Enterite Linfoplasmocítica Canina
Enterite Linfoplasmocítica Canina
Enterite Linfoplasmocítica Canina
Presidente
Professora Doutora Professora Doutora
Maria Manuela Grave Rodeia Espada Niza Maria Constança Matias Ferreira Pomba
Vogais
Professor Doutor
Mário António Pereira da Silva Soares de Pinho
Professora Doutora
Maria Constança Matias Ferreira Pomba
2008
LISBOA
1
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
Faculdade de Medicina Veterinária
Presidente
Professora Doutora Professora Doutora
Maria Manuela Grave Rodeia Espada Niza Maria Constança Matias Ferreira Pomba
Vogais
Professor Doutor
Mário António Pereira da Silva Soares de Pinho
Professora Doutora
Maria Constança Matias Ferreira Pomba
2008
LISBOA
2
Enterite Linfoplasmocítica Canina
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, por todo o amor, carinho e apoio que me deu, e que me permitiram crescer e
chegar onde cheguei.
Ao meu irmão Pedro, que embora seja uma melga, nunca deixou de me apoiar.
Ao resto da minha família, pois não conseguiria desejar uma família melhor.
À Rita, a minha melhor amiga, e que sem ela não seria ninguém.
À Andreia, Carlota, Flávio, Jo, Joaninha, Kika, Lina, Tiago e Vera, por serem os amigos que
são, e me proporcionarem os melhores anos da minha vida.
À Maria, amiga e companheira de Erasmus, pela amizade e força de viver que demonstra
todos os dias.
À Drª. Maria Vasconcelos, Drª. Elsa Figueiredo e Drª. Inês Alves, pelos bons momentos que
passei na Clínica Veterinária de Corroios, e por toda a ajuda que me deram ao longo da
minha formação.
À Professora Doutora Maria Constança Pomba, pelo auxílio na execução desta dissertação.
i
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
O termo doença inflamatória intestinal crónica (Inflammatory Bowel Disease – IBD) reflecte
um conjunto de doenças que se caracterizam por sinais gastrointestinais persistentes ou
recorrentes e evidência histológica de inflamação gastrointestinal focal, multifocal ou difusa,
sem causa conhecida. A inflamação pode atingir o estômago, intestino delgado ou cólon,
sendo caracterizada histologicamente por número aumentado de células inflamatórias na
lâmina própria da região afectada. A enterite linfoplasmocítica representa o tipo mais comum
de IBD e, tal como o nome indica, é caracterizada por infiltração da lâmina própria por
linfócitos e plasmócitos, embora também possam estar presentes outras populações de
células inflamatórias. A etiologia desta patologia continua ainda por esclarecer, suspeitando-
se que resulte de uma desregulação do sistema imune intestinal, despoletada por uma
interacção de factores genéticos, ambientais e imunoreguladores, que resultam na perda de
tolerância oral a antigénios alimentares e microbianos no lúmen intestinal. O sinal clínico
mais frequente é diarreia crónica de intestino delgado, embora vómito e perda de peso
sejam também comuns. Pela sua definição, a enterite linfoplasmocítica é uma afecção
idiopática, e é diagnosticada por exclusão, o que dificulta o seu diagnóstico. Não existem
alterações características na maioria dos exames complementares de rotina, e o seu papel
principal é a eliminação de diagnósticos possíveis. O diagnóstico definitivo apenas pode ser
realizado por biópsia e observação de infiltração da lâmina própria por linfócitos e
plasmócitos. O tratamento consiste geralmente de terapia imunossupressora, antibioterapia
e maneio dietético, embora casos ligeiros consigam por vezes ser geridos apenas com
terapia antibiótica ou dietética. Como complemento ao estudo bibliográfico, foram analisados
4 casos clínicos de enterite linfoplasmocítica. Não ocorreram diferenças relevantes entre os
achados clínicos reportados na bibliografia e os casos reportados. O grande problema ligado
a estes casos clínicos deveu-se à dificuldade em eliminar todas as causas conhecidas de
inflamação intestinal e assim diagnosticar uma afecção idiopática. Em um dos casos foi
realizado um diagnóstico posterior de linfoma intestinal, o que levanta dúvidas se ocorreu
um erro no diagnóstico inicial ou se se estava perante uma evolução de uma patologia
inflamatória para uma patologia neoplásica.
ii
Enterite Linfoplasmocítica Canina
iii
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
ÍNDICE
Pág.
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. i
RESUMO: ENTERITE LINFOPLASMOCÍTICA CANINA ...................................................... ii
ABSTRACT: CANINE LYMPHOCYTIC-PLASMACYTIC ENTERITIS.................................. iii
ÍNDICE ................................................................................................................................. iv
ÍNDICE DE FIGURAS.......................................................................................................... vii
ÍNDICE DE GRÁFICOS...................................................................................................... viii
ÍNDICE DE TABELAS.......................................................................................................... ix
LISTA DE ABREVIAÇÕES ................................................................................................... x
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1
1.1 ACTIVIDADES DE ESTÁGIO....................................................................................... 1
1.2 CASUÍSTICA ............................................................................................................... 1
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: ENTERITE LINFOPLASMOCÍTICA CANINA..................... 9
2.1 ETIOLOGIA E IMUNOPATOGÉNESE ......................................................................... 9
2.1.1 Tolerância Oral.................................................................................................... 10
2.1.2 Antigénios Microbianos e Alimentares................................................................. 11
2.1.3 Permeabilidade Intestinal .................................................................................... 13
2.1.4 Factores Genéticos ............................................................................................. 14
2.1.5 A Resposta Inflamatória na IBD .......................................................................... 16
2.2 SEQUELAS................................................................................................................ 21
2.2.1 Má absorção ....................................................................................................... 21
2.2.2 Linfangiectasia .................................................................................................... 22
2.2.3 Gastrite Crónica Antral ........................................................................................ 22
2.2.4 Colite................................................................................................................... 22
2.2.5 Dilatação Gástrica/Volvo ..................................................................................... 23
2.2.6 Linfoma Gastrointestinal...................................................................................... 23
2.3 APRESENTAÇÃO CLÍNICA E EXAME FÍSICO ......................................................... 24
2.4 DIAGNÓSTICO.......................................................................................................... 26
2.4.1 Hemograma ........................................................................................................ 28
2.4.2 Bioquímicas Séricas............................................................................................ 29
2.4.3 Urianálise ............................................................................................................ 30
2.4.4 Exames Fecais.................................................................................................... 31
2.4.4.1 Citologia Fecal e Citologia Rectal ................................................................. 31
2.4.4.2 Métodos de Flutuação .................................................................................. 31
2.4.4.3 Culturas Fecais ............................................................................................ 32
2.4.4.4 Testes imunodiagnósticos ............................................................................ 32
2.4.4.5 Sangue Oculto nas Fezes ............................................................................ 33
iv
Enterite Linfoplasmocítica Canina
v
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
vi
Enterite Linfoplasmocítica Canina
ÍNDICE DE FIGURAS
Pág.
Figura 1 – A. Quantidade excessiva de gás no intestino delgado sem dilatação sugere
enterite; B. Numerosas indentações murais radiolucentes, resultando em defeitos de
preenchimento são observadas no duodeno e com menor expressão no jejuno de um cão
com enterite linfoplasmocítica............................................................................................... 34
Figura 2 – Critérios para obtenção do CIBDAI ..................................................................... 73
Figura 3 – A. Radiografia torácica (vista lateral); B. Radiografia torácica (vista ventro-dorsal) .
............................................................................................................................................. 83
Figura 4 – A. Espessamento da parede do intestino delgado; B. Nódulo hipoecogénico no
baço...................................................................................................................................... 83
Figura 5 – Hiperecogenicidade hepática .............................................................................. 88
Figura 6 – Dilatação do ducto colédoco ............................................................................... 88
Figura 7 – Espessamento da parede duodenal .................................................................... 88
Figura 8 – A. Espessamento, perda de contraste e possível local de ruptura de uma ansa
jejunal; B. Linfadenopatia mesentérica ................................................................................. 92
vii
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Pág.
Gráfico 1 – Número de casos observados por espécie animal............................................... 2
Gráfico 2 – Número de casos observados em cada serviço................................................... 2
Gráfico 3 – Número de casos por especialidade médica e espécie animal ............................ 3
Gráfico 4 – Número de casos de patologia reprodutora e de outras intervenções em
canídeos ................................................................................................................................. 4
Gráfico 5 – Número de casos observados em dermatologia por espécie e tipo de patologia . 5
Gráfico 6 – Número de casos por tipo de cirurgia e espécie animal....................................... 6
Gráfico 7 – Número de casos no internamento de medicina por especialidade médica e
espécie animal........................................................................................................................ 6
Gráfico 8 – Número de casos no internamento de cirurgia por tipo de intervenção cirúrgica e
espécie animal........................................................................................................................ 7
Gráfico 9 – Número de casos por tipo de exame imagiológico e espécie animal ................... 7
Gráfico 10 – Número de casos por tipo de profilaxia vacinal e espécie animal ...................... 8
viii
Enterite Linfoplasmocítica Canina
ÍNDICE DE TABELAS
Pág.
Tabela 1 – Diagnósticos Diferenciais de diarreia crónica de intestino delgado ..................... 27
Tabela 2 – Resultados do hemograma (Benny).................................................................... 77
Tabela 3 – Resultados das bioquímicas séricas (Benny)...................................................... 78
Tabela 4 – Resultados do cTLI, folato e cobalamina séricos (Benny)................................... 78
Tabela 5 – Resultados do hemograma (Riack)..................................................................... 80
Tabela 6 – Resultados das bioquímicas séricas (Riack)....................................................... 81
Tabela 7 – Resultados do ionograma (Riack) ....................................................................... 81
Tabela 8 – Resultados do segundo hemograma (Riack) ...................................................... 82
Tabela 9 – Resultados do segundo ionograma (Riack) ........................................................ 82
Tabela 10 – Resultados das segundas bioquímicas séricas (Riack)..................................... 82
Tabela 11 – Resultados do cTLI, folato e cobalamina séricos (Riack) .................................. 82
Tabela 12 – Resultados do hemograma (Theodora) ............................................................ 86
Tabela 13 – Resultados do ionograma (Theodora)............................................................... 87
Tabela 14 – Resultados das bioquímicas séricas (Theodora)............................................... 87
Tabela 15 – Resultados do cTLI, folato e cobalamina séricos (Theodora)............................ 87
Tabela 16 – Resultados do teste de estimulação dos ácidos biliares (Theodora) ................. 89
Tabela 17 – Resultados do hemograma (Rouck).................................................................. 91
Tabela 18 – Resultados das bioquímicas séricas (Rouck).................................................... 91
Tabela 19 – Resultados dos parâmetros sanguíneos monitorizados durante a noite (Rouck)
............................................................................................................................................. 92
Tabela 20 – Resultados do folato e cobalamina séricos (casos clínicos 1,2 e 3) .................. 96
Tabela 21 – Resultados do CIBDAI, endoscopia e histopatologia (casos clínicos 1,2 e 3) .......
........................................................................................................................................... 100
ix
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
LISTA DE ABREVIAÇÕES
Ac anticorpo
ACTH adrenocorticotropic hormone - hormona adrenocorticotrófica
Ag antigénio
ALT alanina transaminase
APC antigen presenting cell – célula apresentadora de antigénios
ARD antibiotic-responsive diarrhea – diarreia que responde a antibióticos
BT-PABA N-benzoil-tirosil-paraminobenzoato
Ca2+ cálcio
cE1 canine pancreatic elastase – elastase pancreática canina
CHCM concentração de hemoglobina corpuscular média
CHU colite histiocítica ulcerativa
CIBDAI canine inflammatory bowel disease activity index
Cl- cloro
cNOS constitutive nitric oxide synthase – óxido nítrico sintase constitutivas
CO2 dióxido de carbono
cPLI canine pancreatic lipase immunoreactivity
CRP c-reactive protein – proteína C-reactiva
cTLI canine trypsin-like immunoreactivity
DNA deoxiribonucleic acid – ácido desoxirribonucleico
DRD diet-responsive diarrhea – diarreia que responde ao tratamento dietético
ELISA enzyme-linked immunosorbent assay
eNOS endotelial nitric oxide synthase – óxido nítrico sintase endotelial
FA fosfatase alcalina
FOS fructooligossacáridos
HCM hemoglobina corpuscular média
HCO3- bicarbonato
HPLC high pressure liquid chromatography – cromatografia líquida de alta pressão
IBD inflammatory bowel disease – doença inflamatória intestinal crónica
IFN-γ interferon-γ – interferão-γ
Ig imunoglobulina
IL interleucina
IM intra-muscular
iNOS inducible nitric oxide synthase – óxido nítrico sintase induzível
IPE insuficiência pancreática exócrina
K+ potássio
L:R rácio lactulose:ramnose
Mg2+ magnésio
mRNA messenger ribonucleic acid – ácido ribonucleico mensageiro
Na+ sódio
NaCl cloreto de sódio
NF-κB nuclear transcription factor-κB – factor de transcrição nuclear-κB
NH3 amoníaco
nNOS neuronal nitric oxide synthase – óxido nítrico sintase neuronal
NO nitric oxide – óxido nítrico
pANCAs perinuclear antineutrophilic cytoplasmic antibodies – anticorpos
citoplasmáticos perinucleares antineutrofílicos
PCR polymerase chain reaction
PO per os
PU/PD poliúria/polidipsia
q(...)h cada (...) horas
RIA radioimunoensaio
RT-PCR polymerase chain reaction de transcrição reversa
SC subcutânea
x
Enterite Linfoplasmocítica Canina
xi
Enterite Linfoplasmocítica Canina
1. INTRODUÇÃO
O estágio de final de curso que deu origem a esta dissertação de mestrado foi realizado no
hospital escolar da École Nationale Vétérinaire d’Alfort, França, local escolhido não só pela
excelente crítica a nível internacional, mas também de modo a proporcionar uma visão da
clínica de pequenos animais diferente da observada em Portugal. O referido estágio teve a
duração de 4 meses, desde o início de Setembro de 2007 ao fim de Janeiro de 2008.
O estágio teve como principal objectivo fornecer uma utilização prática e progressiva dos
conhecimentos teóricos adquiridos durante o curso de medicina veterinária, aplicando-os a
situações reais na clínica de pequenos animais. O período de estágio foi dividido em
semanas, cada semana correspondendo a uma área diferente da clínica de pequenos
animais, dando maior destaque a algumas das áreas. Assim, foram realizadas no total 3
semanas em consultas nas especialidades de nefrologia e urologia, endocrinologia,
gastroenterologia, cardiologia, pneumologia, oncologia, oftalmologia, neurologia e ortopedia,
2 semanas no internamento de medicina, 2 semanas no bloco de cirurgia, 1 semana no
internamento de cirurgia, 2 semanas em reprodução, 2 semanas em
parasitologia/dermatologia, 1 semana em vacinação e 2 semanas em imagiologia. Era
função dos estagiários não só a realização das consultas (e todos os aspectos a elas
ligados), mas também a recolha de amostras para exames complementares, realização dos
próprios exames em alguns casos e a administração de eventuais terapêuticas necessárias.
Embora fosse esperada do estagiário autonomia na realização destas tarefas, encontrava-
se sempre disponível um médico veterinário (interno, residente, assistente ou professor),
que supervisionava os vários passos de todo o processo, especialmente a escolha dos
exames complementares a realizar e a instituição das terapêuticas apropriadas. No bloco de
cirurgia, era da competência do estagiário a realização de castrações e esterilizações, bem
como o auxílio na realização de outras cirurgias, a preparação dos animais para a cirurgia e
a supervisão dos mesmos durante a recuperação da anestesia.
1.2 CASUÍSTICA
1
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
diagnóstico. O mesmo ocorreu no caso das semanas em imagiologia, uma vez que os
animais se apresentavam apenas para a realização dos exames necessários e depois eram
novamente reencaminhados para o serviço original. O Gráfico 1 demonstra o número de
casos por espécie animal, observando-se uma grande predominância de canídeos, seguida
dos felídeos e, por fim, roedores e lagomorfos.
