Algumas Notas Genealógicas (SP e MA) - Livro de Família

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NOTAS GENEALÓGICAS

LIVRO D E FAMILIA

Portugal—Hespanh a— Flandres -Probante

B RAZI L

SÉCULOS X V I-X IX

Scribitur ad narrandum, et
etiam ad probandum.

TYP. BARUELi, PA.TJPERIO S c G03VEP=-A-JSTP3:i-A.

1886.
Corona senum lilii liliorum: et gloria
filiorum patres eorum.
Livro dos Provérbios,
XVII, 6.

Organisando estas notas genealógicas, para que


conheçam e honrem sua ascendenda, não é men proposito
excitar-lhes no animo vaidades aristocráticas. A nobreza,
como . instituição politica, deixou certamente de existir, por
1 força da transformação social no século X I X ; nem por isso,
porem, vale menos hoje do qne em séculos anteriores a
historia de uma familia, visto como, mesmo nesta epocha de j
anémasis moral, em que o egoismo enleia os incentivos a j
orandes energias,
o O
um nome ou uma recordação podem, por |j
ventura, ser ainda origem de illustres feitos, além de affir- I
marem quanto ao passado c de manterem para o futuro, j
4(C O
graças
° a Deus, a bemaventurança da legitimidade.
7
---------------
IV

A critica vilan ha de esforçar-se por diminuir o j


valor deste estudo, usando até da arma do ridiculo ; des- |
prezem, porem, esses golpes, que só aos mesmos que os i
vibram podem ferir. E, entretanto, aproveitem do passado
o que puder ser modelo para boas obras, e, ainda uma vez
e sempre, dòem graças a Deus por poderem retroceder na
ordem dos tempos, seguindo ininterrompidamente uma cadéa
de gerações legitimas.

Por effeito da transformação social neste século, j


ninguem hoje pode fazer nobres, embora o governo nomeie
barões, viscondes, condes, marquezes, duques, ou mesmo
camaristas, voadores, c mais officiaes da casa imperial. Já
tam bém em séculos idos, como o attcsta o V isconde de
B onald , em sua obra Theorie du pouvoir politique et religieux
dans la société civile, foi preciso decidir « que o rei podia
nomear alguém conde ou marques sem todavia fazél-o nobre »;
decisão que prova que, já naquellc tempo, a nobreza não
era distincção senão porque era profissão distincta das das
outras classes, c hoje, portanto, com maioria de razão, deve
prevalecer o principio fundamental assertivo daquella decisão.
Evidentemente, a qualidade nobiliária não pode
resultar de um artificio ; sobretudo, se os habitos da vida e
as respectivas genealogias não servem de alicerce a uma tal
edificação. Também, se a nobreza antiga, cessando embora
como instituição politica, não deixou ainda de ser um facto
honroso com todas as suas consequências c dependendas,
V

deve-o a natureza das cousas, contra a qual todas as revo­


luções, e mesmo todos os actos legislativos, tem sido e são
impotentes.
Ninguem, por isso, até hoje tem cessado de apreciar
em muito a genealogia verdadeira das familias; e é de tal
valor social que não ha quem, não a podendo ter verdadeira,
não deseje uma qualquer, ainda que fabricada cm contrario
a todos os documentos, e com pasmo geral de contemporaneos
que lhe conhecem a origem ou a filiação.

Mas, mesmo as genealogias verdadeiras são sem valor


algum social, quando não são respeitadas pelos mesmos que
de taes gerações se gloriam. Ora, o maior respeito aos
antepassados sera a constante pratica das virtudes, quer na
familia, quer na sociedade. Uma familia, que, por sua
disciplina, nunca procurando deleites nas veredas dos impios,
souber honrar os antepassados, será sempre nobre, e nobre
chegará á posteridade — mesmo atravez das coieras do odio
ou dos achincalhes da estulticia. Ao mesmo passo que, se
não basta o titulo honorifico para fazer o nobre, também
não basta a genealogia, sem as correspondentes virtudes e
honorificencias, para continuar a nobreza.

Degenerant homines vitiis, fluntque minores:


Exaltat virtus, nobilitatque genus.
VI

Este livro é um simples canhenho cia familia. Se


estranhos o lerem, considerem somente na intenção que o
dictou. Quero que meus filhos amem a Deus sobre todas
as cousas, a fim de que saibam praticar as virtudes, e possam
assim perpetuar na prole a legitimidade, sob todas as
relações da vida. h t filiis suis iignoscituv 111. ( E c c l e s ia s t ic o ,
X I, 3 0 .)

Sejam todos amparados com a Divina Graça.

S. Paulo, 2 de Fevereiro de 1886.


«i

Julguei conveniente preceder de alguns traços histoiicos


do Brazil cm geral, e particularmente da capitania de^ »S.
Vicente e S. Paulo, c da do Maranhão, as notas genealógicas
que são o principal motivo deste livro. Esses traços historicos
servem de algum modo para o esclarecimento das notas
genealógicas e" das pessoas que ncllas figuram.

Relativamente ás datas, são as que eneontiei nas


chronicas. E \ porém, preciso não esquecer que ate o dia^ 4
de Novembro de 1582 dominava o calendario Juliano, assim
denominado por ser reforma do imperador Julio Cesar no
anuo 46 antes de Jesus Christo. Comquanto fosse reforma
i}
necessaria, e applaudida como perfeita durante uma serie do
séculos, verificou-se no correr dos tempos que, fixando Julio
Cesar o anuo solar em 365 dias e 6 horas, havia um
accrescimo de 11 minutos 10 segundos 4/ „„ o que produzia
a diffciença de um dia inteiro no espaço de cada lo t)
annos. Este erro tinha causado grande pertnrhaçao entre
a ordem das festas e a das estações; de tal modo que no
século XVI os dias e os mexes estavam retardados dez dias
inteiros sobre a epoclia dos movimentos do sol e da lua.
O papa Crcgorio X I 11 em 1 5 Hl reformou esse erro,
sentindo os conselhos do astronoino italiano Euiz L ilio; e, a
T ■" o
*r»

i
V
?

V III

fim de supprimir o já referido retardamento, foi ordenado


que o dia seguinte ao 4 de Novembro de 1582 seria o 15
do mesmo mez. Para que não se reproduzisse o mesmo
facto do retardamento, foi também determinado que dahi em
diante seriam supprimidos tres bissextos no espaço de 400
annos, em todos os annos seculares cujo numero denominador
não fosse divisivel por 400. Assim, 1600 foi bissexto; não
o foram 1700, 1800, e também não o será 1 9 0 0 ; mas, o
anuo secular 2000 o será.
No século X V I o retardamento, resultante do calen­
dario Juliano, era de dez dias inteiros. Hoje, no século X IX ,
ó de doze dias, como se vê do systema das datas usadas
entre os christãos do rito grego ( comprehendidos os R ussos)
que até agora não aceitaram a reforma Gregoriana: não
imitando elles aos Inglezes que, depois de mais de século e
meio, resolveram aceital-a em 1752, mandando considerar 14
de Setembro o dia 3 desse mez segundo o calendario
Juliano ; os christãos do rito grego são por isso forçados,
para se entenderem com o resto do mundo civilisado, a
usar dos dous calendarios, escrevendo duas d a ta s: a do
calendario Juliano é denominada, por accrescimo, velho estijlo;
a do calendario Gregoriano, novo estijlo.
No exame dos factos historicos é indispensável
conhecer a variedade e a alteração successiva dos calendarios;
os que os ignoram, são induzidos a muitos e graves erros,
por não poderem conciliar as datas de acontecimentos,
durante m n só e mesmo anuo, em paizes e povos regidos
/ por calendarios diversos, ou por ser-lhes impossivel comparar
as datas de factos em epochas distantes, tendo tido cada
uma dessas epochas o seu calendario.

Quando, no correr as paginas relativas á genealogia,


é citada a Revista do Instituto Historico, Geographico e
Ethnographico do B ra zil, entenda-se que ó referencia aé
IX

N o b il ia r c h ia P Genealogia das principaes familias


a u lista n a ,
de S. Paulo, colligida pelas infatigáveis diligencias do
distincto paulista P ed r o T aqdes d e A lm eida P aes L e m e , e
publicada naquella Revista, desde 1869.
E possivel que, na mesma Revista, existam por
ventura outros trabalhos que mais esclareçam ou ampliem a
mencionada genealogia. Em todo o caso, será util estar
prevenido contra trabalhos novos, quasi sempre feitos no
intuito de apagar maculas, quando não o de fabricar alguma
confusão na legitimidade das gerações. 0 Instituto Historico
tem-se prestado a muitas dessas mystificações, no interesse
de socios, sob o pretexto de deixar liberdade a pretensos
investigadores das chronicas, ficando embora salva a contes­
tação, que, pela natureza do assumpto ( a filiaçao espúria),
nunca apparece.

Não sendo este um livro de historia, nem também


uma genealogia, propriamente taes, nao é licita a censura por
insufdciencia, quer sob o ponto de vista historico, quer sob
o ponto de vista genealógico. O plano da obra abrange
somente uma determinada successão de gerações legitimas,
cm linha recta, sem cogitar dos ramos collatcracs, salvo paia
algum esclarecimento rclativamentc ao tempo e as pessoas
que então mais figuraram. E o titulo do livro demonstra
melhor aquelle modesto plano, assas justificado na execução.

m
4

t
V
c
PARTE HISTORICA
.... A palavra nação representa
uma itléa complexa. Aggregação de
homens ligados por certas condições,
todas as sociedades humanas se dis­
tinguem entre si por caracteres, que
determinam a existência individual
desses corpos moraes Silo elles
raça - a lingua — o territorio.
Onde falta a filiação das grandes
familias humanas, suppõe-se ficar ser­
vindo de laço entre os homens de
epoclms diversas a semelhança dc
lingua, e o haverem nascido dchaixo
do mesmo ecu, cultivado os mesmos
campos, vertido o sangue na defesa
da patria commum.
Todavia estes caracteres não
têm um valor real seuao a luz historica.

AIU-; x a M ) 1! K I I E ito it n a n o , 1 litfo ri<f


.hz rortmmi, Illtroducção.

r £*
CAP IT UL O P R I M E I R O

PROPHECIAS
Sciant, e t recogitent, et intelligant, quia manus
Domini fecit hoc,
Isaiah, XLI, 20.

Or, les habitants de I'Amerique du Sud avaient,


à 1'époque de ia découverte, une tradition suivant
laquelle leur empire devait être conquis p a r les
blancs.
J. GaüME, L'Hi&toire de la societe
domestique, II, 3, 2', referindo-se ft A.
Ui.iLÒA, G. Juan, e outros.

0 Bible, livre divin, vous resplendissez au-dessus


de la poussiére de tous les siè c le s; vous ê te s la
vie morale des peuples, tous vous rendent tém oignage.
Vous mettez á notre portee, et dans la mesure oil
il le faut, les verités éternelles qui sont en Dieu.
M. Gain et, L a Bible sans la Bible,
III in fin e: 0Ill'll liiOHUiflOiltftl.

o padre A ntonio V ie ir a , da Companhia de Jesus,


famoso por suas virtudes e por sua vastissima illustraçao, e,
para nós, mais ainda pelos immensos serviços prestados a
causa da evangelisação no Estado do Maranhão, entendeu
com • outros escriptorcs que o descobrimento da America
septentrional por Christovam Colombo e seus castelhanos e
o da America meridional por Pedro Alvares Cabral e seus
portugue 7.es, nas faces dos dous continentes voltadas para a
2 —

Europa e a Africa, estavam prophetisados nos Livros Sagrados,


particularmente no das propliecias do T s a t a s quanto a America
meridional, de terra Australi.
A obra, cm qne o padre A ntonio V ie ir a compara c
aproxima os tempos para patentear a realisação das propliecias,
tem o imponente titulo — Historia do faturo: — obra que
merece a leitura dos doutos, c não a terá certamente
dos ignorantes, desde qne, ao abrirem as paginas^ do nvio,
depararem-se-lhes textos latinos das Sagradas Escripturas.
O grande escriptor refere « varios lugares dos Prophetas
que os expositores modernos entendem dos antipodas e
das conquistas de Portugal c.
Ao principio, houve em nos a idea de transei evei
iiitcgralmente esse capitulo da obra, desde o n. 253 até
309? Mas, seria longa tal transcripção; e, demais, poderia
accrescentar motivos para a critica leviana, no falso supposto
de querermos ligar ás notas genealógicas da família essas
propliecias. Ainda que é muito certo que « todos os caminhos
do homem estão patentes aos olhos do Senhor, o qual pesa
os espirites . Onwes vim hominis patent oculis sms: spirituum
ponderator est Dominus ( * ). E não é menos certo, como
o escreveu S anto A gostinho, que « a Providencia Divina
governa toda a série de gerações, desde Adam ato ao fim
dos séculos, figurando todas essas gerações um só homem
mie, da infância á velhice, completa sua carreira no tempo
passando por todas as edades k
0 padre A ntonio \ i e i r a , depois de demonstrar com
os Psalmos, LX1V, G, 7, <S, 9 e 10, a prophecia de D avid
que, nos séculos XV e XVI, se cumprio, da vocação dos
"cntios, de todas as nações e de todas as ilhas, ainda as
mais remotas e desconhecidas, isto é, das conquistas na Asia
e ilhas, e das descobertas na America e ilhas, cita os
Canticos de S alamão, IV, 13, 14, 15 e 16, e VII, 13,
para fixar o verdadeiro sentido dos Psalmos, apoiando-sc em

(*) P rovérbios, XVI, 2.


— 3 —

S. que assim os interpretou : Quid per mandi a


G re g o rio ,
goram, herbam scilicet medicinalem, et odoriferam, nisi virtus
'perfectorum intelligitur ? qui dum imperfectorum infirmitatibus
medentur in fide, quam praclicant in portis nostris, Ecclesia?
verè medici esse comprobantur. « Com o cheiro destas
mandragoras, e com a doutrina destes pregadores, foi que
ajuntou para seu Esposo os factos novos aos velhos: assim
o interpretam os S e t e n t a : Nova et vetera servavi tibi,
porque aos christãos antigos, que eram os da Europa, ajuntou
a Egrcja estes novos, que são os da nova gente, que se
dcscobrio no Oriente c no Occidente, que são as portas de
que falia a Esposa: in portis nostris. E aecresccnta a
opinião de outros cscriptores, citados por C o r n e l i o a L a p id e .
Nonnulli per nova opinantur hic notari novi Orbis inventionem,
et conversionem ad Christum: novus enim hic Orbis continet
Peruanos. Mexicanos, Brasilios, et Chilenses; est demidwm.
totius Orbis. Sic in India Orientali... propagatur fides ad
Japones,... Chinenses, Molucenses, et Ceilanos. « De maneira
que os fruetos novos, que a Egreja, por meio do cheiro destas
mandragoras medicinaes e odoriferas ajuntou aos velhos c
antigos, são os do Peru, c Mexico, do Brazil, e Chile, e os
do Japão, e China, das Molueas, e Ceylão; uns nas portas
do Oriente, outros nas do Occidente : Mandragorcv dederunt
odorem suum. Parece que estavam esquecidos; mas na o
estavam senão guardados para este tempo, servavi. »
Ainda o demonstra com S a la m ã o , Cânticos, A III, b
e 9: Soror nostra parva, et ubera non habet: ejuicl faciemus
sorori nostra> in die quando alloquenda est ? S i murus est
aedificemus super eum propugnacula argentea : si ostium. est,
compingamus illud tabulis cedrinis. «. Quem não _admirara
nesta resposta os altissimos conselhos da Sabedoria e Pro
vidência Divina? Dispoz Deus desde a creação do mundo
que estas terras, assim por fóra como por dentro, fossem
enriquecidas de cousas preciosíssimas, para que o interesse
dos homens facilitasse as difficuldades, que sem elle seriam
impossíveis de vencer. Pela prata se entendem as minas,

. /
2 —

Europa c a Africa, estavam proplietisados nos Livros Sagrados,


particularmente no das propliecias de L a i a s quanto a America
meridional, de terra A astral).
A obra, em que o padre A ntonio V i e i r a compara e
aproxima os tempos para patentear a rcalisação das propliecias,
tem o imponente titulo - H i s to r ia do f a t u r o : - obra que
merece a leitura dos doutos, e não a tora certamente
dos ignorantes, desde que, ao abrirem as p agum do livro,
depararem-sc-lhes textos latinos das Sagradas Escripturas.
o errande escriptor refere « vários lugares dos Prophetas
.pie os expositores modernos entendem dos antipodas c
das conquistas de Portugal /.
Ao principio, houve em nós a idéa de transei evei
integral mente esse capitulo da obra, desde o n. 253 ate
c 3,09? Mas, seria longa tal transcripeão; e, demais, poderia
accrescentar motivos para a critica leviana, no falso supposto
de querermos ligar ás notas genealógicas da familia essas
propliecias. Ainda que 6 muito certo que « todos os caminhos
do homem estão patentes aos olhos do Senhor, o qual pesa
os espiritos . Omnes vite hominis patent oculis suis: spirituum
ponderator est Vominus ( * ). E não 6 menos certo, como
o escreveu S anto A gostinho , que « a Providencia Divina
governa toda a série de gerações, desde Acham até ao fim
dos séculos, figurando todas essas gerações um só homem
(lue, da infanda á velhice, completa sua carreira no tempo
passando por todas as edades k
0 padre A ntonio V ieira , depois de demonstrar com
os Psalmos, L X 1Y , 6, 7, S, 9 e 1 0 , a prophecia de D avid
que, nos séculos XV e XVI, se eumprio, da vocação dos
o-entios, de todas as nações e de todas as ilhas, ainda as
mais remotas e desconhecidas, isto o, das conquistas na Asia
<> ilhas, e das descobertas na America c ilhas, cita os
Cânticos de S alamão , I \ , 13, 14, 15 e 16, e VII, 13,
para fixar o verdadeiro sentido dos Psalmos, apoiando-se em

(* ) P rovérbios , XVI, 2.

N
S. quo assim os interpretou : Quid pier mandra-
G re g o rio ,
goram, herbam scilicet medicinalem, et odoriferam, visi virtus
perfectorum intelligitur ? qui dum imperfectorum infirmitatibus
medentur in fide, quam pradicant in portis vostris, Ecclesia>
verb medici esse comprobantur. « Com o cheiro destas
mandragoras, e com a doutrina destes pregadores, foi que
ajuntou para seu Esposo os factos novos aos velhos: assim
o interpretam os S e t e n t a : Nova et vetera servavi tibi;
porque aos christãos antigos, que eram os da Europa, ajuntou
a Egreja estes novos, que são os da nova gente, que se
descobrio no Oriente c no Occidente, que são as portas de
que falia a Esposa: in portis nostris. » E accrescenta a
opinião de outros escriptores, citados por C o r n e l i o a L a p i d e :
N onnulli per nova opinantur hic notari novi Orbis inventionem,
et conversionem ad Christum: novus enim hic Orbis continet
Peruanos. Mexicanos, Prasilios, et Chilenses; est demidivm
totius Orbis. Sic in India Orientali... propagatur fides ad
Japones,... Chinenses, Molucenses, et Ceilanos. « De maneira
que os fructos novos, que a Egreja, por meio do cheiro destas
mandragoras mcdicinaes e odoriferas ajuntou aos velhos e
antigos, são os do Peru, e Mexico, do Brazil, e Chile, e os
do Japão, e China, das Molueas, e Ccylão; uns nas portas
do Oriente, outros nas do Occidente : Mandragora; dederant
odorem suum. Parece que estavam esquecidos; mas não
estavam senão guardados para este tempo, servavi. »
Ainda o demonstra com S a la m ã o , Canticos, VIII,
e 9: Soror nostra parva, et ubera non habet: quid faciemus
sorori nostra: in die quando cdloquenda est ? S i murus est,
aedificemus super eum propugnacula argentea : si ostium est,
compingamus illud tabulis cedrinis. « Quem não admirará
nesta resposta os altissimos conselhos da Sabedoria c P ro­
videncia Divina ? Dispoz Deus desde a creação do mundo
que estas terras, assim por fora como por dentro, fossem
enriquecidas de cousas preciosissimas, para que o interesse
dos homens facilitasse as difficuldades, que sem elle seriam
impossiveis de vencer. Pela prata se entendem as minas,
4

c pelos cedros odoriferos as plantas preciosas;


o„e essas terras têm em suas entranhas, e as plantas
odoriferas e preciosas, que nellas nascem, serão os .netos e
incentivos para dispêr o interesse humano a vencei to ,
essas difficuldades, e abrir e franquear essas portas, e ass.m
foi porque a prata, o ouro, os robins, os diamante-, as
esmeraldas, que aqucllas terras criam c escondem em suas
entranhas, e as aquilas, os calambticos, o pau-bra/il, o viole ,
o l a n o , a canela, o cravo, c a pimenta, que nellas nascem,
foram os incentivos do interesse tao poderoso com os homens,
que facilitaram os perigos e os trabalhos na navegaçao e
conquista de umas e outras Í n d i a s s e n d o certo que, se
Ideas com summa Providencia não enriquecera ele todos estes
thesouros aqucllas terras, não hastaria só o zelo e amor da
Religião para introduzir nellas a fé. »
Passa, depois, o padre A ntonio V ie ir a a lidar com
as propliecias de Isaias.
Na propliecia X L IX , 12, Ecce isti de longe venient,
et ecce Uh ab Aquilone et m ari, et isti de terra Australi,
comparada o liarmonisada com a LX, 8, 9 c 10, reconhece
clle manifesta referencia ás índias Occidentaes, e isso de
accordo com o já citado C o r n e l i o , B ozio,^ A l d r o y a n d o e
outros. « Chama o Propheta ás índias Occidentaes i l h a s :
Ale m ini Insula• expectant. Porque todas aqucllas vastissimas
terras, emquanto se tem descoberto, estão rodeadas de mai,
e bastava para se chamarem assim a immensidade dos
mares que as dividem do mundo antigo; alem de que estas
terras no principio eram chamadas com o nome de Antilhas,
como se lè na historia de seu descobrimento: as nuvens
que voam a estas terras para as fertilizar, Qai sunt isti, qui
ut nubes volant, são os pregadores do Evangelho, levados do
vento pelo mar (*) como nuvens; e chamam-se também
pombas, E t sicut columbae ad fenestras suas, porque levam

i*) Confiram-se, no mesmo I s a i a s , VIII, 7, 8, 9 e 10, XI, 11,


14 e 16' audite universal procul terra’; ab insidis maris; quatitor
plagis terree; volabunt per mare; et erit via residuo populo meo.

«
5

estas nuvens a agua do baptismo sobre que desceu o Espirito-


Santo em figura de pomba, que são os dous termos que
desde o principio do mundo andaram sempre juntos na
significação do baptism o: Spiritus D om ini ferebatur super
aquas ( G e n e s is , I, 3 ); N isi quis renatus f uerit ex aqua et
Spiritu Sancto ( S. J oão, III, 3). Mas, o mesmo Bozio e
A l d r o v a n d o ainda advertiram, no nome e semelhança da
pomba, outra propriedade mais aguda, tirada do descobrimento
feito por C h r is to v a m C o lo m b o ; e dizem aquellcs escriptores
que a isto alludio o Propheta, chamando columbas, ou
Columbos, a todos os que seguem aquella mesma derrota e
navegação : Nomine co lu m b as alludit ad C h r is to p h o r u m C o ­
lum bum , qui nobis iter ad illas oras prim us aperuit (*). Sem
fallar no muito ouro, muita prata, e muitos filhos para a
Egreja, e tudo de muito longe : E t adducam filios tuos de
longe, argentum eorum, et aurum eorum cum eis.»
Q uanta propriedade em todos esses textos, para
affirmar o pensamento do padre A ntonio \ ie ir a !
E mais, examinando o mesmo I s a ia s , X L I, 17, 18,
19 e 2 0 , o padre A n to n io \ i e i r a escreveu que « S. C y r i l l o ,
S . J e r o n y m o , P r o c o p io c T h e o d u r e t o entendem estes textos
da conversão das gentilidades, que Deus havia de converter
por meio da pregação do Evangelho, mas não disseram que
gentes estas fossem, ou houvessem de ser, porque às não
conheciam; porém o j á citado C o r n e l i o , depois de C.
A q jja v iv a , disse que essa prophecia se cumprio, e está cum­
prindo no Japão, no Brazil, na China: Hoc etiam hodie in
Japone, Brasilia, China, aliisque Indiarum provinciis impleri
magna Icetitid conspicimus. »
Com referenda ao Brazil, e em particular ao M a­
ranhão, o padre A ntonio V ie ir a cita e transcreve egualmente
de I sa ias , X V III, os versiculos 1 e 2. E ’, porém, certo que
o capitulo inteiro tem-lhes applicação,
(*) Não só o nome Colombo como também o Christovam
( CiiiusTOPiiOROS, em grego, significando o porta-Christo) exprimem perfeita
e completamente a prophecia de Isaias, LX, 8, 9 e 10.

t
— G

( Trabalharam sempre muito os ^


i n vnrfladoiva explicação, c applicaç.io
l101' acharem * uom podiam atinar com cila,
texto; mas nem atinai a , - 1 nem das gentes,
porque não t i v e r a n ^ ü e m nem modern0s
de que fadava com 0 entendimento da prophecia,
acertaram em connnum l0 h fé daquellas
‘1>“ “ r i t « . v T oüc u lti lm e n te I co-
terras, e gentes hmib q \{ cJ ohúmcnlo dos antipodas;
nhcccnun no mmu • e pvoplicdade, que isso quer
e notaram alguns i , ’ conculcatam. Gente
dizer a cncrg.a da palavra, M ç,c ta, dc
• i levei ,-,/>< nornue os antípodas, que
trazemos1 debaixo dos pés, e que os
if as clicando mais dc perto á gente, c terra,
pizamos ( ), lit > ^ e ontende a propliccia, também os
ou província, de que ■■ sentido proprio,
modernos não - c r aram ate ao0 .a ^ ^ havcmos dc
germano, c natural deli, , " g rcecbido de pessoa
; l : : ^ d ' ’ d r s m Í r : i r E síriptnras, que, havendo visto as gentes,

.........
do bispo A írgiho, diocesano >< *iii0 (só depois foi bispo) affir-
Austria. Nao h;i dm ida que l >a' homens sob a terra, outro sol e
inav*N^c que havia outro mundo ) ou <■ é Or,0 de S Bonifacio, o
w cs.» * « • • * » a s c e s tj* --so
r apa Zacliarias condeannou. Os . } ie dos europeus ; tinham
mesma1 lua. Onde, pois, o erro attribuido á * » ?
,p , C \ gostimio tem sido accnsado de negar a existência
ram bun ■; ‘ acCusacâo sem fundamento. S. Agostinho
dos antípodas. L , 1’oitin, u , *u la . m s duvidava do que asse-
sustentou sempre que a te < ^ ‘ . .tre os quacs Cícero , no Sonho
voravam os philosophos o os ■’ zoua austral temperada eram de
de Scipiõo, que « os que n 0,,1,-im * dc commuin com a humanidade
uma espccio differente, e nada t m l i a i r ‘‘V T t T X essa questão suscitada
então conhecida», nihá cu, ‘ IX; dizia elle, e.v Adam sunt,
Im sua Cidade de ^ faManUir> nulla ratione
,7 homines sin , .... / homens, devem ser descendentes de Adao; nao
i T r ^ o ‘imra acreditar nessa gente de especie differente como antípodas.
Vale a pena lôr Ch. Bartueee.mv, Er rears et
J, no capitulo soi, O titulo L W j o e VivgiU et les anttpodes. I anz, 18 m.

c
7

l as terras, e navegado as aguas, de que íalla este


texto, acabou de o entender, e verdadeiramente o entendeu
como veremos, e verão melhor, os que tiverem lido as
exposições antigas e modernas delle.
« C ornelio teve para si, que falia o Propheta de
Ethiopia e do Preste João : mas Ethiopia não esta alem de
Ethiopia, como diz o texto. M a eeen d a , com outros que
cita, entende dos Chinas e Japões... J oseph da C osta , tão
versado nas Escripturas como na Geographia, c na Historia
Natural das índias Occidentaes, E ldovico E egionexse , I homaz
B ozio , A yas , M ontano , E ederico , E umnio , M artem d ee R io ,
e outros dizem, e bem, que fallou I saias da America, e novo
mundo; e se prova fácil e claramente. Porque esta terra,
que descreve o Propheta, esta além da Ethiopia: Iva n s
flumina y Ethiopia?, c é terra depois da qual não ha outra :
Aci populum post quem non est alius. Estes dons sinacs tão
manifestos só sc podem verificar na America, que é a terra,
que fica da outra banda da Ethiopia, e que não tem depois
de si outra terra senão o vastissimo mar do sul. Mas,
porque I saias nesta sua descripção põe tantos sinacs par­
ticulares, e tantas diflferenças iudividuantes, que claramente
estão mostrando, que não falia de toda a America, ou mundo
novo em commum, senão de alguma provincia particular
delle; c os authores allegados nos na o dizem que provincia
esta seja, será necessário que nós o digamos, e isso é o que
ao'ora
o
liei de mostrar.
« Digo primeiramente, que o texto de I saias se
entende do Brazil, porque o Brazil é a terra, que direita-
mente esta alem, e da outra banda da Ethiopia, como diz
o Propheta: Quae est trans flum ina y Ethiopia?; ou como
verte e commenta V atab lo : Terra, quae est sita nitra
JEthiopiam: (quae yEthiopia, scatet fluminibus) : e o hebreu
ao pé da letra tem de trans flum ina yEthiopiae. A qual
palavra (d e trans), como notou M aluenda , é hebraismo,
semelhante ao da nossa lingua. Os hebreus dizem (de trans)
e nós dizemos detraz: e assim é na Geographia destasi

f
ir

V
/
8

terras, que cm respeito do Jerusalém, considerado o ciiculo


que fax o globo terrestre, o Brazil fica immediatamente
detraz de Ethiopia.
«Diz mais o Propheta, que a gente desta terra e
terrivcl • A d populum terribilem; e não pode haver gente
mais terrivcl entre todas as que tòm figura humana, que
aquclla (quaes são os B razis) que, não sé matam seus
inimio-os, mas depois de mortos os despedaçam, e os comem,
e os° assam, e os cozem a este fim, sendo as proprias mu­
lheres as que guizain, e convidam hospedes a se regalarem
com estas inhumanas iguarias; e assim se vio muitas vezes
naquellas guerras, que, estando cercados os barbaros, subiam
as mulheres ás trincheiras, ou palizadas, de que fazem os
seus muros, e mostravam aos nossos as panelas, cm que os
haviam de cozinhar. Fazem depois suas frautas dos mesmos
ossos humanos, que tangem, e trazem na bocca, sem nenhum
horror: e é estylo e nobreza entre elles não poderem tomar
nome senão depois de quebrarem a cabeça a algum inimigo,
ainda que seja a alguma caveira desenterrada, com outras
ceremonias cruéis, barbaras, e verdadeiramente terríveis : em
lugar de e/eutem conculcatum, lò o Siro gentem depilatam .
gente sem pelo; taes são também os Brazis, que pela maior
parte não tòm barba, c no peito e pelo corpo tem a pelle
liza c sem eabcllo, com grande differença dos Europeos.
Estes são os sinaes communs, que nos aponta o
Propheta daquella terra e gente; mas, porque assignala
miudamente outros mais particulares, e que não convem a
toda a gente e terra do Brazil, é outra vez necessario que
nós também declaremos a provincia, e a gente, em que elles
todos se verificam ; e esta gente, e esta provincia, mostra­
remos airora que é a que com toda a propriedade chamamos
M aranhão , que, por ser tão pouco conhecida, e menos
nomeada nos escriptores, não é muito que a falta de suas
noticias lhe tivesse até agora escurecido e divertido a honra

l
)

deste famoso oraculo do mais illustre Propheta, que tão


expressamente tinha fallado nesta gente. (*)
« Diz pois o Propheta, que são estes homens uma
gente, a quem os rios lhe roubaram a sua te rra : Cujus
diripuerunt jium iun terram ejus. E é admiravel a proprie­
dade desta differcnça, porque em toda aquella terra, em que
os rios são infinitos, e os maiores, e mais caudalosos do
mundo, quasi todos os campos estão alagados e cobertos de
agua doce, não se vendo, em muitas jornadas, mais que
bosques, palmares, e arvoredos altíssimos, todos com as raizes
e troncos mettidos na agua; sendo rarissimos os lugares,
por espaço de cento, duzentas, e mais legoas, cm que se
possa tomar porto, navegando-se sempre por entre arvores
espessissimas de uma, e outra parte, por ruas, travessas, e
praças de agua, que a natureza deixou descobertas, c des-
empedidas do arvoredo ; c, posto que estes alagadiços sejam
ordinarios cm toda aquella costa, ve-se este destroço, e roubo,
que os rios fizeram á terra, muito mais particularmente
naquelle vastissimo archipelago do rio chamado Orclhana, e
agora das Amazonas, cujas terras estão todas senhoreadas, e
afogadas das aguas, sendo muito contados, e muito estreitos
os sitios mais altos que cilas, c muito distantes uns dos
outros, cm que os indios possam assentar suas povoações,
vivendo por esta causa, não innnediatamente sobre a terra,
senão em casas levantadas sobre esteios a que chamam
■juntos, para que nas maiores enchentes passem as agnas por
baixo, bem assim como as mesmas arvores, qne tendo as
raizes, e troncos escondidos na agua, por cima delia se con­
servam, e apparccem, differindo só as arvores das casas, em
que umas são de ramos verdes, outras de palmas seccas.
(*) 0 padre Ivo d'Evreux, superior dos capuchinhos que vieram
de Pariz com Daniel de la Touche e Francisco liasilly, em 1612, para
firmar a colonia franceza no Maranhão, também entendeu que o Propheta
Is m a s e o Propheta S o i m i o m a s referiram-se ao Brazil, e particularmente
ao Maranhão. E’ O addendum á obra Viagem ao norte do Braz'd , 1613 —
1GU. . ^
Esta obra merece muita leitura ; com as notas do illustre F. D imz .
Traduzida pelo Dr. César Auousto Marques. Maranhão, 1874.

C
) I
/ >
J
10

« Desta sorte vivem os Nhengaibas, Guaianas, Ma-


maianás, c outras antigamente populosas gentes, de quem se
diz com propriedade que andam mais com as mãos, qne
com os pés, porque apenas dão passo, qne não seja com o
remo na mão, restituindo-lhes os rios a terra, que lhes
roubaram, nos fruetos agrestes das arvores de que se sus­
tentam, cuja colheita é muito limpa, porque cahem todos
na agua: e cm muita quantidade de tartarugas, e peixes-
bois,” que são os gados, que pastam naqucllcs campos, além
de outro pescado menor, e alguma caça de aves, e montai ia
de porcos, que nos mesmos lugares, sobre aguados entre os
lodos (' raizes das arvores, se seva nos fruetos delias ; c
nota o Propheta que não o rio, senão rios, os que isto fazem,
porque, ainda que o rio das Amazonas tenha fama clc tão
enorme grandeza, toda esta se compõe do concurso de muitos
outros rios, que todos desembocam nolle, ou junctamentc com
elle, communicando o confundindo em si as aguas, e como
unindo e conjurando as forças para este roubo, que fizeram
áquella terra: Cajus diripuerunt flum ina terram ejus.
/ Continua Tsai as a sua descripção, e diz, que os
habitadores desta provincia são gente arrancada, c despedaçada;
e sé o Dspirito-Santo poderá recopilar em duas palavras a
historia, e ultima fortuna daquella gente. Quando os portu-
guezes conquistaram as terras de Pernambuco, desenganados
os indios ( que eram mui valentes, e resistiram por muitos
annos ) que não podiam prevalecer contra as nossas armas,
uns defies se sugeitaram ficando em suas proprias terras ;
outros com mais generosa resolução, e determinados a na o
servir, se metteram pelo sertão, onde ficaram muitos; outros,
cahindo para a parte do mar, vieram saliir as terras do
Maranhão, e alli, como soldados tão exercitados com o mais
poderoso inimigo, fizeram facilmente a seus habitantes o que
nós lhes tínhamos feito a elles.
( Desta peregrinação e desta guerra se seguiram
naquella gente os dons effeitos, que assinala I saias , ficando
uma, e outra gente, arrancada c despedaçada: os vencedores

^I
i
11

arrancados, porque os tinham lançado de suas terras os poi-


tuguezes; e também despedaçados, assim porque foi am
ficando a pedaços em varios sitios, como porque depois da
victoria lhes foi necessário, para conservarem o violento
dominio, dividirem-se cm colonias, mui distantes uns dos
outros. Os vencidos também ficaram arrancados, porque os
Topinambás (que assim se chamavam os pernambucanos)
os arrancaram de suas patrias; e também, e com muito
maior razão despedaçados, porque, na o podendo resistir, muitos
dellcs fugiram em magotes pelos matos, e pelos rios, tomando
differentes caminhos, onde fizeram assento, não sem novos
inimigos que ainda mais os despedaçassem; assim que uns
e outros ficaram gente arrancada, e uns c outros gente
despedaçada: Gentem conculcatam, et dilaceratam.
< Conhecidos já peia fortuna os descreve o Propheta,
e muito particularmente pelo exercício c arte da navegaçao,
em que eram c são os Maranhões mui sinalados entre os
Índios, por serem elles, ou os primeiros inventores da sua
nautica, como gente nascida, c mais crcada na agua, que na
terra, ou ccrtamcntc porque com sua industria adiantaram
muito a rudeza das embarcações barbaras, de que os primeiros
usavam; tanto assim, que a principal naçao daquella terra,
tomando o nome da mesma arte de navegar, e das mesmas
embarcações, em que lá navegavam, se chamam Igar nanas,
porque as suas embarcações, que são as canoas, se chamam
na sua lingua h a r a , deste nome Igara derivaram a deno­
minação de Ig a r lianas, como se disséssemos— os nauticos, os
artifices, ou os senhores das nãos. Diz pois Isa.as, que esta
crente de que falia 6 um povo, Qui mittit m mare legatos,
% in vasis papyri super aquas : Que manda de uma parte
para outra seus negociantes em vasos de cascas de aivoies
sobre as aguas.
<( As palavras do Propheta todas tem mysterio, e
todas declaram muito a propriedade da gente de que falia.
Diz que as manda o povo, com quem concorda o relativo
qni- porque 6 gente que não tem reis, mas o mesmo povo,

y
/
— 12 —

e a mesma nação, é a que elege aquelles que lhes paiecem


de melhor talento, assim para os negocios da paz, como para
os da guerra; que tudo isso quer dizer a palavra legatos,
como se póde ver nos authores da lingua latina. Diz mais
que vão sobre as aguas cm vasos de cascas de arvores,
porque esta era a matéria c fabrica de suas embarcações.
Depois que tiveram uso do ferro, cavam os troncos das
arvores, e fazem de um só madeiro muito grandes canoas,
de que o author desta explicação vio alguma, que tinha
dezasete palmos de bocca, e cento de comprimento; mas
antes de terem ferro, despiam estes mesmos madeiros,
cujos troncos são muito altos, c direitos, e tirando-lhes as
cascas assim inteiras, delias formavam as suas embai cações .
c não faz duvida dizer o Propheta que estas embarcações
hiam ao m ar: Qui mittit in mare; porque, além de entrarem
com ellas pelo mar oceano, o mesmo archipelago,quedizemos
de agua doce, se chama na sua lingua por sua giandeza
mar, c daqui veio o nome que os portuguezeslhe puzeram
de Grão-Pará, ou Maranhão (*), o que tudo quer dizer, mar
grande, porque Pará significa mar.
« Do que temos dito até aqui ficara mais facil de
entender aquelle grande enigma do Propheta, que está nas
primeiras palavras deste texto: Ver terrae cymbalo alarum.
() qnal foi sempre o que maior trabalho deu aos interpretes,
c os obrigou a dizerem cousas mui violentas, e improprias,
como aquelles que fallavam a adevinhar, e não adevinhavam,
nem podiam. Os S e t e n t a Interpretes, em lugar de Terrae
cymbalo alarum, leram terrae navium alis; e uma, e outra
cousa significam as palavras de I s a ia s ; porque os nomes
hebreos, de que estas versões foram tiradas, tem ambas as
significações, e querem dizer : « Ai da terra que tem navios
com azas; ou ai da terra, que tem sinos com azas; se são
sinos, como são navios, e se são navios, como são sinos? »

(*) Mais adiante, a proposito do nome Maranhão , será demons­


trado que o padre Antonio Vieira , acertando quanto ao nome Grão-Pará,
errou quanto ao nome Maranhão.

{
C
I
I
c
— 13

E sta difficuldade foi até agora o torcedor de todos os


entendimentos dos expositores sagrados de 1600 annos a
esta parte; mas, como podia ser que entendessem o enigma
da terra, se não tinham as noticias, nem a lingua della?
P ara intelligencia do verdadeiro entendimento deste texto,
ou enigma, se ha de suppor, que a palavra latina Cymbalum,
com que significamos os nossos sinos de metal, significa
tam bém qualquer instrumento, com que se faz som, c
estrondo; e taes eram os cymbalos de que usavam antiga­
mente os gentios, que sc chamavam por nomes particulares
Sistros, Crotalos, ou Crepitandos, e por nome geral Cymbalos.
« Também se ha de suppòr que os Maranhões usavam
de uns instrumentos a que chamavam Maracás, nao de metal,
porque o não tinham, senão de cabaços, ou cocos grandes,
dentro dos quacs mettiam seixos, ou caroços de varias fruetas,
duros, e accommodados a fazer muito estrondo e íuido,
servindo-se dos menores nas festas e nos bailes, e dos
maiores nas guerras. Estes Maracás eram propriamente os
seus cymbalos, ou sinos, tanto assim que, depois que vieram
os sinos, que nós usamos, lhes chamam Itamaracás, que quer
dizer Maracás, ou sinos de metal. (*)
« Isto supposto, o expositor, que mais foi rastejando o
sentido verdadeiro que podia ter este enigma, foi G a b r i e l
P a l a c i o , o qual no commentario literal deste lugar de Is a i as
diz assim : Fortasse Indicus usus nominis cymbali antiquitus
inolevit apud Hebraios tempore I s a e e . Por ventura (diz e c)
que no tempo de I s a t a s as embarcações dos m tios sc c ia
mariam entre os hebreos sinos. E porque não seria antes
Digo eu que se chamassem «no*, ou tornassem nome de
sinos as embarcações dos indios, de que s a ia s a ava, n<
porque este nome fosse usado entre os hebreos, senao en
os mesmos indios. Assim era, e assim é, c deste modo fica
decifrado, e entendido o antiquissimo, c escuríssimo lugar, e
enigm
O a de I saias.

(*) Ita significa pedra C ferro.

*
— 14 —

« As maiores embarcações dos Maranhões chamam-se


Maracatim, derivado o nome da palavra Maracá, que como
dissemos significa entre clles sino: e a razao de darem este
nome ás suas maiores embarcações era, porque quando main
ás batalhas navaes, quaes eram ordinariamente as suas,
punham na pròa um destes Maracás muito grandes atados
aos gorupezes, ou páos compridos, e, bolindo de industria com
elles^ além do movimento natural das canoas e dos rcmeiros,
faziam um estrondo barbaramente bellico, c horrível; e por­
que a pròa da canoa se chama Tim, tirada a metaphora do
nariz dos homens, ou do bico das aves, que têm o mesmo
nome, c juntando a palavra Tint com a palavra Maraca,
chamavam áquellas canoas ou embarcações maiores Maracatim;
c este nome usam ainda hoje, e com cllc nomcam os nossos
navios. Nem mais, nem menos, que os Romanos as suas
galés de guerra deram nomes de Rostratas, pelas pontas de
ferro agudas, que levavam nas pròas; tirado também o nome,
ou metaphora, dos bicos das aves, que chamam vostros. Assim
que vem a dizer I s a i a s , que a terra de que falia, c tciia
que usa embarcações, que tem nome de sinos; e estas são
pontualmcnte os JSlaracatins dos 3faranhões.
« Alas não esta ainda explicada, toda a difficuldadc,
ou propriedade do enigma; porque diz o Propheta que estas
embarcações, ou estes sinos, eram sinos, e embarcações com
azas: Cymbalo alarum: navium alis. Os expositores todos
dizem, que estas azas eram as velas das embarcações, c que
são as azas dos navios, conforme o poeta: Velorum pandimus
alas. A qual explicação pudéra ser bem admittida, se não
tivera a propria, e verdadeira ; sendo certo, que o Propheta
não havia de dar por sinal e divisa daqucllas embarcações
uma cousa tão communi, e universal em todas.
« Digo pois que falia o texto de verdadeiras azas de
aves. Como aquelles gentios não tecem, nem tem pannos,
é grande entre clles o uso das pennas, pela formosura das
cores, com que a natureza vestio os passaros, c particular-
mente os chamados Cr uaras, de que ha infinita quantidade,
15 —

grandes, e todos vermelhos, sem mistura de outra còr; destas


pennas se enfeitam quando se querem pôr bizarros, c prin­
cipalmente quando vão á guerra, ornando com ellas todo o
genero de armas, porque não só levam empennadas as settas,
senão também os arcos, e rodelas, e as partazanas de pau,
e pedra, que chamam Fang apenas; e quando a guerra era
naval, cmpavezavam-sc as canoas com azas vermelhas dos
Guarás, e as mesmas levavam penduradas dos gorupés c
Maracás das proas; e por isso o Propheta diz que todas
estas cousas via, e notava como tão novas; chamou as
lanças sinos, e sinos com azas: Navium alis, cymbalo alarum.
« E porque não faltasse a esta terra a demaicação,
ou arrumação, como dizem os geographos da sua altura,
onde a Vulgata leu Gentem erpectantem, eapectantem, ha a
propriedade da letra hebrea, como diz F o peir o , P agnino ,
V a t a b l o , S a n c h e z , e outros muitos tão geral m ente: Gentem
Unem Unem, gente da linha de linha; porque os Maranhões
são aquelles, que além da Ethiopia ficam pontual e per­
pendicularmente bem debaixo da linha Equinocial, que e
propriedade por todos os titulos admirável; assim como a
palavra Unem se repete, está também repetida no mesmo
texto a palavra erpectantem ; com que vem a concluir o
Propheta o seu principal e total intento, que e exhortar
os Predadores Evangélicos a que vão ser Anjos da buarda
daquella triste gente, que tanto ha mister quem a en-
caminhe, como quem a defenda: Ite A n g e h veloces ad
nentem expectcmtem, gexpdantm
: ente que esta esperando,
esperando; porque, entre todas as gentes co ia /,i, os
Maranhões foram os ultimos, a quem e legal am as nov<
do Evangelho, c o conhecimento do verdadeiro Deus, espe­
rando por este bem, que tanto tardou a todos os amornamos,
mais que todos dies. No Brazil se começou a pregai a l o
no anno de 1550, em que o dcscobno P e d r o A l v a r e s
C a b r a l (*); e no M aranhão no anno de 1615, cm q

Aktumo Vieira cngauou-sc, escrevendo le50, o


O padre
não 1500.

4
/
— 16

conquistou A l e x a n d r e d e M o u r a ; esperando mais que todos


os outros Brazis sessenta e cinco annos (*): mas hoje estão
ainda em peior fortuna, padecendo aquelle Vce do Piopheta.
Vou terree cymbalo alarum; porque o estado da esperança
se lhe tem trocado no de desesperação. E esperam de se
salvar os que de tantos damnos c damnos são causa?»
Depois, o padre A n to n io V i e i r a examina a prophecia
de Aboi as, 20, com referencia ás palavras Civitates A ustri.
E, porque S. J e r o n y m o , traduzindo do texto a palavia
hebraica Sepharad, a verteu para Bosphoro, ellc demonstra
que significa termo, limite, fim ; sendo certo que os Hebreos
denominaram Sepharad a Hespanha, porque abi esta o
estreito (**') que divide da Africa a Europa, antigamente
denominado Columnas de Hercules. Assim, pois, concluo elle,
com outros citados, que a prophecia de Ab o ia s refere-se a
povo habitando a Hespanha, descendendo de transmigrados de
Jerusalem, quer entenda-se dos do tempo de Nabucodonosor,
quer do do Apostolo Santiago para fazer a pregação do
Christianismo.
« De sorte que ambas as transmigrações de Jerusalem
concorrem para a Eó de P ortugal; a de Christo com
o Apostolo Santiago, c a de Nabuco com o Propheta
Malachias, depois chamado vulgarmente S. Pedro de Rates,
que foi a pedra fundamental depois do Sagrado Apostolo da
Egreja de Portugal. Os filhos dessa Egreja, e herdeiros
dessa Fé, foram os que dalli a tantos annos dominaram com
os estandartes della as cidades e regiões do Austro, que são
propriissimamcntc as que correm de uma e outra parte do
Oceano Austral, á parte direita pela costa da America, ou
Brazil, e a esquerda pela costa da Africa, á Ethiopia cuja
Rainha Sabbá chamou Christo Regina A ustri; e estas são
as terras de que no commento deste texto faz menção

Contados de 1500, são 115 annos; mas a conta deve ser


feita dc 1530, quando El-Rei 1). João III resolveu povoar a Terra da
Santa Crvz.
(**) Gibraltar.I

I
17

: A m er icam, Brasilicam, Africam, JEthiopiam.


C o rn e lio
Assim se cumprio nos portuguezes a propliccia de A b d ia s :
Transmigratio, qua est in Hispania, possidebit Civitates
Austri. E esperamos, que seja novo complemento della
o dominio da terra incognita geralmente chamada Terra
Austral. »
H a ainda mais, e de grande valor; porquanto foi a
Ordem de Cavallaria de Christo o instrumento clc Deus
para essas navegações e descobertas. E, pois, o padre A ntonio
V ie ir a ainda encontrou em H abacuc , III, 8, 10 c 15 a
prova de que as prophecias referiam-se principalmente a
America, e particularmente ao Brazil.
O Cântico de H a b a c u c , que é a materia de todo
«
o terceiro capitulo, e ultimo deste Propheta, tem por assumpto
o triumpho de Christo, com que por meio da sua Ciuz
triumphou um dia da morte, do demomo, e do peccado, c
depois em varios tempos foi triumphando da idolatria, c da
gentilidade, conforme a disposição da sua Providencia. A
parte maritima deste triumpho, que também foi naval, pci-
tence principalmente aos portuguezes, por meio de cuja
navegação c pregação sugeitou Christo 4 obcd.cnm clc sou
Imperio tantas gentes de ambos os mundos. Isto quci cliza
o Propheta no verso oitavo: Ascendes super equos tuos, e
quadrigae tuae salvatio. E no verso 15: Viam fecisti i n m a n
equis tuis, in luto aquarum multarum. Que abno ^ us °
O
caminho pelo mar á sua cavallaria, para que pizasse as
ondas, e que a guerra que com esta cavallaria havia ce
fazer, não era para matar os homens, senão para os salvai
e salvando-os trium phar delles: Equitatio tua saus, ioc es
Evangelista tui portabunt te, diz S a n t o A g o s tin h o , _ c vei-
dadeiramente não se podia dizer cousa mais apropriada c
portuguezes. Os portuguezes foram aquelles cava ei r o’ ‘
quem Christo abrio o primeiro cammho pelo m a!. .
fecisti in m ari equis tuis. 0« portuguezes, aquelles cavallcno
que pizaram as ondas do mar, como os c:u a os P 1
Iodo da terra: In luto aquarum multarum: e as naos dos

%>
16

conquistou A l e x a n d r e d e M o u r a ; esperando mais que todos


os outros B r az is sessenta e cinco annos (*): mas hoje estão
ainda em peior fortuna, padecendo aquelle Vce do Propheta:
Vai terree cymbalo alarum; porque o estado da esperança
se lhe tem trocado no de desesperação. E esperam de se
salvar os que de tantos damnos c damnos são causa? »
Depois, o padre A n to n io V i e i r a examina a prophecia
de A b d ia s , 20, com referencia ás palavras Civitates Austri.
E , porque S. J e r o n y m o , traduzindo do texto a palavra
hebraica Sepharad, a verteu para Bosphoro, elle demonstra
que significa termo, limite, f i m ; sendo certo que os Hebreos
denominaram Sepharad a llvspanha, porque ahi esta o
estreito ('**) que divide da Africa a Europa, antigamente
denominado Columnas de Hercules. Assim, pois, conclue elle,
com outros citados, que a prophecia de A b d ia s refere-se a
povo habitando a Ilespanha, descendendo de transmigrados de
Jerusalem, quer entenda-se dos do tempo de Nabucodonosor,
quer do do Apostolo S antiago para fazer a pregação do
Christianismo.
« De sorte que ambas as transmigrações de Jerusalem
concorrem para a 1 é de P ortugal; a de Christo com
o Apostolo Santiago, e a de Nabuco com o Propheta
Mal a chi as, depois chamado vulgarmente S. Pedro de Rates,
que foi a pedra fundamental depois do Sagrado Apostolo da
Egreja de Portugal. Os filhos dessa Egreja, e herdeiros
dessa Fé, foram os que dalli a tantos annos dominaram com
os estandartes delia as cidades e regiões do Austro, que são
propriissimamentc as que correm de uma e outra parte do
Oceano Austral, á parte direita pela costa da America, ou
Brazil, e á esquerda pela costa da Africa, á Ethiopia cuja
Rainha Sabbá chamou Christo Regina A u stri; e estas são
as terras de que no commento deste texto faz menção

O Contados de 1500, são 115 annos; mas a conta deve ser


feita de 1530, quando El-Ilei I). João III resolveu povoar a Terra da
Santa Crvz.
(**) Gibraltar.
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: Americam, Brasiliciim, Africam , JEthiopiam.


C o rn e lio
Assim se cumprio nos portuguezes a prophccia cie A b d ia s :
Transmigratio, gace est in Hispania, possidebit Civitates
Austri. E esperamos, que seja novo complemento della
o dominio da terra incognita geralmente chamada Terra
Austral. »
H a ainda mais, e de grande valor; porquanto foi a
Ordem de Cavallaria de Christo o instrumento de Deus
para essas navegações e descobertas. E, pois, o padre A ntonio
V ie ir a ainda encontrou em H abacuc , III, 8, 10 e 15 a
prova de que as prophecias referiam-se principalmente á
America, e particularmente ao Brazil.
« O Cântico de H a b a c u c , que é a materia de todo
o terceiro capitulo, e ultimo deste Propheta, tem por assumpto
o triumpho de Christo, com que por meio da sua Ciuz
triumphou um dia da morte, do demonio, e do peccado, c
depois em varios tempos foi triumphando da idolatria, e da
gentilidade, conforme a disposição da sua Providencia. A
parte m aritima deste triumpho, que também foi naval, pei-
tcnce principalmente aos portuguezes, poi meio de cuja
navegação e pregação sugeitou Christo á obediência de seu
Imperio tantas gentes de ambos os mundos. Isto quer dizer
o Propheta no verso oitavo: Ascendes super equos tuos: eí
quadriga: tua: salvatio. E no verso 15: Viam fecisti in m a n
equis tuis, in luto aquarum multarum. Uue abno .mus o
caminho pelo m ar á sua cavallaria, para que pizasse as
ondas, e que a guerra que com esta cavallaria havia de
fazer, não era para matar os homens, senão para os salvai,
e salvando-os trium phar delles: Equitatio tua saus, oc es,
Evangelista: tui portabunt te, diz S a n t o A g o s tin h o , _ e ver­
dadeiramente não se podia dizer cousa mais apropriada ao
portuguezes. Os portuguezes foram aquelles cav alleiro sc
quem Christo abrio o primeiro caminho pelo mai .
fecisti in m ari equis tuis. Os portuguezes, aquelles cava >
que pizaram as ondas do mar, como os cavallos pizam o
Iodo da terra: In luto aquarum m ultarum : e as naos do.
18 —

portugiiezes, aquellas carroças que levaram pelo m ar a Fé


e a salvação: et quadrigce tum salvatio: e a primeira empreza
e victoria desta cavallaria de Christo foi a sugeição do
mesmo m ar bravo, soberbo, furioso, e indignado, que ou
Chi isto lb o suge ito u a elles, ou elles o sugeitaram tambem
a Chi isto, para que o reconhecesse, e adorasse: o mesmo
Propheta o disse assim: N nm qind in m ari indignatio tua?
Poi ventura, o Senhor, ha de ser eterna a vossa indignação
no mar? E responde a esta sua pergunta que o mar
submetteria suas ond as: Gurges aquarum transiit: que os
abismos confessariam a potência de Christo a vozes: D edit
abyssus vocem su a m ; e que as suas alturas, ou profundidades
com as mãos levantadas o adorariam, e reconheceriam por
S enlioi. Altitudo manus suas levavit ,■ e esta foi a primeira
victoiia de Christo, e este da sua cavallaria o primeiro
triumpho.
« Mas, para que se veja o grande mysterio desta
metaphora de cavallaria de Christo, de que usou o Propheta
(deixando a parte haver sido esta empreza dos primeiros
descobrimentos, e conquistas dos portuguezes), por si mesma,
e na opinião do mundo que tem cavalleiros, não só os
mesmos portuguezes, senão ainda os estrangeiros faziam
grande apreço de se armarem nella cavalleiros, como lemos
que o fizeram alguns de Allemanha e Dinamarca. Faz
muito ao caso advertir o que escreve o nosso insigne
historiador destas conquistas, que quero pòr aqui por suas
proprias palavras: M as ainda fo i acerca delle (falia do
Infante D. H enrique) outra cousa muito mais efficaz, que
era a obrigação do cargo, e administração, que tinha de
governador da Ordem de Cavallaria de Nosso Senhor Jesus-
Chnsto, que E l- lie i D . D iniz, seu tresavô, para essa guerra
dos infiéis, ordenou, e novamente constituio: e mais abaixo,
no mesmo capitulo, que ó o segundo do livro primeiro,
Decada prim eira: Assentou em m udar esta conquista para
outras partes mais remotas de Hespanha do que eram os
Reinos de Féz, e Marrocos, com que a despeza deste caso
19 —

fosse propria delle, e não taxada por outrem; e os meritos


de seu trabalho ficassem mettidos na Ordem, e Cavallaria de
Chi isto, que elle governava: de cujo thesouro podia dispender.
De sorte que dizer o Propheta, que Christo havia de abrir
caminho no mar á sua cavallaria, e que a empreza desta
cavallaria havia de ser a salvação das almas, não só tem a
formosura de metaphora, senão a propriedade do caso, e a
verdade da historia, c cumprimento da prophecia; pois vcr-
dadeiramente esta admiravel empreza foi obra, não de outro
principe, senão de um, que era propriamente administrador,
e governador da Ordem da Cavallaria de Christo, e feita,
nao com outras despezas, senão com as rendas, e thesouro
da mesma cavallaria, e serviços, e merecimentos proprios
della.
« P a ra confirmação de tudo isto, e para que os ->
portuguezes conheçam quanto devem a Deus, pelos escolher
para instrumentos de obras tão admiráveis, e para que se
não admirem quando lhes dissermos que os tem escolhido
para outras maiores, não pode haver melhor testemunho, que
o proemio do mesmo Propheta, com que deu principio a
este cantico triumphal doas victorias de Christo: Domine
(começa elle) audivi auditionem tuam et timui. Domine opus
tuum in medio annorum vivifica illud. I n medio annorum
notum facies: cum iratus fueris, misericordia2 recordaberis.
Quando Deus revelou ao Propheta, e quando ouvio da sua
bocca o que havia de fazer nos tempos vindouros, diz, que #)
ficou cheio de temor, e assombro ( assim o ' interpretaram os
S etenta , accrescentando por modo de glosa no mesmo tex to :
Consideravi opera tua, et expavi). Porque não houve obra
de Deus, depois do principio e creação do mundo, que mais
assombrasse, e fizesse pasmar aos homens, que o descobri­
mento do mesmo mundo, que tantos mil annos tinha estado
incognito, e ignorado ; nem que maior, nem mais justo
temor deva causar, aos que bem ponderarem esta obra, que
a consideração dos occultos juizos de Deus, com que por
tantos scculos permittio que tão grande parte do mundo,

#
%
* »
tantas gentes e tantas almas vivessem nas trevas da infide­
lidade, sem lhes amanhecerem as luzes da F é ; tão breve
noite para os corpos, e tão comprida noite para as almas.
Mas no meio desses compridíssimos annos, diz o Propheta,
que faria Deus, que se descobrisse, e conhecesse o que até
então estava occulto: I n medio annorum notum f acies. E
que, tendo durado tantos séculos sua ira contra aquellas
gentes idolatras, em fim se lembraria de sua misericordia:
Cum iratus fueris, misericordia* recordaberis. E que então
tornaria o Senhor a vivificar, e rcsuscitar a sua obra:
Opus tuum, m medio annorum vivifica illud. Os S etenta
traduzindo juntamente, e explicando, leram : Curn appro­
pinquaverint anni cognosceris. Quando chegarem os annos
determinados por vossa Providencia, então sereis conhecido;
e este novo conhecimento, que Deus deu áquellas nações
por meio dos nossos apostolos, e pregadores da sua Fé, foi
tornai a íesuscitar a mesma obra, que tinha começado pelos
primeiios Apostolos, que naquellas mesmas terras a pregaram,
e com o tempo estava em algumas partes amortecida, e
em outras totalmente m o rta ; isto quer d iz e r: Opus tuum
vivifica illud; ou como treslada S imaco, Reviviscere fa c ipsum;
e o mesmo Propheta mais abaixo se commenta a si mesmo,
dizendo. Suscitans suscitabis arcum tuum. Vós, Senhor, tor­
nareis a íesuscitar o vosso arco (que e a sua C ru z); por
meio ^de cuja pregação se resuscitaria tam bém a Fé, e as
victorias della naquellas nações.
« Assim o prophetisou na índia seu primeiro Apostolo
S. T h om e , quando na cidade de Meliapor, então famosissima,
levando uma Cruz de pedra em lugar distante das praias,
nao menos que doze léguas, lhes disse, e mandou esculpir no
Pe delia que, quando o mar alli chegasse, chegariam também
de partes remotissimas do Occidente outros homens da sua
cor, que pregassem a mesma Cruz, a mesma Te, e o mesmo
Christo que elle pregava. Cumprio-se pontualmente a pro-
phecia, porque o mar, comendo pouco a pouco a terra, chegou
ao lugar sinalado, e no mesmo tempo chegaram a elle os
— 21

portuguezes. Egual gloria ( e não sei se maior de Portugal ),


a da índia, que ainda tivesse a S. T homé por seu Apostolo,
e Portugal por seu Propheta. Ainda Portugal não era de
todo christão, e já os Apostolos plantavam as balizas da Fé
em seu nome, e conheciam, e pregavam que elle era o que
havia de fazer christão ao mundo. Lembre-se outra vez
Portugal destas obrigações, e de quanto lhe merece Christo.»
<<Diz o Apostolo S. P aulo, que accommodou Deus,
e repartio os séculos conforme os decretos da sua palavra,
para que cousas invisíveis se fizessem visíveis: Fide intel-
ligimus aptata esse saecula verbo D ei, v t ex invisibilibus
visibilia J ia n t; por onde não é muito que tanta parte do
mundo, e as gentes que o habitavam, estivessem ignoradas,
e invisíveis por tantos séculos, e que depois chegasse um
século, em que se descobrissem, e fossem visíveis; e assim
como, corrida esta cortina, se descobriram, e manifestaram as
terras, e gentes, de que tinham fallado os Prophetas, assim se
entenderam, e descobriram também os segredos, e mysterios
de suas prophecias. Destas terras ultramarinas encobertas,
e incognitas, fallava I saias, quando disse no capitulo 2 4 :
I n doctrinis glorijicate D o m in u m ; in Insidis maris nomen
D om ini D e i Israel. E logo accrescentou: Secretum meum
m ih i, secretum meum m ihi! Este segredo e só para mim ;
este segredo e só para m im : e, se na mesma prophecia
estavam prophetisadas as cousas, e mais o segredo delias,
como podia ser que, contra a verdade infallivel da prophecia,
soubessem os antigos deste segredo, antes de chegar o tempo
em que Deus tinha determinado de o revelar? O Cantico
do Propheta H a b a c u c , que também trata destes novos
descobrimentos, ou triumphos da Fé, e da conversão destas
gentes, tem por titulo Pro ignorantiis. E, se o conselho de
Deus foi que o entendimento, ou de todas, ou de muitas
cousas, que alli cantou o Propheta, se ignorasse,— que aggravo,
ou descrédito é, ou póde ser dos antigos Sábios, que para
elles fossem occultas, incognitas, e ignoradas ? Podem os
homens occultar os seus segredos, e Deus não será senhor

9
?

% %
22

cio reservar os seus ? Sendo logo certo que estes segredos


da Providencia Divina se não podiam alcançar por sciencia
humana, c que a mesma Providencia tinha decretado que
se não soubessem por revelação. »
E, após isto, quem ha que possa negar o cumprimento
exacto dessas prophccias ?
Não basta explicar a raridade das viagens de des­
cobertas, alludindo a circumstandas vagas que impediram os
progressos da navegação e do commercio, e o melhor
conhecimento da geographia ('■')• P o rq u e (dizem elles ) Deus
não suscitara antes os meios e a coragem das navegações?
D facto foi manifestamente, exclusivamente provi­
dencial. E, aproveitando o pensamento de um grande es-
criptor que não pertence á classe dos que sóem negar ao
influxo Divino a successão dos factos, digamos: « A descoberta
do novo mundo operou uma revolução fundamental na sciencia
e na humanidade: só desde então os homens conhecem a
I erra que lhes serve de habitação; c as grandes questões
da unidade da raça humana, de seu destino, de sua orga-
nisaçao tem podido ser agitadas e resolvidas no sentido da
associaçao de todos os povos. ;> (**)
Ainda falta talvez a coroação das prophccias. Deus
sempiternus Dominus, qui creavit terminos terree: non dejiciet,
neque laborabit, nec est investigatio sapientice ejus (***). Não ha
descoberta que alcance a sabedoria de Deus.

(•) F. Lack EXT, L ' Orient, introd., 4. Este mesmo escriptor, na


ohra Les Barbare* et le Catholieisme, affirma o governo providencial sobre
os povos; e, com referencia á invasão dos barbaros, diz; Chrétiens et Phi­
losophe* ont vã la main ele Dien elans ce catach/sme.
(**) F. Lack EXT, rctro-citado.
(***) Is ai as . XL, 28.

