RDT v21n4 186-189
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Terapia sexual:
breve histórico e perspectivas atuais
Bárbara Braga de LucenaI, Carmita Helena Najjar AbdoII
Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
A intervenção de profissionais de diferentes áreas é necessária para a avaliação e o tratamento efetivos de indivíduos que sofrem por dis-
função sexual. O paradigma atual preconiza o modelo biopsicossocial para a compreensão e o tratamento dessas queixas. Contando com
mais de cinco décadas, desde o seu advento, a terapia sexual permanece viva e incorpora à sua prática importantes achados recentes da
Psicologia e da Medicina. O planejamento terapêutico deve ser elaborado após elucidação de fatores predisponentes, precipitadores e
mantenedores do problema. Apesar de apresentar e publicar resultados promissores, as intervenções psicoterápicas para as disfunções
sexuais devem ser mais estudadas a fim de preencherem os requisitos de uma prática baseada em evidências. O sucesso da terapia sexual
não se mensura a partir da frequência sexual ou das mudanças no tempo de latência ejaculatória e da rigidez peniana. Mais do que resgatar
a função sexual, interessa conseguir a minimização/supressão do sofrimento, o prazer e a satisfação sexual do paciente.
Nos últimos 50 anos, o interesse em medicina sexual e terapia conservadoras.3 Estar capacitado para identificar, tratar ou
sexual tem crescido significativamente. Mudanças no campo da encaminhar adequadamente pacientes com disfunção sexual
sexologia têm ocorrido nos paradigmas teóricos, metodológicos, torna-se indispensável na atividade clínica contemporânea.
diagnósticos e terapêuticos, visto que os problemas sexuais não
são mais atribuídos exclusivamente a conflitos inconscientes, CONTEXTO HISTÓRICO
adquiridos durante as etapas do desenvolvimento infantil.1 As
contribuições das diversas especialidades médicas, das teorias Até 1950, os conceitos psicanalíticos clássicos guiavam a
psicológicas modernas e do construcionismo social permitem compreensão e o tratamento da problemática sexual. Os sin-
visão mais ampla e integrada acerca das dificuldades sexuais. tomas sexuais na vida adulta eram entendidos como decor-
É reconhecido que a atividade sexual satisfatória depende rentes de conflitos inconscientes não resolvidos durante as
de saúde física e emocional, bem como da qualidade de vida.2 etapas do desenvolvimento infantil.3
Apesar disso, a prevalência de indivíduos insatisfeitos sexual- No final da década de 1950, a perspectiva behaviorista ga-
mente é alta, mesmo quando se consideram as estatísticas mais nhava ascendência. Masters e Johnson iniciaram seus estudos,
Psicóloga, mestre e doutoranda pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
I
Psiquiatra, professora livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Fundadora
I
e Coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP).
baseados em observações diretas da resposta sexual humana. elaboração do planejamento terapêutico. Idealmente, pro-
A partir dessas observações, dividiram a resposta sexual em fissionais de formações diferentes (exemplo: ginecologista,
etapas (excitação, platô, orgasmo e resolução), as quais apre- urologista, psiquiatra, psicólogo, fisioterapeuta) trabalham
sentam processos fisiológicos característicos. Para os autores, juntos para o bem comum do paciente.
a disfunção sexual seria uma resposta à ansiedade de desempe- Embora possa ser modificado de acordo com as demandas
nho. Assim, o tratamento deveria resultar na redução ou extin- que emergem durante os atendimentos, o planejamento tera-
ção da ansiedade, a fim de restaurar a função sexual saudável.4 pêutico é o norteador inicial do trabalho a ser desenvolvido. Nele,
Em 1958, Masters e Johnson utilizaram o termo terapia se- são especificados: a formulação diagnóstica, os objetivos a se-
xual (sex therapy) pela primeira vez em uma proposta de pes- rem alcançados e a conduta terapêutica com detalhamento dos
quisa submetida ao chanceler da Universidade de Washington. procedimentos e intervenções a serem realizadas. Ele é perso-
Esta documentação se perdeu, mas em publicação posterior, nalizado, não só de acordo com a disfunção sexual apresentada,
os autores mencionaram planos de “um programa de pesqui- mas respeitando o indivíduo em sua totalidade. Exemplificando:
sa clínica em psicoterapia específica para disfunção sexual”.5 o treino masturbatório é comprovadamente eficaz para comba-
Segundo alguns autores,6 o nascimento da terapia sexual está ter o transtorno do orgasmo feminino.11,12 Entretanto, não será
ligado à publicação do livro Inadequação Sexual Humana incluído, a princípio, no planejamento terapêutico de uma mu-
(Human Sexual Inadequacy, Masters e Johnson, 1970).7 lher que se recuse ou tenha restrições (de ordem moral, religiosa
Em 1974, a psiquiatra americana Helen Singer Kaplan publi- ou educacional) à prática masturbatória.