250
214
200
150 Canídeos
Felídeos
102 Roedores
100 Lagomorfos
50
2 1
0
Canídeos Felídeos Roedores Lagomorfos
O Gráfico 2 demonstra a divisão dos casos seguidos nos diversos serviços que se
encontram ao dispor no hospital escolar. É necessário ter em atenção que o número de
casos observados em cada área da clínica de pequenos animais depende em grande parte
ao número de semanas passadas em cada uma destas áreas.
Internamento de Cirurgia 12
Internamento de
19
Medicina
Cirurgia 23
Imagiologia 63
Dermatologia 38
Reprodução 23
Consultas de Medicina e
109
Cirurgia
Profilaxia Vacinal 32
0 20 40 60 80 100 120
2
Enterite Linfoplasmocítica Canina
18
16
16 1515
14
12 11
10 9 Canídeos
8
8 Felídeos
6 6
6 5
4
4 3 3 3
2 1 1 1 1 1
0
ia
ia
ia
ia
ria
ia
a
ia
s
gi
og
di
ia
og
og
og
og
og
tó
lo
pe
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En
e
fr o
as
gi
s
lo
sa
Ne
to
io
Pa
cc
fe
In
s
ça
en
Do
3
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
1
6
3
Patologia mamária
Patologia Aparelho Reprodutor
Imagiologia
Inseminações
Cirurgias
11
4
Enterite Linfoplasmocítica Canina
A dermatologia foi outras das áreas com elevada predominância de casos em canídeos, o
que está provavelmente ligado ao facto de numa cidade, os canídeos terem geralmente
maior acesso ao exterior, enquanto que os felídeos representam geralmente animais de
interior (apartamento).
14
12
12
11
10
9
8
Canídeos
Felídeos
6
4
3
2
2
1
0
Dermatites Pododermatites Otites Doenças
Imunomediadas
Como se pode observar pelo Gráfico 5, foram registados diversos casos de dermatite,
pododermatite e otite. No caso das doenças imunomediadas, apenas foi visto um caso, o
que reflecte a baixa incidência deste tipo de patologia. Um facto interessante no caso da
patologia da pele é que grande parte dos proprietários dos canídeos observados reportou
que o seu animal esteve em contacto com uma fonte de água pouco limpa (rio, lago, poça)
antes de apresentar os primeiros sinais dermatológicos, o que reflecte a importância desta
factor em muitas patologias dermatológicas.
A cirurgia é uma área que apresenta uma maior frequência de casos em felídeos, o que se
encontra ligado ao facto de as castrações e esterilizações nesta espécie serem realizadas
por este serviço e não pelo serviço de reprodução. Este tipo de intervenções representa
assim grande parte das cirurgias de tecidos moles em felídeos. Já em canídeos as cirurgias
de tecidos moles observadas foram na sua maioria cirurgias para remoção de massas
neoplásicas, especialmente a nível abdominal. Já no caso da ortopedia, adquirem maior
destaque as resoluções cirúrgicas de fracturas de membros, tanto em canídeos como em
felídeos. O Gráfico 6 revela o número de cirurgias a tecidos moles e ortopédicas realizadas
em canídeos e felídeos.
5
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
12
Tecidos M oles
5
Felí deos
Canídeos
2
Ortopedia
4
0 2 4 6 8 10 12 14
Hematologia
1
Cardiologia
1
2 Felídeos
Oncologia
2 Canídeos
Gastroenterologia
3
Nefrologia e 8
Urologia 2
0 2 4 6 8 10
6
Enterite Linfoplasmocítica Canina
Gráfico 8 - Número de casos no internamento de cirurgia por tipo de intervenção cirúrgica e espécie animal.
5 2
4 4
Felídeos
Canídeos
3
2 4
1 2
0
Ortopedia Tecidos Moles
O serviço de imagiologia foi outro dos serviços que apresentou elevada variação nos casos
observados. É importante salientar que estes casos não foram seguidos na sua totalidade,
representam apenas os exames imagiológicos realizados e/ou presenciados pelo estagiário
no decurso das semanas no serviço de imagiologia.
40
37
35
30
25
Radiologia
20 Ultrasonografia
Endoscopia
15
10 9
7
5 4
3
2
1
0
Canídeos Felídeos Roedores Lagomorfos
Como se pode observar pelo Gráfico 9, a radiologia foi o principal tipo de exame
imagiológico realizado, o que está ligado não só ao menor custo das radiografias em
comparação com as ultrasonografias, mas também ao facto de alguns tipos de patologias
serem melhor analisadas por este tipo de exame. Assim, verificou-se que grande parte dos
exames radiográficos realizados estava ligada à patologia ortopédica, especialmente
avaliação de artrites, diagnóstico de displasia da anca ou avaliação pré ou pós cirúrgica de
7
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
fracturas. Verificou-se também que a pesquisa pulmonar de metástases foi outro dos
motivos mais frequentes para a realização de exames radiológicos. Já a nível das
ultrasonografias, o motivo mais frequente para a realização deste tipo de exame foi a
pesquisa de patologia a nível abdominal, especialmente a nível hepático e esplénico, e a
realização de cistocentese ecoguiada. As endoscopias referidas tinham como intuito a
pesquisa de alterações na mucosa gastrointestinal, bem como a recolha de amostras de
mucosa para biopsia.
Nas consultas referentes à profilaxia vacinal foi também observada uma maior frequência de
canídeos, tanto ao nível de primovacinações como ao nível de revacinações. No Gráfico 10
podem-se observar o número de casos para cada um destes tipos de intervenção, para
canídeos e felídeos.
15
16
14
12
10 8
Canídeos
8 6 Felídeos
6
3
4
2
0
Primovacinações Revacinações
8
Enterite Linfoplasmocítica Canina
O termo "doença inflamatória intestinal crónica" (Inflammatory Bowel Disease - IBD) reflecte
um grupo de doenças idiopáticas crónicas que afectam o Homem e os animais,
caracterizadas por sinais gastrointestinais persistentes ou recorrentes e evidência
histológica de inflamação gastrointestinal difusa, focal ou multifocal, sem causa conhecida.
Podem estar afectados o estômago, o intestino delgado (o mais frequentemente atingido), o
cólon ou uma combinação destas regiões. A nomenclatura baseia-se na caracterização das
populações inflamatórias predominantes que infiltram a lâmina própria mucosa (e por vezes
a submucosa) do tracto gastrointestinal (TGI). As infiltrações celulares são constituídas por
números variáveis de linfócitos, plasmócitos, eosinófilos, macrófagos ou neutrófilos, sendo
mais comuns as infiltrações linfoplasmocíticas, seguidas das eosinofílicas, histiocíticas e,
por fim, neutrofílicas (estas últimas pouco frequentes em cães, aparecendo sobretudo na
IBD humana). Existem assim, gastrites e/ou enterites e/ou colites linfoplasmocíticas,
eosinofílicas ou colites histiocíticas. Apesar de existirem tipos celulares predominantes, é
normal a infiltração conter populações mistas das restantes células inflamatórias. É
importante salientar que a IBD é uma descrição das células inflamatórias encontradas no
tracto gastrointestinal, e não uma verdadeira entidade. Como existem diversas afecções que
podem provocar inflamação gastrointestinal histologicamente semelhante à IBD, alguns
autores preferem designar esta doença como “IBD idiopática”. O termo
gastrite/enterite/colite linfoplasmocítica será utilizado nesta dissertação apenas para os
animais afectados com IBD, enquanto que os animais afectados com outras patologias que
também podem provocar inflamação intestinal serão referidos pela sua patologia primária.
Embora a IBD seja uma entidade clínica conhecida há vários anos, a sua etiologia continua
desconhecida, mesmo em medicina humana. É, no entanto, universalmente aceite que a
IBD humana resulta de uma desregulação do sistema imune intestinal, provavelmente
precipitada por uma complexa interacção de susceptibilidade genética, factores ambientais
(por exemplo, antigénios dietéticos e microbianos) e factores imunorreguladores, que
resultam na perda de tolerância oral a antigénios dietéticos e bacterianos presentes no
lúmen intestinal (Friedman & Blumberg, 2005). Embora tenha sido sugerido que a IBD
canina apresenta semelhanças com a sua correspondente humana, na realidade pouco foi
estudado acerca da imunopatogénese desta doença na espécie canina, pelo que a maior
parte dos estudos realizados nesta espécie são investigações de factores conhecidos,
envolvidos na imunopatogénese da IBD em humanos.
9
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
No entanto, para que ocorra uma nova estimulação destes linfócitos, os antigénios
necessitam de atingir a lâmina própria, geralmente mediante as APC. Porém, tal como as
suas congéneres primárias, estas APC apresentam também ausência de co-estimuladores,
pelo que a resposta imune é suprimida, o que contribui ainda mais para a tolerância
ambiental (Cave, 2003; Prescott et al., 2002). Os linfócitos T activados por estas APC
secundárias vão então dirigir a resposta para a diferenciação em linfócitos Thelper (Th) 2 e
Th3, produtores de interleucina (IL) -10 e factor de crescimento transformador - β
(Transforming Growth Factor-β - TGF-β), as quais inibem a proliferação de linfócitos Th1
(através da indução de apoptose) e a produção de imunoglobulina (Ig) G, ao mesmo tempo
que estimulam a diferenciação dos linfócitos B para plasmócitos produtores de IgA (Cave,
2003; Prescott et al., 2002; Weiner, 1994). A IgA tem um papel importante na defesa da
barreira intestinal (e de outras mucosas), ligando-se a vários agentes microbianos e
impedindo a aderência e invasão dos tecidos por agentes patogénicos. Adicionalmente, a
IgA liga-se a antigénios no interior da camada mucosa intestinal, formando complexos Ag-Ac
que são excretados para o lúmen intestinal (Prescott et al., 2002).
10
Enterite Linfoplasmocítica Canina
11
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
12
Enterite Linfoplasmocítica Canina
(German, 2005; Guilford & Matz, 2003). Isto deve-se provavelmente ao facto de que muitas
vezes a alteração da dieta se realiza enquanto o intestino continua inflamado, permitindo a
sensibilização do organismo à nova fonte alimentar (Davenport, Remillard, Simpson &
Pidgeon, 2000; Sturgess, 2005). É também de referir que os constituintes da dieta podem
exercer efeitos sobre a flora intestinal, nomeadamente alteração do equilíbrio entre as
espécies bacterianas, podendo promover o crescimento de microrganismos patogénicos,
potencialmente responsáveis pela resposta imune anormal.
13
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
14
Enterite Linfoplasmocítica Canina
Bulldog Inglês (Hostutler et al., 2004), mas cães destas raças e Boxers são considerados
parentes distantes, podendo partilhar o mesmo potencial de base genética da doença. Outro
estudo recente reportou a existência de grande número de cocobacilos, mais tarde
identificados como E. coli aderente e invasiva, no interior da mucosa intestinal em Boxers
afectados com CHU (Simpson et al., 2006), o que pode sugerir a existência de uma
predisposição à invasão colónica por esta espécie bacteriana. No entanto, todos os animais
incluídos neste estudo pertenciam à raça Boxer, não se sabendo se existe colonização
intramural por E. coli em cães não Boxers afectados pela CHU.
15
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
16
Enterite Linfoplasmocítica Canina
17
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
et al. (2000) reportou aumento significativo de mRNA de IL-2, IL-5, IL-12p40, TNF-α e TGF-
β1 em amostras de biopsias duodenais de cães Pastores Alemães com enterite
linfoplasmocítica e SIBO, quando comparados com cães num grupo controlo, mas não
encontraram diferenças significativas entre o grupo de cães com enterite linfoplasmocítica e
SIBO, o que sugere aumento das respostas imunes nestas duas patologias. Já os níveis de
IL-4, IL-10 e IFN-γ não se encontravam significativamente alterados entre cães sãos e cães
afectados por estas patologias. Outro estudo em cães com colite linfoplasmocítica revelou
aumentos significativos no mRNA de IL-2 e TNF-α, bem como aumentos ligeiros no mRNA
de IL-12p40 e IFN-γ, e níveis normais de mRNA de IL-4, IL-6 e IL-12p35, achados que
sugerem uma resposta inflamatória de tipo Th1 (IL-2, IL-12, IFN-γ) (Ridyard, Nuttall, Else,
Simpson & Miller, 2002). Curiosamente, os resultados de German et al. (2000) sugerem uma
resposta TH1 (IL2, IL-12) e TH2 (IL-5) simultânea. É, no entanto, necessário referir que o
estudo de German et al. (2000) foi realizado apenas em cães Pastores Alemães, raça
predisposta a IBD, o que poderá ter influenciado os resultados. Recentemente, Peters,
Helps, Calvert, Hall & Day (2005) quantificaram através de polymerase chain reaction (PCR)
de transcriptase reversa (“Reverse Transcriptase-PCR” - RT-PCR) em tempo real mRNA de
citoquinas (IL-2, IL-4, IL-5, IL-6, IL-10, IL-12, IL-18, INF-γ, TNF-α, TGF-β) na mucosa
duodenal de cães com enteropatias crónicas (enterite linfoplasmocítica, eosinofílica ou
mista), reportando a inexistência de diferenças significativas entre os cães com enteropatias
e cães sem doença gastrointestinal. Igualmente, também não foram encontradas diferenças
entre animais de diferentes raças, diferentes infiltrações inflamatórias ou diferente gravidade
histológica da doença. Os autores do mesmo estudo esclarecem que as discrepâncias entre
os resultados de diferentes estudos podem dever-se aos diferentes métodos de
quantificação utilizados, uma vez que German et al. (2000) e Ridyard et al. (2002)
empregaram RT-PCR semi-quantitativo, método actualmente considerado impreciso
relativamente ao RT-PCR em tempo real. No entanto, outro estudo recente utilizando RT-
PCR em tempo real demonstrou a inexistência de diferenças significativas entre as
quantidades de mRNA de IL-5, IL-10, IL-12p40, IL-13, IFN-γ, TNF-α e TGF-β1 na mucosa
duodenal e colónica entre cães com IBD e cães com diarreia sensível ao tratamento
dietético (Diet-Responsive Diarrhea – DRD) antes da realização de tratamento, embora
relate grande aumento dos níveis de mRNA de TNF-α, especialmente nos pacientes com
IBD (Sauter, Allenspach & Blum, 2007). Surpreendentemente, o mesmo estudo reporta
níveis superiores de mRNA de IL-5 e INF-γ nas amostras colónicas de cães controlo e
aumento de mRNA de TNF-α em cães com DRD após o tratamento.
18
Enterite Linfoplasmocítica Canina
Jungi, 2007). Os mesmos autores referem ainda que ausência de diminuição da expressão
do mRNA destes receptores após o tratamento pode sugerir a presença de uma
predisposição genética, tal como em humanos. Outro estudo em modelos murinos reportou
que as células epiteliais colónicas (e seus TLR) são capazes de distinguir entre diferentes
estirpes de bactérias comensais, e que probióticos (Lactobacillus rhamnosus) são capazes
de suprimir a indução, por bactérias comensais, da produção de citoquinas pró-inflamatórias
(Lan et al., 2005). Outra das moléculas que é frequentemente alvo de estudos é o NF-κB,
uma vez que muitos genes de citoquinas pro-inflamatórias apresentam locais de ligação a
este factor, que regula a transcrição génica. Luckschander et al. (2006a) demonstraram
aumento da expressão do NF-κB em cães com IBD e DRD, o que sugere a importância do
papel deste factor na patogénese destas doenças. Controversamente, um estudo recente
em modelos murinos de colite demonstrou que a ausência de NF-κB, conseguida através de
deleção génica, induzia colite espontânea em ratos, uma vez que esta deficiência aumenta a
sensibilidade das células epiteliais colónicas a apoptose induzida pelo TNF, aumenta a
translocação de bactérias para o interior da mucosa (secundária a disrupção epitelial) e
provoca diminuição da produção de péptidos antimicrobianos pelo epitélio colónico, o que
induz a expressão de citoquinas pro-inflamatórias como TNF e IL-1, que provocam maior
destruição epitelial e acentuam a infiltração inflamatória (Nenci et al., 2007). Como se pode
observar pelos resultados destes estudos, as vias de sinalização do NF-κB parecem ter um
papel importante na imunopatogénese da IBD, tanto humana como canina, uma vez que
tanto têm efeitos benéficos como deletérios.