\
4
CAPITULO SEGUNDO

Rien n’est plus mobile qu’une


sphere sur im plan: toutes les puis­
sances imaginables ne pourront Tébran-
ler si Dieu no s’en rnêle.
Maeebranche, Entretiens sur la
metaphusique, A ll. 11.
Les individus et les peuples
sent aides par la Providence. L’action
incessante de Dieu sur riiommc, e’est
la grace; Taction incessante de Dieu
sur Tlninianité, e’est le gouvernement
providential.... C’est surtout dans les
grands bouleversements qui changent
les destinées du genre humain, que
Taction divine se montre pour sauver
et régénérer le mondc.
Lo gouvernement providentiel
n empêche pas que les peuples li’agis-
sent librement et ne portent la res-
ponsabilité de leurs actions.
I . L aurent, Les Barbares et le
Catholicisme, I, 1, 1.

l
Christovam Colombo,
_
pobríssimo, e sem aminos
1 o
ricos ’
quando, cm 1492, no fim de oito annos dc infructiferos
esforços junto de diversos reis da Europa, inclusive o de
— 24

Portugal o até o do Castella, oonseguio ser ouvido e attcn-


dido pcla excelsa rainha Isabel a Catholica ( ”), e, com a
protecção efficaz desta soberana illustre, que até vendeu
todas as suas joias para as despesas, sahio em 3 de Agosto
a descobrir terra firme e ilhas, com a patente de Grande
Almirante do Oceano, commandando em chefe tres navios,
dos quacs o denominado S anta M aria era a nau-almirante, em
cujo mastro grande arvorara a bandeira da C r u z : Ghristovam
( olombo tinha um plano e o conhecimento mais ou menos
scientifico das navegações a executar. (**)
Não ha duvida que Colombo era, além de fervoroso
christão, um grande cosmographo; porém, cm verdade, só
impellido por um instincto prophetico e muito seguro de
sua fé religiosa, podia idle ousar devassar mares nunca dantes
navegados, crente de que afinal encontraria terra firme e
ilhas. Os seus conhecimentos de cosmographia, orientados
mais nas descripções das viagens de M a r c o P olo do que
em outras fontes de convicção, não podiam ser sufficientes
para a realisação desse grande plano de descobertas. Mas,
('in summa, é certo que não saliira completamente á
aventura. (***)
Quiz, porém, a Providencia Divina facilitar aos

O Kra casada com Fernando V, rei de Aragão. E era


rainha de Castella. Atinai, reunidos os dous reinos, eram denominados Os
lions reis. So olla era quem de facto governava; e, não só por seu
espirito religioso, mas também por sua notoria perspicacia, sabia distinguir
os verdadeiros grandes homens, não dando absolutamente ouvidos a aulicos,
nem mesmo a seu marido, cujos sentimentos não eram os melhores. Deste
reiescre\ eu o padre ó k . y i t u a nu I í a c u i c a . J)e Ia femme c a t h o l i q u e , «que
omerito colossal de Christovam Colombo, e de outros grandes homens da
cpoclia, ora excessiva luz para seus olhos doentes».
C ) A. ( . 1’. nu S otto M aior . Os Estados Unidos, Lisboa, 1877,
relerindo-se a historiadores, diz que Christovam Colombo, casando-se em
Lisboa com a filha, do navegador Pedro Muniz Perestello, ficara possuidor
de papeis nauticos de grande valor.
P **) Posuu.y DE LonciCKS escreveu V H i s t o i r e v e r i t a b l e d e C h r is -
tophe Colandi.
Dejiois do Christianismo, não ha acontecimento que exceda ao do
descobrimento do Novo Mundo.

V
25

portiiguezes, no scculo XVI, mais uma grande descoberta,


sem que o Rei de Portugal a procurasse.
De facto, determinando El-R ei D. Manoel, em 1500,
uma segunda expedição á índia, assim o mandou executar,
entregando uma armada de treze nãos a Pedro Alvares
Cabral, fidalgo da casa real, filho de Fernando Cabral,
senhor de Azurara, governador da provincia da Beira e
alcaide-mór de Belmonte ; c o nomeou capitao-mór da
referida expedição. Em <8 de Março daquelle anuo recebeu
Pedro Alvares Cabral, da mão de El-Rei, o estandarte ou
bandeira da C ruz c O rdem de C hristo, depois de benzida
em Restei lo, na ermida de N. S. de Belém, fundada pelo
Infante D. Henrique, onde foi depois o mosteiro de S. Jc-
ronym o; levantou ancoras, e saliio no dia 0 do mesmo mez.
Chegando ás ilhas de Cabo-Verde, deu pela falta de
um dos navios da armada, e cm vão dispendeu dous dias
para encontral-o; mas, recciando as calmarias de Guiné, c
outros dizem que em consequência de um temporal que
forçou a arribada daquelle navio a Lisboa, resolveu seguir o
rumo de oeste, c tanto andou nesse rumo que, no dia 21
de Abril, appareceram-lhe signaes de proximidade da terra;
e, de facto, foi esta avistada no dia 22, desembarcando no
dia 23 em um porto que, mais ao sul, foi julgado seguro.
Estas datas são as verdadeiras, como resultam das
minuciosas cartas de Pero Vaz Caminha, escrivão da
Ú
armada, c de João Emencláu, physico da mesma armada,
escriptas em l.° de Maio daquelle anno. E, embora o
Roteiro do piloto divirja na numeração do dia em que a
terra foi avistada, dizendo ser 24, rcctifica immediatamente
esse erro, por modo indirecto, declarando ser quarta-feira do
oitavario da Paschoa; coincidindo assim com aquellas duas
supra-referidas cartas. (*)

(*) Tudo isto Meu ,o Moraes discute copiosamente, á vista de


documentos historicos, em sua Corographia hisK chronologica, genealógica,
nobiliária e politica do Imperio do U r a : d , to. I, a proposito deste
descobrimento.
24

Portugal i‘ até o do ( astclla, oonsoguio sor ouvido e attcn-


dido pela excelsa rainha Isabel a Catholica ("), e, com a
protecção efficax desta soberana illustre, que até vendeu
todas as suas joias para as despesas, sahio em 3 de Agosto
a descobrir terra firme c ilhas, com a patente de Grande
f Alm irante do Oceano, commaiidando em chefe tres navios,
dos quaes o denominado S anta M aria era a nau-almirante, em
cujo mastro grande arvorara a bandeira da C ru z : Christovam
Colombo tinha um plano e o conhecimento mais ou menos
scicntifico das navegações a executar. (**)
Não lia duvida que Colombo era, além de fervoroso
christão, um grande cosmographo; porém, em verdade, só
impellido por mn instincto prophetico e muito seguro de
sua fé religiosa, podia elle ousar devassar mares nunca dantes
navegados, crente de (pie afinal encontraria terra firm e e
ilhas. Os seus conhecimentos de cosmographia, orientados
mais nas descripções das viagens de M arco P olo do que
em outras fontes de convicção, não podiam ser sufficientes
para a realisação desse grande plano de descobertas. Mas,
(an summa, é certo que não sahira completamente á
aventura. (***)
Ouiz, porém, a Providencia Divina facilitar aos

C ) Era casada com Fernando V, rei de Aragão. E era


rainha do Castella. Atinai, reunidos os dons reinos, eram denominados Os
,/oits reis. So olla era quem de facto governava; e. não só por seu
espirito religioso, mas também por sua notoria perspicacia, sabia distinguir
cs verdadeiros grandes homens, não dando absolutamente ouvidos a aulicos,
nem mesmo a seu marido, cujos sentimentos não eram os melhores. Deste
rei escreveu o padre ã r y i t i i a nu I í a c u c a . D e la f e m m e c a t h ó l i q v e , «que
o merito colossal de Christovam Colombo, e de outros grandes homens da
epocha. era excessiva luz para seus olhos doentes».
C ) A. ( . F. nu Surro M aior, Os Estados Unidos, Lisboa, 1877,
referindo-se a historiadores, diz que Christovam Colombo, casando-se em
Lisboa com a filha do navegador Pedro Muniz Perestello, ficara possuidor
de papeis nauticos do grande valor.
C**) P oseluy nu Lo no cus escreveu VH istoire veritable âe Chris-
tophe Colomb.
Depois do Christianismo, não ha acontecimento que exceda ao do
descobrimento do Novo Mundo.

(
25

portugiiezes, no scculo XVI, mais uma grande descoberta,


sem que o Rei de Portugal a procurasse.
De facto, determinando El-R ei D. Manoel, em 1500,
uma segunda expedição á índia, assim o mandou executar,
entregando uma armada de treze náos a Pedro Alvares
Cabral, fidalgo da casa real, filho dc Fernando Cabral,
senhor dc Azarara, governador da província da Beira c
alcaide-mór de B elm onte; e o nomeou capitão-mór da
referida expedição. Em 8 de Março daquclle anuo recebeu
Pedro Alvares Cabral, da mão dc El-Rei, o estandarte ou
bandeira da C ruz e O rdem d e C hristo, depois de benzida
em Restello, na ermida de N. S. de Belém, fundada pelo
Infante D. Henrique, onde foi depois o mosteiro de S. Je-
ronym o; levantou ancoras, c saliio no dia 9 do mesmo mez.
Chegando ás ilhas dc Cabo-Vcrdc, deu pela falta dc
um dos navios da armada, e cm vão dispendeu dous dias
para cncontral-o ; mas, recciando as calmarias de Guiné, c
outros dizem que em consequência de um temporal que
forçou a arribada daquclle navio a Lisboa, resolveu seguir o
rumo de oeste, e tanto andou nesse rumo que, no dia 21
de Abril, apparcceram-lhe signaes de proximidade da terra;
e, dc facto, foi esta avistada no dia 22, desembarcando no
dia 23 em um porto que, mais ao sul, foi julgado seguro.
Estas datas são as verdadeiras, como resultam das
minuciosas cartas dc Pero Vaz Caminha, escrivão da
armada, c de João Emeneláu, physico da mesma armada,
escriptas em l.° de Maio daquclle anno. E, embora o
Roteiro do piloto divirja na numeração do dia em que a
terra foi avistada, dizendo ser 24, rcctifica immediatamente
esse erro, por modo indirecto, declarando ser quarta-feira do
oitavario da P aschoa; coincidindo assim com aquellas duas
supra-referidas cartas. (*)

(*) Tudo isto M ei.lo Moraes discute copiosamente, á vista de


documentos historicos, em sua Corographia historica, chronologica, genealógica,
nobiliária e politica do Império do Ura; d, tomo I, a proposito deste
descobrimento.

/ • •
26

Pedro Alvares Cabral, depois de fazer os precisos


reconhecimentos na costa, sempre em boa paz com os sel­
vagens, mandou derribar uma arvore para construir uma
grande C r u z ; a qual, a vista e com espontânea e contente
ajuda de centenas daquelles selvagens, foi chantada no lugar
do desembarque, com todas as ceremonias religiosas, conforme
a descri peão de Pero Yaz Caminha em sua já referida carta.
Sahindo barra fóra a armada, no dia 2 de Maio (*),
para a índia, foi verificada a falta de dons grumetes, os
quaes, e mais dons degredados, haviam ficado em terra com
os indigenas. Pedro Alvares Cabral fez voltar a Lisboa
uma das náos, sob o commando de Gaspar de Lemos.
A terra descoberta, por parecer insular, e mesmo por
crenca muito vulgarisada na epocha, como já ficou referido,
recebeu o nome de Ii.iia nu Y f.ra C ruz. El-R ei D. Manoel,
porem, o mudou no de S a n t a C r u z ; e assim permaneceu
muitos annos, até que foi substituído, por uso c costume
entre os connnerciantes, pelo de B razil.
L necessario, porém, lembrar que, já anteriormente, em
•Junho de 1 4!)í>, Alonso de llojcda, acompanhado de Américo
\ espucio e do piloto biscainho Juan de la Cosa, e depois,
(mi principies de l ã 00, Yicente Yanes Pinzon e Diogo de
l.epe, haviam percorrido, por conta dos Heis de Castella, a
costa septentrional desde o cabo de Santo Agostinho (?) até
a foz do rio Amazonas (**), e mais tarde até a do rio
Oyapock. (,w*)

( ) João ui-; IíAiutos, Deraila diz ter sido no dia 3.


( ) hoiiKHTSox. oni sua / fintaria ihi America, sustenta coin solido
fundamento que \ icente Yanes Pinzon, cruzando a linha equinoccial não
tocou em parte alguma da costa ao sul da foz do Amazonas; e, portanto
nao podia ter aportado ao cubo dc Santo Agostinho, como o sustentara
A. II Kl! I! KR A.
Sendo assim, somente Alonso de llojcda fica com a gloria de ter
snlo o primeiro navegante que tocou ponto mais oriental da costa brazilica
— a toz do rio Apody (Rio Grande do Norte). ’*)(
(***) Na° obstante, a gloria do facto providencial da descoberta

<. t
— 27

Todavia, Castella não logrou adquirir as regiões per­


corridas pelos seus sobreditos exploradores ; mesmo porque
tinha a zelar outras conquistas, descobertas por Christovam
Colombo. Além disso, obstava-lli’o a linha mental divisória,
dada pelo papa Alexandre VI, c aceita pelos clous governos
com as modificações constantes das estipulações do tratado
de Tordesillas. A bulia daquelle papa, estabelecendo a linha
mental divisória, é de 3 de Maio de 1493 (*) ; e o tratado
de Tordesillas, de 7 de Junho de 1495, só foi approvado
pela bulla pontificia de 24 de Janeiro de 1506.
Por este tratado, tomando-se por ponto de partida o
meridiano do archipelago do Cabo-Verde, ou do dos Açores,
Portugal, embora perdendo duzentas c setenta léguas para o
lado do oriente, estendeu, mais duzentas o setenta léguas
para o occidente, o seu direito de navegação e de des­
cobertas, perfazendo 370 léguas para esse lado.
Sem esse tratado, promovido por E l-Ilei D. João II,
Pedro Alvares Cabral tocaria, debalde para a coroa portu-
gueza, em 1500, a costa brazilica. Alonso de Tlojeda e

da terra de S a n t a Cnrz, ou Iíkazii-, não cabe verdadeiramente senão a


Pedro Alvares Cabral; segundo a regra bem estabelecida por Vivien de
S a i n t - M a h t l x , H is to ir e d e la g e o g r a p h ic : «11 u’y a de découvertes récllcs
que cellos qui prennent date dans la science.»
(*) J. F. Lis no A, J o r n a l J e T im o n , A p o n ta m e n to s p a r a a h is to r ia
do M a ra n h ã o , II, publicou a integra desta bulla pontificia.
A linha deveria correr « em distancia de cem léguas para o
occidente c m eio d ia das ilhas dos Açores e Cabo-Verde».
O papa mostrou então ignorar a latitude dos dous archipelagos,
embora seja quasi a mesma a longitude.
Qual dos archipelagos serviria de ponto de partida para as cem
léguas ao m e io d ia ? Xao menos de 22 grãos os separam.
J. F. L isiioa aproveitou a occasião para repetir as apreciações
inexactas sobre o papa Alexandre VI. Essas apreciações não subsistem
hoje no animo dos espíritos cultos. Só o odio politico as fabricou; e as
paixões de seita religiosa as mantiveram. Quem duvidar disto, leia Cu.
BarthÉLE.MY, E r r e ttr s et m e u so n g e s h is to r iq n e s , III, sob a rubrica L e s c rim e s
d e s B o r g ia ahi essas historietas foram tiradas a limpo.

<
1 : i
— 28

Vicente Pinzon, em 1499, pela mesma razão, a teriam


adquirido completamente para Castella. (*)
Em verdade, a linha mental divisória, dada por
Alexandre VI, era prejudicialissima a Portugal; e, se não
fòra o presentimcnto de E l-R ei D. João II — de pi’oxiinas
descobertas na America meridional, quando nem suspeitada
era dos homens a existência desse continente, a sorte do
Brazil teria sido outra, talvez melhor, talvez peior.
A linha mental de demarcação cortava norte-sul pelo
meridiano 330 gráos de longitude na linha equinoccial, e
mais cem léguas correndo para o oriente a Portugal, e para
o occidente a Castella, até inteirar cada uma das coroas os
seus 180 gráos (**). Mas, o meridiano para ponto de
partida das longitudes era o do archipelago dos Açores ou
o do archipelago do Cabo-Verde, segundo já foi dito
A questão decidida pelo tratado de Tordesillas foi, em
verdade, mais de interpretação da referida linha mental,
quanto ao ponto de partida, do que propriamente uma
demarcação nova. Não obstante, até hoje, o Brazil tem
questões de limites com as republicas, que foram colonias
da Hespanha. (**'**)

(*) Posteriori»ente, os governos de Portugal e de Hespanha


nzeram unia revisão do tratado de Tordesillas; e foi assignado em
Saragoça o de 22 de Abril de 1529. Mas, este tratado de 1529 não
diz respeito a possessões na America; sim, somente ao archipelago das
Molucas c mesmo ao das Phihppinas. Esta morosa negociação começára

1 ) la d re Josti l)K Müiiaks, M e m o r ia s p a r a a h is to r ia d o e v tin c to


h s tn d o do M a ra n h ã o ,
IV, 5.

(***) Só em 1634 a França tentou um meridiano para todo o


mundo. Então designou o da Ilha de Ferro; depois o de Pariz.
(****) Em 1750, c depois em 1761, foram celebrados novos tra­
tados entre as duas coroas, lixando os pontos capitaes da linha divisória
das respectivas possessões na America Meridional. O primeiro de IS de
J;yie|r ° de 1750, foi negociado por Alexandre de Gusmão,’nascido na
en tão vjlla de Santos, capitania de 8. Paulo, formado em Direito pela
Universidade de Coimbra, c muito considerado na côrte de El-Rei D. João V

C
— 29

Entretanto, após a descoberta, E l-R ei D. Manoel não


se descuidava de mandar constantemente expedições ás terras
do brazil, havendo contractado para o seu serviço o já
mencionado cosmographo Américo Vespucio (*); o qual
nunca commandou expedição alguma (**), como aliás alguns
historiadores affirmam sem maior exame, mas limitava-se
a praticar todos os actos de sua profissão e sciencia, assig-
nalando astronomicamente as posições e os roteiros. Taes,
porém, foram seus serviços á causa das descobertas, que foi
o seu nome de baptismo que deu a denominação de
Am erica ao Novo Mundo; comprehendida depois a parte
septentrional descoberta por Christovam Colombo! (***)

por seu talento. Entretanto, foi muito accusaclo de suborno; ainda que
mais prejudicial a Portugal foi o de 12 de Fevereiro de 1761.
Alexandre de Gusmão foi o embaixador que obteve da Santa Sé
para D. João Y e sua dynastia o titulo de F id e lis s im o , c a creação do
patriarchado de Lisboa. Era irmão de Bartholomeu do Gusmão, deno­
minado V o a d o r , pela invenção do aérostáto.
(*) Don M. E. N avarette , C oleccion d e los v ia gea y d e sc ttb ri-
m ie n to s , q tte h ic ie ro n por m or los E s p a n o le s d e s d e fin e s d e l sig lo ã ’ F ,
Madrid, 1825, contesta que Américo Vespucio houvesse estado ao serviço
de Portugal; e apoia-se em documentos! (Confira-se D avid B. W arden ,
l l i s t o i r e d e VE m p ir e d ii B r é s i l , 1503—4.)
(**) Desde tempos anteriores, c já no reinado de El-Rei D. Hen­
rique, cognominado o N a v e g a d o r , os pilotos, á falta de nacionaes, eram
buscados em Veneza, Genova, e mesmo na Hespanba. Assim Luiz de
Cadamosto, Antonio da Nolle, João da Nova, Américo Vespucio, João
Empoli. Mas, não tinham o commando, como se pode vêr em uma das
cartas de Américo Vespucio a Pedro Soderini.
Todavia, cabendo aos pilotos a direcção da viagem, afinal assu­
miam d e f a c t o o commando. E
isto é bem explicado por Quinteela,
A n n a e s d a M a r in h a P o r t v g v e z a ,
referindo-se em uma nota á lucta que
Antonio Galvão, quando nomeado capitão-mór paia as Molucas, travou
com o seu piloto em 1526: « Naquelles tempos era q u a s i a b s o lu ta a
autoridade dos pilotos em tudo quanto dizia respeito á navegação; o que
se julgava assim necessario, por embarcarem muitas vezes de commun­
dantes pessoas de profissões muito alheias da arte nautica.»
(***) Muitos geographos e historiadores, com justa razão, enten­
diam que ao menos essa parte septentrional deveria tomar o nome de
C o lo m b ia , em honra ao ousado genovez. Christovam Colombo denominara
í n d i a s , suppondo-as na Asia, suas descobertas de te r r a fir m e ; e o Rei de
Castella accrescentou a qualificação de O c c id e n ta e s , para distinguil-as das

»
t
30

Todavia, ha quem sustente a origem tiipy para o


nome America. (*)
A primeira expedição, em consequência das noticias
mandadas por Pedro Alvares Cabral, e levadas em uma das
naos pelo capitão Gaspar de I.emos, foi de tres caravelas;
e saliio de Lisboa cm 10 de Maio dc 1501, ignorando-se
ainda hoje o nome do commandantc. Pez descobrimentos
até aos 54 grãos sul; e recolheu-se a Portugal em 7 dc
Setembro de 1502, depois de dezeseis mezes de viagem,
com a perda de duas embarcações.
Resolveu Ll-Rci D. Manoel nova expedição, e esta
de seis caravelas. Sahio de Lisboa em 10 de Maio (**) de
1503, sob o cominando de Gonçalo Coelho, com o titulo de
capita o-mor. lam bem nesta expedição, como na anterior,
veio, no mesmo caracter de cosmographo, o já referido
Amei ico \ cspiudo (*■“), a fim de fiuaíisar o descobrimento e

O r i e n t a e s , pertencentes a Portugal. Dessa denominação veio aos gentios do


novo continente a de in,l i o s pela qual são geralmentc conhecidos os
povos dc pelle vermelha da America.
(*) spf?H,ido NI AltDKX, no 1ngar acima citado, ,T. Luccock, Notes
<m Jtn, ,1,' Jonem,. ma! the Southern parts of Brazil en 1808— 1818
Londres, 1*20, entende quo o nome America não provém dc Yespucio!
mas ai, contrario que_ este accrescentára ao sen a denominação A m é r ic o , á
S( nclhaiiça de . cipiao — A t n e m » ,. Lste escriptor inglez sustenta que
Aiaariru vem de mane», da, lingua tap,,; c. porque os indigenas, ao verem
’ h< 1,1(1- tigiu aram ohjectos e pronunciaram aquella palavra, os
C S o . 1,ÍlVCg °r0S JUlgUra,“ SCI ° nümn drt terra ou do continente

espinho A IialaV1'a ° 1J’ar" r"- 0 ]lil° umrim. Esta significa um arbusto dc

Confronte-se Jsto com o que escreveu o padre A ntosio Vikirv


IJistvna ,/o futuro; imo parece sem fundamento. Ailudindo o escrintm-
niglez também ao m a r a c a j á , frueta brazilica, « considerado pelos natuíacs
(mino nina especic de deus penate ,, imitação dos martviios de Jesus-
( hi isto, ignorados dos indígenas, talvez seja util estudar o 'assumpto.
_ P ') A data ogual — LO ,le M a i o — e m 1501 ce m 1503 será talvez
contusão dos chronistas. m u j sei a talvez

. 1 9 padre Potssixus, T h e s a u r u s a sc é tic a s, Pariz 1684 m


pa. e relativa a vida de S. Ignacio de Azevedo, referindo-se á expedi, o
de Gonçalo Coelho, escreveu: m /„ « U/pssiponem America Etmnanlel per

\
— 31

a demarcação das terras do brazil; e, com effeito, depois de


attingir a costa do novo continente, a armada sondo a baixos
c rios, poz padrões das annas portuguezas, ao longo da
mesma costa, por onde ia passando, até que Américo Ves-
pucio, já separado da náo capitánea, chegou a uma bahia,
que então foi denominada de Todos os Santos. (!,:)
E sta segunda expedição perdeu a náo capitánea, em
um cachòpo; e a de Américo Vespucio, depois de demorar-
se na bahia de Todos os Santos, scguio para um porto,
onde foi levantada uma fortaleza (Caravelas talvez), e onde
deixou vinte c quatro homens, mantimentos para seis mezes,
doze bombardas e muitas outras armas, com as necessarias
munições, retirando-se para Portugal com carregamento de
pau brazil, após feito o mappa da altura das terras
percorridas. A Lisboa chegou em 1504, pois que desse
anuo, aos 4 de Setembro, é datada a sua carta sobre essa
segunda viagem. (**)
Nesse mesmo anno de 1504 o fidalgo da casa real
Fernando de Noronha obtivera de El-R ei D. Manoel a
o tiu m a u d ito , haud contentu,'.'.., O o n sa lv c n i (o d iu m ... m is it , a ttr ib u ta cla sse
se.v navium. Mas, da carta do Anicrico Vcspucio a Podio Soderim,
escripta de Lisboa em 4 dc Setembro de1.504, resulta que die fôra
também o piloto desta expedição.
(*) Cumpre uão confundir esta bahia com a também assim
denominada na ilha do Maranhão, por Alexandre de Moura, quando abi
entrou em 1." dc Novembro dc 1615, para expulsar os francczes, segundo
refere Bkhredo, Annaes historicos do Maranhão, 38b. O ÍIOUIC lião y)
prevaleceu.
A bahia mencionada no texto é a que ainda hoje traz esse nome;
—dando-o egualmente á cidade da Bahia.
Também não logrou conservar esse nome o estreito, no extremo
sul da America, descoberto por Fernando de Magalhães cm l.° de Novembro
de 1520.
(**) Melou M oraes, na citada Corocrraphia, transcreve essa c a
primeira carta de Américo Vespucio, sobre as duas viagens— 1501 e 1502.
Mas, não declarando os nomes dos capitães-móres, de uma c dc outra,
tem trazido cm controvérsia os chronistas; mesmo porque também e
mencionada por alguns uma expedição, 1503, sob o cominando dc Christovam
Jacques, fidalgo da casa real, além de outra posterior, 1522 — 1526, logo
que subio ao throno El-Rei I). Joao III.

I
32 —

doação da ilha de S. João, que depois e até hoje traz o


nome daquelle donatario. E sta ilha tem sido e continua a
ser um presidio, pertencente ao Brazil. (*)
Em 1506, segundo affirma Alexandre de Gusmão,
no seu Resumo historico, chronolocjico e politico do descobri­
mento da America, es«*ripto em 1751, e, segundo affirma
M ello M oraes, ainda inédito, os pilotos Vasco Gallego de
( arvalho e Jono de Lishoa foram mandados expressamente
as terras do brazil: mas ambos limitaram-se ao reconhe­
cimento do Rio da Prata e de alguns affluentes.
As outras expedições, ate 1526,— de João Dias Solis,
1 5 0 8 — 1516, de Fernando de Magalhães (portuguez), 1519,
e de Rodrigo de Aninha, 1 525, todas por conta do Rei de
Castella, pouco adiantaram quanto ás terras do brazil, já,
exploiadas o reconhecidas por navegadores ao serviço de
hl-Rei de Portugal; sendo também certo que, já em 1501,
o F ° F 10 Américo Yespucio entrara no Rio da Prata, até
eutao ignorado das nações da Europa, como parece resultar
de sua carta sobre' a primeira viagem naqucllc anno.
Em l-)25 e 1 .>26, o Rei de Castella ainda mandou
expedições ao Rio da Prata: a primeira de Sebastião Caboto
(outros escrevem Caboto, ou Cabot); a segunda do conde
emando de Andrada. Sendo, porém, sua missão averiguar
apenas as descobertas castelhanas, respeitando os limites e as
demarcações de Portugal, ambos dies acharam, reconheceram
e respeitaram aquelles limites e demarcações, emendando
assim o erro de João Dias Solis, prejudicial a Portugal.
Alom . dossas expedições, as costas maritimas do
lirazil foram infestadas, desde a sua descoberta (**), de navios

(*) Parece que Fernando de Noronha fazia parte da ox-nedi^n


t , 1'° f " " " 1! ' " ' 11"’’ in<lo para a In,lia era lãdli, vil
,1« aportou aln, c retez-Se ,laS avarias para poder seguir a
viagem
(**) O padre Gkohoe Fouilmkh, M e m o i r e s d e l a m a r i n e f r a n c a ! * ,
escreveu que os normandos e os bretões sustentavam ter achado o Brazil
antes de Amenco \ espúrio e de Pedro Alvares Cabral; T q u e , desde

fr
33

estrangeiros, especialmente francc/es; mas só para o carre­


gamento de páu-brazil.
N arra-se também cpic o famoso Diogo Alvares Correa,
portuguez, fazendo viagem em algum navio dessas expedições,
soffrêra naufragio, certamente com outros companheiros. As
chronicas são escuras a este respeito; porquanto a data e as
circumstandas do naufragio, bem como o nome e a naciona­
lidade do navio, tem sido assumptos de controversia historica.
Uns dizem que o naufragio foi em 1510 (*); outros cpie
em 1516.
O naufragio teve lugar sobre uns baixos que ficam a
leste da bahia de Todos os Santos, em frente a fóz do rio
denominado Vermelho. Alguns acreditam que Diogo Alvares
andava embarcado cm um dos tacs navios contrabandistas
de páu-brazil, de nacionalidade franceza; dando esta cir­
cum standa origem á lenda de sua viagem a França, em
epoclia posterior, indo apresentar-se em Pariz ao Rei e á
Rainha com sua mulher natural— a índia Paraguassu, esta
baptisando-se então com o nome de Gatharina, e também
então em seguida casando-se ambos á face da Egreja, dos
quaes foram padrinhos os mesmos Rei e Rainha de França:
voltando depois para a Bahia.
Diogo Alvares e Paraguassu nunca sahiram do Brazil:
foram encontrados pelo donatario 1 ran cisco Pereira Coutinho,
1537— 1538, e ainda depois pelo primeiro governador geral y)
Thomó de Souza, 1549.
O caso do tiro de espingarda e o cffeito do estampido
sobre os selvagens, não tendo estes então idéa alguma de
armas clc fogo, são apenas verosimeis.
muitos aimos antes, traficavam com os indigenas no rio de S. Francisco,
d’ondc levamam o p á u - b r a z i l , proprio para a tinturaria. ( W a r d e n , H i s t o i r e
d e VE m p i r e d u B re sil.)
(*) A yres do C asae , Corograpláa Brasílica. Baliia.
(*+) Frei A ntonio de S an ta M aria Jab o atão , N ovo Orbe
Seráfico.

/ ‘r vO..

!i '-' o
V ,- ,\ i v r »< ,

/
— 34

A verdade somente é — que Diogo Alvares não pode


deixar de ser reconhecido apenas como o primeiro povoador
da Bahia, casado com a india Paraguassii, e tronco de
familia tornada distincta, numerosa, e nobre, naquella capitania.
Logo que fallcceu El-Rei D. Manoel (1 3 de Dezem­
bro de 1 5 2 1 ) e subio ao throno seu filho, D. João III,
Ghristovam Jacques (o mesmo da expedição de 1503 ) foi
nomeado para percorrer com uma esquadra as costas bra-
zilicas, pondo termo ao contrabando do páu-brazil.
Não dizem as chronicas o dia da sabida dessa
armada; mas declaram que chegara á bahia de Todos os
Santos em 1 ;>2.>, e abi mettera a pique duas embarcações
francezas contrabandistas, e, seguindo depois para Pernambuco,
fundara la, na ilha de Itamaraca, uma feitoria para o
commercio com os navios estrangeiros. Depois dessa expe­
dição e que o governo de Portugal resolveu-se a mandar
alguma tropa.
Lm 1526, Diogo Garcia, capitão portuguez, mas ao
serviço do Rei de Castella, avistou os Abrolhos; e, seguindo
costa .abaixo, entrou em uma bahia por ellc então denominada
S. \ icente, onde encontrou (segundo ellc narra) um bacharel
portuguez, e mais outros seus compatriotas (*), vivendo entre
os indígenas, o qual lhe forneceu viveres, e um genro seu
para mterprete. A hi esteve até 15 de Janeiro; e seguio
depois cm demanda do cabo de Santa Maria. *
L licito duvidar, se não da authenticidade da carta
ou memória de viagem de Diogo Garcia, 1526— 1527
publicada na Revista do Instituto Historico, Geographico e

P Nfl° cram certamente Antonio Rodrigues e João Rairnllm


nm o outro portuguezes, _ encontrados depois por Martini Afonso em
L, 1- lambcm estc Martnn Aftonso, quando, em 12 de Acosto de lã a i
chegou com sua esquadra á ilha do Abrigo, em freirte ? b a m t
Cananea, encontrou um b a c h a r e l , Francisco Chaves e mn;a J b a n a de
S
( <ull^.0 bemí loOl,
í f r por declararem 0U
alli “ailfra«ü8‘
residir ha da e x annos
trinta p e ^ ã oNão
T GonçSõ
se S n
estes os mesmos, antes encontrados por Diogo Garcia ? A tal L m do
s - * i"»te nao seria a mesma de Cananéa? * a clc

«
* i.
35

Ethnographic o do B ra zil, XV, ao menos do facto de ter


elle aportado a S. Vicente, se este é o mesmo porto assim
denominado em 1531 por Martim Affonso de Souza. Não
seja rasão para asseveral-o o assignalamento da altura de
24 gráos, expressa naquella carta; porque é certo que, não
estando ainda bem aperfeiçoado o astrolábio, o equivoco era
possível, ou com a barra do Icapara, ou, mesmo mais ao
sul, com a de (Jananóa. D em ais: as circumstandas relatadas
por Diogo Garcia, a proposito de ajustes de fretamcnto
feitos com o tal bacharel, para o transporte de 800 encravos,
suspeitam evidentemente esse documento encontrado, já neste
século, cm Hespanha. Por ventura é um dos muitos fabri­
cados, cm principio do século X V I, pelos castelhanos, para
o caso de ser-lhes necessário cxliibir uma prova de prioridade
de descobertas por seus exploradores; tanto mais forte que
appareceria assignado por um portuguez...
A navegação para as índias Orientaes, entretanto,
continuava a absorver a attenção do governo portuguez; até
que, para obstar mais efficazmente ao contrabando do páu-
hrazil, c vendo El-R ei D. João III que os castelhanos
fortificavam c povoavam as terras do Rio da Prata, tomou
a deliberação de colonisar a immensa conquista na 'Terra
de Santa Cruz.
E assim o fez, para gloria de seu reinado.

^o'

I
9
C A P IT U L O T E R C E IR O

Mas cá onde mais se alarga, alli tereis


Parte também co’o páu vermelho nota:
T)e S ancta Cruz o nome lhe poreis:
Descobri-la-lia a primeira vossa frota.
Camões, L u z ia d a s , X, 140.

.... por o qual nome S a n c ta


C ru z foi aquella terra nomeada os
primeiros annos.... Porém como o
domonio por o signal da Cruz perdeu
o dominio que tinha sobre nós,....
trabalhou que.... se perdesse o (nome)
de S a n c t a C r u z ....; C, pois, GUI Outra
cousa nesta parte mo não posso vingar
do demonio, a m o e sto d a p a r t e d a
C r u z ile C h risto J e s u s a to d o lo s q u e
este. loe/ar le r e m , q u e d è m a e sta te r r a
o n o m e q u e com ta n ta s o le m n id a d e lhe
f o i p o s to , SOR PENA DE A MESMA
C ruz , que nos ha de se r mostrada
DO DIA FINAL, OS ACCUSAR DE MAIS
DEVOTOS DO PÁU BRAZIL, QUE DELLA...

J oão de Barros, D ecadas, I,


5, 2 .

Segundo alguns clironistas, os indigenas deste grande


paiz do Novo Mundo o denominavam A r a b u t a n . Mas,
certamente, lia engano; porque os indigenas, divididos em

1__ •
38

tantas tribus c nações, com denominações varias de taba ( )


em taba, embora ligados, sob o ponto do vista etlmograplnco,
a raças amarellas mais ou menos principaes, derivadas do
tronco eommuin ('" )) que habitavam este vastíssimo continente,
não podiam comprehendor sob aquellc nome o immenso
territorio que passou a denominar-se B razil. Sem duvida,
o nome Arabutan seria apenas de algum lugar aonde por
ventura aportaram os primeiros portuguezes: os indigenas
costumavam tirar das condições physicas dos lugares os
nomes para esties.
Não ha, porém, necessidade de averiguar agora essa
denominação gentílica. Nosso proposito e outro. Queremos
examinar a questão dos dous nomes— S anta C ruz e B razil,
dados successivamente no século X V I a este grande paiz.
O nome proferido e noticiado por Pedro Alvares

Aldêa. Esta povoarão, sempre á margem de um ribeiro,


compunlia-se de quatro até sois cabanas, ocas, dispostas dc maneira que o
centro formava uma praça, regular. Cada cabana, ou o c a , se era para
uma só familia, a denominavam tejnpal,; se para mais familias (e cm geral
aeeommndava vinte a. trinta familias), era te jn p a h n . Cobriam-n’as de
palmeira, ou emn sapé. onde faltava aquella. Fundadas sobre grandes
esteios de madeira, eram cercadas cm redor por paredes do palha, ou de
taipa de mão. cobertas de piudoba, com dous ou tres buracos para en­
tradas e sabidas, sem portas nem fecho. Moravam em taes o c a s ou
tcpipu/ms, na melhor communidade, com respeito mutuo de familia á
familia, sem conflictos.
As aldéas ou ta b a s eram defendidas por fortes e altas estacadas
de paus a pique, bem unidos e profundamente enterrados. E ainda por
fóra um fosso para o escoamento das aguas pluviaos.
( "') "Nalo a pena ler a obra de lí. BiiCck. 72llumanité, son
d i>i't’l/<ij>pnncut et s't <lure, \ "2 vols., Pariz, 186b. O autor sujeita todos
os factos, desde o principio do mundo, á acção dos systemas magnéticos.
O autor j á havia publicado outra obra, sob o titulo M a g n e tis m e d u globe.
Nada elle attribue ao acaso: Deus preside o desenvolvimento
regular da humanidade, por periodos magnéticos seculares de 516 annos;
e o reinado de maior brilho tem lugar oxactamente por occasião da
passagem superior do polo magnético secular. E, ácerca da especie
humana em geral, c de sua distribuição universal, das classificações das
grandes familias e das raças, e também das linguas como caracter
distinctive das populações, traz no primeiro volume tres capitulos; e, no
segundo, demonstra a acção da Providencia e as leis do mundo.

«
— 39 —

Cabral, foi o de I l h a d e V e ra C ruz, na suppos içã o de que


descobrira somente uma ilha, visto como, naquella epocha,
ainda prevalecia na Europa a crença da (*') « maior parte
dos antigos que diziam não existir, além da linha equinoccial,
para o sul, continente algum, mas somente aguas, o mar
que denominaram Atlantico » ; e o proprio Christovam
Colombo, até a sua morte, 1506, pensava que as suas des­
cobertas, no continente, eram a face oriental do C athay
(C h in a ), e, na parte insular, eram o Cipango ( J a p ã o ), do
veneziano M arco P oi o : denominando por isso o continente
índias Occidentaes, rclativarncnte á E uropa; e as ilhas,
Antilhas. (**')
Não era, porém, uma ilha como depois foi verificado;
entretanto, El-R ei D. Manoel julgou assentar melhor á ilha
o nome de S anta C ruz , por isso mesmo que ambos ex­
primiam a mesma idéa. Assim denominou elle este paiz,
quando, na carta escripta em 29 de Julho de 1501 aos
Reis de Hcspanha, Fernando e Isabel, noticiara-lhes a grande
descoberta; e confirmou o mesmo nome na carta régia de
16 de Janeiro de 1504, doando a Eernão de Noronha a
ilha que este descobrira e denominara de S. João, mas que
tomou o seu nome, em vez do do grande Apostolo.
Todos os escriptores notáveis da primeira m etade do
século X V I repetiram a denominação de S anta C ruz ; e,
mesmo depois, comquanto concorresse com o nome de B razil ,
dado principahncntc pelos genovezes e venezianos ao serviço
maritimo de Portugal, c propagado pelo commercio em geral,
ainda aquclla denominação fulgurava como principal, e os
poetas e os litteratos não a dispensavam, como até hoje,
para aproveitarem-lhe as scintillações.
Concorreu muito para a classificação de ilha, tal qual

(*) H ytjAComylus (Martinho Waldzecmuller), C o sm o g ra p h ia e in ­


tr o d u c tio , 1507, Saint-Die.
i*r) Os poLtolanos daquelles tempos, isto é, do seciüo XV, de­
nominavam Antilia um grupo de ilhas mais proximas do Cipango (Japão).

! «
— 40 —

o littoral sc afigurou a Pedro Alvaros Cabral, tambcm a


crcnea -oral ile'm n a illia quo M arco P mencionava cm o l o

suas doscripçõos do viagens no século X III. lodos os


navegantes An geral, não contando com outros continentes,
como ó notorio, e alimentando ao mesmo tempo a esperança
da descoberta da famosa ilha de Condar, assignalada pelo
referido M arco Polo como a mais oriental de todas as que
(die visitara, e onde havia muito brazile (*), ou verzin
domestico in </run <jaaahtà, acreditavam sempre tocai a tal
phantastica ilha do brazil.
Km uma carta geographica, existente em Parma, do
soculo XIV, assim como no Atlas inedito da bibliotheca
Pinelli, a ilha Terceira, ou de N. S. Jesus-Christo, conforme
a denominação dada por frei («onçalo \ olho Cabral, com-
mendador dc Almourol, fora, talvez sol» essa preoccupação,
designada com o nomi' Insula de lin ed ou 1. de brazil. ( '!'f)

( I I>('sili' o scenic) IX. ;i Kiiropa conhecia esta madeira. A côr


vermelha on c'scarlatc. para. as vestimentas regias c para as capas dos
cavalleiros. era extrahida desse lenho.
I{KNAI' I>i)T. Anri-nnes re/nt ions tit’s Indes et tic la Chine. Pai’iz,
171s. menciona o commercio de /nin-ln-n:il no século IX. como vinclo das
ilhas I’ltmni (as .Mala vas).
Ai.m i'iaiA. na ohm geographica, com versão franecza por IIfjkaud,
Pari/, ls.'is. e anteriormeiite com versão latina por .1. J. TIkiskk, Lcipsick,
17Õ1. sendo que essa notavel olira original tem o nonic— Takwin al Jioldav,
traz no mappa XVI. das ilhas do mar oriental, uma inseripeão cuja tra-
duccão latina e : Z a m i . r a est matri.e tinni Lrn:Hii et e anni e Indite. Esta
inseripção. ceri'cs])omiemlo sem duvida, ao original arabico, foi transcripto
]ior I ) A\ 11) Ii. \ \ AliDKN. I l/sttn re de t h w j h v e d n 1'ivtsd. i, pag. 2 it).
Nas . I nt itj/r i/ntt s /I iilietr medi i teri, dc Mlíll ATOI1I. OStil designado
lirti.fi/is , tal «iiml era escripto nas tabellas das alfandegas do Ferrara c dc
Jlolonha.
(: ) Tamhein durante muitos annos após o descobrimento da
America, muitos mappas designavam o mesmo territorio sob os dous nomes
(le America C de Ilrazi/.
Na Cosmographia de Munster, impressa, em (Icnehra, 1550, ha
um mappa-inundi, no qual. mu })ouco ao sul da linha cquinoccial, foi col-
loeada. Amerine vel JIrazHii. Insula.
Em outra carta, soh o titulo Novus Orbis, apparcce o continente

c
41

E sta ilha, como é sabido, pertence ao archipelago dos Açores.


Nas ilhas Madeiras e nas Canarias, havia também o páu
verm elho; mas, não era propriamente o páu-brazil (*),
conforme foi declarado no Roteiro da expedição portngneza
de 1341 as referidas Canarias, embora o pareça: Ligna
rubra tingentia, fere ut verzinum, fa c esse dicant e.rperti
talium tila non esse verzinum. Talvez fosse o brazileto ou o
brazil rozado: on simplesmente o sapão.
Mas, a verdade é que o desejo de ser o primeiro a
reencontrar
• ,
a tal ilha Condur entretinha a imaginação
o J
dos
maritimos; e, ã procura dessa ilha, os portngiiezes João
Vaz Corte-lleal e Alvaro Martins 1fornem cmprchendcram
cm 1463 a navegação dos mares septentrionaes, não des­
cobrindo,porém, senão a ilha de berra Nova, o banco de
bacalháo, e a terra de Labrador, ainda qne fosse isso
de muita gloria por preceder a Christovam Colombo na

meridional sol) O nome Tnsit/a Atlantica ijiraui vocant Jírazüii et


Americam.
J. nu Luuv, escrevendo acerca da expedição de Villegagnon
(1550), denominou sua olira — Il/stoire d'un vouaije en la terre dir /Iri-sil,
autrement dite Amerirpre.
Tudo isto serve para patentear a confusão dos espíritos, liaquellcs
tempos, sobre o lugar e o nome da terra do brazil.
C) O páu-brazil o denominado por Linjni-x—Cccsalpinia echinata.
Ha tres especies desta madeira: brazil-mirivn brazil-assá, e
brazileto. O primeiro c o melhor. O segundo dá uma tinta côr de rosa,
e por isso ó também denominado rozado. O terceiro fornece pouca tinta,
c algum tanto desmaiada.
Esta arvore, (pie tanto cresce em montes como em va.rzeas,
renasce de tronco que não é arrancado. Os ramos são cheios de espinhos.
E' optima também para construcção, porque não apodrece na agua:—deve.
porém, ser cortada em conjunctures de lua que os práticos sabem.
Os indigenas a denominam ibira-pitangá ou huira-pitmujá.
Na Asia, ha uma madeira, parecida ao páu-brazil, cujo nome é
sappan ou mppana, mudado pelos arabos em hakkam, mas que os por-
tuguezes conheciam por sapão. Também dá uma tinta vermelha.
O páu-brazil. desde os tempos colonia.es, tornou-se monopolio do
Estado. Em 1831, pela lei de 15 de Novembro, o páu-brazil foi especial-
mento destinado ao pagamento da divida externa. A corrupção administrativa
tem deixado desviar essa fonte de renda nacional.

I .
42

descoberta do Novo Mundo (*). E assim outros explo­


radores. (lf*)
De ter sido encontrada na T erra de S anta C ruz
abundancia <le brazil, parecendo ser a tal famosa ilha, ie-
sultou que o nome mystico da Cruz foi apagado, não so no
commercio, mas até nos documentos officiaes ( ” ). Nem

(:i'| T ri uozo , Ensaio sobre os descobrimentos e commercio dos


portuguezes cm os ferros sej>fentrtonaes do ei mcrtca.
(' ])],; Sotto M a i o r , Os Estodos Unidos, Lisl)0a, 1877,
attribuindo essa descoberta a Gaspar ( orte Kcal, cm 1500, confunde os
dons individuos do mesmo sobrenome.
( : : ) Km 1-19d, João Cabot (Giovanni Cabotto), genovez, depois
YOiuv.iano, e, nesse tempo, inglez, partio de Bristol, cm urna expedirão
ingloza. á procura da tal JUm Brazil, que, segundo as ideas da cpoclia,
procedia a Antilia, ou Ilha </a,< sete cidades, a mais \ismha do Cipango
(Ja p ã o ): estando estas ilhas mencionadas em varios portolanos então em
credito, bem como varias outras egualmente imaginarias. Por causa do
anlfstream, corrente tepida, azulada, e salgadissima, quasi circular no
Atiantieo septentrional, então ignorado, não logrou tocar senão a ilha da
Terra Mova em í \ de Junho de 1497. O gulf stream começa no canal de
Bahama, segue para o norte até Terra Nova, dalii vac á Europa, e depois
desce a perder-se na corrente do tropico de Câncer.
(***) BníaFKTr.\, Primo viaggio inform al globo terraequeo negli
anui lá ui— /022, Milão, 1800, com versão franceza, Pariz, 1801, escreveu
que a esquadra de Fernando de Magalhães, na qual cllc servia, depois de
ter passado a linha oquinocrial, aproximando-se do polo antarctico, perdeu
de vista a estrella polar: e, tomando o rumo sul-sudoeste, tocara na
chamada Terra de rerziuo ou de legno hrasilc.
A. H e r r e r a , Historia general de los hechos de los Castellanos en las
ludias accidentales. Madrid, KiOl, escreveu: «Se llama la Tierra del
brazil por el paio que de ella tracm »
O mesmo A. Hi: mum a, ohra citada, a proposito da viagem de
A'icentc Y. Piuzon. aceresccnta: « ... i los portuguey.es diccn la Tierra de
Santa Cruz. i aura del Brazil. »
Em unia edição da Geographia de P tolomeo , Roma, 1508, no
mappa relativo ás descobertas dos portuguezes, a terra do brazil estava
separada do continente, mas ainda trazia o nome Terree sancta; crucis,
conforme o appendice ás cartas de Américo Vespucio, que podem ser lidas
em M ello M o raes , Corographia, pag. 114.
Maiuíííisavius, Historia rerum naturalium Brasilia?, e tratando de
regionibus et indigenis .Brasilia:, escreveu: liccc regio primb it Luzitanis
appellata fa it SAXOTA Cui'Z, quod nomen postea mutarunt in T e rr a DO
B razil ob ligni copiam...

t
43

foi-lhe soccorro a coincidência com a constellação meridional


do Cruzeiro, que os descobridores viram sobre snas cabeças
na mesma occasião, segundo a descreveu e desenhou em
sua carta de l.° de Maio de 1500 o physico da armada,
J o ã o E mexelau ; carta esta publicada por V arxhagex , em
nota á sua H istoria geral do Brazil.
Não foi, portanto, do nome dado ao paiz que proveio
a denominação de brazil para a m adeira que aqui existia
em abundancia c que o gentio chamava ibira-pitangá (*)•
O ibira-pitangá era a mesma madeira, embora de melhor
qualidade, já conhecida na Europa, e denominada brazil,
pelos portuguezes e hespanhoes, brasile, pelos italianos, brésil,
pelos francezcs, da mesma raiz de brasa, ou braise, por causa
da similhança com a còr vermelha do fogo cm brasa. (**)
Ainda hoje esta nação, denominada B razil, está
penando pela immensa culpa da mudança do nome primitivo.
Traz em questão, como limite septentrional, o rio Oyapock ;
perdeu, como limite meridional, o Rio da P rata ; ao sudoeste,
não é guardado pelo rio Paraná. Não tem sido decididas
definitivamente suas fronteiras, antigamente com a llespanha,
e ora com as republicas circum visinhas; de sorte que está
sempre exposta ao caso de guerra, e, alhadas as republicas,
uma meia bola de fogo poderá muito affligil-a, facilitando
invasões e conquistas por esses lados. No littoral, além das
epidemias, febre amarella e beri-beri, que assolam seus
portos, am edrontando o emigrado, e impedindo o immigrante,
esta infeliz nação está constantemente rccciosa de violentas
complicações internacionaes com inglezes e francezcs, não só
por causa das Guyennas (***), como sobretudo por questões

(*) Na serra Ybiapaba, Ceará, havia também o pán violete, que


era denominado pelos indigenas ibira ou imira-cotiara. J eronymo d e Albu­
q u e r q u e , Jornada do Maranhão, c outros chroiiistas, mencionam esta
madeira.
(**) E. LlTTRÉ, Diet, de la langae fravçaise, na palavra Brésil.
(***) Deus queira que a Allemanha não queira brevemente
applicar ao nosso archipelago da Trindade a theoria possessoria, com que,
ha mezes, plantou o pavilhão allemão nas Filippinas, da llespanha:—
44

mercantis, nascidas da facilidade no adm ittir emprezas e


companhias estrangeiras, em relações francamente directas
com os governos, geral, provincial, municipal, sob o pretexto
fallace de attraliir dinheiro de fora do paiz. (*)
Além de tudo, a nação vive empobrecida, sem o
verdadeiro trabalho livre, ainda completamente jungida aos
illegitimos interesses da escravidão, e, por mofina, sempie
balda a çovorno de princípios e a uma adnnnistiação
orientada, tradicional, firme, escoimada de fraquesas.
p releva tornar conhecido que não foi um acaso o
nome de S anta C ruz dado á terra descoberta por Pedro
Alvares Cabral: não ha acaso para Deus, e todos os factos
no homem têm a Deus por causa. Nos descobrimentos feitos,
assim por ( hristovam Colombo,como pelos portuguezes na
terra que depois foi denominada America, não houve ver-
dadeiramente senão um facto providencial ; c I s a ia s , ao mesmo
tempo *pii' annunciava. o .Messias, prophetisava aquelle facto,
di' modo claro e positivo, qual o expoz c demonstrou o
insigne padre A n t ó n i o \ if.i r a , cm sua obra Historia do
faturo, cuja. parte relativa a taes e tão extraordinarios successos
já ficou transcripta.
P, se não, atten d an ts ainda para certos signaes, que,
se nada valem para os incredulos, são de subido valor para
os homens de fé.
Di sse S. Actostinno, Serra., X X V III : Circumfert
P aui.us Jhm iuicum in cruce ve.rillum. E t iste piscator

questão esta quo o actual papa Leão XIIT, aceito por anilios os governos,
resolveu em favor da Ilespanha, ainda que concedendo á Allcnianha certos
direitos auxiliares de sua navegarão.
0 governo do Iírazil parece eégo e surdo. Quando quererá
installar naquelle archipelago algum estabelecimento V
Ao menos, a T rindade será uma denominação christã que nos
restará das antigas descobertas.
(*) Ksta critica á administração soffrerá talvez a censura dos
economistas e financeiros sem patria. A verdade é que o paiz está
supportando as consequências dos erros.

t
45

hominum, et ille ( P etrus ) titulat signo crucis gentiles.


« Paulo, levando por toda a parte o Real estandarte da
cruz, pesca os homens, ao mesmo tempo que Pedro marca
as nações com o signal da cruz. »
P e d r o Alvares Cabral, em verdade
denominou V e ra
C buz o paiz por elle descoberto em 1500. M as, que rasão
mysteriosa actuou em seu espirito para isso ? Foi elle então
apenas o instrumento de Deus : Petrus titulat signo crucis
gentiles. Tanto mais que o facto da descoberta coincidio,
naquelle anno, com a Semana Santa ; e a cruz foi plantada
no primeiro dia do mez cm que a Fgrcja celebra a Invenção
d a S a n ta C ruz.
E ’ preciso assignable, nesse facto, duas circumstancias,
notabilissimas ainda para os homens de fe.
Prim eira. Segundo a carta de Pero Vaz Caminha (""),
escrivão da armada, foram vistos signaes de terra no dia 21
de Abril de 1500. No dia 22, foi avistada a terra, e
lançadas as ancoras, ao sol posto ; e o grande monte foi
denominado JSlonte Paschoal, c a terra tomou o nome de
V era C r u z : — era quarta-feira santa. No dia 23, houve o

(*) O nome Veiia C ruz foi dado, em referencia ao dia 3 de


Maio em que a Egroja commemora a I n v e n ç ã o d a V e m C ru z, na qual
Jcsus-Christo morreu martyrisado, e que, conforme o ceremonial judaico,
foi enterrada no Golgotha, no mesmo lugar, mas em uma co\a. coinmum,
com as dos dous ladrões. Santa Helena, mãe do Imperador Constantino
Magno, após a visão celestial deste, na éra de 326, movida com uma
revelação de Deus, logo que encerrou-se o concilio de Nioéa, seguiu para
Jerusalém, no proposito de achar a cruz do Salvador. Desenterradas as
tres, impossível foi-lhe distinguir a v e r d a d e i r a , ate porque o titulo delia
estava apartado; e, ainda que a descoberta causara cm seu coiaçao
grande alegria, vira-se ao mesmo tempo em embaraço e confusão, «porque
adiara o que com tanta ancia buscara, e era como se não achara, pois
não o podia conhecer». Desta situaçao impossível tirou-a S. Macaiio,
patriarcha de Jerusalém; pois que, mediante orações para quo tosse
mostrada com algum milagre qual a v e r a e r v em vao uma mulher
enferma foi tocada successivamente com as duas primeiras, so a terceira
a curou instantaneamente, cessando assim desde logo a duvida.
(**) Esta carta, em toda a sua integra, pode ser lida em Avu.es
do Casal, C o r o g r a p h ia B r a s í l i c a , introducçao.

J
46 —

desembarque de Nicoláu Coelho e de alguns homens da


arm ada; e, encontrando indigenas na praia, com elles entre­
tiv e ra m -se :— era quinta-feira santa. Nesse dia, conforme a
commemorata o da Egreja, Jesus-Christo era descido da cruz,
na qual expirara.
See/unda. Sc attendermos á correcção feita no ca­
lendario Juliano (então em vigor) pelo papa Gregorio X II I
(mi 1581, e se considerarmos que esse grande facto occorreu
já depois de passado o dia 20 de Fevereiro, isto é — depois
de tornado bissexto o anuo de 1500, verificaremos que o
dia 23 de Abril desse anno (o do desem barque) não era
verdadeiramente senão o dia o de Alaio, no qual a Egreja
deveria estar celebrando a J xvkxção da S anta C ruz, sc
estivera ja então em vigor a corroerá o Gregoriana. (*)
O ja citado J oão nu B arros, por uma inspiração
inexplicável, diz çpie Pedro Alvares Cabral, ao levantar
ancora no dia ■> de JIuio, deu á terra descoberta o
nome de Santa ( ruz. Como, pois, aproximou elle os dons
dias, então d/rersus (2 5 de Abril e 3 de M aio) segundo
cada um dos dons calendarios, depois vin só ( 3 de M aio)
segundo a correcção do papa Gregorio X III?
Pstas coincidências, que só podiam estar nos desígnios
de Pens, nao podem deixar de impressionar religiosamente
os espíritos verdadeiramente cultos; pois, 6 certo que, sc a
minta sciencia fortifica a fe, a pouca scicncia a enfraquece.
Segundo a narração do mesmo Pero Vaz Caminha,
no dia 26 de Abril (domingo da Paschoa, ainda que elle
escreveu Jdschoela ), acabada ha Alisa, desvestio se ho padre,
e pose se em liinima cadeyra alta, c nós todos lançados per

( ) 6 senador ( axdido Mkndks in-: Aumkida, meu irmão já


havia feito esta mesma observação ua H is to r ia <!o C o m m e r c io , Tomo I da
obra D ir e ito M e r c a n til .
( ; ) Não foi exacto nesse ponto, como vê-se da carta de Pero
\ az Caminha, escrivão da armada. O nome foi dado no dia 2d de Abril
J oão m: B aruos, mencionando o dia 3 de Maio, entrevira por ventura à
posterior correcção Gregoriana.

M
47 —

esa area: e preegou huum a solene, e proveytosa preegaçam


da estoria do A vanjelho: e, emfim dela, tratou da nosa vymda,
e do achamento desta terra, conformandose coni ho synacd
da Crus, s o b c u j a o b e d i e n c i a v y m o s ; ha qucd veo muyto aa
proposito, e fe z m uyta devaçam ». Segundo o mesmo Caminha,
na referida carta, « aly hcera com ho Capitam ha B andeyra
de Christus (*) com que sayo de B elcm : ha quaal esteve
sem pre aa parte do Avanjelho ». (**)
Ainda . ha mais um signal clarissimo para ser res­
taurado o nome de S a n ta C r u z : — a série de P e d ro s,
influindo, de qualquer modo, nos acontecimentos relativos a
este paiz. S. P e d ro , o Principe dos Apostolos, morreu cm
R om a martyrisado em uma cruz, de cabeça para baixo,
depois de açoutado com S. Paulo: imitando assim com sua
m orte a Morte e com sua cruz a Cruz de Jesus-Christo.
P edro Alvares Cabral descobriu, e deu o nom e de
S anta C ruz (***) á terra descoberta.
Yaz Caminha, escrevendo a carta de l.° de
P edro
Maio daquelle mesmo anno (1500), lavrou inscientemente o
primeiro documento historico do paiz descoberto por aquellc:
segundo um historiador brazileiro neste século (****), « esta
carta é o auto solcmne do descobrimento, é a primeira
palavra da historia do Brazil ». B certo que Joao Jhmenelau,
physico da armada, escreveu outra carta na mesma, data;
mas, além de ser cllc hespanhol, sua carta só no corrente
século apparcccu publicada, segundo já íbi referido.
P edro do Campo Tourinho foi o primeiro donatario
da capitania de Porto Seguro, e sua expedição ancorou na

(*) Bandeira de seda, em que estava debuxada a cruz vermelha


da O rd em d e C h risto .
(**) Julgámos util respeitar a orthographia do documento
original.
(***) O de Vera Cruz c o mesmo, on exprimo a mesma idea.
(****) J. M. de Macedo, A n n o bio< jr«phico b r a z ile ir o , l.° de Maio,
P ed ro V a z C a m in h a . P ero ou P edro, é o mesmo nome.

í •
*

48

mesma bahia onde o descobridor P edro Alvares Cabral


plantara a famosa cruz em 1500: — esse donatario fundou
abi a villa, ainda com o nome de S a n t a C r u z , mas seu filho,
hernão do Campo Tourinho, mudou-a para a margem do
rio Simão de Tvba; e, relatam as (dironieas, não foi feliz
como seu pae.
de Magalhães <le Gandavo foi quem primeiro
Pedro
lbrmou e escreveu a ainda então pequena historia da pro­
víncia de S anta C r u z . ('■')
P Copes de Souza foi o primeiro capitão por-
edro
tuguez que, correndo a costa brazilica, desde o cabo de
S. Uoque para o sul, entrou no estuário do lvio da Prata,
e subiu-o para exjdorar o rio Paraná. Juste explorador era
irmão de Martuu Afonso de Souza: e foi donatario de
Itamaraca, ao norte, o de Guaibe, ao sul, como depois jf* »
(1iremos.
Primo h ornandos Sarddnha foi o primeiro bispo do
ja então denominado B r a z i l : morreu martvrisado, pois que
os inuigenas authrnpophagns o devoraram juntamente com
outros, quando apenas haviam conseguido salvar-se do nau-
iragio. \ oitava o bispo |»ara Portugal. Seu successor foi
P e d r o Ceitão.

Prmrn do tal, portuguez como os outros já mencionados,


tcri-eiro. tendo naufragado (piando veio para o Maranhão, na
expedição dos primeiros donatários .João de P an o s e outros,
imanou familia entre os indígenas daquella capitania, nos limites
da actual provincia do niisino nome; de sorte que seus
descendentes, embora ainda selvagens, não quizeram reconhecer
em 1•»í>4 1 <»1 4 os franeezes como os verdadeiros Peros (**),
preparando assim, sem o saberem, a restauração dos por-
tuguezes a 111 em 1(514. í*R

C) A obro tem o titulo: go ,le Santa nrz,


" 7 i'irl< hi r u i r i i / c rh itm tn ito x líliAZIL. Lisboa, lõ7li.

(: 1 Sl MAn P s T .v e .............. A Sl LYKIl í A. Jtrhtnlo w w u w ri,' ,/o.s condas


,la lx - làsiT(‘vca IWÓS, aceitando a ]»ronunciii francoza.
— 49

•Ite de I' re itas foi o capitão do patacho, que em


P ed ro
1615 fez parte da primeira expedição portugueza, destinada
expressamente ao descobrimento do rio dos rios, o Amazonas,
sob o commando de Francisco Caldeira de Castello Branco;
descobrimento que só outro P edro Teixeira, capitão-mór do
Grao-Para, 1 6 3 7 — 1669 ("’), acompanhado dos capitães
P edro da Costa bavella e P edro Bavão de Abreu, por
commissão de um governador gerai interino do Estado do
Maranhão, eoncluio com inolvidável gloria, já em vespera de
ser restaurado Portugal com a dynastia de seus lieis.
bernandes Monteiro foi o conselheiro, pro­
P ed ro
curador da fazenda, 1648, que, vendo El-ltei D. João IV
muito propenso a ceder, por desanimo, á llollanda toda a
costa do Brazil, desde o rio Kcal até o Ceará (que /içaria
^ deserto), e também o littoral de Angola c a ilha de S. Thoiné,
além clc indemni sabões de guerra, apresentou um mui bem
elaborado e patriotico parecer impugnando a negociação como
contraria á religião, á clemencia para com os sublevados em
Pernambuco, á reputação da Coroa, á conservação do resto
do Brazil e ao bem da fazenda publica; e propondo antes
a compra, a todo o custo, de Pernambuco, em ultimo lugar
a guerra » (**). Se não fora esse famoso e enérgico parecer,
o Brazil teria sido para sempre desmembrado e dividido,
mediante o encravamento de possessões hollandczas.
Jacques Magalhães, depois l.° visconde de
P edro
Fonte Arcada, foi o commandante 4a frota portugueza que, >
completando o assedio da cidade do Recife em Dezembro
de 1653, forçou a capitulação de 26 de Janeiro de 1654,
em virtude da qual os bollandezes abandonaram uefmitiva-
mente Pernambuco, e portanto o Brazil.
,«»•
Çg IJer he do , A n nacs historicos <lo h s tm to <1<> Afurunhuo, 6 1 .)
até 7-14.
(**) V aumi aorn , barão do Porto Seguro, depois visconde do
ínosilio titulo, Os hollomlezcs no linizU. desde 1624 a Idol, IX in fite.
O Ceará, como territorio intermediário, ficaria deserto: isto e,
não seria povoado, nem por portnguezcs, nem por bollandezes; seria, cm
sumina, um territorio neutralisado !

