O Que É o Molinismo
O Que É o Molinismo
O Que É o Molinismo
O CONTRA-REFORMADOR
Luís de Molina (1535 - 1600), um espanhol muito importante do século XVI, foi
um padre jesuíta, teólogo e professor erudito. Autor de várias e diversificadas obras. Entre
o seu vasto legado destaca-se a obra Concordia liberi arbitrii cum gratiae donis, divina
praescientia, providentia, praedestinatione et reprobratione (1588), obra essa,
responsável pelo assunto a qual inspirou este livro.
Aquela época foi marcada com profundas transformações na civilização. Uma das
mais importantes foi a reforma protestante, liderada por Martinho Lutero. Um dos pontos
da teologia de Lutero era a sua “negação do livre arbítrio humano e a afirmação da
absoluta eficácia do poder de Deus sobre suas criaturas, ideias contra as quais se assume
a Concordia”1. Contudo, a obra de Molina, não se trata apenas de um combate a reforma
protestante, criticando o posicionamento e teologia de Lutero, mas uma problematização
e revisão da tradição, também uma firme defesa da liberdade humana, harmonizando-a
com a perfeição divina.
Como o próprio título da obra explica (traduzido para o português - Harmonia
entre os dons da graça e do livre arbítrio, presciência divina, providência,
predestinação e reprovação – tradução livre), o autor procura solucionar um dos mais
difíceis e persistentes problemas da tradição filosófico-teológica, compatibilizando a
liberdade de arbítrio humana com a perfeição da onisciência, onipotência, providência e
predestinação divinas. Abaixo, sua própria definição do problema:
há um assunto que sempre criou grandes dificuldades aos
homens, a saber, de que modo a liberdade do nosso arbítrio e a
contingência das coisas futuras, num ou noutro sentido, podem ajustar-
se e concordar com a presciência, providência, predestinação e
reprovação divinas.2
Uma obra que, pela tamanha profundidade, repercute desde sua edição até a
atualidade. Sua contribuição teológica recebe o nome de molinismo.
Como foi dito acima, o assunto que inspirou esse livro é a harmonização entre a
perfeição divina e o livre arbítrio humano, não é a pessoa de Molina. Creio que o que foi
dito sobre ele até aqui é suficiente para uma introdução ao molinismo. Também quero
fazer um pedido, que considero importante, aos irmãos em cristo. Seja qual for seu
segmento (se protestante, pentecostal ou outros), que não rejeite as conclusões expressas
nesta obra por preconceito (pelo fato de tal entendimento ter surgido no âmbito católico
romano), nem por tradicionalismo (a denominação em qual congrega se declara
arminiana, calvinista, etc.), honrando, assim, mais as “doutrinas de homens”. Lembre-se
que muitas de nossas doutrinas, que cremos até hoje, nasceu no berço do catolicismo
(doutrina da Trindade por ex.), e também renomados pensadores eruditos, que dedicaram
suas vidas ao conhecimento dos assuntos concernentes a Deus (como os “pais da igreja”).
1
Rebalde, J. (2015). Liberdade humana e perfeição divina na Concordia de Luis de Molina.
Ribeirão/Potugal: Húmus, pp.12.
2
Molina, L. Concordia (apud João Rebalde, 2015, ibid p. 11)
1
Nossa fidelidade deve ser com a Verdade, não importa de onde surja (Mt 15.1-9; 1Co
3.4-6, 21-23).
DOUTRINA MOLINISTA
O molinismo apresenta uma solução atraente para o problema. A sugestão de
Molina para a explicação de como Deus pode ordenar as coisas por meio de causas
secundárias que são, por si só, agentes livres, envolve a sua doutrina do conhecimento
médio divino. Doutrina essa que, nas palavras de William Lane Craig (teólogo, filósofo
cristão, talvez o mais habilidoso apologeta cristão contemporâneo) "se coerente, é uma
das ideias teológicas mais frutíferas já concebidas"3.
Molina analisou o conhecimento de Deus em termos de três estágios lógicos. Veja
bem! Tudo que Deus conhece, Ele conhece eternamente, de modo que não há um
período temporal para o conhecimento de Deus. No entanto, existe um tipo de ordem
lógica no conhecimento de Deus, no sentido de que Seu conhecimento de certas verdades
esclarece ou explica a posse de seu conhecimento de outras verdades. Craig, sobre o
conceito de estágios lógicos, diz que
Dizer que algo é logicamente anterior de qualquer outra coisa
não é dizer que algo ocorre antes de outra no tempo. Temporalmente,
elas poderiam ser simultâneas. Pelo contrário, prioridade logica
significa que alguma coisa serve para explicar outra coisa.4
3
Craig, W. L. (2016). O ÚNICO DEUS SÁBIO A COMPATIBILIDADE ENTRE A PRESCIÊNCIA DIVINA
E A LIBERDADE HUMANA. (W. Sales, Trad.) Maceió/AL: Sal Cultural. pp. 121
4
Ibid
5
Craig, W.L (apud Holman Bible Publishers Group. 2015. BÍBLIA DE ESTUDO APOLOGIA
CRISTÃ. Tradutor D. Ribas. Rio de Janeiro: CPAD. pp. 1972)
2
ela não assistir o comercial, no dia de seu pagamento ela gastará seu dinheiro de outra
maneira. A Sra. Rosa não é determinada, inescapavelmente, pelas circunstâncias ou por
Deus, não, ela continua livre, e posto nas mesmas circunstâncias poderia decidir-se por
agir de outra maneira. No entanto, se a Sr. Rosa fosse agir de outra maneira, então
Deus teria conhecido de antemão, desde a eternidade.