O óxido nítrico (Nitric Oxide - NO) tem sido também alvo de variados estudos, investigando
o seu papel na patogénese e manutenção da IBD em humanos. O NO é um radical livre
derivado do aminoácido L-arginina, possuindo vários efeitos biológicos, e que é produzido
pela acção de duas isoformas constitutivas da óxido nítrico sintase (constitutive Nitric Oxide
Synthase - cNOS), a neuronal (neuronal Nitric Oxide Synthase - nNOS) e a endotelial
(endothelial Nitric Oxide Synthase - eNOS), e uma isoforma induzível (inducible Nitric Oxide
Synthase - iNOS) que é expressa em leucócitos e outras células após estimulação por
citoquinas, bactérias ou seus produtos (Krieglstein et al., 2007). O NO produzido pelas
cNOS possui várias funções homeostáticas na mucosa gastrointestinal, como a manutenção
de uma perfusão sanguínea adequada, controlo da permeabilidade da microvasculatura e
do epitélio intestinal e possui ainda efeitos anti-inflamatórios. Por outro lado, o aumento da
produção de óxido nítrico pela iNOS pode ter efeitos deletérios na mucosa intestinal, através
de citotoxicidade directa, activação de neutrófilos, formação de nitrosaminas, redução do
tónus muscular ou através da formação de outros radicais tóxicos (Kolios, Valatas & Ward,
2004). Estudos em modelos murinos de colite revelaram que a utilização de inibidores não
específicos da produção de óxido nítrico exacerbam os efeitos da inflamação intestinal,
19
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Como se pode observar pelos variados e, por vezes, contraditórios achados dos estudos da
imunopatogénese da IBD canina, esta é uma doença de grande complexidade, sendo que
ainda não é possível afirmar com certeza qual o mecanismo imunopatogénico que lhe dá
origem. É necessário também ter em atenção que a grande parte dos modelos
experimentais são realizados com o intuito de estudar a IBD humana, nomeadamente a
Doença de Crohn e a Colite Ulcerativa, doenças que afectam principalmente o cólon e íleo
humanos, ao contrário das IBD caninas, que afectam mais frequentemente a porção
proximal do intestino delgado. Adicionalmente, com base nos achados dos estudos de
caracterização das populações leucocitárias das infiltrações inflamatórias e dos perfis de
mRNA de citoquinas em pacientes caninos, não é possível classificar a IBD canina como
uma resposta Th1 ou TH2, uma vez que os resultados tanto no intestino delgado como no
cólon revelam características dos dois tipos de resposta. Pode ser que a IBD em cães
apresente diferenças imunopatogénicas com a IBD humana, em que cada tipo de resposta
está associado com uma forma diferentes da doença (Doença de Crohn – resposta Th1 e
Colite Ulcerativa – resposta Th2) (Friedman & Blumberg, 2005). Será então de esperar que
20
Enterite Linfoplasmocítica Canina
2.2 SEQUELAS
Para além das alterações que ocorrem na própria mucosa do intestino delgado, a ocorrência
de infiltrações inflamatórias leva a patologias secundárias, tanto no intestino delgado como
em outros sectores do TGI, que são responsáveis por um agravamento do quadro clínico do
animal afectado com IBD. A resolução destas complicações depende na maior parte das
vezes de um tratamento efectivo da causa primária, mas por vezes é necessário recorrer a
terapias específicas para estas complicações.
2.2.1 Má absorção
A mais frequentemente observada destas sequelas é a síndrome de má absorção. A
presença de uma infiltração inflamatória na lâmina própria da mucosa intestinal pode
provocar má absorção através da redução do número de células intestinais capazes de
absorver os nutrientes (redução da área absortiva intestinal), redução da actividade das
enzimas da bordadura em escova, perda dos mecanismos de transporte celulares bem
como alteração do transporte de nutrientes para a corrente sanguínea (alteração da lâmina
própria) (Hall & German, 2005). Esta diminuição da absorção de nutrientes, para além de
diminuir o aporte energético do animal, aumenta também a quantidade de solutos no lúmen
intestinal, induzindo a formação de uma diarreia osmótica e aumentando também a
disponibilidade de nutrientes para a flora intestinal, promovendo o desenvolvimento de
números de bactérias anormais (sobrecrescimento bacteriano), bem como alterações no
equilíbrio entre as espécies bacterianas existentes no lúmen intestinal, nomeadamente o
desenvolvimento de microrganismos patogénicos (Hall & German, 2005). A ocorrência de
sobrecrescimento bacteriano leva a disfunção das enzimas da bordadura em escova,
desconjugação de ácidos biliares e hidroxilação de ácidos gordos, que para além de
provocarem maiores danos aos enterócitos e agravarem a má absorção, estimulam ainda a
secreção colónica, o que contribui ainda mais para a diarreia (German, 2005; Hall &
German, 2005; Willard, 2003). Outra possível consequência do sobrecrescimento bacteriano
é a produção aumentada de gás intestinal devido a fermentação bacteriana dos nutrientes
disponíveis secundária a má absorção (Hall & German, 2005).
21
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
(2007), Kimmel, Waddell & Michel (2000) e Mellanby et al. (2005), provavelmente por
diminuição da absorção intestinal cálcio e/ou de vitamina D. Os mesmos autores reportam
ainda a ocorrência de hiperparatiroidismo secundário à deficiência em cálcio e vitamina D.
Uma das consequências possíveis do hiperparatiroidismo é a ocorrência do síndrome da
mandíbula de borracha, em que o cálcio ósseo é mobilizado para repor a calcémia (Fornel-
Thibaud et al., 2007). Outra das deficiências reportadas é hipomagnesiémia, secundária não
só a diminuição da absorção intestinal como também a perda de fluidos para o TGI em
casos de enteropatia com perda de proteínas (Kimmel et al., 2000; Mellanby et al., 2005).
2.2.2 Linfangiectasia
Por outro lado, a presença de infiltrações inflamatórias, especialmente em casos severos,
pode também dar origem à perda intestinal de fluidos e proteínas (linfangiectasia
secundária) (Cave, 2003; Peterson & Willard, 2003; Williams, 2005). De facto, muitas das
vezes a enteropatia com perda de proteínas é provocada secundariamente a enterite
linfoplasmocítica devido a obstrução linfática pelas infiltrações em seu redor, sendo esta
inclusivamente uma causa mais frequente de enteropatia com perda de proteínas que a
linfangiectasia intestinal primária (Tams, 1999). A ocorrência de linfangiectasia agrava
consideravelmente o quadro clínico, uma vez que os animais, geralmente já mal nutridos,
começam também a perder proteínas e lípidos para o lúmen intestinal, dando origem a
hipoproteinémia e hipocolesterolémia e agravando a diarreia já presente (German, 2005;
Peterson & Willard, 2003).
2.2.4 Colite
Embora possa ocorrer colite linfoplasmocítica como uma entidade única, primária, em casos
de enterite linfoplasmocítica a ocorrência de diarreia crónica de intestino delgado pode
resultar em inflamação colónica e no aparecimento de diarreia de intestino grosso (German,
22
Enterite Linfoplasmocítica Canina
23
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Os cães com IBD apresentam-se geralmente à consulta devido a diarreia crónica (com pelo
menos 3 semanas de duração), cíclica ou intermitente, acompanhada ou não de vómito e
perda de peso (Allenspach et al., 2006c; Craven, Simpson, Ridyard & Chandler, 2004;
German, 2005; German, 2006; Hall & German, 2005; Jergens, Moore, Haynes & Miles,
1992; Tams, 2003). Um estudo de 24 cães com enterite linfoplasmocítica (idiopática em 18
cães) reportou a ocorrência de diarreia de intestino delgado em 100% dos cães, contudo,
outros autores referem que embora a diarreia seja o sinal clínico mais comum, não está
presente em todos os casos e existem ainda autores que apontam o vómito como o sinal
clínico mais frequente (Craven et al., 2004; García-Sancho et al., 2005; García-Sancho et
al., 2007; Jacobs, Collins-Kelly, Lappin & Tyler, 1990; Jergens et al., 1992). Não parece
existir predisposição em qualquer um dos géneros, e embora seja considerado que não
existe predisposição racial, existem algumas formas da doença, geralmente de gravidade
acentuada, que estão associadas a algumas raças, como a Enteropatia Imunoproliferativa
dos Basenjis, a Enteropatia e/ou Nefropatia com perda de proteínas dos Soft Coated
Wheaten Terriers, a Enteropatia Crónica dos Shar-Peis ou a Enteropatia dos Pastores
Alemães (Craven et al., 2004; German, 2006; Hall & German, 2005; Jergens et al., 1992).
Os cães são geralmente de meia-idade (idades médias entre 4,3 e 6,3 anos), embora a
doença possa ser observada em animais mais novos, especialmente no caso das raças
anteriormente referidas (Craven et al., 2004; German, 2006; Hall & German, 2005; Jergens
et al., 1992; Jergens et al., 2003; Tams 2003).
No paciente que se apresenta com diarreia crónica, uma das primeiras acções a realizar
será a distinção entre diarreia de intestino delgado e diarreia de intestino grosso, uma vez
que o tipo de diarreia irá remeter-nos para o local do TGI mais provavelmente afectado
(Anexo 1 – Diferenciação entre Diarreia de Intestino Delgado e Diarreia de Intestino Grosso).
Em caso de diarreia de intestino delgado, as fezes serão volumosas, moles a aquosas, por
vezes exibindo sinais de melena. Pode também estar presente esteatorreia. Já no caso de
diarreia de intestino grosso, serão comuns fezes com presença de muco, presença de
frequência aumentada e tenesmo, podendo também ocorrer hematoquézia (Hall & German,
2005). Embora esta distinção possa ser realizada, podem ocorrer casos que apresentem
sinais de diarreia de intestino delgado concomitantemente com diarreia de intestino grosso,
sugerindo envolvimento das duas porções do intestino (Chandler, 2002c; Jacobs et al.,
1990; Tams 2003). A presença de diarreia de intestino grosso pode significar presença de
inflamação colónica primária ou pode ser o resultado de diarreia de intestino delgado
prolongada (German, 2006; Hall & German, 2005). Vómito crónico, por vezes cíclico, é outro
dos sinais mais frequentemente associados a IBD, podendo mesmo ocorrer sem a presença
24
Enterite Linfoplasmocítica Canina
de outro sinal clínico aparente, embora esta seja uma apresentação muito pouco comum em
cães (Craven et al., 2004; Jacobs et al., 1990; Jergens et al., 1992; Tams, 2003). Contém
geralmente bílis, embora ocasionalmente também possam ser observados restos de
alimentos (Hall & German, 2005; Tams, 2003). Em pacientes com hipomotilidade gástrica
concorrente, idiopática ou secundária à IBD, por vezes podem ser observados vómitos
acompanhados de alimentos não digeridos várias horas após as refeições. Principalmente
quando o vómito é um dos principais sinais clínicos do paciente, será necessário distingui-lo
de regurgitação secundária a outra patologia (Anexo 2 – Diferenciação entre Vómito e
Regurgitação). A hematemese não é um achado frequente, embora possa ocorrer em caso
de erosão ou ulceração gástrica ou duodenal (Craven et al., 2004; Hall & German, 2005;
Jergens et al., 1992; Tams, 2003).
25
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Porém, nem todos os animais com IBD exibem todos ou mesmo apenas alguns dos sinais
referidos anteriormente. Recentemente foram descritos dois casos de cães, mais tarde
diagnosticados com IBD, que se apresentaram à consulta devido a letargia, sendo
posteriormente observadas mucosas pálidas ao exame físico (Ristic & Stidworthy, 2002).
Nenhum dos dois cães apresentava diarreia ou vómito, os sinais mais frequentemente
observados em casos de IBD, bem como a presença de sangue visível nas fezes (Ristic &
Stidworthy, 2002). Embora estes casos sejam exemplos atípicos, pouco frequentes, servem
para relembrar que tal como para muitas outras patologias, existem também apresentações
clínicas pouco usuais com a IBD canina.
2.4 DIAGNÓSTICO
Como a própria definição de IBD indica, a enterite linfoplasmocítica não possui causa
conhecida, pelo que o seu diagnóstico é realizado com base na exclusão de todas as outras
causas possíveis de infiltração inflamatória da lâmina mucosa intestinal. Com base nos
sinais clínicos pouco específicos geralmente apresentados pelos pacientes à consulta, mais
frequentemente diarreia e vómito crónicos, por vezes acompanhados de perda de peso,
torna-se claro que tal não é um processo fácil. É então necessário um protocolo diagnóstico
exaustivo, de maneira a comprovar que é um processo verdadeiramente idiopático e não
uma resposta inflamatória a uma causa não diagnosticada. Um dos mais importantes
passos de qualquer protocolo para o diagnóstico de doença gastrointestinal crónica é a
recolha de um historial completo do animal, incluindo quaisquer patologias gastrointestinais
anteriores, a dieta do animal (bem como anteriores dietas), outros tipos de alimentos
oferecidos ao animal (biscoitos, comida dos proprietários, etc), possível acesso a outras
fontes de alimento (caixote do lixo, rua, etc) ou a fontes de tóxicos, desaparecimento de um
26
Enterite Linfoplasmocítica Canina
objecto de casa (por exemplo, meias, bolas, etc, que podem ser ingeridos e funcionar como
corpos estranhos), se existe relação entre um qualquer factor e o aparecimento dos sinais
clínicos, etc. A importância da história nunca deve ser menosprezada, uma vez que a
omissão de um factor importante pode dirigir o diagnóstico para a pesquisa de causas que à
partida podiam ter sido eliminadas, levando à realização de testes diagnósticos
desnecessários. Outro dos passos importantes a realizar será a construção de uma lista de
diagnósticos diferenciais, geralmente baseada na presença de diarreia crónica de intestino
delgado (Tabela 1), sinal mais frequentemente observado em cães com enterite
linfoplasmocítica.
Tabela 1 – Diagnósticos Diferenciais de diarreia crónica de intestino delgado (adaptado de Hall & German, 2005,
p-1367; Tams, 2003, p.220; Willard, 2003, p. 355).
Dietéticas: • Ileus: hipocaliémia, hipoalbuminémia,
• Intolerância alimentar enterite, disautonomia
• Alergia alimentar • Linfangiectasia
• Enteropatia por sensibilidade ao Doença pancreática:
glúten • Pancreatite crónica
Doença de intestino delgado: • Insuficiência pancreática exócrina
• Enterite bacteriana: E. coli, • Obstrução do ducto pancreático
Campylobacter jejuni, Salmonella Doença hepática:
sp., Clostridium perfringens, • Insuficiência hepática
Clostridium difficile, Yersinia • Colestase intrahepática
enterocolitica • Obstrução do ducto biliar
• Sobrecrescimento Doença renal:
bacteriano/Diarreia que responde a • Urémia
antibióticos • Síndrome nefrótico
• Parasitas: variados helmintes Outras causas:
gastrointestinais, Giardia sp., • Toxinas: chumbo, organofosforados
Cryptosporidium sp. • Insuficiência cardíaca congestiva
• Fúngica: Histoplasma sp. • Imunodeficiências: deficiência em
• IBD: linfoplasmocítica, eosinofílica, IgA
granulomatosa • Hipoadrenocorticismo
• Doença infiltrativa: linfossarcoma, • Doença autoimune: lúpus
mastocitose eritematoso sistémico, etc
• Obstrução parcial: neoplasia,
estenose, corpo estranho,
invaginação
Será a partir deste momento que começará a realização de testes diagnósticos, não só para
avaliar o estado de saúde do paciente, mas também para eliminar algumas das causas
sistémicas possíveis dos sinais gastrointestinais. O protocolo inicial deverá incluir
hemograma, bioquímicas séricas, urianálise tipo II (caracteres físico-químicos e exame de
sedimento urinário), bem como a realização de análises fecais (citologias fecais e rectais,
testes de flutuação ou testes imunodiagnósticos). Outros exames possivelmente úteis na
investigação de patologia gastrointestinal são a radiografia (simples ou de contraste) e a
ultrasonografia abdominais. Após esta avaliação inicial, poderá avançar-se para testes mais
específicos, para pesquisa de doença pancreática, hepática ou mesmo sobrecrescimento
27
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
2.4.1 Hemograma
O hemograma encontra-se muitas das vezes normal, e quando existem alterações estas são
geralmente não específicas de doença gastrointestinal. Assim, por vezes observa-se anemia
não regenerativa ligeira, geralmente normocítica e normocrómica, embora microcitose possa
também ocorrer (Craven et al., 2004; Jergens et al., 1992; Ristic & Stidworthy, 2002; Tams,
2003). Ou seja, anemia associada a doença inflamatória crónica, má nutrição ou perda
gastrointestinal crónica, esta última geralmente associada a deficiência em ferro (Hall &
German, 2005; Jergens et al., 1992; Ristic & Stidworthy, 2002). Inversamente, pode também
ocorrer eritrocitose, provavelmente devido a desidratação secundária à diarreia, vómito ou
anorexia (Jergens et al., 1992).