> •
50

El-Rei D. P edro II ( 1 6 6 7 — 1 7 0 6 ) foi o primeiro


Rei que entrevio a necessidade politica da plena união desta
vastissima colonia portugueza: qncr expedindo a carta régia
de 24 de Setembro do 1670, para qne as .camaras não
executassem ordens do proprio Rei on dos donatários sem o
cumpra-se do governo geral do Estado; qncr favorecendo as
descobertas e internações dos paulistas nos sertões do Piauhy
c do Maranhão, 1 6 7 4 — 1690, embora de Estado diverso,
on sob governo separado; qner obtendo do papa Innocencio II
a creacão do arcebispado da Bahia, e na mesma occasião a
dos bispados do Rio de Janeiro, Pernambuco e Maranhão,
1 6 7 6 ; qner, finalmente, no intuito de reparar erros de seus
antecessores, entrando para a allianca da Inglaterra, Hollanda
e Austria, contra a França e a Ilespanha, pelo tratado de
16 de Alaio de 1703, conforme o qual aquellas tres potências
garantiam a Portugal, para o Brazil, o cabo de Orange, com
o rio Oyapock, como limite septentrional, e o Rio da Prata
como limite meridional, — tratado esse que infelizmente seu
successor não teve forca para fazer valer e executar no
congresso de Utrecht, aberto em 29 de Janeiro de 1712,
vendo-se Portugal abandonado perfidamente dos taes seus
alliados. O')
D. P e d r o de Alcantara, sendo Principe Regente no
Brazil, promove a independência, e funda este vasto imperio
americano. Foi o Imperador D. Pedro I, chefe da dynastia.
Devera ter comprehendido sua missão providencial; mas, por
suas culpas, q u i z abdicar, e de facto abdicou em 1831.
I). P edro II, Imperador actual, filho daquelle. O
primogenito era o Principe D. João Carlos, que fallcceu em
4 de Fevereiro de 1822. Só depois, cm 2 de Dezembro
de 1825, nasceu o actual D. P edro II, para continuar a
d y n a stia ; o qual, recebendo de frei P edro , bispo de
Chrysopolis, a educação, e precedendo em 1840 seu tempo,
recebeu de outro P edro ( de Araujo Lima, fallecido marquez

i í:) J oaquim Caetano da S ilva , L ' O y o p o c et VA m a z o n e , 2 vols.;


obra especial para esta malfadada e eterna questão com a França.

«
51

de Olinda), então Regente, o governo do Estado. Trcs


P edros ! (*)

E outros muitos signacs (**), pelos quaes patcntèa-sc


que o nome primeiro, o de S anta C ruz, conforme a rccti-
ficação de El-Rei D. Manoel, deveria ter sido conservado;
e, ora, alguém o deve restaurar.
Eelizmente, ao passo que o commercio e o contra­
bando do ibira-pitanejà conseguiam apagar o nome de S anta
C ruz , dado por cavalleiros da Ordem de Christo, para o
substituirem pelo de B razil, Deus inspirava em 1534 a
Ignacio de Loyola, que depois foi canonisado pelo papa
Gregorio X V (1621— 162.3), a fundação da Companhia de
Jesus, approvada cm 1540 pelo papa Paulo 111, para dar
esses innumeros missionários que, como Manoel de Paiva,
Manoel da Nobrega, José de Anchieta, João de Almeida,
Luiz da Grã, Belchior de Pontes, André de Almeida, Eran-
cisco Pinto, Luiz Eigueira, Antonio Vieira, e tantos outros,
estrangeiros e nacionaes (***), resgataram para a Cruz
milhares e milhões de almas no Novo Mundo. E cousa
notável! A epocha 1 5 3 4 — 1540, da fundação da Companhia
de Jesus, coincide com a da divisão das terras do brazil em
capitanias para a colonisação, por E l-R ei D. João III !
Altos designios de D eu s!

(*) Bem podemos trasladar para aqui, com applicação ao que


fica referido, as palavras do padre V entura d e R aiu .ica ácerca de Chris- §
tovam Colombo: «Ils seraient done autant av en tes quimpies, ccux qui
scraient tentes de nc voir, dans la coincidence exacte de ces circonstances,
que 1’oeuvre du liasard et des passions, au lieu d y voir la conduitc admi­
rable de la Providence, et les harmonics des profonds desseins de Dica. »
(**) E ’ sabido que o padre José d'Anchieta foi um grande e
talvez o principal thaumaturgo na T erra de S anta Cruz. Pois b e m : o
primeiro que lhe escreveu a vida foi o padre P edro Rodrigues, que foi
Provincial do Brazil durante muitos annos. Dessa obra, que ficou cm
manuscripto, tiraram os precisos materiaes os posteriores biographos
daquelle missionário.
(***) P e r e i r a d a Silva, Varões illustres <lo lirur.il , menciona
muitos Jesuítas brazileiros. André do Almeida, filho de Antonio Rodrigues
de Almeida: na genealogia, Linha B, I.

t
52

Em verdade, sem diminuir o valor dos grancíes


serviços das diversas ordens religiosas, 6 licito affirm ar que
o Brazil foi obra, mais dos Jesuitas (*), do que dos dona­
tários (' do governo de Portugal. Ainda mais: ó licito
affirmar que, se não fòra a Companhia de Jesus, a terra de
( abral recahiria na barbaria, reassentando-sc seus povos nas
sombras da morte; ou seria necessariamente dividida entre
írancezes, hollandezes e inglezes (**), os quaes tanto a
ambicionavam, preludiando o almejado dominio com constantes
correrias e multiplicados contrabandos em suas costas e
portos.
Quantos grandes motivos, além dos occultos, no
decurso de quasi quatro séculos, para a restauração do nome
de S a n t a C u r z !
Dirão que são delírios fanaticos; e, mais ainda,
que a Religião nada tem com as nações...
Ali! quanta cegueira!
A censura, em tom prophetico, do grande epico
C a m õ f . s , c a euergiea amoestação christã do illustre chronista
J oão ue B a r r o s , permanecem de pé, apontando para o
.Brazil, e clamando, a bem delle, por urna reconstituição
christã, no n o m e , nos p r i n c í p i o s , nos f a c t o s .

0 Até a historia do brazil deve aos padres da Companhia os


melhores subsídios, por suas chronicas numerosas c minuciosamente de­
talhadas. Ainda que o certo terem essas chronicas adversarios systema-
ticos e acerrimos, em odio á ,a rande Companhia; de sorte que muitos
actos, c até datas, soffran o trabalho da falsificação, só para destoarem
das referidas chronicas.
O que ó pena é quo, em vez de tanto dinheiro gasto em im­
possíveis açudes e em outras especulações hygienicas do mesmo genero
como ^ se contra castigos dos Céos valham manhas e artes (o padre
Francisco Pinto foi trucidado, aos 11 de Janeiro de 1608, na serra de
Ybiapaba, Ceara, por selvagens Tacarijirs, nação local, c de todas a mais
b a rb a ra ), não haja uma verba orçamentaria para a completa impressão
das chronicas ainda ineditas, facilitando de tal arte o governo a formação
exacta da historia patria.
(**) h á ao norte, nas Guyennas, ainda estão elles, espreitando o
momento em que o Brazil não se possa defender.
CA P I T UL O Q V A R TO

0 Brazil está situado entre


5" 10' N. e 33" 45’ S.: e, abstrahindo
das ilhas Fern.ando de Noronha e
Trindade, entre 8" 12’ 26” E. e
30" 58' 26” O .: <lo Ilio de Janeiro.
Seus pontos extremos são : ao
N. a serra líoruima, cabeceira do
Cotingo, attinento do Tacutú, aos
*5" 10’ N. e 17" 35’ O.; ao S. a foz
do arroio Oliuy, aos 35° 45’ S. e
10" 21’ 27” Ò .; a E. a ponta de
Pedras junto a Olinda, aos 8" 0’ 57” S.
e 8" 19’ 26” E . : a O. as cabeceiras
do Javary, aos 6° 59’ 29” S. c 30°
58’ 26” O .: do Rio de Janeiro.
Limita a S E., E., e N E. com
o Atlântico: ao N. com as Guyanas
franceza, bollandeza e ingleza, e Re­
publica de Venezuela; a N O., O. e
S O. com as Republicas da Nova Gra­
nada, Equador, Peru, Bolivia, Paraguay
e Argentina; ao S. com a Republica
do Uruguay.
A. M o r e i r a P in to , O B ra zil
ern 1885.

Em geral 6 assignalado o anno de 1530 como a


epoclia cm quo El-R ei 13. João III deliberou a colonisação
da grande P rovincia de S anta C ruz, ja então denominada
54

commcreialmente T e r r a s no r r a z i l ; c não occorrcu-lhc


outro mcio do fazél-a senão a distribuição de tão vasto
territorio em diversas capitanias, doadas a fidalgos que se
obrigariam a eultival-as e a povoal-as, pela falta de dinheiro
por parte da Coròa (*)• As léguas marcadas nos titulos de
doação seriam medidas pelo littoral. Os titulares das doações
seriam .Donatários de juro e herdade, tendo a jurisdicção
civil e criminal. Reservavam-se, porém, certos direitos á
Coròa real, inclusive um fòro ou pensão.
As primeiras capitanias hereditarias, em que o .Brazil
foi dividido, eram somente dez ; e seus fundos iam até
aos extremos dos sertões, então ainda não susceptiveis de
demarcação.
1 — Capitania de S. Vicente, doada a M artini
Alfonso de Souza, por foral de 6 de Outubro de 1534.
'2d — Capitania de Santo Antaro de Guaibe (**) e
de Itamaraca, doada a Pedro. Copes de Souza, por foral de
G de Outubro de 1 554.
3.a — Capitania de S. Thomé ou Parahyba do Sul,
doada a Pedro de Góes da Silveira, por foral de 29 de
Fevereiro de 1536.

(*) Ml-Hoi It Joao IIí, esgotado ]>olas successivas expedições á


índia, ja então (l.»dO) estava crivado de dividas. K a este respeito,
crescendo os encargos reaes, os núncios em Portugal, Capodiferro e
Lippomano, em 15)’>8, foram avisados de Poma:
_ r<Portugal tem chegado presentemeiito á tal limitação, que é de
pompiissimas torças, e o Rei. além do sor pobríssimo, com dividas muito
grandes, dentro o tora do reino, o pesadíssimos juros que tem do satisfazer
e geralnieiite muito mal visto do povo, o muito mais da nobresa. »
( '" ) Outros escrevem <1iminuiu'. Só depois de 1r>45 c que esta
capitania tomou a denominação do Santo uimaro, por haverem ahuuis
devotos edificado na ilha de (Umlho uma capella com essa invocação, como
bem o demonstrou frei G ascau da M adiie de D eus , Memorias para a
historia tia capitania <h S. Vicente. 11, §§ 20 a til. O titulo da capella
passou a ilha, e desta a capitania inteira das cincoenta léguas; sem com­
prehendor portanto as trinta de Jtamaroní, cm Pernambuco, as quaes
continuaram com este nome.
55

4. a — Capitania do Espirito Santo, doada a Vasco


Fernandes Continho, por foral de 7 de Outubro de 1534.
5. a — Capitania de Porto Seguro, doada a Pedro do
Campo Tourinbo, por foral de 27 de Maio dc 1534, rati­
ficado cm 23 de Setembro do mesmo anno. E a mais antiga.
.
6 a — Capitania dos Ilhéos, doada a Jorge de Eiguci-
redo Corrêa, por foral de l.° de Abril dc 1535.
7. a — Capitania da Bahia dc Todos os Santos, doada
a Francisco Pereira Coutinlio, por foral de 2 G dc Agosto de
1534.
.
8 a -— Capitania de Pernambuco, doada a D uarte
Coelho Pereira, por foral de 24 de Outubro dc 1534.
9. n — Capitania do M aranhão, doada ao celebre his­
toriador João dc Barros, por foral de 1 1 de Marco de
1535.
A decima ó a que já acima está mencionada, reunida
á dc Santo Amaro, doadas ambas a Pedro Lopes de Souza,
irmão de M artini Alfonso dc Souza. E convem deixar notado
que a capitania de Itaniaracá começava no rio da Screa (*)
em redondo da ilha do mesmo nome de itaniaracá, em
Pernambuco, até o parallelo de seis gráos, seu limite septen­
trional, na bahia da Trai lição, e que, de outra parte, a capitania
de Santo Amaro dc Guaibe era egualmente encravada no
littoral da capitania de S. Vicente, ao nordeste da barra,
hoje denominada Bertioga (**), comprehendendo somente a

(*) Logo que foi descoberto, este rio tomou o nome do Santa
Cm:., e assim foi declarado no foral de Pedro Lopes; mas, com o correr
dos annos, tomou o dc Serva; até que, na Carta de doação da
capitania, que depois se denominou Pernambuco (corruptela de Paranapuc
ou Paranapueú, furo ou lingua do mar, com que eram denominados o
porto dc Olinda, escoadouro do rio Capibaribe, a foz do rio Iguaraçú
tendo cm frente a ilha do Itaniaracá, e o desaguadouro da lagoa Groahyras
no 11io Grande do Norte), a Duarte Coelho, foi expressamente restaurado
o nome dc rio de Santa Cruz, limite norte da mesma capitania.
(**) Corrupção de .Buriquioca, nome dado a esse lugar pelos
indigenas; c significa—casa de buriquis, casta dc macacos.

i *
56

ilha do S. Sebastião, dez léguas: alem de mais quarenta,


que começavam doze léguas ao sul da illia de ( ananea
e acabavam na terra de Sant Anna, em altura de vinte oito
grá us e um terço, havendo duvidas se a ilha de Santa Ca-
tharina estava dentro das referidas quarenta léguas. A ilha
de Santo Amaro era pelos naturaes denominada Guaibe, em
rasão de certas arvores com esse nome, em grande numero,
que alli nasciam e tlorcciam.
( bmquanto a capitania fosse também denominada
Santo Amaro, ó certo qu«‘, como dcjiois verificou-se, não
eomprehendia a ilha desse nome, de quatro ou cinco léguas,
que fórma pelo norte a barra da Bertioga. (*)
Mas, os donatários, por mais ricos que fossem (alguns
o não eram, como João do Jbirros e Pedro de Góes da
Silveira), não podiam desenvolver todos os elementos de
uma administração energica, expostos constantemente ao assalto
dos gentios e, o que era peior, á desordem e á indisciplina
dos proprios portuguezes. Além disso os franeezes e outros
estrangeiros não cessavam suas viagens ás costas do Brazil,
para o contrabando do ibira-jnta>u/á {*'*), ou páu-brasil,
declarado, desde 1506, contracto real ou da Coroa. Sobretudo,
o desanimo assaltou a alguns, em consequência de naufrágios
que os haviam arruinado (***). E, pois, 1). João III apro­
veitou essas circumstandas, e instituio um governador geral
na Bahia, ao qual desde então ficaram sujeitos os donatários.
Ao mesmo tempo foram tomadas providencias para a futura
incorporação das capitanias a Coròa, ainda que com certas
reservas por pertencerem a particulares, mas cassado desde
logo todo e qualquer direito realengo ou de dominio feudal,
a fim de nao ser embaraçada a accão do governo °eral.
O systema do governo instituido era: um governador

(*q O canal da, Bertioga, o canal de Santos, e o mais austral


(|tie o jno])iiuinonto o de S. \ icente, torani todos cm principio denominados
de (S'. V ic rn tr.
( ') Outros dizem —uinwii-jutaiuin.
{ ) 6omo aconteceu ao donatario do Maranhão, João de Barros.

< (
57

(feral, chefe do governo e centro adm inistrativo; um ouvidor


(feral, presidindo á justiça; nin pivvedor-m ór, dirigindo a
fazenda; nm capitão-imír da costa, encarregado da defesa do
litto ral; e mais tarde nm alcaide-mór, tendo o commando
das armas na capital.
Tiiomé de Souza, fidalgo da casa real, sahio de Lisboa,
na qualidade de e/overnador (feral, em 2 Fevereiro e chegou
á Bahia em 29 de Março do 1549. Fendo ordem de
fundar alli nina cidade para capital de tão vastos domínios,
lançou immediatamente os alicerces dos prineipa.es edifícios
públicos— palacio do governo, cathedral e alfaudega, os quaes
foram construídos, hem como mais de cem casas, com o
auxilio dos indigenas. Foram também montadas seis baterias,
sendo duas para o mar, e quatro para o interior, no caso de
aggressões dos indigenas. Levantaram-se engenhos de assucar,
e fizeram-se vastas plantações. 'Lain bem a expedição de
Thomó de Souza era numerosissima,— mais de mil pessoas,
(nitre padres jesuítas, officiaes, engenheiros, empregados, co­
lonos, soldados, e eondemnados. Nem de outro modo poderia
Thomó de Souza dar vigor á sua administração.
Ainda no anno seguinte, 1550, enviaram-lhe de
Portugal novos reforços; e, em 1552, ainda mais reforços,
e também o primeiro bispo do Brazil, 1). Pedro Fernandes
Sardinha (*), acompanhado de eouegos c mais dignidades
ecclesiasticas, e de ornamentos e sinos para a cathedral.
Infelizinente foi também então que vieram para o
Brazil os primeiros escravos africanos;— esse cancro que
ainda hoje confie a nação.
(*) Algumas chronicas dizem que tora eleito por D. João 111 em
1541, e continuado pelo papa em 1544. Azevedo M awjuks, em seus
A p o n t a m e n t o s histo rico s, c/eopraphicos, hioçjraphicos, e s ta tístic o s e n o ticiosos, na
palavra ( io v n - n o r d ia io s o , diz com mais exactidão que o papa Julio III, por
índia de 4 de Janeiro de 1551, confirmara a eleição feita por El-líei D. João III,
e nomeara esse primeiro bispo do Brazil; entretanto, na C h v o n o lo g ia , annexa
á mesma obra, citando V aknmaukx, H i s t o r i a g e r a l d o B r a z i l , e PiZAliRO,
M e m o r i a s h is to r ic a s d o B i o d e J a n e i r o , assina conio data da bulla creando
o bispado da Bahia, com jurisdieção em todo o territorio do Brazil, o dia
l.° de Marco de 1555! I la certamente confusão de bullas.

«
58 —

Acabado o tempo do Thome de Souza (quatro annos),


foi substituído em 15 53 por Duarte da Costa, meirinho-mór,
e fidalgo de valor, tendo-se aquelle retirado para Portugal.
Com este segundo governador geral vieram mais dezeseis
padres jesuitas, entre os quacs o depois famoso José de
Anchieta, apenas com vinte annos de edade, pelo que só
em 1566 tomou ordens, na Bahia. (*)
O bispo 1). Pedro Sardinha, nesse tempo, resolvendo
retirar-se para Lisbòa, ] »or desintelligencias com o governador,
naufragou, e foi devorado, com seus companheiros de viagem,
pelos gentios, em 16 de Junho de 1556.
l indara então o tempo da governança de D uarte da
( os t a : e seu substituto foi Mem de Sá, o qual veio a servir
V°v todo o tempo <pte ao R e i aprouvesse. E sta clausula
explica assas a rasão por que governou ellc o Brazil, desde
C>:>7 ato 1572, «piando foi substituído por Luiz de Brito c
Almeida, fallecendo. nesse t mesmo anuo ou no seguinte,
o 1
contornu' a variedade de opiniões entre historiadores.
Alem de Sa fez um governo enérgico e de muito
proveito. Duas vezos aportou ao Rio de Janeiro para expulsar
os francozes, alli estabelecidos desde 1555 sob o commando
de Nicolao Durand de \ illogagnon em uma pequena ilha,
onde o mesmo \ illegagnon levantara um forte, a que deu o
nome de Colte/n//, em honra do celebre almirante, mas cpie
>l,I*da e conhecido pelo seu. Esse \ illegagnon mascarara
seu intuito dizendo «pierer alli fundar simplesmente uma
colonia de sectarios de Calvino, sob a protecção do governo
«lo frança ("J- Conseguio Mem de Sá derrotar os francezcs,
tanto em 1 560, tomando de assalto o forte, como em 1567,
depois de forte resistência soítrida por Estacio de Sá,

* * * " • • ' • A i . M i - . - l u n , escrevendo a I i d a d o v e n e r a iw l p a d r e J o s é


7 A»• ■! >' >Jaz retorencia á outra, publicada em Roma cm 1738. Cuida-se
<!r sua canonisai;a«». Já foi vencida a causa do sua beatificação, como
Yu-so do Decreto pontifício, expedido pela Sagrada Congregação dos Ritos
cm 10 de Agosto de 1<M(>. "(*)

(**) Villegagnoii voltou depois ao catholicismo.

í- I
59

capitao-mor da armada real. Mem de Sá, derrotando os


indios e expulsando os tranee/es cm 18 de Janeiro de 1567,
tratou de edificar alii a cidade de S. Sebastião, levantando
fortificações e outras obras para a dcfeza da barra. Retirando-
se em 1 o 6 8 para a Bahia, entregou o governo do Rio de
Janeiro a Salvador Corrêa de Sá como a primeira autoridade
então na cidade de S. Sebastião.
Nomeado Luiz de Brito e Almeida para governador
geral do Brazil, o governo de Portugal julgou melhor a
divisão desse Lstado em dons governos:— o da Bahia para
séde do do norte, e o do Rio de Janeiro para séde do do
sul, desde Porto Seguro, Assim, Luiz de Brito ficou na
B ahia; e o dr. Antonio Salema veio para o Rio de Janeiro,
encontrando ainda francezes, em alliança com indios Tamoyos
e Tupinambás, a debellar.
O governo de Portugal, porém, entendendo depois
que era mais convenienti' o anterior systema de um unico
governador geral, reunio outra vez em 1576 ou 1577 os
dons governos; e, pois, ficou Luiz de Brito e Almeida
governando a colonia inteira.
Foi substitiiido, porém, em 1578 por Lourenço da
Veiga, o qual tomou posse em L° de Janeiro, c continuou
no governo durante os primeiros annos do reinado de
Filippe II, de Ilespauha, fallecendo na Bahia aos 7 de
Junho de 1583. (*)
Succedeu-lhe Manoi'l Telles Barreto, por nomeação
de Filippe II; o qual tomou posse em 3 de Maio de 1583,
e veio a fallecer em Marco
o de 1587. Conforme as instruecões
o
que elle trouxera para este caso de morte do governador
geral, assumio a administração uma regcncia composta do
bispo e do provedor-mór. Loi durante o tempo dessa regencia
que os inglezes assaltaram a Bahia e ahi estiveram durante

C) Outros dizem 1580: mas Filippe II foi acclamatio Rei dc


Portugal cm 17 de Junho de 1580. sob o nome de Filippe 1.I

I
60

algum tempo (*). Por estar então bloqueado o porto da


Bahia, não tomou posse Francisco Giraldo, successor de
Manoel Telles Barreto.
Succcdeu no governo geral D. Francisco de Souza;
o qual tomou posse em 1591, e permaneceu como gover­
nador ogeral do Brazil até 1602. Era seu secretario Pedro
baques, natural de Setúbal. (#íf)
Futretauto, fallecendo, em 1598, Filippe I I de Hes-
panlia e I de Portugal, succedcu-lhc seu filho Filippe I II
de Ilespanha e II de Portugal.
Em Maio de 1602, tomou posse, como governador
geral, Diogo Botelho; o qual retirou-se em 1608 sem deixar
aet.o administrativo digno de menção.
Suecclou-lhe I). Diogo de Menezes em 1608, quando
ja por provisão regia de I 5 de Junho desse anno haviam
sido separadas do governo geral da Bahia as capitanias de

(*) I*'' certo não são os mesmos que. cm 25 do Dezembro de


fundearam tóra da barra do Santos, e saquearam a villa, demo-
rando-so a hi dons mezes: e. após seu regresso do estreito de Magalhães,
ainda abi voltaram, c repetiram as mesmas tropelias.
I>. 11. A\ \Hi)i:.\. lltfitnirr <!r f empire ,hi UresiJ. I, com referencia
aos annos 1;>S2. lúStí. 1591. e 1594— 1595. menciona quatro expedições
inglezas. que assaltaram as costas do Brazil.
A do Eduardo Fenton, que, por desvio da carreira da China,
tmam em S. Vicente, para fazer provisões. IIouvc combate com uma
esquadra hespanhola: 15s2.
A de Iioberto \t ithrington, que. depois de aprisionar dons navios
portuguezes. seguiu para a Bahia a tini de assolar o reconcavo ; não
podendo, porem, tazer desembarque. por llfo impedirem indigenas, hábeis
archeiros, commandados polo padre jesuita Christovam de Couvêa: 1586.
A de Thomaz Cavendish, (pie, depois de tropelias em Santos
sogum para o Espirito Santo: sendo alli mal succedi,lo, por causa da
resistência ettícaz dos indigenas, perdendo na lucta muitos homens c por
isso morrendo desgostoso: 1591. ’ 1
A de James Lancaster, contra Pernambuco. Esta foi a mais
desastrosa: 1.»94 1595.
C A Vêr adiante, na parte genealógica, Linha 1!, 111. Mera a
S. Paulo com aquelle governador em Novembro de 1599.
61

S. Vicente, Rio de Janeiro e Espirito Santo, para eonstituirem


outio governo, sendo nomeado seu governador geral o já
íeferido D. Francisco de Souza, como adiante se dirá,
tratando da capitania de S. Vicente e S. Paulo.
Mas, de passagem, 6 necessario deixar dito que foi
o mencionado D. Diogo de Menezes quem installou na cidade
da Bahia o primeiro tribunal de relação do Brazil, em
virtude de uma ordem régia de 1 6 0 9 ; sendo Gaspar da
Costa o seu presidente.
De 1608 a 1639, os governadores geraes da Bahia
limitavam-se a administrar o norte do Brazil, então infestado
de francczes ate 1615, e de hollandezes desde 1624, além
de numerosos indios revoltados. Em 1621, porém, por
carta régia de 13 de Junho, as capitanias do Ceará,
M aranhão c Pará, foram separadas do Estado do Brazil,
para eonstituirem o denominado Estado do Maranhão (*);
(' este Estado foi installado no dia 3 de Novembro de 1624.
J á nesse tempo estava no throno Eilippe IV de Ilcspanha
e III de Portugal, por haver hdleeido em 1621 seu pae
Ei li pi >e I II de Hespanha e II de Portugal.
Os successos, entretanto, aconselharam o governo da
metropole a unificar o fortalecer mais a acção administrativa
no Brazil; e, pois, em 1639, foi constituído um vice-reinado,
com assento na Bahia, exercendo superintendência sobre
todas as capitanias e seus respectivos governadores, excepto
o Estado do Maranhão. O primeiro vice-rei, nomeado ainda
por Fi lippe IV de Hespanha e III de Portugal, foi o marquez
de M ontalvão; e tomou posse cm 5 de Junho de 1640.
Separado de Hespanha o reino de Portugal, por

(*) () -Eistmlo do Brazil estendia-se do Rio da, Prata ao cabo de


S. Roque, limite que posteriormente alargou-se, reinando El-Rei I). João V,
até a serra de Ybiapaba (Ceará).
O ^ E s t a d o do M a r a n h ã o , menos rico em população, mas superior
em territorio e riquosas naturaes, confrontava meridionalmente com o
E s t a d o d o B r a z 'd, ao principio pelo cabo de S. Roque, e depois pela serra
de Ybiapaba; e ao norte pelo rio Oyapock, ou dc Yiccntc Pinzon.
62 —

força da revolução que acclamou D. João IV, duque de


Bragança, o marqucz de Montalvão voltou preso para Lisboa.
( ontinuou, entretanto, o systema anterior dos gover­
nadores geraes ; embora com a patente de capita cs-tjcncrãcs
do Jlnizil, significando supremacia, ainda que muito fraca,
aos outros governadores, e ingerência em todas as capitanias
do Justado do Jírazil. Entre esses governadores geraes,
sobresaliem: João Rodrigues de \ asconcellos e Souza, conde
de ( astello-Melhor, 16Õ0 — 16õ4, o qual recebeu carta regia
para instabar de novo o tribunal da Relação do Brazil na
Bahia, supprimido por Li 1i|>pe 1\ de Jlespanlia e III de
Portugal, em consequência da invasão liollandeza; e 1' rancisco
Ihirreto Telles de Menezes, 1657— 106o, o qual cooperou
principal e efficazmente com \ idal de Negreiros, Joao
Eernandes \deira, Henrique Dias, e lilippe Camarão para a
expulsão dos bollandezes.
las te ultimo entregou o governo ao conde de Óbidos,
1 ). Vasco de Masearenlias: o qual em 1663 tomou posse
com a patente de segundo vice-rei do Brazil. Este vice-rei
deu instrucções geraes a todos os capitães-móres das diversas
capitanias do Brazil, affirmando assim a sua supremacia aos
outros governadores de capitanias, embora estes tivessem e
conservassem a faculdade de communicarem directamcntc com
o Rei.
Já então o Brazil estava elevado a Principado; sendo
seu primeiro titular o Infante 1). Theodosio, primogenito de
El-Rei D. João IV. Ainda depois as camaras da villa de
S. Paulo e das mais capitanias do sul executavam as ordens
régias e as dos donatários som o cumpra-se do governador
geral do Estado. 0 Regente, que foi depois El-Rei D. Pedro II,
estranhou-lhes isso, por carta de 24 de Setembro de 1670.
A série dos vice-reis continuou, depois, desde 1714

(*) Insta guerra será estudada e historiada quando tratarmos da


capitania do Maranhão. Nesta capitania, e tanibcm desde o líio-Grande
do Norte até á Bahia, prineipalmoute em Pernambuco, foi onde os hollaii-
dezes procuraram cstabelccer-se. 1624— 1054.

1
— 63

ate 1763 (*), com residencia na Bahia; e desde 1 7 6 3 ate


1S°7, com residencia no Rio de Janeiro. 0 ultimo vice-rei
ioi 1 ). Marcos de Noronha e Brito, conde dos Arcos; o qual
deixou o governo, logo que chegou cm 1808 ao Brazil o
Príncipe Regente, depois D. João VI.
Entretanto, desde que houve a restauração de P o r­
tugal, a divisão politica c administrativa do Brazil soffrera
modificações importantes. Após a restauração, foram consti­
tuídos somente cinco governos: Pará, Maranhão, Pernambuco,
Bahia e Rio de Janeiro. Alais tarde, porém, foi creado
maior numero de governos ou capitanias geraes:
^ • G rao-Para, comprehendendo as terras do Ama­
zonas, Rio-Negro c Guyanna.
2-ü Alaranhão, tendo por subordinado o do Piauliy.
3.° Pernambuco, tendo por subordinados os do Ceará,
Rio-Grande do Norte, Parahyba e Alagoas.
d.° Bahia, tendo por subordinado o de Sergipe
d El-Rei, e por algum tempo também o do Espirito Santo.
fi-° de Janeiro, tendo por subordinados os de
Santa Catharina e Rio-Grande de S. Pedro, c depois também
o do Espirito Santo.
.° S. Paulo, tendo, durante algum tempo, por
6
subordinados os de Alinas Geraes, Alatto Grosso e Goyaz.
'E0,— Alinas Geraes, depois de separado do de S. Paulo.
8 -°'— Alatto Grosso, depois de separado do de S. Paulo.

( r) Antes, porem, dessa epocha, sendo Portugal alliado da


Inglaterra, Hollanda e Áustria contra Filippo V de Hespanha, alliado a
França, os portuguezes tiveram de combater os francczes no Brazil, espe-
cialmcutc no Bio de Janeiro, cm 1710, derrotando-os e fazendo prisioneiro
o chefe da expedição Leclcrc; e, cm 1711, obrigando pela delonga o almi­
rante Duguay Trouin a deixar aqucllc porto, forçado por ellc com uma
poderosa armada, conseguiram a restituição da conquista, embora mediante
um vantajoso resgate que o governador pagou. A paz com a França foi
feita em Ftrecbt, cm 11 do Abril de 1713; c com a Ilespaulia, também
cm Utrecht, em 13 de Fevereiro de 1715.

C
64

9. °— Goyaz, depois de separado do de S. Paido.


10. "— Rio-Grande do Sul, depois de separado do do
Rio de Janeiro.
Mais tarde constituíram governo separado: Piauliy,
Geará, Rio-Grande do Norte, Paraliyba, Alagoas, Sergipe
d'El-R ei, Espirito Santo, Santa Gatharina. E hoje existem
mais: Amazonas e Parana. (*)

Depois de restabelecido na Bahia o tribunal da Relaçao


do Brazil, 16õ2, foi ereado em 1 7 õ l o do Rio de Janeiro,
com jurisdiccão sobro as capitanias do sul. E successivamentc

(:: ) Si'Liumlo o calculo da. connnissão incumbida dc orgaaisar a


carta geral.a área do Ini]>orio é dc S..357.2GS kilometros quadrados,
comprehendendo os territórios que coiitrontaiu com as Guyannas, Republicas
da antiga Colombia e Confederação Argentina, cujos limites dependem ainda
da conclusão de tratados.
Não c possível. ]ior ora. determinar oxactamonte a área dc
cada provincia, visto di'penderem de (bdiberação legislativa os limites de
algumas. Kntretanto, approximadamcnte. chega-se ao seguinte resultado:

.1nu Anu
1’ROYINCIAS ou kilometros CRO V I XOIAS (M
il kilometros
quadradus quadrados

Amazonas . . . . . 1.897.020 Kspirito-Santo . . 44.,Soí)


1’a r a .......................... . 1.149.712 Rio de Janeiro. 68.982
Maranbão . . . . 499.SS 1 S. Paulo...................... 2 90. S7(1
1’i a u l i y ..................... .901.797 Paraná ..................... 221.919
( 'cará.......................... 104.27>0 Santa Gatharina . . 7 4.156
Rio-Grande do Norte. 7>7.4 Só Rio-Grande do Sul . 296.7)53
Parahyba . . . . 74.791 Minas Gcraes . Õ74.855
Pernambuco . ' 12*.395 Goyaz.......................... 747.51 1
Alagoas ..................... 5*.491 Matto Grosso . . 1.379.651
Sergipe ...................... 9,9.090 ]Muuicipio da Górte . 1.394
Rabia........................... . 429.427
8.337.218

Compreliende 1/ 1 da supcrticic terrestre do globo; * do con­


tinente inteiro da America, ou Novo Mundo: e mais de :!/; da America
Meridional.
A sua costa ou littoral tem a extensão dc <.920 kilometros.
«
— 65

o foram também o do Pernambuco e o do Maranhão. Pelo


Alvará de 1 0 de Maio de 1808, a Relação do Rio de
Janeiro foi denominada Casa de Sapplicarão do B ra zil c
considerada como Supremo Tribunal de Justiça.
Apos a independência, os tribunacs judiciarios foram
reorganisados. Alem do Supremo Tribunal, lia hoje as
Relações do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Ceará,
M aianhão, Para, S. Paulo, Rio-Grande do Sul, Minas Geraes,
Goyaz e Matto Grosso.

Egualmentc, no correr dos tempos, foram creados


onze bispados: Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Rio de
Janeiro, S. Paulo, Rio-Grande do Sul, Goyaz, M atto Grosso,
Marianna, e Diamantina, sujeitos ao metropolitano que é o
aieebispo da Bahia. O bispado da Bahia foi elevado a
aicebispado metropolitano por bulla do papa innocencio X I,
de 16 de Novembro de 1 6 7 6 ; sendo, nessa mesma occasião,
elevada a bispado a prelazia do Rio de Janeiro, ficando-lhe
sujeita a capitania de S. \ icente com todo o seu vastíssimo
territorio. O de S. Paulo data de 1745.
Também foram então creados os bispados de P er­
nambuco e do Maranhão.

Resta mencionar a form a do governo local, nas


cidades c nas villas. O elemento municipal no Brazil,
durante o tempo colonial, salvas algumas interm ittendas, foi
sempre forte de autoridade e de prestigio. O governo local,
ao principio, era exercido pelos capitães-móres loeo-tenentes
dos donatários, munidos de procurações com todos os poderes,
ou por estes approvados quando a nomeação não emanava
immediatamente de sua autoridade, nas capitanias ainda não
incorporadas á Coroa. Eram providos por tres annos; e sua
jurisdicção extendia-se sobre todas as possessões da respectiva
capitania. Recebiam os tributos permittidos nos foracs da
doação, e nomeavam para alguns officios da justiça e da
*

— 66

fazenda publica. Concediam sesmarias; c, concorrendo com


o senado das camaras, e de harmonia com ellas, acudiam
com providencias cm todos os casos graves, levantando forças
c bandeiras (*) para a conquista dos indios, ou para a
defeza contra seus ataques. Eram subordinados aos gover­
nadores gcraes do Estado, aos ouvidores c provedores geraes.
Esta espccie de capitãcs-móres, loco-tenentes dos
donatários, ficou complctamente extincta cm 1 /0 8 , quando
a Coròa quasi acabara (**) de resgatar do ultimo donatario
a propriedade das doações, e as incorporou, sem mais reserva
alffiuna,
o 7 ao Estado.
A segunda especie de capitães-mórcs começou desde
1 7 0 9 ; mas não tinham a mesma importância, porque sua
jurisdicoão limitava-se ao districto da povoação em que
residiam, e só ahi superintendiam a policia, a milicia, o recru-
tamento, as obras publicas, e também concorriam com a
camara e juizes em todos os casos graves. Eram providos
também por tres annos; mas podiam-se-lhcs renovar as
nomeações, se haviam bem servido. A Eei de 18 de Outubro
de 1709 regulou sua nomeação: presidindo o corregedor,
ou o provedor da comarca, qual estivesse mais visinho, a
camara elegia c escolhia tres pessoas da melhor nobreza,
christandade, o desinteresse, residentes no territorio do con­
selho, villa ou cidade, e depois, com individuação das
circumstandas e aceitação que concorriam em taes pessoas,
remettia essa lista ao capitão-general respectivo, para que este,
depois de fazer as necessarias averiguações, apresentasse a
proposta ao liei, incorporada porém na proposta a informação
da camara, quando presidida na fôrma jíi referida. As
nomeações eram feitas, não mais por provisões como até
então, porém por patentes assignadas pelo Rei. *

( ') Bandos irregulares armados para darem caça aos indigenas.


Mas, as bandeiras legaes tinham o sen regimento datado de 10 de
Dezembro de 1570.
(**) A capitania de S. Paulo, outr’ora de S. Vicente, só foi
incorporada definitivamente em 31 de Agosto de 1753.
— 67 —

Todos esses capitães-móres eram os denominados de


Ordenanças.

As camaras eram eleitas na forma commnm, de


ac cordo com as Ordenações do Reino e mais Tads então cm
vigor.

D urante toda esta epocha, desde o descobrimento do


Brazil, os povoadores queriam o captiveiro dos indigenas,
sem embargo da opposição dos padres jesuitas c da renitência
do goveino da metropole. Segundo V a r n h a g e x , H istoria do
B ra zil, uma lei foi promulgada cm Evora, no dia 2 0 de
Março de lõ 7 0 , prohibindo o captiveiro dos indios; mas
com excepç.ão dos que fossem tomados em justa guerra, os
quaes seriam inscriptos nos livros das provedorias para se
saber a todo o tempo quaes eram os legitimamente captivos.
E ia a hypo crisi a do Legislador em toda a sua ostentação:—•
com a excepção derogava a regra. l ambem essa lei não
clmoii senão vinte c cinco annos; pois que, cm Novembro
de 1595, foi revogada, declarando a nova lei que em nenhum
caso era permittido o captiveiro dos indios: o que foi con­
firmado pela de 30 de Julho de 1G09. Ainda os indios
aprisionados em guerra são depois declarados escravos, pela
caita regia de 2 0 de Abril de 1708, podendo ser vendidos
em praça publica para indemnisação das despezas que a
Fazenda R eal fizesse !
Mas, que variedade de legislação acerca dos indios!
Ao passo que a lei de 1 0 de Setembro de 1611, o alvará
de 1 0 de Novembro de 1647, a lei de 17 de Outubro de
1653, a carta régia de 29 de Abril de 1667, a lei de
l.° de Abril de 1680, e finalmente a aurea lei de 6 de
Junho de 1755, além de outras, não cessaram de affirm ar,
ainda que só em these, ou com constantes infraeções, a
liberdade e certos privilégios dos indios do Maranhão, os do
i esto do Brazil estiveram expostos a legislação hypocrita já
mencionada! E só mais tarde, pelo alvará de 8 de Maio

t
68

de 1758 foram mandadas applicar aos indios de todo o


B ra zil, em tado e por tudo, as Leis publicadas a fa vo r dos
do Maranhão, tanto a respeito das pessoas, como dos bens.
Um curioso specimen dessa legislação confusa, con­
tradictoria, vacillante, casuistica, ao sabor das paixões e dos
interesses em voga, é a provisão de 9 de Março de 1718.
Nessa provisão, El-Rei, depois de reconhecer que (*) « estes
homens (os indios) são livres e isentos da minha jurisdicção,
(pic os não pode obrigar a sahirem de suas terras para
tomarem um modo de vida de que clles se não agradam, o
que, se não é rigoroso captiveiro, em certo modo o parece,
pelo que offende a liberdade », accrescentava immediatamente :
« Comtudo, se são como os outros tapuyas bravos, que andam
mis, não reconhecem rei nem governador, não vivem com
modo e form a de republica, atropellam as leis da natureza,
não fazem differença de mãe á filha para satisfação da sua
lascivia, e comem-se uns aos outros...., neste caso podem ser
obrigados por força e medo a que desçam do sertão para as
aldòas, se o não quizerem fazer por vontade, por ser assim
conforme á opinião dos doutores que escreveram na materia ».
E, em seguida, mais restricções, mais clausulas, mais exccpções,
que abriam margem e pretexto á caçada e escravisação dos
indigenas.
Infelizmente para o Brazil, também eram transportados
annual mente da Africa centenas de negros, reduzidos, como
os indios, a escravidão, para serviço da lavoura. Os escravos,
indios ou africanos, eram cgualados a animaes. Denominados
peças para as transaeções mercantis, soffriam a mutilação e
a marca de ferro em braza como signaes distinctivos da
propriedade: de sorte que o infeliz, transm ittido durante sua
vida a diversos senhores, manifestava no corpo outros tantos
daquclles carimbos. Não passavam de folegos vivos; não
merecendo, por isso, o minimo sentimento de humanidade.
Iloiiivel instituição. E ainda ha hoje quem a defende,
sob o pretexto de conveniências econômicas e financeiras!
(*) Textual.
69 —

Mas, os indigenas, que não eram escravos, nem -por


isso escapavam a coacções inhercntes á essa condição. Ainda
qne decretado por leis o principio de sua liberdade, salvas as
numerosas excepções, foi inventado o recurso dos descimentos
de indios, ja não so para as aldeas, mas expressamente para
occorrer a falta de braços no trabalho, remediando assim
a pohresa dos moradores! lo ra m com cffeito só indios os
cdificadoics das egrejas, dos conventos, dos hospitaes, dos
palacios, das fortalezas c dos armazéns reacs. Os governadores
e os capitães-mores não conheceram outros operarios nas
obias publicas. Mesmo os particulares obtinham para seu
serviço domestico indios livres! Innumeras cartas régias
dão testemunho desses factos derogatorios do principio da
liberdade.

A mor parte da receita do erário real provinha dos


impostos; sendo, porem, certo que os lucros dos monopolios
e da venalidade dos cargos (*) eram grandes.
Não obstante, sobrevinha sempre a necessidade de
tributos novos; e, para o assentamento desses novos onus, o
governo da mctropolc solda usar de solicitações hypocritas,
promettendo ate não exceder um certo prazo desde logo
fixado. Promessas vãs! Uma vez imposto, não cessava o
tributo.
Não raras vezes o imposto era reclamado a titulo de
donativo: como por exemplo no tempo de E l-R ei D. João V
a finta para pagar os dotes e mais despezas dos casamentos
dos principes portuguezes D. José e D. Maria Barbara com
uma filha e um filho de Filippe V, Rei de Hespanha.
Sabido é quão magnificcnte foi E l-R ei D. João V, ainda que
também muito empreliendedor; reformou muitos serviços, e
fiscalisava severamente as rendas publicas, tanto quanto lh o

(.*) _ Em Lisboa havia corretagem publica e descarada; até que


a carta régia de 20 de Abril de 1758 mandou arrematar os officios nas
proprias capitanias do Brazil.
70

perm ittia o meio em (pie vivia, mas sem intuito economico.


A mencionada finta, exigida dos povos das conquistas como um
donativo voluntario, recorda ( segundo um historiador) o
mendigo de Gil Braz, fazendo a pontaria, e ao mesmo tempo
estendendo a mão ao indefeso viajante. O prazo foi de
vinte annos: a derrama total montou a sete milhões de
cruzados.
Essa finta excitou reclamações em varias capitanias ;
até no seio do Conselho Ultramarino, em 1732, o con­
selheiro Antonio Rodrigues da Costa ousou levar a E l-R ei
uma consulta, tão rasoavel quão enérgica.
Sete m ilhões! ( exclamava este conselheiro, nesse
notável documento). Ah! Senhor, esta quantia é tão excessiva
que, nunca, nem a metade delia coube nos eabedaes da
nação portugueza, nem os portuguezes souberam nunca pro­
nunciar sete milhões, nem lhes veio jamais ao pensamento
podessem contribuir com esta quantia. Os povos do Brazil estão
gravemente tributados; e, havendo-lhes crescido de poucos
annos a esta parte de dez por cento na alfandega todos os
seus generos, que são assucarcs e tabaco, acham-se tão
sobrecarregados neste reino, que absolutamente se dão por
perdidos, e o seu commercio de todo arruinado. A este
encargo tão grande se ajuntou de novo a contribuição para
o casamento de suas altezas... E sem duvida que os povos
do Brazil gemem com este novo tributo, c é contra a verdade
dizerem o vice-rei e governadores que fo i voluntário nelles,
e o ofereceram com grande gosto; porque consta o contrario,
e os povos da capitania do Rio-Grande representam que
lhes é insupportavel, como já se fez vér a V. M. em consulta;
e, como este tributo hade durar annos, que não é possivel
cobrar-se só cm um nem em dons ou tres, vem a se repetir
as feridas sobre a primeira. > (*)
Não foi só a capitania do Rio-Grande que reclamou

(*) Linguagem nobilissima, que contrasta com a dos governadores.


Sob o regimen constitucional representativo, com mais rasão deve ser
admirada uma tal linguagem, de que rarissimos são hoje capazes.

I
— 71

contra esse tributo. Também a do Maranhão representou


pedindo a graça do allivio do resto do encargo; foi, porém,
indeferida sua petição, pela provisão de l.° de Junho de
1753, já no tempo do famoso D. José I.
Mas, o imposto que excitou desordens e conflictos
sérios foi o do quinto do ouro, desde o principio do
século X V III; como por exemplo a sublevação de Junho
de 1720 em Villa Rica e Ribeirão do Carmo, sendo
governador e capitão-general das capitanias de S. Paulo e
Minas T). Pedro de Almeida, conde de Assumar.
Além dos tributos, é preciso não esquecer as extorsões
que os cobi adores e os agentes exercitavam sobre a população
conti ibuinte. K este uni vicio velho, já conhecido dos
pioprios rom anos; nem, por isso, porem, taes violências
devem deixar de ser levadas em conta na arrecadação dos
impostos, por augmentarem oxcessivamonto a importância a
arrecadar. (*)

Segundo historiadores, 25 % da producção do Brazil


eram para o fisco; e isso não podia deixar de atrophiar a
industria e o commercio.

Nem a industria, nem o commercio, podiam florescer


no Brazil, também por causa do systema prohibitivo.
No principio, quando a colonia começou a povoar-se,
somente as frotas e as esquadras, a cargo do governo, ou
privilegiadas, podiam fazer o trafego entre a metropole e
os portos da Bahia e de S. Tmiiz do Maranhão, e depois

(*) Sob o actual regimen constitucional representativo, ainda não


houve ministro da fazenda para reformar o systema da cobrança judicial
dos impostos. A cobrança de 2$000 custa ao contribuinte mais de
20$Ü()0 de custas e outras despezas! Em geral, os contribuintes não são
avisados ou cobrados pelo collector ou agente fiscal no tempo proprio; e
até muitos ignoram a divida do imposto. Os juizes c os escrivães dos
feitos applaudem muito a desidia das estações hscaes, pelo rendimento
que lhes deixa. A decadência moral é visivel.
também o do Rio de Janeiro. Esta prolbbiçao foi abolida
pelo alvará de 10 de Setembro de 1 / 6 0 , cujos notabilissimos
considerandos são a condemnacao do regimen passado, tao
prejudicial á prosperidade da colonia. E ja então existia a
ordem de 7 de fevereiro de 1 / 0 1 prolnbmdo também o
commercio de permuta entre as diversas capitanias. O
supracitado alvará de 176;> antorison a livre navegaçao,
embora sonnmte para portuguczes.
Não foi tão feli/ a industria. Para favorecer o
commercio das aguardentes da metrópole, foram expedidas
as ordens de 14 de Novembro de 1715 e de 1 2 de Junho de
1 742, prohibindo o estabelecimento de novos engenhos de
distillacão ! E a carta régia de 30 de Agosto de 1766
prohibio todas as manufacturas de ourives ! E o alvara de
5 de Janeiro de 17S5 extinguio, sob graves penas, todas as
fabricas, manufacturas e teares de galão, bordados de ouro,
prata, seda, linho, lã, ou algodão, exccptuando somente a
fazenda ou tecido grosso de algodão para uso dos negros,
indios e familias pobres !
Mas nesse alvará foram oceultadas as rasões de sua
promulgação. Vale a pena consignar e confrontar os motivos
dados nas instruccões secretas com os expostos no alvará.
<■'.() Brazil (diziam as instruccões) é o paiz mais
fértil e abundante do mundo em fructos c producções da
terra. Os seus habitantes tòm, por meio da lavoura e da
cultura, não só tudo quanto lhes é necessário para o sustento
da vida, mas ainda muitos artigos importantíssimos para
fazerem, como fazem, um extenso e lucrativo commercio e
navegação. Ora, se a estas incontestáveis vantagens reunirem
as da industria e das artes para o vestuário, luxo c outras
eommodidades precisas, ficarão os mesmos habitantes total­
mente independentes da metropole. E por consequência
indispensavehnente necessario abolir do Estado do Brazil as
ditas fabricas e manufacturas.
Nessas mesmas instrucções, o governo da metropole
78

aconselhava uma execução suave e sem estrondo, porque em


negocios de tal natureza os meios menos ruidosos são sempre
os melhores; não recorrendo á publicação do alvará senão
na ultima necessidade.
Ao contrario, no alvará, deplorava-se a decadência
da cultura c da mineração, com a distracção de braços para
as fábricas; sendo <pie a verdadeira e solida riqueza consiste
nos fruetos e producções da terra, e para esta havia-se mister
de colonos e cultivadores, e não de artistas c fabricantes.
E, pois que, além das rasões dadas, o commercio e navegação
entre a metropole c as colonias não se podiam manter senão
pela diversidade dos productos para as permutações mercantis,
seria certa c irremediável a mina de Portugal e do Brazil,
se, para beneficio coinmum, não fossem abolidas e extinetas
immediatamente, em qualquer parte dos dominios do Brazil
em que se encontrassem, todas as fábricas e manufacturas
de ouro, prata, seda, algodão, linho, e lã ; cxceptuando
somente o fabrico de pannos grossos, como já ficou referido.
Este systema prohibitive desapparcceu somente depois
que, pela mudança da familia real para o Brazil, foi pro­
mulgado o alvará de I d e Abril de 1808, permittindo
toda c qualquer industria ou fábrica no Brazil.
E, em relação ao commercio, já nesse mesmo armo
de 1808, havia sido expedido o decreto de 1 0 de Janeiro,
abrindo os portos do Brazil a todas as nações em paz com
Portugal.

Não foram esses os unicos resultados da vinda do


Principe Regente, depois I). João VI, para o Brazil. Em
consequência dessas medidas legislativas, o commercio e a
industria prosperaram espantosamente; a população augmentou;
as rendas publicas cresceram: os serviços administrativos
foram rcorganisados. E a carta régia de 15 de Dezembro
de 1815, elevando o principado do Brazil á cathcgoria de
74 —

reino unido ao de Portugal, mudou para o de 'provincias o


nome de capitanias.

Por morte de sua mãe D. Maria I, em 2 0 de Março


de 1816, no Rio de Janeiro, o Principe Regente subio ao
tlirono de Portugal, sob o nome de 1). João VI. Por causa da
revolução no Porto para o estabelecimento do systema consti­
tucional, 1). João VI partio para Portugal, onde chegou no
dia 3 de Julho de 1821 ; deixando no Brazil, como Regente,
o Principe D. Pedro de Alcantara, seu filho mais velho. Já
no Brazil, antes da volta de 1). João VI para Portugal, era
declarado também cm 1821 o systema constitucional repre­
sentativo, a fim de serem eleitos deputados ás cortes geraes
e constituintes.
Desde então manifestou-se o synchronismo dos mo­
vimentos da independência em todas as provincias, mas com
maior vigor c enthusiasmo nas provincias do sul, particular-
mente na de S. Paulo.
Ja por idênticos sentimentos patrioticos, as colonias
hespanholas haviam conquistado a emancipação politica. Não
podia, pois, o Brazil escapar á essa commoção electrica,
para manter-se no mesmo nivei. E ’ um phenomeno natural
-—esse de verem-se os povos, ao mesmo tempo, sob a
influencia das mesmas causas c das mesmas crises para a
transformação.
o

O grito da independência, erguido pelo Principe


Regente D. Pedro nos campos do Ypiranga, uma legua
distante da cidade de S. Paulo, realisou-se no dia 7 de
Setcmbio de 1822. lodavia, o Principe Regente, consi-
dciando apenas separado o Brazil, ainda conservou aquelle
titulo, só acerescentando o de Perpetuo Defensor, como
é facil verificar dos decretos de 18 de Setembro a 5 de
Outubro de 1822, na Collecção das Leis. O Brazil ainda
era R ein o ; c elle, simples Principe Regente. As provincias
do norte do Brazil, especialmente a Bahia e o Maranhão,
mantinham-se ainda muito addictas a P ortugal; c, pois, forçoso
foi obrar com prudência.
Nesse mesmo anno, porém, o Principe Regente foi
acclamado Imperador do B razil; e, não tendo a Assembléa
Constituinte levado ao fim a Constituição Politica do Imperio,
o Imperador D. Pedro I outorgou uma, que foi jurada no
Rio de Janeiro em 25 de Março de 1824.
No dia 29 de Agosto de 1825 a independência do
Brazil foi reconhecida por Portugal.
A Constituição Politica do Imperio do Brazil foi
modificada, quanto aos conselhos geraes de provincia, pelo
Acto Addicional de 1 2 de Agosto de 1834. Este, por sua
vez, foi modificado pela lei de 1 2 de Maio de 1840, sob o
pretexto de interpretação. A lei de 1." dc Outubro de
1828 regulara as funeções das camaras municipaes.
Ao mesmo tempo o Acto Addicional regulou a
regência do Imperio, durante a menoridade do successor da
C oroa; e supprimio o Conselho de Estado creado pela
Constituição Politica. A lei de 23 de Novembro de 1841
creoii um novo Conselho dc Estado; ao qual foi dado
regimento provisorio pelo regulamento n. 124 de 5 de
Fevereiro de 1842.
As reformas eleitoraes tem-se succedido, no segundo
imperio, mas sem produzirem a liberdade e a verdade da
eleição, visto que o vicio não está nas leis, sim nos homens
e nos costumes.
Durante o primeiro império, 1822— 1831, as facções
crcadas pela rivalidade entre portuguezes nacionalisados e
brasileiros natos, c mantidas pela intriga em cima e pelas
paixões em baixo, fizeram uma politica agitada e violenta,
que servio de pretexto em 7 de Abril de 1831 á abdicação (*)

(*) Iv sabido que I). Pedio I não foi realmente forçado a


abdicar; mas, abdicou só pela necessidade do seguir para Portugal, como
de facto seguio, a fim de resmtar aquelle throno europeu para sua filha
mais velha; c, com effeito, alcançando victoria definitiva sobre as forças
76

de D. Pedro I, depois de ter causado a perda da provincia


Cisplatina, na batalha de Jtuzaingo, 27 de Fevereiro de
1827. (*)
Fssa politica agitada e violenta originou os aconte­
cimentos e a formação dos partidos constitucionaes durante
o tempo da regência, 1831 — 1840.

loques o lcgitiinistas, cm 1834. fel-a acclamar Rainha sob o nome dc


I). Maria II.
Ror egual ao f a c t o da. Independência, a a b d i c a ç ã o não foi
senão nina deliberarão calculada nas altas regiões politicas. Desde 1826.
O. Redro I nao era verdadeiramente o Imperador do Brazil; servia-se
apenas deste cargo supremo para preparar, á custa da nação brazileira, a
guerra contra seu irmão I). Miguel I, que se fizera reconhecer Rei dc
Portugal. Irritando propositalmente o espirito nacional brazileiro, seu
intuito occulto era o f a b r i c a de um pretexto para abdicar mais tardo c
opportiiiiamonte. Km 1*31, não havendo mais no paiz senão paixões,
completou seu plano : o. á moda de Plutão na opereta, desorganisando os
elementos, na medida apenas sufficiente, mediante caricata revolução,
dii igidn por seus intimos para. figurar de v e n c e d o r a , deixou seu filho
IP Pedro II entregue a dedicação leal dos brazileiros, e embarcou para
Portugal, puem conhece a consulta do Conselho d’Estado pleno, cm Abril
de US26, no Iíio ile Janeiro, logo que foi sabida a noticia da morte de
hl-I'<i R- Joao A I, acerca da successao do throno de Portugal, não
representa o papel ridiculo de exaltar a revolução de 7 dc Abril de 1831.
(") hm 181 i, esta provincia, sob o nome do B a n d a O rie n ta l.
foi orrupada por tropas portuguezas: porquanto a fronteira do Brazil era
perturbada e invadida por suas revoluções continuas. Mas, em 31 dc
Julho de 1821 toi annexada ao Reino Unido de Portugal, Brazil e Algarves
sol) o nome de Cisplatina. Infelizmente, cm 1827, perdendo o marquez de
Barba cena. general brazileiro. a celebre batalha de Ituzaingo, o Brazil foi
obrigado a desistir dessa provincia, que passou a ser Estado independente
sob o nome de —Republica do Uruguay, pelo tratado de 27 de Agosto de
182N, ratificado em 30 do mesmo mez. Até hoje, o Brazil soffre° no Rio
da Prata as consequências dessa amputação. Para sustentar aquello
tratado, fizemos a. guerra ao diefador da Confederação Argentina D. João
Manoel Rosas, em 18Ã1 e ao dictador da Republica do Paraguay
D. Francisco Solano Lopez, em 1861 perdendo milhares de braziíeirm
e muitos milhares de contos de réis!
Trabalho de Sisypho !
Aictorias de Pyrrho !
Emqnanto não forem readquiridas as antigas provincias—Paraná
oil Paraguay Oriental e Cisplatina ou Uruguav, conforme as divisas des­
criptas por A yiiks im C a sal , Comara^/da Jir<mlica, I. o Brazil será uma
naçao incompleta.
0 Imperador D. Pedro II, entretanto, cresceu e
edueou-se no meio dos apaixonados conflictos das ambições
pessoaes. Quão riscosa mostrou-se então, mais de uma vez,
a cartada da abdicação em 1831! Talvez deva á essa lucta
de interesses, e quiçá de odios, o facto de chegar a reinar,
de 1840 até hoje. A monarchia foi emfim salva!

Aqui paramos. Não é ainda a occasião de apreciar


os factos do segundo imperio. A historia não é simplesmente
uma narração de acontecimentos; deve ser, sobretudo, um
grande julgamento. E, pois, neste caracter, quando ainda
vive o protogonista da epoch a, a historia pareceria uma
ladainha de encomios, ou não passaria de um a proposito
para explosões apaixonadas, conforme o escriptor fosse dos
que tudo sacrificam a glorificação de poderosos, ou dos que,
sedentos de vingança, não conhecem outro critério que o de
seus odios pessoaes.
No antigo Egypto, então que a historia não se
elaborava senão por inseripções em monumentos, templos e
tumulos, os reis e os altos funccionarios soffriam o que alli
era denominado o julgamento dos mortos. Era uma especie
de devassa da vida de cada um, antes de obterem a sepultura.
Sobretudo os cadaveres dos reis eram objecto de um longo
ceremonial para esse julgamento. Após os sessenta dias de
lucto, de jejum e de orações, um arauto intimava o cadaver,
detido sobre a margem do lago que separava da terra dos
vivos o lugar dos mortos, para que desse contas de seu
procedimento aos que já não o temiam. Todas as paixões
c todos os temores calavam-se naquelle solemne m om ento;
e ante os quarenta juizes manifestava-se a tirada devassa,
appareecndo então virtudes, c também vicios, que em vida
poucos lhe conheciam. Se bem procedera, o cadaver recebia
as honras fúnebres; se não, além de riscado dos monumentos
o nome do morto, não se lhe faziam aquellas honras.
78

Assim, desde já, a historia ainda não pode julgar o


governo do Imperador D. Pedro II. %
i
E certo que o Brazil parece uma nação em ruinas.
A administraçao tem sido ignava e corrupta. Os tribunaes
e os juizes, com raras excepções, carecem de scicneia e de
fiscalisaçao. Os estabelecimentos de ensino estão em de-
ploiavel desordem, baldos de professores aptos c sem discipulos
estudiosos. Nao lia exercito disciplinado; não ha marinha
sufficiente. As finanças vão, de anno em anuo, á mercê de
impostos e mais impostos, de empréstimos e mais empréstimos.
A industria ainda e qusi nulla. O commercio, em continuas
perturbações, nao inspira confiança alguma. Multiplicam-se
os bancos e outras sociedades anonymas, não para vantagem
do <ommereio e da industria, e sob o olho vigilante das leis,
mas so e somente para assegurarem vencimentos, propinas e
negocios illicitos a seus directores. A agricultura, sacrificada
1*e 1a aJta tarifa aos accion istas das estradas de ferro, e pela
depreciação das lettras hypothecarias aos dos bancos de
d edito real, definha a olhos vistos; accrescendo que, habi­
tuados ao serviço escravo, os lavradores não cuidam no modo
da necessaria transformação do trabalho. Não sendo suffi­
ciente a exportação para compensar, além do valor das
mercadorias importadas, o das quantias remettidas pelo governo
em solução de compromissos do Estado, e o dos dinheiros
emigrados por conta de companhias c de particulares, o
cani no nao cessa de baixar annualmente, mais e mais, na
proporção do maior ou do menor saldo da balança commer-
™ <'ontra 0 JSraz!'- ^ r e c a r g a , a divida 'consolidada
tornou-se um me,o de renda, não s,i para o Estado, como
também para as provincias c as camaras immicipacs. E mais
aggravain este mal-estar financeiro os empréstimos contrahidos
pelas companhias ou sociedades anonymas, mediante
on tat,.1°, preferentes; augmentando de tal arte, indirecta-
mente o capital social sem as precisas formalidades, e, por
■sso, ficando mortas on sen, dividendo as acções representativas
uo capital primitivo.
E em verdade um quadro desolador,— esse que ahi
fica exposto a traços largos e que infelizmente não pode ser
contestado. 0 perigo de um descalabro geral não pode ser
maior; e só um poder, consciente de sua força, certo de
seus intuitos patrioticos, apto, por planos complexos, para
grandes commettimentos, capaz, pelo espirito de série, para
encetar e seguir uma politica firme, justa e honesta, sem
prevenções e também sem odios, quebrando os velhos moldes
de governo, recollocará a nação brazileira em seus trilhos.
A escravidão, ha mais de tres séculos, corrompeu o
Brazil; e, por desgraça, durante o segundo imperio, essa
negra instituição adquiri o mais vastas proporções, sem embargo
da lei de 7 de Novembro de 1831 que declarou livres os
escravos importados desde essa data. Se não fòra a benefica
pressão do governo iuglcz, não teria sido promulgada a lei
n. 581 de 4 de Setembro de 1850 que estabeleceu medidas
para a repressão do trafico de africanos. E foi ainda sob o
influxo das associações philantropicas da Europa que a
legislação patria adquirio a lei n. 2040 de 28 de Setembro
de 1871, para ser mystifieada depois pelos ministérios que
«e succederam ao de 7 de Março, presidido pelo illustre
visconde do Rio-Branco, e para ser borrada pela de 1885,
com a mesma data 28 de Setembro, sob n. 3270.
A escravidão, além de estragar moral e politicamente
os povos, causa perturbações graves na esphéra das leis que
presidem á producção e á distribuição da riqueza. Assim
aconteceu com a sociedade romana, no tempo dos Cesares (*):
a classe proletaria, não podendo competir com os escravos,
já porque a producção destes tornava impossivcl a concurrenda
do trabalho livre, já porque o desprezo feria o trabalho
manual, equivalente ao servil, era um perigo permanente em

(*) P . A llard, L e s e s d a v e s d ir é tie n s d e p t i i s les p r e m i e r s t e m p s de


l E glise ju s q tt à la f i n de. la d o m i n a t i o n r o m a i n e e n O c c id e n t.

Convem lêr também J uvenal, nas satyras, IIoracio, nos epodos


e nas satyras, P ersio, nas satyras, e outros escriptores daquelle tempo,
para ter nojo de uma tal sociedade.
80

Roma, por sua ociosidade forçada, não tendo em si estimnlos


de qualquer especie. Acerescia que os possuidores de escravos,
unicos possuidores ao mesmo tempo do poder e das honras,
haviam-se apoderado de todas as fontes de riquesa, fechando
assim, segundo uma expressiva phrase latina, todos os
caminhos do dinheiro, omnes vias pecunim. O valor social
era pelo peso e não pela qualidade. O vicio rico supplantava
sempre a virtude pobre. A escravidão fazia a fortuna dos
senhores de escravos, mas empobrecia as outras classes,
humilhava o homem livre que precisava viver de seus braços,
aviltava a nação. Afinal o povo romano, sem parte alguma
no governo, não era composto senão de libertos e de indi­
viduos sem officio ou industria » e, pois, nao podia zelar
0 espirito nacional.
Se, portanto, em 1840, entregaram ao Imperador
1). Pedro II uma sociedade assim tão profunda e organica­
mente viciada; se leis seriam impotentes contra costumes
envilecidos e contra interesses co-ligados; se a mesma classe
proletaria, inclusive os libertos, tem anilado a soldo dos
possuidores de escravos, como outr ora em Athenas e em Roma,
sem estimnlos moraes, e conseguintemente sem a minima
orientação politica para a transformação social:— por que
attribuir ao poder supremo a culpa de toda essa desorganisação
politica, jnoral, e economica, consequência logica e fatal da
instituição escrava ?
Ainda infelizmente q abolição da escravidão é em
1 886 um problema. Podendo já estar concluida quasi
insensivelmente pela fiel execução da lei n. 2040 de 28 de
Setembro de 1871, permanece, qual sphynge, sem solução,
desafiando lucta, esforço violento, movimento revolucionário,
como meio unico de britar a formula reaccionaria da lei
n. 3270 de 1885.
Deus não permitta que a monarchia, com a sua còrte

(*) J u stitia (‘l e v e t n entem , m ise ro s u n te m fu c it p o p u lo s p eccatum .


