http://moovids.com/ar/8PKOsy4E0pk/watch-free-funny-video-comedia-deu-a-
louca-na-domestica.html
https://www.facebook.com/normasoelygrupoalteatro/posts/753824537990187
https://www.facebook.com/grupoalternativo.deteatro/?ref=ts&fref=ts
https://www.facebook.com/pages/Teatro-Jo%C3%A3o-Paulo-II/171634879633512
Vídeo 9: https://www.youtube.com/watch?v=x0cXwxVO4Y8
http://ftolondrina.blogspot.com.br/2009_01_01_archive.html
Vídeo 11:
https://www.google.com.br/search?q=enecom+alagoas&rlz=1C1SAVI_enBR670B
R670&oq=enecom+alagoas&aqs=chrome..69i57j69i61j0l4.3292j0j7&sourceid=chr
ome&es_sm=122&ie=UTF-8
https://cabenevidespaixao.wordpress.com/2008/06/30/enecom-2008/
http://orkut.google.com/c57567241-tf2311913f90be64b.html
136
Vídeo 12: https://www.facebook.com/events/934912449897974/
http://www.huper.com.br/rioarte/index.php/contato
https://www.facebook.com/events/991534427539617
http://geribandafurg.blogspot.com.br/2011/11/programacao-geribanda-2011.html
http://www.tecnobarcabailique.blogspot.com.br/
http://www.29bienal.org.br/
137
Apêndice B
Os aspectos nos quais nos concentramos para a descrição dos vídeos foram: nome,
link, nome do grupo, nome do curinga, classificação do público; local da apresentação
(prédio, estado, cidade); data da apresentação; data da publicação do vídeo no YouTube;
motivo da apresentação (evento, festival, encontro, fórum, fomento); duração da peça
(apresentação da peça completa somando os vídeos continuação, se necessário); duração
(no vídeo) da curingagem pré-apresentação; duração (no vídeo) da curingagem pós-
apresentação e número de intervenções feitas pelo público.
138
Quadro 1 - Descrição dos vídeos selecionados para análise
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2 Teatro do Oprimido https://www.y Estudantes Estudante do Estudantes Escola Não é 21/09 Atividad 1' 21'' Não é 2' 1
0 na sala de aula outube.com/w do 2º ano B 2º ano B da do 2º ano B Estadual possíve /2015 e da possível
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Coronel Coronel Coronel o Braga - car Arte
Marcelino Marcelino Marcelino Boa
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(Alexandra, a do
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148
2 Teatro do Oprimido https://www.y Estudantes Estudante do Estudantes Escola Não é 11/09 Atividad 2'44 Não há 2' 52'' 1
1 na sala de aula outube.com/w do 2º ano B 2º ano B da do 2º ano B Estadual possíve /2015 e da curingage
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Marcelino Marcelino Marcelino Boa
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3 VI FPTO 2014 https://www.y Projeto Yara Participante Parque 01/06/2 14/06 VI Feira Não é Não é 1' 50'' 1
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(FPTO) o
(FPTO)
154
Outras informações sobre os vídeos selecionados
Algumas respostas não puderam ser encontradas pelas perguntas do quadro, são
elas:
Vídeo 17: A partir de 5' 47'' as imagens serão desconsideradas pois são as
mesmas do vídeo 7;
155