Foi também recentemente sugerida uma associação entre trombocitopénia e IBD em cães,
possivelmente imunomediada, embora o mecanismo causal da trombocitopénia não seja
conhecido (Ridgway, Jergens & Nyio, 2001). Esta trombocitopénia não parece estar
associada a hemorragia clínica mas, no entanto, deverá ser monitorizada. Está também
descrita a ocorrência de trombocitose e megatrombocitose (aumento do números de
plaquetas maiores que o normal) em pacientes caninos com IBD, possivelmente devido à
estimulação pelas citoquinas inflamatórias de megacariócitos e da produção hepática de
28
Enterite Linfoplasmocítica Canina
trombopoetina (Craven et al., 2004; Lubas, Corazza, Guidi & Cardini, 2007). Em humanos a
presença de trombocitose é um achado comum em pacientes com IBD e está associada à
ocorrência de eventos tromboembólicos e alterações na microcirculação local (Lubas et al.,
2007).
29
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
2.4.3 Urianálise
A urianálise é outra das ferramentas úteis na exclusão de várias patologias. A presença ou
ausência de proteínas na urina permite inferir sobre a presença ou ausência de nefropatia
com perda de proteínas. Uma forma rápida e pouco dispendiosa de avaliar a ocorrência de
proteinúria é através das tiras para análise dos parâmetros bioquímicos da urina, que
detectam quantidades de proteína entre 30-1000mg/dL (Grauer, 2003). Uma outra forma
rápida e económica de avaliar a ocorrência de proteinúria é a realização do teste do ácido
sulfosalicílico. Este teste baseia-se na mistura, em partes iguais, de ácido sulfosalicílico a
5% e de urina centrifugada, que em caso de proteinúria gera um precipitado, permitindo
detectar quantidades de proteína entre 5-5000mg/dL (Grauer, 2003). A análise da densidade
urinária, aliada aos dados da creatinina e ureia séricas permite avaliar a função renal e
excluir uma possível doença renal.
30
Enterite Linfoplasmocítica Canina
A citologia rectal pode ser um meio de diagnóstico útil de doenças colónicas ou rectais. É
realizado inserindo um dedo com luva no recto e friccionando gentilmente a parede rectal,
colocando seguidamente a amostra numa lâmina. Ambos os métodos, quando utilizados
conjuntamente com uma técnica de coloração (por exemplo, azul de metileno, Diff-Quick ou
Wright’s), permitem a observação microscópica de células de descamação epitelial e de
células inflamatórias e evidenciar agentes etiológicos, podendo auxiliar no diagnóstico de
patologias infecciosas, inflamatórias ou neoplásicas do intestino (Matz & Guilford, 2003;
Tams, 2003). A presença de números elevados de neutrófilos em ambas as técnicas é
sugestiva de inflamação intestinal ou de enterite bacteriana.
A coloração de esfregaços fecais com uma solução de Lugol pode ser útil na identificação
de cistos de Giardia sp., enquanto que a coloração de um esfregaço com a técnica de Ziehl-
Nielsen (protocolo álcool-ácido resistente) permite identificar oocistos de Crystosporidium
sp., que coram de vermelho vivo (Payne et al., 2002; Urquhart et al., 1998). É porém
importante ter em atenção que a citologia fecal raramente tem utilidade no diagnóstico de
afecções fúngicas, sendo geralmente necessárias citologias rectais ou observação de
biopsias para evidenciar microrganismos como Histoplasma sp. (em macrófagos) ou
Candida sp. (Matz & Guilford, 2003; Willard, 2003).
31
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
durante vários minutos. Os ovos e oocistos de maioria dos parasitas possuem densidade
menor que estes líquidos, pelo que sobem e flutuam no topo do recipiente (Urquhard et al.,
1998). É necessário ter em atenção que se as soluções empregues não forem
suficientemente concentradas, os ovos mais pesados podem não flutuar.
32
Enterite Linfoplasmocítica Canina
2005b, Tams 2003). Já o teste ELISA para detecção de Crystosporidium sp. tem-se
revelado pouco útil para o diagnóstico deste protozoário (Payne & Carter, 2005), embora
existam autores que o consideram um método mais útil que as examinações microscópicas
fecais (Willard, 2003). Existem também outras técnicas disponíveis para detecção destes
parasitas, tal como testes de imunofluorescência para detecção de cistos e oocistos ou
mesmo técnicas de PCR.
2.4.5 Radiologia
Os exames radiográficos permitem avaliar as cavidades torácica e abdominal, auxiliando na
pesquisa e exclusão de várias patologias, incluindo cardiopatias, megaesófago, massas,
corpos estranhos radiopacos, invaginações, etc. Por vezes são encontradas ansas
intestinais distendidas com gás (Figura 1A) ou fluído (Kealy & McAllister, 2005; Jacobs et al.,
1990; Jergens et al., 1992; Lane et al., 1999). A realização de estudos de contraste pode,
33
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Figura 11 - A. “Quantidade excessiva de gás no intestino delgado sem dilatação sugere enterite” (tradução
livre) (imagem e texto de Kealy & McAllister, 2005); B. “Numerosas indentações murais radiolucentes,
resultando em defeitos de preenchimento são observadas no duodeno e com menor expressão no jejuno (...)
de um cão com enterite linfoplasmocítica” (tradução livre) (adaptado de Riedesel, 2002).
A B
2.4.6 Ultrasonografia
A ultrasonografia é um meio de diagnóstico imagiológico recente, que auxilia bastante a
avaliação do tracto gastrointestinal. Esta técnica permite avaliar a ecogenicidade dos vários
tecidos do organismo, permitindo assim avaliar a estrutura dos vários órgãos abdominais,
detectar alterações no parênquima de vários órgãos, incluindo a existência de massas,
abcessos e quistos. No caso dos pacientes suspeitos de IBD, a ultrasonografia é
considerada superior à radiografia, permitindo avaliar as camadas da parede
gastrointestinal, espessura da parede gastrointestinal (e consequentemente a existência de
edema ou infiltrações), a motilidade gastrointestinal e o envolvimento de linfonodos
mesentéricos (Gaschen, 2005).
34
Enterite Linfoplasmocítica Canina
35
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Outro dos parâmetros de valor diagnóstico em casos de IBD é a organização estrutural das
várias camadas da parede intestinal. São geralmente identificadas cinco camadas de
ecogenicidade diferente no intestino normal, e Penninck et al. (2003) referem que este
parâmetro é especialmente útil na distinção entre doença inflamatória e neoplasia, uma vez
que as lesões inflamatórias estão associadas a uma integridade das diferentes camadas
normal a reduzida, enquanto que as lesões neoplásicas estão frequentemente relacionadas
com perda total da estrutura normal das várias camadas da parede intestinal, o que está
relacionado com o facto de a infiltração neoplásica no intestino não se conter apenas à
mucosa e por vezes submucosa intestinais, podendo infiltrar a parede intestinal em toda a
sua espessura. Estes achados estão em concordância com os resultados obtidos por
Gaschen et al. (2008), que refere que a estrutura normal das diferentes camadas da parede
intestinal é normalmente preservada em caso de enteropatias crónicas, apenas se alterando
nos poucos casos em que se regista espessamento da parede intestinal. A ultrasonografia
permite também observar alterações da motilidade intestinal em consequência da infiltração
inflamatória, especialmente hipomotilidade, em que o intestino se revela rígido, com poucos
ou mesmo sem os movimentos normais.
36
Enterite Linfoplasmocítica Canina
O teste de estimulação com ACTH é um teste de realização simples, podendo ser efectuado
em grande parte dos centros veterinários. O teste consiste na recolha inicial de uma amostra
de sangue para quantificação das concentrações séricas basais de cortisol, seguido de uma
injecção endovenosa de ACTH sintética. Cerca de 30 a 60 minutos após a injecção de
ACTH (alguns autores preferem esperar 60 a 90 minutos), uma nova amostra de sangue é
recolhida, sendo novamente quantificadas as concentrações séricas de cortisol. Em
Portugal, apenas se encontra disponível no mercado uma suspensão injectável de uma
37
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
A suplementação das dietas comerciais com estas vitaminas torna improvável a sua
diminuição sérica por deficiente aporte nutricional. Por outro lado, podem ocorrer aumentos
nas concentrações séricas de folato devido a aumento do aporte nutricional, por meio da
dieta ou suplementos vitamínicos, ou por meio de coprofagia (Batt, 2002; Chandler, 2002c).
Devido ao facto de existirem locais específicos para a absorção destas vitaminas, a
ocorrência de doença no jejuno e íleo pode levar ao aparecimento de deficiências em folato
e cobalamina, respectivamente (Matz & Guilford, 2003; Suchodolski & Steiner, 2003). É de
referir que em caso de doença duodenal, as concentrações destas vitaminas podem
apresentar-se normais, uma vez que a capacidade da sua absorção não está afectada.
Também a não secreção do factor intrínseco pelo pâncreas, em casos de IPE, pode levar a
diminuições nas concentrações séricas de cobalamina devido a diminuição da sua absorção
ileal (Suchodolski & Steiner, 2003). Por outro lado, a diminuição da secreção de bicarbonato
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
É também importante referir que existe um pool destas vitaminas no organismo, pelo que
apenas em caso de doença prolongada é que as concentrações séricas destas vitaminas
surgirão alteradas (Suchodolski & Steiner, 2003).
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
valores <20 µg/g são indicativos de IPE clínica (Spillman et al., 2000). Spillman et al. (2000)
e Battersby, Peters, Day, German & Hall (2005) referem que este teste apresenta boa
correlação com os resultados do TLI, mesmo em pacientes com enteropatias crónicas. No
entanto, um estudo recente por Steiner & Pantchev (2006) reporta até cerca de 23% de
resultados falso-positivos utilizando este teste, quando comparado com os resultados do
cTLI, pelo que a utilidade deste marcador para o diagnóstico de IPE continua por verificar.
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Strombeck, Buffington & Harrold, 1986b). Este teste baseia-se no facto de que as células
dos mamíferos não são capazes de metabolizar carbohidratos (por exemplo, glucose,
lactulose ou xilose) a hidrogénio, ao contrário do que sucede com as bactérias intestinais
(Hall & German, 2005; Matz & Guilford, 2003). Assim, num animal normal, os carbohidratos
são digeridos e absorvidos maioritariamente no intestino delgado, formando-se hidrogénio
em quantidades residuais, o qual é absorvido para a corrente sanguínea e expelido através
do ar expirado, podendo então ser mensurado. A mensuração realiza-se através da
colocação de uma máscara ligada a um saco colector por meio de uma válvula
unidireccional, e realiza-se ao longo de várias horas de modo a criar uma curva de
libertação de hidrogénio (Matz & Guilford, 2003). Em caso de má assimilação, os
carbohidratos atingem o cólon, onde as bactérias aí residentes rapidamente os fermentam,
libertando hidrogénio, do qual parte vai ser absorvida pelo tracto intestinal, criando um pico
de expiração de hidrogénio cerca de 4 a 6 horas após a ingestão do alimento (Chandler,
2002c; Matz & Guilford, 2003; Steiner, 2005b). Em caso de sobrecrescimento bacteriano, a
fermentação ocorre no intestino delgado, sendo que o hidrogénio absorvido origina um pico
cerca de 1 a 2 horas após a refeição (Chandler, 2002c; Matz & Guilford, 2003; Steiner,
2005b). Os equipamentos necessários para a quantificação do hidrogénio estão disponíveis
apenas em alguns laboratórios veterinários de referência, o que dificulta a utilização deste
teste. Existem disponíveis no mercado monitores portáteis para utilização em
gastroenterologia pediátrica humana, mas os resultados obtidos não foram satisfatórias para
a sua utilização em medicina veterinária (German, Martin, Papasouliotis & Hall, 1998). Deve-
se ter em atenção que a ocorrência de desidratação poderá levar a aumento do hidrogénio
respiratório, falseando os resultados (Bisset, Guilford, Haslett & Sunvold, 1998a). Os testes
podem ser padronizados através da utilização consistente de uma mesma ração rica em
carbohidratos, sem que haja necessidade de um período de habituação (Bisset, Spohr,
Guilford & Haslett, 1998b). Este teste apresenta uma elevada sensibilidade para
sobrecrescimento bacteriano, chegando mesmo a detectar animais positivos mesmo quando
o teste considerado gold standard para o diagnóstico de ARD não foi capaz de os
diagnosticar (Batt, 2002). Porém, resultados negativos não são indicativos de ausência de
ARD (Batt, 2002).
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
2003; Matz & Guilford, 2003; Steiner, 2005b). Como o fígado possui uma baixa capacidade
de remover os SUBA da circulação sanguínea, estes ligam-se fortemente à albumina
circulante, entrando na circulação sistémica. Deste modo, os seus níveis séricos podem ser
então quantificados. Em caso de ARD, o aumento do número de bactérias promove uma
maior desconjugação de ácidos biliares, o que leva a um aumento das concentrações
séricas de SUBA (Cave, 2003; Matz & Guilford, 2003; Steiner, 2005b). Como as células de
mamíferos não são capazes de desconjugar ácidos biliares, este facto torna este teste um
excelente marcador de sobrecrescimento bacteriano (Melgarejo, Williams, O’Connell &
Setchell, 2000). Este teste requer um jejum de cerca de 12 horas, uma vez que os SUBA
podem aumentar após uma refeição. Porém, foi recentemente posta em causa a utilidade
deste teste para o diagnóstico de ARD, uma vez que num estudo realizado por German et
al. (2003b) apenas alguns de vários cães diagnosticados com ARD possuíam concentrações
aumentadas de SUBA, enquanto que alguns dos cães sãos do grupo controlo também
possuíam concentrações aumentadas de SUBA.
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
indicativa de ausência de ARD, uma vez que em alguns pacientes é necessário terapia
antibiótica prolongada para se obterem resultados (Batt, 2002). Classicamente, os
antibióticos mais utilizados são o metronidazol, tilosina, tetraciclinas ou ampicilina
(Westermarck et al., 2005).
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
saudáveis apresentam maiores rácios L:R, pelo que a interpretação de resultados deve ser
realizada com precaução (Weber, Martin, Dumon, Biourge & Nguyen, 2002).
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
Outro dos testes para avaliação da perda intestinal de proteínas, considerado o gold
standard, é a medição de albumina radiomarcada (51Cr-albumina) (Hall & German, 2005;
Suchodolski & Steiner, 2003). O grande problema desta técnica é a utilização de
marcadores radioactivos, uma vez que torna imperativa a utilização de instalações
adequadas, ficando assim restrito a alguns centros de referência, para além dos perigos
normalmente associados à utilização de tais produtos (Suchodolski & Steiner, 2003).
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
2.4.14.1 Laparotomia
A laparotomia exploratória é um procedimento comum para o diagnóstico de afecções
gastrointestinais, e uma das suas maiores vantagens consiste no facto de que praticamente
todos os centros veterinários estão equipados para a sua realização. Esta técnica permite a
avaliação de toda a cavidade abdominal, tornando possível a observação de lesões em
qualquer órgão e não apenas no estômago, intestino e cólon (Mansell & Willard, 2003). Com
esta técnica torna-se também possível avaliar áreas do TGI às quais não é possível aceder
por meio de endoscopia, como grande parte do jejuno e íleo. É possível então recolher
amostras não só do estômago e intestinos, mas também de fígado, pâncreas, etc, se a
situação o indicar (Hall & German, 2005; Mansell & Willard, 2003). Por outro lado, o acesso
à cavidade abdominal pode ter vantagens terapêuticas, nomeadamente no que diz respeito
à ocorrência de invaginações intestinais, perfurações gastrointestinais ou mesmo tumores
(Hall & German, 2005; Mansell & Willard, 2003). Outra das vantagens desta técnica sobre a
endoscopia gastrointestinal, e talvez a mais importante, é que permite a obtenção de
amostras a toda a espessura da parede gastrointestinal, e não só da mucosa e submucosa,
o que pode ser um factor de elevada importância no diagnóstico de certas patologias (por
exemplo, linfangiectasia intestinal, neoplasias) (Hall & German, 2005; Kleinschmidt et al.,
2006; Mansell & Willard, 2003).