"Enquanto, no conhecimento natural, Deus sabe o que cada criatura
livre poderia fazer em qualquer conjunto de circunstâncias, nesse segundo estágio Deus
sabe o que cada criatura livre faria livremente, em qualquer conjunto de circunstâncias."6
Sabendo como os seres livres agiriam livremente dada alguma circunstâncias em que Ele
possa colocá-los, logo, Deus sabe que se Ele designasse certos estados de coisas, então
alguns outros estados possíveis de coisas seriam reais como resultado. Por exemplo,
Deus sabia que se Saulo viesse a existir naquele tempo e se o Cristo aparecesse a ele em
sua viagem a Damasco, então Saulo obedeceria livremente à "visão celestial" (Atos
26.12-19) e se tornaria um seguidor e servo de Cristo.
Ainda nesse segundo estágio lógico, é entendido que Deus conhece qual dos
mundos possíveis conhecido por Ele no primeiro estágio está em Seu poder de criar. Craig
explica que
há um número de mundos possíveis conhecidos a Deus no
primeiro momento do conhecimento que ele não pode criar, pois,
criaturas livres não cooperariam. Seu conhecimento médio serve, por
assim dizer, para delimitar a gama de mundos possíveis para aqueles
que Ele poderia criar, devido as escolhas livres que as criaturas fariam
neles.7
O terceiro estágio do conhecimento divino é o Seu conhecimento livre. Assim
chamado por delinear a livre decisão de Deus, ou livre decreto, de criar um dos mundos
conhecidos por Ele como passível de ser criado, com base em seu conhecimento médio.
Deste modo, Seu conhecimento livre é o conhecimento do mundo atual que Ele criou.
Ele tem controle sobre quais afirmações são verdadeiras e quais são falsas. Esse é o
mundo ao qual Ele escolheu criar. Assim, quais afirmações são verdadeiras e quais são
falsas depende da decisão livre de Deus a respeito de qual mundo Ele quis criar. Se Ele
tivesse criado um mundo diferente o conteúdo do Seu conhecimento livre seria diferente.
Acompanhe o quadro abaixo:
6
Ibid (grifos meus)
7
Craig, W. L. (2016), Op. Cit., pp. 124
3
Com o conhecimento natural, Deus conhece toda a gama de mundos
possíveis, pelo seu conhecimento médio, o Senhor conhece o subconjunto desses mundos
que podem sofrer atualizações por Ele. Por uma decisão livre, Deus cria um desses
mundos visto por Ele em Seu conhecimento médio. Dessa forma Ele também decreta
como Ele agiria livremente em determinado conjunto de circunstâncias.
Considerando a livre decisão de Deus de criar um mundo no terceiro e último
estágio de Seu conhecimento, Ele tem conhecimento de todas as verdades no mundo
atual, incluindo as futuras sobre como as criaturas se comportarão.
Na teoria de Molina, Deus faz diretamente com que certas circunstâncias passem
a existir e provoca outras indiretamente, por meio de causas secundárias. Ele permite que
as criaturas livres ajam como ele sabia que elas agiriam livremente quando colocadas em
determinadas circunstâncias, o que contribui com as Suas decisões atualizando os
efeitos desejados. Alguns desses efeitos são a vontade incondicional de Deus e por essa
razão Ele deseja positivamente que eles aconteçam, outros ele não deseja
incondicionalmente, mas tolera devido ao Seu desejo de permitir liberdade às criaturas,
sabendo que até mesmo estes atos pecaminosos se enquadram no projeto global das
coisas, de modo que Ele providencialmente arruma para que tudo aconteça, permitindo
ou desejando. Ele faz com que tudo aconteça, porém de maneira a preservar a liberdade.
O esquema de Molina alcança uma tensa reconciliação entre a soberania Divina e a
liberdade humana, assim como afirma Thomas P Flint (proeminente filosofo cristão).
Dado à infalibilidade do conhecimento médio de Deus, ele
fornece um meio genial de combinar um forte e seguro controle divino
sobre os assuntos humanos com um relato firmemente libertário da
liberdade.8
Bibliografia
Craig, W. L. (2015). Como a Bíblia Pode Declarar a Soberania Divina e, ao Mesmo
Tempo, a Liberdade Humana? Em H. B. Group, BÍBLIA DE ESTUDO
APOLOGIA CRISTÃ (D. Ribas, Trad., pp. 1972-73). Rio de Janeiro: CPAD.
8
FLINT, T.P (2010). Disponível em
<https://deusamouomundo.com/determinismo/providencia/> Acesso em 18/nov/2020.
4
Craig, W. L. (2016). O Único Deus Sábio: A Compatibilidade entre a Presciência Divina
e a Liberdade Humana. Maceió: Sal Cultural.
Flint, T. P. (03 de Abril de 2016). Providência. Fonte: Deus Amou o Mundo:
https://deusamouomundo.com/determinismo/providencia/
Rebalde, J. (2015). Liberdade humana e perfeição divina na Concordia de Luis de
Molina. Ribeirão/Portugal: Húmus.