cou o livro “A nova terapia do sexo” (The new sex therapy),8 no qual
integrava o modelo psicanalítico à terapia sexual proposta por TERAPIA SEXUAL NA ATUALIDADE
Masters e Johnson. Para a autora, o tratamento da disfunção
sexual deveria ser planejado de acordo com a sua etiologia, pro- Atualmente, o termo terapia sexual diz respeito ao con-
pondo a distinção entre causas etiológicas recentes ou remotas. junto de intervenções, embasadas em diferentes perspectivas
Para as causas recentes, os exercícios comportamentais; para as teóricas, voltadas ao tratamento das dificuldades sexuais.
causas remotas, os métodos psicodinâmicos tradicionais. Geralmente segue os princípios das psicoterapias breves,
A partir de então, a etiologia das disfunções sexuais pas- com terapeuta e paciente focados em questões específicas
sou a ser considerada em termos binários: remota ou recente; relativas ao desempenho sexual, podendo ocorrer em atendi-
psicológica ou orgânica. Embora esta divisão tenha utilida- mentos individuais, de casal ou de grupo.
de clínica, ela não representa categorias excludentes entre si Ainda que não haja teoria única subjacente à terapia se-
nem pode ser considerada de forma isolada.9 xual e que profissionais das mais diversas escolas psicoterá-
picas possam ser terapeutas sexuais, alguns elementos são
COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA comuns às psicoterapias com foco nas disfunções sexuais:6,13
E PLANEJAMENTO TERAPÊUTICO • falam abertamente sobre sexo;
• geralmente incluem: psicoeducação, aconselhamento,
O paradigma atual, biopsicossocial, preconiza que a disfun- permissão sexual, treino de comunicação e assertividade,
ção sexual tem fatores predisponentes (anteriores à queixa), exercícios de exploração e conscientização corporal;
desencadeantes (“gatilhos” para seu surgimento) e mantenedo- • não se contrapõem às intervenções médicas, sendo com-
res (os quais fazem com que o problema perdure),3 haja vista binadas com estas;
que frequentemente os fatores que propiciam o surgimento de • raramente abordam apenas a queixa sexual principal (dis-
uma disfunção sexual não são os mesmos que a mantêm. função sexual específica), mas sim a experiência sexual
Assim, a avaliação da disfunção sexual deve abarcar: como um todo;
1. avaliação da função sexual, incluindo sentimentos, pensamen- • definem uma estratégia personalizada que pode envolver
tos e receptividade apresentados durante a atividade sexual; desde psicoeducação e aconselhamento básico até inter-
2. elucidação de possíveis comorbidades; venções mais especializadas, utilizando contribuições de
3. identificação das hipóteses etiológicas e fatores mantenedores; diversas escolas psicoterápicas.
4. identificação dos objetivos de tratamento e elaboração do
planejamento terapêutico; e A prática da terapia sexual requer do terapeuta postura
5. feedback claro e construtivo para o paciente acerca do tra- ativa e empática, conhecimento acerca da fisiologia da res-
balho a ser realizado.10 posta sexual, além de familiaridade com a variedade de abor-
dagens farmacológicas e psicoterápicas disponíveis.