( I ’j t o v E i t m o s , X I V , 3-1.)
81

cm andrajos, cercada só de egoismos e de impotências, explo­


rada por ambições vulgares c por gananeias torpes, como se
fora um moribundo a cujos funcracs esses ingratos desejem
assistir com o coracão satisfeito, Deus não pcrmitta, dizemos,
que a monarchia, assim sem ponto algum de apoio nesta
sociedade apodrecida (*), seja levada de roldão em qualquer
desses fermentos populares que a miseria, a fome, o desespero
sóem originar.

(*j MoXTKSQülEtl, Grandeur et decadence des Rem ains, 14.


CAPITULO QU INT O

S. VICENTE
Aos 22 (cie Janeiro cie 1581)
vio unia barra com tundo sufficiente
para caravelas, patachos e outros
vasos de semelhante lotação; e, como
o religioso donatario (Martim Attonso)
costumava assignalar os lugares mais
notáveis com os nomes de Santos,
cujos eram os dias, em que a elles
chegava a primeira vez, demarcou
com 0 titulo de Rio tie S. Vicente a
barra, por onde entrou no dia deste
martyr gloriosissimo, que escolheu
para Patrono da sua colonia.
F r. G aspar tia M adre de D eus,
A te m o r ia s piara. a h is to r io d a c a p i t a n i a
de S. F icen te, I , 2 7 .

Facto digno de nota! Ao passo que a costa meridional


do Brazil, desde a Bahia de Todos os Santos, recebeu nomes
portuguezes, quasi sempre de m artyres christaos, conforme
o dia em que eram descobertos, a costa septentrional, mais
impenetrável aos conquistadores, por se terem agglomerado
alii tribus e nações perseguidas desde o Rio de Janeiro,
conservou em geral os nomes da lingua tupi, mais ou menos
corrompidos pela pronuncia portugueza.
No começo das descobertas, e ainda quando os
donatários de capitanias nas terras do brazil vieram a
— 84 —

povoal-as, somente o sul da costa brasílica logrou ser


colonisado de modo regular. O norte, a excepção de P e i-
nambuco, não foi absolntamcntc povoado no século X \ I :
sendo infruetiferas as expedições dos donatários João de
Barros c de Luiz de jNIello a ilha do M aranhão; c sem
grande resultado a tentativa de colonisar a ilha de Itamaraca
e as margens do rio Parahyba, porque os francezes, con­
trabandistas do páu-hrazil, alliados aos indigenas, oppunham
obstáculos de toda a espccie. Afinal, cm 1580, submettido
Portugal á Ilespanha, sob os Lilippes, toda a costa septen­
trional foi assaltada por inglezes, francezes e hollandezes.
Os inglezes, sob o commando de James Lancaster,
1594— 1595, atacaram Olinda, cm Pernambuco. As outras
expedições inglezas, de L. len to n , 1582, de Roberto W i-
thringtou, 1586, e de Thomaz Cavendish, 1588 e 1591,
não infestaram senão a costa meridional, entre a Bahia e
S. Vicente.
Os francezes, que cm 1 5 5 5 — 1557, sob o commando
de Villcgagnon, fortificando-se no porto do Rio de Janeiro,
pretenderam embalde fundar uma França Antarctica, com
limites até o Rio da Prata, cogitaram cm 1 5 9 4 — 1614 de
fundar a França Fquinoccial, apoderando-se da ilha do
Alaranhão, á qual (leram então o nome de S4 Luiz (*):
foram em verdade os francezes os primeiros colonisadores da
ilha do Alaranhão; c até D. Luiz de M enezes, conde da
Lriceira, em seu Portugal Fcstaurado, T, não duvidou escrever
que « os francezes a descobriram e senhorearam até o anno
de 1 6 1 4 ".
Os hollandezes, qnc além de apossarem-se dos portos
em toda a costa, snceessivamentc, desde a Bahia de Todos
os Santos até a ilha do Alaranhão, 1624— 1654, assaltavam
algumas vezes diversos outros pontos intermedios, a fim de

(*) Alguns entendem que este nome foi dado pelo segundo donatario
Luiz de Mello da Silva. E ’ licito acreditar mais na denominação pelos
francezes, porque Luiz de Mello naufragou, e não chegou a estabelecer-se,
voltando logo para Portugal.
porem-se em mais proximo contacto com os indigenas desses
lugares.
E, pois, nem os portuguezes, nem os francezes, nem
os hollandezes, tiveram, até 1654, paz sufficiente para
poderem assignalar os lugares da costa septentrional com
nomes de seus respectivos idiomas, ou para fixarem os que
por ventura puderam dar durante o tempo de seus respectivos
dominios. O resultado foi que os povoadores, então somente
guiados e dirigidos de facto pelos padres da Companhia de Jesus,
preferiram aceitar e conservar as denominações em lingua tupi.
Os padres da Companhia de Jesus, com effeito, foram
sempre propensos á manutenção das denominações em lingua
tupi, no interesse da mais extensa e pacifica evangelisação.
E , para melhor proveito das missões, ellcs proprios eram
obrigados a aprender e a fallar aquella lingua. Os indigenas
não consideravam estrangeiro e inimigo ( synonimos para
elles, como o eram para a antiga R om a) senão aquelle
que não sabia fallar ao menos a lingua tupi, que era a
geral. D ahi a boa politica dos padres jesuitas, bem sabendo
que, obedecendo os povos sempre mais ás forças indigenas
do que ás estranhas, melhor era coordenar aquellas evitando-
lhes as resistências.
E m verdade, as civilisações invasoras não devem
destruir tudo, espalhando somente ruinas e trevas. Em
concurso com o principio destruidor deve andar o principio
regenerador, a fim de que as nações vencidas possam ser
vivificadas, mas já então sob o influxo das transformações
impostas pelo tempo e pelos acontecimentos. 0 segredo da
politica civilisadora de Alexandre, o Grande, embora procurando
fazer a hegemonia macedonia, não foi senão a concurrencia
dos dous principios. Os persas haviam destruído os templos,
e quebrado as estatuas dos deuses: Alexandre, ao contrario,
esquivando-se ao espirito das represálias, e sustentando o de
moderação para com os vencidos, ao mesmo tempo que
destruia as resistências, zelava os santuários, respeitava as
mulheres, deixava em paz os lavradores, não perturbava as
86

ciciados. AiTcpciidcu-sc sempre de ter permittido a matança


dos montanhozes e a destruição da cidade de Thebas. A
eliminação dos vencidos será sempre um erro dos venccdoies.
E para que o exterminio, quando a fusão das raças e
das línguas pode conciliar melhor o interesse legitimo da
civilisação? Ainda mais que a palingenesia não se pode dar
senão quando subsistem muitos troncos c raizes principaes
para a revegetação. Assim o é, tanto na ordem physica,
como na ordem moral. 1 al foi a política dos padres da
Companhia dc Jesus.
E accresceu que, ao passo que as conquistas na
costa meridional foram feitas nos tempos heroicos dos por­
tuguezes, século XVI, reinando então a dynastia de Aviz, as
da costa septentrional e do interior de todas as capitanias
em geral o foram, no século X V II, sob a influencia plena da
Companhia de Jesus. E é essa a rasão dos nomes em lingua
tupi que a mór parte das povoações do interior ainda
conservam, tirados das serras, dos nos, das lagoas, taes como
os indigenas denominavam esses lugares. (*)
Nem devemos deixar dc mencionar uma circumstanda
notabilissima, certamente determinativa dos nomes de martyres,
dados naquclles tempos heroicos, pelos descobridores e pelos
primeiros donatários, ás terras descobertas e a povoar. E
sabido que, naquella epoelia, os navegadores portuguezes não
sabiam de Lisboa para os descobrimentos e conquistas senão
muito preparados religiosamente. E, pois, fossem ou não
felizes, e ainda mais quando o eram, tinham por obra muito
christã assignabar com nomes de Santos os lugares conquistados,
de accordo com as circumstandas oceorridas. Ora, no século
X V II, os portuguezes, então menos influenciados do espirito
religioso, principiaram a cuidar mais de negocios e da escra-
visação dos indios para enriquecerem do que de alcançarem
á porfia maiores glorias, como no século anterior. A civilisação
christã ficou exclusivamente a cargo da Companhia de Jesus.
Os navegadores portuguezes que Jál-Rei D. Manoel
(*) Sem prejuízo, porém, de seus oragos.
87

mandou a India, desde 1497, inclusive Pedro Alvares Cabral,


que só a impulsos de uma tormenta, obrigando sua armada a
navegar para oeste, deseobrio a terra de S anta C ruz, depois
denom inada B r a z i l , — todos aquelles navegadores, dizemos,
na vespera de zarparem do porto de Restello, faziam vigilia
na ermida de ISossa Senhora de Belém ; ermida esta que
aquelle Rei fez substituir depois por um bello mosteiro,
dentro do qual se lhe preparou sumptuoso mausoléu. E,
porque a ermida pertencia á Ordem de Christo, nella havia
sempre freires do convento de Thomar para administrarem
os sacramentos aos mareantes. No dia do embarque, cami­
nhavam todos infileirados em procissão, ordenada pelos freires
e outros sacerdotes, depois de ouvidas as missas rezadas por
e ste s; e cada um levava o seu cirio. Os sacerdotes iam
cantando a ladainha, e a multidão, formando couce, fechava
aquelle enorme e imponente préstito. Chegados já perto dos
batéis, que os haviam de levar até ás náus, ajoelhava o
capitão-m ór da armada, e com elle toda a grande com itiva:
então, nesse solemne momento, o capcllão da ermida lan­
çava-lhes em voz alta a benção geral. (*)
Com effeito, sob tão tristes impressões navegavam
capitães e marinheiros; tanto mais que, após aquella solemnidade
ecclesiastica, vinha a scena melancholica e pranteada dos
parentes e dos amigos,— scena esta que, durante a viagem,
desenhava-se-lhes constantemente na memória. (**)

(*) STANLEY, T h e th ree v o y a g e s o f V a s c o d a G a m a , Londres, 1869.


0 Snr. LATINO Co elho , V a r õ e s illirstre s, V a s c o d a G a m a , , II,
transcrevendo de S tanley essa descripção das despedidas da armada
daquelle grande capitão portuguez, não hesitou, sendo certamente catholico,
em copiar também as seguintes palavras: « o v ig á r io da ermida fez em
VOZ alta uma co n fissã o g e r a l e logo lhes d e u a a b s o lv iç ã o d e s e u s p e c c a d o s ,
segundo facultavam as bullas pontificias, alcançadas por D. Henrique em
beneficio espiritual dos que perecessem nos descobrimentos e conquistas»!!!
(**) Camões , L u s í a d a s , IV, 86— 10f; com referencia á despedida
da armada de Vasco da Gama. Merece ser confrontado com o que
S tanley escreveu. C amões não dá noticia alguma da tal co n fissã o g e r a l e
em v o z a lta . Talvez que S tanley quizesse referir-se á recitação do C o n fiteo r
ou da oração que principia pelas palavras—E u p e c c a d o r m e co n fe sso a
D e u s ; e equivocou-se.
88

E, por cumulo de tristezas, ainda então não eram


seguros os meios de navegar, além de impei feitissim
conhecimento dos ventos e das correntes (*), em mares ignotos,
se bem já em uso o astrolábio (**). De sorte que os
navegantes, ora desanimando, ora assustados, « viam a morte
diante muitas vezes ». (***)
E, por accrescimo, os maritimos sóem ter mui vivaces
os sentimentos religiosos, independentemente de qualquei
preparo, ainda que embarcados em optimos navios: pelo que,
luctando com mares tormentosos c com tempos contianos,
recorrem sempre, nos momentos de perigo, a protecção da
corte celestial, invocando cada qual o seu patrono.
Taes parecem-nos ser concurrentemente os motivos
da differença de denominações, ao norte e ao sul do Brazil.
À capitania, entretanto, não podia ter melhores
patronos: ao principio, S. Vicente, o grande m artyr hespanhol;
depois, ainda S. Paulo, o excelso Apostolo das nações.

(*) Q uint Ki,la , A n t m c s tin M a r in h a P o r tv g u e x a , com referencia


ao naufragio do grande galeão S. J o ã o , sob o commando de Manoel de
Souza de Sepulveda (cantado por Camões, L u s í a d a s , V, 46—48, e narrado
por historiadores da epochal, occorrido em 8 de Junho de 1552, de volta
da Índia, perto da costa do Natal, na latitude de ,'íl gráus, assim descreve
o que eram os navios portuguezes:
<Deve-se ter presente que os navios portuguezes ainda não tinham
mais panno, que mezena, gaveas, papa-figos e cevadeira ; e que os castellos
do popa e prôa eram excessivamente altos, hem como as obras m ortas:
o que tornava os navios mui ventosos, e expostos aos golpes do mar, e
de mui máu governo com vento forte, e mar cavado. Prova de que a
const moção não tinha feito progresso. *
No supramencionado galeão, vinham, além de Sepulveda, muitas
pessoas de distineção e nobreza, e entre outras Diogo Mendes de Almeida,
portador de cartas e presentes de Nantaquim, principe de Tanaixuma ( K o -
misaiiii). ilha do Japão, dirigidas a El-Rei D. João III, solicitando o
auxilio de õOO portuguezes para a conquista das ilhas Lcquias ( L i e ú - R i e ú ) ,
e sugeitando-se ao tributo de õOOO quintaes de cobre e de 1000 de latão.
(* * ) C a m õ e s , L n : io d a s , V , 2 õ .
O padre FeiíXÃO DE. Queiroz, H i s to r ia d a v id a d o v e n e r á v e l
(* * * )
P e d r o de P a s t o ,
referindo-se a taes navios de remos, ou fustas, escreveu:
« São estes barcos tumbas de homens vivos na guerra, e desacommodados
pera a vida e pera a saude na p az.»
CAPITULO SEXTO

S. Paulo o Maranhão são as


provincias em que a raça. branca se
cruzou mais profundaniente com a
indigena. S. Paulo está na vanguarda
dos melhoramentos materiaes; e seria
injusto aquelle que desconhecesse que
a provincia do Maranhão, attenta a
sua população c recursos, é a que
representa o mais enérgico movimento
litterario do Imperio.
C o u to dk M a g a lh ã e s , O S e l­
v a g e m , II, 4.° in fine.

No vice-reinado do marquez de
Lavradio, chegou ao Rio de Janeiro,
nomeado chancellor da Relação, o
desembargador da do Maranhão João
Alberto Castello Branco; o qual dessa
capitania trouxe duas mudas de cafe­
eiro, que por ordem do vice-rei foram
cultivadas na horta dos barbadinhos
italianos.
__ mas no luminoso trabalho
sobre a H i s to r ia e c u ltu r a d o c a fe e ir o ,
do distincto e respeitável sr. dr. Ni-
coláo J oaquim M oiieiu a , lê-se que
João Hopman colhera na horta dos
barbadinhos algumas bagas de café c
as semeara na sua chacara.
J. M. de M acedo , A n n o J J io g r a -
p h ic o . 27 de Outubro, J o ã o H o p m a n .

Foi M artim Affonso de Souza, fidalgo da casa real,


senhor de Alcocntre e Tagarro, e alcaide-mór de Bragança
e do Rio Maior, o nomeado por El-Rei D. João III, em
alvará de 20 de Novembro de 1530, para vir ao Bra/;
descobrir, e dar terras ás pessoas que comsigo trouxe .'
segundo bem lhe parecesse, e conforme merecessem por '
serviços c qualidades: e trouxe a patente de capitão-mór e
governador.
Com effeito, saldo a armada logo depois de expedido
aqíielle alvara, cm 3 de Dezembro; de sorte que chegou no
primeiro dia do anno de 1531 a um boqueirão, por todos
os lados cercado de horríveis penhascos, e, parecendo-lhe um
rio, não entrou, mas denominou-o Rio de Janeiro, e ao mais
alto penhasco, Pão de Assacar.
Scguio para o sul, c no dia 6 de Janeiro entrou na
barra formada pela Ilha Grande e pelo morro de Marambaia:
denominou-a Anura
ts dos Reis.
Continuando a seguir para o sul, avistou no dia 20
uma ilha, que, por isso, foi denominada S. Sebastião.
D, continuando a viagem por espaço de mais doze
léguas, ou de oito, se não forem levadas em conta as tor­
tuosidades da costa, vio no dia 22 (*) uma barra com fundo
sufficiente para caravelas, patachos e outros navios de egual
lotação. Segundo o seu costume, por ser mui religioso,
demaicou com o titulo de R io de S. Vicente essa barra ;
escolhendo ao mesmo tempo esse martyr gloriosissimo para
patrono da colonia. Essa barra do Rio de S. Vicente é a
que depois foi denominada Bertioga, corrupção do nome
Buriqui-óca, « morada de bugios », dado pelos indigenas a um
mono proximo, e dahi a todo o local da referida barra. (**)

OSeSundo h ei Gaspar da Madre de D eus, M e m o r ia s v a r a o


In fo r m da & V ic e n te , I, 31. « 0 opinião ou erro comimur
c a p ita n ia d e
1 e a esquadia de Martim Affonso entrou pela barra de S. V ic e n te >
que so depois foi conhecida e fica cm frente á villa deste nome. Este
esciiptor demonstrou a fasidade daquelle asserto.
,r ( ) A ^)íllia grande tinha o nome—G n a r á - p is s u m fí. Azevedo
M arques escreveu G n a r á - p in u m ã .
O nome B u r b p n - ó c a consta de muitos escriptos, e especialmente
da sesinaiia passada pelo capitao-mór Antonio Rodrigues de Almeida em
Santos, aos 6 de Maio de 1566, a Domingos Garocho ’
t ■

i :■ \ 91
r I
Quando os indigenas viram navios, ficaram espantados;
desde então correu a noticia até aos campos de Pira-
. ;..í:-‘!cga onde era cacique o famosoTebyreçà,, com
cuja filha o portugucz João Ramalho, naufragado com seu
compatriota Antonio Rodrigues ha muitos annos, vivia ma­
ritalmente. Sabendo-a, João Ramalho (**) suspeitou logo

( * ) P i r a - t i n i m j a , peixe sccco. O nome não ó de ribeiro, como


frei G aspar da M adre de D ecs c outros suppoem; mas proveio das
varzeas, cujas aguas, desapparecendo, deixam em sccco o p e lv e .
n Este João Eamalho, sc de facto por convenienda propria
prestou bons serviços a Martim Affonso dc Souza, tornou-se, annos depois,
nao só ingrato ao proprio Tebyreçà, cuja filha lhe escudara a vida, como
também revelou rnáu caracter pelos vicios que ostentava, amancebando-se
com diversas indias, polo que foi excommungado c tolhido de frequentar as
egrejas. «Costumava sahir seguido da. numerosa caterva dos filhos bastardos,
m a m e l u c o s , gente ruim e desalmada, que se derramavam a fazer alvorotos
e a injuriar e calumniar os padres jesuítas.» A prole legitima, nobilitada
com os casamentos de Jorge Ferreira, cuja filha casou-se com Christovam
Monteiro, e cuja neta casou-se com José Adorno, todos fidalgos, desappa-
receu na obscuridade desde o século XVII. Isto dizemos, no caso de ser
certo que Joanna Ilamalho, casada com Jorge Ferreira, era f i l h a de João
Eamalho. P e d r o T a q u k s ( R e v i s t a , XXXIV, parte primeira, pag. 69)
escreveu que era f i l h a ; mas, já havia escripto ( R e v i s t a , XXXIII, parte
segunda, pag. 81) que era i r m ã . E ainda neste ultimo lugar escreveu
que João Eamalho viera na armada de Martim Affonso, cm 1531; desmo­
ronando assim a lenda! c que João Eamalho tinha então o fôroXle fidalgo!
Mal compreliende-so essa historia do casamento de Jorge Ferreira com
f i l h a ou i r m ã de João Eamalho... Mas, a verdade é que não ha vestígios
disso para uma genealogia.^
Ao contrario, Antonio Eodrigues foi sempre estimado por seu
exemplar comportamento; o a N o b ilia r c h ia P a u l i s t a n a , por P edro T aquks
de A lmeida P aes L em e , não é senão a genealogia dc sua geração. E’
seu ter-neto o famoso Amador Bueno dc Eibcira: e um bisneto deste,
D. Francisco Matheus Bendon, casando-se com I). Maria de Araujo, reune
a geração de Antonio Eodrigues, plebeu, á dc Antonio Eodrigues de
Almeida, cavalleiro fidalgo. Vejam-se, na genealogia, as linhas A e B.
E ’ opportuno explicar o que é m a m e l u c o . Os europeus assim
denominavam o mistiço nascido do ajuntamento dc mulher i n d i a com
branco. Os indigenas o denominavam m a r a b á . Se, porém, o filho era tido
de algum prisioneiro (os indigenas forneciam ao prisioneiro, destinado a
ser devorado, a joven mais qualificada e mais formosa da aldêa), branco
ou de outra tribu, denominavam-n’o c u n h a m b i r a , que quer dizer f i l h o d o
c o n t r a r i o ; e a creança, alimentada até a edade de poder ser comida, era
neste tempo sacrificada com todas as ceremonias usadas entre taes selvagens,
quebrando-lhe elles primeiramente o craneo, e depois assando-a inteira

^ tf& rr* Ó
/í i ,
— 92

que eram navios portugiiezes; c, pois, alegrando-se, supplicou


ao sogro que não pelejasse contra elles, e ao contrario os
defendesse, offerccendo-sc elle proprio para ir ao seu encontro
com quinhentos homens. Do mesmo modo procedeu Antonio
Rodrigues, seu companheiro, também portuguez, o qual, á
imitação daquelle, alliara-se maritalmente á filha de Piqui-
robjj (*), chefe da tribu Ururay. (#*)
De facto, João Ramalho e Antonio Rodrigues apres­
saram-se a chegar a Rertioga antes que ahi viessem outras
trib u s; e, deixando á certa distancia o seu exercito, cami­
nharam sosinhos para a fortaleza (***) já ahi então levantada

para se banquetearem com grande festa, sendo a mãe, por especial honra,
a primeira a comer dessa carne.
Segundo pai eco, nem Joao Ramalho, nem Antonio Rodrigues,
foram considerados prisioneiro*; ao contrario, foram agasalhados como amigos!
João Ramalho era analphabeto. J
.(*) . ?)amos cst0 »omc assim, porque tal as chronicas o escrevem.
Ainda não foi-nos possível descobrir o significado em portuguez. Talvez
esteja escripto incorrectamente.
Yeja-se adiante, na genealogia, a linha A, I.
•i • Sorprendc
1 C a todos os que examinam os primitivos p w u ntempos
u n u o dat
Uc
capitania de b Aiccntc a obscuridade em que os chronistas esforçam-se
por deixarem A.vmxio R odiíigcks , — aliás a primeira figura nas familias

f i fãdnntivamcnte era chamada de S a n tia g o ; depois passou a

índios c de porfiada resistência dos portuguezes.


T a m o p o s,
Mais tarde, em 1550, foi levantada outra fnrtnlo™ nessa mesma
93

por ordem de Martini Affonso. Causou aos portuguezes


estianheza e assombro, que logo converteu-se em jubilo, ao
ouvirem alli o idioma de sua patria; e, recebidos João
amalho e Antonio Rodrigues pelo capitão-mór, narrou o
pnm eiio a este os successos (*) de sua vida, assegurando-lhe
defeza por parte dos indios que comsigo trazia.
Tratou logo Martim Affonso de aproveitar uma tão
giande fortuna; e, pois, recebeu com todas as honras devidas
a_ um rei o ja referido Tebyreçú, com o qual ajustou imme-
diatamente alliança offensiva e defensiva, com grande alegria
dos indios do cacique (**). lam bem jPiquiroby entrou na
alliança.
Dias após, Martim Affonso, depois de despachar para
Lisboa um navio (***) a fim de levar a E l-R ei a agradavel
noticia, seguio com a armada para o Rio da Prata. Só
depois que dalli voltou, entrando com a armada em uma
enseada ao sul da ilha que os indigenas depois chamaram
Enga-guassú (****), fundou nesse lugar a primeira povoação

(*) Estes successos até liojc são ignorados.


(**) Foi tal a dedicação de T e b y r e ç ú por Martim Affonso de
Souza que, no baptismo, tomou o nome inteiro deste capitão-mór. Também
foi muito dedicado aos padres jesuítas. Vindo a íalleeer em 25 de
Dezembro de 1562, talvez por ferimentos recebidos no combate de 10 de
Julho do mesmo anno contra os Tamoyos que atacaram a villa de S. Paulo
sob o commando do proprio irmão de T e b y r e ç ú , de nome A r a r a y , « foi
enterrado na egreja do Collegio com muita honra, acompanhando-o todos
os christãos portuguezes com a cera da confraria», segundo se expressou
em carta de 16 de Abril de 1563 o grande José de Anchieta. Fez
testam ento; e falleceu como o melhor dos christãos, recommendando á sua
mulher e filhos que não deixassem de honrar sempre a verdadeira religião.
(***) Sob o commando de João de Souza: era uma das náus
de corsários francezes que Martim Affonso apresára.
(****) Outros escrevem In d u á -g u a ssú , pilão grande. F parece
mais correcto.
O padre J osé de Anchieta escreveu U n g im -g u a s s ú .

Frei G aspar da M adre de D eus , M e m ó r i a s p a r a a. h is t o r ia , d a


ãe S. V i c e n t e , I, § 141, dá esse nome gentílico somente ao lugar
c a p ita n ia
em que depois foi fundada a villa do P o r t o d e S a n t o s ; e, no § 147, explica
a rasão por que, sendo antes sómente P o r t o , accrescentou-se depois
94

clo Brazil, hoje villa de S. Vicente, cerca de duas léguas ao


sul da cidade de Santos, fundada posterionnente (1 536) por
Biaz Cubas, um dos muitos cavalleiros fidalgos da casa real
que haviam acompanhado a Martini Affonso.
Alguns historiadores dizem que, só após a volta
do Rio da Prata, foi que Martini Affonso conheceu as costas
ou o littoial entre Rio de Janeiro e a ilha de Cananéa; e que
so então deu-se o facto do encontro delle com João Ramalho
e Antonio Rodrigues.
O
Tem mais procedência o asserto do padre F r anc i s c o
ou S anta M aria , em sua obra Anno historico (*). De outro
modo não explica-se a série das denominações dadas pelo
religioso M artini Affonso ás terras percorridas, desde que
deseobrio o Rio de Janeiro em l.° de Janeiro de 1531,
como já ficou referido.
Mas, em summa, tal disputa não vale muito para o
modesto e particular plano deste livro.
Resolveu Martini Affonso, em 22 de Maio de 1532,
fazer voltar a Portugal seu irmão Pedro Lopes de Souza,’

t E f o i J ,or(l,;°’ fl,udada «Ui a primeira confraria da Misericordia


. Ill dc 1.1.) , " II todos os KW{C; I)- J - ° 111 «■ Almeirim aos 2 dò
privilégios (las idênticas cm Portugal Braz
< ita s . promotor ,1a contraria, edificou a respectiva ogroja, e ju„t0 a esta
« r ir 110 4 £ LS
Í u e l ^ ^ - r c i d X ' ^ 1sfnt r * * ™ a flo c a l mn

r
China;
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7 vsondo-o naTT ilha Formosa com
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nome ClC
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K T ô c e a íi- r d ó “ n - Ã T om 'á
Vie""a’ «» « « » mmielos expostos b Ó d ç â " ,ta c S ° lmíC1'SI“ *
(*) Veja-se frei Gaspar da M adrk dk Tfmo %r
d" c a p ita n ia ,/e S. V ir e n te I SS “>9 0 i f *r a «
transcreveu textualmcntc a carta ,-A„-n ’ ,in oc a ec, °; ljSte chromsta
resolve formalmente este ponto ■' e mesmo a* m ‘S,,t('niliro de 1532, que
régia c documento de alto valor.1 1 10s lesPeit°s, essa carta
a fim de dar a El-R ei noticia circumstanciada das explorações
na região do Rio da P rata; e, em 28 de Setembro desse
mesmo anno, D. João III escreveu uma carta, communicando-
llie a resolução de dividir o Brazil em capitanias desde
Pernambuco até o Rio da Prata, e declarou ter-lhe doado
cem léguas.

Martini Affonso, entretanto, depois de distribuir ses­


marias a varios fidalgos que com cllc vieram na armada; e
especialmente a Antonio Rodrigues, companheiro de João
Ramalho, as terras situadas na ilha de S. Vicente, a duas
léguas da barra de Santo Amaro e fronteiras a 'lum iarú,
reservada somente a área necessaria para estaleiro de em­
barcações ( um tiro de arco em roda): subio a serra
Paranapiaeaba para reconhecer os campos de Bira-tininga, em
companhia de João Ramalho, seu guia, em cuja casa no
sitio conhecido depois por Borda do campo (*) fez pousada.
Ahi Martim Affonso confirmou-lhe a posse em que estava
dessas terras; e ainda nesse lugar assignou cartas de sesmarias
abaixo da serra, nas terras da costa e das ilhas.

Em fim de 1533, voltou para Portugal, deixando


por seu loco-tencnte Gonçalo Monteiro, com a patente de
capitão-mór e ouvidor. Foi o primeiro capitão-mór da
capitania, 1533 a 1537. Segundo frei G a s p a r d a M a d r e d e
D eus, Memorias para a historia da capitania de S. Vicente,
I, § 63, Gonçalo Monteiro era um sacerdote que acompanhara
a Martim Affonso nessa expedição e que ficou parochiando
a egreja de S. Vicente; mas A z e v e d o M a r q u e s , Chronologia,
contesta isso, dizendo não ter encontrado em muitos papeis

(*) Neste lugar, João Ramalho fundou uma povoação; e, em


1553, aos 8 de Setembro, foi elevada á villa, sob o nome de S a n to A n d r é ,
pelo segundo capitão-mór loco-tenente Antonio de Oliveira e pelo provedor
da fazenda real Braz Cubas, ratificada em 1554 pelo donatario da capitania.
Em 1560, estando em S. Vicente o governador geral do Estado, então
Mem de Sá, este ordenou a demolição dessa villa e a mudança para a de
S . P a u l o d e P i r a - t i n i n g a , que, por iniciativa dos padres da Companhia de
Jesus, fôra fundada em 1554, e que, por foral dado por Martim Affonso,
em data de 5 de Setembro de 1558, já estava elevada á villa.
96

daquella epocha a asserção de ser sacerdote o tal Gonçalo


Monteiro: o que não justifica a contestação, fundando-se
os outros em documentos, mormente no titulo de sesmaria
dada a Estevam da Costa em 1536, no qual é affirmada a
qualidade de vigário. V a r x h a g e n , Historia Geral do Brazil,
X I, confirma esta qualidade.
Seguindo para a India, no fim de 1534 (*), por
ordem d El-Rei, deixou seus poderes á sua mulher D. Anna
Pimentel, a qual, pelo substabelecimento, confirmou em
Gonçalo Monteiro a anterior nomeação de loeo-tenente do
ja então donatario Martini Alfonso.
Ian 1538, a mulher de Martini Affonso mandou de
1 oitugal, como capitão-mor governador c ouvidor da capitania,
o cavalleiro fidalgo da casa real Antonio de Oliveira; e, pois,
succedendo este a Gonçalo Monteiro, governou até 1541. f*
Sob o governo deste capitão-mór, a villa nascente de
S. Vicente soffreu uma inundação do mar, que derruio-lhe
as casas do conselho e o pelourinho. Mais tarde, em con­
sequência de serem descobertas dos mattos as vertentes dos
rios, deu-se um como pequeno diluvio, cujas aguas, descendo
dos montes, levaram ao porto muita terra, e foi por isso que
o ancoradouro de S. Vicente, ficando quazi entulhado, acabou
fo r ceder ao de Santos a primazia. I
8
Nesta epocha, tendo á vista a lista de capitães-mórcs
ate 1698, publicada por A zevedo M arq u es, A p o n t a m e n t o s
historicos, na palavra Capitães-m Óres, houve confusão de

1) , - i X S í ’" " ll(1<|, SC u ‘ cni 1 C l M isco d AnduAda, C h ro n ic a d e E l - R e i


, ' '° " ° ' 00111 r(4crencia a este facto no volume III. Martim Affonso
de Souza segmo para a India cm Setembro de 1534, com cinco náus de
que ia por capitão-mór. u u s ’ de
I
n , vod,ou a 6'sbôa. tendo praticado feitos gloriosos Fm u m
voltou 4 índia, co.n outras ciuco „á„s, intlo oatào ,aab8 g ó rn íaflo r.

o,io denota veio


v e P aa^P
seir SS. IVIS' ° “'A4 " a " a nif> menciona o missionário
uc aepois iiaxcisco X a v i e r , grande Apostolo do Oriente

g," 'S Cl,1'0nÍS,aS 1 * ■**»» ( « te d» 1541 fôra eífê

0
— 97 —

loco-tenentes para as duas capitanias; talvez pela proximidade


de parentesco dos donatários, segundo pensa frei G a s p a r d a
M a d r e d e D e u s . Já então, sendo fállccido o donatario Pedro
Lopes de Souza, a capitania dc Santo Amaro estava sob a
administração de sua viuva D. Isabel dc Gamboa.
Em verdade, na referida lista, estão os nomes de
Christovam de Aguiar de Altero (1 5 4 2 ), Antonio de Oliveira
(outra vez, 1549), Gonçalo Affonso (1 5 5 4 ), e Jorge Ferreira
(1 5 5 6 ), que também foram procuradores da sobredita D. Isabel
de Gamboa. Ao passo que Braz Cubas (1 5 4 5 ) foi loco-tenente
somente de Martim Affonso, donatario da capitania de
S. Vicente, passando em 1551 a ser provedor da fazenda
real, e ainda depois (1 5 5 2 ) loco-tenente do mesmo donatario.
O seu antecessor Christovam de Altero (1 5 4 2 — 1 5 4 5 ) parece
ter reunido as duas capitanias. (*)
Antonio Rodrigues de Almeida, cuja primeira vinda
á capitania de S. \ icente não é datada nas chronicas (**),
succedeu a Jorge Ferreira, quando em 1557 regressou de

(*) Este Altero, em 1542, foi nomeado feitor c administrador


da fazenda do T r a to , pela mulher de Martim Affonso ; e, tomando posse
como capitão-mór em 28 de Março de 1543, alguns o dão também como
loco-tenente do mesmo Martim Affonso. A sesmaria de Jorge Pires,
porém, não foi dada por elle em 12 de Janeiro dc 1545 como loco-tenente
de Martim Affonso, senão como loco-tenente de D. Isabel de Gamboa e
de seu filho; e de facto essa sesmaria era da barra da Bertioga para o
norte, e aquella qualidade foi expressamente declarada no titulo.
(’•*) Segundo frei G aspar Madre de D eus, M e m o r ia s p a r a
da
a h is to r ia d a c a p i t a n i a <Ie S . V ic e n te ,
viera com Martim Affonso, e muitos
outros fidalgos; e, voltando a Portugal para buscar a mulher e duas
filhas, regressara, ainda só, em 1557. Não parece, porém, verosímil que
viesse com Martim Affonso; ao contrario, por uma carta de sesmaria das
terras de I t a - ó c a , no Rio de Janeiro, verifica-se que viera em 1547, mais
ou menos, certamente para examinar a conveniência da mudãhça.
Se elle tivesse vindo, em 1531, com Martim Affonso, deixando
então em Portugal a mulher com duas filhas, não poderia sua mulher,
regressando elle em 1557, e vindo ella em 1560, dar á luz em Santos,
1573, o illustre André de Almeida, da Companhia de Jesus, pois que teria
mais de cincoenta annos. E, aliás, P edro T a q u e s não o menciona entre
os fidalgos que vieram com Martim Affonso.
Yeja-se a genealogia, Linha B, I.
— 98 —

Portugal, para onde tinha ido cm 1556. Segundo se lê em


P edro I aques, Nobiliarchia Paulistana, mereceu que Martim
Affonso o velho lhe fizesse mercê da propriedade dos officios
de escrivão da ouvidoria e das datas de sesmarias e chanceller
da capitania de S. Vicente: e, «estando a embarcar de
regresso para esta villa (S. Vicente), foi constituído em
capitão-mór, ouvidor, da capitania de Santo Amaro, do
defuncto Pedro Lopes de Souza, por sua mulher D. Isabel
de Gamboa, como tutora e administradora de seu filho
Martim Affonso de Souza o moço, e sobrinho direito de
Martim Affonso de Souza o velho, senhor donatario da
capitania de S. Vicente; e foi esta promoção por instru­
mento publico (*), celebrado na nota do tabellião Amaral,
cm Lisboa, a 20 de Setembro de 1557, como se vê do
mesmo instrumento, registrado na provedoria da fazenda real
de S. Paulo, no livro das sesmarias, tit, 1562, pags. 16 e 1 7 ;
c, como capita o-mor e ouvidor, concedeu terras dentro das
f cz léguas da capitania de Santo Amaro, que discorrem do
no C uiupaci ( ') até a barra do rio de S. Vicente, braço
do norte, chamado da Bertioga, como se vê das sesmarias
que concedeu desde o anuo de 1557 até 1568, que todas
se acham registradas no cartorio da provedoria da fazenda
real de S. 1 aulo, no livro das sesmarias, tit. 1562, desde
pag. 11 até 123».

A verdade também cm tudo isto é que os loco-tenentes


de ambos os donatários, de S. Vicente e de Santo Amaro,
íesiciam dentro do territorio da primeira capitania, ao
principio em S. \ieente, e depois em Santos, povoação
fundada por Lraz Cubas cm 1536, e elevada á villa em
19 de Janeiro de 1545 (*»*). Pelos titulos de sesmarias,

(*) Na genealogia serão transcriptas as forças deste instrumento,

c Car agn a tatu ° qual ^ h<* 0S munidpios de S. Sebastião

,,,,,,,,,,, S P \ f ? t ÍT0 dia capitania do Sant0 Amaro não existia villa


ate 16o6, quando a povoação de S. Sebastião foi elevada á villa
por provisão do conde de Monsanto, de 16 de Março desse anno
99

portanto, e somente attendendo á sua ordem clironologica


nos registros, não era possivel distinguir quaes os capitães-
mores representantes de um e de outro donatários. E, além
disso, por exemplo Antonio Rodrigues de Almeida exercitava
funcções nas duas capitanias: em uma (Santo Amaro),
era capitão-m ór; na outra (S . Vicente), era almoxarife e
chancellor, e tinha a propriedade do officio de escrivão da
ouvidoria e do das datas, como verifica-se dos titulos de
suas sesmarias, sendo então capitães-mórcs por Martini
Affonso, em 1 5 6 0 — Francisco de Moraes, cm 1565— Pedro
Ferraz Barreto, e em 1567— Jorge Ferreira. (*)
Fm 1569 a procuração de Antonio Rodrigues de
Almeida é renovada para a capitania de Santo Amaro; mas,
teve por successor, em 1577, Lourenço da Veiga, fidalgo da
casa real, e este, em 1578, substabeleceu a procuração de
André de Albuquerque, sua mulher e sua cunhada, herdeiros
de Pedro Lopes de Souza, na pessoa de Salvador Corrêa
de Sá, governador no Rio de Janeiro, e foi tomar posse
do governo geral do Estado na Bahia, já então annullada a
divisão de 1572 entre Estado do Norte e Estado do Sul.
Por virtude dessa procuração, Salvador Corrêa de Sá concedeu
terras de sesmarias na capitania de Santo Amaro, desde
1579 até 1602.
Por parte de Pedro Lopes de Souza, filho de Martim
Affonso, fállecido em 21 de Julho de 1565 em Lisboa, era,
desde 1573, loco-tenente na capitania de S. Vicente Jeronymo
I.eitão ; e, salva a interrupção adiante mencionada, continuou
até que, em 1588, por procuração de 20 de Março desse
anno, foi confirmado por Lopo de Souza, filho e successor
do referido Pedro Lopes de Souza.
Mas, em 1580, também foi capitão-mór Antonio de
Proença, natural de Belmonte, em Portugal, moço de camara
do infante D. Luiz, e genro do supradito Antonio Rodrigues

(*) E ’ o mesmo que já havia sido loco-tenente também na


capitania de Santo Amaro (1556).
— 100

de Almeida (*); c assevera-o A zevedo M arques, Apontamentos


historicos, nos nomes Antonio de Proença e Capitães-móres,
dizendo ter sido capitão-mór loco-tenente de Martim Affbnso
de Souza (**), e ouvidor da capitania.
As cousas assim continuaram, sendo Diogo Arias de
Aguirre o ultimo capitão-mór nomeado sob a autoridade
do donatario-successor da capitania de S. Vicente, em 1599,
segundo M achado de O liveira , no Quadro historico da
provincia de S. Paulo, embora não mencionado por A zevedo
M arques, Apontamentos historicos, na sua lista de Capitães-
móres. M achado de O liveira errou o nome daquelle capitão-
mór, escrevendo Diogo Arcaze de Aguerre. (***)
Falleccndo I). Isabel de Lima de Souza e Miranda,
sem successão, nomeou a seu primo Lopo de Souza, acima
referido, para donatario da capitania de Santo Amaro ( in ­
clusive Itamaracá, cm Pernam buco). E assim ficaram reunidas

(*) Ver adiante a genealogia, Linha B, II.


(**) Nesse tempo, somente podia ser loco-tenente de Pedro Lopes
de Souza, filho de Martim Affonso, pois que este tinha morrido.
(***) P edro Xaques, N o b ilia r c h ia P a u l i s t a n a , com referencia a
Antonio Proença, inserio a provisão de 15 de Maio de 1602, do governador
geral I). Francisco de Souza, nomeando o mesmo Antonio Proença para
servir interinamente de capitão da villa de S. Paulo, no impedimento de
Diogo A r i a s de A g u ir r e .
Ha em tudo isto uma confusão de sobrenomes e de datas.
Azevedo Mauqces, na referida lista, traz o nome de D io g o A r i a s d e
cm 1684. Não será o mesmo individuo, ao qual P edro Xaques,
A r a u jo ,
cm titulo de P i r e s , pag. 26, refere-se como estando em Santos, na qualidade
de procurador da Coroa, em 26 de Fevereiro de 1688?
O que vale para a historia é que, seja um ou outro, não ha mór
prejuízo.
Veja-se, porem, a diferença das datas. A verdade está com
Pedro X a q u e s , que
apoia-se em uma provisão do governador geral,
transcripta integralmente. Machado de Oliveira e Azevedo Marques
erraram os nomes e confundiram os tempos.
t in Diogo Arias de Aguirre foi capitão-mór desde 1599; o qual
foi substituído interinamente, em 1602, por Antonio Proença.
Posteriormente, em 1684— 1688, houve outro, de nome Diogo
Ayres de Aguirra. °
— 101

as duas capitanias; mas o conde dc Monsanto, D. Alvaro


Pires do Castro c Souza, na qualidade do bisneto de Pedro
Lopes dc Souza, primeiro donatario, reclamou em demanda
judicial a capitania de Santo Amaro.

Entretanto, serviram de capitães-móres loco-tenentes


de Lopo de Souza, então senhor das duas capitanias, Pedro
Vaz de Barros c Antonio Pedrozo de Barros, assim collocados
em 1602 c em 1607 por A zevedo M arques na já mencionada
lista, embora outros invertam essa ordem, sem rasão alguma.
Segundo P edro T aques, Nobiliarchia Paulistana, tratando
desses clous irmãos, eram «, pessoas dc qualificada nobreza, e
vieram providos Antonio Pedrozo em capitão-mór governador
da capitania de S. Vicente e S. Paulo, e o irmão Pedro
Vaz de Barros em ouvidor da mesma capitania, com clausula
que, fallecendo Antonio Pedrozo, fosse capitão-mór governador
e também ouvidor o irmão Pedro Vaz, e, fallecendo este,
fosse Antonio Pedrozo o capitão-mór governador e também
ouvidor ». E refere-se á carta patente passada em Eisbòa
aos 21 de Novembro de 1605, pela qual Antonio Pedrozo
tomou posse na camara de S. Vicente aos 26 de Dezembro
de 1607, c epie se acha registrada no archivo da camara de
S. Paulo, no caderno tit. 1606. O mesmo P edro T aques
accrescenta: «Porém , Pedro Vaz dc Barros já tinha vindo
a S. Paulo muito antes daquellas cpochas, pois consta que
era capitão-mór governador da dita capitania pelos annos
dc 1602 ( cartorio da provedoria da fazenda real, livro dos
registros cias sesmarias n. 2.°, tit. 1602 ató 1617, pag. 184 v.).»
E, referindo-se ao caderno de vereancas, tit. 1601, affirma
que Pedro Vaz de Barros presidira uma sessão como capitão-
mór governador, para tratar-se cie negocio grave para aquelle
tempo.
A já referida demanda do conde de Monsanto conti­
nuou, por fallecimento de Eopo dc Souza em 15 de Outubro
de 1610, com sua irmã D. M arianna de Souza da Guerra,
condessa dc Vimieiro. A historia e as peripécias dessa
demanda, quer ante os tribunaes, quer ante o Rei, quer
— 102

ante as camaras de S. Vicente, de S. Paulo e de outros


lunares das duas capitanias, pouco interessam ao assumpto
principal deste livro (*). Afinal, o conde de Monsanto veio
a perder tudo, sentença judicial e mais actos administrativos,
em virtude de uma diligencia expedida em 26 de Setembio
de 1678 por El-Rei, a favor de Francisco L ui/ Carneiro e
Souza, conde da lilia do P rin cip e; e a camara de S. Vicente
deu-lhe a posse, aos 28 de Abril de 1679, não so do que
era realmente seu, como também das ilhas de S. Vicente e
de Santo Amaro, com as villas situadas ncllas, e nos seus
fundos, que não eram suas!
Esta demanda trouxe sempre o governo das duas
capitanias em desordens e em conflictos. E, porque José
de Góes c Moraes, filho do capitão-mór governador Pedro
Taques de Almeida ( 1 6 8 4 ) , cavalleiro fidalgo da casa
real (**), intentou, estando em Lisboa, comprar ao então
donatario J). Luiz Alvares de Athaydc de Castro Noronha e
Souza, marquez de Casca es, por quarenta mil cruzados, além
de quatro mil de luvas, as quarenta léguas ao sul de
Cananéa e as dez ao norte da barra da Bertioga, que
constituiam a capitania de Santo Amaro, E l-R ei D. Joao V
resolveu que o marquez de Cascáes recebesse da fazenda
real esse dinheiro, e ficassem as ditas cincoenta léguas de
terra incorporadas á Coroa c patrimonio real, conforme vê-se
do alvará de 22 de Outubro de 1 7 0 9 ; tendo sido lavrada
a escriptura publica em 19 de Setembro de 1711. (***)
Não pararam então as duvidas, porque a camara de
S. Paulo, tendo de dar execução á carta régia e á escriptura

(*)
Frei Gaspar da Madre de D kcs, M e m o r ia s p a r a a h is to r ia
S. V ic e n te , II, teve o trabalho de examinar essa demanda,
,1a c a p i t a n i a Ue
publicando os principaes actos derisorios.
(**) Ver adiante a genealogia, Linha B, V, relativamente a este
capitão-mór loco-tenente, o qual nessa qualidade servio na villa de S. Paulo,
já então cabeça da capitania (1681).
(* * * ) Frei Gaspar da M adre de Deus, M e m o r ia s p a r a a h is to r ia
da c a p ita n ia de S. V ic e n te , II, publicou integralmente o alvará e a
escriptura publica supra.
103

de compra, tomou posse por parte da real Coroa, no dia 25


de Fevereiro de 1714, das referidas cincoenta léguas, incluindo
as villas de S. Vicente, de Santos, de S. Paulo (*), e todas
as mais que o marquez de Cascacs, vendedor, por ventura
possuia! De sorte que foram incluidas as terras das duas
capitanias ao sul do rio Curupace !
Esse supposto erro (**) da camara de S. Paulo foi
corrigido pelas cartas régias de 31 de Agosto de 1753 e
de 28 de Janeiro de 1754, incorporando á Coroa e patrimonio
real a capitania de S. Paulo, com indemnisação ao donatario.
Sem embargo, o facto da incorporação da capitania
de Santo Amaro, graças ;’i referida má interpretação da
camara de S. Paulo, produzio por si só uma grande vantagem;
porque foi talvez motivo para a restauraçao da capitania de
S. Paulo, em 1765, com governo separado e independente
do do Rio de Janeiro, e unidade de acçao na administraçao.
E diz um historiador ("'*'*): < clahi avante a autoridade toda
inteira achou-se concentrada na pessoa do governador da
capitania; as incertezas c hesitações deixaram de apparocci
na gerencia da administração publica, e esta começou a
seguir uma marcha regular. »
Não devem, porém, ser olvidados :
l.° O facto da desannexação das capitanias de
S. Vicente, Rio de Janeiro, e Espirito-Santo, para constituirem
ooverno separado do geral do Rrazil, na E aln a, sendo
nomeado para o novo governo 1). 1 rancisco de Souza,
accumulando o de administrador geral das minas, com o
titulo clc marquez das Alinas, o qual falleceu em S. Paulo
(*) Já então cidade, por carta régia de I). João V, de 11 de
Julho de 1711; e cabeça da capitania, por provisão do donatario marquez
de Cascáes, de 22 de Março de 1681.
(++) Xão houve propriamente e rro : porque, pela carta _ régia
de 10 de Julho de 1710, haviam sido fundidas em u m a só as capitanias
de S. "Vicente e Santo Amaro.
p •: : ) MACHADO DE Oliveira, Q u a d r o h is to r ic o d a p r o v i n d a d e
S . P a id o .
104

a 10 do Junho do 1611 (*)• A carta régia, que fc/ a


desannexação, é dc 15 do Junlio do 1608.
2.° A transferencia da sede deste governo para o
Rio de Janeiro, com jurisdiccao na capitania dc S. Vicente .
sendo nomeado governador, em 3 dc Abril de 1637, o
general Salvador Corrêa de Sá e P.ene vidos, filho de Martini
Tie Sá que fora capitão-mór loeo-tenente do donatano na
capitania de S. \ icente em 1618.
3.° A constituição de todas as capitanias do sul em

(*) Xessa oeeasião, segundo refove 1' kdro T aquks, esse gover­
nador, D. Francisco de Souza, trouxe alvarás, com a data de 2 de Janeiro
de 1008, e as seguintes faculdades:
(l) Vani dar o toro de fidalgo da casa real, c o titulo de D o n a
para as mulheres, a quatro pessoas.
b) Vara dar o toro de fidalgo eavalloiro, a cem pessoas.
c) Vara conferir o liahito da Ordem de Christo, a dezoito
pessoas.
d ) Vara gratificar, com a tença de ã0$000, a seis pessoas, e
com a de 20)>000, a doze.
e) Vara fazm' mercê da serventia vitalícia de officios de justiça,
sem limite do numero de pessoas.
F acereseenta Prumo T.\qi'us: « F outros mais alvaras de diversas
regalias, os qmies todos se acham registrados na camara de S. Paulo,
liv! fit.’ 1(507, desde tl. :>() até tl. 27. F dos mesmos ou da maior parte
deites faz menção J). Antonio Caetano de Souza, clérigo regular da Divina
Vrovidência, no seu livro T itu lo s d o s g r a n d e s d e D o rtv g < d , tratando do
ínarquez das Alinas.»
Fm sua Chronoloaia, Azkvkdo AÍAiup/ns, citando a Pedro Taqvks,
confunde a data de 2 de Janeiro de 1008, desses alvaras, com a da
provisão régia (1.1 de Junho de 1(5(8) creando governo .separado em
S. Vicente. F' anterior a dos alvarás, porque, desde que D. Francisco de
Souza, então governador geral do Fstado na Bahia, esteve em S. Paulo,
1 5 9 9 — 1(502, com seu secretario Cedro Iaques, voltando após esse tempo
para Portugal com a noticia das descobertas das minas de ouro cm 1597
Da serra de JagnauTaubaha (hoje Jlanth/iteira) 0 nas de Jaragvá e de
Vidiinnià, foi estudado esse assumpto; sendo afinal resolvida sua nomeação
para administrador geral das minas, em 1(507. Xo anuo seguinte, e
á vista da conveniência de não ficar a capitania de 8. Aicente subordinada
ao governo geral na Bahia, foi que Kl-Bei Filippe III da Hespanha e II de
Portugal, então em Lerina, mandou expedir a referida provisão de 15 de
Junlio ; reunindo assim D. Francisco de Souza as duas qualidades.
— 105

um governo separado do geral do Brazil, por carta regia de


10 de Julho de 1 6 5 8 ; sendo nomeado governador geral o
supra-referido general Salvador Corrêa de Sá c Benevides.
4.° A desanncxação da capitania de S. Paulo e
Minas com governo separado e independente do do Rio
de Janeiro, por cartas regias de 3 de Novembro de 1 /0 9 ;
sendo nomeado seu primeiro governador e capitão-general
Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho. (*)
5.° A desannexação de Alinas Gcra.cs para formar
uma capitania separada e independente da de S. Paulo, por
provisão régia de 20 de Fevereiro de 1720.

6.° A desannexação de todo o territorio de Santa


Catharina e Rio-Grande do Sul, da capitania de S. Paulo,
para ser annexado á do llio de Janeiro, por carta régia de
11 de Agosto de 1 7 38 e alvará de 18 de Dezembro
o

de 1741.
7." A desannexação dos territórios das minas de
Cuyabá e Goyaz, da capitania de S. Paulo, para formarem
duas capitanias separadas e independentes, por alvará de 9
de Maio de 1748.
8.° A extmeção da capitania de S. Paulo e sua
reunião á do Rio de Janeiro, pelo mesmo alvara de 9 de
Maio de 1748: o que somente em l.° de Março de 1750

(*) Este mesmo Coelho de Carvalho, sendo governador e capitão


general do Maranhão, 1690-1701, provocou de El-Rei I). Redro II a
expedição da carta régia de 2 de Novembro de 1693, aos officiaes da
camara de S. Paulo, para que fosse punido o paulista 1 rancisco Dias de
Siqueira, o qual « internara-se nos sertões daquella capitania e fizera
grandes ’ destruições e hostilidade nas aldôas domesticas». Francisco Dias
de Siqueira falleceu na cidade da Bahia, la deixando grosso cabedal. Era
neto de Anna Pires, casada em segundas núpcias com Francisco de
Siqueira, portuguez, c cunhada de Bartliolomcu Bueno de Ribeira, na
genealogia, Linha A, IV. ( P e d r o T aquks, N o h ilia r c h ia P a u l i s t a n a , na
^R evista d o I n s titu to H is to r ic o , G e o g ra p h ic o c E th n o c jra p h ic o d o B r a z i l XXXIV,
parte primeira, pags. 11 a 14.)
106

teve execução, retirando-se o governador e capitão general


D. Luiz de Mascarenhas. (*)
9.° A restauração da capitania de S. Paulo com
governo independente do do Rio de Janeiro, por cai ta íegia
de 6 de Janeiro de 1 7 6 5 ; sendo nomeado governador e
capitão-general 11. Luiz Antomo de Souza Botelho, autoiisado
a c r e a / villas e freguezias onde julgasse conveniente, por
carta ré ooia de 26 de Janeiro do mesmo anno.
E do que fica exposto vè-se quaes eram os limites
da capitania de S. Vicente, depois de S. Paulo. Desde
Aí a call é até o extremo sul; e todo o sertão, comprehendendo
Alinas, Matto-Grosso e Goyaz, e confinando portanto ao sul
e oeste com as possessões hespanholas, e ao norte com Para,
Aíarauhão, Piauhy, Pernambuco, Bahia e Lspirito-Santo.
Reduzida successivamente, por perda de territórios a fim de
se formarem capitanias novas, depois de haver sido subordinada
ao governo do Rio de Janeiro em 1637, ainda que voltasse
a constituir depois, em 1709, governo separado c independente,
vio-se afinal abatida e extincta em 1748, com governo subor­
dinado ao do Rio de Janeiro, pela segunda vez, readquirindo
sé em 1765 a posição de governo separado e independente!
Consideradas as quatro datas, 1748 (extineção da
capitania), 1753 (incorporação da capitania á Coròa, com
indemnisação ao donatario), 1763 (transferencia do vice-rei
do Brazil para o Rio de Janeiro), e 1765 (restauração de
governo separado e independente em S. Paulo ), além das
desannexações anteriores a 1748, é licito suspeitar que o
governo de Portugal cogitava de peiorar a condição do
donatario para diminuir a indemnisação ; tanto mais concor­
rendo a variedade de decisões na famosa questão do conde
de Monsanto, no século anterior, e o auto de posse pela

(*) Dizia El-Rei naqnelle alvará: « por ter resoluto se criem


de novo dois governos, um nas minas de Goyaz, e outro nas de Cuyabá,
e considerar ser desnecessário que haja mais em S. Paulo governador com
patente de capitão general. » O governador, subalterno do do Rio de
Janeiro, devia residir em Santos.
107

Coroa real, na camara de S. Paulo, em 25 de Fevereiro de


1714, na qual foi compreliendida a capitania dc Santo
Amaro, e também grande parte da capitania de S. Vicente,
como já ficou referido.
Chicanas do tempo !

O governo de Portugal resolvera fundar no Brazil


um governo geral, com sede na B a h ia ; c 1 home de Souza
foi o primeiro governador geral do Estado, segundo já foi
referido, em 1549. Vieram com elle o muito illustrado
padre Manoel da Nobrcga, como superior, e mais alguns
padres da Companhia de Jesus. Da Bahia, o padie Manoel
da Nobrega, acompanhado dos padres Leonardo Nunes,
Affonso Braz e Diogo Jacome, veio para a capitania de
S. Vicente em Novembro do mesmo an n o ; c, em Junho
dc 1550, é fundado na villa de S. Vicente o Collegio da
Companhia. Neste Collegio, estando de visita, o padre Manoel
da Nobrega recebeu a carta patente, pela qual o fundador,
depois Santo Ignacio dc Loyola, o nomeou Provincial do Brazil.
Mais tarde vieram o padre Manoel de Paiva, superior,
o padre José de Anchieta, e outros. 1' undaram o Collegio
de S. Paulo cm Janeiro de 1 5 5 4 ; e, desde então, por causa
da escravisação dos gentios, começou uma lucta surda e
latente entre os padres jesuitas c os que queriam especular
com os infelizes indigenas.
Entretanto, outra causa não deixara de concorrer
originariamente para crcar um certo conflicto entre os padies
da°Companhia e os que acompanhavam a João Ram alho:
— a fundação da villa de S. Paulo, em prejuizo da de
Santo André. (*)
(*•) F r e i G a s t a r d a M a d r e d e D e u s , M em órias p a r a a historia
da capitania de S. F m d o , I, 158, explica este conflicto; e diz que o
pelourinho foi levantado em Santo André aos 8 de Abril de lí>5d.
E ra situada á margem direita do ribeirão G v a p it u b a , na paragem
chamada B o r d a do C am po , ora dentro dos limites da freguezia de
S. Bernardo.
Sem embargo da opposição de João Ramalho, a
villa de Santo André foi demolida em 1560; mas, ja ante­
riormente, a pedido dos padres da Companhia, para melhoi
e mais commodamcntc poderem instruir os neophytos, Tebyreça,
senhor de Pira-tininga, e Caha-vbg, senhor de Geribatgba,
aquelle baptisado com o nome de JSlartinn Ajfovso, e este
com o de João, estavam mudados para S. Paulo. (*)
Não soffrcu João Ramalho com paciência esse golpe;
e, excitando um irmão de Tebyreça, de nome A raray (**),
este e outros indigenas retiraram-se da antiga ah lê a de
Pira-tinivga, e, reunindo-se depois a tupis, carijós e tamogos,
assaltaram a nascente villa de S. Paulo, no dia 10 de Julho
de 1562. Foram rechaçados pelos portuguezes, e pelos
indigenas commandados por Tcbyreçá em pessoa; e lebgreça
pouco tempo sobreviveu á esta victoria, pois que fallcceu em
25 de Dezembro desse mesmo anno, com todos os sacramentos.
Fssa derrota veio aggravar ainda mais os resentimentos
dos prejudicados; e, accumuladas as causas, de anno em
anno, afinal as paixões fizeram explosão, já em principio do
século XVII.
Tornou-se interprete desses sentimentos a camara da
mesma villa de S. Paulo, representando em 10 de Junho
de 1612 contra os padres da Companhia. Nada, porém,
obteve do governo; porque o interesse maior era o da boa
catechese, e sem duvida só os padres da Companhia, tão
bem aceitos pelos indigenas, podiam fazel-a com vantagem.
Isto mesmo reconheceu o papa Urbano V III; dando por
uma bulia de Março de 1638 á Companhia de Jesus a
direcção dos indios.

(*) A villa de S. Paulo ticou completaiiientc fundada e reco­


nhecida em 5 de Abril de 1560, data da respectiva provisão.
O cacique T e b v r e ç ú fundou suas casas no logar em que depois
foi edificado o mosteiro de S. Ilento. Os antigos denominavam U v a d e
M a r f i m A jfo n s o ( T c b v r e r á ) a quo ainda liojc traz o nome de S. Bento.

(* * ) M achado dk O mvktra, Q u a d ro h is to r ic o da p r o v in c ia d c
S. P a u lo , escreveu U rurau. Parece que foi inexacto.
A animosidade contra os padres da Companhia
augmentou com a noticia das queixas e das reclamações dos
qnc assistiram, afflictos, em 1628— 1634, á destruição das
redacções do Go ar a, fructo de setenta e quatro annos de
fadigas e de trabalhos apostolicos.
Estas redacções estavam sob a direcção dos padres
da Companhia, desde o século anterior; c os padres as
tinham formado no interesse da paz e da domesticação da
infeliz raça indigena. Mas, os bandeirantes de S. Paulo,
descendentes cm grande parte do portuguez Joao Ramalho
com varias indigenas, c de outros que vieram depois, resol­
veram a invasão do territorio oceupado por aqucllas redacções,
tomando por chefe Antonio Raposo, ja experimentado poi
suas crueldades contra os gentios em outras emprezas de
menor valia.
A bulia de 1638 foi o resultado daquellas queixas
e reclamações dos padres tia Companhia, a pioposito das
reducçõcs do Goara.
Essas reducçõcs foram formadas de restos de vai ias
tribus, predominando pelo maior numero a tribu guarany,
que por isso deu o maioral. Ao principio estacionavam
entre os rios Paraná e Paraguay; mas, acossados pelos
hespanhoes, reuniram-se, áquein do rio Parana, as margens
do rio Uruguay, sob a constante e paternal direcção dos
padres da Companhia de Jesus.
O Goara, propriamente dito, era dividido em duas
seccões, com a interposição do rio iibagy, affluente oriental do
Paraná, c formado de quatorze reducçõcs; sendo Ciudad-Real
a principal e também a mais populosa, situada na confluência
do rio Piquiry, tributario do Paraná em sua margem oriental.
Formadas em 1 557, e desenvolvidas no correr dos tempos
com mais de ' cem mil indios, não apresentavam cm 1634
senão vestigios.
Ainda depois, os padres da Companhia formaram
oito reducçõcs em territorio equidistante dos rios Parana e
T

— 110 —

Paraguay, levando para lá, e para o seu grande esta e


lechnento denominado Xerez, em Paraguay, os restos ^ os
destroçados indigenas. Mas, não escaparam, ainda ahi, a
furia dos exploradores do gentio, já então ligados aos hes-
p anho es do Paraguay: essas novas reducções, e até o Xerez, I
foram dcstruidas completamente, e reduzidos á escravidão
muitos desgraçados indios. Entretanto, os bandeiiantes de
Pira-tininga soffreram nessas ultimas refregas um desastre
que os obrigou a não mais voltarem ao Paraguay.
A supra-referida bulia de Março de 1638 nao podia
deixar de exacerbar ainda mais os animos dos que explo­
ravam o serviço dos indios; e, pois, no Rio de Janeiro, e
depois em Santos, S. Vicente, S. Paulo e Parnaliyba, ergueram
elles manifestações hostis aos padres da Companhia. Se no
Rio de Janeiro o governador Salvador Corrêa de Sá logrou
abafar a revolta, obtendo que a bulia não tivesse alli execução,
não aconteceu o mesmo em S. Paulo, longe de sua acção.
Com effeito, no dia 13 de Julho de 1640, foram expulsos *
violentamente de seu Collegio o reitor Nicolau Botelho, mais
quatro padres e dous leigos.
Também nesta cpoeha a população da villa de
S. Paulo andava muito trabalhada de odios nas familias. E
foi então que occorrcu, mesmo no pateo da matriz (*), aquella
lucta entre Pedro Taques (irm ão de Lourenço Castanho
T aqucs) e Fernando de Camargo (**), sahindo ambos

(*') E’ hoje a Sé cathedral.