No entanto, esta técnica possui várias desvantagens, as quais devem ser tomadas em
consideração. Uma das suas desvantagens consiste no facto de não permitir a avaliação da
superfície mucosa do TGI, tornando-se por vezes difícil localizar certas lesões apenas por
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
observação e palpação dos órgãos (Mansell & Willard, 2003). Por esta razão, mesmo que
durante a realização de laparotomia exploratória não sejam identificadas quaisquer lesões,
será sempre recomendado que se obtenham várias amostras de biopsia para posterior
análise histopatológica. Outra das desvantagens relaciona-se com a existência de risco
anestésico, uma vez que o procedimento é realizado sob anestesia geral (Hall & German,
2005). Torna-se então imprescindível avaliar todos os possíveis factores que podem
contribuir para o risco anestésico, nomeadamente a idade dos pacientes, uma vez que
muitos dos casos ocorrem em pacientes que estão prestes a entrar ou já se encontram na
geriatria. Outro dos factores, e um dos mais discutidos, consiste na possibilidade de
deiscência de suturas, secundárias a hipoalbuminémia (Hall & German, 2005; Mansell &
Willard, 2003). De facto, a hipoalbuminémia/hipoproteinémia é um achado comum em
pacientes com doença gastrointestinal, especialmente nos casos mais severos. É possível
minimizar este factor através da administração de soluções coloidais anteriormente à
cirurgia, bem como pela utilização de suturas não absorvíveis e de aposição de omento
sobre a superfície serosa das linhas de sutura. Está também contra-indicada a realização de
biopsias cirúrgicas ao cólon, uma vez que esta secção do intestino tem uma reduzida
capacidade de regeneração, aumentando o risco de deiscência das suturas (Mansell &
Willard, 2003). Existe também risco de ocorrência de estenose intestinal após a realização
de biopsias cirúrgicas se mais de 20% do diâmetro do intestino for removido (Mansell &
Willard, 2003). Devido ao método em si mesmo, são também de esperar maiores
morbilidades após a resolução do procedimento, o que se torna uma enorme desvantagem,
especialmente em pacientes já por si em mau estado geral (Hall & German, 2005; Mansell &
Willard, 2003). Outro dos factores a ter em conta com a realização deste procedimento
prende-se com a suspeita clínica, uma vez que se suspeitar de uma patologia que requeira
a administração de corticóides para o seu tratamento, este apenas poderá ser instituído
após a completa cicatrização da linha de sutura, uma vez que estes fármacos atrasam a
cicatrização de feridas (Hall & German, 2005). Por último, e talvez a mais importante
desvantagem deste procedimento, consiste no elevado custo inerente à realização de uma
cirurgia e aos cuidados pré- e pós-operatórios. Este factor tem uma importância decisiva,
uma vez que muitos dos proprietários, após a realização de uma miríade de testes
diagnósticos que muitas das vezes não forneceram resultados de utilidade diagnóstica,
encontram-se relutantes a permitir a realização de um procedimento tão dispendioso e ao
qual se encontram associados vários riscos para a saúde do seu animal.
2.4.14.2 Endoscopia
A endoscopia é um procedimento relativamente recente que tomou um lugar de destaque no
diagnóstico das doenças gastrointestinais. Esta técnica é minimamente invasiva e permite a
observação da mucosa gastrointestinal e, com o auxílio de variados instrumentos que
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Outro dos factores que se deve ter em especial atenção antes da realização de uma
endoscopia é a preparação do paciente. Para obter uma máxima visualização da mucosa
gastrointestinal, o TGI deverá estar limpo de alimentos e fezes. Para isto, é geralmente
aconselhado que os animais realizem um jejum de 12 a 24 horas (a água pode ser retirada
apenas 3 a 4 horas antes do procedimento) para gastroduodenoscopia ou um jejum de 24 a
48 horas (alguns autores preferem mesmo 72 horas) para colonoscopia (Moore, 2003;
Simpson, 2005b; Willard, 2001; Zoran, 2001). No caso de colonoscopia, devem ainda ser
administradas soluções de lavagem por via oral na noite anterior ao procedimento e devem
ser realizados enemas com água morna na manhã do procedimento para remover eventuais
restos de fezes. Deve-se ter em atenção que a água dos enemas não deverá conter
quaisquer outras substâncias, uma vez que estas podem irritar o cólon e falsear os
resultados (Moore, 2003; Simpson, 2005b; Willard, 2001).
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
que possam contribuir para o risco anestésico. Deve-se também ter em atenção quais os
medicamentos administrados durante a indução anestésica, uma vez que podem interferir
com a motilidade gastrointestinal (devem ser evitados a atropina e os opiáceos). Devem
também ser descontinuados a metoclopramida e os protectores da mucosa, uma vez que
alteram a motilidade e dificultam a visualização da mucosa, respectivamente (Willard, 2001;
Zoran, 2001).
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
diagnosticar certas afecções apenas por amostras de mucosa (Moore, 2003). Esta é uma
das razões pelas quais está recomendada a recolha de várias amostras de mucosa (7 a 10)
d-e cada área analisada, mesmo na ausência de lesões óbvias (Mansell & Willard, 2003;
Simpson, 2005b). É também frequente que ocorra alguma distorção anatómica das
amostras colhidas, pelo que a colheita de vários exemplares minimiza este risco.
Surpreendentemente, um estudo em 383 cães com diarreia crónica reportou que
aproximadamente 23% de amostras obtidas por endoscopia não se encontravam em
condições para serem examinadas, o que reflecte a importância de uma colheita adequada
na utilização desta técnica (Van der Gaag & Happé, 1990). Para uma melhor qualidade da
amostra, esta deve ser colhida transversalmente à parede intestinal, ou seja, o fórceps deve
ser colocado perpendicularmente à mucosa. Se tal não for realizado, os fórceps vão como
que raspar sobre a superfície mucosa antes de obterem a amostra, destruindo vilosidades e
criptas ou só obtendo vilosidades (Jergens & Moore, 1999; Simpson, 2005b; Zoran, 2001).
Poderão também ser colhidas várias amostras do mesmo local, de modo a obter exemplares
mais profundos, mas deve-se ter cuidado pois existe risco de perfuração, tal como em caso
de biopsia de úlceras ou outras lesões profundas. Pode também ocorrer perfuração
gastrointestinal se for aplicada demasiada força no endoscópio enquanto se tenta passar
por curvaturas do intestino ou em esfíncteres, mas são situações raras (Moore, 2003;
Simpson, 2005b). A hemorragia que se origina com a colheita de amostras de biopsia é
negligenciável, pelo que geralmente não é necessária intervenção médica. O diâmetro do
endoscópio é também um factor importante, uma vez que quanto mais elevado, maiores
serão os instrumentos que se podem utilizar, permitindo a obtenção de amostras de melhor
qualidade (Mansell & Willard, 2003; Moore, 2003). Outro dos factores que dificulta a
obtenção de amostras de boa qualidade é o facto de que a maior parte do intestino é como
que móvel dentro da cavidade abdominal, e quando se pressiona o fórceps de biopsia
contra a parede intestinal, esta move-se, não permitindo obter amostras de toda a
profundidade da mucosa com tanta facilidade (Zoran, 2001). No caso de animais em que
não é possível atingir o íleo por colonoscopia, é possível muitas vezes apenas avançar o
fórceps de biopsia para o interior do íleo através da válvula íleocólica, embora neste caso
não se consiga observar como se colhem as amostras (Mansell & Willard, 2003; Simpson,
2005b; Tams, 1999; Willard, 2001).
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
sua fixação, e por aí em diante. Torna-se assim possível visualizar todo o intestino delgado,
ultrapassando-se uma das maiores limitações da endoscopia clássica. Porém, nem mesmo
esta técnica permite a observação de todo o intestino delgado de uma só vez, sendo
necessário realizar esofagogastroduodenoscopia e colonoscopia para tal (Latorre et al.,
2007). Conforme a localização suspeita das lesões, pode-se assim optar por um ou outro
procedimento ou, se necessário, realizar ambos. Latorre et al. (2007) estudaram
recentemente a aplicação desta inovadora técnica em cães, reportando que este é um
procedimento seguro e de extrema utilidade no diagnóstico de lesões no jejuno e íleo,
regiões do intestino delgado de difícil acesso, e que pode também ter as mesmas vantagens
terapêuticas que a endoscopia clássica. Foi também recentemente reportado por Peña et al.
(2007) um caso de um cão com enterite linfoplasmocítica jejunal, o qual realizou
esofagogastroduodenoscopia e colonoscopia clássicas, sem obtenção de resultados
diagnósticos. Foi seguidamente realizada endoscopia de duplo balão, técnica que permitiu a
observação e recolha de amostras, bem como a realização do diagnóstico final, o que revela
o enorme potencial desta nova técnica no diagnóstico de afecções intestinais crónicas.
2.4.14.3 Histopatologia
O exame histopatológico é um exame indispensável para realizar um diagnóstico de enterite
linfoplasmocítica (bem como de outros tipos de IBD). De facto, apenas com a observação
microscópica de exemplares de biopsia se podem observar as infiltrações de células
inflamatórias que caracterizam esta afecção. Por outro lado, e tal como referido
anteriormente, é importante não esquecer que diversas patologias diferentes provocam uma
imagem inflamatória intestinal com infiltração da lâmina própria por populações de células
inflamatórias, pelo que se não forem excluídas todas as causas conhecidas de inflamação
crónica do intestino, não é possível afirmar com certeza que se trata de um caso de IBD
idiopática com base no exame histopatológico. Tendo isto em mente, segue-se uma breve
descrição das dificuldades inerentes ao exame histopatológico de exemplares de biopsia
(endoscópica ou cirúrgica), bem como uma caracterização das principais lesões intestinais
microscópicas encontradas em cães com enterite linfoplasmocítica.
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
Porém, na grande maioria das vezes, e como é o caso da IBD, o patologista não consegue
identificar tais agentes infecciosos ou parasitários, podendo apenas realizar uma análise das
lesões microscópicas e das populações celulares que se encontram na mucosa.
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Tendo em conta que até ao presente ano não existia um esquema de graduação de lesões
histológicas intestinais padronizado, segue-se uma descrição das principais lesões
microscópicas encontradas em diversos estudos de cães com IBD, especialmente com
infiltração linfoplasmocítica. Em caso de infiltração linfoplasmocítica, como o nome indica,
são encontrados números aumentados de linfócitos e plasmócitos na lâmina própria e de
linfócitos intraepiteliais, que embora sejam as populações dominantes, estão também
associadas a alguma infiltração por outras células inflamatórias, como eosinófilos,
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
2.5 TRATAMENTO
O tratamento da enterite linfoplasmocítica é, primeiro que tudo, um processo faseado. Esta
divisão do tratamento em fases deve-se principalmente às dificuldades de diagnóstico das
afecções gastrointestinais, uma vez que muitas das vezes não se conseguem eliminar todas
as causas possíveis de inflamação intestinal, nomeadamente as causas parasitárias,
dietéticas ou bacterianas. Será então prudente tentar primeiro eliminar estas patologias
através de testes terapêuticos com antiparasitários, novas dietas e antimicrobianos, antes
de avançar para terapias mais agressivas para o animal, que inevitavelmente apresentam
mais efeitos secundários (German, 2005; Hall & German, 2005). A excepção a esta regra
será nos casos de pacientes muito debilitados, em que é urgente a instituição de uma
terapia que alivie os sinais clínicos e auxilie o paciente a regressar a uma condição física
favorável. É necessário referir que existe alguma sobreposição entre os tratamentos para a
IBD e os tratamentos para as afecções dietéticas e bacterianas, uma vez que existe uma
forte componente dietética e microbiana envolvida na patogénese da IBD canina. Assim,
embora alguns animais apresentem melhorias clínicas apenas com tratamento dietético ou
antibiótico, será possível que estes animais tenham realmente IBD, especialmente em casos
ligeiros (German, 2005). Classicamente, a terapia da IBD canina assenta na gestão de
maneio dietético e médico, este último incluindo fármacos antimicrobianos e anti-
inflamatórios/imunossupressores (German, 2005; Hall & German, 2005).
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
assim se diminui não só a disponibilidade de proteínas para a flora intestinal como também
se diminui a exposição da mucosa a proteínas potencialmente alergénicas (Chandler,
2002a; Guilford & Matz, 2003; Zoran, 2003). Também se deverá ter em conta que as
necessidades proteicas de alguns pacientes podem estar aumentadas, especialmente nos
casos de enterite linfoplasmocítica severa acompanhada de enteropatia com perda de
proteínas, pelo que se devem fornecer fontes proteicas de elevado valor biológico e, se
necessário, aumentar o teor de proteínas na dieta (Davenport et al., 2000).
A glutamina é um aminoácido não essencial, mas uma vez que é utilizado como fonte de
energia pelos enterócitos, promove a recuperação estrutural e funcional da mucosa do
intestino delgado, pelo que a sua suplementação em caso de doença intestinal é
recomendada (Chandler, 2002a; Davenport et al., 2000; Zoran, 2003).
A fonte de carbohidratos é outro dos pontos-chave da dieta ao qual se deve prestar atenção,
uma vez que são constituintes importantes das dietas caninas. Um dos factores que afecta a
escolha da fonte de carbohidratos é a digestibilidade dos mesmos, uma vez que se pretende
utilizar um carbohidrato altamente digerível (digestibilidade maior que 90%), de modo a
evitar complicações secundárias a má absorção destes elementos, tais como diarreia
osmótica ou sobrecrescimento bacteriano (Chandler, 2002a; Marks, 2003a). As fontes de
carbohidratos também devem ser livres de glúten, uma vez que este constituinte é
actualmente reconhecido como sendo responsável por sensibilidades alimentares em
algumas espécies, tais como Setters Irlandeses ou Soft Coated Wheaten Terriers (Chandler,
2002a; Daminet, 1996; Vaden et al., 2000; Zoran, 2003). A lactose é outro dos constituintes
que se deve evitar, uma vez que a actividade da enzima que a digere, a lactase, diminui
com a idade dos animais, podendo então provocar diarreia (Chandler, 2002a; Guilford &
Matz, 2003; Marks, 2003a). O queijo fresco contém baixos teores de lactose, pelo que a sua
utilização geralmente não constitui problema (Chandler, 2002a). A fonte de carbohidratos
mais utilizada para as dietas de pacientes com doença gastrointestinal é o arroz cozido, uma
vez que é altamente digerível e não contém glúten.
O tipo e quantidade de fibras na dieta de pacientes com doença intestinal é um dos pontos
controversos na formulação de dietas para estes animais, especialmente nos casos de
envolvimento do cólon (colite). As fibras são constituintes normais das plantas que as
células dos mamíferos pouca capacidade têm de digerir, deixando esse papel a cabo da
flora microbiana intestinal, pelo que a escolha do tipo de fibra tem um papel importante na
regulação da flora intestinal (Chandler, 2002a; Zoran, 2003). As fibras podem ser
classificadas em solúveis (fermentescíveis) ou insolúveis (pouco ou nada fermentescíveis).