Exame físico e dosagens hormonais são mandatórios,10 Há evidência de que, frente às demandas sexuais, indiví-
a fim de uma compreensão mais acurada da disfunção e duos com disfunção sexual respondem com ansiedade, afeto
negativo e expectativa de falha,14 confirmando a influência incluía biblioterapia, psicoeducação e exercícios de foco senso-
negativa da distração cognitiva ( foco atencional em estímu- rial ou aguardavam em lista de espera. O tratamento durou 10
los não excitatórios) durante a atividade sexual.15,16 Assim, na semanas e, ao final, os homens tratados reportaram melhora
atualidade, busca-se conhecer o conteúdo e entender o sig- significativa da função sexual (41,4% versus 12,5%). Para a ejacu-
nificado dos pensamentos que distraem os indivíduos com lação precoce, o estudo de Oguzhanoglu e cols.24 mostrou que a
disfunção sexual, a fim de contribuir para a sua reabilitação.17 terapia sexual é tão efetiva quanto 20 mg de fluoxetina, droga de
Monitoramento de pensamentos, reestruturação cognitiva e primeira linha para o tratamento desta disfunção.
treino de atenção durante a atividade sexual têm se mostrado Em se tratando de mulheres, a eficácia da terapia cogni-
eficazes no tratamento de todas as disfunções sexuais.18 tivo-comportamental tem sido relatada no tratamento de
todas as disfunções sexuais.18 A descoberta mais recente é a
Terapia sexual baseada em evidência eficácia da técnica de mindfulness — tipo de prática medita-
A prática da psicoterapia baseada em evidência é a inte- tiva que visa a aceitação e consciência do momento presente
gração da melhor evidência de pesquisa disponível com a sem julgamento — no tratamento de mulheres com transtor-
experiência clínica, no contexto das preferências e caracte- no do interesse/excitação sexual e da dor gênito-pélvica ou
rísticas do paciente.19 Em terapia sexual, ainda é insuficiente da penetração.25 Estudos com neuroimagem mostram que as
o número de pesquisas clínicas que testam suas intervenções pacientes submetidas a essa técnica têm redução da ativida-
psicoterápicas.18 Apesar disso, há resultados promissores. de cerebral relacionada à dor.26,27
Melnik e Abdo20 randomizaram pacientes em três grupos:
1. pacientes que realizaram terapia sexual de grupo temati- CONSIDERAÇÕES FINAIS
zada e receberam 50 mg de sildenafil,
2. pacientes que receberam 50 mg de sildenafil A evolução da terapia sexual acompanha o progresso das
3. pacientes que realizaram terapia sexual de grupo tematizada. pesquisas em sexologia. O uso dos inibidores da fosfodieste-
rase-5 (PDE-5) para tratamento da disfunção erétil e de ini-
As intervenções duraram seis meses e todos os grupos apre- bidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) para o
sentaram melhora. Entretanto, os grupos que receberam psico- tratamento da ejaculação precoce, a distinção da resposta
terapia tiveram escores pós-tratamento superiores aos do gru- sexual feminina e masculina, assim como o entendimento
po que recebeu apenas a medicação. Posteriormente, Abdo e biopsicossocial das disfunções sexuais são exemplos de ino-
cols.21 confirmaram que o tratamento combinado (sildenafil vações científicas que foram incorporadas à prática clínica.
e terapia sexual) é mais eficaz que essas intervenções isoladas. Entretanto, os objetivos da terapia sexual são diferentes da-
McCabe e cols.22 investigaram a eficácia da intervenção de 10 queles das pesquisas clínicas.
semanas de terapia cognitivo-comportamental online compara- O sucesso da terapia sexual não pode ser mensurado a par-
da com a lista de espera e constataram melhora significativa no tir da frequência sexual ou das mudanças no tempo de latência
grupo que participou da intervenção. No estudo de van Lankveld ejaculatória e da rigidez peniana. Mais do que o desempenho
e cols.,23 homens com disfunção erétil, ejaculação precoce e de- sexual, interessa a expressão subjetiva da sexualidade. Mais do
sejo sexual hipoativo, bem como suas parceiras, foram rando- que resgatar a função sexual, interessa a minimização/supres-
mizados para uma intervenção cognitiva comportamental que são do sofrimento, o prazer e a satisfação sexual do paciente.
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