(**) Era neto de Francisco de Camargo e de sua mulher
D. Beatriz de la Pena, naturaos da Hespanha, vindos para S. Paulo em
meado do século XVI. E filho de José Ortiz de Camargo e de sua mulher
1). Leonor Domingues. •
Este José Ortiz de Camargo foi o tronco da familia de C a m a rg o s,
rival e inimiga da de P ir e s . Foi um seu filho, do mesmo nome, o promotor
da guerra entre aquellas familias.
Amador Bueno de Ribeira era P ir e s , por saia mãe D. Maria
Pires, filha de Salvador Pires que foi casado com D. Mécia Fernandes;
esta, neta de Antonio Rodrigues, companheiro de João Ramalho, e casado
com a india Antonia Rodrigues, filha de Pii/inrohv. chefe indio maioral da
aldêa de U r v r a y ; aquelle, filho de outro Salvador Pires, cavalleiro fidalgo,
ç de sua mulher D. Maria Rodrigues.
Ill

feridos, e mortos varios que correram a intrometter-se na


contenda. Em 1641, Fernando de Camargo, á falsa fé,
ferio a Pedro Taqucs pelas costas com uma adaga, e matou-o
instantaneamente.
O anno de 1641 começara em verdade muito agitado:
e, coincidindo a noticia da restauração de Portugal e a da
acclamação de D. João IV, foi feita egual acclamação,. em
Santos, no mez de Março; não o sendo na villa de S. Paulo,
no dia l.° de Abril, porque uma conjuração de hespanhoes
( entre os quaes dous genros de Amador Bueno de Ribeira,
D. Francisco Matheos Rendou c D. João Matheos Rendon),
suscitando uma manifestação popular, entendera util accla-
mar aquelle mesmo Amador Bueno—rei de S. Paulo! (*)
Felizmente para Amador Bueno c para os conjurados, a
acclamação não teve effcito algum, graças ao bom senso do

Mas, alliaram-sc, pelo casamento, com a familia ele C a m a r g o s


uma irmã e um irmão de Amador Bueno. A irmã, T). Isabel de Ribeira,
casou-se com Francisco de Camargo; c o irmão, Bartholomcu Bueno, coin
1). Marianna de Camargo: ambos irmãos do sobredito Fernando de
Camargo.
Veja-SO- A z e v k d o M a í U J U K S , A p o n ta m e n to s h isto ric o s d e S . P a u l o ,
nos nomes J o s é O r tiz de C a m a rg o C S a l v a d o r P i r e s , pao e f i l l l O .
(*) Ver adiante a genealogia, Linha A, V e VI.
Os hespanhoes não podiam ter recebido com calma a noticia da
restauração do Portugal, (pie importara a derrota^da Hespanha, e, pois,
trataram de impedir, por esse meio, a acclamaçao de D. João IV, na
esperança de manterem para Castella a importante capitania de S. Vicente,
que então compreliendia o sul inteiro e a maior extensão do seitao do
Brazil. E’ essa a opinião de frei Gaspar da M adre de D eus, nas
M e m ó r ia s p a r a a h is to r ia d a c a p ita n ia d e S . V ic e n te , C a de outros
chronistas c historiadores.
Mas, a conjuração dos hespanhoes, não tendo sido senão o assomo
natural do patriotismo 'ferido, nada teve de censurável. Se, entretanto,
fossem bem succedidos, teriam sido heroes. Sempre a eterna historia das
revoluções e dos factos consummados! A acclamação do proprio D. Joao IV
e a restauração do Portugal foram fruetos de uma revolução feliz; sem
embargo da célebre obra do jurisconsulto F rancisco V eeasco de GorvftA,
intitulada J u s t a A c c la m a ç ã o d o S e r e n is s im o P e p d e P o r t u g a l D . J o a o IV ,
e do que antes escrevera o outro jurisconsulto J oão P into R ibeiro, cabeça
c promotor da acclamação do mesmo D. Joao IV.
112 —

velho paulista, o ao auxilio dos frades do mosteiro de m


S. Bento que o recolheram, c, após, saluram a dissuadir de
tal proposito o povo.
\ acclamacão de D. João IV foi feita definitivamente,
na villa dc S. Paulo, no dia 3 de Abril; lavrando-se em
camara um auto que foi assignado, entre outros, por Lourenço
Castanho Taques. Ç)
Depois seguio-sc uma pendencia, ato 1653, para a
readmissão dos jesuítas; porque o governo dc Portugal, o
governador no Rio de Janeiro, Salvador Corrêa dc Sa e
Benevidcs, o as autoridades em geral, reclamavam isso, e
traziam os implicados sol» a pressão de processos, de perse-
rruicOes e de prisões, além das exeomimmhões incorridas.
Em vão o supra-referido governador do Rio dc Janeiro
tentou visitar a villa de S. Paulo, a fim de pacificar os
animos; os revoltadoscortaram a estrada, e cm outros
pontos da mesma estrada levantaram paliçadas, para obstarem-
lhe a viagem. A camara de S. Vicente, porem, estava dc
melhor accòrdo; e convidara mesmo a de S. Paulo a refiectir
sobre o assumpto, porque fòra violento o aeto da expulsão
dos padres em 1640, e continuariam as devassas c os
processos. A camara de S. Paulo cedeu; c disso tomou
assento no dia IS de Alaio de 1641, comtanto que os padies
da Companhia aceitassem certas condições: no dia seguinte,
porém, nova desordem popular, para obrigai a camai a a
revogar o assento anterior! (*) Nova resistência íez ainda
o então denominado povo a execução do alvara de 3 de
Outubro de 1642, dc D. João IV, para que os padres
expulsos fossem restituídos ao seu Collegio em S. Paulo!
rq Yér adiante a -ionoalogin. Linha L>. IY. LI-Hei agradeceu iv b.
nr*'
essa prova de fidelidade por carta de 24 de Setembro de 1643.
(**) Os padres da Conipanhia de Jesus attribuiam ás ordens
monasticas co-participação nesses movimentos, especialmente á de Santo
Antonio, depois S. Francisco, de que era guardião frei Francisco dos
Santos. A historia da Companhia de Jesus assignata, em todo o mundo,
essa rivalidade, que não podia deixar dc manifestar-se também na capitania
■f
de S. Vicente,
113

E corria o anuo de 1647, quando veio o alvara dc


7 dc Outubro (#), concedendo perdão a todos os individuos
que em S. Paulo, S. Vicente, Santos, Mogy das Cruzes,
Parnaliyba c Rio de Janeiro haviam tomado parte na expulsu o
dos jesuitas, não podendo, porém, ter cfteito senão depois de
rcadmittidos os padres. Só aos 14 de Maio de 1653 íoi
assignado cm S. Vicente o accordo para a restituição dclles
aos seus Collegios na capitania, mediante condições aceitas
por uma e outra p a rte ! (*'*’)
Nesse mesmo mez dc Maio dc 1653, dias antes, o
juiz ordinario Fernando de Camargo (***) foge com as chaves
da camara, obrigando o ouvidor-geral Joao Velho dc Azevedo
a mandar arrombar as portas e o cofre. Este ouvidor-geial,
fazendo queimar os pelouros velhos, convocou os vereadores
do anno passado para continuarem em exercido até nova
eleição. Fernando de Camargo e seu irmão Jose Ortiz de
Camargo congregaram seus sequazes, e, armados, tentam
entrar na villa de S. Paulo no dia 5 de Fevereiro dc 1654;
a camara reunio-sc, porém, c resolveu pedir auxilio ao
capitão-mór, o qual residia cm Santos. No dia 7 entram ;
e, dirigindo-se á camara, José Ortiz dc Camargo adianta-sc
e' apresenta a provisão que o nomeava ouvidor! A camara
neoa-lhe a posse ; c neste sentido afixa edital. Alas, no dia
9, °reunida a camara com o capitão-mór, e pessoas notáveis
da villa, entre as quaes o visitador da Companhia de Jesus,
o abbade do mosteiro de S. Bento, o prior do convento do
Carmo e o governador do convento de S. Francisco, ordens

eq xõ,i João 1’ires, chefe então da familia dos Pires, quem, com
seu animo Feruão Dias Paes, conscguio a readmissão dos padres jesuítas,
obtendo "antes este alvará, idiante, no capitulo XI, damos os documentos
dessa readmissão.
(**j p;i-]tci agradeceu aos paulistas, por carta de 11 de Dezembro
de 1 6 5 4 , a readmissão dos jesuitas.
i***) o mesmo (pie assassinara em 1640 a Pedro Taques, irmão
dc Loureneo Castanho Taques, c filho do outro Pedro Taques-fundador
da familia Taques Pompeo.
Vêr adiante a genealogia, Linha B, III e I \ .
— 114 —

monasticas já existentes (*), é resolvido conservar a José


Ortiz de Camargo no cargo de ouvidor, sem porem poder usar
da provisão, até chegar o ouvidor syndicante. Este accòido,
ao qual não sc quiz sujeitar o referido Ortiz, foi approvado
por provisão régia de 3 de Outubro do mesmo anno, tendo
sido declarados nullos os actos praticados por José Ortiz de
Camargo na qualidade de ouvidor da capitania.

C) 0 mosteiro cio S. 13 onto toi fundado cm &. Paulo, no anno


de 1600, por frei Mathcus da Ascensão, na ermida erecta em 1598 por
devoção do governador P. Francisco de Souza e por frei Mauro Teixeira,
dedicada á Nossa Senhora do Montscrrate. Para a fundaçao deste
mosteiro foram concedidas polo capitão-mór Jorge Correa, em 4 do Julho
de 1598, duas s e s m a r i a s , como vê-se no respectivo livro de registros na
Thesouraria de Fazenda. A egreja foi reconstruída em 1650 por Fernão
Dias Paes, que se obrigou, por si e por seus descendentes, a dal-a
prompta de tudo, inclusive alfaias, sob a condição de ter para sua familia
na capella-mór um carneiro ou jazigo, e assim mais duas sepulturas nas
ilhargas do dito carneiro.
O mosteiro de Parnahyba foi fundado em 1643; o de Santos, em
1650; o de Sorocaba, em 1661; e o de Jundiahy, cm 1668.
_O convento do Carmo foi fundado em S. Paulo, no anno de
1594, por frei Antonio de S. Paulo, cm terras doadas por Braz Cubas,
que havia fallecido em 159*2, cm Santos.
O convento de Santos já estava fundado desde 6 de Janeiro de
1580, por frei Domingos Freire. Fm 1599 foi transferida a edificação, já
começada no lugar de Nossa Senhora da Draça, paia os tciienos doados
por Braz Cubas, em escriptura de 31 de Agosto de 1589.
O convento de Mogy das Cruzes foi fundado em 1629, a pedido
dacamara e do vigário, por frei João da Cruz e por frei Manoel Pereira.
O convento de Itú foi fundado em 1719 polo padre commissario
frei João Baptista de Jesus, por autorisação de D. João Y, a pedido das
camaras de Itú c de Sorocaba.
— O convento de S. Francisco foi fundado em S. Paulo, em
1640, depois do exame dolocal por frei Manoel de Santa Maria, custodio
enviado para executar o alvará de 29 do Novembro de 1624, que auto-
risára a fundação de conventos de franciseanos na capitania de S. Vicente.
O referido custodio, cm 1639, tendo examinado o local e os recursos
necessarios para a ordem em Santos e em S. Paulo, voltou á Bahia e
reunio capitulo em 6 de Agosto desse anuo: o capitulo resolveu fundar
os dons conventos, e nomeou prelados fundadores, do de S. Paulo frei
Francisco dos Santos, e do de Santos frei Pedro de S. Paulo, os quaes,
acompanhados de outros irmãos, chegaram a &antos em 25 de Janeiro de
1640. O convento de S. Paulo foi ao principio em uma casa junto á
— 115

Não obstante, a agitação continuou em S. Paulo, em


1655, já então com o vigário Domingos Gomes Albernaz,
deposto pelo povo c cam ara; ficando com as funeçoes
parochiaes o coadjutor padre Anacleto L o b o ! O vigário,
munindo-se de novas provisões, volta em 28 de Maio de
1656, com gente armada, e toma conta da egreja; mas,
reune-se o povo, c a camara, depois de apresentadas as
provisões, resolve não consentir que exerça as funeçoes paro­
chiaes até decisão do governo, ao qual representa com o povo!
No estado de turbulência da capitania de S. Vicente,
para o que concorrera principalmcntc a incerteza dos direitos
do verdadeiro donatario delia, desde que começara a famosa
demanda do condo de Monsanto com Lopo de Souza, con­
tinuada depois com a condessa de Vimieiro, o governo de
Portugal teve necessidade de attendee mais seriamente para
esta região do Brazil. Accrcscia o facto da fraqueza do

ermida de Santo Antonio (ainda existe já augmentada, á rua D ireita);


mas, em 1643, vindo a S. Paulo o segundo custodio frei Francisco das
Neves, não approvou o local, e determinou a mudança para o em que e
hoje a Faculdade de Direito, e mudou a denominação de S a n t o A n t o n i o
para a de S . F r a n c i s c o e -S'. D o m i n g o s .
O convento de Santos manteve a denominação de S a n t o A n t o n i o ;
e no local, em que depois foi o cemiterio publico, é hoje a estaçao da
estrada de ferro de Santos a Jundiahy (companhia inglcza), restando
apenas a egreja.
O de S. Sebastião foi fundado a 11 de Maio de 1650 pelo com-
missario frei Macêo de S. F rancisco.
O de Itanhaen foi fundado em -1655 por frei _Melchior de
S. Francisco, a pedido dos moradores ao custodio frei Daniel de
S. Francisco, que a determinou em capitulo celebrado na Bahia aos 14
de Setembro de 1653.
O de Itú foi fundado em 1704 por frei Filippc de Campos,
ituano.
O de Taubaté foi fundado em 25 dc Abril de 1764 por frei
Jeronymo de S. fira/, a requerimento da camara, nobreza e povo, e depois
de obtidas as licenças necessarias.
— Todos estes conventos foram fundados, apezar da prohibiçao
exarada no alvará de 16 de Outubro de J 609, e depois na carU. régia,., de
18 de Dezembro de 1683: — o que prova que o poder civil nao deve
ingerir-se no que não é de sua natural competência.
— 116 —

oovernador geral do Estado na Bahia, conde de Athoogoia,


approvando, cm 24 de Novembro de 1655, a concordata
feita em S. Paulo para que, nas eleições da ^camara,
entrassem sempre dalii em diante pessoas das familias dos
Fires e dos Camargos em numero cgual, havendo porém um
neutral! (*) E, pois, foi reorganisado o governo das capitanias
do sul, c crcado ncllas, tendo por séde o Rio de Janeiro,
um governo geral, separado do da Bahia; c continuou como
oovernador geral o mesmo Salvador C onea de Sa c B enevidcs.
tudo por carta régia de 10 de Julho de 1658, segundo já
foi referido em outro lugar.
Este governador geral, querendo visitar a villa de
S. Paulo, e já estando em Santos, teve noticia de um motim
naquella villa, havendo o povo levantado gritos sediciosos, em
frente á casa dos juizes ordinarios e dos oíhciaes da camara,
embora com vivas a El-R ei D. Affonso: tudo isso porque o
governador era tido e havido como contrario á cscravisação
dos indios, e favoravcl aos padres da Companhia de Jesus.
Estes factos occurreram em 2 de Novembro de 1 6 6 0 ; e
tinham inteira relação com o movimento já iniciado em
grande parte no Rio de Janeiro, onde a camara e o povo,
no mesmo mez de Novembro, em ausência do governador
geral, depuzeram do governo trino, cm que haviam sido
deixados, Tliomé Corrêa de Alvarenga, governador da praça,
sargento-mor Martini Corrêa Vasques, c Pedro de Souza
Pereira, provedor da fazenda real, c os fizeram prender em
uma fortaleza, declarando negar também inteiramente obe­
diência, dalii cm diante, ao proprio governador g e ra l!
(*) Esta concordata foi depois approvada também por cartas
régias de' ‘23 de Julho de 1674 e 28 de Dezembro de 1688; ficando, em
consequência, perdoados os cunipromettidos naquella lucta de mais de
dous annos, na qual, entretanto, fôra derramado tanto sangue!
Quanta anafcliia e fraqueza administrativa!
Isto foi a reproducção do oceorrido em lioma, onde existia uma
lei, na qual se ordenava que, havendo competenda no senado sobre os
consulados, precedessem a todos os oppositorcs os que descendessem da
geração dos Sylvios, Torquatos e Fabricios, conforme refere A. de Y illa s -
B o a s e Sam paio, N o b i l i a r c h i a Portugueza , III.
117

Em relação á villa dc S. Paulo, o governador geral


mandou publicar, cm 15 do sobredito mez, um bando
suspendendo do exercicio de seus cargos o ouvidor Antonio
Lopes de Medeiros e o juiz ordinario 1). Shnão de Toledo
Piza. (*)
Em relação ao Rio dc Janeiro, quiz voltar para la
com mór urgência, a fim dc socegar o tumulto e castigar
os cabeças e autores da sedição. Não o consentio Lourenço
Castanho Xaques — o velho (**), a quem D. João IV havia
escripto uma carta recommeudando ajuda e favor ao gover­
nador geral, também nomeado administrador geral das minas
dc ouro c prata na capitania, a fim dc não ter embaraços
na diligencia dos descobrimentos, a que era enviado. E,
porque Lourenço Castanho Xaques interpuzesse seus bons
officios ante o governador geral, este mandou publicar cm
Santos, no dia l.° dc Janeiro de 1GG1, um bando perdoando
aos que se haviam compromcttido em S. Paulo e tinham
sido pronunciados na devassa que se tirou. Lntictanto,
insistindo o governador geral cm voltar ao Rio de Janeiro,
apezar das instancias de Lourenço Castanho Iaques e do
grande respeito que este merecia, para o que se lhe unham
os paulistas dc primeira nobreza, assentou o mesmo Lourenço
Castanho Xaques acompanhal-o com forças de armas até la ;
mas nem este auxilio cllc admittio.
Assim desenganado da aceitação de seus tão leacs
serviços a causa da restauração da ordem publica no Rio de
(*) Vêr adiante a genealogia, Linhas unidas A e 15, II, com
referencia ao capitão-mór I). Diogo de Toledo Lara, seu neto.
Com o mesmo nome teve outro neto, Dr. 1). Simao de Toledo Piza,
nue em 1670 — 1690, foi juiz ordinario c juiz de orphaos em b._ 1 au lo ;
ouvidor e corregedor da capitania dc tí. Paulo e S. Amente; capitao-mor
governador da mesma capitania.
(**) Arêr adiante a genealogia, Linha B, IV, com referencia a
esse m e s m o nome. P edro Taijues, N o b i l i n r chia P a u l i s t a n a , tratando de
Lourenço Castanho Taques — o vdho, transcreveu a carta violenta de lb
de Novembro de 1660 dos officiaes da camara do Pio de Janeiro aos da
de S. Paulo, e a resposta frouxa dos desta aos daquella em 18 de Dezembro
do mesmo anno.
— 118 —

Janeiro, Lourenço Castanho iaques, usando de sua grande


influencia em S. Paulo, ainda fez com que os prelados das
religiões ou mosteiros, os cidadãos de primeira nobreza, o
senado da camara e o povo, em carta, e no nome de El-R ei,
ponderassem ao governador geral os perigos de sua resolução.
Essa carta era assignada por todos os principaes da villa,
mesmo os que traziam conflictos entre si, como por exemplo
os da familia dos Pires e os da familia dos Camargos; pelo
vigário da egreja Domingos Gomes Albernaz; pelo ouvidor
Antonio Lopes de Medeiros e pelo juiz ordinario D. Simão
de Toledo Piza, que, como já ficou referido, haviam sido
suspensos pelo proprio governador geral em 15 de Novembro
de 1660; por Lourenço Castanho Taques, pae e filho; pelo
capitão-mór Antonio Ribeiro de Moraes; e por Manoel
Al ves de Souza (*), e outros paulistas de veneração e
respeito. Nessa mesma carta, o governador geral é convidado
a vir á villa de S. Paulo, reconhecendo os assignatarios os
seus grandes serviços e zelo pelo bem commum, e dando-lhe
satisfação pela offensa que lhe haviam feito em 1660. (**)
A resposta foi dada, já em S. Paulo, a 2 de Março
de 1661: e, depois de agradecer a mercê que lhe faziam
em abonar as suas acções, declarou ter necessidade urgente
de chegar ao Rio de Janeiro, a dar calor á obra dos galeões
alli começada. E accrescentou, para aquietar os animos
quanto aos nenhuns perigos a correr: «porque considero
que os moradores, á vista do bando que já mandei lançar
c lhes dava modo do bom governo accommodando-me ás
suas desconfianças, espero obrem como leacs vassallos, conhe­
cendo que a minha tenção não 6 mais que conservar a

(*) Yêr adiante a genealogia, Linhas unidas A e B, YII, com


referencia a João Mendes de Almeida.
(**) A zevedo M atíques, C h r o n ó lo g ia , dá á esta carta a data do
3 de Março de 1661 ; mas a resposta do governador geral, transcripta
por P edro T aques , N o b i l i a r c h i a P a u l i s t a n a , é de 2 do mesmo Março de
1661, e escripta de S. P a u l o . Um ou outro errou a data respectiva.
Acreditamos que o erro é do primeiro; porque o governador geral não
queria demorar-se.
— 119 —

jurisdicção real; que, supposto com a ajuda de Vinces, c


desta capitania, e zelo dos moradores della no serviço real,
podia eu tratar do castigo, me conformo antes em obrar,
em materias de povo, com toda a prudência, até resolução de
Sua Magestadc, para com ella obrar o que me mandar.» (*)
Desde esta epoclia, e attendendo ao impulso que
D. Affbnso VI quiz dar á exploração das minas, encarregando
a Agostinho Barbalho Bezerra a das de ouro e de prata, e
a Fernando Dias Paes Leme (**) a das de prata e de
esmeraldas, desenvolveu-se para os paulistas a vida aventureira
dos sertões. Muitos, porém, mais amigos de combates, pre­
feriram a internação para a caçada de indios; e até, em
1666, Antonio Raposo, á frente de sessenta brancos e de

(*) Esta resposta do governador geral, attestando a sua energia,


affirma ao mesmo tempo a sua prudência e o seu coração bondoso.
(**) Yêr adiante a genealogia, Linhas unidas A e B, IV, com
referencia ao dr. Francisco Leandro de Toledo Bendon, por seu casamento
com D Anna Lconissa de Abclho e Fortes, a qual teve por ascendentes,
nessa familia Faes Leme, o dr Antonio Fortes de Bustamante Sá c Leme
(seu pae), D. Lucrecia Leme Borges de Siqueira (sua avo), («areia
Rodrigues Paes Leme (seu bisavó), Fernando p ias Paes Leme (seu ter-avo),
Pedro Dias Paes Leme (seu quarto-avô), e Fcrnão Dias Paes (qumto-avo).
Foi Fernando Dias Paes Leme o encarregado da descoberta das
minas de prata e das famosas esmeraldas; c era casado com D. Maria
Garcia Rodrigues Botim. Os historiadores e muitos documentos othciaes
o tratam somente por F e n u l o D k u s P o es, confundindo-o com o avô, que
apenas assim era chamado.
Seu filho Garcia Rodrigues Paes Leme o acompanhou nessa
expedição aos sertões de S a l a r n - b o a s ú c dos indios M a p a x ó s , em 1672 ; e
continuou, após sua morte, 1680, as explorações; tendo sido nomeado,
por provisão de 23 de Outubro de 1683, capitao-mor das entradas e
descobrimentos das esmeraldas. Km 1702, por carta regia de 2, deM arço,
foi nomeado fidalgo cavalleiro da casa real. Abrindo, a sua custa, no
espaço de cinco annos, a estrada para as mmas-geraes, Ll-Rei escreveu-lhe
uma carta para louvar-lhe esse acto. Teve o titulo e o privilegio de
íTuarda mór das minas por tres vidas, que findaram na pessoa de seu neto
Fernando Dias Paes Leme. Garcia Rodrigues Paes Leme falleceu em 7 de
Março de 1738.
Os serviços destes Fernão Dias Paes Leme e Garcia Rodrigues
Paes Leme constam da historia patria, da legislação de Portugal o de
todos os archivos e cartorios publicos em S. Paulo e no Rio de Janeiro.
— 120

outros tantos in.lios, não .lmi.lo.i atravessar c» Brazil, de


sudoeste a noroeste, escalar os Andes, chegar ao I em,
e dalli voltar, depois de varios combates, ao territorio
do Brazil, mas já na região banhada por a fluentes do
Amazonas, desembarcando afinal no Guapore (")• boi este
mesmo sujeito que, como já ficou relendo, 38 annos antes,
em 1628— 1629, investio, á frente de 900 mamelucos e de
2000 sertanejos, as reduccões do Goara, entre os lios
Paraná e Uruguay, e desbaratou-as completamente, trazendo
prisioneiros mais de 2a00 índios.
Era tal a paixão pelas internações á caça dos gentios
que, em 1672, o mestre de campo Pasclioal Paes de
Araújo (*'*) seguio para os sertões de Goyaz e Bahia, e foi
levando por diante muitas das nações do gentilismo, per­
seguidas das suas tropas, até os territórios do Piauhy (v>^ )
e do Maranhão. Era então governador do Estado e capitania
,1o Maranhão Pedro Gczar de Menezes (****); c sendo o
pq ]{io quo nasce proximo a Yilla-Uclln. liojc Matto-Gvosso, na
provincia deste nome.
()S indigenas o chamavam A p o d . Os hespanhoes o denominavam
lthenv»; e ignoramos se ainda assim o nomeiam.
p i I j >Kint«> T.ujrcs. Xofiiii'irdun ] ’<iiiltsht>w, attribue essa
expedição a Sebastião 1’aes de ihirros, talvez apenas companheiro daquelle.
Mas. Hkhkkdo, *\)uhi<‘s /id/uívVm ijo Mo i'<i ulula, lls 7 , continua sei aquellc
mesmo mestre de campo 1’aschoal Paes do Araujo.
1*,‘1:1 Provisão do (’onselho 1 Itramarino dc 11 do lancil o
de 1715 foi desligado da capitania da Ilahia. e suhjeito a do Minanliao,
o territorio do Piauhv. Smnlo desde ,'iitao mera eomavea desta ultima
capitania, foi elevado á capitania em 171S; não começando, porem, a ter
governadores senão em 17õs, segundo o attesta o padre Aviu-.s no C a s a l ,
( ã(rodvuphiu IIrnxthi'o. II. com ívtorencui a pro\ incia do.do nome.
pKDHrt Tai/IIS. A i>LiIlarch ia Pi i nltcfana, 0 o padlO Jo.SK UL
MORAKS. JliMorin iht r , , , , 1 c Jcso» uo» eMhftil* província» ,lo
Maranháo <■ Porá. I, 1. e.'Cl'OVOm J ’iapiri cm Piapnp, por ser esse o nome
indigena. A sua capital, que era então a antiga a Idea Cnlrnbv, depois
villa da Mocha, depois Oeira». á margem do vio Canindé, é hoje a, cidade
There: ina. á margem do rio I ’anialiyha.
(a ) [»j.;j,];i) T.vq'KS. Xohiiiareltia. Pa aldtamp 1UIO foi exacto
ainda neste ponto, jmr dar ainda emno governador do Estado do Maranha o
Antonio de Alhinjuerque Coelho de Carvalho, que cm 1) de Junho do
1671 lindara o seu governo. Coiifundio dons tactos, como adiante se vera.
121

sou primeiro cuidado o descobrimento do famoso rio looaiitins,


nomeou para esta expedição o capitão b raneiseo da M otta
Falcão; o qual, aproximando-se daquelle rio, encontrou a
noticia de que insultava aquellos sertões, com uma tropa de
paulistas, o ja referido mestre de campo, ainda, depois de
já ter reduzido a injusto captiveiro a naçao dos indios
(/uara-jii. Apezar de avisado pelo commandantc da expedição
— de (j 11e não podia lazer caçada de índios naquelle Estado,
não quiz abandonar aquella naçao subjugada, e respondeu
coin desabrimento, uma e duas vezes, sendo a segunda com
ameaça de resistência pelas armas, conforme a narração
de B e r u uno, .1 i i i a i c s h i s t o r i c o s d o J u s t a d o d o j\J c o c i i t h ã o ,
1187— 1190.
Decorrendo isto cm 10/3, aprestava-sc de novo em
1674 o governador Pedro Cezar de Alcnezes para outra
expedição ao Tocantins, cspccialmcnte para castigar o mestre
de campo Paschoal Paes de Araujo, quando lh’o obstou a
chegada de Antonio Raposo lavares, também paulista, cleiigo
,1o habito de S. Pedro, que viera de Lisboa com a com-
missão de reunir-se a acpiclle mestre de campo c proscguii
nos descobrimentos do famoso rio, afiançando todas as
esperanças na intelligencia c esforços daquelle paulista.
í f nando, em 1675, o padre Antonio Raposo Tavares
tomou porto nas terras dos indios <juara-ju, não encontrou
senão a noticia de seu fallecimento. (*)
Alais tarde, 1 692 — 1 693, sendo governador do Estado
do M aranhão Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho (**).
filho do antecessor de Pedro Cezar de Menezes, de cgual
nome, também penetrou com suas tropas o sertão, indo
depois até á cidade de S. Luiz do M aranhão entender-se com
aquelle governador, outro paulista, 1 raneiseo Dias de Siqueira,
capitão-niór, de alcunha Apiiçd, por ser surdo. Este paulista
fez muitas extorsões e violências nas aldòas dos indios
(*) BkiuuCTK), A n n o c s h i s t o r i c o s d o J b s t n d o d o M a r a n h ã o , 1202.
,.;:q jg 0 mesmo que depois, em 1709 — 1710, foi nomeado, e
tomou posse da capitania de S. Paulo e Minas. A confusão de Pedro
Taqcks. já referida, nasceu disto.
— 122

catholicos daquelle E stad o ; a tal ponto que aquelle governador


entendeu dever communicar a E l-R ei D. Pedro II esse
estranho procedimento. El-Rei, por carta de 2 de Novembro
de 1693, ordenou aos officiaes da camara de S. Paulo que
o castigassem. Esta carta régia, segundo P e d r o T aques,
Nobiliarchia Paulistana, está archivada na secretaria do
conselho ultramarino, no livro das cartas do Rio de Janeiio,
tit. 1673, pag. 1 1 1 ; e é do theor seguinte:
« Tenho por noticias certas, que dessa capitania sahira
por cabo de uma tropa Francisco Dias de Siqueira a
penetrar os sertões do Maranhão com ordens suppostas,
insinuando as levava para se fazer eommunicavel aquelle
Estado com o do Brazil, de que se seguira que o governador
Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho lhe dera os
mantimentos e munições necessarias, entendendo que o seu
animo seria de se empregar no meu real serviço e extineção
do gentio de cerco, e que obrara tudo pelo contrario, c
que fizera grandes destruições e hostilidades nas aldêas
domesticas, valendo-se deste engano para obrar esta maldade;
e por esta acção se fez digno de todo o castigo: vos ordeno
proccdacs com toda a demonstração neste caso contra este
sujeito, para que sirva de exemplo para os mais se não
animarem a commctter estes insultos. Espero de vós como
bons vassallos assim obreis, etc. » (/')
Nesse mesmo tempo, 1689, tendo seguido para os
sertões da Bahia o mestre de campo Mathias Cardoso de
Almeida, c depois o capitão-mór do seu regimento João
Amaro Maciel Parente e o capitão João Pires de Brito que
se lhe foram reunir á margem do rio S. Francisco, todos
paulistas, á requisição do governador geral do Estado na
Bahia, começou a força paulistana, logo que recebeu ordens
do governo, a marchar para o sertão do Rio-Grande do
N o rte ; e dalii, sempre rechassando, e aprisionando gentios,(*)

(*) Francisco Dias de Siqueira era bisneto de D. Mécia Fernandes;


e portanto descendente de Piqrcroby, maioral da aldêa de Ururay, cuja
filha era casada com Antonio Kodrigues.
— 123

penetrou o sertão do Ceará. Acabada a guerra do Rio-


Grande e Ceará, entendeu o capitão João Pires de Brito
que devia separar-se dos outros, e em 1701 passou a
capitania do Piauhy; c por lá andou e servio durante
alguns annos. (*)
Também pelos sertões do Piauhy o paulista Domingos
Jorge Velho, 1 6 7 4 — 1690, anclára em correrias contra os
selvagens, de parceria com o portuguez Domingos Affonso
Mafrense; e este logrou fundar alli cerca de 50 fazendas
de criar gado, com mais de 700 escravos indios. Domingos
Jorge Velho e o outro Domingos Affonso Mafrense eram
sertanejos muito audazes (**). Este mesmo Domingos Jorge
Velho fez parte, em 1695, das forças que foram a destruir
o nucleo de negros de Palmares, em Pernambuco, comman-
dando, como mestre de campo, a gente que se reunira das
capitanias meridionaes do Brazil.
Entretanto, ao passo que em 2 de Novembro de
1684 a camara da villa de S. Paulo e homens bons do
povo pediram aos padres da Companhia que não extinguissem
o seu Collegio e nem se retirassem da capitania, em 1685,
no dia 8 de Maio, reapparecc o plano da expulsão dos
jesuitas, e, graças a intervenção do bispo e do capitão-mor
Pedro Taques de Almeida (***), e á prudência do provincial,
foi accordado « que o procurador da Companhia, que estava
para hir á Roma, seria encarregado de solicitar c alcançar
(*) P edro T aques , N o h ilia rc h ia P a u l i s t a n a ,
na R e v i s t a clo
In stitu to H istorico, G e o g r a p h ic o tomo XXXIII,
e E t h n o g r a p h i c o d o B r a z i l .,
parte 2.a, desde pag. 165. Vêr a genealogia, Linhas unidas A e 13, VII.
(**\ A zevedo M arques , A p o n t a m e n t o s h is to r ic o s , no nome de
D o m i n g o s J o r g e V e lh o , e C h r o n o lo g ia , 16H7 —3 de Março, attribue a elle,
e não ao portuguez Domingos Affonso Mafrense, a fundaçao das fazendas
no Piauhy. Domingos Jorge Velho, depois de combater e destruir o
nucleo de negros de Palmares, voltou á capitania de S. Paulo, fallecendo
na villa de Parnahyba. Domingos Affonso Mafrense lá ficou em Piauhy,
com muitos outros sertanistas, conquistando terras para fazendas de criar
gado. C o n f ir a m - s e Ayres do C asal , C o r o g r a p h ia B r a s í l i c a , provincia
do Piauhy; J. M. de M acedo , A n n o h io g r a p h ic o , no nome de D o m i n g o s
A ffonso M a fre n se .
(***) Vêr adiante a genealogia, Linha 13, V.
124

permissão para se poder hir ao sertão trazer Índios ao gremio


da egreja (sic) e educal-os na fé , podendo deste modo os
moradores possuil-os c tel-os cm seu poder». O povo
applaudi o este accòrdo, que foi ratificado por carta regia de
9 de Novembro de 1690, — com a restricção de nao serem
permitti d as entradas com bandeiras no sertão, senão em
auxilio dos padres que fossem pregar a fe, e de so ser
permittido trazer os Índios que voluntariamente qmzessem vir.
Mm 1687, novo plano de expulsão dos padres da
Com panhia; nova accommodacão, de que se lavrou termo
na camara aos 24 de Julho.
Felizmente, a turbulência deparou, desde 1692, uma
diversão no plano de invadir os sertões de Minas Geraes a
cata de ouro; e, para maior incentivo, E l-R ei expedio em
18 de Marco de 16 9 4 uma carta — declarando que seria
remunerado com o fV.ro de fidalgo e o habito de qualquer
das tres ordens militares todo aquelle que descobrisse minas
ricas de ouro e prata no Brazil, além da propriedade das
minas, das quaes só pagaria o quinto para a Real Fazenda.
F, pois, a internação para Minas Geraes foi im m ensa,
accrescendo ainda a multidão de aventureiros que accoiiiam
de outras capitanias.
Lá, logo em pouco tempo, desencadearam-se as
paixões entre os paulistas e os outros, cspecialmcnte os poi-
tuguezes, então denominados emboabas (*). Não vale a pena
( 1) Assim os indios appellidavam os portuguezes, por vêl-os
calçados, cm allusão ás aves de pernas empennadas. Em geral, alguns
ehronistas gastaram paginas o paginas no historico desta lamentável lucta
entro paulistas e ciuf>o<d><t.<! Os paulistas, envolvidos nessa lucta infeliz,
não eram senão em geral mamelucos; os quaes, por causa da descoberta
de minas em terras visinlms da villa de Taubaté, ja haviam anteriormente
travado lucta com os moradores daquelle lugar. S a c r a f a m e s a u r i !
Mãio obstante, é certo que os paulistas, nas minas, foram victimas
de uma trahição,—tal qual a descreve o padre M axoed da F onseca , em
sua obra 1\/\/<t elo j u a t r e Jielchiov d e Jdeoites^ dedicada ao capitão-mor cia
cidade de S. Paulo—Manoel Mendes de Almeida: Lisboa, 1(52.
Este escriptor narra por miúdo aquclla lucta entre paulistas e
crnboábas.
— 125

historiar aqui os successos desta lamentável guerra, que


principiou' com a representação dos paulistas, em 16 de
Abril de 1700, para que «as terras do territorio das minas
de Catagiiazes, assim campos como mattos lavradios, sejam
declarados pertencerem de direito aos paulistas, em virtude
da carta régia de 18 de Março de 1694, por haverem sido
elles os descobridores dessas minas : .
Com a nova orgamsação do governo da capitania,
sob a denominação de S . Paulo c Almas, tendo govcrnadoi
e capitão-mór general, veio como tal nomeado Antonio do
Albuquerque Coelho de Carvalho, já referido como governador
que foi, desde 1 6 9 0 — 1701, do Estado do M aranhão; e
este governador c capitão-mór general resolveu, logo que
tomou posse, impedir as represálias dos paulistas, então
commandados por Amador Bueno da \ ciga, bisneto do
famoso Amador Bueno de Ribeira, contra os eniòoabas do
Rio das Mortes. De facto, logrou elle que Amador Bueno
da Veiga o auxiliasse nesse empenho, e a pacificaçao foi
feita; sendo o governador e capitão-mór general louvado, por
esse resultado, em carta regia de 2 o de fevereiro de
1711. (*)
Com a descoberta das minas de ouro de Cuyabá,
nas margens do rio Cuocipú-mirim, em 1718, por paulistas,
a multidão affluio para lá, diminuindo o numero de turbulentos
em Minas Geraes. Mas, dos muitos que seguiram de
S. Paulo poucos lá chegaram, « rachiticos, transidos de
miseria e molestias, e sem que pudessem por muito tempo
(*) Já cm 7 do Julho do 1710 tinha sido prestado ao mesmo
"■ovcrmidor c capitão-mór general o acto de preito o homenagem pelo clero,
nobreza e povo de S. Paulo, por causa da feliz pacificaçao.
Amador Bueno da Veiga, em 22 de Agosto de 1709 tinha com­
parecido perante os officiaes da camara de S. Paulo, a hm de aceitai o
commando da força paulista; e isso quando as paixões
exaltadas. Lá chegado, e á vista de i n s t r u c t s daqueUe feov oi nadoi,
reconheceu que a conciliação dos ânimos era íacil; c a tez sem embai go
do desagrado de muitos 'paulistas intransigentes. Consulte-se Azevkoo
M arques, Apontamento* historicos, no nome de Amador Bueno da ^ etgo,
c Chronologia—nas datas supra mencionadas.
126 —

dar-se a outro mister que não fosse a sua convalescença ».


Não obstante, continuaram as emigrações de paulistas, e
também succediam-sc os desastres e as trucidações em
caminho. De uma expedição dc trezentos liomens, em 1725,
não escaparam senão dons brancos e tres negios. ( ')
Assim continuaram até 1728; tcndo-sc esgotado o
ouro daquellas riquíssimas minas.
Entretanto, em 2K dc Junho de 1720, occorria uma
sublevação em V illa-llica c Ribeirão do Carmo, por causa
da cobranca do imposto do ouro. O governador e capitão-
general, que era então D. Pedro de Almeida, conde de
Assumar, lá estava, e capitulou ante as representações dos
revoltosos, deferindo-as, como ja foi relatado. (/ )
Desde o principio desse século X V III, os paulistas ^
não queriam saber senão das minas dc ouro, e, não bugando
senão para não pagarem o imposto, ou ao menos para ^o
reduzirem, além de terem muitos fixado la a residência,
esqueciam-se dc ver amesqiiinhada a antiga capitania, que,
depois dc perder Santa Catharina e Rio-Grande do Sul,
perdeu também Minas Geraes, Goyaz c Matto-Grosso, sendo
afinal suppriniido o seu governo separado e independente,
por ser reunida em 1750 á do Rio de Janeiro! la n to e
certo que a ambiçao da riqueza entibia o animo e dcsnatuia
o caracter.
Restaurado em 6 de Janeiro de 1765 o governo
separado c independente da capitania, nem por isso foi
restaurado o vigor dos paulistas do século X V II. A adminis­
tração dos governadores c capitãcs-móres generaes consistia,
quando não sempre no arbitrio injustificável, muitas vezes
em festejos de todo o genero. O espirito popular desappa- f
recêra. A lucta com a Companhia de Jesus já não tinha (*)
(*) Já então eram importados da África milhares de negros
para escravos.
(**) Veja-SC a já citada V i d a d o p a d r e B e lc h io r de P o n t e s , pelo
padre M a n o e l d a F o n s e c a . E o documento adiante no capitulo XI.
— 127

razão de ser; tanto mais que, depois de expulsos de Portugal,


if em 1755, foram mandados expulsar do Brazil, em 1759
( 21 de Julho).
Não obstante, ainda no século X V III, fazem papel
- notabilissimo, além dos já mencionados c por ventura
de outros mais, Diogo de Toledo Lara, capitão-mór (*),
dr. Antonio de Toledo Lara, conego (**), Diogo Pinto do
Rego (bisneto de outro de cgual nome, natural de Portugal),
mestre de campo e cavalleiro fidalgo (***), Agostinho Delgado
Arouche, mestre de campo do terço auxiliar de S. Paulo,
seus filhos dr. general Jose Arouche de loledo Rendou,
dr. Francisco Leandro de Toledo Rendou, c conselheiro
Diogo Arouche de Toledo Lara Ordonhes, alem do arcipreste
da Sé de S. Paulo, conego Francisco Joaquim de Toledo
Arouche (****); sem fallar de innumeros que foram recebidos
-í* na Companhia de Jesus c nas diversas ordens monasticas,
honrando sempre por altas virtudes, c muito estudo, suas
nobres familias, como se pode ler em P e d ro Iaq u e s, Nobi-
liarchia Paulistana, c nos varios historiadores como Simão
de V a s c o n c e l l o s , Ja b o a tã o , frei G asp ar, S a n ta M a ria , e
outros.

O século X IX ainda recebeu vivos alguns desses


respeitáveis paulistas; e só então appareceram na scena politica
os tres notáveis irmãos Jose Bonifácio de Andiada c Silva,
M artini Francisco Ribeiro de Andrada, e Antonio Cailos
Ribeiro de Andrada Machado e Silva, Francisco de Paula
Souza e Mello, Francisco Alvares Machado de Vasconcellos,
Diogo Antonio Feijó, o brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão,
e outros.
(*) Vêr adiante a genealogia, Linhas unidas A e 15, II.
(**) Idem. Filho do antecedente, foi governador do bispado em
séde vacante.
(***) Yêr adiante a genealogia, Linhas unidas A e 13, LV.
(****) Yêr adiante a genealogia, Linhas unidas A e L, III e IY.
128

A mudança da familia real cm 1808, do Portugal


para o Brazil, preparara a separação dos dous paizes; e,
pois, a emancipação successiva das colonias licspanliolas na
America, não podia deixar de produzir tambem a immediata
independencia do Brazil. Não havia fugir ao contagio da
liberdade.
Entretanto, o proprio Portugal ajudava o acontecimento,
por seus excessos. A 24 de Agosto de 1 820 rebentou uma
revolução no Porto, logo depois correspondida em Lisboa,
estabelecendo em Portugal o systema constitucional repre­
sentativo. Forçado por estes acontecimentos, voltou 1). João VI,
com a familia real, para Portugal; e ficou no Brazil, na
qualidade de Regente, o Principi' 1). Pedro de Alcantara.
Em 1821, as provincias do norte do Brazil adhcriram
ao movimento, se bom <pie filiadas sempre a Portugal. Logo
depois o Ilio de Janeiro; e, em seguida, a provincia de
S. Paulo. ( )s seis deputados desta província ás cortes
constituintes foram eleitos, 1.821— 1 822.
Ja, porém, a idéa da independência estava em obra
nas provincias do sul; e desde 1817 em Pernambuco. Com
efieito, (‘in 2d de Junho de 1821, deu-se em S. Paulo um
movimento popular; do <pie resultou a eleição e installação
do um Governo provuorio, cujo fim apparente foi a manu­
tenção da ordem e da disciplina militar. Era assim composto :
P r e s i d e n t e . — () ex-capitão general João Carlos Au­
gusto Oeynhausen. (*)
\ iCE-eRF.siDExth. — () conselheiro .lose Bonifacio de
Andrada e Silva.
S — Do interior e fazenda, coronel Martini
ec retá r io s.

Lrancisco Ribeiro de Andrada.


Dei guerra, coronel Lazaro José Gonçalves.

(") Depois uiarquez de Aracaty, o senador pela provinda do


('cará. Acompanhando em 1831 I). Pedro I para Portugal, o senado
declarou vago seu lugar.
129

D a marinha, chefe de esquadra Miguel José de


Oliveira Piuto.
V — Pelo ecclesiastico, arcipreste Felisberto Gomes
ogaes.

Jardim, e thesoureiro-mór João Ferreira de Oliveira Bueno.


Pelas armas, os coronéis Antonio Feito Pereira da
Gama Lobo (*), e Daniel Pedro Muller.
Pelo commercio, brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão,
e coronel Francisco Ignacio de Souza Queiroz.
Pela wstrncção publica, padre Francisco de Paula e
Oliveira, e tenente-coronel André da Silva Gomes de Castro.
Pela ae/riculturu, Dr. Nicoláu Pereira de Campos
Vergueiro, e tenente-coronel Antonio Maria Quartim.
Fm Dezembro, porém, o conselheiro José Bonifácio e
seu irmão Martim Francisco, sabendo da noticia de proxima
retirada do .Principe D. Pedro para Portugal, convocou os
membros do governo [»ara uma reunião na noite de 24, e
nessa reunião expuzeram-llies a necessidade de uma mensagem
ao Principe — declarando-lhe que a sua partida seria o
signal da separação do Brazil. Desta e de outras idênticas
mensagens foram portadores: por [tarte do governo provisorio,
o conselheiro José Bonifácio e o coronel Antonio Leite
Pereira da Gama Lobo; pela da camara municipal, o
marechal José Arouche de Toledo Rendon (**); e pela do
bispo c clero, o vigário de MBoy, Alexandre Gomes de
Azevedo. F seguiram [tara o Rio de Janeiro.
Foi no dia 9 de Janeiro de 1822 que essas com-
missões, e outras do Rio de Janeiro e Alinas Geraes,
dirigiram-se em muito concorrido préstito ao Principe Regente,
que, depois de reeebel-as e ouvil-as, respondeu que f i c a r i a ,
na crença de ser isso para b e m d k t o d o s . E, cm seguida,
no dia 10, orgaiusou o ministerio, cabendo ao conselheiro
José Bonifacio as pastas do reino e dos ncgocios estrangeiros.

(*) Yêr adiante a jjjenealogia, Linhas unidas A e It, V.


(**) Yêr adiante a genealogia, Linhas unidas A e B, Ilf c IV,
com referencia aos irmãos do dr. Francisco Leandro dc Toledo Rendou.
130

Pelo decreto de 16 de Fevereiro desse anno, o


Principe Regente mandou convocar o Conselho de Procuradores
Geraes das provincias do Brazil, determinando o seu numero,
o modo da eleição, as suas attribuições, o lugar e o tempo
da reunião. Este Conselho, em resumo, não tinha autonomia
alguma, nem o direito de iniciativa: — especie de Conselho
de Estado, poderia ser denominado um mixto administrativo-
representativo. E ra talvez um incentivo á grande idéa da
independência do Brazil, desenvolvendo nas provincias as
ambições c o espirito politico.
O Governo Provisorio em S. Paulo, porém, funccionou
somente até 24 de Agosto de 1822, quando o Principe
Regente D. Pedro chegou á capital; sem embargo de ter
sido extineto, e mandado dissolver, por carta régia de 25
de Junho do sobredito anno, creando outro em substituição,
assim composto:
Bispo D. Matheus de Abreu Pereira.
Ouvidor-geral dr. José Corrêa Pacheco e Silva.
Marechal de campo Candido X avier de Almeida e
Souza.
Era então governador das armas em S. Paulo o
marechal José Arouche de Toledo Rendon; e o governo no
Rio de Janeiro expedia-lhe successivas ordens contra o Governo
Provisorio, a fim de executar aquella carta régia, dissolvendo-o,
mesmo á força, se preciso fosse.
Não obstante, aquelle governo trino, supra-indicado
para substituir o Governo Provisorio, não tomou posse senão
no dia 10 de Setembro de 1 8 2 2 ; logo depois de proclamada
a Independência (*). E, mesmo apezar desta proclamação,

O Tendo o Principe E egente recebido officios do Rio de


Janeiro, quando voltava de Santos para S. Paulo, no dia 7 de Setembro
de 1822, ás margens do Ypiranga, suspende o corcel, e assim fallou á
guarda de honra que abi o esperava: «Camaradas! Às côrtcs de Por­
tugal querem mesmo escravisar o Brazil: cumpre declarar já a sua
Independencia... Laços fó ra ! D’ora avante traremos todos outro laço,
verde-amarello: estas serão as côres brazileiras.» E, em seguida, elevando
131

o Brazil continuou Reino, e D. Pedro de Alcantara não


deixou de governar, cm nome de seu pae El-Rei D. João VI,
com a simples qualidade de Principe R egente; até que foi
acclamado Imperador em Outubro seguinte. (*)
O governo trino só servio, porém, até 8 de Janeiro
de 1823, sendo então substitnido, como o foi, por outro
Governo Provisorio, eleito ainda de conformidade com uma
lei das cortes de Lisboa, certamente por falta de outra do
Brazil.
P residente . — Marechal Cândido Xavier de Almeida
e Souza.
S ecretario . — Dr. José Corrêa Pacheco e Silva.

a espada, proclamou solemnemente: I n d e p e n d e n d o , ou m o r t e ! A guarda


de honra repetio iminediatamente este grito; e acompanhou o Principe á
cidade de S. Paulo.
Esta guarda de honra era assim composta:
P rim e iro co m m u n d a n te , coronel Antonio Leite Pereira da Gama
Lobo.
Segundo c o m m u n d a n te, capitão Manoel Marcondes de Oliveira
Mello.
S argento-m ór, Domingos Marcondes de Andrade.
T e n en te, Francisco Bueno Garcia Leme.
G u a r d a s : Miguel de Godoy Moreira e Costa, Manoel de Godoy
Moreira, Adriano Gomes Vieira de Almeida, Manoel Ribeiro do Amaral,
Antonio Marcondes Homem de Mello, Bento Corrêa Salgado, Francisco
Xavier de Almeida, Vicente da Costa Braga, Fernando Gomes Nogueira,
João José Lopes, Rodrigo Gomes Vieira, Bento Vieira de Moura, Flavio
Antonio de Andrade, Salvador Leite Ferraz, José Monteiro dos Santos,
Custodio Leme Barboza, sargento-mór João Ferreira de Souza, Cassiano
Gomes Nogueira, Floriano dc Sá Rios, Joaquim José de Souza Breves,
Antonio Pereira Leite, sargento-mór Antonio Ramos Cordeiro, José da
Rocha Corrêa, David Gomes Jardim, Eleutorio Velho Bezerra e Antonio
Luiz da Cunha.
(*) O dia 10 de Novembro desse anno, domingo, foi o escolhido
por D. Pedro I para ser dado e benzido o estandarte nacional do B razil;
por ser o dia em que a Egreja celebra o infallivel patrocinio da Santíssima
Virgem e Senhora, Rainha dos céos e da terra. E, nessa mesma occasião,
foi ratificada, por acto de piedade, a provisão de 25 de Março de 1646,
pela qual o rei dc Portugal, D. João IV, tomou a Divina Senhora, sob a
invocação de sua Immaculada Conceição, para Padroeira do reino e seus
dominios.
— 132

D eputados. — Dr. Manoel Joaquim de Omellas.


Coronel Anastacio de Freitas Trancoso.
Coronel Francisco Correa de Moraes.
Capitão-mór João B aptista da .Silva Passos.
Vigário João Gonçalves Idma.
Cora entretanto um dos factos mais felizes o da
proclamação da Independência do Brazil nos campos do
Ypiranga, em 7 de Setembro de 1822 (*), tendo partido

i i A idea do Monumento para coinineinorar o facto da Inde­


pendência do Brazil, na collina do Ypiranga, surgio desde 1836 na Camara
dos Deputados, o desde 1838 na Asscmbléa Legislativa de S. Paulo.
De 18-!U em diante, houve completo silencio; parecendo ter
morrido a grande idéa.
Km 18Õ.'), o governo provincial nomeou uma commissão de nove
membros; mas nisso tie ou 1
Nova investida em 1861, por parte do governo provincial; e
fundou-se, ao menos em papel, a S o c i e d a d e Z e l a d o r a d a G l o r i a d o Y p i r a n g a .
Novo adormecimento 1
Km projecto apresentado no Senado em 1862, para ser levantado
á custa do Estado o Monumento, não passou da segunda discussão; pois
que foi rejeitado em 1863 sem debate.
Km 186!) a camara municipal da corte iniciou a subscripção
nacional; e varias grandes quantias foram então subscriptas, sendo nomeada
uma grande Commissão Central de nove membros para levar ao fim a
construrção do Monumento. Com effeito, essa grande commissão ainda
teve a ingenuidade de vir em 1872 verificar o lugar em que fôra lançada,
em 12 de Outubro de 1827), a pedra commemorativa. Acbaram-n’a ; e
a depositaram no palacio do governo. Para que? Ignora-se até hoje.
Km 1877), o governo da provincia a fez reconduzir ao mesmo buraco, em
«pie estivera, no Ypiranga. Também é ignorada ainda hoje a razão desse
novo facto. Beenterraram-ifia.
A camara municipal da cidade de S. Paulo, por sua vez, em
1<S75, cogita do Monumento. Cerca de trinta membros são nomeados para
a Commissão, cuja organisação foi proposta e approvada. Essa Commissão
devia marchar de aceordo com a da Côrte.
Com effeito, a Commissão paulista obteve a concessão de grandes
loterias. Algumas correram, com o vagar proprio de uma nação sem
governo.
Afinal, após a approvação successiva de vários projectos, cada
qual mais ao sabor dos que apoderaram-se da idéa do Monumento, para
---- l1 oo oo —

para S. Paulo, no dia 14 de Agosto, o Principe Regente, á


vista das informações dadas pelo marechal Arouclie (*)
sobre o estado perturbado dos espiritos na provinda. Do
Rio de Janeiro acompanharam o Principe R egente: Luiz
Saldanha da Gama ( depois marquez de T au b até), como
ministro itinerante; e dons crcados da casa. A Princeza
Real ficara para presidir ao conselho de Estado c ao dos
ministros. Nessa jornada, desde Pindamonharigaba, onde
encontraram-se, o coronel Antonio Leite Pereira da Gama
Lobo foi o principal auxiliar do Principe R egente; pois que,
prudente e circumspecto, e geralmente estimado (**), persuadia
aos recalcitrantes a necessidade de cooperarem para a grande
obra da nova nacionalidade, no caso previsto de medidas
odiosas tomadas pelas cortes de Portugal. (***)
Fallcceu, porém, apezar de tão assignalados serviços,
no mesmo posto de coronel que tinha antes de 1822, apenas
com a reforma no de brigadeiro em 1 8 5 7 :— elie que ja ha
muito tempo requeria o posto de tenente-general que lhe
competia como primeiro commandantc da Guarda de H onra,
em virtude do Decreto de l.° de Dezembro de 1822!

o deformarem, estão a edificar no lugar um casarão, que, segundo discursos


proferidos por occasião do lançamento da primeira pedra, é destinado a
um L y c e u d e a r t e s e o ffi c io s , ou cousa que o valha...
O governo tem entrado nisto, somente para obedecer aos donos
do negocio.
Em summa: — eis o Müncmknto da Gloria do "Ipiranga !
(*) Machado di; Oliveira, Q uadro h isto rico da p ro v in c ia de
S. P a u lo .
(**) Machado de O liv e ira , Q uadro h isto rico da p ro v in d a ele
S. P a u lo .
(***) passo que o coronel Antonio Leite 1’ereira da Gama
Lobo concorria para a Independência do Brazil, seu irmão mais velho em
Portugal, dr. Francisco Xavier Leite Pereira da Gama Lobo, morgado,
deputado ás cortes portuguezas, votava por essas medidas odiosas.
C A PITU LO SÉ TIM O

MARAM-NHANA-Y
Entretanto ó corto cjno tias
mesmas navegações (Ilojeda e Pinzon)
resultou o terem sido os castelhanos
os primeiros a conhecer e a frequentar
essa parte da costa; havendo sido não
só, com toda a certeza, descobridores
do M a r D o c e ou Amazonas, como
também, mui provavelmente, do porto
ainda hoje chamado M a r a n h ã o ; nome
que não será fácil averiguar se proveio,
como disse P edro Martyr, do indigena
adulterado...
O que ora temos por sem duvida
é que esse nome foi de principio dado
ao proprio Maranhão de hoje; e que
a este se referem com tal nome, não
só o mesmo P edro M artyr e o
geographo Exciso, mas também todos
os cartograpbos antigos, sem exceptuar
PlOGO IllBEIRO.
Y arniiagen, visconde de Porto-
Seguro, H i s t o r i a G e r a l d o B r a z i l , Y.

Tem sido assumpto de grande controversia entre


chronistas e historiadores a origem do nome Maranhão, que,
applicado outrora por alguns delles também ao rio das
Amazonas, ficou afinal fixado somente sobre a capitania do
— 13G —

inosmo nome (*), tendo-se por isso estendido ao E stado na


parte septentrional das possessões portuguezas na America,
constituído por cartas régias de 13 de Junho de 1621 e
de 25 de Agosto de 1654, cuja séde-eapital era a cidade
de S. Luiz.
Em geral os chronistas e historiadores tem aceito o
erro do nome Maranhão como applicado ao rio inteiro das
Amazonas (**). Alguns, como S imão E stagio da S ilveira ,
Relação summaria das cousas do M aranhão, 1624, a dizem
originada de um capitão castelhano de nome M aranon «que
descobrio seu nascimento no Peru . E B ernardo P ereira
de B erredo , Annaes historicos do Estado do Maranhão,
considerando as varias o])iniões sobre esta questão, inclinou-se
no n. 11 pelo lado de E stagio dg S ilveira , só porque
verificara no CatalogoO dos Mestres da Ordem de Santiago “
um de appellido M aranon , eleito em 1 2 0 6 ; e, visto que
já então existia esse appellido, persnadio-se fundamentalmente
da opinião referida!
Não contestaremos agora a opinião de E stacio da
S ilveira ; mas só quanto ao curso do rio, desde que recebe
as aguas
o dos rios Guallaga
o e Ucayale,7 até á confluência

(*) Yahnhagen, H i s t o r i a G e r a l d o B r a z i l , Y, demonstra que,


desde Ilojeda e Pinzon, o nomo M a r a n h ã o designava, não o rio Amazonas,
mas o porto e a ilha que ainda hoje são conhecidos por esse nome. E,
em apoio, cita não só Pkdiío Maktyh, mas também F. Enciso, Diego
Okdaz, J oão Aitonso, e Diooo liinKiito, todos cartographos do principio
do século X Y I . E s t e ultimo designa a ilha pelo nome de T r i n d a d e ;
primeiro que foi-lhe dado, segundo o aftirma o mesmo Vaiinhagen.
Xota. porém, clle que Exciso foi victima de um erro typographico;
porque a latitude da ilha, em vez 2 1/2 grãos, figura na descripção como
7 1/2. Parece que é obra anterior a 1531.
Em uma bibliographia lemos, sob a rubrica Século XVII, a
obra de 1 KltXANDO Exciça, A h r i d g e d d e s c r i p t i o n o f the r i v e r o f A m a z o n e
a n d o f the c o u n tr ie s t h e r e a b o u t: Londres, 1 GUO. E ’ traducção da S m n a
d e g e o g r a fia , de M. F. DE Exciso; Sevilha, 1519.

f*) Padre C i ii ustoval dk A cuna , Nuevo d e scu b rim ien to del


gran 1641, 110 11. 1 da R e l a c i o n assim Cxpi’ime-se :...
rio d e la s A m a z o n a s .
« el gran rio de las Amazonas, llamado por e r r o r c o n u m , entre los poco
vistos en la geographia, rio de el M a r a n o n . »
— 137 —

com o rio Javary, ainda dentro da republica do Perú.


Talvez algum capitão castelhano IVÍaraxox (*), tendo rcalmentc
descoberto aquclla nascente, logrou imprimir seu nome até
aquellc ponto, limite das possessões castelhanas com as
portuguczas. Porem, daquelle ponto em diante, foi sempre
denominado t i o dos Sohmões (**), corrupção de Suvim an,
nome este pelo qual os indigenas selvagens ainda boje conhecem
e designam o Amazonas em todo o seu longo percurso. Desde
a confluência do rio Cott/ovi ("Madeira) o que o rei dos rios tem
conservado o nome de Amazonas, dado pelo castelhano Francisco
de Orellana quando, tendo desertado da expedição de (lonçalo
Pizzarro, irmão do então governador da conquista do Peru,

(*) Alguns chronistas mencionam Fornnn Gonzalc Maranon.


Mais adiante, porem, sera demonstrado (juo, mesmo nossa parte do grande
rio, o nome M a r a v o n nao passa do corrupção da denominação cm t u p i . O
tal capitão licspanliol não é senão uma historieta, fabricada pelos que não
se dão ao trabalho de examinar as cousas e (piorem justificar de qualquer
modo seus assertos.
(**) 0 general Corro i>k Mauamiãks, O Selvagem, I, no § 2.°
da parte syntlietica, n. 24.
Alguns dizem que o nome S v lim õ e s é corrupção da denominação
dos indios S o r im ães, que habitaram essa região do rio Amazonas.
O viajante L a Co.no amink pensa (pio osso nome foi dado pelos
portuguezos ao grande rio por causa das flechas envenenadas de que
usavam os habitantes de suas margens! Mas, não é exacto. 0 veneno
so lim n o , como sabe-se, é semi-mineral, por ser composição do azougue com
acido muriatico sublimado. Os indios não usavam senão do veneno vegetal,
extraindo de um cipó grosso, escabroso e guarnecido do folhas parecidas
com as da maniva, denominado por ollos itirarg, que os francozes e alguns
viajantes corromperam para c u ra re .
Acerca deste veneno, escreveu Go.nçalvks D ias que tem o
cffeito tão prompto que produz a morte após alguns segundos. 0 sal
communi é seu antidoto; e também o sueco do limão.
K' empregado hoje medicinalmente contra o tetano.
Os indios, em vez das flechas, costumam também h e r v a r as
pequenas sótas, chamadas v a m l r i e atiradas mediante z a r a b a t a n a .
Também algumas tribus usam de uma pequena flecha envenenada,
denominada curabi.
Os indigenas do sul brazilico parece que desconheciam ou não
empregavam muito o h e r v a m e n t o das flechas e setas. Os do valle do
Amazonas ainda hoje conservam esse uso mortifero.
136

mesmo nome (*), tendo-se por isso estendido ao E stado na


parte septentrional das possessões portiiguezas na America,
constituído por cartas régias de 13 de Junho de 1621 e
de 25 de Agosto de 1654, cuja séde-capital era a cidade
de S. Luiz.
Em geral os chronistas e historiadores têm aceito o
erro do nome Maranhão como applicado ao rio inteiro das
Amazonas (**). Alguns, como S imão E stacio da S ilveira ,
Relação summaria das cousas do Maranhão, 1624, a dizem
originada de um capitão castelhano de nome M aranon «que
deseobrio seu nascimento no Peru . E B ernardo P ereira
de B erredo , Annaes historicos do Estado do M aranhão,
considerando as varias opiniões sobre esta questão, inclinou-se
no n. 11 pelo lado de E stacio dv S ilveira , só porque
verificara no CatalogoO dos Mestres da Ordem de Santiago O
um de appellido M aranon, eleito em 1 2 0 6 ; e, visto que
já então existia esse appellido, persuadio-se fundamentalmente
da opinião referida!
Não contestaremos agora a opinião de E stacio da
S ilveira ; mas só quanto ao curso do rio, desde que recebe
as aguas dos rios Guallaga e Ucayale, até á confluência

(*) Y ahnhagkx, H i s t o r i a G e r a l do B r a z i l , Y, demonstra que,


desde Hojeda e Pinzon, o nomo M a r a n h ã o designava, não o rio Amazonas,
mas o porto e a ilha que ainda hoje são conhecidos por esse nome. E,
em apoio, cita não só P edro M artyr, mas também F. E nciso, D iego
Ordaz, J oão A eeonso, o D iogo R ibeiro, todos cartographos do principio
do século XVI. Este ultimo designa a ilha pelo nome de T r i n d a d e ;
primeiro que foi-lhe dado, segundo o affirma o mesmo V arnhagen.
Xota, porém, elle que E nciso foi victima de um erro ty p o g ra p h ic ;
porque a latitude da ilha, em vez 2 1/2 grãos, figura na descripção como
7 1/2. Parece que é obra anterior a 1531.
Em uma bibliographia lemos, sob a rubrica S éculo XVII, a
obra de F ernando E ncica, A b r i d g e d d e s c r i p t i o n o f the r i v e r o f A m a z o n e
a n d o f the c o u n tr ie s th e re a b o u t: Londres, 1600. E ’ traducção da S u m a
d e g e ó g r a f a , de M. F. de E nciso; Sevilha, 1519.

(**)
Padre C iiristoval de A cuna , N u e v o d e s c u b r i m i e n t o d e l
1641, no 11. 1 da I t e l a c i o n assim exprime-se:...
g r a n rio d e las A m a z o n a s ,
« el gran rio de las Amazonas, llamado por e r r o r c o n u m , entre los poco
vistos en la geographia, rio d e el M a r a n o n . »
— 137 —

cora o rio Javary, ainda dentro da republica do Peni.


Talvez algum capitão castelhano M aranon (*), tendo realmente
descoberto aqnella nascente, logrou imprimir seu nome até
aquelle ponto, limite das possessões castelhanas com as
poituguezas. Porem, daquelle ponto em diante, foi sempre
denominado vio dos Soluuões (**), corrupção de Suvhnan,
nome este pelo qual os indígenas selvagens ainda hoje conhecem
c designam o Amazonas em todo o seu longo percurso. Desde
a confluência do rio Cot/ctvi ( Madeira) e que o rei dos rios tem
conservado o nome de Amazonas, dado pelo castelhano Francisco
de Orellana quando, tendo desertado da expedição de (lonçalo
Pizzarro, irmão do então governador da conquista do Perii,

_ (*) Alguns clironistas mencionam Fornan Gonzale Maranon.