As fibras fermentescíveis formam géis, prendendo água e outras substâncias (entre elas
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
dieta é uma importante fonte calórica, para além de aumentar a palatibilidade da dieta, pelo
que os teores de gordura utilizados devem ser bem ponderados, uma vez que os pacientes
com enterite linfoplasmocítica são geralmente pacientes mal nutridos, necessitando de uma
dieta que forneça um alto aporte energético. Uma opção possível para aumentar o aporte
energético em pacientes mal nutridos será aumentar a quantidade de alimento fornecido
mas, como referido anteriormente, estes pacientes podem apresentar anorexia parcial ou
total, o que dificultará esta acção. Em caso de enteropatia com perda de proteínas (por
exemplo, linfangiectasia intestinal secundária a enterite linfoplasmocítica), está
recomendada uma alteração da fonte de gordura, uma vez que os triglicéridos de cadeia
longa (TCL) geralmente utilizados nas dietas são digeridos antes de serem absorvidos para
a rede linfática intestinal sob a forma de quilomícrons, o que exacerba a perda de gorduras
secundária a obstrução linfática (Chandler, 2002a, Peterson & Willard, 2003). Assim, os
pacientes com estas afecções podem ver substituídos os TCL por triglicéridos de cadeia
média (TCM), os quais são maioritariamente absorvidos para a circulação portal sem
sofrerem um processo digestivo, o que alivia a pressão colocada sobre os vasos linfáticos
intestinais (Chandler, 2002a; Davenport et al., 2000; Peterson & Willard, 2003). Os grandes
problemas das fontes de TCM, tais como o óleo de coco, é que possuem geralmente uma
baixa palatibilidade, o que dificulta a sua introdução em dietas, e não contêm as vitaminas
lipossolúveis essenciais, pelo que os animais necessitam de ser suplementados (Chandler,
2002a; Davenport et al., 2000; Peterson & Willard, 2003).
A alteração do teor dietético de ácidos gordos ómega-6 para ácidos gordos ómega-3 é outro
dos pontos frequentemente discutidos no maneio dietético da IBD humana e canina. Os
ácidos gordos ómega-3 existentes nos óleos de peixe têm sido extensamente estudados em
medicina humana devido às suas propriedades anti-inflamatórias, e parecem ter efeitos
benéficos na mucosa intestinal, ao serem incluídos em membranas biológicas e diminuindo
a produção de medidores pro-inflamatórios (Davenport et al., 2000; Jergens, 2002; Marks,
2003a; Wild, Drozdowski, Tartaglia, Clandinin & Thomson, 2007). Por outro lado, os ácidos
gordos ómega-6 são precursores de mediadores pró-inflamatórios (como leucotrienos,
prostaglandinas ou mesmo IL-1), que se encontram aumentados na mucosa intestinal de
pacientes com IBD (Jergens, 2002; Marks, 2003a; Wild et al., 2007). Por enquanto ainda
não existem estudos comprovados em medicina veterinária, mas muitos autores continuam
a recomendar a sua utilização, geralmente baseados em extrapolações de medicina
humana ou na sua própria experiência clínica, e muitos fabricantes já os incluem
regularmente nas suas dietas (Chandler, 2002a; Davenport et al., 2000; Guilford & Matz,
2003; Jergens, 2002; Marks, 2003a; Zoran, 2003).
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A constituição vitamínica das dietas utilizadas é outro dos factores a ter em conta, uma vez
que a ocorrência de diarreia e de má absorção de gorduras predispõe à perda entérica de
vitaminas hidro- (especialmente vitaminas do complexo B e vitamina C) e lipossolúveis
(vitaminas A, D, E e K), pelos que nestes casos as dietas devem ser suplementadas
(Chandler, 2002a; Zoran, 2003). Pelos mesmos motivos, podem também ocorrer
deficiências em alguns minerais, como potássio e magnésio, pelo que os animais poderão
ter que ser suplementados, inicialmente com suporte parenteral e posteriormente
aumentando o teor de minerais na dieta (Chandler, 2002a; Davenport et al., 2000; Zoran,
2003).
Resumindo, para o caso de IBD de intestino delgado, estão recomendadas dietas altamente
digeríveis, hipoalergénicas, sem glúten, com baixo teor de lactose, baixo teor em gordura e
equilibrada em termos de electrólitos e vitaminas hidro- e lipossolúveis. (Chandler, 2002a;
Guilford & Matz, 2003; Marks, 2003a; Zoran, 2003). Em caso de envolvimento colónico está
recomendada a suplementação da dieta com fibras moderadamente fermentescíveis
(Chandler, 2002a; Guilford & Matz, 2003; Marks, 2003a; Zoran, 2003).
No Anexo 4 – Exemplo de Dieta Caseira para Cães Adultos com Diarreia Crónica -
encontra-se uma receita que pode ser utilizada para cães com enterite linfoplasmocítica.
Também se encontram disponíveis no mercado variadas rações comummente utilizadas na
terapia de pacientes com doença gastrointestinal, com novas fontes de proteína, como por
exemplo a Royal Canin Veterinary Diet: Sensitivity Control®, a Hill’s Prescription Diet
Canine: d/d® ou a Purina Veterinary Diet Canine Formula: DRM®, fontes de proteínas
hidrolisadas, como a Royal Canin Veterinary Diet: Hypoallergenic®, Hill’s Prescription Diet:
z/d low allergen® e z/d ultra® ou a Purina Veterinary Diet Canine Formula: HA®. Muitas
destas dietas conjugam vários dos princípios referidos anteriormente, como elevada
digestibilidade, baixo teor em gordura, inclusão de FOS e ácidos gordos ómega-3 ou mesmo
suplementação com fontes de TCM.
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
Alguns autores advogam que o facto de alimentar uma nova dieta quando ainda se mantém
a inflamação intestinal pode levar a nova sensibilização, uma vez que a mucosa intestinal
continua alterada, com a permeabilidade aumentada e assim permitindo maior
sensibilização do sistema imune intestinal aos constituintes da nova dieta (Davenport et al.,
2000; Sturgess, 2005). Devido a este facto, alguns autores recomendam a alteração para
uma segunda dieta ao fim de algumas semanas, embora não existam estudos clínicos
validados que suportem este facto.
Outro dos pontos a focar é que embora a terapia dietética seja uma parte fundamental da
terapia de pacientes caninos com enterite (ou mesmo colite) linfoplasmocítica, apenas em
alguns casos ligeiros se consegue manter os animais clinicamente sãos apenas com a
introdução de uma nova dieta (Davenport et al., 2000; Hall & German, 2005; Washabau &
Holt, 2005). Na maioria dos casos, especialmente em caso de inflamação moderada a
severa, a terapia nutricional não é mais que um complemento (se bem que importante) à
terapia imunossupressora, considerada a base da terapia da enterite linfoplasmocítica
idiopática.
65
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
2.5.2.1 Antiparasitários
Os antiparasitários representam uma primeira linha de tratamento das afecções intestinais
crónicas, especialmente devido ao carácter intermitente da eliminação de formas
parasitárias fecais de alguns parasitas, especialmente Giardia sp. (Hall & German, 2005;
Tennant, 2005). Este parasita não é eliminado pelos antiparasitários convencionais, pelo
que está recomendada a realização de um tratamento com fenbendazol, a 50mg/kg PO
q24h, durante três dias, o que também se mostra eficaz contra alguns nemátodos e
céstodes (Allen et al., 1998; Tennant, 2005). Será a seguir a este tratamento, e se os sinais
clínicos não melhorarem, que se avançará para uma terapêutica dietética.
2.5.2.2 Antibióticos
Devido à problemática do diagnóstico de sobrecrescimento bacteriano e de enterites
bacterianas, devem-se também instituir terapêuticas antibióticas antes de avançar para
terapia imunossupressora. Porém, tal como referido anteriormente, existe alguma
sobreposição entre estas patologias e a IBD, uma vez que as alterações na mucosa
intestinal que se registam durante a patogénese da IBD favorecem o sobrecrescimento
bacteriano e absorção de antigénios pela mucosa, pelo que o registo de melhorias clínicas
não permite inferir sobre a presença ou ausência de IBD. Isto é especialmente verdadeiro
para os casos de infiltrações inflamatórias ligeiras, em que a remoção de um dos factores
contribuintes para a inflamação intestinal poderá resolver os sinais clínicos.
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
2.5.2.3 Imunossupressores
O tratamento com fármacos imunossupressores é uma das bases do tratamento da IBD,
mas devido ao facto de que muitos dos fármacos imunossupressores possuem vários
efeitos secundários indesejáveis, muitos autores preferem realizar uma terapêutica faseada,
tentando primeiro controlar a sintomatologia apenas com maneio dietético ou antibiótico.
Apenas nos casos mais severos se inicia uma terapêutica mais agressiva, com protocolos
combinados de maneio dietético, antibiótico e imunossupressor (German, 2005; Hall &
German, 2005; Münster et al., 2006). Mesmo dentro do tratamento imunossupressor, podem
ser realizados protocolos combinados com mais de uma droga, de maneira a diminuir a
ocorrência de efeitos secundários.
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
Recentemente, alguns fármacos prescritos para o maneio da IBD humana estão a ser
investigados para a sua utilização em cães. Um destes exemplos é o metotrexato, uma
molécula até recentemente apenas recomendada em medicina canina para o tratamento de
neoplasias, nomeadamente linfoma (Allen et al., 1998; Tennant, 2005; Yuki et al., 2006).
Este fármaco é um inibidor do ácido fólico, impedindo a utilização deste composto na
síntese de DNA e replicação celular, pensando-se também que possui um efeito anti-
inflamatório relacionado com a diminuição da produção de IL-1 (Friedman & Blumberg,
2005; Tennant, 2005; Yuki et al., 2006). Embora seja utilizado já há vários anos para o
maneio médico de casos de IBD em humanos, apenas recentemente foi publicado o
primeiro estudo sobre o efeito deste fármaco num cão com enterite linfoplasmocítica
refractária ao tratamento com prednisolona e ciclosporina, onde foi reportada a eficácia
desta molécula na remissão dos sintomas (Yuki et al., 2006). Neste estudo, o metotrexato foi
utilizado na dose de 0,6mg/kg IM cada 7 dias, num total de cinco administrações, mantendo-
se depois a remissão com baixas doses de prednisolona e azatioprina. Infelizmente, este
estudo apenas foi realizado num único cão, pelo que mais estudos são necessários para
garantir a eficácia e segurança deste composto no tratamento da IBD canina.
Outro dos fármacos que tem sido investigado em medicina veterinária é a budesonida, um
novo corticóide utilizado em medicina humana que quando administrado oralmente, permite
uma acção anti-inflamatória ou imunossupressora sobre o tracto gastrointestinal com poucos
efeitos secundários sistémicos, uma vez que é eliminada em cerca de 90% na primeira
passagem pelo fígado (Friedman & Blumberg, 2005; Stroup, Behrend, Kemppainen & Smith-
Carr, 2006; Tennant, 2005; Tumulty, Broussard, Steiner, Peterson & Williams, 2004). Porém,
os primeiros estudos em cães saudáveis e cães com IBD revelam que esta molécula
provoca supressão do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenais, pelo que a sua utilidade como
alternativa à terapia com corticóides convencionais em cães com IBD está ainda por
certificar (Stroup et al., 2006; Tumulty et al., 2004).
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
70
Enterite Linfoplasmocítica Canina
devem-se corrigir os défices desta vitamina através da sua administração parenteral, a 250-
800µg IM ou SC semanalmente durante 6 semanas, depois a cada duas semanas durante 6
semanas e por fim uma última dose um mês depois (Steiner, 2005a). Uma outra forma de
regular a administração será até os sinais clínicos resolverem-se e as concentrações séricas
de cobalamina estabilizarem-se num valor normal.
O vómito é um dos sinais clínicos mais frequentes em cães com enterite linfoplasmocítica,
podendo representar a ocorrência de gastrite crónica antral secundária a enterite
linfoplasmocítica. De uma forma geral, nestes casos está aconselhada a administração de
fármacos anti-ácidos, antagonistas dos receptores H2, cimetidina (5-10mg/kg IV, IM ou PO
q6-8h) ou ranitidina (2mg/kg IV, SC ou PO q8-12h), ou inibidores das bombas de protões,
como o omeprazol (0,5-1,5mg/kg IV ou PO q12h), especialmente se houver evidência de
erosão/ulceração gástrica (Simpson, 2005b; Sturgess, 2005; Tennant, 2005). Estes
fármacos actuam por mecanismos diferentes, mas ambas as classes resultam na diminuição
da secreção de ácido clorídrico pelas células da mucosa gástrica (Tennant, 2005). Dado que
pode ser necessário um tratamento prolongado com estes agentes, será provavelmente
mais prático optar pelas formulações para administração oral. Se for utilizado o omeprazol
como fármaco de escolha, a terapia deverá ter uma duração máxima de oito semanas, uma
vez que a administração crónica deste fármaco está associada a hiperplasia e hipertrofia da
mucosa gástrica e formação de carcinomas (Tennant, 2005). Também se deverá tomar
atenção com a administração destes fármacos no sentido que ao diminuirem a produção de
ácido gástrico provocam aumento do pH, o que poderá predispor ao desenvolvimento de
sobrecrescimento bacteriano (Webster, 2005). Outros fármacos possíveis de serem
utilizados são os protectores da mucosa gástrica, tais como o sucralfato, a 0,5-1g/cão PO
q6-8h (Sturgess 2005, Tennant 2005). Este fármaco deverá ser administrado pelo menos
uma hora antes das refeições.
Em caso de envolvimento colónico, existem alguns fármacos que possuem grande utilidade
no maneio médico de colite linfoplasmocítica canina. Alguns destes fármacos são utilizados
igualmente no tratamento de enterite linfoplasmocítica, como é o caso dos corticóides,
azatioprina, ciclosporina ou mesmo antibióticos. Um dos fármacos mais utilizados no maneio
médico de colite é a sulfasalazina, um inibidor de sintetases de prostaglandinas que é
constituído por duas moléculas, uma de 5-aminosalicilato (mesalamina) e outra de
sulfapiridina, unidas por uma ligação azo (Tennant; 2005; Washabau & Holt, 2005; Webster,
2005). Embora parte deste complexo seja absorvida no intestino delgado, a grande parte
atinge o cólon, onde é clivada por acção bacteriana, libertando as duas moléculas referidas.
O 5-aminosalicilato é a porção que possui efeitos terapêuticos, inibindo a cicloxigenase
presente na mucosa colónica e impedindo assim a cascata inflamatória. A dose
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
recomendada é de 15-30mg/kg PO q8h até à resolução dos sintomas, após o qual se pode
reduzir gradualmente a dose e tentar manter a remissão apenas com terapia dietética
(Tennant, 2005; Washabau & Holt, 2005). Em alternativa existe ainda uma outra molécula, a
olsalazina, composta por duas moléculas de 5-aminosalicilato, que é também clivada por
bactérias colónicas mas é minimamente absorvida no intestino delgado (Tennant, 2005;
Washabau & Holt, 2005). As doses recomendadas são de 10-20mg/kg PO q12h (Tennant,
2005).
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
vida do animal. O prognóstico dos pacientes caninos com IBD varia com a severidade da
doença, podendo ser observada em casos ligeiros remissão completa e a remoção do
tratamento, embora seja muito frequente a observação de recaídas mesmo quando
instituída uma terapia correcta ou mesmo a ocorrência de refractariedade ao tratamento,
especialmente em casos severos (Hall & German, 2005; Tams, 2003). Por este motivo,
diversos estudos focando diferentes marcadores de resposta ao tratamento e prognóstico
têm sido realizados, de modo a permitirem a monitorização e ajuste do tratamento.
Recentemente, foi construído um índice de actividade clínica (ou seja, um índice de
severidade da doença), na tentativa de proporcionar uma forma rápida e pouco dispendiosa
de avaliar o estado clínico dos pacientes com IBD, tanto na primeira consulta como nas
consultas de acompanhamento do paciente.
Figura 2 – Critérios para obtenção do CIBDAI (adaptado de Jergens et al., 2003, p.292, tradução livre)
A. Atitude/Actividade Classificadas de 0-3:
B. Apetite
C. Vómito 0 = Normal
D. Consistência das fezes 1 = Alteração ligeira
E. Frequência de defecação 2 = Alteração moderada
F. Perda de peso 3 = Alteração severa
Este índice permite assim obter uma estimativa fácil, rápida e pouco dispendiosa da
gravidade clínica da doença de cada vez que o animal é observado na consulta (antes,
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Recentemente, foi realizado por García-Sancho et al. (2007) um estudo em cães com
enterite linfoplasmocítica, onde os autores introduziram algumas alterações ao CIBDAI
criado por Jergens et al. (2003), nomeadamente a introdução de 3 novas variáveis, como
dor abdominal, flatulência e diminuição ou aumento do apetite. Esta última variável foi
apenas alterada, uma vez que o índice proposto por Jergens et al. (2003) apenas
considerava diminuição do apetite e não o seu aumento, que pode também ocorrer em
casos de IBD. Este estudo reportou assim resultados semelhantes aos de Jergens et al.
(2003), observando uma diminuição da pontuação do índice ao longo do tratamento (e,
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
Um estudo recente por Ohno et al. (2006) investigou diferentes marcadores de prognóstico
em cães com enterite linfoplasmocítica, comparando diversos achados clínicos e
laboratoriais entre um grupo de cães sobreviventes e outro grupo de cães que não
sobreviveram mesmo com a realização do tratamento. Os autores concluíram que a
75
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Como referido anteriormente, a presença de nitrito em lavados colónicos poderá também ser
um indicador útil de inflamação da mucosa colónica e de resposta ao tratamento, mas por
enquanto são necessários mais estudos para avaliar a utilidade deste marcador na IBD
canina (Gunawardana et al., 1997). Como referido anteriormente, alguns autores reportam
que os testes de absorção e permeabilidade podem ser utilizados como marcadores da
função e estrutura intestinais, enquanto outros autores referem que estes testes não se
encontram correlacionados nem com a gravidade clínica nem com a gravidade histológica
em casos de cães com enterite linfoplasmocítica, pelo que mais testes são necessário para
avaliar a utilidade destes testes (Allenspach et al., 2005; Allenspach et al., 2006a; Kobayashi
et al., 2007b; Rutgers et al., 1996). Luckschander et al. (2006b) publicaram recentemente os
resultados de um estudo sobre a utilização de pANCAs na monitorização do tratamento em
cães com IBD, reportando que este marcador não se encontra associado com as
pontuações do CIBDAI antes e após o tratamento nem com a severidade das lesões
endoscópicas e histológicas encontradas, pelo que a sua utilização na monitorização destes
pacientes é relativamente baixa.
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
3. CASOS CLÍNICOS
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
O hemograma não revelou grandes alterações exceptuando uma leucocitose por neutrofilia
sem desvio à esquerda, possivelmente associada a stress ou doença inflamatória crónica.
Já as bioquímicas séricas revelaram uma hipoproteinémia secundária a hipoalbuminémia.
Esta pode geralmente ser atribuída a causas hepáticas (diminuição da produção de
proteínas), renais ou gastrointestinais (perda de proteínas). Dada a ausência de sinais de
envolvimento hepático, excluiu-se à partida este órgão como o responsável pela
hipoalbuminémia. A urianálise não revelou quaisquer alterações, e não foi detectada
proteinúria através do teste do ácido sulfosalicílico, podendo-se assim eliminar causas
renais de hipoalbuminémia. A realização de exames imagiológicos (radiografia e
ultrasonografia) foi recusada pelo proprietário quando informado de que estes exames
poderiam não auxiliar ao diagnóstico. Com base nos resultados destes exames,
especialmente a hipoproteinémia (hipoalbuminémia), e na ausência de indícios de doença
hepática ou renal, a suspeita clínica recaiu sobre uma possível enteropatia.
Dado o resultado do cTLI, pode-se excluir IPE como a causa do quadro clínico, e a
diminuição da concentração sérica do folato e cobalamina indica a ocorrência de uma
doença intestinal difusa, que afecte o jejuno e íleo. Dada a perda de peso marcada e a
hipoalbuminémia, optou-se por iniciar o tratamento imediatamente e realizar uma
endoscopia com biopsia após uma melhoria clínica do paciente, ficando marcada para 1
mês depois. Iniciou-se então um protocolo combinado de prednisolona, 1mg/kg PO q12h
durante 2 semanas, depois 0,5mg/kg PO q12h durante 1 semana, seguido de 0,5mg/kg PO
q24h durante 1 semana e por fim, 0,5mg/kg PO q48h durante uma semana (com a
possibilidade de alterar o protocolo dependendo da resposta do paciente); metronidazol
(Flagyl®), 17,5mg/kg PO q12h durante 1 mês; diosmectita (Smecta®) (silicato de alumínio e
magnésio), uma saqueta de 3g q12h durante 3 semanas, 30 minutos antes das refeições;
omeprazol, 1 cápsula de 10mg PO q12h durante 1 mês, parando no dia anterior à biopsia;
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
cobalamina, 500µg SC, 1 vez por semana e dieta caseira à base de arroz cozido e borrego,
adicionada de 1 colher de sopa de azeite.
Cerca de uma semana mais tarde, o Benny regressou novamente à consulta devido a um
agravamento do quadro clínico, apresentando-se abatido e novamente com diarreia líquida.
Os resultados do exame histopatológico revelaram a presença de uma infiltração
inflamatória de gravidade moderada na mucosa duodenal, constituído por linfócitos,
plasmócitos e raros eosinófilos. Ao nível da mucosa colónica foi também observada
infiltração por linfócitos e plasmócitos, embora em menor número que no duodeno. Não
foram detectadas alterações ao nível do estômago. A conclusão do exame histopatológico
foi assim uma enterite linfoplasmocítica moderada, acompanhada de colite linfoplasmocítica
ligeira. Com base nestes resultados, decidiu-se então voltar a aumentar a dose de
prednisolona para 1mg/kg PO q12h durante 2 semanas, realizando o mesmo protocolo para
desmame dos corticóides que referido anteriormente. Decidiu-se também alterar a
alimentação para Royal Canin Veterinary Diet: Hypoallergenic®.
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Como se pode observar pelos resultados do hemograma, embora ainda se registasse uma
eritrocitose, esta era bastante mais moderada que a encontrada na primeira colheita de
sangue. Já as bioquímicas séricas revelaram apenas adicionalmente uma colesterolémia
baixa. Já o resultado do cTLI permitiu excluir uma IPE como causa do quadro clínico, e a
diminuição da concentração sérica de cobalamina observada era compatível com uma
patologia ileal. Ao exame coprológico não foram detectadas formas parasitárias. Foi então
proposta a realização de exames radiográficos ao tórax para avaliar uma possível causa
para a polipneia crónica que o paciente apresentava (Figura 3), aos quais a proprietária
concordou.
82
Enterite Linfoplasmocítica Canina
A B
A B
Com base nos achados das análises séricas e do espessamento observado à endoscopia,
decidiu-se prosseguir a investigação diagnóstica com a realização de uma endoscopia,
marcada para uma semana depois. Entretanto, instituiu-se uma terapêutica com
cobalamina, 500µg SC, 1 vez por semana, juntamente com metronidazol (Flagyl®), 10mg/kg
83
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
PO q8h, e diosmectita (Smecta®), 1 saqueta de 3g q8h, esta última parando no dia anterior
à endoscopia.
84
Enterite Linfoplasmocítica Canina
Cerca de mês e meio mais tarde, o Riack regressou à consulta, deixando de apresentar
diarreia, embora a proprietária referisse que as fezes continuassem um pouco moles.
Decidiu-se então alterar a terapêutica e tentar manter o Riack apenas com metronidazol,
10mg/kg PO q8h durante 15 dias, seguido de 10mg/kg PO q12h durante 15 dias e, por fim,
10mg/kg PO q24h durante 15 dias.
Theodora, uma cadela de raça Bulldog Inglês de 5 anos de idade, com 17kg de peso vivo,
apresentou-se ao serviço de urgências da École Nationale Vétérinaire d’Alfort por diarreia e
vómito crónicos. O proprietário informou que a cadela possuia uma história de dermatite
atópica severa, diagnosticada alguns anos antes, e que cerca de 2 meses antes, tinha
recebido um tratamento experimental (molécula desconhecida pelo proprietário) para esta
afecção, e que passados alguns dias, a Theodora tinha começado com vómito e diarreia
profusa. A paciente foi observada pelo seu veterinário assistente, mas apesar dos
tratamentos sintomáticos (o proprietário apenas se lembrava de utilizar Canidiarix®), os
sinais gastrointestinais permaneceram. Cerca de um mês após o tratamento com a molécula
experimental, a paciente sofreu um volvo intestinal, o qual foi resolvido cirurgicamente.
Durante a cirurgia, foi constatado que os intestinos apresentavam um aspecto inflamatório
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
O exame físico inicial foi difícil de ser realizado, uma vez que o animal se mostrou bastante
agressivo. No entanto, foi constatado que a paciente encontrava-se bastante magra e com
mucosas pálidas. Decidiu-se então realizar hemograma (Tabela 12), ionograma (Tabela 13),
bioquímicas séricas (Tabela 14) e urianálise, de modo a poder avaliar o estado geral do
animal.
86
Enterite Linfoplasmocítica Canina
No dia seguinte, a Theodora não apresentou vómitos nem diarreia, chegando mesmo a
comer Hill’s Prescription Diet a/d®. O exame físico não revelou alterações desde o dia
anterior. Decidiu-se então avançar no plano diagnóstico com a realização da quantificação
do cTLI, folato e cobalamina séricos (Tabela 15), seguido de ultrasonografia abdominal.
O resultado do cTLI permite excluir IPE como causa do quadro clínico. Os resultados do
folato e cobalamina séricos, mesmo estando normais, não excluem a presença de doença
intestinal, uma vez que existe um pool destas vitaminas que tem de ser esgotado antes de
as suas concentrações séricas diminuírem para valores anormais.
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Com base nos aumentos das concentrações séricas de ALT e FA, bem como na
hipoalbuminémia e no aumento da ecogenicidade hepática, decidiu-se avaliar a função
hepática através da realização de um teste de estimulação dos ácidos biliares (Tabela 16).
Com base nos valores normais obtidos com a realização deste teste pode-se inferir sobre a
função hepática, pelo que se pode excluir o fígado como o órgão responsável pela
hipoproteinémia e quadro clínico. Excluídas causas hepáticas, a suspeita recaiu sobre
88
Enterite Linfoplasmocítica Canina
doenças intestinais, pelo que foi marcada endoscopia alta e baixa (com biopsia) para alguns
dias depois. Entretanto, decidiu-se começar uma antibioterapia com metronidazol (Flagyl®),
20mg/kg PO q12h até ao dia da endoscopia. Em caso de diarreia, foi também proposta a
administração de diosmectita (Smecta®), 1,5 saquetas de 3g q12h.
Com base no diagnóstico fornecido pela histopatologia, decidiu-se então alterar o protocolo
terapêutico. A Theodora passou então a fazer prednisolona, 1mg/kg PO q12h durante 15
dias, depois 0,5mg/kg PO q12h durante 15 dias, seguido de 0,5mg/kg PO q24h durante 15
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
dias e, por fim, 0,5mg/kg Po q48h durante 15 dias; metronidazol 15mg/kg PO q12h durante
1 mês, seguido de 15mg/kg PO q24h durante 15 dias e depois 15mg/kg PO q48h. Em caso
de vómito, fosfato de alumínio (Phosphalugel®), 1 saqueta PO q12h, 30 minutos antes de
cada refeição. Devido ao apetite caprichoso da Theodora, decidiu-se alterar a dieta para
Hill’s Prescription Diet d/d, uma dieta que a Theodora comia bem.
Cerca de dois meses mais tarde, a Theodora regressou à consulta, não revelando sinais de
doença gastrointestinal. Apresentava-se em bom estado geral, tendo aumentado
ligeiramente de peso. Decidiu-se então manter a dieta e recomendou-se ao proprietário que
monitorizasse as fezes da Theodora e regressasse à consulta em caso de diarreia.
Rouck, um cão macho de raça Pastor Alemão, com 7 anos de idade, apresentou-se no
serviço de consultas de medicina do hospital escolar da École Nationale Vétérinaire d’Alfort
por abatimento, perda de peso severa e diarreia crónica do intestino delgado. O Rouck foi
pela primeira vez observado no hospital escolar há cerca de 2 anos, devido a diarreia
crónica. Foram realizados vários exames complementares, entre eles exames coprológicos,
ultrasonografia abdominal, doseamento de cobalamina e, por fim, endoscopia e biopsia
gastrointestinais, a partir dos quais foi diagnosticado com enterite linfoplasmocítica severa.
Desde então, foram realizados vários tratamentos, incluindo prednisolona, metronidazol,
diosmectita, cobalamina parenteral, entre outros, aos quais reagiu positivamente durante
alguns meses, período após o qual recomeçou a agravar o quadro clínico. Desde então e
até à actualidade têm realizado tratamentos periódicos com antibióticos, anti-diarreicos,
corticóides, sem resultados visíveis.
Ao exame clínico registou-se que o que era considerado pelos proprietários como
abatimento era na realidade um estado de choque. O Rouck, embora revelasse estar
consciente, não era capaz de se mover e estava profundamente deprimido. Apresentava
também uma perda de peso bastante severa (peso vivo de 23kg) e uma desidratação > 10%
(olhos encovados na órbita por vários milímetros, o que provavelmente era ainda mais
acentuado pela perda de peso (e gordura periorbital). As mucosas encontravam-se pálidas e
o tempo de repleção capilar entre 2-3 segundos. A palpação abdominal revelou-se dolorosa,
e foram observadas míases na região anal e perianal. Curiosamente, não se detectou
qualquer alteração a nível respiratório ou cardíaco. A temperatura corporal era de 41,3ºC.
Imediatamente de seguida foi colocado um catéter endovenoso e recolhido sangue para
realização de hemograma (Tabela 17) e bioquímicas séricas (Tabela 18), começando de
seguida a realizar fluidoterapia com uma solução de NaCl a 0,9%.
90
Enterite Linfoplasmocítica Canina
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
por punção ecoguiada, de cor acastanhada, que foi enviado para cultura bacterológica e
teste de sensibilidade a antibióticos. As imagens de derrame, juntamente com o
pneumoabdómen e a esteatite indicavam a ocorrência de pancreatite associada a uma
ruptura digestiva. Já o espessamento da parede jejunal, aliado à perda de contraste entre
camadas e à adenomegália, indicavam um possível processo neoplásico, embora não
pudessem ser excluídos processos inflamatórios.
Figura 8 – A. Espessamento, perda de contraste e possível local de ruptura de uma ansa jejunal; B.
Linfadenopatia mesentérica.
A B
Com base nestes achados, o Rouck foi levado para o serviço de cirurgia, onde foi realizada
laparotomia de urgência. Durante a cirurgia, foi registada a presença de um líquido com
conteúdo alimentar abundante no abdómen. Analisando o tubo digestivo, foi possível
identificar uma ruptura da parede intestinal ao nível do jejuno. Devido à necrose e
inflamação em redor, foi realizada enterectomia com remoção de intestino até 15cm para
cada lado da ruptura, e a peça recolhida foi enviada para análise histopatológica. O intestino
foi devidamente suturado e a cavidade abdominal lavada com uma solução morna de NaCl
a 0,9% até à obtenção de um líquido transparente, sendo depois suturada a linha incisional
abdominal. No pós-operatório foi ainda administrada cefalexina, 15mg/kg IV, e metronidazol,
20mg/kg IV. O Rouck recuperou sem problemas da cirurgia, embora se apresentasse um
pouco hipotérmico, pelo que foi aquecido por meio de aquecedores e aquecimento da
solução de fluidoterapia. Foi também monitorizado durante a noite, revelando importantes
flutuações na temperatura corporal. Durante a noite, foram também medidos alguns
parâmetros sanguíneos (Tabela 19).
92
Enterite Linfoplasmocítica Canina
Cerca de uma semana mais tarde, o relatório histopatológico da peça cirúrgica revelou
linfoma intestinal de grandes linfócitos granulosos com infiltração difusa, severa e
transparietal da parede intestinal, e necrose hemorrágica da mucosa. O relatório referia
ainda que nos segmentos mais proximais e distais ao local da ruptura, se podia observar
uma infiltração marcada da mucosa por uma população predominantemente plasmocítica,
embora também estivessem presentes grandes linfócitos granulares, fusão das vilosidades,
dilatação das estruturas glandulares e edema.
3.5 DISCUSSÃO
Como se pode observar pela idade dos pacientes, estes são na sua maioria animais de
meia-idade, com excepção do Benny, um cão Pastor Alemão de 1 ano de idade. É possível
que exista uma causa genética subjacente que tenha despoletado a doença mais cedo que
o normal, mas tal factor não é conhecido. Curiosamente, todos os casos clínicos aqui
apresentados correspondem a animais de raça, com uma predominância para os Pastores
Alemães, mas o reduzido número de casos não permite inferir sobre uma possível
predisposição racial.