Mais adianto, porem, sera, demonstrado que, mesmo nessa parte do grande
rio, o nome M a r a n o n não passa de corrupção da denominação om t u p i . O
tal capitão hespanhol não é senão uma historieta, fabricada pelos que não
se dão ao trabalho de examinar as cousas e querem justificar de qualquer
modo seus assertos.
(**) O general Corro j>k Mauamiãks, O S elva g em , I, no § 2.°
da parte syutlietica, n. 24.
Alguns dizem que o nome Solim õe* é corrupção da denominação
dos indios So rim O c s , que habitaram essa região do rio Amazonas.
O viajante L a Comia.mimo pensa que esse nome foi dado pelos
portuguezes ao grande rio por causa das flechas envenenadas de que
usavam os habitantes de suas margens ! Mas, não é exacto. O veneno
solienão. como sabe-se, é semi-mineral, por ser composição do azougue com
acido muriatico sublimado. Os indios não usavam senão do veneno vegetal,
extraindo de um cipó grosso, escabroso e guarnecido de folhas parecidas
com as da maniva, denominado por elles n ira .ru , que os francczes e alguns
viajantes corromperam para c urare.
Acerca deste veneno, escreveu Go.nçalvks D ias que tem o
cffeito tão prompto que produz a morte após alguns segundos. O sal
communi é seu antidoto; e também o sueco do limão.
lã’ empregado hoje medicinalmente contra o tetano.
Os indios, em vez das flechas, costumam também h e r v a r as
pequenas sétas, chamadas n a m i n ' s, e atiradas mediante z a r a b a t a n a .
Também algumas tribus usam de uma pequena flecha envenenada,
denominada cttrabi.
Os indigenas do sul brazilico parece que desconheciam ou não
empregavam muito o h e r v a m e n to das flechas e setas. Os do valle do
Amazonas ainda hoje conservam esse uso mortifero.
138

D. Francisco Pizzarro, e descendo-o a procura de sua foz,


vio-se assaltado de mulheres selvagens, assas corpulentas e
guerreiras. (*)
(Jutros explicam a denominação com o resultado de
uma interrogação em latim — M ari? e da resposta — Non,
que os primeiros portuguczes, sob a direcção de Vicente Yanes
Pinzon, admirados da immensa largura de sua fóz ( cerca de
quarenta léguas ), fizeram entre si.
0
padre jesuita M anoel R odrigues, M arahon y
Amazonas, aceitando embora depois a versão da pergunta e
da resposta cm latim, já havia opinado que o nome Maranhão
ficára ao grande rio por causa das traidoras maranhas de
Lopo de Aguirre contra o capitão Pedro Orsua, na expedição
castelhana de 1560!
Ambas são versões ridiculas c sem o minimo fun­
damento de verosimilhança. Accresce que as taes maranhas
de Logo de A ynirre em IÕH0 não podiam ser origem dessa
denominação; porquanto, A ntonio Galvão, por antonomasia
o Apostolo das Molucas, onde foi governador, fallecido em
L~)õ7, no seu Tratado dos descobrimentos antigos e modernos

(*) O nome de rio O r e lh a n a não foi adoptado; embora alguns


chronistas e historiadores o mencionem também.
O nome da. s A m a z o n a s resultou
do encontro com as taes
ic a m ia h a s O il m ulheres sem m a rid o . Não
aquelle explorador C seus

ofliciaes o affirmaram, senão também c certo que outros viajantes, o


ultimamente L a Conilvmixe, asseveraram a tradicção da existência dessas
mulheres guerreiras, a s quaes não tinham relações com homens senão
durante um certo e limitado tempo do anuo, marcado entre ellas. L a
C ondamine escreveu mesmo uma M e m o r i a a c e r c a d a s a m a z o n a s , que foi
lida na Academia Iíoal das Sciencias, de Pariz.
A proposito da verificação da procedência das p e d r a s v e r d e s , cujo
nome é m n e r a q a i t a n , tem sido attribuido seu fabrico a essas taes
tu p i
ou amazonas. Nos niuzeus podem ser vistas e examinadas.
iea m ia h a s,
B itfkon as considerava como materia mixta, q u a r t z o - m i c a . A propriedade
medicinal dessa pedra contra a colica nephritica, a epilepsia, as molestias
do fígado e da bexiga, c outras, a faz muito procurada. A. H umboldt
diz que vio uma, que era um s a u s s h - ite , verdadeiro j a d e , que orictognos-
ticamente se aproxima do f e l d s p a t h compacto. A verdade é que, com o
desappareeimento das a m a z o n a s , também rarearam essas pedras.
139

feitos ate a era de 1Õ50, assignando a descoberta do grande


rio o anno de 1499, já por erro o denominava Maranhão. (*)
Não ha, porém, necessidade de procurar fora do
Brazil a explicação do nome Maranhão para a ilha e
capitania cleste nome. A lingua dos selvagens indigenas, a
lingua tupi, a dará completa.
Um dos primeiros que cogitaram dessa solução para
o alludido ponto historico em controversia, foi o padre jesuita
J o ã o T avares, conforme escreveu Cesar Marques, Diccionario
historico e geographico da provincia do Maranhão, nos nomes
M aranhão e Mearim. (**)
O padre J o ã o T avares muito de proposito, segundo
elle proprio declara, escrevia Maranhag, em vez de Maranhãto;
e assim o fazia por entender que a denominação desses
lugares, antes das descobertas, já era JMaranhay, por causa
das pororocas.
A pororoca resulta da resistência que a corrente do
rio oppõc á enchente do mar, de tal modo que, ainda
distante da fóz do rio, mas até onde vae sua jactura, formam
as duas massas de agua o
uma montanha cscumosa,7 mais ou
menos alta, conforme 6 maior ou menor a força ou a grandeza
do rio. Nas marésbaixas, o mar é sempre vencido; por
isso, o phenomeno não apparece em toda a sua pujança
senão com as grandes marés ou aguas vivas, c então o mar
triumpha com grande estampido, que ouve-se em muitas
léguas de redor, c as ondas, succedendo-se umas ás outras,
mais c mais encapelladas, rolam pelo rio ácima, durante
tres horas apenas, com tão rapido curso que destroem tudo
o que encontram,ao assombroso espanto dos que nunca
ouviram e viram esse facto natural.
(*) I nnooemto F. DA SlI.VA. Diccionario Bibliographlco, I, 110
nome A ntonio G alvào , menciona duas edicções desta olira: a de 1563 e
a de 1731.
(**) Já P e d r o M a r t y r , De orbe n o v o , na Epistola 532, de 18 de
Dezembro de 1513, cogitara disso, segundo o attesta V a r n ija g e n .
140

O contraste e a lucta entre a enchente do mar e a


corrente do rio são factos normaes, cujos efifeitos manifestam-
se, mais ou menos, cm todos os rios que desaguam no
oceano: sobresahem, porém, por sua força, c por condições
physicas locaes, no rio Ganges, c cm outros da Asia; no iio
Gironde até encontrar o Garonne, em França; no rio Severn,
em In g laterra: e, com verdadeira magcstade, nos rios ao
norte e° ao sul da fé/ do Amazonas. Sé em taes proporções
o phcnomeno denomina-se macnvco ou pororóçct.
O grande rio das Amazonas, propriamente tal, não
soffre a pororóca (*); porque, sendo enormemente volumosa
sua jactura, e tão impetuosa que penetra o mar cerca de
quarenta léguas, sao as aguas do oceano fendidas c aiic-
messadas para os lados por tal corrente, embora com o
esforço se lhe entumeçam ás vezes também as aguas (**)

('*) L. F. Ai.irkdo Maury, L a terre et T h o m m e , cap. II, expli­


cando esto phenumeno, assevera (juc dá-se também no Amazonas. Não c,
porém, exacto. O dr. Francisco ha Sii.va C astro, escrevendo sobre a
pororoca, no Diario do (iram-Dará , de s dc Marco de 1860, disse: « Este
estupendo phonoineno observa-sc também longe da costa, a trinta, qua­
renta. e talvez cincoenta degnas do m a r: taes são o Guamá, o Mojú, o
Capim, o Avary c outros. Também é certo que sc manifesta, com toda
a regularidade, nas marés vivas da costa, em quasi todos os rios da
Guyana llrazileira ou Torras do cabo do Norte, especialmente no Araguary
e no Amapá. K não é menos certo que n a v e a f o i v isto esse p h c n o m e n o
n o rio A m a z o n a s . »
K a razão é a acima dada: «pela bocca ao norte da ilha de
Marajó ( a, outra ao sul é a do Tocantins, que muitos também consideram
do Amazonas), (pii' é visinlia da Guyana írancoza, lança o rio tão consi­
derável volume de, agaia. que, ao contrario do que sc dá em todos os
rios tributarios do Atlantico, não penetram cm seu leito as marés do
oceano; o rio é que repelle o mar.» ( Concgo F. II krnardino dh S ouza,
L e m b r a n ç a s e c u rio sid a d es do v a lle d o A m a z o n a s , )
(* * ) W a rd u n , / l i s t o ! r e d a B r é s i f escreveu, com referencia ao
Amazonas, que as embarcações, sabidas de Macapá, em vez de subir
aquellc grande rio, preferem passar pelo Tocantins « pour éviter les
grands courants et le a o n f e m e n t e x t r a o r d i n a i r e d a Jtea ve ».
Tudo isto é desproposito. Nem passando pelo rio Tocantins
jioderiam taes embarcações subir o Amazonas. A verdade somente é que
as embarcações, sabidas de Macapá, para irem ao porto de Gelem, capital
da provincia, devem preferir passar pelos faros dc Tagipurú e outros, em
vez dc sahirem barra-fóra.
141

acima, até á extensão de mais de cem léguas. Ao inverso


dos outros rios, cujos cursos são detidos pelo mar, e que
entram em lucta com as grandes marés, para afinal serem
cavalgados pelas ondas maritimas, o rei dos rios arroja e
divide as aguas do oceauo (*): — produzindo a pororoca,
ao norte, no rio Araguary e em outros até o A m apá; e, ao
sul, nos rios Guajará (comprehendendo o Goamá e o Capim,
que o formam ), Acará e Mojú (**), dentro do territorio da

Chamam-se f m - o s os canaes naturaes que communicam entre si


as aguas dos rios, iagoas e bahias. Os que communicam as aguas do
Amazonas com a balda de Melgaço. onde desaguam em frente á fóz do
rio Uanapú ou Anapú c de outros até á do rio Tocantins, são os ([ne
separam do continente a grande ilha de Marajó.
(* ) N a R e l a ç ã o d a m is s ã o d a s e r r a de I ln a p i d x t p e l o p a d r e A n t o n i o
V ie ira ,
IY, é mencionada uma « perpetua correnteza, desde o cabo da
Boa Esperança, com todo o pezo das aguas do oceano na travessa, onde
elle é mais largo, que é entre as duas costas da Africa c America, c
começando a descabeçar desde o cabo de Santo Agostinho até o cabo do
N orte; — e é notável a força que em todo aquolle coto vello de costa taz
o impeto da corrente, levando após si, não só tanta da mesma terra que
tem comido, mas ainda aos proprios céos e os ventos, que cm companhia
das aguas, e como arrebatados delias, correm perpetuamente de leste a
oeste ».
Quem sabe se esta correnteza, brigando também com a do
Amazonas, concorre para o phenomeno da p o r o r o c a , ao norte e ao sul do
grande rio, entumecendo-lhe ao mesmo tempo as aguas ?
(**) Para os que entendem que ba um rio F a r á , fazendo delta
para o Amazonas, formado pelas aguas deste grande rio nos f u r o s de
Tagipuni e outros c pelas do outro grande rio locantins, certamente
para esses a p o r o r ó e a será também sentida no Amazonas, compi ehendidas
neste as embocaduras do Goamá c de outros.
Mas não ba tal rio F a r á . Em frente á cidade de Belém, não
ba senão mar, p a r á ; e, por ser grande e continuar para o oceauo, os
indigenas o denominavam p a r á - u a ç ú . Dahi, G r a m - F a r á .
Os moradores de Belém, capital da provincia, cidade assentada á
margem do F a r á , na distancia de um quarto dc legua da fóz.,do rio
Guajará, não sabem de pororóea. senão no rio Goamá e nos outros ate a
embocadura do Tocantins, mas com varia violência. O Goamá, já por si
mesmo, é cheio de redomoinhos perigosos.
O eonego F. Bkicvaiuuno de Souza, O valle d o A m a z o n a s , assim
descreve uma que vio:
t Yi a p o r o r ó e a .
Eram quasi 11 boras da manhã quando
pareceu-me ouvir um ruido surdo como o do trovão que echôa muito ao
142

provinda do Pará, e, com maior estrondo, ainda em distancia


de muitas léguas das embocaduras, nos riosPindare e
Mearim (*), da provincia do Maranhão.
A pororoca realisa-se nestes dons rios da provincia

longe. As aguas do G n a j a r á corriam tranquillas, como se não esperassem


a invasão do inimigo que se aproximava. A vasanteera completa,
deixando a descoberto, como corôa, os baixos e espraiados. O dia estava
claro. Na extremidade do horisonte vi como formar-se uma ligeira linha
de espuma, que ia rapidamente crescendo e engrossando. O ruido tornára-
se perfeitamente distincto. Ilouve como que uma suspensão nas aguas do
rio. Dir -se-liia que tinham presentido o inimigo e comprehendido o perigo.
A linha de espuma ia crescendo espantosamente e descrevendo como um
semicirculo cm que prendia o rio. Era uma muralha de espuma, uma
vaga gigantesca, que ennovelava-se c estoirava com fragor medonho.
Depois, aquelle semicirculo, por uma subita e admiravel evolução, formou
uma immensa linha recta, de uma perfeição completa, e avançou rapida,
ameaçadora, fremente, rugindo, levantando espuma, e levando diante de si
tudo quanto encontrava em caminho, troncos de grandes arvores, galhos,
etc. Em certo ponto do rio desappareceu de subito, parecendo como
m e r g u l h a r , indo surgir mais violenta, mais ruidosa, algumas braças adiante.
Não pude mais vôl-a; formava abi o rio uma curva que me tirava a
vista. Disseram-me que assim continuava ella até á juneção dos rios
G u a m á e C a p i m , cm uma distancia de nove milhas pouco mais ou menos,
dividindo-se cm duas partes, internando-se cada uma delias pelos dous
rios. Calculam em 18 a 20 milhas por hora a marcha da p o r o r o c a .
Innnediatamente depois da passagem do assombroso phenomeno, tornaram-se
extremamente agitadas as aguas, levantando ondas, a que dão o nome de
b a n z e ir o s , e que se iam quebrar violentas na praia. O rio encheu subita­
mente, de modo que cm trez ou quatro minutos a agua havia crescido de
quatro a cinco pés.... A que eu vi, surge de uma pequena ilha, formada
pelo rio (fuajará, a oitenta milhas da sua fóz (e eis explicada a razão
por que os moradores da cidade de Belém, capital do Pará, não a vêem).
Levanta-se, no momento em que começa a enchente, uma onda que cresce e
corre, caminhando para a nascente do rio. No momento da vasante, as
praias, que circumdam a ilhota, acham-se completamente descobertas, c,
de repente, do lado que olha para a nascente do rio, levanta-se a onda,
que se transforma cm p o r o r ó c a . »
Julgámos util transcrever a descripção supra do phenomeno.
Mais medonho é nos rios Meary e Pindare, no Maranhão.
(*) Wardk.n, Ifistoire da Brésil, com referencia a este rio,
escreveu : « Le Meary est remarquable à cause du gonflement extraor­
dinaire de ses eaux, nommé Póróróca. Son courant, fort et rapide, arreto,
pendant neuf heures, la marée, qui, devenant ensuite plus forte, remonte,
pendant trois heures, la distance de cinq lieues avec une rapidité et un
bruit étonnants. »
do Maranhão, por precipitarem-se sobre as costas as aguas
do mar, arremessadas para o sul pela impetuosa jactura do
rio das Amazonas, como já foi descripto, entrando depois
pelas duas bahias em redor da ilh a : a de S. José e a de
S. Marcos. Pequeno ou nullo é o effeito na primeira, por
estar voltada para o s u l; a segunda, porém, voltada para
leste-norte, recebe cm cheio a massa de aguas que vem do
norte, e dahi a lucta ingente com as correntes dos braços
reunidos daquelles dous rios. O padre J o ã o T a v a r e s affirmou
em seus escriptos que, com tal grandeza, só vio no Brazil
a pororóca nos rios Pindaré e Mearim.
A pororoca brazilica é, como já ficou dito, o macaréo
dos portuguezes no rio Ganges, na índia. Os francezes
o denominam macaret, ou mascarét, ou macrée (*). Segundo
os historiadores portuguezes, maccirco é o grande impeto com
que arrebatadam ente enchem e vasam alguns rios na Asia.
Comquanto E. L ittré não saiba a origem da palavra mascarét,
é certo que a lingua grega fornece-nos sua etymologia: —
makhé, combate, rheô, correr (**). Por esta etymologia grega
da palav ra----macaréo, vèr-se-ha mais adiante quão verdadeira
é a etymologia tupi da palavra — Maranhão, que não é
senão a corrupção do nome Maram-onhang-y, ou, por
syncopa, M aranhay, dado pelos indigenas á ilha e adjacências
das embocaduras dos dous rios Pindaré c Mearim, talvez
muitos séculos antes de aportarem alli europeus. E até
alguns autores portuguezes não duvidaram attribuir ao rio
Mearim ( M cary ) o nome de Maranhão (***); certamente

(* ) E. L lttuk, D i c t i o n n a i r e de la l a n g u e f m n ç a i s e , C P. L aroussk ,
D i c t i o n n a i r e uni,versei, lias palavras — m a ca ret, m ascarét e macree.
Os inglezes denominam este phenomeno — h u g e r ou bore; talvez
por ser chamado commummente o rio Ganges — B o r i- G a n g e s .
(**) pj,. \K [ Diccionario da lingua, portugueza, lia palavia
— macaréo.
( * * * ) Padre S imã O DE Vas COXOELLOS, C h r o n ic a d a C o m p a n h i a de
J e s u s n o E s t a d o d o B r a z i l . Y armiaokn , commentando 0 R o t e i r o d o B r a z i l
de G abriel S o a r e s , cita alguns desses autores.
O padre F ernã O G ü EIUIEIRO. na R e l a ç ã o a n n u a l d a s c o u s a s q u e
144

induzidos pela denominação, em lingua tupi, do phenomeno


da pororóca, por syncopa — M aranhay, a que aquelle rio é
subjeito.
O padre J o ã o T avares escreveu que a palavra M a ­
ranhay é composta de dons verbos e de um substantivo, na
lingua brazilica. < Os verbos são M aramonhamgã, que
significa brigar, c nhãna, que significa correr; c o substantivo
é a palavra que significa ayaa, e anda tirada da palavra
Maranhão, por corrupção da palavra. Deram os naturaes
este principal nome do que nella mais principalmente avul­
tava, que são as pororocas, cujo aspecto é ama briga, das
aguas correndo. Tudo isto diz a palavra A faranhay,— agua
que corre brigando.
Manifestamente é o mesmo sentido da etymologia
grega para a palavra — macarco, como já acima deixámos
d ito : — correr combatendo.
Concordamos com o padre J o ã o T avares sobre a
origem tupi da palavra M aranhão; mas, certo, não lia
necessidade senão do verbo Maram-onhang, dispensado o
verbo nhãna: com o aecrescimo do substantivo i ou y, agua,
o nome Alaram-onhaug-y significa agua que batalha.
Ou, então, podemos adm ittir a palavra Maranhão
como composta de M uram, adverbio (pie significa despropo-
srtadamente, nhãna, verbo que significa correr, c i ou y,

fize ra m os /u n i r e s d a C o m p a n h i a . . . . no a n n o <le IfíOfi e Ifjlll. etc., Lisbôa,


160!>, escreveu no livro 4.". cap. com referencia á missão evangélica
dos padres Francisco Pinto e Luiz Figueira no norte do Brazil, que estes
padres pediram aos superiores permissão para, « chegando ao rio M a r a n h ã o ,
que é um grande rio que dista de outro muito maior, que chamam
O r e l h a n a , e dista do das A m a z o n a s oitenta e cinco léguas, fundar egrejas
e arvorar a cruz de Christo ».
Fste padre F kr.nào (lui-mitmito confunde os tres rios; de sorte
que, salva má redaccao, parece denominar M a r a n h ã o o rio Parnahyba, e
O r e l h a n a o grande estuário da ilha do Maranhão, formado por alguns rios
que alli desaguam. Mas, resalta o facto de existir já então um rio
M a r a n h ã o , muito ao sul do Amazonas, que não era senão o M e a r i m .
Na J o r n a d a d o M a r a n h ã o , o rio Itapicurú é tamhem denominado
M aranhão, «de que tudo alli toma o nome», segundo o autor escreveu em 1616.
145

substantivo que significa agua: — Maram-nhãma-y. Ainda


melhor, neste caso, por syncopa, poderá ser escripta M ara-
nhay, significando agua que corre despropositadamente.
Em um e em outro caso, a significação das palavras —
M aram -onhang-y e M aram -nhãna-y prende-se ás evoluções
da pororóca: a primeira, no momento do encontro das duas
aguas; a segunda, no momento em que a maré triumpha e
sobe com violência c estrondo rio-ácima.
Não é portanto nome portuguez, hespanhol, francez
ou latin o : é simplesmente um nome tupi, como Ciri-apoá
( pequeno carangueijo redondo), que por contracção ficou
Ciri-á, e depois Ciará, Parana-opuc (furo ou lingua de mar),
corrompido para Pernambuco, Piagui ( P iau h y ), Serigp ou
Serigy (S erg ip e), etc., etc.
Queremos mesmo crer que o nome Maranon, ainda
hoje dado nos mappas ao curso do Amazonas, desde qne
recebe as aguas dos rios Guallaga e Ucayale até á confluência
com o rio Javary, não tem relação alguma com o ja
mencionado appellido castelhano JMaranon. Certamente, os
indigenas daqnella região, cm sua lingua quichua, ou por
ventura mesmo na lingua tupi, que era a geral, denominavam
esse curso de agua com alguma palavra como M aram-onhang-y
ou M aram-nhãna-y, por causa dos redomoinhos e corre­
deiras ('*") ; e, dahi, servmdo-sc os hespanhoes do alpnabcto
ç q O conego 1'. I jkií .na ii ia n<) DK S o uza , ja citado, a proposito
do plicuomcno da p o r o r ó c a , longe do littoral, escreve: «Diz-se geialmento
q u e o impulso das aguas do rio, o a repulsão que softiem das do mai,
motiva a p o r o r ó c a . Entretanto numitesta-se também cila cm alguns rios e
em alguns lugares, onde c absolutamente nulla a influencia do mar, como
no rio Pants, na distancia de 690 milhas. » Talvez seja lucta com as
aguas dos montes: uao pódc ser a p o r o r ó c a vcidadeira.
Referindo-se ao rio R a m o s , cujo nome t u p i é U r a r i á , porque em
suas margens abunda o cipó a i r a r a , do qual é extraindo o veneno para
as flechas, diz: « A’ margem direita do R a m o s , no espaço que fica entre
a fóz do’ paraná de M a u d s c a do lago das G a r ç a s , observa-se no verão
uma especie de p o r o r ó c a , da qual até hoje se ignora a oiigem. Denuncia-se
o phenomeno por um entumecimento rapido na superficie da agua, e
somente naqucllc espaço e margem, o qual occasiona uma ondulação mais
140

das linguas americanas com os sons em castelhano, como os


francezes com os sons em francez (*), e assim do mesmo
modo os inglezes, os hollandezes, os italianos, os allemães,
os portuguezes, adoptariam os hespanhoes para aquelle curso
do rio, dentro do territorio do Perú, o mesmo nome local,
que, por corrupção, ficou Maranon, e, por homonymia, figura
como o de um capitão castelhano, seu supposto descobridor,
nunca porém mencionado por extenso e com todas as
qualidades.

ou menos forte, secundo a maior ou menor intensidade; e desapparece


com a mesma rapidez, deixando nas areias molhadas da praia o vestigio
da sua passagem.»
Assim, pois, é muito possivel que, mesmo nessa extensão do rio
Amazonas, ainda denominada M a r a n o n , no territorio do Perú, o nome
seja tirado de idêntico phenomeno naquella paragem.
E por que 6 assim denominado, não desde a sua origem no lago
H y a u r i c o c h a ou L a w cocha, mas somente após que tem sido passado o
canal P o n g o , e tem recebido as aguas dos rios C h in c h ip p é , C h a c h a p tias,
S . T h ia g o , M o r o n a , P a s t a z a , G u a l l a g a e U c a y a le ?
Se o nome M a r a n o n foi-lhe dado por causa da descoberta de sua
origem por um capitão hespanhol com esse nome, deveria ir até lá, ou
desde lá até á confluência do rio Javary.
Conseguintemente, o nome, applicado somente a uma certa extensão
do curso do rio, prova que assim já existia antes da descoberta do Brazil,
e não era senão a expressão de um phenomeno local, como o da a g u a
c o r r e n d o d e s p r o p o s ita d a m e n te OU c o rre n d o b r i g a n d o : em lingua t u p i , M a r a m -
o n h a n g OU M a r a m - n h ã n a .

(*)
Veja-se a orthographia com que o padre Ivo d’E vreux,
V i a g e m ao norte d o B r a z i l ,
escreve as palavras da lingua t u p i . Ao passo
que o portuguez escreve c u n h a , mulher, o francez escreve k u g n a n . As
linguas americanas, apenas falladas pelas respectivas nações, foram reduzidas
á escriptura phonetica pelos invasores; e, pois, cada qual as adaptou, pelo
que soavam as palavras, ao proprio idioma. De sorte que, por exemplo,
a lingua t u p i não parece a mesma, quando aprendida em grammatica e
livros escriptos por portuguez, hespanhol, italiano, francez, allemão, hol-
landez, inglez, etc.
Aquelle mesmo padre Ivo d’Evreux escreveu Ybuira-Pointan ,
« páu-brazil»; ao passo que os portuguezes o escrevem ibira-pitangá.
O general Couto Magalhães, O S e l v a g e m , II, 3, depois de
mostrar que o t u p i e o g u a r a n i são quasi a mesma lingua, patentêa a
differença entre o padre Luiz F igueira, portuguez, e o padre A. R.
Montoya, hespanhol, ao escreverem o vocabulário; e tal ó a differença,
que quem entende um, não entende o outro.
E isto não é uma conjectura (*). Os indigenas
não denominavam lugares e mesmo pessoas senão corn os
nomes das cousas e phenomenos naturaes existentes no seu
paiz; e sempre apropriadamente, segundo escrevem em geral
todos os missionários e historiadores. Os invasores, cujos
nomes lhes era difficil pronunciar, eram ordinariamente de­
nominados pela semelhança entre • o individuo e alguma caça
ou algum objecto, conforme á sua physionomia, genio ou
maneira de viver. Em summa, a denominação dada pelos
indigenas ás pessoas e ás cousas era sempre representativa
da pessoa ou da cousa denominada.
O nome Maranhão, não podendo ser senão a corrupção
de uma denominação tupi, não foi, portanto, transportado do
rio das Amazonas para a ilha de S. Luiz e para a respectiva
capitania. Já o nome M aram-onhang-y ou Maram-nhãma-y,
por syncopa— Maranhay, como a escreveu o padre J o ã o
T avares, lá existia antes de sua descoberta. Sem o y final,
o som de cada uma das palavras M aram-onhang ou M aram-
nhãma equivale ao do nome Maranhão. E, assim como os
gregos dispensavam em makhé-rhéo o agente agua, é possivel
que os selvagens pronunciassem somente qualquer daquellas
duas palavras tupis, identicamente compostas, sem o y final
que o padre J o ã o T avares julgou necessario. De qualquer
modo, o nome Maranhão tem a origem na lingua dos
indigenas. 0 mais não passa de uma lenda.

(*) J osé Gonçalves da F onseca, P r i m e i r a e x p l o r a ç ã o d o s rios


M a d e ira e G t i a p o r é em 174.9, menciona um riacho que desagua no rio
Madeira, com o nome M a r a n y , pouco antes de chegar á fóz do G i - p a r a n á .
Esse nome, pois, era dado a mais de um curso de agua pelos indigenas.
Um dos affluentes, que formam o rio Tocantins em suas nascentes,
traz também o nome M a r a n h ã o : sem duvida, é ainda corrupção de uma
idêntica denominação em lingua t a p i .
C A P IT U L O O IT A V O

MARANHÃO
Assim conduzidos saltámos cm
terra, onde se ajoelhou o sr. de Rasilly,
com os francezes, ]mra nos receberem ;
logo, foi entoado o Te-Dcum hm-
dirnuts conforme o cantico da Ivareja,
e assim caminhámos em procissão,
entre lagrimas de alegria de muitos
francezes, seguidos de indios.
Assim tomámos posse desta terra
e novo mundo para Jesus Christo, c
em seu nome: esperando abençoar o
lugar e plantar a Cruz, em dia que
fôr designado.
... Somente vos digo que no
domingo, 12 de Agosto (1612), dia
de Santa Clara, celebrámos todos
quatro as primeiras missas que aqui
se disseram.
(Carta do padre Aksk.ne de
P companheiro dos padres C laude
aui s ,
d’Auukyille. Ambrose d’Amiejns, e
Ivo d' K v k e e x , Superior.)

Com Christovam Colombo andaram cm explorações,


ao norte do Novo Mundo, Amcrico Vespneio e Vicente Vanes
Pinzon, bons pilotos ; e ambos conceberam o plano de
descobrimentos ao sul, sem talvez fazerem-se reciprocas
revelações.
150

Américo Vespucio, não tendo certamcntc sufficientes


recursos pecuniarios para uma expedição, pòz-se ao serviço
do hespanhol Alonso de Ilojeda, em 1 4 9 9 ; e, guiando a
expedição deste, conseguio tocar a costa, na fóz do rio Apody
(R io-G rande do N orte), cm fins de Junho daquelle anno,
correndo-a para o norte até o rio Amazonas, por não poder
então vencer as correntes para o sul.
\ icente \ anes Pinzon, na mesma idéa, unio-se a
Ayres Pinzon, seu parente (irm ão ou sobrinho); c, sendo
homens de fortuna, trataram de obter dos Reis de Castella
1). 1’ernando c 1). Isabel a necessaria licença, que lhes foi
concedida sob a clausula — de que não tocariam as terras
ja descobertas por ( olombo. Pm seguida, prepararam a
expedição, para a qual conseguiram quatro navios, segundo
assevera R obkrtsox , em sua Historia da America, livro I I ;
e outros historiadores e chronistas.
Pssa expedição zarpou do porto de Paios no dia 13
de Novembro de 1499. A primeira terra descoberta poi
elles no Novo Mundo foi um cabo, que então denominaram
da Consolarão (*). Desembarcando para reconhecimentos,
foram immediatamente atacados por tapuyas ou Índios do
lugar: isso todavia não impedio que escrevessem em troncos
de arvores o dia e o anuo dessa descoberta, bem como seus
nomes c os dos Reis ( atholicos supra-mencionados; o que
íeito, desde logo seguiram a costa para o norte, até que
encontraram a boca do grande rio Amazonas, que se lhes
afigurou um mar doce, e mais ao norte o rio Ovapock que
então tomou o nome de Vicente Yancs Pinzon.
Nesse ^ mesmo anno de 1500, um mez depois, veio
na mesma direcção, e correu também a costa para o norte
ate o rio Amazonas, o hespanhol Diogo de Lepe.
Mamfestamente, portanto, e sem embargo de contra-

(*) Como já foi exposto, Pinzon entendeu que esse cabo era o
que^lepo.s foi de.mmmado do S a n t o ArjoMnho. E’ mais crivei que esse cabo
íoss( entie o («urupy, na íoz do rio do mesmo nome, e o rio Amazonas-
e assim o entendem alguns, com bastante fundamento. ’
dictoies que contestam a esses exploradores hespanhoes a
foi tuna de haverem sido os primeiros a tocar portos na
costa brazilica ao snl do rio Amazonas, é certo que o depois
denominado Estado do ]\[aranhão foi descoberto mezes antes
que Pedro Alvares Cabral, por acaso, ou impellido por
correntes oceanicas que eram-lhe desconhecidas, houvesse
aportado ao lugar que clle mesmo então denominou Porto
Seguro, pelo abrigo que ahi encontrou. A descoberta de
Pcdio Alvares Cabral foi, sim, apenas o inicio da da parte
denominada posteriormente Estado do B razil; cabe-lhe, porém,
de direito a gloria do grande facto, como já foi dito.
Decorridos trinta annos, o primeiro explorador por-
tuguez que, desde a ilha de Itamaracá, navegou até a fóz
do «o Amazonas, foi Diogo Leite, mandado por Martim
Aftonso, cm duas caravelas, aos 19 de Fevereiro de 1531. (*)
Quando El-Rei D. Joao III resolveu colonisar as
terras do brazd, e dividiu-as em capitanias, d eju ro e herdade,
essa parte septentrional á de Itamaracá (**) foi doada, por
foial de 11 de Março de 1535, ao grande historiador João
de Barros, que associou-se em parçaria com Ayres da Cunha
e íe rn ã o Alvares de Andrade ( thesoureiro-mór do R eino),
para com cabedal maior realisar melhor a empreza. A
aunada, da qual era capitão-mor o mesmo soeio Ayres da
Cunha, foi de dez navios, com 900 homens, sendo 113 de
cavai lo ; e sahio de Lisboa cm 1539, gastando quatro annos
em preparativos Nessa expedição vieram dous filhos

(*) Nos antigos mappas a baliia formada pelo rio Tury-assú é


denominada — abra de Dkxjo Leite.
Cw) Esta capitania do Itamaracá começava no rio de Santa
Ci uz, ou da Soioa, ate a baliia da Irahiçao, na altura dc sois gráos.
Doutro _ da^ área dessa capitania ficava o rio Paralriba. E, pois, essa
capitania ó a actual provincia da Parabiba ; tendo, porém, perdido, para
a dc Pernambuco, sete a oito léguas ao sul, e, para a do Rio-Grande do
Norte, quatro a cinco ao norte.
. ) Ceuukdo, A n i m e s h isto ric o s d o E s t a d o d o M a r a n h ã o , e
outros historiadores dizem que a expedição zarpou de Lisboa em 1535, mal
entendendo certamente ao proprio donatario João de Barros, na Decada I
tí, 1, cuja referencia a 1535 limitou-se á d a t a da sociedade em parçaria
152 —

filhos do domitario (*). Infcli/monte o naufragio não per-


mittio que a expedição lograsse bom exito; conjecturando
varios ehronistas que alguns escaparam á morte, e que
misturaram-se com os iudios, produzindo uma nação de
tajanjas barbados, denominados Peros (**), sem duvida por
serem descendentes de algum Pedro. (***)

com Ayres da Cunha e teriião Alvaros do Andrade. S kvkri m n u F a i u a ,


escrevendo a vida do grande historiador, affirma que « os dez navios se
fizeram á vela no anuo de 1581):;. E assim deve ser crido; porque a
data do toral da doacao e 11 de Março de 1515, c, não sendo facil
naquelle tenqio aprestar armadas, tanto mais essa que foi considerada a
main)-, ('* natural quo alemus annos decorressem após 1580.
■1. 1'. I as no A. Apontamentos para a historio d o A l a r a n h ã o , 110
de Tinam, II. põe em duvida que a armada fosse realmente de dez
'cla>, e do tfitu homens, sendo 118 do cavallo. Argumenta com a expe­
dição de Nasco da («anui. a de (’hristovam Colombo, a de Fernan
( ortoz. a de 1'izzarro. e outras, e exclama: « E, se o braço real nunca foi
poderoso então para lazer abalar tam crescidas forças, como sel-o-iam tres
sinqilos particulares t .Mas todos os documentos confirmam aquella força.
H So«íitndo affirma Vau.miaukx, H i s t o r i o ( ie r o l do B r a z i l , XII,
os filhos de .Joao de Harms nao pereceram nesse naufragio; e voltaram
a companhia paterna. ■ I'.. teliz com cites na pobreza. fazia dahi em
t diante pmtostos de nao tundar mais vas esperanças em vir a sor rico e
assim resignou inteiramente toda a idea de ser senhor donatario no Brazil »
Segundo Yahnhaükx, H i s t o r i o Ge r o l do B r a z i l , XII, não lia
documento historico sobre esta tradição dos Peros no Maranhão! Mas
bastaria abrir a obra do padre Ivo n'Evniux, V i u «em a o n o r te d o B r a z i l
un li 1.) — 1(iil -I, lo, ]>ara Kt o que os t<tf>afaras allegaram aos francezes,
(jimndo da ilha toi avistada uma barca portugueza sob o commando
V , ‘ ai,llu S,i;l|,cs. accusando-os de mio terem cumprido a promessa de
detendel-os dos /Vn,-.-. tribu visinha com a qual estavam em guerra.
Iiils,am ,:" ul)OII‘ a,ll''r a obra de Si.mào E stacio da Smvrinv
y"'"" •/«* do Maranhão, 1(124, para lêr no numero’
(,>,a 11adiçao. ...............-scriptor em 1Ü1S ouvira mesmo no Maranhão
quando então la esteve. ’
( " ') -Mesmo adniittmdo esta tradição como explicativa da origen
V llil<Vm ' '" '/t”"'"-'-- é licito questionar — se eram descendente!
";l!‘ l:l'UOS ,la l' xj'l‘(ll<'';10 (l1' A.vi'es da. Cunha, ou da de Luiz de Melh
' ;! :1,}m'lla:- ,1," t'1 >»ai« <1™ o naufragio da. expediçãu
A' l(s <la ( linha, detrrnnna<la,uente na então desconhecida ilha qm
qepois ieconheccii-se ser Maranhão, ó producto de mera conjectura, e teu
sido assumpto de,, eontorversia , , historica
111,1 't ) 1I • Iasi S„a . ,
la A, Apontamentos paro
lust ono do Maranhão, I); ao passo que o lugar do naufraMo dr
....... . '"'CA1'' MUO ,1a Silva, l.aixos <lu ill,a „or cllc” L o -
nlKcida iie.s.sa occasiao, nao tem oferecido materia para duvida séria.
153

Após essa expedição, e por desistência que João de


Barros fizera da capitania, a doação foi transferida para
ímiz de Mello da Silva, filho do alcaide-mór de Idlvas,
embora ajudando-o Jil-Hei com tres navios e duas caravelas.
O novo donatario, com a sua expedição, saliio de Lishòa em
l o 5 4 (*); mas, foi eguahncntc infeliz, porque já no fim da
viagem, naufragou nos baixos dos A tins ou ( oròa-grandc, ao
entrar na bahia que a ilba, posteriormente denominada
S. Luiz ('‘-í") pelos
L
francezcs, oflerecia aos navegantes.
o

Desta segunda expedição, salvou-se só uma das


caravelas, em que Luiz de Mello e outros puderam voltar a
Portugal. Nao obstante, sempre firme no proposito de povoar
a sua capitania, seguio para a índia a fim de ajuntar capitaes
sufficientes para tamanho em prehenduneuto; e, de facto,
quando de la voltava em 1 573 na náu S. Francisco, soffreu
naufragio definitivo, nao escapando a esse desastre pessoa
alguma.
Depois de Luiz de Mello, nunca mais foi tentado
por portuguezes o descobrimento dessa região; sendo, porém,
provável que essas costas brazilicas fossem percorridas por
contrabandistas de páu-brazil, espcciahnente francezcs.
Com a perseguição que os francezcs soffrcram, 1583 —
1585, na capitania da Parahiba, onde se haviam alliado
os indios Potiguares para hostilisarem aos portuguezes,
viram-se forçados a queimar alguns de seus navios carregados

(*) Vaumi .uuun, commentarios ao R o teiro do B r a z il , por Gaiuuul


S oais ks.
( I+J A denominação do S. Luiz, attribuida pelo padre Ci,audio
d’Aisisuviu.k aos francezcs quando em 11)12 se assenhorearam da ilha, tem
sido contestada como dada em 1554— 1555 pelo donatario Luiz de Mello,
seu descobridor, segundo o aftirmam varios chronistas.
A ilha era conhecida pelos portuguezes, antes de a retomarem
aos francezcs, por I l h a d o s T o p i n a m b á s , por causa do gentio que lá habitava.
Os indigenas a denominavam — Caá-apuóm-assú.
Alguns cosmographos a intitulavam — I l h a d o F erro , pela grande
abundanda c optima qualidade deste mineral que lá existe.
154 —

fle contrabando, e a rccmbarcarem em outros com destino á


tran ça. A hi chegados, foi resolvida uma nova expedição á
Parahiba; tanto mais que os selvagens em geral eram
muito affeiçoados aos francezes.
Com effeito, foi formada em Dieppe a nova expedição,
e dc seu commando foi encarregado Jacques Riffault. Depois
fie percorrer a costa, durante algum tempo, com tres navios
bem equipados, vio-sc obrigado de um forte temporal a
aiiihar a uma ilha, ja com a perda do melhor daquelíes
navios. t.ra a ilha do Maranhão, ate então buscada pelos
poi tuguozes, mas ainda nao possuída e pisada por ellcs.
Contrastes da vida! Dous naufrágios haviam afastado
os poituguczes; um temporal levou la os francezes, mon­
tados no seu 1os ao nr. ou ao, á imitação dc Pliryxo, da
mythologia. Nao duraram, porem, muito naquclla terra;
porque, no decurso de cerca de vinte annos, 1 5 9 4 — 1614,
o chefe da colonia fraiiceza, já então por conta do governo
de tran ça, vio a ilha invadida c tomada por Jeronymo dc
lbuquerque e Diogo de Campos Moreno, representando
verdadeiramente, por sua vez, o papel dos Argonautas. A quelle
chefe era Daniel de la Touche, senhor de la Ravardière, hábil
official fD marinha real, commissionado, ao principio, pelo
Kei Henrique IV, e depois, quando de novo voltou de
tran ça, autorisado pela Rainha Regente, a qual, para mais
honrar a expedição, fez o donativo de um pavilhão, com a
expressiva divisa: T anti dnx fannina fa c ti
A historia dessa enorme lucta pode ser lida minu-
ciosamentc em B ,
e rAnnaes historicos do Estado do
r e d o

Maranhuo; e, melhor ainda, no primitivo documento, que ó


a Jornada do Maranhão por ordem de Sua Magestade feita
no anuo de 1014. (*) J

TTne i • ^ 11J controversia acerca da autoria da Jornada do Maranhão


I ns dizem que foi cscnptapelo proprio Jcronvmo de Albuquerque Outros"
fjuo o fo, por Piogo de Campos Moreno, sen c o m p a n h e T ia cimo cão’
salada dc Pernambuco para a conquista
conquist; do Maranhão. " Ç ’
Diogo de Campos era capitão c sargento-mór do Estado do
155

A verdade é que os portuguezes resgataram o Ma­


ranhão e a ilha do mesmo nome, graças a Deus, e mediante
o valor dos dons já referidos capitães. Os francezes tinham
na ilha um pessoal da primeira ordem, de nobres (*) e de
outros homens distinctos; e, por muito amados dos indigenas,
julgaram para sempre segura a preza. Afinal, cm 1615,
veio dc Lisboa á ilha do Maranhão Alexandre de Moura
para que, considerando rotos os tratados feitos por Jcronymo
de Albuquerque com Daniel de la Touche, expulsasse defi­
nitivamente os francezes; o, de facto, entrando Alexandre de
Aloura na baliia, ja então de S. J.ttiz, cm L° dc Novembro,
o chefe francoz, por causa do desanimo de seus commandados,
vio-sc forçado, no dia seguinte, a propor c assignar uma
capitulação, entregando tudo sem indemnisação de nenhuma
especie, ainda que, pelo tratado anterior com Jcronymo de
Albuquerque, este se obrigara a pagar-lhe toda a artilharia
que deixasse nos fortes.
Antes, porém, de irem ao Alaranhão Jcronymo de
Albuquerque c Diogo de Campos Moreno, já a pó haviam
seguido de Pernambuco para lá os padres Francisco Pinto e
Luiz Figueira, apenas acompanhados de alguns indigenas
domesticados. O primeiro foi martyrisado na serra de
Ibiapaba, aos 11 de Janeiro de 1 6 0 8 ; não permittindo Deus
que chegasse ao seu destino, bem como o segundo que
voltou a recolher-se ao seu Collegio na Bahia. (**)
Por outro lado, o governo cm Lisboa havia expedido
a carta régia dc 8 de Outubro de 1612, com a promessa
Brazil. Acompanhou a Jcronymo do Albuquerque, com as honras e
vantagens do seu posto, e também as dc seu adjunto e collateral, segundo
a declaração do governador Gaspar dc Souza na patente que lhe passou
em Olinda aos 30 dc Julho de 1614.
(*) Um dos mais notáveis era o almirante Francisco Rasilly,
cavalheiro da Ordem de S. João.
(**) Em 1622 o padre Luiz Figueira acompanhou, de Pernam­
buco para o Maranhão, o capitão-mór nomeado para esta capitania. Logo
depois, teve dc sustentar lucta renhida com os que eseravisavam os indi­
genas, como adiante diremos. Morreu em um naufragio, ao chegar ao
P ará, em fim dc Junho dc 1643.
1ÕG

dc prêmios a quem fizesse a descoberta e conquista das


terras do Maranhão. As instrucções foram dadas, com a
data de 9 do mesmo mez, ao decimo governador geral, para
isso eommissionado amplamente, Gaspar de Souza.
O primeiro governador da capitania do Maranhão foi
o ja mencionado Jeronymo de Albuquerque, sob o titulo de
c;i])itao-mor da conquista e do descobrimento das terras do
Maranha o. bile mesmo accresccntou por enthusiasmo o
appellido Maranhão, (piando sellou com sua assignatura a
ca pi 111la <a o proposta por Daniel de la Touche, senhor dc la
liavardiere. F podia-o lazer, por ser de direito c de facto
o restaurador dessa capitania. Governou, porém, somente
dons annos e alguns dias; pois que falleccu em 11 de
fevereiro de 1(>1S. Irra pernambucano, nascido em Olinda,
•^eu pae era o capitao .Jeronymo de Albuquerque; e sua
111:1(1 ;l tatha Maria do Tspirito-Santo, filha do maioral
conhecido por A r c o - \\}rde. (*)
Morrendo, ainda teve tempo para nomear seu filho
Antonio de Albuquerque, a fim de substituil-o no governo
da capitania. Infelizinente, Bento Maciel Parente, que foi
depois tao fatal ao Maranhão, creou-lhe serios embaraços ;
de soi te que o governador vio-se obrigado a remettel-o preso
P,U<1 t ernambuco, onde, apos explicações, conseguio ser solto.
Antomo de Albuquerque governou somente quatorze mezes,
ate (! de Abril de 1 G 19.

Seguio-se o governo de Domingos da Costa Machado;


0 nr" ) l,/ ,*sou (1(> «lia 20 de Abril de 1G22. Foi durante
('sta administração que ao Maranhão aportou um navio com
quarenta famílias de portuguezes açorianos ; em execução
de um contracto entre a coròa e o provedor-mór Antonio
r crreira Bittancourt. Já anteriormente havia chegado outro
navio, por conta de Jorge de Temos Bittancourt, a quem

Çj f i'rã-ubii, arco-verde.
1)0 :,01'o".vi»0 de Albuquerque descende a conhecida familia, de
Alagnas an Jí.o-õrandc do Aurte, A l h r ^ c r ^ e M urche,
— 157 —

lora promettida am a commenda do 4001000, se a essa


capitania levasse duzentos casaes:— o que cumprio em tres
viagens, merecendo a commenda promettida, e vindo ellc
proprio residir no Maranhão.
Após, veio o governo de Antonio Muniz Barreiros,
1622 1624. Com ellc viera de Pernambuco o padre
jcsuita Luiz Figueira (o companheiro de Francisco Pinto,
m artyrisado na serra de Ib iap ab a); e o capitão-mór trazia
a recommend ação expressa « de se aconselhar, nas materias
mais graves, com o padre Luiz Figueira, de tantas letras
como virtudes ».
Ao principio, o padre Luiz Figueira teve necessidade
de arcar com os que eseravisavam indios; c esses taes não
duvidaram exigir do capitão-mór a expulsão dos padres da
Companhia de Jesus em prazo brevissimo. O padre Luiz
Figueira, porém, respondeu que, « firme em sua vocação de
pregar o Evangelho entre os indios, só aos pedaços deixaria
sua missão ». Afinal, a esforços do capitão-mór, os padres
da Companhia obrigaram-se a não intrometter-sc cm governar
os indios domésticos. (*)
Este capitão-mór cumprio a obrigação que seu pae
contrahira de fundar nesta capitania dons engenhos de
assucar. E fundou-os á margem do rio 1tapicurú (**). Pela
escolha do local, sustentou pleito com Antonio de Albuquerque
Maranhão, ex-governador, cujos herdeiros afinal o venceram.
Estas quatro administrações, em verdade, foram paci­
ficas, e proveitosas á capitania. E, além da ilha, não haviam
sido até então explorados, nas proximidades de sua fóz,
senão os rios Meary, Pindaré e Itapicurú. Todo o resto da
capitania continuava sob a sujeição dos chefes selvagens.

(*) O padre Luiz FiunauA é o autor da afamada G ra m m a tica


d a U n g iu i ttrjii.

(**)
Lemos uma controvérsia — se sc deve escrever I t a p i c u r v ,
OU I t a p a c u r á , OU T a h u c u r á , CtC. Pensamos lião valer a
OU I t a p e c n r ú ,
pena essa disputa.
158 —

Entretanto, querendo o governo da metropole dar


maior força e desenvolvimento á administração da parte
septentrional do Brazil, clevou-a cá cathegoria de Estado, por
carta régia de 13 de Junho de 1621; comprehendidas no
Estado do Maranhão a capitania deste nome e a do
Gram-Pará. Não foi porém, installado senão em 3 de
Setembro de 1624: porque o primeiro governador geral
nomeado, D. Diogo de Careamo, fidalgo liespanliol, natu-
ralisado portuguez, não aceitara o cargo; e o segundo,
Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho, fidalgo da
casa
,
real, não
.
sahio de Eis Ima senão em 25 de Março o
de 1624, c ainda demorou-se algum tempo em Pernambuco,
e depois no Ceará. (*)
Este primeiro governador geral reformou muitos abusos;
e, apus a expulsão dos hollandezes, inglezes e francezcs,
entrincheirados no rio Gurupá e cm outros braços mais do
1,0 Amazonas, 1(>23, tomou desde logo todas as providencias
fiara reforçar a defesa da cidade de 8. Luiz contra quaesquer
assaltos daquelles estrangeiros, mandando também reconstruir
de pedra e cal o forte de S. Filippe, mais conhecido por
Ealnarte.

Esta administração, antes de findar o seu tempo


por morte do governador (1 5 de Setembro de 1636 ),
reiterou a prohibição das famigeradas tropas de resgate, e
conseguio fazer expellir da ilha dos Tocujús, na capitania
do Gram-Para, os corsários hollandezes e francezcs que
haviam voltado a entreter commercio com os indios.

( orno justo epitaphio, basta transcrever as palavras do


padre José „ e M o r a e s , Historia da Companhia de Jesus na
cwtuicta província do Maranhão e P ará: «Muitos foram os
que sentiram a sua morte; porém, mais que todos, o padre
figueira, porque via que interessava na sua vida a Chris-
tamuule c nova rcclucçao do gcntilismo. »

(' l A n iu u :* f o r i c a s ,1o F s f a ã o ,1o M a r a n h ã o , § 525


. 1 c u Ct.ua ja entao pertencia ao governo cia capitania do Maranhão
— 159 —

Sem governo, o povo tratou de eleger um governador.


A eleição coube a Jacome Raymundo de Noronha, fidalgo
da casa real, então provcdor-mór no Estado do M aranhão;
tendo sido capitao-mór cm Gram-Pará. A origem legitima
deste governo é contestada por varios chronistas; mas a
veidade é que o Estado não podia estar sem administração
superior aos capitães-mórcs das capitanias dependentes. Teve
este governador geral interino necessidade de dcbellar, me­
diante degredo, alguns cabeças de uma conjuração abortada.
Ao findar sua administração, ouvindo de dous frades leigos
a narração de uma viagem que haviam feito pelo rio
Amazonas, desde Quito, resolveu executar ordens recebidas
anteriormente para essa exploração rio acima, e deu ao
capitão Pedro ieixeira, vencedor dos hollandezes e francezcs
na ilha dos locujus, tao importante e arriscada commissão.
Infelizmente, em 27 de Janeiro de 1638, teve por
successor Bento Maciel Parente, já conhecido desde o governo
de Jeronymo de Albuquerque. Por ordem do governo da
metropole, o novo governador fez abrir devassa sobre a
eleição de Jacome Raymundo de N oronha; cujo governo foi,
por isso, declarado illegitimo, em sentença do juiz syndicante
de 10 de Abril de 1638, reformada depois em sentido
contrario pelo tribunal superior. Durante a sua administração,
voltou de Quito, pelo rio Amazonas, a expedição commandada
pelo capitão Pedro Teixeira; e vale a pena lèr a descripção
que dessa heroica c feliz exploração fez B erredo , em sua
obra Annae s historicos do Estado do AIar an hão, §§ 679 até
744, — descripção que, reproduzida aqui, estaria fóra do
plano deste pequeno livro. Basta dizer que aquella expedição
ó uma pagina gloriosa da historia do Brazil. E os hespanhoes
em Quito por tal a honraram com attenções extraordinarias
e obséquios de mór valia. (*)

(*) O padre J o s é d e M o r a e s , H i s t o r i a d a C o m p a n h ia , d e J e s u s
na e-vt i n c t a p r o v i n c i a d o M a r a n h ã o c H a r d , depois do applaud ir a eleição
dc Jacome de Noronha, accresccnta: « E quando sc não contasse outro
entre os acertos do seu governo, bastaria a resolução e providencia com
que deu fim ao descobrimento do famoso rio das Amazonas, nomeando
1GO

Sc a administração de Bento Maciel Parente teve a


fortuna de vòr a volta da expedição do capitão Pedro
1eixeira, enviada a (luito pelo seu illegitimo antecessor,
coube-lhe, por contrapeso, a desgraça de assistir covardemente
a invasão liollaudeza na cidade de S. Luiz.

Desde 1 G24, por estarem Portugal e suas colonias


sob O dominio dos Pilippes, de Iíespanha, a Ilollanda
intentara arrancar aos portuguezes a parte septentrional do
Brazil, desde a cidade da Bahia.

da em 1 6 2 6 — 1 024, a capitania do G ram -Pará e


a t cara viram-se infestadas e assaltadas de hollandczes.
1 oi(‘in, o capitao-mor do Maranhao, Antonio Muniz Barreiros,
e depois o primeiro governador geral do Estado do Maranhão,
* ()<db<> de ( arvalho, conseguiram e\pulsal-os. Mais tarde,
(>m D*--!*, chegando novos avisos á cidade de S. Luiz do
Maianhao, de <jue, em varios braços do rio Amazonas,
andavam estrangeiros, e <pie até haviam levantado um forte
na ilha dos Torujiis, o capitão-mér Pedro Teixeira, acorn-
] tanhado do capitão Pedro da Costa Favella, lá foi, e
debellou-os.

•Mas, o verdadeiro primeiro assalto, com caracter de


hostuidade official, havia sido o de 8 de Maio de 1624 na
v:,la,!r : la ,,,ahia- Kni alli Sovmmdor geral do Estado do
Lrazd Diogo de Mendonça Furtado. No dia 0, ao amanhecer,
penetraram a barra trinta e tres navios hollandczes; e os
h>rt,rs responderam á aggrcssão. A cidade, afinal, foi tomada,
1’°' n n an lla (I(,S <l"e a deviam defender. O governador geral
proso foi reinettido para a Ilollanda; onde logrou ser solto
H0 d,a (I° Novembro de 1626. Não durou, porém,

l»ara olle a um tão in s iro e afortunado calm, corno o canitão IV lm


l<axei,a: gne dando ]>rin<*i])io a saa coimuissão cm Outubío dc 1637

castelhanos, Iíehgio.sos da Companhia. os padres" Christovd do Acufia'e


A Hire de Art.oda, com mais dons If o liU o s de Nossa Scníion das
• ' <iue íoiam os que deram principio á sua fundação neste Estudo.^
161

muito tempo na Bahia o dominio hollandez; porque, no


dia 22 de Março de 1625, apresentou-se á barra a esquadra
commandada pelo almirante hespauhol D. Eadriquc de Toledo.
A esquadra compunlia-sc de ciucoenta c dous navios de
guerra, dos quaes vinte e dous de Portugal, vinte e seis de
Ifespanlia, c quatro de Nápoles; sem contar os innumeros
transportes, em que vieram doze mil quinhentos e sessenta
e tres homens, cujos eram portuguezes somente quatro mil,
c onde eia tanta a nobreza p') que, mesmo nas expedições
de 1). Joao I a Ceuta c de 1). Sebastião a Tanger, não
houve exemplo de pessoal tao luzido em nascimento, lleco-
nheceudo os inimigos que a lucta era muito desegual,
capitularam no dia l.° de Maio; dando-se-lhes apenas
embarcações com mantimentos para tries mezes e meio, e as
armas necessarias para defesa.

Decorridas tres semanas, estiveram á vista da cidade


da Bahia outros trinta e quatro navios hollandezes, sob o
commando do almirante liendriksoon; mas, sabendo da
capitulação, c receiando o combate, velejou para o norte,
passou em frente da cidade de Pernambuco, e, não podendo
aportar na barra do rio Parahiba por causa de grande
temporal, foi abrigar-se na espaçosa bahia da Trahição.
Sabendo abi que de Pernambuco seguia uma expedição
para desalojal-os do littoral occupado, levantaram ferro em
l.° de Agosto. Psta infeliz expedição era portadora da
proclamaçao dos Estados Geraes da Iíollanda aos jiovos do
Bi •azil, promettendo « tolerância religiosa, liberdade de com­
mercio, segurança de propriedade e outras garantias » aos
que sc submettessem.

(*) Nesta armada vieram tres irmãos Rendon: D. João Matheos


Rendon, D. Francisco Rendou de Quebedo, e D. Pedro Matheus Rendou
Cabeça dc Vacca. O outro, I). José, veio depois.
Preferiram ficar no Brazil; c por isso não voltaram com a
armada. Depois cie algum tempo, mudaram-se para S. Paulo, onde os
dous primeiros casaram-se com duas filhas de Amador Bueno de Ribeira.
Vôr adiante a genealogia, Linha A, V c VI.
— 162 —

Novo assalto soffreu a cidade da Bahia, em Março


de 1 6 2 /, por uma esquadra ao mando do almirante hollandez
I iet I lc y n ; e, tomando-a, com grandes despojos, inclusive
ties mil caixas de assucar, velejou com a esquadra para o
sul ate Cabo brio, de onde, depois de fazer aguada em um
porto visinlio, voltou a. Bahia em 10 de Junho. Recolheu-se
a Ilollanda, sahindo para la no dia 14 de Julho; não sem
ter ainda causado enormes damnos.

A11i chegando, foi resolvida nova expedição; não


mais, porem, para a Bahia, já recentemente tão devastada,
m as para a cidade do Recife, capital da capitania de
I ernambiico, que, alem de produzir sessenta mil ducados, e
as especiarias, estava mais proxima da Europa. E isto foi
previr mente sabido em Madrid e em Lisboa, por avisos que
portuguezes patriotas mandaram; mas o governo da metropole
nao quiz ou nao ponde desde logo providenciar. Com effeito,
em 14 de Fevereiro de 1630, a armada hollandeza, composta
' c (‘llu‘oenta e seis navios, c já esperada por aviso vindo
do archipelago de Cabo-Verde, mostrou-se á vista. Seu chefe
eia Henrique Cornelis Loncq. O desembarque foi realizado
ao^ norte da villa ^ de Olinda, nas praias chamadas do
J au-amareUo, por Theodoro W cerdenburgh, general em chefe
das forças de terra.

Com a noticia de que o governo de Madrid cuidava


em enviar a I erna.nbuco e á Bahia outra armada, os hol-
landczes fizeram sahir, em 16.31, nova esquadra, ás ordens
do almirante Adrian Janssen Pater. A esquadra hollandeza
chegou a Pernambuco, antes da hespanhola-portugueza, que
vmha sob o commando do almirante I). Antonio de Oquendo.
Aon 13 de Julho, chegava Oquendo á B ahia; e, aos 18 de
Agosto, Adrian Pater saliio de Pernambuco para atacal-o,
pois quo Oquendo para la seguira, a deixar os soccorros na
Baii a-Grande. As duas esquadras encontraram-se, a final,
no dm 12 de Setembro: e foi um formidável combate, no
a to mar, que durou desde as oito horas da manhã ás
quatro da ta rd e ; acabando pelo incendio da capitánea
— 163

hoi land cza (*), depois de mettidos a pique, de lado a lado,


vaiios navios, e da perda dc ccrca de mil homens.
Scm embargo, os hollandezes, com successivas expe­
dições e reforços, conseguiram apoderar-se do littoral, desde
Alagoas até a cidade do Maranhão, na cpoclia de 1632—■
1662, sendo ponto principal a cidade do Recife. Ainda a
cidade da Bahia e o rcconcavo, 1638, foram dc novo
atacados, bloqueiados, e tomados de assalto por elles; porém,
logo apos, o conde de Nassau foi forçado a retirar suas
forças para o Recite, muito vexado por ter encontrado maior
resistência do que esperava.
Mas, no decurso da cpoclia 1 62-1— 1 662, a campanha
mais memorável, conforme os ehronistas, foi a do Maranhão,
pelas circumstandas especiaes que a determinaram c dirigiram.
Os hollandezes alli estiveram apenas desde 25 de Novembro
dc 1641 a 28 dc levereiro de 1644. Boi, porém, essa
lucta, entre portuguezes-brazileiros e os hollandezes, um
verdadeiro duello dc morte, durante todo aquelle tem po.' A
esquadra inimiga, que apoderára-sc do porto e da cidade,
era composta de treze navios de guerra, tres bergantins e
mais tres barcos menores. O vice-almirante, que a eom-
mandava, era L ich th ard t; e não só a armada, como também
o exercito de desembarque, estavam sob a direcção de Pedro
Bas, conselheiro politico. O governador Bento Maciel Parente,
alias valoroso em outras occasiões, tomou-se então de estranho
pavor, cogitando antes em salvar, por negociações com o
invasor, suas propriedades c haveres, do que cm defender os
interesses nobilissimos da patria. Mas, por castigo do Céu,
foi elle preso pelos invasores, e remettido para Pernam buco;
até abi não chegando, porque, conduzido por terra do Rio-
Grande do Norte em diante, falleceu em caminho. Outros
dizem que não passou do forte dc Potengy, no Rio-Grande.

(*) Do almirante Adrian Pator conta a historia que, quando


vio incendiada a sua capitanoa, preferindo a morte nas aguas a morrer
nas cliannnas, envolveu-se no estandarte da Ilollanda, e, atirando-se ao
mar, exclamara: « 0 oceano é a sepultura de um almirante bátavo. »
— 16 4 —

Felizmente, cm fins cle 1641 liouvc o piano do unia


insurreição "oral, do combinação com os indigenas, tendo por
o O 7 ° ^

chefes Antonio Muniz Barreiros, ex-eapitão-mor ( 1 6 2 2


1625 ), e Antonio Teixeira de Mello, ambos ricos senhores
cie engenho, á margem do rio Itapicuru. (*)
() plano, porém, não começou a ter execução senão
em 1642; sendo confiado o commando ao sobredito Antonio
Muniz Barreiros, que, por isso, desde 30 de Setembro, como
chefe dos conspiradores, assumio pela segunda vez o cargo
de capitão-mor ( J 6 4 2 — 1643). Na noite desse mesmo dia,
foram a um tempo sorprendidas e feitas prisioneiras ou
degoladas as guarnições dos cinco engenhos: c de madrugada
se foram todos reunir diante do forte do C alvario, no mesmo
rio Itapicurii, para também sorprcndcl-o, como de facto
aconteceu, aprisionando primeiramente o seu commandante,
que dormia, segundo costumava, em uma casa fóra do forte,
e em seguida apoderando-se deste, mediante a morte de
sentinellas.
Os sublevados passaram sem demora á ilha, acorn-
mettendo e levando á degola a primeira guarda inimiga que
encontraram ; e assentaram seu acampamento a tres léguas
distante da cidade, com avançadas junto do rio Coty (**).

(* ) f) padre José ni-; M ohaks , H i s t o r i a <la C o m p a n h i a d e J e s u s


na e.rtia c ta p r o r i a ria do M aranhão e J h i r t í , II, ,r), attribue a origeill
desse plano ao padre Lopo do Couto, então Superior da missão, por causa
« dos repetidos sacrilégios dos templos, espalhadas com ignominia as pedras
do santuario, chorando as mesmas ruas por serem caminho de iniquidade,
sem que por cilas pisassem já os catholicos para virem ás solemnidades
da egreja e oftieios divinos, com medo dos hereges ». Em verdade,
Antonio Muniz Barreiros era seu sobrinho; c certamente não tomaria a
attitude de chefe da sublevação, se não ouvira a seu tio, Superior da
missão, c portanto com muitos elementos para o auxiliar effieazinente.
Com effeito, o padre Lopo do Couto, voltando de uma visita ás aldêas,
« buscou seu sobrinho Antonio Muniz, a quem, no maior silencio da noite,
communicou só por só o acerto, conveniências e meios de uma tão gloriosa
acção: e, approvando-a Antonio Muniz, se obrigou a communicar este negocio
com os demais bons patricios, de cuja fidelidade tinha ellc cabal conhe­
cimento (pie ajudariam a empreza, ainda com risco das proprias vidas».
(**) Ib Liaz DK M exkzks, conde da Ericeira, P o r t a g e d r e s t a u r a d o ,
I, referindo-se a este feito d’armas, escreveu que Muniz não logrou
165

No dia seguinte, veio o inimigo; mas Muniz Barreiros deliberou


ir ao seu encontro, armando-lhe junto a esse rio uma cilada,
onde fosse menos esperada. O exito da estratégia foi pleno,
não escapando senão seis soldados hollandezcs; pois que
até seu connnandantc foi morto.
Com esta victoria, que forneceu aos sublevados armas
e munições,
j Muniz Barreiros sitiou a cidade; semiiram-se
O
os tiroteios e assaltos proprios dos assédios. Pelo que foi
até então, com a rapidez das marchas e evoluções, essa
campanha seria digna de um Julio Cesar ou de um
Napolcão.
Não alcançou, porém, Muniz Carreiros ver concluida a
restauração do M aranhão; pois que, ferido em combate,
falleceu no dia 16 de Janeiro de 1<>43 (*), ainda que com
a satisfação de ter ouvido as acclamaçõcs da victoria do dia
15, — victoria tanto mais notável quanto já os hollandezes
estavam reforçados com o grande contingente de tropa vinda
dc Pernambuco sob o commando do tenente-coronel Henderson.
Todavia, Antonio Muniz Barreiros foi censurado por
não ter atacado, no dia 6 desse mesmo inez de Janeiro, as
posições inimigas na ilha c cidade, logo que vio-se soccorrido
das tropas chegadas do Pará sob o commando do capitão

completar o seu plano cie sorpresas, « porque um n e g ro , que fugio cia terra
firme, cie tudo o que nella havia acontecido dou aviso na cidade ».
O padre Josr; dk Mouaks, H i s t o r i a ifa C o m p a n h i a d e J e s u s n a
e x t i n c t a p r o v i n d a d o M a r a n h ã o e P a r á , T I , 6, porem, escreveu: « porque 11111
mi st iç o , que escapou a nado do conHicto, levou á fortaleza da cidade a
triste nova daquella fatal derrota ».
Frei Josr; nu S anta Tiikrkza, Tstoria deite g u e r r a del regno del
B ra sile, escreveu que esse fugitivo era u n M o r o (mouro).
(*) Y arniiaokn, H i s t o r i a G e r a l d o B r a z ' d , XXX, sustenta que.
Muniz Barreiros foi ferido nesse combate. Eis o que clle, de certo
por informações, escreveu : « Aid se detenderam os maranhenses energica­
mente, de modo que obrigaram os hollandezcs a retirar-se, com perda de
não poucos mortos e de sessenta a setenta feridos. A perda da nossa
parte foi proporcionalmcnte mais pequena cm numero; mas muito maior
moralmente, porque nesta heróica defesa succumbio o capitão-mór Antonio
Muniz, i
— 166

Pedro da Costa Favella e de outros dous. Entendiam


os criticos que os liollandezcs teriam immodiatamente
capitulado (*'). Não obstante, só o commandantc estava
habilitado a conhecer os elementos com que teria de operar,
a hm de não ser victima de precipitações. Também Quinto
Fabio Maximo, cognominado Cunctator, foi accusatio de tem -
porisações em frente de Annibal; mas, factos posteriores
provaram (pie o famoso general romano bem manobrara.
( )s sublevados, entretanto, precisavam de outro chefe
para substituir o fallecido; e, pois, assumi o o commando o
outro senhor do engenho, Antonio Teixeira de Mello (**).
Após alguns dias de muda expectativa, retirou-se na noite
de ü ."», com a força sublevada, para uma posição bastante
forte, alem de um desfiladeiro tão estreito que não podia
passar por tdle mais que um homem de cada vez, ás
cabeceiras do rio Cotim, onde seu antecessor havia conse­
guido a primeira victoria . F, nessa posição, os hollandczes,
que ousaram pretender passar o desfiladeiro no dia 26,
foram todos mortos.
Em hem nutrida lucta de guerrilhas entreteve-se
Teixeira de Mello durante tres m ezes; ató que embarcou
para lapuy-tapera (A lcan tara) no dia 2 de Maio, a esperar
soccorros pedidos ao governo da capitania do G ram -Pará.