A apresentação clínica dos animais não revelou grandes alterações relativamente à descrita
anteriormente, com todos os animais apresentando diarreia crónica como principal sinal,
embora alguns dos pacientes apresentassem também mais alguns sintomas, tais como
perda de peso, vómito, dor abdominal ou mesmo palidez das mucosas (Allenspach et al.,
2006c; Craven, Simpson, Ridyard & Chandler, 2004; German, 2005; German, 2006; Hall &
German, 2005; Jacobs et al., 1990; Jergens, Moore, Haynes & Miles, 1992; Lane et al.,
1999; Ristic & Stidworthy, 2002; Tams, 2003). No caso clínico 4 foi observada uma
apresentação clínica pouco usual, em que o animal se apresentava em estado de choque,
com perda de peso e desidratação severas, mucosas pálidas e febre. No entanto,
93
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Os achados hematológicos foram bastante variáveis. Um dos casos revelou uma leucocitose
por neutrofilia sem desvio à esquerda, o que poderá estar associado a stress ou doença
inflamatória crónica (German, 2005; Hall & German, 2005; Jergens et al., 1992). Outro dos
casos revelou uma eritrocitose e leucocitose, possivelmente associadas a uma desidratação
ligeira, não constatável clinicamente. Outro dos casos revelou uma anemia regenerativa
ligeira, que na ausência de parasitas endoglobulares e alterações ao nível do esfregaço
sanguíneo, bem como ausência de sangue na urianálise, foi atribuída a perda
gastrointestinal não detectável clinicamente (Hall & German, 2005; Jergens et al., 1992;
Ristic & Stidworthy, 2002). Este mesmo caso revelou ainda trombocitose, e embora o seu
estudo não tenha sido aprofundado, poderá estar relacionada com fenómenos inflamatórios,
nomeadamente estimulação da produção por mediadores inflamatórios (Craven et al., 2004;
Lubas et al., 2007). O último caso revelou uma anemia não regenerativa ligeira, mais tarde
atribuída a perda de sangue por ruptura intestinal. Neste último caso, no entanto, não é
possível afirmar com certeza que a anemia não estaria já presente antes da ruptura
intestinal ocorrer. Os achados bioquímicos foram também bastante variáveis, embora um
dos parâmetros sobressaísse em frequência, a hipoproteinémia. Esta encontrava-se
especialmente associada a hipoalbuminémia, embora um dos casos apresentasse também
hipoglobulinémia. Em nenhum dos casos a hipoproteinémia foi atribuída a doença hepática
ou renal. Esta hipoproteinémia deveu-se provavelmente a uma enteropatia com perda de
proteínas, nomeadamente linfangiectasia secundária, embora também possam ter
contribuído fenómenos de má absorção (Craven et al., 2004; German, 2005; Hall & German,
2005; Jergens et al., 1992; Tams, 2003). Outro dos parâmetros frequentemente alterados
foram as enzimas hepáticas, ALT e FA, cujos aumentos (de ligeiros a severos), na ausência
de sinais de doença hepática, foram atribuídos a uma hepatopatia reactiva, secundária a
aumento da absorção de bactérias, endotoxinas e antigénios para a circulação portal devido
à doença intestinal (Craven et al., 2004; Jacobs et al., 1990; Jergens et al., 1992; German,
2005; Hall & German, 2005; Tams, 2003; Willard, 2003). Num dos casos foi também
observada uma elevação ligeira da ureia sérica, que na ausência de outros indicadores de
doença renal (nomeadamente aumento sérico da creatinina e alterações na urianálise), foi
considerada secundária a desidratação. Outro dos casos revelou uma hipocolesterolémia
ligeira/colesterolémia muito baixa, que com base nos resultados do exame histopatológico
ao intestino, foi atribuída a linfangiectasia intestinal secundária. O ionograma não revelou
grandes alterações, exceptuando em dois dos casos clínicos, que revelaram hipocalcémia,
94
Enterite Linfoplasmocítica Canina
95
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
No caso clínico 1, observa-se uma diminuição das concentrações séricas tanto de folato
como de cobalamina, pelo que presume que a doença intestinal afecte tanto o jejuno como o
íleo, respectivamente, locais de absorção destas vitaminas (Matz & Guilford, 2003;
Suchodolski & Steiner, 2003). Este caso foi mais tarde diagnosticado como enterite
moderada. Já no caso clínico 2, observa-se apenas uma diminuição da concentração sérica
de cobalamina, pelo que se pode esperar que a região ileal se encontre afectada, o que de
facto veio a ser comprovado (enterite severa). No entanto, é importante não esquecer que
nem sempre se verificam estas alterações, como observado no caso clínico 3, um caso de
enterite moderada. Pela discrepância entre achados (deficiências vitamínicas e gravidade
histológica das lesões), pode-se deduzir que a quantificação das concentrações séricas
destas vitaminas serve principalmente para localizar a afecção e para se poderem corrigir
deficiências vitamínicas, e não tanto para diagnosticar uma afecção, como era realizado
anteriormente. É provável que outros factores, tais como a duração da doença ou a
existência de um pool destas vitaminas no organismo, tenham grande influência nestes
resultados, o que limita a utilização destes parâmetros para efeitos diagnósticos. Outro
exames que se realiza frequentemente é o teste de estimulação dos ácidos biliares, que tem
como objectivo avaliar a função hepática. De facto, na existência de sinais de doença
hepática, tais como aumentos séricos das enzimas hepáticas e alterações imagiológicas do
fígado, a realização deste teste permite assim verificar se o quadro clínico é provocado por
uma afecção hepática ou não, como se realizou para o caso clínico 3. Isto é especialmente
importante uma vez que doença hepática pode provocar alterações histológicas a nível do
intestino semelhantes à IBD (Bunch, 2003).
A endoscopia revelou lesões inflamatórias nos três casos clínicos que a realizaram, embora
nem todos os órgãos do tracto gastrointestinal apresentassem lesões. De facto, não foi
observado qualquer tipo de lesões a nível do esófago, nem mesmo no caso clínico 3, em
96
Enterite Linfoplasmocítica Canina
97
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
também por outros tipos de células inflamatórias, tais como eosinófilos e neutrófilos,
permitindo um diagnóstico de enterite linfoplasmocítica, tal como referido por vários autores
(Cave, 2003; Craven et al., 2004; German, 2005; Hall & German, 2005; Jacobs et al., 1990;
Jergens et al., 1992; Jergens et al., 2003; Rodríguez-Franco, Sainz, García-Sancho &
Rodríguez-Castaño, 2002b; Sturgess, 2005; Tams, 2003; Twedt, 2007; Yamasaki et al.,
1996). Em dois dos casos observou-se também dilatação dos quilíferos, linfangiectasia,
considerada como secundária às infiltrações inflamatórias (Brooks, 2005; Cave, 2003;
German, 2005; Hall & German, 2005; Jacobs et al., 1990; Kleinschmidt et al., 2006;
Peterson & Willard, 2003; Tams, 2003). Foram também observadas outras lesões a este
nível, como congestão de capilares e edema da mucosa, também frequentemente descritas
por alguns autores (Cave, 2003; German, 2005; Kleinschmidt, et al., 2006; van der Gaag &
Happé, 1990). Num dos casos clínicos, as amostras duodenais não se encontravam em
condições de serem analisadas, não permitindo saber se a afecção também afectava o
duodeno. Isto reflecte a importância da colheita de amostras por endoscopia, uma vez que
facilmente se obtêm amostras impróprias para análise. As amostras gástricas revelaram
sinais de gastrite ligeira a moderada, caracterizada por infiltrações linfoplasmocíticas,
acompanhados de outras lesões, como atrofia das estruturas glandulares e fibrose. Já as
amostras colónicas revelaram lesões de colite ligeira a moderada, caracterizadas por
infiltrações linfoplasmocíticas e eosinofílicas, num dos casos juntamente com congestão,
edema e fibrose da mucosa. É interessante observar que as lesões histológicas encontradas
apresentaram grande correlação com a presença e gravidade das lesões endoscópicas,
excepto no caso clínico 3, em que não foram observadas lesões endoscópicas a nível do
estômago e cólon, mas em que o exame histopatológico revelou gastrite e colite ligeiras. No
caso clínico 4, a amostra foi colhida por laparotomia, e o exame histopatológico revelou um
linfoma intestinal, caracterizado por uma infiltração jejunal difusa e transparietal por grandes
linfócitos granulares. Este achado é particularmente interessante dado o prévio diagnóstico
de enterite linfoplasmocítica efectuado cerca de 2 anos antes. De facto, o relatório
histopatológico da peça cirúrgica revelou que as regiões do intestino localizadas mais
distalmente ao local da ruptura (e do tumor) apresentavam uma infiltração plasmocítica,
acompanhada de alguns grandes linfócitos granulares. É possível que o primeiro diagnóstico
estivesse errado, e que de facto o paciente já apresentasse um linfoma na altura do primeiro
diagnóstico. O facto de o diagnóstico ter sido realizado por endoscopia e biopsia torna este
facto bastante provável, uma vez que devido às limitações da endoscopia, não é possível
observar o jejuno (local onde se encontrava o tumor) e recolher amostras de mucosa desta
localização. O facto de se poderem encontrar infiltrações inflamatórias (e não neoplásicas)
ao nível do intestino de animais com neoplasias intestinais também pode ter contribuído
para um diagnóstico errado (Cave, 2003; German, 2005; Kleinschmidt et al., 2006; Willard et
al., 2002). Também é possível que mesmo que tenham sido colhidas amostras neoplásicas,
98
Enterite Linfoplasmocítica Canina
Observando o processo diagnóstico nos vários casos clínicos, pode-se observar que nem
todos os diagnósticos diferenciais foram eliminados. Esta é uma das maiores dificuldades no
diagnóstico desta doença, considerada idiopática e, como tal, com um diagnóstico de
exclusão. De facto, a enorme lista de diagnósticos diferenciais, aliada às dificuldades
económicas de muitos proprietários, torna difícil a realização de todos os testes necessários
para uma correcta eliminação dos vários diagnósticos diferenciais. Assim, embora a maior
parte dos possíveis diagnósticos tenha sido eliminada, não é possível afirmar com certeza
que estes casos se tratam verdadeiramente de uma enterite linfoplasmocítica idiopática.
As opções terapêuticas não variaram muito entre os diferentes casos clínicos, consistindo
inicialmente de antibioterapia com metronidazol, protectores gastrointestinais como
dismectita e fosfato de alumínio, suplementação vitamínica com cobalamina em caso de
deficiência nesta vitamina e alteração para uma dieta hipoalergénica. Dos dois casos que
começaram a terapêutica com metronidazol e maneio dietético, apenas um revelou melhora
da diarreia, embora continuasse com fezes moles. Nestes dois casos, os pacientes apenas
apresentaram cura sintomatológica quando se juntou prednisolona ao protocolo terapêutico.
No caso clínico 1, visto a perda de peso marcada e a hipoalbuminémia, decidiu-se começar
imediatamente a terapêutica com prednisolona, juntamente com os fármacos referidos
anteriormente e uma dieta caseira, terapia à qual o paciente respondeu bem. No caso
clínico 4, a terapêutica foi cirúrgica, e devido à decisão de eutanásia não se procedeu a
mais nenhum tratamento. Devido à instituição inicial de terapia dietética e terapia antibiótica
em dois casos, e terapia dietética, antibiótica e imunossupressora em outro, deixa de se
tornar possível a diferenciação entre casos de ARD, alergias ou intolerâncias alimentares e
IBD, uma vez que não é possível afirmar com certeza se foi um dos constituintes específicos
do protocolo terapêutico que provocou as melhoras clínicas observadas ou se foi realmente
a terapia imunossupressora a única responsável pelas melhoras observadas. A
diferenciação entre estas patologias torna-se ainda mais difícil de realizar quando os
99
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Como se pode observar pelos dados da Tabela 21, os três casos clínicos referidos
apresentavam pontuações no CIBDAI pré-tratamento de intensidade variável, incluindo IBD
ligeira, moderada e severa, sendo que após o tratamento (entenda-se final do tratamento
como a última data referida na descrição dos vários casos clínicos) todos os três casos
passaram para uma pontuação de doença clinicamente insignificante. Dado as pontuações
finais atribuídas, não é visível qualquer correlação entre as pontuações iniciais e finais do
CIBDAI, uma vez que mesmo na presença de pontuações iniciais bastante diferentes, todos
os casos regrediram para um estado de doença clinicamente insignificante. Por outro lado,
observando as conclusões dos exames endoscópicos e histopatológicos, é possível
observar uma correlação na gravidade atribuída a cada caso, sem grandes discrepâncias.
No entanto, quando se tenta comparar a gravidade clínica da doença com a gravidade
endoscópica ou histopatológica, observa-se que não existe grande correlação entre
resultados, uma vez que no caso clínico 2, de gravidade clínica ligeira, observa-se uma
gravidade endoscópica e histológica severa, enquanto que no caso clínico 3, de gravidade
clínica severa, observa-se uma gravidade endoscópica severa e histológica moderada, o
que suporta o descrito por McCann et al. (2007). Já no caso clínico 1, todos os resultados
apontam para uma gravidade moderada da doença. Em face destes resultados, e tendo em
conta a dificuldade em repetir os exames endoscópicos e histopatológicos, o CIBDAI poderá
ser utilizado de modo a realizar uma avaliação da gravidade clínica da doença, a qual se
pode traduzir na qualidade de vida do paciente, embora não possa ser utilizado para prever
ou monitorizar as lesões histopatológicas.
100
Enterite Linfoplasmocítica Canina
4. CONCLUSÃO
101
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
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114
Enterite Linfoplasmocítica Canina
115
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Vómito Regurgitação
Consciente Inconsciente
Fase preparatória Varia com a postura
Contracção abdominal Passiva
Pode conter bílis Nunca contém bílis
Alimento digerido ou não digerido Alimento não digerido
pH<6 pH>6
Não moldado Moldado
Se conter sangue, este é digerido ou não Sangue vivo
Cheiro acre/ácido Cheiro dos alimentos ingeridos
(adaptado de Willard, 2003, p.345)
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
Lesão Epitelial
• Mucosa Normal: Camada simples de epitélio colunar. Em cães o número normal de células
caliciformes é aproximadamente 3 por 100 enterócitos.
• Inflamação Ligeira: Atenuação, degeneração, vacuolação ou separação de áreas focais de
epitélio superficial.
• Inflamação Moderada: Alterações degenerativas mais marcadas do epitélio das vilosidades,
com perda focal de algum epitélio.
• Inflamação Severa: Ulceração extensa da superfície epitelial.
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Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Fibrose da Mucosa
• Mucosa Normal: Banda estreita de estroma separa as criptas, com até 1 a 2 fibroblastos de
largura.
• Inflamação Ligeira: Criptas separadas por uma banda de estroma, com até 5 fibroblastos em
largura.
• Inflamação Moderada: Criptas separadas por uma banda de estroma, com até 10 fibroblastos
de largura. As critas podem variar em largura, algumas sendo atróficas.
• Inflamação Severa: Criptas separadas por uma área extensa de matriz colagenosa, com mais
de 10 fibroblastos em largura. As criptas podem estar fibróticas ou perdidas e substituídas por
matriz fibrótica.
Linfócitos Intraepiteliais
• Mucosa Normal: Número normal em vilosidades, aproximadamente 5-10 por campo de
epitélio a 40x.
• Inflamação Ligeira: Aumento ligeiro no número de linfócitos intraepiteliais significa até 20-30
por campo de epitélio de vilosidades a 40x.
• Inflamação Moderada: Aproximadamente 30-50 linfócitos intraepiteliais por campo de epitélio
de vilosidades a 40x.
• Inflamação Severa: Aproximadamente 30-50 linfócitos intraepiteliais por campo de epitélio de
vilosidades a 40x. Estes podem estar agrupados e ocorrer a todos os níveis do epitélio.
118
Enterite Linfoplasmocítica Canina
119
Dissertação de Mestrado – Tiago Magalhães
Anexo 4 - Exemplo de Dieta Caseira para Cães Adultos com Diarreia Crónica
Nesta secção apresenta-se um exemplo de uma dieta para cães adultos com doença
gastrointestinal, fornecendo aproximadamente 400Kcal :
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Enterite Linfoplasmocítica Canina
Apetite
Atitude/Actividade
0 Normal
0 Normal
1 Ligeiramente diminuído
1 Ligeiramente diminuída
2 Moderadamente diminuído
2 Moderadamente diminuída
3 Severamente diminuído
3 Severamente diminuída
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