( I 1 a ismi ao K.v, barão do Porto-Seguro, depois visconde do


nicsiiio 1it ido. Os / l n l l ,n u l r : e s n o Jirazil dem Je ltj'2 -í a 1G Õ 4.
( ) () padre José nr, Moraks, obra citada, II, 7, não dá
Antonio .Muniz barreiros como ferido em c o m b a te , mas «muito debilitado
de loreas a violência de agudas febres»; accrescentando que, «rendido
nilimaiiiente a valentia do mesmo achaque, caldo gravemente enfermo,
nomeando logo para fazer as suas vezes ao sargento-mór Antonio Teixeira
de Mello .
() animo de Muniz líarreiros não se abateu; ao contrario,
- recebidos todos os sacramentos, chamou então os principaes cabos
daquella illustre restauração, expondo-lhes brevemente as conveniências
que a todos resultavam de seguir c concluir aquella guerra, e recom-
mendando-lbes a prompta e leal obediência ao seu novo general». « Com
a. valentia do soldado soube também ajuntar a piedade christã com que
morreu. »
E, com esses soccorros, eis que chegados, passou-se de novo
para a ilha; onde, de victoria em victoria, nos successivos
(om cues de guenillias e de sorpresas, assignou por fronteiras
aos audazes invasoresos estreitos recintos da cidade e
fortaleza, de sorte que nem um só saliia, mesmo á pouca
<istancia, que subito não caliisse morto pelos indios ou pelas
partidas patrioticas que infestavam os arredores.
Nesta situação impossível, esperando embalde auxilies
que não appareciam, c já escassos de todos os recursos, os
liollandezes julgaram de melhor conselho fazer a retirada,
encravando toda a artilharia do fórte, e (unbarcando em
dons chavécos velhos, no dia 2 8 de Fevereiro de 1 G 4 4 ,
com destino ao Ceara, onde desembarcaram, para scouirem
todos por terra até o Rio-Grande. (*)
Continuou entretanto Antonio Teixeira de Mello com
o govcino até 1 7 de Junho de 1G 46, para entregal-o só
então ao sargento-mór Francisco (Joelho de Carvalho, no­
meado governador e capitão-general do Estado do Maranhão;
visto como Pedro de Albuquerque, pernambucano, fidalgo da
casa real, antecessor de Coelho de Carvalho, havia falíeeido
no Para em 3 0 de Janeiro de 1 6 4 4 , poucos dias antes da
restauração do Estado. (**)

C) O j a icteiido t). Lriz dm Mmnkzks, condo da Ericcira, obra


citada, II, enumera os desastres que os liollandezes softVoram dos índios
do amociin, no ( earn, por os terem abandonado sem a minima explicação.
1)0 volta ao ril) Gaiiiociin, foram tomando de surpresa os fortes dos
liollandezes c degolando as guarnições; c marcharam em seguida para a
J ortale: a do Geará (lio.je a capital), que sotfrou egual sorte. Immediata-
ínonte mandaram ao Maranhao um expresso, para dar a lioa noticia; c
Antonio Teixeira de IMello apressou-se a enviar para lá as precisas
guarnições.
P senador PoMIMír, E n s a i o e s t a t í s t i c o d a j i r o r i n c i a , d o C e a r á , II,
parece têr-sc enganado quando dá Teixeira de Mello como indo para o
Geara como eapitão-inór.
C*) Este Pedro de Albuquerque cobrira-se de gloria em Per­
nambuco, defendendo contra os liollandezes, na madrugada de 7 de Fevereiro
de 16:53, o reducto do Pio Formoso. A defesa foi heroica; e, segundo o
mesmo historiador, de quem trasladamos esta noticia, «constitúe entre nós
uma lenda semelhante á do passo das Tcrmopylas entre os gregos». Com
— 168

Custa, porém, assin alar que lucta tão heroica, digna


de uma epopéa, não haja deparado até hoje um poeta
maranhense que a cantasse, qual Homero, Virgílio ou Camões,
com as modificações impostas pela diversidade dos tempos e
ditferenca
j dos costumes.
As luctas no Maranhão, ao principio, com a invia
natureza, produzindo os naufragius das duas expedições dos
donatanos; depois, com os selvagens, para cuja iemissão foi
indispensável o martvrio do padre hraneisco Pinto, na sen a
de Ihyapaha; em seguida, com os francozcs, tao bons catholicos
como os portuguez.es, porem mais amados dos indígenas do
que estes ; finalmente, com os hollandezes, sedentos de
vingança contra a llespanha, cheios de dinheiro, tanto mais
audazes quanto sentiam-se armados de todos os meios
aperfeiçoados da guerra m aritim a:— taes luctas foram, em
verdade, feitos tão extraordinariamente heroicos, sob qualquer
ponto de vista, que já deveriam ter merecido dos poetas,
em (pie a Athenas brazileira tem sido tão fértil, um bem
trabalhado o altisonante poema, pondo cm relevo os varões
que as illustraram, uns com desgraças, outros com glorias.
Entretanto, ao passo que o M aranhão era reconquistado
dos hollandezes, continuaram estes a dominar a costa desde
o llio-C rande até á Bahia, fazendo porém praça forte em
Pernambuco.
O conde Maurício de Nassau, por motivos que não
constam das chronicas, logo que soube da restauração do
Maranhão, deixou o governo de Pernambuco a uma com-
missão de tres conselheiros secretos e na Parahiba embarcou
para a Ilollaiida no dia 22 de Aí aio desse mesmo anuo de
1644.
Também é certo que a Companhia das índias Occi-
dentaes, a cujo cargo estava a invasão no Brazil, havia

ellc, eram apenas vinte c um combatentes. Morreram dezenove; um


escapou a nado, ferido: — só ellc ficou prisioneiro, por ter sido encontrado
estendido no fórte, com duas feridas. 0 inimigo respeitou tanto valor; e
o mandou livre para a Europa.
169

soffrido muitos prejuízos; c com cila não quizcra fundir-se


a Companhia das índias Orientacs. Tacs companhias, sob
o caracter de sociedades commerciaes, eram verdadeiramente
associações de corso, instituídas para hostilisarem a Ilespanha,
sob a protecção dos listados Gcraes da Hollanda. Repugnou
talvez ao conde Maurício de Nassau continuar ao serviço da
Companhia Occidental (*). A verdade 6 que só depois de
1 6 4 6 a guerra hollandcza no Brazil assumio caracter mais
legal, não duvidando os listados Gcraes autorizar, pelas
resoluções de 2 4 de Dezembro de 1 6 4 6 e 22 de Janeiro
de 1 6 4 / , a todos os officiates de terra e mar, ao serviço da
C ompanhia das índias Occidentaes, o uso de represálias para
com os (jue causassem prejuízos á mesma Companhia, li,
pois, por isso mesmo sorprende a longanimidade covarde
com que o embaixador de Portugal cm liav a supportava tudo
o que o governo hollandez mantinha contra o Brazil; pre­
ferindo a astuciosa humilhação das felizmente intermináveis
negociações. (**)

p ) O principe tie Nassau deu prova de ser um fidalgo. Obedecer


a companhias ou sociedades commerciaes, para fazer os negocios destas no
governo, era sem duvida deshonrar o espirito politico, — unico (pie deve
animar qualquer administração. Assim cllo o entendeu ; c entendeu bem.
O Brazil, ha annos, entrou, por sua vez, na phase dos governos-
mercantis. A corrupção não podia deixar de produzir mais essa immora-
lidade. Sao os bancos c as sociedades anonymas, por seus directores
e grandes accionistas, homens politicos, ou mesmo simplesmente eleitores,
que dão a lei. As tarifas ou fretes são organisados para grandes dividendos
aos accionistas; além dos lucros illegitimos dos directores. Soffre, portanto,
a producção com mais esse excessivo gasto no transporte. E a maniaca
gloria de dar altos dividendos é tal, para merecer condecorações e titulos,
c também para induzir a engano os compradores de acções, — que os
directores applicam a esse serviço o fundo de reserva, na esperança de
restituírem depois a quantia subtrahida.... O peior cm tudo isto é que a
população das cidades, cm que ha companhias de gaz, agua, e tram-ways,
como monopolies, é vexada, sem embargo de suppostas fiscalisações, com
exacções de toda a cspccic; c os directores nada receiam, porque têm
por si os governos, se não conniventes, amedrontados, e pois estão certos
de que não haverá inquérito, nem processo.
(**) « Felizmente intermináveis negociações » ; porque estas refe-
riam-sc á entrega de grande parte do Brazil á Ilollanda, como os Estados
Gcraes pretendiam.
170 —

Por isso, c porque a sublevação cm Pernambuco


deixou de coincidir com a do Maranhão, segundo o traçado
plano, o glorioso trabalho de Antonio Muniz Barreiros e
Antonio 1 eixeira de Mello esteve arriscado a perder-se, ante
a impotência de Andre \ idal de Negreiros c as procrastinações
de João Fernandes Vieira para o levantamento geral no
Uio-( Irando, Parahiba, Pernambuco e Alagoas; concorrendo
muito para a ausência de coragem nos conspiradores pernam ­
bucanos a lamentável duplicidade de h l-Ilei em Portugal e
do governador geral na 1’ahia, Antonio Telles da Silva, os
quaes, ao mesmo tempo que mostravam-se amigos dos
last ados (denies em liava e das autoridades hollandczas em
Pernambuco, davam instrucções reservadas a Salvador Correa
de Sá o 1>«*ni'vicies (que não as quiz executar) c a André Vidal
de Negreiros para promoverem e sustentarem o movimento
iusurreccional, devendo, porem, tingir para com aquellas
autoridades esforços por abafal-o! Ainda nesse plano sahiram
da Bahia, I (>45, Henrique Dias (*), governador dos pretos,
e 1). Antonio Filippe Camarão (**), capitão-mór dos indios:

(■) Natural de Pernambuco; desde 1633 poz-se ao serviço


contra os liollande/cs. Nunca foi vencido. Na famosa batalha de Porto-
Calvo, a 17 e ls de Fevereiro de 1637, á frente de oitenta negros
sustentou gloriosameute sou posto : ferido por uma bala na mão esquerda,
quando mais lenia a peleja, mandou (pie logo lh’a amputassem, c, cm
seguida, voltou imumdiatanumte ao combate. Foi por isso nomeado mestre
de campo, emn o habito do Christo e o foro de fidalgo; mas, concluída a
guerra, não mais ibdle lembraram-se, e falleceu esquecido no Recife em
31 de Agosto de 1661.
( i : l Natural do Rin-tlraude do Norte, da nação dos I ’oty-goaras;
ainda que seja isto muito controvertido, pretendendo para si o lieróe
cada uma das provincias do Pernambuco. Parahiba e Ceará.
Parece que seu nome era J'otihjmtstig conforme escreveu o padre
Si.mào i)K Y a s c o x c k u , o s ; mas
outros clironistas o abreviaram para
entendendo que já exprimia a idéa de C a iu a rd o -p m n d < \ Além de que a
palavra pofji era o nome genmdco do marisco, quer simples camarão, quer
lagostim. J ’nt/i-iiss/'r significaria, pois, «lagostim-grande»: o que nada
adiantaria. Re lacto, (' Ani ma, S o a it k*. 7\\>ticia do Jh -a zil, descreve assim
a especie pohi-«.<«tí : «São uns camarões que se crião nas concavidades
das ribeiras, e têm tamanho corpo como os lagostins, e o pescoço da
mesma maneira, emn a casca nidia e as pernas c u rta s ; os quaes crião
coraes cm certo tempo, e cm outro têm o casco gordo como lagosta. »
— 171 —

aquelle tão preto, e este egimlmente tão indio, como os


commandados de jada qua]. Ambos eram já muito conhecidos
dos hollandezcs por seu valor militar. E, por isso, a noticia
de tciem sabido da Rabia esses dons caudilhos, para favo-
íeccrcm a revolta, causou espanto no Recife; se bem que
André Vidal de Negreiros (*), ainda então não manifestado
aos hollandezcs como inimigo, communicára dissimuladamente
ao governador geral ter ja providenciado para que fossem
perseguidos, onde acaso os encontrassem.
Ielizm ente, com o valor de chefes taes como André
Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, D. Antonio Filippe
Camarão c Henrique Dias, além de outros; o, depois, com

Esta definição combina com as do Piso o do M a i i c c i i w 1648 — 1054


que entregaram-se ao estudo das cousas naturacs do Rnizil.’
Desde 1030, quando soube que os hnllamlrzcs haviam conquistado
o Ixccitc c Olinda, rcunio, a conselho dos padres jesuitas, os seus indios
c apresentou-se a Mathias do Albuquerque para servir a causa nacional!
ro i senipio o terror dos hollandezcs, que hem experimentaram-lhe o
ímpeto, e também a astúcia, no Arraial de liom-Jesus, 1030— 1055, em
Porto-Calvo, 1 0 3 6 -1 6 3 7 , cm fioyanna (tendo sabido de Porto-Calvo para
uma sorpreza a sessenta léguas), 1636, na Rabia, 1638, em Alagoas.
Pernambuco, Parahiba e Rio-Grande do Norte, 1640 — 1648. Falloceu do
uma tcbie violenta, em Agosto ou Setembro desse anno, logo depois da
celebre batalha de Guararapes, na qual cobrira-se de gloria por seu valor
bem como Henrique Dias. Por seus feitos cm 1650-105,3, foi agraciado
com o habito de Christo e com o titulo de D u m .
Sc nao morreu cm combate, logrou a fortuna de fallecer no
Arraial Novo do Rom-Jcsus, isto 6 — no mesmo lugar onde encetara seus
serviços militares contra o invasor bollaiulez.
(') Natural da Parahiba, de nobre linhagem, e rico. Associou-se
desde 1636 ao movimento patriotico contra o ' invasor liollandez. Fui
^ ‘ãuia da insurreição de 164o; subjcitou-sc ao commando do general
Barreto de Menezes, reconhecendo neste as precisas habilitações; mas não
obcdeceu_ á ordem de El-Rei 4). João IV, em 16-18, para desarmar a
insurreição, dizendo com João Fernandes Vieira quo r e s i s t i r i a m «» re i
p a r a s e r v i r e m m e lh o r n o p r o p r i o rei. A este mesmo Rei teve ellc a honra
de levar a fausta noticia da definitiva expulsão dos hollandezcs em Janeiro
dc 1654.
Obteve honras lucrativas, fôro grande e commendas.
Falleccu cm Olinda cm 3 de Fevereiro de 1681 ; tendo morrido
também alli, cm 10 de Janeiro do mesmo anuo, o também famoso João
Fernandes Vieira.
172

o commando de um general tao experimenta o como o


marechal de campo Francisco Barreto I d le s de Menezes ( ),
a expulsão dos hollandezes não podia deixar de ser em
breve obra reabsada com muita gloria.
(fucm quizcr apreciar a pericia militar deste geneial
portuguez, não precisa mais do que ler as partes officiaes
dc ambos os exercitos contendores, a proposito das duas
celebres batalhas de (iuararapes, em 18 de A bnl de 1648
e om i s de bevereiro de 164!). Se a primeira victoria
nos montes (iuararapes servira de alentar os estadistas de
Portugal para se opporem a cessão ou venda de Pcmambuco,
a segunda. veio desalentar os estadistas c os mercadores
da 1Iollanda dcmonstrando-llius uvidentcmontc que, so m e­
diante grandes saiaalicios, poderiam continuai mantendo esta
con<[uista. ( )
A primeira batalha nos montes Guararapcs, em 18
de Abril d o J64S, além de mais perigosa para o exercito
restaurador, a vista das posiçoes tomadas, tora, certo, um
magno estorço que euron desalentos. A segunda, em 18 de
Pevoroiro de 1641», já tinha a seu favor o effeito moral
daquella, e de outros posteriores pequenos combates; accres­
cendo as adquiridas posições estratégicas que forçaram o
inimigo a retirar-se das que antes occupara, sendo nessa
oeeasião acoinmettido vivameiite pelo general Francisco Barreto
'folies do .Menezes, cujo plano de campanha era assim
coroado de glorioso exito.
Recolhidos os hollandezes ao Recife, abi pela segunda
vez viam-se tão fortemente assediados e tao constantemente
perturbados com os assaltos e surpresas, que, no dia 23 de
Janeiro de J6Õ4, obrigados da fome c da miséria, mandaram

p ) Nomeado por Decreto de 12 dc Fevereiro de 1647, foi


feito prisioneiro de uma esquadra hollandcza que atacara a armada na
qual vinha para Pernambuco. Durante nove mezes esteve no líecifc cm
prisão: até que, conseguindo fugir, apresentou-se ao exercito então com-
mamlado por André Vidal de Negreiros.
(**) Vak.miackn, já citado, XXXII.
— 173 —

^ propor a capitulação, assignando-a no dia 26 á noite, e


N entrosando
o
os fortes exteriores e o bairro de Santo Antonio
no dia 27. Só, porém, no dia 28, o general Francisco
Barreto Tcllcs de Menezes, com o seu estado maior, entrou
no R ecife; procedendo galhardamente para com o general
I hollandez vencido, ao qual prodigalisou todas as honras c
attenções devidas á sua alta posição militar e á sua incon-
I tcstavel valentia.
i Cumpre, entretanto, não esquecer que, se não fòra o
auxilio da frota da Companhia Geral do Commercio para o
B ra zil, cujos estatutos haviam sido approvados por alvará
de 8 de Março de J 649, talvez que os hollandezes não
fossem tão cedo obrigados a capitulaçao. A frota era com-
mandada por Pedro Jacques de Magalhaes, depois l.° visconde
i| de Fonte Arcada. O assédio fòra completo, por terra e
á " t' 1 L
por mar.
D urante a cpocha de 1643 — 1654, não occorrcu,
cm relação ao Maranhão, senão a soparaçao da capitania do
mesmo nome e da do G ram -Para, pela carta régia de 25
de Fevereiro de 1652. Mas, reconhecendo o governo da
mctropole que isso fora um erro politico e administrativo,
I restabeleceu pela carta régia de 25 de Agosto de 1654
o antigo Estado do M aranhão; nomeando seu primeiro
governador e capitao general o marechal de campo Andre
Vidal de Negreiros, já então, 1655, por serviços a bem da
restauração de Pernambuco, altamente recompensado com
elevadas distineções honorificas, e com a promessa de sei
nomeado governador daquclla mesma capitania de 1 ernambueo,
lo°‘o que vagasse o lugar; c, com cfleito, no anno seguinte,
1656, foi occupar este cargo.

Governava ainda Andre \ idal o Mauanhao, quando


aportou alli, pela segunda vez, o famoso padre Antonio
Vieira, da Companhia de Jesus; c foi comprimcntado pela
camara municipal, cm corpo de ceremonia.

I
Nas divisões da Companhia de Jesus, o Estado do
Maranhão constituia também uma administração separada,
isto é, uma viee-[)rovineia. li aos padres jesuítas já devia o
Estado do J laranhão, assim como o Brazil inteiro, os difficeis
inícios de sua civilisação; ainda que tiveram de amargar e
soffrer os assomos da cólera interesseira, durante mais de
um século de luctas, daquelles que não tratavam senão de
expulsal-os, como obstáculos que eram á cscravisação dos
indios.
O Estado do .Maninhão, ao principio, comprehcndia
a capitania de Itamaracá; mas, depois, foi recuada sua
fronteira sul para a raiz da serra de lbyapaba (C eará). Em
171 õ — 171 S, passando para o Estado do 71laranhão o
territorio do Piauliv, povoado ue sertanistas de S. Paulo,
Minas, Covaz o Bahia, foi desligado para o Estado do Brazil,
subjeito á capitania de Pernambuco, o territorio <lo Ceará
que estava até então subjeito ao Maranhão. De sorte que
os limites entre os dons Estados Brazilieos, por esse lado,
('ram quasi os mesmos que ora separam as provincias do
Piauliy e Ceará.
Antes da provisão do Conselho Ultramarino de 9 de
Maio de 174K, que desligou da capitania de S. Paulo as
minas de Covaz c de Cuyabá para constituírem governos
separados, e reduzio aquella capitania á subjeicão do governador
da do 1lio de -Janeiro, os limites do Estado do Maranhão^
por esse lado, segundo vò-se da mesma provisão, eram
Pernambuco, Bahia, S. Paulo (então comprehendendo Goyaz
(' Matto-Grosso ); e, pelos lados occidental c norte, as
divisas internacionaes com as republicas do Perú, Equador,
Nova-(«ranada, \ enezuela, e com as Guiannas ingleza, hollan-
deza e franceza, sendo que a linha divisória com esta
possessão franceza era o rio Oyapock ou Vicente Pinzon. (*)

(*) bsta questão de divisas com a França ainda custar-nos-ha a


guerra ou a linniilhaçao. Já Portugal cedera muito pelo tratado de 10
de Agosto de 17117; mas este erro, e o do tratado de Amiens, 1802,
foram resgatados pela convenção de 2<S de Agosto de 1817. Não obstante,
a f rança, abusando da fraqueza do llrazil, nao tem cessado suas exigências,
i
175

w Quer no temporal, quer no espiritual, o Estado do


Maranhão obedecia direetamente ao governo da mctropole,
c ao arcebispado de Idsbòa, depois patriarchado ('*). Pelo
espiritual, ainda assim continuou depois da independência do
Brazil; até que pela bulla Rom anorum Pontificam vu/dantia,
de 5 de Junho de 1S27, expedida no pontificado do papa
Leão X Ií, o bispado do Maranhão (**) e o do Gram-
Pará (***) foram declarados suffraganeos do arcebispado da
Bahia, e todos isentos da subjeição a aquelle patriarchado.

A capitania do Maranhão não estava povoada de


europeus, até o começo do século W i l l , senão em d apuy-
tapera (A lc a n ta r a ) ; e ás margens do rio Jtapicuru, em
distancia, de sua féz para o interior, vinte a trinta léguas
êbijt apenas. O resto ainda era dominado pelos indigenas; embora
muitos já aldeados, a esforços dos padres da Companhia de
Jesus. Todavia, já desde JG70, os paulistas invadiam os
sertões do Piauhy, chegavam ás AIdeas Altas ( actuahncntc
a cidade de Caxias), e desciam aquelle rio ato a cidade dc
S. Luiz do Maranhão (****). Também desciam até ao Para
pelo rio Tocantins.
pretendendo restaurar o tratado do Amiens, 1*02; o, sem embargo do
projectos de concessão por parte do Iírazil, lia sido surda as reclamações
justas do nosso governo.
Esta questão de limites é ampla e magistralmcntc tratada na
obra L ' O i k i j i o i : et f A m a z o n e , pelo dl'. JoAgXlM ( AKTANo DA SlUVA.
Depois do mallogro da ultima negociarão, os dons governos têm
mandado fazer, separadamente, suas explorações. Mas, a negociação ainda
não foi recomeçada.
(*) Eela bulia S n l r n t o r i s n » * te i, do papa Dencdicto XIV, dc 13
do Dezembro do 1740; comprehendendo os bispados do Maranhão e do
$ Grani-Pará.
(**) Creado pela bulla S o p e r n n i r e r s a s o r h i s e e d e s i a s , do papa
Innocencio XI, do 30 de Agosto de DST7.
Creado pela bulla C o p i o g n u i n m l s e r i c u r t l t ã , do papa
Clemente XI, assignada em 4 de Março de 17Pd, c expedida em E> de
Xovembro de 1 720.
(****_) Yér adiante a Introdueção da parte genealógica.
a
176 —

Entro aquellcs paulistas, mencionaremos o mestre de


campo Pasehoal Paes de Araujo, em 1672, padre Antonio
Raposo Tavares, em 1675, Irancisco Dias de Siqueira, de
alcunha Apua'/, por ser surdo, 16f)2 — 1603, João Pires de
Brito, 1 7 0 1 ; e notavelmente, 1 674 — 1690, Domingos Jorge
Velho, de pairaria com o portuguez Domingos Affonso
MaíVense, segundo ja ficou referido, a proposito da capitania
de S. Vicente e S. Paulo. (*)
Desde esse tempo, aquellcs sertões, particularmente
as AIdeas Altas (depois Caxias já neste século), eram
devassados francaiiicute por muitas partidas de paulistas,
mineiros, govanos, euvabaiios, e fialuanos ( ) : ate as Aldeãs
Altas, os paulistas iam vender, tail feira certa, tropas de
bestas. IN Iais frequentes ('ram as comimmicacõcs d alli para
o sul, pelos sertões, do que mesmo para a cidade de S. Luiz
do Maranhão, h, pois, pode-se dizer que os sertões do
Maranhão e do Ihauliy foram povoados por paulistas, c
mineiros prmcipalinente, alem dos bahianos, govanos e cuya-
hanos. Os govanos e cuvabanos, no principio do século XVIII,
desciam pelos rios (pie communicavam as respectivas capitanias
com o Maranhão; e também iam até o Gram-Pará, por
varios affluentes do Amazonas, e pelo Tocantins. (***)
Kntretanto, desde o governo do capitão-general D. Pedro
de Mello, 165N— 1 662, comecou a guerra aos padres da

(■) bèr atraz o capitulo siwto, pags. 120 e seguintes.


(■' I Kstes mineiros, govanos. euyabanos c bahianos não eram
senão mesmo j><i nlisins. ou delFs di'sceiHb'ntes.
i ! (1 padre dosi: nr; Moiíaks. I/i.iforin <In C i n i i p m i h i n i l c J r s u s
tin t‘.i linrtii )<i■nriiiriii </<> J!<ir<niliihi i1 J'lirn , 5 I, 7, roioriiuU) a descoberta
das cabeceiras do rio Tapajóz em 17 17, em «pie desceu por elle abaixo
um Mineiro das minas de Matto-(Irosso. cbaniado João de Souza Azevedo,
o qual veio por esto rio comprar fazendas ao 1'ará », demonstra a faci­
lidade das connnunicaçôes fluviaes entre o norte do Jírazil c aquellcs
sertões; e. com referencia aos rios Madeira ( Coimri), Mamoró c Aporé,
dá completo roteiro da communicacão entre o Amazonas c a então villa
de Ciiyabá.
Pelo rio Tocantins, penetraram alguns paulistas nos sertões da
capitania do Maranhão. Outros foram pelo valle do rio dc S. Francisco.
177

Companhia clc Jesus, por causa de opporem-se a que os


indios fossem escravisados; sendo então expulsos d e j a c t o ,
c embarcados no Pará em uma caravela que os levou a
cidade de S. Luiz e dalii a Lisboa, cm cujo numero foi
também o insigne padre Antonio \ ieira (*). Aquclle capitao-
gencral não era estranho a taes factos (**);
O % e seu successor,
o capitão-general Ruy Yaz de Siqueira, 1GG2— 1GG7,
secundo
o
o affirma o padre l
Anoré d e B arros , V i d a do
.
a p o d o l i c o -p a d r e A n t o n i o I n a r a , I, 137, >; (piando partio de
Lisboa já vinha de mãos dadas com os amotinados», boi
esta nma administração agitadissima; sendo certo que era
aecusado de governar ao sabor somente de seus interesses
particulares. Em Outubro de 1GGG publicou elle um bando,
declarando que, sem ordem do governador, não podiam os
senados (cam aras) convocar j a n t a s do clero, nobreza e povo;
mas o senado de S. Luiz recusou registrar o bando, c
representou que, sendo aquelle um de seus privilégios garantidos
por carta régia clc 25 de Maio de ICGd, cumpria ao gover­
nador guardal-o. Acobardou-se o capitao-gcncral, e respondeu
« que antes desejava accrescentar que restringir os privilégios
da camara, e que entretanto se sobrestivesse no registio ate
decidir-se cm j a n t a essa materia .
Durante esta administração, fora expedida clc Lisboa
a famosa provisão de 12 de Setembro de 1GG.3 ; segundo a
qual, mandando readmittir os padres da Companhia de Jesus,
que haviam sido expulsos, c visto nao haver causa, que
obrigue a prival-os de suas egrejas, antes muitas paia que
o seu santo zelo seja alh necessario », El-Rei declaiava « epic,
assim os ditos Religiosos da Companhia, como os de outia
quahpier Religião, não tenham jurisdicçào alguma t e m p o r a l
sobre o governo dos índios ; que a e s p i r i t u a l a tenham também
os mais Reli giosos, que assistem e residem naquello Estado,
B e r u e d o , A n n u e s h istoricos d o Justado d o M a r a n h ã o , § § 1U57
a 1062.
r**\ T e i x e i r a d e M o r a e s , R e la çã o h is to r ic a e p o litica dos
t u m u l t o s d o M a r a n h ã o , ainda inedita, mas citada pelo dr. C é s a r M a r q u e s ,

J J i c c i o n a r i o h is to r ic o - g e o g r a p h ic o d o M a r a n h ã o , lia palavra G o v e rn o .
178

] >or sor justo que todos so jam obreiros da.vinha do Senhor;...


quo nenhuma Religião possa tor aldòas do indios forros do
administração, os quaes no temporal poderão sor governados
pelos seus P n iicÍ/k!c,<, que houverem em oada aldòa, o,
quando haja queixas delles, causadas dos mesmos indios, as
poderão fazer aos meus governadores o ministros de justiça
daqueüe Estado, como o fazem os mais vassallos dellc; cte.,
etc. El-Rei aecroscentava que o padre Antonio Vieira
ficava (mi Portugal, por não convir que voltasse ao .Estado
do Maranhão. (*)
E sta provisão, porém, foi suspensa em sua execução,
— ate que o novo governador, capitão-general Antonio de
Albuquerque ( oelho de Carvalho, 1 (><j7 — 1G71, ordenou
sua execução sem rr/d/cu r suit niterjiretacõe*, tomando a si
a direcção superior da repartição dos indios por meio de
pessoas que nomearia. Os padres jesuitas foram, em con­
sequência, restaurados em suas missões, ainda que com alguns
limites a sua jurisdiccão sohre as aldòas. Também foi esta
uma administração agitada de conflictos.
R assim o foi também a do successor, capitão-general
Pedro (c z a r de Menezes, 1G71 — 1 6 7 8 ; concluindo por
ter de reprimir, em 1 <>7 7, com prisões a ferros e com
degredos, os chefes de uma conjuração, urdida entre a
nobreza e o povo, o muitos membros do clero regular e
secular, boi este governador quem iniciou o arbitrio de
i es id irem os capita es-generaes do Justado do J \ía r c in h ã o , onde

( ) 1) 1, 1!I! l.Di t, Anmh\< hisfnf/ 1'iw i/n E<ta,lo <(<> Alaranhão, 1124,
112.) e 112(>, transcreveu integralmente a supracitada provisão. e mais
il, (,° l*,>r'lão dos (pie expulsaram os padres da Companhia em 16G1.
taiiiluun a provisão de ls do Outuhni do mesmo anno do 1GG4, man­
dando restituir a Companhia na posso das ogrejas c parochias quo haviam
te,ndado no .Maranhao, com sua desposa e com sua industria; «c pela
apresentaram que nas ditas Kgrejas posso fazer, como Mestre que sou da
( lidem de ( hiisto, o hey assim por hem. pela satisfação que tenho do seu
hom procedimento, e do zelo que tem do serviço de Deus, c do bem das
almas daquella gontilidado; c com esta declaraçao se cumpra a dita
Provisão, tao inteiramente como índia sc contém; e assim esta Postilla,
(jiio valem como Cai tu, som embargo da Ordenação do livro segundo
titulos trinta c nove o quarenta, cm contrario.» 1 '
— 179

hem quizessem, na cidade de S. Luiz, ou na de Belém do


Para, « attraliidos pelas f/anancias do commercio, muito mais
considerável então naquella cidade, do que na de S. fuiiz \
A carta regia de 24 de Janeiro de 1683 deu razão aos
governadores, e approvou o referido arbitrio como podendo
ser de grande conveniência publica.
Inaugurado e firmado o systema mercantil na admi­
nistração do Estado, se bem que o capitão-general Ignacio
Coelho da Silva, 1678 — 1682, não o cultivasse muito, c
alias prestasse optimos serviços, c tivesse a honra de receber
c installar 1). Gregorio dos Anjos, primeiro bispo do Estado,
aquclle systema tomou largas proporções na administração
seguinte do capitão-general Francisco de Sá de Menezes,
1682 1688, trazendo elle proprio comsigo o pessoal director
da « Companhia do Commercio », e o alvará de 12 de Feve­
reiro de 1682, confirmatorio do assento do Estanco do
Maranhão e Eará, denominado da Fazenda Becd em 1677.
Desde que as companhias e sociedades anonymas são as que
governam de facto o Estado, o resultado será o que se deu
no M aranhão e P ará; onde as malversações c os arbítrios
dos directores da « Companhia do Commercio :> levaram o
povo á exasperação, c acabaram afinal por arrastar Manoel
Bekman, vulgarmente chamado Ecquimão, a fazer a revolução
de 23 de Fevereiro de 1684 (*), que, confundindo infe­
lizmente a causa mercantil do povo com o odio aos padres
da Companhia de Jesus, expulsou-os de novo, c fòl-os
embarcar, no dia 27 de Março seguinte. A expulsão dos
padres da Companhia de Jesus foi o começo da decadência
da revolução; e, por mofina, nessa occasião, eram introduzidos
na capitania duzentos escravos africanos, como se a Providencia
Divina, por esse facto ironico, quizesse lançar em rosto aos
sublevados o seu hypocrita e traiçoeiro amor da liberdade, —
tanto mais que cogitaram de dividil-os entre o povo como
boa preza.
O resultado foi que, não completando Francisco de
(*) J. F. Lisboa, Obras, III.
ISO —

Sá clc Menezes seu tempo, vio-se substituído cm Maio de


1 G85 pelo tenente-general Gomes Freire de Andrade, 1685
— 1 G87 ; o qual, depois de derrotar os sublevados acastellados
no forte do .Baluarte, de prender rigorosamente c açoitar a
muitos sub-cliefes, acabou por fazer enforcar Manoel Jlekmaii
(' Jorge de Sampaio. Aqiielle Manoel Bekman conservou,
durante o supplicio, toda a firmeza e resignação, perdoando
a seus ínmngos sua morte, e elevando votos pela felicidade
futura do povo maranhense.
Antes deste supplicio, os padres da Companhia de
Jesus haviam sido restituidos a suas egrejas; c também
restituídos aos seus empregos todos os que tinham sido
depostos pelos sediciosos, inclusive o juiz de orphãos Manoel
de (am pello de Andrade, que ate1 entao estivei a pieso.
O contracto do Estanco foi, outrosim, restabelecido no seu
primeiro estado.
A pena de patibulo, egualmente imposta a Thomaz
Bekman, tbra connnutada na de morte civil. (*)
Pacificados, porém, os animos, 1G8G, o governador
geral convocou os senados de S. Luiz do M aranhão e de
Belém do Pará, para examinarem as queixas contra o
contracto do Estanco: <: c foram tão solidos os fundamentos
que o impugnaram com innegaveis provas da sua infracção
pela malicia dos contractadores, que Gomes Freire, na fórma
das suas instrucções, o deu como removido ». (**)

[*) I)i;i:ui:i)o, A uoaes historicos do Estudo do Maranhão, §§ 1 3 3 5


a 1:544.
(:;:!) Ao menos muiuollo, tempo, som embargo de já lavrar
grande corrupção administrativa, ainda apparccia algum governador capitão-
general para examinar e apurar a verdade nos negocios das companhias
mercantis. O governo julgava-se derogado em sua honestidade, se não
contrapunha, á malicia dos directores ou contractadores a seriedade de um
inquérito minucioso sobre a administração delles.
E Portugal não possuia então, como 0 Brazil hoje, uma lei c
regulamento especiaes sobre sociedades anonymas. Esta lei, no Brazil, ó
mais uma mystiticação; — até mesmo porque os promotores publicos têm
certeza da demissão, se lembrarem-se de cumprir seus deveres em virtude
— 181

Succedeii a Gomes Freire de Andrade o capitão-


general A rthur de Sá de Menezes, 1687 — 1600. Durante
sua administração, o governo da mctropole ordenou que a
cidade de S. Luiz, como cabeça do Estado do Alaranhão,
fosse séde obrigada
1—' dos O
governadores.
Depois dessa administração, os conflictos limitaram-se
a questões com os padres da Companhia de Jesus, que
obstavam a escravisação dos indios; até que, subindo ao
throno de Portugal Ll-rci D. José I, 1750, acompanhado de
Sebastião José de Carvalho e Mello, conde de Oeiras, 1.758
(depois marquez de Pombal, em 1770), como primeiro ministro,
foi aquella Companhia mandada expulsar do territorio do
Brazil, por carta régia de 21 de Junho de 1759. Coube a
Gonçalo Pereira Lobato e Souza, brigadeiro do exercito,
governador da capitania «lo Maranhão (já então, desde 1751,
a cidade de Belém do Pará estava elevada á cabeça do
E stado ), 1 7 5 3 — 1761, a execução das ordens para a
expulsão dos padres jesuitas; e o fez com estudada preci­
pitação e apparatosa violência. Em suas viagens ás localidades
do interior, para arrecadar os bens da Companhia de Jesus,
caliio do cavallo em que hia montado, quando dirigia-se á
villa dc Tutova,v na noite de 23 de Julho de 1 7 5 8 ;7 e
esteve gravemente enfermo. Por cumulo de peccados sobreveio-
lhe um conflicto com o ouvidor da comarca, do Piauhy, o
bacharel José Marques da Fonseca; o qual casara-se com
uma viuva rica de sua jurisdicção, sem a licença régia (*).
Também, durante seu tempo, começou a funccionar a famosa

daquella mesma lei. Os fiscaes. por parte do governo, são do mesmo


mólde. Uma companhia, sendo dc amigos do governo, não tem fiscalisação
possível.
Como facto historico, limitamo-nos a mencionar as datas da lei e
do regulamento. A lei c n. 3150— de 4 de Novembro dc 1882. O regu­
lamento ó o decreto n. 8821 — de 30 de Dezembro de 1882. Legislação
somente no p a p e l!
(*) Iloje cada juiz faz o que quer. Ha até juizes de orphãos
que, em vez de casarem-se, já que o governo os nomeia solteiros, vivem
dissolutamente. A antiga legislação sobre o estado e a moralidade dos
juizes merecia ser mantida.
— 182

Companhia geral do commercio do J\Fnranhão e G ram -P ard,


1 7 5 5 ; sendo a elle commettida a execução desse negocio na
cidade de S. Luiz e respectiva capitania. Essa companhia,
porém, não durou senão os vinte annos de sen primeiro
privilegio; pois que E l-R ei 1). José I não quiz renoval-o,
e depois D. Maria I mandou liquidar-lhe os fundos por
nina junta de administração.
Não é justo deixar de mencionar, entre os governa­
dores capitães-generaes do Estado, Bernardo Pereira de
Bcrrcdo e 1’astro, não por serviços que por ventura houvesse
prestado em sua administração, mas por ter escripto os
Annaea historicos do Estado do Maranhão. (*)
Continuava o M aranhão como simples capitania (**),
até que, por carta régia de 20 de Agosto de 1772, foi
separado o governo do C ram -Pará, e roeonstituido o Estado
do Maranhão, tendo por cabeça a cidade de S. Luiz, e
comprehendendo o territorio do Piauhy. E sta nova cpocha
administrativa geral teve, por primeiro governador capitão-
general, Joaquim de Mello Povoas, 1775 —- 1779.
Não existindo mais jesuítas para luctas, os governadores
procuraram e encontraram alimento, para ridiculos conflictos,
nas resistências dos senados ou camaras locacs : — verdadeiras
tempestades em copos d agua. A decadência administrativa,
entretanto, era cada vez mais visivcl, não só no Estado
do Maranhão, como também nas outras capitanias: — o
arbitrario era o governo! Os capitães-generaes c os go­
vernadores nada respeitavam. I ns, ineptos e pedantes ;
outros, soberbos e promptos para todos os despotismos

( ’) l ' ss:l ° L ’:i contem muitos detoitos; mas, incontestavelmente,


é um dos prineipaes subsídios para a historia do Maranhão.
Assim procedessem seus successores, e seus collegas; e. desde a
Independência do Brazil, os presidentes do provincia.
C*) -é capitania de S. Vicente também foi subordinada ao governo
do líio de Janeiro, desde 175o; restaurada, porém, em 1765.(*)
(***) Boje ha também disto no Brazil. 0 poder pessoal, á força
de ser censurado por inconstitucional, quebrou o remo; e tem deixado
— 183

Foram typos desta ultima especie D. Diogo de Souza,


1793 1804, D. Francisco de Mello Manoel da Camara,
alcunhado O cabrinha, por ser muito moreno, 1806 — 1809,
c F . Jose 1 homaz de Menezes, 1809 — 1811: — verdadeiros
flagellos enviados a aquclle pobre Estado do J\Iavanhão.
D. Francisco de Mello foi até aecusado de querer facilitar no
M aranhão a invasão franceza. (*)
Só durante a administração de Paulo José da Silva
Gama, de alcunha O carába, ou O lentilhas, 1 8 1 1 — 1819,
é que foi creado, a instancias suas, o tribunal da Relação,
pela resolução régia de 28 de Janeiro de 1 8 1 3 ; e installado
no dia 4 de Novembro.
O ultimo governador capitão-general foi o marechal
Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca, 1819 — 1822. E foi
optimo adm inistrador; ainda que não isento totahncntc dos
defeitos da classe, cujo pessoal fornecia para o Brazil os
governadores.
Com os movimentos politicos da cidade do Porto,
em 24 de Agosto de 1820, este ultimo governador capitão-
general adherio em Abril de 1821 á Constituição. E, ainda
que aceitou a honra de constituir, elle só, o Governo Provi-
sorio, então instituido (**), apressou-se a crcar uma Junta
Considtiva, cie dez membros, sob a presidência do bispo
diocesano, a fim de auxilial-o na administração.

seguir tudo pela agua ábaixo. Qualquer inepto é arvorado cm presidente


de provincia; só porque pode assignor o nome nos ofticios e mais papeis
do expediente, arranjados por outros.
Também não ó cousa para ser admirada, desde que até ignorantes
c enfatuados vão aos conselhos ministeriacs; e lá são tidos por aguias,
pois que é certo que lhes applaudem ou supportain os disparates, c estes
se executam como optimas providencias administrativas —
(*) Quem quizer conhecer melhor e detalhadamente o que foram
esses tres capitães-generaes, leia C é s a r M a r q u e s , D i c c i o n a r i o histo rico -
g e o g r a p h i e o d a p r o v i n d a d o M a r a n h ã o , na palavra G overno.
(**) 0 capitão-general de S. Paulo, João Carlos Augusto de
Oycnhausen, em Junho do mesmo anno, procedeu de egual modo! mas
em commum com outros cidadãos.
Não seria uma senha?
184 —

Mas, logo depois, de accòrdo com o decreto das cortes


portuguc/as de 29 de Setembro de 1821, foi constituída por
eleição a Junta Provisória, de sete membros; a qual também
ficou sob a presidência do bispo. E foi installada no dia 1G
de Fevereiro de 1 8 2 2 :
Presidente. — () bispo diocesano D. frei Joaquim de
Nossa Senhora de Nazareth.
Secretario. — O brigadeiro Sebastião Gomes da Silva
Belfort.
JSIembros. —-O chefe de esquadra Filippe de Barros
e \ asconcellos.
Desembargador João Francisco Deal.
() thesoureiro aposentado da fazenda real Tliomaz
Tavares da Silva.
O coronel de milicias Antonio Rodrigues dos Santos.
0 tenente de milicias Gaetano José de Souza.
1 ns eram portuguezes, outros brazileiros.

Se a adhesão á Gonstituição foi tão fácil, antecedendo


nisso o Maranhão a outras capitanias do sul, não aconteceu
o mesmo, em relação á Independência.
O Maranhão, abstrahindo do Pará, foi o ultimo
reducto dos que combatiam a adhesão ao grito do Ypiranga.
Sempre desligado do Brazil meridional, constituindo um
Estado com governo separado, e em directas relações tem -
poraes e espintuaes com Eisbòa, assim como foi uma das
primeiras provincias em 1821 a adherir á Gonstituição, de
harmonia com o movimento politico iniciado na cidade do
Porto, tendo-a jurado, entendeu que não podia nem devia
acompanhar a obra revolucionaria da Independência do Brazil,
bin vão, mesmo após o grito do Ypiranga, D. Pedro de
Alcantara ainda expedia os decretos em nome de E l-R ei
D. João VI, e na qualidade de Principe Regente: os
— 185 —

maranhenses consideravam sensatamente qne era sen dever


sustentar a Constituirão de 1820, na qual estatuira-sc a
integridade nacional portugueza. (*)
. . ^ Ju n ta Provisória do Maranhão, ]iortanto, procurou
resistir ao que no sul denominavam emancipação politica; e
resistio, não só apoiada no sentimento geral dos maranhenses,
mas fazendo-se sustentar pelas armas.
Incxactos suo os que escrevein que, naquelhi cpoclia,
os maranhenses queriam adherir ao grito do Vpiranga. A
prova do contrario esta em que foram as tropas independentes
da província do Ceará que, ao principio, invadindo o Piauliv,
dalii machinarum a invasão da provincia do Maranhão. ()s
maianhenses estavam com o principio conservador; e a
Junta Provisória proclamava a necessidade de defender o
sj stem a constitucional, jurado a face do céu e das nações
da fena, mantendo assim c a adhesao a Soberania Nacional
íesidcntc no Augusto Congresso e a fidelidade para com o
lie i Constitucional o Sr. D. João VI (**). Havia ccrtamcntc
um partido dos que queriam adherir a Independcncia; mas
cia pequenissimo, c sem elementos para a lucta, como os
factos o demonstraram.
Os municípios principacs cm que se deram os combates,
foram o da villa de Caxias, como chave do sertão, c o da
villa do Brejo, por sua maior proximidade ao Piauhy. A
Junta Provisória fez vir do Piauhy para Caxias, já depois
da retirada_ do coronel Manoel de Souza Pinto de Magalhães,
CS 7
o major de linha João José da Cunha Fidió com a força
que dalli pudesse trazer; e este chegou a aquclla villa no dia
8 de Abril de 182J. Para a villa do Brejo fez partir o
alferes de linha Manoel José Rodrigues O
Poncadilha
o
com
(*) Ver adiante, capitulo XI, entre os documentos historicos, a
carta do Principe I). Pedro ao bispo do Maranhão, de 30 de Janeiro de
1823, c as respostas deste, sem data, mas certamente do fim dc Outubro
ou do principio dc Novembro de 1823.
(**) Proclamação de 17 de Novembro de 1822. A linguagem
enérgica da Junta Provisória revelava convicção de princípios, c não
explosão dc paixões.
186 —

trin ta liomcns; e em seguida foram mais quaienta piaças.


As munições de guerra eram abundantes em todos os pontos.
Ainda para a villa do Brejo seguiram, cm piincipios
de Maio, sob a direcção do capitão Antonio Pereira, tres
peças de artilharia, cinzentas e sessenta armas, ^ duzentos
terçados, c mais m unições: além de quatro artilheiros c da
companhia de pedestres estacionada na villa de A catu.
Desde então tornon-sc mais renhida a lucta. Kmquanto
os independentes do Ceara e Piauhy se aproximavam de
Caxias, o coronel Simplicio Dias da Silva ( independente do
P iau h y ), deixando Campo-Maior, passava o Estanhado, c o
alferes Pedro Paulo de Moraes Rego, estacionado na fazenda
Melancias, fazia uma sortida contra as tropas portuguezas do
Brejo, procurando atravessar o rio para a margem esqneida
do Parnahyba. No dia 2o, atacou o porto da R epaitição, e,
contra a sua expectativa, encontrou viva resistência da paite
do destacamento que defendia o porto c íòra soccoiiido,
apenas rompeu o logo, por algumas praças commandadas
pelo tenente Fernando Mendes de Almeida c alferes Victoriano
José de Kóes. Fstc prompto e inesperado auxilio obrigou-o
a retirar-se com perda de cinco dos seus, que pereceram, c
oito feridos. Do destacamento portuguez morreram clous
homens, c foram feridos seis pessoas, entrando neste numero
duas mulheres. » (*)
Não desistiram, porém, os independentes do plano de
atacar a villa do Brejo; (dies, cominandados por Salvador
Cardoso de Oliveira (**)• Ora commandantc geral daquella
(g) L. A. VlF.llí A da SlDVA, JJistoria da in d e p en d en cia da
•p ro vin d a do M a ra n h ã o .
(**) Este Salvador Cardoso de Oliveira era descendente de outro
Salvador Cardoso de Oliveira, paulista, filho de Manoel Cardoso de Almeida;
oste—filho de Mathias Cardoso de Almeida, portuguez, casado com 1). Izabel
Furtado; esta — filha de I). Filippa Vicente do Prado, casada com Luiz
Furtado, portuguez. I). Filippa Vicente do Prado, filha l e g i t i m a de João'
do Prado com D. Filippa Vicente. Dizemos - - l e g i t i m a , porque João do
Prado teve um filho mameluco, Domingos do Prado, o qual casou-se com.
Filippa Leme, filha bastarda de Pedro Vaz de Barros, vulgo P e r o V a g u a s s ú :
esta gente bastarda nada tem com a nobiliarchia paulistana.
187 —

praça o capitão Severino Alves de Carvalho, natural da


provincia da Bahia, mas casado na villa do Brejo com uma
das filhas do capitão-mór Domingos Alves de Souza e
de sua mulher D. Fuzebia Alaria da Conceição (*). De
accòrdo com elle estavam seus cunhados, os capitães João
José Alves de Souza c Valerio Alves de Souza, e seus
eoncunhados, o capitão Antonio Pereira e o tenente Fernando
Alendes de Almeida. Todos officiaes de milicias.
Marchando aquella força na tarde 15 de Maio sobre
a villa, o destacamento commandado pelo tenente 1' rancisco
Gonçalves Meirclles, cm vez de resistir, unio-se aos assaltantes;
de sorte que, constando ao commandante geral tal deserção,
em vão mandou elle tocar a rebate, poucos acudiram, e a
mór parte da guarnição também desertara, imitando o des­
tacamento de Aleirelles.
E ’ fac'd conqn-ehender o alvoroto dos moradores; e,
bem o percebeu o chefe da força independente, pois que
mandou intim ar ao capita o Severino Alves de Carvalho que
se rendesse. - Apezar de reconhecer a impossibilidade clc
defender-se, Severino nao se deixou acobardar, c cxigio como
condição da capitulação a faculdade de ser acompanhado por
todos os que quizessem evacuar a villa. Mandou-lhe o chefe
independente dous officiaes para que se rendesse prisioneiro,
ou jurasse a independência; mas elle recusou trahir o
p,íDUO T aqUES, N o h i l i a r ã i n P a u l i s t a n a , em titulo de P r a d o s , na
R e v i s t a do i n s t i t u t o H i s t o r i r o G e o g r a p h ic o e E t h n o g r a p h i c o d o B r a z i l , XXXIII,
parte segunda, desde a pag. 80, c cm titulo do P e d r o z a s , V a z e s c
B a r r o s , XXXV, parte segunda, pag. 56, narra tudo isso.
0 referido paulista Salvador Cardoso dc Oliveira fixou estabe­
lecimento no valle do rio S. Francisco. E o outro, de egual nome, seu
descendente, (pie figura na historia da Independência do Maranhao, dizia
ser parente do capitão-mór Domingos Alves de Souza e de sua mulher.
E 1 preciso notar que a familia S i l v a P r a d o nada tem com estes
P r a d o s da N o h Ui a r ch ia P a u l i s t a n a . Os da N o b i l i a r c h i a são d o P r a d o .
Segundo A z e v e d o M a r q u e s , o capitao-mór Martinho da Silva
Prado era filho do sargento-mór Antonio da Silva Prado, poituguez, e ce
sna mulher D. Francisca de Siqueira c Moraes. P e d r o T a q u e s nada escreveu
a respeito.
(*) Vôr adiante a genealogia, Linhas unidas A e D, vil.
— 188

juram ento que havia prestado de fidelidade ao Snr. D. João VI.


Venceu a sua pertinacia, c foi-lhe concedido sahir da villa
com a condição que exigira, obrigando-se unicamente a não
pegar armas contra a independência. » (*)
Ainda então não havia chegado a villa do Brejo o
reforço da capital sob o commando do capitão Antonio
P ereira; inclusive as peças de artilharia e os artilheiros, que
só isso seria bastante para a sustentação da praça.
Km virtude da capitulação, sahio o capitão Sevcrino,
de S. Bernardo ( Brejo), com dois officiaes e cincoenta
soldados de linha, trinta milicianos, entre officiaes c soldados,
e, dirigindo-se ao lugar denominado JMocambo, districto de
Ycatú, alli se lhe reunio o tenente (million, do regimento
de indicias da capital, o qual commandava as quarenta
praças de linha que marchavam a fim de auxiliar as forças
estacionadas uaquella villa. Acamparam-se naquclle sitio, a
margem do rio do mesmo nome, onde se lhes devia encorporar
o capitão Antonio Pereira, com os artilheiros que ultimamente
tinham sabido da cidade, petrechos e munições que levava.
() capitão Sevcrino seguio para a capital a conferenciar com
I o governo. ' (**)
Entretanto, a força expedicionária do Brejo destacou
algumas praças, sob o commando do capitão militar João
Isidoro Bezerra, a fim de tomar o lugar denominado Ignara.
Aconteceu, porém, que este capitão foi preso, mediante
esforços dos eonstit ucionaes : e, apoderando-se do commando um
preto, João Ferreira do Couto, avançou elle sobre a Manga,
e tomou de assalto este lugar no dia 25, onde entrou na
madrugada desse dia. Assassinatos, roubos, e violências de
toda a cspecie, commettcu essa força sob o commando de
tal negro. Não podiam taes factos agradar aos independentes;

(*) L. A. VnaiiA da S ií.va, obra citada. Todavia, é licito


duvidar de que o capitão Sevcrino Alves de Carvalho se obrigasse a não
mais pegar armas contra a independência, desde que elle declarara manter
o juramento de fidelidade.
(**) L. A. VnaitA da S ilva, obra citada.
\

189

e, pois, o chefe Salvador Cardoso de Oliveira seguio imme-


T • ®
diatamente para alli, c, chegado, exprobrou a Couto os excessos
praticados, lodavia, Couto ainda continuou a servir no
exercito independente !
Dalli seguio Salvador Cardoso de Oliveira, com as
forças independentes, para a villa de Itapicuni-inirim, onde,
no dia 10 de Junho, pòz o cerco. Ao principio, houve a
resistência; e, em pequenos combates, os independentes
foram vencidos. Alas, alguns dias depois, em virtude da
deserção do tenente-coronel José Felix Pereira de Burgos,
forçosa tornou-se a capitulação. E, pois, foi permittido « que
regressassem á capital o tenente-coronel Ricardo José Coelho,
os capitães Antonio José de Carvalho, Scvcrino Alves de
Carvalho, Antonio Pereira, João José Alves de Souza,
W enccsláu Bernardino Freire, tenentes Antonio Carneiro
Al ves Junior, Ricardo Alartins Vidigal, Fernando Mendes de
Almeida, Joaquim de Souza Ribeiro, ajudante Antonio Joaquim
Diniz, alferes José Domingues, José Joaquim de Castro
Launé, Diogo Sarmento da Alava, Alanoel José Rodrigues
Ponçadilha,
o José de Oliveira Guimarães,7 Domingos
o da Costa
Lima, nove cadetes, dons sargentos, tres furriéis, um cabo,
um anspeçada, c dez soldados da companhia de cavallaria
franca. » (*)
Como vê-se, toda a força que se reunira no lugar
denominado Mocambo, logo que o commandante geral, capitão
Severino Alves de Carvalho, voltou da capital, recebera
ordem para hir em auxilio da villa de Itapicurú-m irim ; c
lá estava quando se deu a capitulação.
Todavia, continuava o cerco da villa de Caxias,
desde principio de Abril; apezar dc que eram mais de
seis mil homens os sitiantes independentes. Em 23 dc
Julho ainda o presidente da Ju n ta da delegaçao expedicio­
nária, e commandante em chefe do exercito auxiliador, dirigia
uma proclamação aos habitantes de Caxias. E, porque ja

(*) L. A. Vieira da Silva, obra citada.


190

havia cansaço de ambos os lados, começaram as communi-


cações entre os respectivos chefes para uma capitulação
honrosa; até que o major Joao José da Cunha Fidie,
sentindo o desejo geral da paz, domittio~.se de todos os
seus poderes desde o dia 27, a fim de poder ser levada a
effcito a convenção projeetada, a qual foi assignada no dia
30. Mais honrosa para os sitiados nao podiam ser as
clausulas da capitulação; pois que todos podiam retirar-se
da villa, sem a menor eoacção, levando o que lhes pertencesse,
e o exercito constitucional salnria annado, com bandeiras
largas, caixa batida, e mecha accesa, em direitura a cidade
de S. Luiz do Maranhão.
Entretanto, sendo de esperar a capitulação de Caxias,
somente restariam á Ju n ta Provisória e ao partido constitu­
cional a cidade de S. Iaiiz do Maranhão e as villas de
Alcantara e de Cuimarães, alem de outros pequenos lugares
no littoral. A Junta, pois, providenciando sobre a defeza da
capital, havia feito marchar no dia 0 de Julho, com destino
á Alcantara, o capitão Severiuo Alves de Carvalho, ja
com a patente de tenente-coronel, levando todos os officiaes
do seu batalhão, e a tropa de linha e munições disponíveis».
Este coimiiaiidante foi amplamento autorisado a agir como
melhor entendesse ('*)• Neste official residiam as ultimas
esperanças da Junta Provisória. Assumindo elle (e m Al­
cantara ) o commando de todas as tropas da primeira c
segunda linha, e as de qualquer outro districto ainda não
oceupado, as faria marchar para onde julgasse conveniente.

C) Não foi exacto o <lr. Cksais A. Marques, cm uma M e m o r i a


lida em sessão do Instituto Historico, de 27 de Julho de 1<S83. O tenente-
coronel Severino (não S e v e r i a n o ) Alves de Carvalho não adherio á
independência senão como vencido. K. assim, toda a familia no Brejo. A
adhcsão á Independência, de outro modo. e nas circumstandas expostas,
seria uma deslealdade, de que elle era incapaz. Sua fé de officio não
lucraria cousa alguma com tal procedimento.
Além disso, os povos do Maranhão e do Pará não consideravam
a Independência, do Brazil, tendo por centro o Bio de Janeiro, como ut.il
a dies nesse tempo. Quereriam talvez a independência propria, com a
reorgailisação do F.etado (lo M aranhão.
191

D cu-se-lhc também autorisação para nomear officiaes de


sua confiança; deprecar a todos os commandantes geraes ou
parciaes os auxilios de que carecesse; assentar praça nos
que estivessem no caso de servir nos corpos dos respectivos
districtos; ter espiões que o avisassem das disposições do
inimigo, podendo arbitrar as recompensas que entendesse
razoaveis» ('*). Era, para bem dizer, uma abdicação de
poderes da Ju n ta ; signal certo de desespero da causa (**).
Quando todos esses acontecimentos se tumultuavam
de tal modo que a Junta ignorava o que se passava em
Caxias, e os sitiados em Caxias não sabiam do que oecorria
na capital, chegou a noticia de que E l-llei 1). João VI,
desligando-se do juramento que havia prestado á Constituição,
reassumira todos os direitos magcstaticos. Foi como uma
bomba que arrebentasse no meio dos constitueionacs: — elles
que não se oppunham á Independência senão por arnòr de
seu juramento, viam-se assim ludibriados c sem o escudo
moral de suas convicções.
Im m ediatam ente a Junta Provisória convocou um
conselho mixto, militar-civil, para resolver o que conviria
fazer ante tal c tão nova situação. Este conselho, aceitando
os factos consummados, e entendendo que ninguem deve ser
mais realista do que o rei, ponderou á Junta a necessidade
de officiar á camara para que, no dia 14 ás oito horas da
manhã, reunisse camara geral a fim de deliberar definitiva­
mente sobre a conveniência da adhesão a Independência; e,
no caso affirmativo, proceder-sc cm seguida a nomeação de
um governo temporario.

(*) L. A. Vieira da Silva, obra citada.


(**) Contraste notável! Ao ]>asso (pie a familia da mulher do
autor deste livro, em S. Paulo, tinha sido favoravcl a Independência, pelo
tenente-general José Arouclie de Toledo Rendou e coronel Antonio Leite
Pereira da Gama Lobo, sua familia, no Maranhão, resistia ao grito do
Ypiranga, com armas na mão, ao principio na villa do brejo, depois na
de Itapicurú-mirim, ultimamente na de Alcantara! Para hem dizei, a
Junta Provisória, na capital, não teve em toda a província uma tami ia
mais numerosa c influente para sustentar a causa constitucional.
192 —

Mas, no dia cm que sc devia reunir a camara gcial,


entrou no porto uma esquadra portuguc/a, composta dc duas
galeras, dc um brigue, de duas escunas, c de duas sumacas.
Este facto alentou aos que não acccdiam á Independência
senão por falta dc elementos de resistência; e, pois, nada se
fez. Entretanto, a Junta Provisória, eomprenendendo a n u cs
sidade de entrar em armistício com o exercito independente,
nomeou para isso uma commissão. Os emissarios, porém, nao
passaram dc Itapirurii-mirim, reconliccendo que baldados
seriam seus esforços.
No dia 2(>, fundeou no porto a nao Pedro J,
acompanhada de um brigue, sol) o commando de loid ( oclnanc ,
e, após a pacificação dos espíritos, por causa da variedade
que os trazia agitados, foi proclamada e jurada a Indepen­
dência na cidade de S. Luiz do Maranhão, no dia 28 de
Julho de 1.S2J, ás onze horas da manhã, com as salvas do
estylo, e illuminação da cidade.
Nessa mesma occasião. como já ficou mencionado, o
eommandante geral da villa de f axias, sitiada pelos inde­
pendentes, negociava, sem sciencia do que se passava na
capital, a mais honrosa capitulação; assignada no dia 30. ( )
Em consequência da proclamação da Independência
na capital, lord Cochrane expediu ordem aos chefes de toda
e qualquer força armada, para que suspendessem as liosti-

('*) () conselheiro Tiustào i»k Ai.kncau Aiiaiuci:. Tmfeperulencki


Marmiltihi. Memória lida no Instituto historico, geographico e ethno­
graphic!) do Brazil, e puhlicada 11a A'o’/'Sfi, XI,\ 111. paite segunda,
segundo semestri' de lssõ. propoz-se a jirovar que, nao a lord Cochrane,
mas só á expedição cearense, eoininundada pelo eapitao-mor dose Pereira
Filgueiras. íoi devida essa nuw com/nista do Maranhao.
() assumpto não merecia tanto esforço de espirito, nem o tao
grande montão de documentos, na parte primeira do mesmo tomo. A lei
natural do synchronismo 1oi a maior o mais torte operaria do tacto da
Independência no Brazil inteiro: as resistendas destruídas serviram apenas
para attestar aquella lei em operação.
Todavia, é certo que a expedição cearense concorreu principal-
mente para o successo.
193

lici ades, exigindo ao mesmo tempo que enviassem emissarios


para conferenciarem, em sua presença, com o governo da
provincia.
No dia 7 de Agosto foi eleito o novo Governo
Provisorio, assim composto:
Presidente. — O capitão Miguel Ignacio dos Santos
Freire c Bruce.
Secretario. — O padre Antonio P. Pinto do Lago.
JMembros. — Lourenço de Castro Beltort, coronel José
Joaquim Vieira Belfort, Faldo Gomes da Silva Beltort,
Antonio Ray mundo Belfort Pereira de Burgos, tenente-coronel
José Felix Pereira de Burgos, e Antonio Joaquim Lamagnere
G alvão.
Por esta eleição, em uma só familia, como o sentio
lord Cochrane, verificou-se que, ape/,ar da proclamaçao da
Independência, a maioria da população conservava-se esquiva.
F accresceu que, marcada para o dia 1.", depois para o
dia 5, só no dia 7 logrou ser levada à effeito. F com que
cautelas? « Antes, porém, de proceder-se a eleição dos
membros do governo, o almirante (lord Cochrane) mandou
substituir o commandante do brigue Infante 1). Miguel; da
cidade e das fortalezas mandou retirar a tropa portugueza;
e mandou soltar os que estavam presos por opinioes
políticas. » (*)
Desde então, a cidade c o interior da provincia
entraram no regimen da anarchia. A tropa, na capital,
impunha as decisões; os portuguezes eram espancados poi
soldados; o bispo foi intimado para retirar-se c resignar a
diocese; alguns portuguezes importantes foram expulsos. E
taes foram os excessos que : lord Cochrane apressou-se a
officiar, de bordo da náo Pedro I, á Junta, estranhando as
severidades que tinham sido praticadas contra os portuguezes,
e determ inando-lhe que fizesse publica a resolução em que

(*) L. A. Vieira da Sirva, obra citada.


194

d ie estava dc tomar medidas decisivas para que cessassem


essas infamias ». (*)
0 capitiio-mór Rodrigo Luiz Salgado, por um lado,
abrio conflicto com o governador das armas tenente-coronel
José Felix Pereira de Burgos, e, por outro, com a Ju n ta
Provisória; ao mesmo tempo que a Ju n ta Provisória trocava
officios em linguagem inconveniente com o capitão-mor José
Pereira Filgueiras, presidente da Ju n ta da delegação expe­
dicionária do Ceará e Piauliy, com séde em Caxias.
Afinal, no dia 25 de Dezembro, apuradas as actas
da eleição de nova Junta Provisória, consideraram-se eleitos:
Presidente. — O capitão Miguel Ignacio dos Santos
Freire c Bruce.
Secretario. — José Lopes dc Lemos.
Membros. — Coronel José Joaquim Vieira Belfort,
Antonio Joaquim Lamagnere Galvão, capitão-mor Rodrigo
.Luiz Salgado de Sá Moscoso, arcipreste Luiz M aria da Luz
e Sá, capitão Sysnando José de Magalhães.
Contra esta eleição houve protesto de nullidade; não
obstante, a Junta foi empossada no dia 29.
Infelizmcntc para a nova Junta, o capitão-mór Rodrigo
Luiz Salgado era também governador das armas, desde que
obtivera depor o tenente-coronel José Felix Pereira dc
Burgos. E, pois, em Fevereiro de 1824, cogitou elle em
desfazer-se de seus companheiros, mediante uma denuncia de
republicanismo, attribuido ao presidente c secretario, valendo-
se da portaria do governo imperial, de 11 de Novembro de
1822. Reunido um conselho militar, foram presos aquelles
membros da Junta e mais outros parentes e amigos delles.
Como sempre acontece, tudo isso que fòra obra da
tropa seduzida, foi desmanchado em 24 horas por cila
mesma, mediante seducção nova; dc sorte que, soltos os

(*) L. A. V ieira da S ieva, obra citada.


195

presos, Rodrigo Luiz Salgado, deposto de governador das


armas, foi, por sua vez, recolhido á fortaleza de Santo Antonio,
onde haviam estado aquelles.
A anarehia chegara ao seu auge; e mais crescera
com a impolitica nomeação do tenente-coronel José Felix
Pereira de Burgos para governador das armas, obtida por
elle no Rio de Janeiro. Com muita difficuldade e má
vontade foi-lhe dada a posse no dia 22 de Abril. Dahi,
desde logo, seguiram-se conflictos com a Junta Provisória.
De seu lado a família Bruce trazia em constante agitação o
espirito publico, por suas demasias democráticas. O resultado
foi que, desenvolvendo-se no interior o movimento revolu­
cionário, o governador das armas entendeu dever recorrer as
tropas para a dissolução da Junta. Com cffeito, no dia l.°
de Junho, houve uma representação dos officiaes militares
nesse sentido; e os quatro membros da Junta, em effectivo
exercício, foram mandados para a fortaleza da Ponta d Area.
Não sendo possível continuar sem governo civil, foi
resolvida a eleição de um Conselho de provincia, na confor­
midade da carta de lei de 20 de Outubro de 1823. E,
pois, foram eleitos: o coronel Antonio de Salles Nunes
Belfort, o brigadeiro Sebastião Gomes da Silva Belfort,
Lourenço de Castro Belfort e o dr. Leocadio ferreira de
Gouvea Pim entel Belleza.
Estes factos causaram incrível irritação popular. Veio
im m ediatam entc a contra-revolução nos dias 4 e 5 do
mesmo niez. Embora os officiaes fossem a favor do Conselho
da provincia, os soldados, mediante a corrupção pccuniaiia,
sublevaram-se, até ao ponto do serem ensanguentadas as
ruas da cidade. Os membros da Junta Provisória, piesos na
fortaleza da Ponta d’Area, foram soltos c restituídos ao
exercido governativo. " Trocando-se as scenas, o tenente-
coronel Burgos, Antonio Burgos, e o arcipreste Luiz M aiia
da Luz e Sá foram presos, e receberam logo intimaçao de
que seguiriam para o Rio de Janeiro no dia 27. 0 arcipiestc,
além de có-réu na revolução do dia l.°, era accusado de
— 196

machinar, por intermedio do Bispo d. frei Joaquim de Nossa


Senhora de Nazareth, a união da provincia com Portugal,
recebendo em prêmio a mitra. > (*)
Entretanto, o movimento revolucionário no interior da
provincia tomara mor incremento, por ser fomentado poi
adversarios da Ju n ta; e esta já não tinha acção em ambas
as margens do rio Itapicurii. A’ camara da capital os chefes
revolucionários oftieiaram para que convocasse nova assembléa
oeral, a fim de eleger-se interinamente um governo temporario
de cidadãos hábeis, benemeritos e litteratos, com exclusão
expressa de fazer parte dclle cidadão algum das familias
intrigadas, isto é, de Burgos, Bruces, Belforts, e mais membios
do extincto governo ».
Comprehendendo Miguel Brucc que a guerra era feita
mais a elle do que aos outros membros da Junta, resolveu
assumir a inteira responsabilidade da situaçao; c, para este
fim, insinuou a necessidade de um movimento militar para
exigir a sua posse na qualidade de presidente da provincia,
independente do recebimento da carta imperial de sua
nomeação. Assim se fez; e elle tomou posse no dia 9 de
Julho. Bruce era homem cncrgico; mas os inimigos m ulti­
plicavam-se, e os revezes suecediam-se uns aos outros, além
das sublevações militares a abafar ou reprimir. Combates
foram dados, no dia 17, contra o fórte da Ponte d Area,
cuja guarnição insurreccionára-se, constituindo até um governo
em relações com a Junta expedicionária do Bosario.
llceeiando o ataque da capital, Brucc tratou de
fortificar ainda mais a ilha, pelo lado opposto ao da baliia.
Augmcntado o numero de deserções, reccorreu aos píesos,
abrindo a cadòa publica, e armando-os. Os emissarios de
Bruce, no interior, eram verdadeiros flagcllos publicos, e mais
irritavam as povoações. Mas, não obstante, a força expedi­
cionária foi infeliz no ataque á capital ; e voltara para o
Rosario.
(*) L. A. V ieira da Silva, obra citada.
— 197

Bem examinando o caracter desta lucta, o jornal


Argos da L ei assim o apreciava: « Os dons partidos, o
central e o da cidade, combatiam por motivos particulares
da provincia, e não pela forma de governo. Como o nome
Republica tem se tornado odioso aos verdadeiros amantes do
Imperador, todos os bandos imputavam aos seus contrarios o
crime de republicanos, para melhor attrahirem os povos, que
muito acatam a sua pessoa. Assim, Bruce chamava repu­
blicanos aos dissidentes do Itapieuru; estes, aos partidários
de Bruce. »
Não podia continuar um tal estado de cousas; mesmo
porque o movimento revolucionário também manifestara-sc
na provincia do Ceará, enviando emissarios aos revolucionários
do Maranhão para uma liga.
Tendo aportado ao Maranhão, no dia 9 de Novembro,
a não Pedro Z, trazendo a seu bordo lord Cochrane, conheceu
este almirante que o caso pedia urgcntissimo rem edio; e,
pois, no dia 12, assumio o commando militar cm chefe até
que fosse restabelecida a ordem publica, e afixou uma
proclamação energica, intimando aos dous partidos para que
depuzessem as armas.
Afinal, vendo que Bruce era o pomo da discordia, e
que até preparava-se para resistir as suas intimações,^ lord
Cochrane julgou necessario depòl-o da presidência da província;
encarregando a administração ao secretario Manoel ielles da
Silva Lobo; e tudo isso foi feito no dia 25 de Dezembro.
O primeiro acto de Lobo foi officiar a Bruce paia que
embarcasse na galera George, com destino ao Rio dc^ Janeiro,
allegando que sua permanência na provincia agitava os
animos. Com Bruce, outros receberam idêntica intim ação; e
a galéra sahio no dia 4 de Janeiro de 1825. Ainda outros
compromettidos nas dissensões anteriores seguiram depois, na
corveta General Lecor.
Tudo isto foi communicado ao governo imperial; e,
para occultar o crime, o presidente interino declarava que
198 —

Bruce pedira seu passaporte, e que o marquez do M aranhao


(lo rd Cochrane) annuira aos seus desejos, mandando ate
apromptar-lhe embarcação para lcval-o. M entia ao governo
imperial, e escarnecia da victim a. . . .
T.ord Cochrane, assim manobrando, punha e dispunha
do governo do M aranhão! E, pois que tinha uma reclamação
de 'dinheiro a fazer, queria presidente seu. Por isso, a
chegada do tenente-coronel de artilharia Pedro Jose da Costa
Barros para presidente da provincia, em 5 de 1 cvcreiro
de 1825, na charrúa A u im o -C rcmde, muito o contrariou.
Resolveu, desde então, oppòr todos os embaraços a sua
posse, soh o pretexto de dissensões e tumultos, em que
convinha pòr algum cobro.
Em vão, o presidente nomeado trocou com o almirante
officios, desde 8 até 11 de Março; o almirante intimou-o
para seguir, no dia 12, no brigue Cacique, com destino ao
Pará, porque sua resolução estava tomada! O presidente
Costa Barros protestou; mas, lord Cochrane não^ deu-lhe
attenção alguma, lh a o arbitrio da força contra a legitimidade
do direito; e este, sem meios de defesa, submetteu-sc.
( 'om a decisão tomada de não dar posse a Costa
Barros, lord Cochrane declarou restabelecida a lei militar,
até ordens superiores, se antes nao fosse restabelecido o
socogo publico. E, no dia 12 de Março, officiou ao presidente
interino Lobo, intimando-o para « commumcar a «Junta da
Eazenda o seu desejo de ter uma conferencia pessoal com
aqnelle corpo, esperando encontrar naquclla occasião todos
os membros '.■>! A conferencia pessoal foi rcahsada; ícgulaiam -
s(' as exigências do almirante, a sua vontade; e fez-sc-lhc
o pagamento.
Tendo de deixar o porto, conferio a Lobo o posto
de coronel de indicias, e o encarregou do cominando das
armas, com todas as vantagens pecuniarias do cargo! E, no
dia 18 de Maio, a náo Pedro I fez-se ao mar para o Rio
de Ja n e iro ; e elle, no dia 20, seguio para a Inglaterra na
fragata Piranga.
199

Entretanto, o governo imperial, não approvando o


procedimento de lord Cochrane para com o presidente
nomeado Costa Barros, ordenou a este que fosse logo e logo
tomar posse, c ao presidente interino officiou que lh a desse,
sob pena de ser severamente punido por sua desobediência.
De facto, sem fazer menção de mais duas adminis­
trações tão illegitimas como a de Lobo, a autoridade legitima
foi restaurada, voltando o tenente-coronel Pedro José da
Costa Barros ao Maranhão, e tomando posse no dia 31 de
Agosto de 1825.
E sta administração foi violenta; c, para cohonestar
as perseguições, cofotou, em Maio de 182G, de phantasiai
r & J t , , , . . o t

um plano sedicioso, cujo inicio seria o seu assassinato, oo


em l.° [de Março de 1S27 entregou o governo ao vice-
presidente.
Succedeu-lhe o marechal de campo Manoel da Costa
Pinto; o qual tomou posse cm 28 de Fevereiro de 1828.
Também commetteu violências, ao ponto de mandar recrutar
o redactor do Pharol Maranhense, José Candido de Moraes
e Silva. Pòz em execução para com Manoel Odorico Mendes,
deputado á assembléa geral legislativa, e redactor do D es­
pertador Constitucional, a theoria « que, nao podendo ^ os
offcndidos chamal-o á responsabilidade, cumpria-lhe evitar
por um lado que não ficasse sem desaggravo a honra do
cidadão, c por outro lado que a Constituição não fosse
violada». Por isso ordenou á typographia nacional que não
mais imprimisse aquelle jornal.
Deixando Costa Pinto o governo, a provincia entrou
por algum tempo cm p az; a industria agricola desenvolveu-se,
e o commercio com isso rcergueu-sc. Sobreveio, porém, a
abdicação de D. Pedro I, em 7 de Abril de 1831; e tanto
foi bastante para reaccender o espirito revolucionário c
restaurar o costume das sedições militares. Em 13 de Se­
tembro, uma sedição militar e popular, na capital, expulsa
da provincia alguns magistrados e pessoas notáveis. E, em
— 200 —

19 de Novembro, um motim popular levanta-se contra o


presidente da provincia, desembargador Candido José de Araújo
Vianna (*), empossado desde 14 de Janeiro de l o - J .
Suffocado na capital, mantem-se no interior; mas, no dia
12 de Janeiro 1832, o presidente da província, em uma
proclamação sob o caracter de amnistia, annuneia o resta­
belecimento do império das leis. ( )
Não era, entretanto, somente no M aranhão que o
espirito da anarclna tudo perturbava.
'bambem no Rio de Janeiro, cm 14 e lã de Julho
de 1831; em Pernambuco, em os dias 14, lo e 1G de
Setembro; ainda no Rio de Janeiro, cm 7 de Outubro; no
Ceará, em 14 de Dezembro.
Pin 1 S32, no Rio de Janeiro, aos 3 c 17 de Abril;
cm Pernambuco, a guerra dos cabanos, que começara no dia
14 de Abril por uma sedição militar, durando ate 18.>õ,
em o Pará, no Rio-Negro, a sedição militar, de 12 de
Abril, durando até fins de Junho.
Pm 1833, cm Alinas-Gcraes, na cidade de Ouro-
Prcto, revolta popular para a deposição do vice-presidente
da provincia cm exercício, no dia 22 de Março; ainda no
Pará, motim popular para impedir a posse do presidente da
provincia e do commundante das armas, alh chegados do
Rio de Janeiro, em 16 de Abril; no Ceará, sedição militar
contra o presidente da provincia, cm 10 de Novembro; no
Rio de Janeiro, tumulto e aggressões contra os que publi­
cavam gazetas contrarias ao governo, em 5 de Dezcmbio,
ainda no Rio de Janeiro, a prisão e deposição do tutor do
Imperador conselheiro Jose Bonitacio de Andrada c Silva,
em l ã de Dezembro.
Pm 1834, na cidade de Cuyabá, insurreição e

(*) Depois, visconde de Sapucahy, senador e conselheiro de


estado.
(**) Esta proclamação foi publicada no llio de Janeiro, no
D ia rio do Gorcvvo, u. Sã, de 1*> de Abiil de 1SJ2.
— 201

horrível matança, ele 30 de Maio a 5 ele Julho; no Ceai a,


assassinato judiciário de Pinto Madeira, em 28 de Novembio.
No Pará, em 1835, assassinatos do presidente ela
província c elo commandante das armas, sendo acclamados
presidente— o tenente-coronel helix Antonio Cleniente Malchei,
e commandante das armas Francisco Pedro Vinagre, cm 7
de Janeiro; também no Para, assassinato do reíerido Malchei,
reunindo Vinagre as duas autoridades, civil e militai, cm 2G
de Fevereiro ; no Rio-Grande do Sul, a grande revolução
capitaneada pelo coronel Bento Gonçalves da Silva, que ao
mesmo tempo publicou o manifesto de 20 a 25 de Setembio.
Esta revolução durou até 2S de Fevereiro de 1845.
Em 1837, na Bahia, a revolução, denominada Sabinada,
em 7 do Novembro.
Em 1838, no Maranhão, a revolta denominada
Halaiada, aos 13 de Dezembro.
Vò-se, pois, que o espirito publico andava agitadíssimo
em todo o Imperio, sob o governo da llcgcncia. As ambições,
cuja satisfação era impossível pelos meios normaes, recorriam
ás armas, ou cm fôrma de sedição militar, ou como motim
popular. Como, pois, o Maranhão escaparia a esse geral
influxo revolucionário ?
Era então presidente da provincia Vicente lhom az
Pires de Figueiredo Camargo, empossado desde 3 de Março
de 18.38. Declarou-se na villa da Manga a revolução, tendo
por chefe um cabra (*), de nome Raymuiido Gomes: ao
(*) K’ individuo dc côr escura, oriundo dc negro com indio, ou
de indio com n o d a t o . Mulato é o till.o de branco com negra.
A palavra c a b r a é, segundo alguns, uma abreviatura corrupta
da denominação c a r i b o c a , usada pelos t u p i s para assignalar cm geral o
mistiço. Do mesmo modo, a palavra c a b o c l o .
Também sóem denominar t a p a n h m m os que, oriundos de negro
com indio, são muito escuros: os mais claros são . v i b a r o . Mas, os por-
tuguezes, preferindo a denominação africana, c a f u z , c a f v a o , para significar
o oriundo dc homem negro com qualquer individuo dc outras íaças,
vulgarisaram de tal modo no Brazil essa denominação, que as da língua
t u p i não são usadas.
— 202

qual, só depois, em Fevereiro de 1839, unio-se o caboclo


Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, de alcunha Balaio,
por ser muito gordo, ou, segundo outros, por viver da industria
de balaios; e mais tarde também o negro Cosme, com mais
de tres mil escravos fugidos das fazendas. Sahindo da villa
da Manga, onde eram protegidos pela camara e pelo juiz
de paz, Raymundo Gomes c seu bando foram sobre a
povoação da Chapadinha, cm direcção á importante villa do
Brejo (*). Perseguidos desde logo por forças idas da capital,
atravessaram o r?o Parnahyba c penetraram no territorio da
provincia do Piauhy. Repcllidos alli, voltaram ao territorio
do M aranhão; c foi só então que o caboclo Balaio appareceu
entre os rebeldes.
A administração passara ao tenente-coronel de enge­
nheiros Manoel Felizardo de Souza e Mello, empossado em
3 de Março de 1839, anniversario da posse de seu antecessor.
Acreditando no que com malicia o informaram, escreveu ao
governo imperial que a provincia estava em p a z ! Infelizmentc
as noticias do interior o desilludiram ; e, pois, foi obrigado,
em poucos dias, a providenciar a segurança publica, mediante
a remessa successiva de forças militares.
O correu em seguida um facto lamcntavcl. « O capitão
Pedro Alexandrino, que, á frente de cento e setenta e tres
praças, se achava no lugar denominado Angicos, comarca do
Brejo, tendo ahi feito juneção com o tenente-coronel João
Josó Alves de Souza (**), foi assaltado inopinadamente pela
força de Balaio, passante de mil homens, que os destroçou
completamente; e ahi praticaram os rebeldes actos de honor,

(*) Diziam-se Icmtcvis, ou liberacs.


Os governistas eram cabanos, ou conservadores.
Ambos os lados — sempre monarebistas !
Jicmtevi é o nome de um pequeno passarinho cujo canto como
que exprime aquella palavra.
C a b a n o equivalia a s e r t a n e j o : porque os conservadores eram mais
fortes no interior.
(**) O mesmo (pie figurou nas luctas da Independência.
— 203

arrancando os olhos, cortando as orelhas e pedaços de carne


ao capitão Alexandrino, ao tenente-coronel Souza, e a ontros
officiaes nossos, ainda vivos, que assim atrozmente martyiisados
morreram no meio das maiores angustias». (*)
Já nessa occasião o tenente-coronel João José Alves
de Souza havia sabido a noticia do assassinato de sua mãe,
I). Euzebia Maria da Conceição (**), em sua fazenda, á
margem do rio Parnahyba, pelos rebeldes: ella, cuja edade
excedia a noventa annos, e cuja culpa era somente a de
ser mãe c sogra de varios chefes conservadores ou legalistas,
coronel Sevcrino Alves de Carvalho, tenente-coronel João José
Alves de Souza, capitão Antonio Pereira, capitão Valerio Alves
de Souza, e capitão Fernando Mendes de Almeida. Depois
de a assassinarem com tantas facadas quantos ciam seus
filhos e (renros, fizeram em pedaços seu corpo, e, só assim
mutilada, a enterraram em um buraco, f )
(*) I). J. G. M a O A U IÃ K S, M em o ria h isto rica da revo lu çã o d a
p ro v in d a do M a ra n h ã o desde IS .iS a te JS Ítí.

Quem guiar-se por este cscriptor, para conlicccr a revolução da


provincia do Maranhão, será victima de muitos enganos. Pedro Alexan­
drino não foi morto pelos rebeldes, embora a primeira noticia tosse esta;
trahio a causa legal, c entregou-lbcs em A n a i c o s o tenente-coronel Joao
José Alves de Souza c suas forças milicianas. A torça de lmba bandeaia-sc
com o seu eommandante. O proprio MaoauiAks, mais adiante, pag. 7..,
menciona varias vezes Raymundo Gomes acompanhado de 1 edro Alexan­
drino; com referencia a successos de 1840. I» ate, depois, pag. i K , o
faz morrer de uma apoplexia.
Não obstante a insufficicneia das narrações, e, por outro lado,
a inexactidão c desordem dos factos descriptos, a M e m o r i a do M aoal.iães
foi premiada com a grande medalha de ouro, pelo Instituto Ihstonco
Geographico e Ethnographico do Brazil, em sua sessão solcmnc do 1847 !
Ha sem duvida, muito a aproveitar nessa M e m o r i a ; mas_ 6
obra incompleta, tendo aliás o autor documentos officials a sua disposição,
como secretario do governo, no tempo da admimstraçao do coronel Luiz
Alves de Lima. Foi justamente criticada por S otf. uo dos Itms.
('**) Avó materna do autor deste livro. 4 iuva do capitão-mór
Domingos Alves de Souza.
m * \ Soriirendc que 1). J. G. Magai-ii Aks haja esquecido este
facto horrível, constante da correspondência official no tempo em que
houve lugar.
204

Parece que as forças de linha, quando saturam da


capital, já estavam iscadas do espirito revolucionário, não se
podendo attribuir o desastre de Angicos senão a trahiçao:
até mesmo muitos soldados, ou quasi todos, passaram-se alii
immediatamente para as fileiras de Balaio.
Os rebeldes resolveram desde então o assalto á
cidade de Caxias, a mais rica c commercial da provincia. E
foi então que appareceu o negro Cosme com os milhares de
escravos. Toda a população errante c aventureira das comarcas
do Brejo, Itapiciirú, Caxias c Pastos Bons, excitada pela
cobiça dos despojos opimos, se Caxias cahisse em podei
dos rebeldes, entrou nas fileiras destes.
Infelizmentc, depois de sustentar um longo assedio,
e de esperar embalde os soccorros da capital, Caxias teve
de capitular, em l.° de Julho de 1830. Os chefes conser­
vadores, entre os quaes o capitão Fernando Mendes ^ de
Almeida, foram presos. E o saque começou: ao pi incipio,
disfarçado cm contribuições da guerra; depois, sem fórma
alguma que o cohonestasse. Por misericórdia Divina, as
familias foram poupadas; reunindo-se, todas as dos chefes
presos, cm casa de um negociante que dizia-se estai em
relações partidarias com os rebeldes c que de facto foi
grande amparo.
Passaram-se alguns d ias; c os rebeldes resolveram
audaciosaincnte descer o rio Itapieuru, ao encontro das forças
de linha mandadas contra clles; levando os prisioneiros e
suas familias. Estacionaram, rio abaixo, na povoação de
Coroatá. As forças de linha, porém, haviam tido ordem do
governo para voltarem á capital, cuja população estava
rccciosa de um assalto dos revolucionários, e onde de facto
existiam os chefes occultos, os verdadeiros chefes, da revolução.
Todas as circumstandas concorreram, entretanto, a
bem dos presos. Os rebeldes em Coroata, sob o commando
de Raymundo Gomes, não tinham os instinctos ferozes dos
commandados por Balaio e por Cosine. Ao mesmo tempo
— 205

chegara a noticia de que seriam atacados, simultaneamente,


por forças da capital, e por forças do Piauhy. A verdade 6
que os presos, mediante a deserção de alguns sub-cliefes e
a corrupção de diversos guardas, e sob o pretexto do passeio
que costumavam fazer diariamente, conseguiram transpor a
linha do acampamento, tomar cavallos já de antemão alli
postos por ordem de um rico lavrador de Itapicuru-mirim, e
seguir para esta villa.
As familias ficaram cm Coroatá; confiando apenas
na Providencia Divina. Quando os chefes rebeldes souberam
da fuga, travaram entre si uma briga, cujas consequências
poderiam ser fataes; cada qual attribuindo aos outros o
deleixo no acampamento. Esse conflicto chegou a tomar
proporções assustadoras: llaymundo Gomes esteve prestes a
travar duello, á espada, com seu irmão, um dos sub-eliefes.
Acalmados, porém, foram deliberar em conselho sobre a
sorte das familias. Alguns queriam punir nellas a fuga dos
prisioneiros. Felizmente a intervenção de uma mulher, ama­
siada com Raymundo Gomes, salvou-as. A tal mulher, com
uma coragem indeseriptivcl, foi ao porto, mandou preparar
uma gabarra (*), gratificou os tripulantes, c fez seguir para
a villa do Itapicurii-mirim as familias.
Quem escreve estas linhas, embora tendo apenas oito
annos de edacle, assistio a tudo isso, desde o còreo e tomada
de Caxias, até a estada em Coroatá; vio a fuga dos presos,
entre os quaes seu pae, e embarcou com as famílias, no
mesmo dia, á tarde, para a villa de Itapicuru-mmm.
Presos e familias chegaram afinal a capital da
provincia.
Entretanto, os rebeldes julgaram ^ melhor voltar a
Caxias: onde, sendo atacados, foram obrigados a retirar-se;
para, mais tarde, depois de assolarem a comarca de Pastos
Bons, e certas regiões das provincias c o iau i) e Goyaz,

(*) Barco de fundo chato,


quasi do tamanho dc uma suinaca;
maior, porem, que quatro lanchões.
— 206 —

virem assediar de novo, sob o commando do caboclo Balaio,


a mesma cidade de Caxias, onde lograram enti.u cm 9 de
Outubro.
De posse da cidade de Caxias, o famoso Balaio foi
alii morto por um dos seus, na occasião cm que saqueavam
a casa de um cidadão suisso; dentro da qual ainda assas­
sinaram quatorze pessoas.
Com a deserção dos chefes Coque c Domiciano Ayics,
que se passaram para as forcas legacs; com a morte do
caboclo Balaio; com as assolações feitas ^ por Cosme e
escravos a ellc submettidos: o espirito publico foi-se reerguendo,
e mesmo o governo, a hm de colher as palmas da victoria,
reunio maior numero de forca de linha para a perseguição
dos rebeldes. A verdade 6 que já também então os chefes
occultos da capital da provincia estavam arrependidos de
favorecerem a rebelhao; — reconheceram que haviam saltado
além da sombra propria.
A rebcllião, portanto, estava já completamente des-
moralisada, (piando para presidir o Maranhão foi nomeado o
coronel Luiz Alves de Lima e Silva (*), e empossado em
7 de Fevereiro de 1840. Os rebeldes, embora calculados
em mais de seis mil, andavam divididos em troços, sem a
menor ligação disciplinar, oceupados apenas cm guerrilhas e
nos pequenos assaltos a povoados c a fazendas sem guarnição,
so e somente para o saque. Não obstante, ainda que tal
guerra, nesse estado, denunciava seu proximo fim, não deixava
de ser mais eneommoda ás forças do governo, obrigadas a
multiplas e repentinas mobilisações.
Em ó de .Janeiro de 1841, o presidente da provincia,
coronel Luiz Alves de Lima e Silva, teve a gloria de com-
mmiiear ao governo imperial o fim da guerra civil. A amnistia
concorrera também para pacificar a revolta; pondo ao serviço
do governo milhares de rebeldes, que então mais valiam
para a lucta de guerrilhas do que as forças de linha.

(*) Morreu duque de Caxias, em 7 de Maio dc 1880.


— 207 —

Essa sanguinolenta revolução, se foi um mal, foi ao


mesmo tempo um remedio. Um mal; porque empobiccou
a provincia, arrastando-a á decadência agricola. Um rem edio;
porque extirpou nos maranhenses a mania democrática das
amotinações.
A queda foi im m ensa; c seus effcitos ainda perduram.
Sem embargo, o Maranliao, a similliança da antiga Athenas,
exactamente quando as desgraças o deviam humilhar, poi
desfalecer-lhe a força material, surgia de outro modo,
ostentando o sceptro scicntifico c litterario, nos seus gram­
maticos, seus poetas, seus jornalistas, seus parlamentares, seus
historiadores, seus jurisconsultos, seus mathematicos ('), até
hoje ainda não excedidos no Brazil.
Ainda alli é onde tem abrigo, como em um verdadeiro
santuario, a lingua portugueza classica, enriquecida e mais
alindada com muitas palavras da lingua tupi. La, também,
a lingua portugueza vulgar não corrompc-se tanto e tao
facilmente como nas demais provincias, quiçá mesmo em
Portugal. A razão disso é sé e somente o velho ensino
o
primario, sem o apparatoso artificio de um normalismo
ignorante c prctcncioso, que, além de custar tanta despeza
aos cofres publicos, não faz senão prejudicar a vcrdadcna
instrucção popular.
A lingua! — eis, sem duvida, o mais precioso bem
de uma nação. Os povos não se reconhecem cm suas origens,
nem podem attestar sua superioridade moral, senão pela
liinuiacrem. E que mais forte lei organica tem as hegemonias.
O G 1

m Io Notts, que não é senão J oaquim S erra , tao conhecido


por suas obras litterarias c por seus eseriptos .lo ta n “ "“ Iwiro « 8 »
politico, no pamplilcto &.«<•>«,. «»»»« .tr jor»,,!r..»», Kio d« J “““ ’
menciona a mór parte desses maranhenses íllusties. _bao suas estas
palavras- « 0 Maíanhão, além de ter possuído um jornalismo muito
adiantado, 6 o berço do primeiro p o e t a lynco ^
do primeiro mathematico brazdciro ( G o m e s d e S o u /a ), c do \
1 5 dos poemas grego e latino (O dorico M endes ), a lUada e a

Eneida' \ , necessari0 accrcsccntar; «c do primeiro grammatico brazileiro


(SOTERO DOS lÍE Is). »
208 —

Foi com a multiplicação das linguas que Deus ferio


c desanimou a audacia dos constructores da torre de Babel.
Tão certo ó que, não tanto o sangue, menos ainda os
costumes, nem mesmo a crença religiosa (vinculo aliás
fortissimo), mas principalmente a lingua, é ó que melhor
renue os individuos, forma os povos, estende as raças.
Guardar a lingua — e mais do que defender a peisonalidado
nacional: é, sobretudo, honrar e perpetuar a raça no inundo
inteiro.
CAPITVTA) XO NO

BREVE EPÍLOGO
Aqui finda este modesto trabalho historico. Outros o
ontinuarão, em tempos futuros.
E ra indispensável esse ainda que ligeiro exame dos
icontecimentos e fastos publicos, antes de penetrar a historia
la familia. A genealogia, que adiante vac escripta, impondo-se
)0r sua nobre legitimidade e por notorios serviços a causa
lublica, não podia deixar de ter por portico a historia
íacional. Nem lograria ser eomprchendida, se nao fosse
oosta em evidencia a ligação entre seus successivos perso­
nagens e a historia do Brazil, particularmentc das capitanias
de S. Vicente c S. Paulo e do Maranhao.
A historia das nações não ó, com cffcito, senão a
biocrraphia dos individuos, a chronica das famílias os annacs
das° povoações, formando tudo isso um conjuncto de tradições
gloriosas.

Nem era de outro modo que os antigos procediam.


Os paes de familia em Roma tinham seus registros par­
ticulares ou domesticos, denominados tabulai ou rationalur.
— 210

para a escripturação da receita e da despeza, eomo evidencia-se


da segunda verrina de C icero (*). Mas, tarabem possuiam
arehivos, tablina, onde depositavam c conservavam as memorias
dos antepassados, commentarii diurni, as taboas genealógicas,
stemmata, os necrologios, laudationes mortuorum. Nem ha
necessidade de abrir P linio , T ito-L ivio, A ulo-G ellio , J uvenal,
T acito, e tantos outros, para a attestação desses costumes
romanos: basta procurar cm qualquer M agnum Lexicon da
liiVHia latina o significado daqucllas palavras. (**)
Além disso, os homens públicos, isto é, os cidadãos
envolvidos nas luctas politicas e nas guerras, ultrapassavam
em seus Commentarii os lindes familiares, para narrarem acon­
tecimentos locaes ou nacionacs em que foram parte. Sem
mencionar J ulio (.'f.sah, que escreveu toda a historia de suas
guerras nas Gallias e de suas luctas com Cneio Pompou,
assim o fizeram Quinto 1 abio, L. Catullo, Sylla, Augusto,
Tiberio, e outros. (***)
Quem sabe o papel que o pae de fam ilia representava
em Horn a, comprehende o valor de todos esses documentos,
ainda que domesticos, quer sob o ponto de vista moral,
quer sob o ponto de vista politico; accrescendo que eram
(=!•) Cut: li o, I n C. V e r r e m a c tio s e c a n d a , I, 23. H a b e o et i s t i u s ,
et p a t r i s ejus a c c e p ti t a b i d a s o m n e s ; q u a s d i l i g e n t i s s i m e legi a t q u e digessi'.
p a t r i s , q u o a d v i x i t ; t u a s , q u o a d a is te c o n je c is s e ............. A u d i m u s , a l i q u e m
t a b u l a s n u n q u a m c o n fe c isse .............. A u d i m u s , a l i u m n o n a b i n i t i o f e c i s s e , se d
ex te m p o re a l i q u o confecisse : est a l i q u a e t i a m h u ju s c e i c i l a t i o .
E, para que se saiba a fé desses registros privados em Roma,
npezar do máu conceito que Verres merecia a C íc er o , este immediatamente
O apostrophou: V n u m o stende in t a b u l i s a u t t u i s a u t p a t r i s t u i e m t u m esse;
v ic isti... « Provae com os vossos registros, ou corn os de vosso pae, a
compra dc um so quadro ou de uma unica estatua, dar-me-hei por
vencido. »
(**) Ha uma obra especial para o estudo de taes costumes e das
instituições de familias c de classes na Grécia c em Roma: F ustel de
Coulanges, I a cite a n t i q u e : Étude sur le culto, le droit, les institutions
de la Grcce et de Rome.
(***) Q£ ÜEZOBRY, H o m e a n siècle dl A u g u s t e , III, 90. Obra
magnifica para quem quizer conhecer as instituições e os costumes daquelles
tempos.
211

matcriaes para a historia, cis quo os escriptores os leuniam


e concatenavam, juntamente com os Acta Patrum, escriptos
pelo pontifice magno no decurso de cada anno (*(*), os
Commentaria Senatus, actas do senado, os D iurna populi
Romani, jornal para o povo, e os D iurna urbis acta ( ),
cm que eram mencionados os casamentos, divorcios, nasci­
mentos, mortes, jogos, festas, condem nares, execuções, c mais
factos de cada dia. (***)
Essas boas praticas das familias romanas passaram a
todos os povos europeus. E conhecido na Allemanha, Italia,
França, líespanha, Portugal, o uso dos livros domesticos e
genealógicos, transmittidos de paes a filhos; com as decla­
rações, cm ordem chronologica, de todos os tactos relativos <i
familia, nascimentos, casamentos, obitos, alem de acontecimentos
• , n /
públicos que porventura a interessaram. ( )
Os Ricordi autobior/rajici e di fam vjha, de F . G u i c ­
cia rd in i, publicados por seus descendentes em Ilorença,
1867, são um modelo do que foram esses livros domesticos e
genealógicos. E G i u s e p p e C a n e s t r i n i , que prologou aquclles
Jlicordí, mencionando outros muitos de varias famílias de
Italia, fez esta notável observação: «G rande numero de
florentinos dos séculos X IV e XV deixaram os mais preciosos
documentos sobre os antigos costumes locaes e domesticos
(*) Estes registros continuaram somente até a morte do grande
pontifice Mucius Sc.kvoea, no anno de líoma 672.
(**) Este D i a r i o de. J t v n i n é denominado variamente pelos cscrip­
tores: a c t a u r b a n a , a c t a d i u r n a , OU mesmo a c t a p u b l i c a . ClOERO, E p i s t .
f a m ' d . , VIr, 11, escreveu C o m m e n t a r i u s r e r u m u r b a n a r u m .
(***) J. EauDKT, D e la p u l i c e ehez les D o m a i n s , II, 4, 4, explica
o modo de publicidade official de todos esses a c t a :
« Quant au mode de publicite, on doit remarquei' d abord que lc
d]uriel a c t a n’indique point la plurality des journaux II liy avait_ pas
plusiciirs journaux du Sonat; les a c t a S e n a t u s sont les divers faits consignes
dans uno sculc et unique redaction. Amsi les a c t a p o p u l i ne siBuihcnt
qu’un scul journal qu’on copie en entier ou par extrait, cliacun en prenant
ce quii veut >.
(****■) Cii. I)E ItllinE, L e s f a m i l i e s et l a s o c i e t é e n F r a n c e a v a n t
l a R e v o l u t i o n , I, 1. Cita elle P. J anneT, L a f a m i l l c , L c ç o n s d e p h i l o s o p h e
m o r a l e , C De M oxtalembeht, D e T a v e n i r p o l i t i q u e d e V A v g l e t e r r e .
— 212

(patrie e dome ric h e). Mesmo negociantes intercalavam em


seus livros de razão ( in sui libri d ello loro ragiom ) a
narração de factos importantes da cidade, c redigiam assim
chronicas patrioticas, domesticas e aiitobiograplncas, nas quacs
inseriam bellas maximas c sentenças moraes, com textos da
Kseriptura Sagrada. >
Um moderno escriptor francez, em uma obra de alto
valor social (*), mostra que cm França o costume das
Memorias de familia teve extenso e salutar desenvolvimento;
,, offcrece numerosos e curiosissimos documentos para prova
de seus assertos.
Fsto mesmo escriptor, examinando a influencia das
familias em suas relações com o municipio e com o Estado,
patentòa a necessidade de ser mantida a aqucllc agrupamento
primario toda a autoridade moral; e, citando J. Bodin,
Les sir Urres de la liepublitjite, obra escripta no século X V I
ainda sob o influxo dos bons principius, transcreve delle este
eneraico pensamento: E' impossível que a republica valha
alguma cousa, se as familias, que devem ser seus alicerces,
são mal edificadas. (**)
Com elicito, só nas familias bem ordenadas é que
as raizes do futuro social se nutrem. As familias bem
ordenadas são as que procedem de casamento legitimo e
s u b m e t te m - s e á disciplina moral (***)• Mas, isso não basta;

p) ('ii_ ])],; Kiniii:. Jscs fi u n i lie s e.t lo s o c ie te e n l r a n c e eive tn t lec


J í c r o ln tio n . .lá citado na nota anterior.
Todas as obras de Cu. nu líimn: merecem ser possuídas c lidas.
p>q As obras de J. B odin passam como escriptas com grande
sabedoria e profundeza de vistas.
Sem importar a aceitação de todas as doutrinas de Ad.
F k . m n c k , P h ilo s o p h ic d n d r o it c i v i l , Taris, 1886, (luercmos trasladar de seu
livro para este uma verdade:
v Ni le mariage ddnterèt, ni le mariage dc vanité, ni le mariage
d’ambition ne sont dans la nature. Te seul m a ria g e ,---- tel que Ta rêvó
au moins une fois dans sa vie touto fame gencreuse, e’est celui qui,
(Taccord avcc le respect de nous-même et celui de la personne aimee,
commence avec 1’amour et se confond avec l’amour jusqu’au moment
du divorce inevitable, du divorce éternel. »
— 213

— é-lhes ainda indispensável a guarda das velhas tradições,


como respeito aos antepassados, e o zelo dos bons costumes,
como exemplo aos vindouros. Não significa isto a renovação
de praticas aristocráticas. Acaso só a familia nobre tem
uma Ogenealogia
©
a honrar ou uma longa ^
successão dem virtudes
*
a perpetuar ? hm Roma, muitas familias plebeas tinham os
seus commentaria e stemmata: por exemplo, a familia de
Mucio Scaevola e a de Paulo Emilio. No fim do seculo
X V III, o famoso Benjamin Francklin, que foi presidente dos
Estados-Unidos, elle filho de um ferreiro, não quiz morrer
antes de verificar e coordenar, pelos registros na respectiva
parochia cm Inglaterra, a genealogia de sua fam ilia; e fez
só para isso a viagem á sua antiga patria. Apezar de ser
uma familia humilde, Benjamin Francklin conseguio formar-
lhe a linha genealógica desde 1555; e mais não obteve, por
faltarem-lhe assentos e esclarecimentos nos registros públicos.
Os quadros genealógicos são, cm verdade, exemplos
e um freio para a manutenção da dignidade da familia.
Com o auxilio das genealogias fortifica-se o salutar pi incipio
da responsabilidade entre parentes; e, mais do que isso, a
pratica dessa responsabilidade para com a sociedade, em todas
as relações hierarchicas. Esta responsabilidade, que, para bem
dizer, form a a primeira cadea da ordem moral, é também
por isso mesmo o mais seguro penhor da paz publica.
Desatae as responsabilidades na fam ilia: — a segurança publica
será absolutamente impossivel, porque os primeiros vinculos
moraes terão sido quebrados. Os paes abandonarão os filhos
á merce das paixões; os filhos não mais respeitarão os paes;
os parentes em geral não se reconhecerão para auxilios e
conselhos mutuos. Governo e policia podem prender e trucidar;
nada pacificarão.
O Brazil, paiz novo, porém já muito viciado, está
em perigo de ser victima do afrouxamento daquella respon­
sabilidade. E como evital-o? O que ha a esperar das
leis, — hoje fabricadas somente para o enfraquecimento das
legitimidades ?
— 214 —

Temos, certamcnte, ainda algumas leis boas sob o ponto


dc vista moral. Mas, estão veladas, por ordem, eonmveneia,
ou desidia dos poderes publicos; parecendo ao estrangeiro,
em viagem no Brazil, que aqui não existe o manmo conhe­
cimento de leis, mesmo as naturaes, desde que nao v .
repressão, ou ao menos a reprovarão publica dc factos iníquos
c até escandalosos.
Um exemplo do que são as leis c a moral no Brazil.
As leis proliibem e punem a bigamia, e portanto a polygamia; •
não obstante, a sociedade e os poderes públicos toleram no
1,omem casado uma certa potygyma, isto e, relações também
com outras mulheres nâo-legitimns ou não-recebidas legalmente,
quer solteiras, quer casadas! Sim, toleram, c ato honram
essa depravarão de costumes: porquanto a notoriedade aponta,
desde as mais altas posições sociaos até abaixo indivíduos
com tal moralidade, mesmo timecionanos públicos assim
vivendo á escancara. O proprio clero está inçado dessas
lascivias, perdendo o prestigio que sé» o celibato c a castidade
sóeni d;ir íio sacerdote. ( )
Essa enorme corrupção social, desatando todos os
údos moraes, ameaça fragmentar a nação brazdcira. _ E como
formar e fortificar a familia, sc todos os princípios saos
afobarem-se na onda immensa dos interesses egoístas e dos
appetites sensnacs ? Dc outro lado, o Estado, tal qual os
modernos o querem constituir, acabará por derrocar comple­
tamente as autoridades tradicionaes, secularisando a família
e dissolvendo o municipio.
Os costumes antigos e os usos locaes foi am scmpie
respeitados em todas as sociedades bem organisadas e bem
administradas. A familia c o municipio, sendo as largas
bases do edifício nacional, devem conservar a solidez precisa(*)

(*) Itecentemente o dr. F ranz von H oltzendorff escreveu urna


obra Frincipíen der P o litik , ropellindo a politica christa como msufficiente
neste século, c admittindo o dualismo na Moral: isto é, no mesmo indivíduo,
uma moral privada , .c uma moral publica , regendo-se por princípios
antagônicos !
215

para o sustentarem (*). No Brazil, os paes de familia com


sua autoridade antiga, embora muito enfraquecida, e já faltando
o verdadeiro elemento municipal, ainda são os unicos pilares
que restam á autoridade suprema da nação. Desapparecendo
de todo a autoridade paterna, e já não existindo de facto
c de direito a autonomia municipal, o povo, por instincto
de conservação, buscará outros processos de aggregação: —
dahi a idéa de federalismo encobrindo a separação completa
das provincias. (**)
(*) E ’ bom lôr F. L e P í.AY, L a reforme sociale en France.
As obras deste cscriptor são todas de optimo quilate religioso e
moral. Os estadistas não podem deixar de conhecôl-as; porque as doutrinas
expostas e desenvolvidas por F. L e P i.ay abraçam o complexo das relações
domesticas, sociaes e politicas. E’ um re-organisador social, aproveitando
os velhos troncos que a Revolução não logrou queimar:— não é um orga-
nisador , que equivaleria a destruidor. Talvez seja esse o seu peccado para
os sábios e os politicos deste século.
(**) Sendo este um livro de recordações, julgámos util deixar
descripto o que têm sido os partidos e os governos do Brazil, desde 1840,
pelas causas já expostas no capitulo quarto, desde a pagina 77.
Ha tres partidos, sem fallar nos grupos, sub-grupos, corrilhos e
coligações: — o conservador, o liberal, e desde 1870 1871 também o
republicano. Os dous primeiros deveriam representar as duas tendências
sociaes, assignaladas por C. H. Midy, Le regime constitutionnel, ainda que
apparentemente, pelos programmas de princípios que ostentam; ^ mas, as
palavras, os actos, as praticas dão-lhes côr conservadora ou côr liberal,
conforme estão successivamente no poder ou na opposiçao. O estrangeiro,
que não conhecer os nossos partidos e os nossos personagens, entendera,
pela marcha governativa e pelos factos da administração, que só o partido
conservador tem estado no poder.
Quanto aos republicanos, nao podendo aceitai caigos da ^alta
administração sem perderem o barrete phrygio, fazem embaixo seu jogo.
ba os directores, c os dirigidos , e aquelles podem ser barões, commen-
dadores, officiacs da guarda nacional— De facto, a republica no Brazil
está baronisada: nem são barões de linhagem como os da actual Republica
F ranceza; são barões fabricados recentemente pelo Imperador. Esta
contradicção entre o texto e a encadernação laz-nos lembrar um íevolu-
cionario de 1792 que ccnsurára aos republicanos daquelle tempo, em b rança,
o plano de monarchisar a republica. Parece, porém, que alguns desses
republicanos no Brazil suppõem ainda que se trata apenas de republica
ou cousa publica , dos tres séculos coloniaes, para o bom e leal serviço
d’El-Rei, amo e senhor. Com effeito, os documentos officiaes desses tres
séculos referem constantem ente essa republica régia , como vê-se em Pedro
Taques, Nobiliarchia Paidistana.
216

Ha, pois, um grando perigo que só a restauração ; as


boas vcllias tradições poderá conjurar. Não basta, porem,
acclamar sua necessidade; ó essencial que os costumes
auxiliem-n a. «Communicae aos homens o espirito de farinha,
que dispõe o animo a grandes sacrifícios: renovareis assim
o laço social. » (*)
Só, porém, o espirito; não o interesse. Soo contrastes.
Um é virtude, outro <■ vicio. Aquello suscita abnegações;
este subleva apenas egoísmos. O espirito disciplinara a
familia para o bem ; o interesse não a disciplinara senão
para o mal.

Mas deixando o partido p u b l i c a n o , (pie por ora é innocente


não cuidando senão do Manifestos o de resultados eleitoraes rnulUcoie;s, e
certo quo os ministérios têm desenhado perfeitamente os dous partidos
constitucionaes. K, salvos alguns raros homens de talento e de “ ter
os quaes por isso mesmo foram submettidos ao processo de 1 íocusto, os
«mvèrnos hão correspondido ao estado moral e político, ou politico e
Ilcstl liai/. Para a * , t a » <='" «'s„c„,io, vamos peilir ao
eloquente e incisivo visconde de Ciiatkaubriahd, A n a l m e r a i s o n n e e d e
fhhtm re de France, uma descripção dos ministros de sua patria, reinam
Luiz XY, certamente escripta também para o Brazil destes últimos tempos,
por sua ajustadissima applicaçao:
L’intrigue élcvait et renversait cliaque jour les ministres: ces
creatures éphémèrcs, qui apportaicnt dans le gouvernement leur meptie,
apportaiont encore mi esprit antipathiquc ã celles qni les avaicnt preced e. ,
,1c lã cc changement continuei de systèmcs, de projects, de vues. Les
nains politiques étaient smvis d’une nuée de commis, de laquais cie
tlatteurs, de conmdions, de maitresses. Tons ces etres d un moment sc
hãtaient de sneer le sang du miserable, et s’ubimaient bientot devant une
antro generation dnisectes, aussi fugitive et dévorante que la premiere. »
Descripção mais exacta não poderíamos fazer da fraqueza e da
corrupção politica c administrativa no Brazil. E é preciso assignalar que
os dous partidos, (piando em opposição, têm dito dos ministérios adversarios
isso mesmo. Os republicanos, esses, estando sempre fóra do poder, sus­
tentam som variação a toada opposicionista.
Demonstrar que a imprensa, orgam dos partidos ou das facções,
conforme a denominação que mais mereçam, vivendo na mesma athmosphera,
falia alternadamente tainbcm a mesma linguagem, seria augmentar sem
necessidade esta nota.
(*) P a sc alis , E tu d e sur la fin de la C o n s titu tio n p ro vençale

(1781 1700), citado por On. i»k Rutin:.


217 —

A mytliologia deixou um magnifico quadro de familia:


desenhava perfeitamente o presente carregando ás costas o
passado, e este, com seus deuses penates ao peito, arrastando
pela mão o futuro. Era Enéas conduzindo sobre os liombros
seu pae Anchises, e este levando pela mão seu neto Ascanio.
O velho Anchises, trazendo Minerva apertada ao peito,
significava o avò transmittindo ao neto, por intermedio do
pae, o deposito sagrado da fé familiar c do culto religioso.

Urge, pois, reorgauisar a familia, restituindo-lhe o


bom que cila tinha desde os antigos tempos: a autoridade
paterna, com a fé, o culto, a tradiçao, os usos.
Rcorganisada assim a familia, mediante a derogação
de varias disposições de nossas leis civis e administrativas ( ),
o municipio se reconstituíra por si mesmo, com autonomia
e liberdades que ora não possue, por tél-as peidido em
beneficio de uma excessiva ccntralisaçao provincial.
Com a reorganisação da familia, e com a reconsti­
tuição do municipio, voltarão necessariamente os usos dos
livros domesticos e das memorias genealógicas, assim como
a séria responsabilidade moral c legal dos zcladoics dos
archivos locaes.
A historia nacional terá então mais esses subsídios,
cujo valor os antigos sabiam aquilatar, como o tem demons-
trado as modernas investigações. ( )
(*) Em outra obra, exporemos nossas ideas sobre esse assumpto.
Este livro, sendo apenas do notas genealógicas, não supportaria
o desenvolvimento dc uma questão juridica. Todavia, diremos que a
Uberdade de testar deve ser admittida somente quando a herança toi tal
„ue, dividida, não aproveite suftícientemmte a cada um. O objective dos
brazileiros deve ser a perpetuação das tamilias; nunca a restauiaçao de
classes e de castas, sobretudo tendo por origem a riqueza quasi sempre
mal adquirida.
(**) A obra de J. A. D clau rk , l l is to ir e phi/nique, civile et m orale
de P a r i s , d c p n is les p r e m ie r s tem ps h isto riq v es , C Ulll modelo do gClieio das
218

Se, como escreveu C hateaubriand , a historia moderna


é uma chronica, ao inverso da historia grega que não passou
de um poema, e da historia romana que foi um quadro, a
chronica, para ser completa, deve haurir nos mesmos lugares
dos acontecimentos os factos e suas circumstancias, examinando
até os livros domesticos. A historia de uma nação não e
somente a chronica de sua capital e das cidades principaes:
muitas vezes o archivo de uma pequena villa encerra do­
cumentos que serão para o historiador-philosopho a explicação
de successos, se não esquecidos pela desidia, pelo medo,
pela lisonja, pelo interesse, deturpados por conveniências que
na cpoclia pareceram respeitáveis.
O povo, que não pode possuir uma historia verdadeira,
pela insufficiencia de seus meios, ou pela desordem de seus
archivos, ó uma nação sem génesis, c portanto desclassificada
no mundo civilisado.

Bello estylo, ordem, methodo c verdade nas deseripções:


h i s t o r i a s locoes.
— eis a obra de Dulaure.
Foi annotada e continuada por C. L eynadier.
Possuiinos a edição de 1854, Paris, oito volumes.
Ha de D ulaure outras obras pouco edificantes, reunidas na
l l i s t o i r e a h r c g é e d e s d i f f e v e n ts c u lte s .

D ulaure foi um revolucionário. Suas apreciações politicas c


moraes deixam sentir o sectário.
CAPITULO DECIMO

EX PLIC A Ç Õ ES
No capitulo III, S anta C ruz — B razil, pag. 37,
escrevemos que, « segundo alguns chronistas, os indigenas
deste grande paiz do Novo Mundo o denominavam A rabutan ».
Relendo depois a obra do padre Ivo d 'E vreux,
Viagem ao norte do B razil nos annos de 1613 — 1614,
traducção, I, 14, dá este clironista noticia de « um guerreiro
principal da ilha do Maranhão, chamada Ybuira-Fointan,
B a il-B r a s il». L. F erdinand D eniz, na nota a este trecho
da obra, corrige o nome do chefe indigena, escrevendo Ibira-
Fitanga, conforme A. Ruiz de M ontoya. Entretanto J. L ery,
1 Estoire d un voyage fait, en la terre du Brêsil, Ruão, 1578,
escreveu Araboutan , e antes delle, A. T hevet, Singularités
de la France antarctique, autrement nominee Amerique, Paris,
1556, fabulista irrisorio, havia escripto Oraboutan.
Assim, pois, o nome Arabutan não é senão uma
corrupção franceza do ibyra-pitanga.
E, acerca deste nome, ha variedade ainda nos escrip-
tores portuguezes. Uns escrevem ibyr a-pitanga, im ir a-pitanga,
m ira-pitanga ; outros carregam o a final de pitanga; e
220 —

D io g o C ampos M oreno ou J eronymo de A lbuquerque,


de
Jornada do M aranhão feita o anno de 1614 , referindo-se
ao mesmo chefe indigena da ilha do Maranhão, mencionado
pelo padre Ivo d’E vreux, escreve-lhe assim o nome
Birampitancjuá. E ’ sabido que J eronymo de A lbuquerque
era filho de uma india; e, quer fosse elle o escriptor da
Jornada , quer o fosse D iogo de C ampos M oreno que o
acompanhara na conquista do Maranhão, 6 certo que deveriam
conhecer a lingua tupi, fallando-a cllcs constantemente com
os indigenas.
Por isso, nesta obra, conservámos o accento agudo no
a final de pitanga.

No mesmo capitulo III, S a n ta C ru z — B ra z il, pags. 45


e 4G, ha um periodo que precisa de explicação. « No dia
23, houve o desembarque (*) de Nicoláu Coelho c de alguns
homens da armada; c, encontrando indigenas na praia, com
elles entretiveram-se: — era quinta-feira santa. Nesse dia,
conforme a commcmoração da Egreja, Jesus-Christo era
descido da cruz, na qual expirava. »
Alguns amigos, a quem lòmos o capitulo IIÍ, notaram
que, assim redigido aqucllc periodo, muita gente poderia
entender que o escriptor collocára na quinta-feira santa o
descimento do corpo de Jesus-Christo. Não tòm elles razão
na critica. í) historico dos factos da Paixão, encerrados
como o foram cm um unico dia hebraico, jamais podia ter
melhor forma grammatical: — tanto mais que, referindo-nos
á commemoração da Egreja, não podiamos deixar de ter
tido em vista que, começando o dia das grandes festas
ecclesiasticas immcdiatamente após as vesperas da vigilia , o
dia da Paixão é considerado ao sol posto de quinta-feira
(*) Tentativa dc desembarque; porque o batel não ponde tocar
a praia, por causa do muito mar. Mas, foram trocados objectos com os
indigenas; vindo estes pelo mar dentro até o batel.

\
221

santa; de accòrdo com o que ensina o abbade B ergier (*),


quanto « ao uso adoptado de começar o dia ecclesiastico
desde vesperas pm sol posto, até a mesma hora do dia c iv il
seguinte, o qual, ao cnvéz, não começa senão á meia noite ».
O articular— nesse, prendendo-se ao 23 de Abril,
foi alli posto proposital mente para demonstrar que, nesse
mesmo dia civil, ao sol posto, começara odia ecclesiastico
da Paixão: de accòrdo com os Evangelhos, quanto ao dia
h ebraico (**), mormente durante os sete dias da Pascoa (***).
E c por isso que os autores ecclesiasticos escrevem que
Jesus-Christo fizera a Pascoa com seus discipulos na v ig ilia (****)
de sua morte (*****), conforme os Evangelistas. ('******)
Não obsta (pie os quatro Evangelistas, narrando o
tempo do supplicio da crucificação, usassem da divisão do
dia segundo o estylo dos romanos, talvez para maior vantagem
da pregação (*******); porque, cm relação á Pascoa, ao
Parascéve, c ao seguinte primeiro dia da semana futura,
designaram sempre o dia hebraico (**♦*****), que, no lugar, c
para aquclles factos, não podia deixar de prevalecer.

Sendo, pois, nosso intuito patentear que, dada a


correcção Gregoriana, o 23 de Abril de 1500 correspondia
(*) ])Kii(iIEK, Dietiomiaire de 'Theologie, lia palavra Vigile.
(**) Os hebreus não contavam o dia senão de sol posto a sol
posto. (P adre A. P kiikiua, nota a S. Matii., XXVIII, 1.)
(***) P eeteronomio, XVI,- 6.
(****) Isto 0, na primeira vigilia; as tres primeiras horas após
o sol posto.
(*****') Jíeisr;ieu, Dictionnaire de Theologie, na palavra l*nque.
(******') S. M a t i i . , XXVI, 17 a 20, XXVII, 1 a 37: S. M a u c . ,
XIV, 12 a 17, XV, 1 a 37: S. Luc., XXII, 7 a 15, e 54, XXIII p e r
totum ; 8. João XIII, 1 a 14, XV III c XIX in totis.
(****+**) M atii., XIV, 15 c 25, XXVII, 45, 46 c 57 ;
S. M arc., XV, 25, 33 e 34; S. Luc., XXIII, 44; S. J oão, XIX, 14.
Matii., XXVIII. 1; S. M ahc., XV, 42; S. Lue.,
X III. 54; S. J oão, XIX, 31
— 222 —

ao 3 de Maio, como dias civis, — o que escrevemos em


seguida foi como se disséssemos que o mesmo 23 de
Abril, considerado ecclesiasticam ente, sustentava ainda a mesma
posição, por começar nesse dia, ao sol posto, o em que
Jesus-Christo, traliido, preso, julgado, açoutado, escarnecido c
crucificado, foi afinal descido da cruz cm que expirara. (*)
Parece, portanto, que a construcção do periodo referido
resiste á critica dos que esqueceram que o dia hebraico, em
que Jesus-Christo padeceu, morreu, e foi descido da cruz,
raiara na quinta-feira, ao sol posto, antes da ceia, conforme
a significativa expressão de S. L ucas com referencia ao
Parascévc ou preparação do sabbado (**); — expressão essa
egualmente applicavel ao dia hebraico anterior a esse.

Depois de escripto o mesmo capitulo III, S a n ta


C ru z — B r a z il, lòmos o trecho da obra de frei V ic e n te do
S a lv a d o r, 1 Listoria do Brazil, relativo ao nome do Brazil.
E uma cópia do que Jo ã o d e B a r ro s escreveu; até mesmo
quanto ao dia 3 de Maio de 1500. E concilie: «E stas
são as razões por que alguns com muita dizem que não
permanece o Brazil, nem vae em crescim ento; e a estas se
pode ajunctar a que atraz tocamos de lhe haverem chamado
Estado do Brazil, tirando-lhe o do S a n ta C ru z com que
poderá ser atado e ter estabilidade e firmeza. »

(*) 1’iato V az C aminha , em sua carta, escreveu que Nicoláu


Cuellm, na quinta-feira (2 3 ), não conseguio desembarcar, o n o m p o d e d elos
a v e e r f a l a n e m e n t e n d i m e n t o q u e a p r o v e i t a s s e , p o lo m a r q u e b r a r n a costa.
. . . . E com isto se. volto u a o s n a a os p o r seer TARDE, e n o m p o d e r delos
a veer m a i s fedei, p o r a a z o elo m a r . Chegada a noite ventou muito sueste
com ohuvacciros ! Havia, pois, começado a sexta-feira h e b r a ic a , quando
Nicoláu Coelho se voltou a o s n a aos.
(**) S. L e e ., X I I I , 54.
CAPITULO UNDECIM O

DOCUMENTOS
I

M artini Affonso dc Souza, do conselho de E l-R ei


Nosso Senhor, governador destas terras do Brazil, etc. Faço
saber aos que esta minha carta virem, qne havendo respeito
em como Pedro Góes, fidalgo da casa de E l-R ei Nosso
Senhor, servio muito bem Sua Alteza nestas partes e assim
ficar nesta terra para povoador, que com ajuda de Nosso
Senhor ficará povoando. Eu hei por bem de lhe dar e doar
as terras de T aquar ar ir a com a serra de Taperovira que
está ' da banda donde nasce o sol com aguas vertentes com
o rio Jarabatyba (1), o qual rio e terras estão defronte da
ilha de S. Vicente donde chamam Gohayó, a qual terra
subirá para serra acima até o cume c dahi a buscar o
Capetevar, e dahi virá entestar com o rio adiante que está
224

da banda do norte (2 ) e por elle abaixo ató Ygoar (*) por


terra cm outro rio que tem abi o onteiro (3 ) e dahi tornará
dentro a um pinhal que está na banda do campo Gioapê (4)
e dahi virá pelo caminho que vem de P iratininga (5) a
entestar com a serra que está sobre o mar (6) e dahi por
uma ribeira que vem pelo pé da serra (7) que chamam
A l am or é (8 ) e dahi dentro ao pó da serra de U ruray (9)
e virá dentro por este rio a entestar com a ilha Carama-
conra (10) e então pelo rio S. Vicente (11) tornará a
entestar com a dita serra de Taperovira donde começou a
partir (12), e assim os outeiros c cabeças daguas e todas
as entradas c sabidas das ditas terras, por virtude de uma
doação que para isso tem de E l-R ei Nosso Senhor.

K por virtude da qual doação lhe dou as ditas


terras, as quaes serão p;wa ellc dito Pedro de Góes c para
todos os seus descendentes, com declaração que elle as
aproveite nestes dois annos primeiro seguintes c, não o
fazendo, as suas ditas terras ficarão devolutas para delias
fazer aquillo que me bem parecer; c as ditas terras serão
forras e isemptas sem pagarem nem uns direitos, somente
dizimo a D eus: c por este mando que logo seja m ettido de
posse das ditas terras, e esta será registrada no livro do
tombo que para isso mandei fazer. Dada em Piratininga a
10 dias do mez de Outubro. Pedro Capico, escrivão de
El-Rei Nosso Senhor c das sobreditas terras o fez. Anno
de mil quinhentos e trinta c dois. E porquanto aqui não
faz declaração onde vão entestar sobre a serra que vem
sobre o mar, entender-se-ha desde a ponta da serra á uma
quebrada, que assim faz por onde Francisco Pinto parte e
todo elle com esta.
Saibam quantos este publico instrumento de posse
virem, em como, no anno do Nascimento de Nosso Senhor
Jcsus-C hristo de mil c quinhentos c trinta c dons annos,

(*) E' o verbo - hm ar? Parece que jnjoar é aqui applieado por
lesogtntr.
225

aos quinze dias do mez de Outubro, e em a ilha de


S. Vicente, dentro da fortaleza, por Pedro de Góes, fidalgo
da casa de E l-R ei Nosso Senhor, foi apresentada a mim
escrivão aodiante nomeado uma carta de doação de certas
terras que o mui magnifico Senhor M artim Affonso de Souza,
do conselho de E l-R ei Nosso Senhor, governador em todas
estas terras do Brazil, deu ao dito Pedro de Góes por
virtude de um poder que para isso lhe deu Sua Alteza, as
quaes terras se chamam Tecoapara (*) e a serra de T apu-
ribetera que está da banda donde nasce o sol, aguas vertentes
com o rio de Gerybatyba, o qual rio c terras estão defronte
da ilha de S. Vicente, das quaes terras com todas as suas
entradas e sabidas, cabeças d aguas e rios que nellas houver
com todas as suas confrontações, o dito Senhor governador
manda que seja mettido de posse o dito Pedro de Góes e
por virtude da qual carta de doação cm cumprimento fui eu
escrivão ás ditas terras com o dito Pedro de Góes e lh as
divisei e demarquei, puz todos os nomes das mais terras e
confrontações, e levei commigo a João R am alho e Antonio
Rodrigues (**), linguas destas terras, já de quinze e vinte
annos estantes nesta terra, e conforme o que elles juraram
assim fiz o assento, como mais largamentc se verá pelo livro
do tombo que o dito governador para isso mandou fazer, e
com meu poder o metti de posse delias ao dito Pedro de
Góes de todas as terras que na carta faz menção, e lhe
metti nas suas mãos terra, pedra, páos e ramos de arvores
que das ditas terras tomei e pela qual o dei por empossado
e dou deste dia para todo o sempre tão solemneinentc como
de direito se póde fazer, e lhe publiquei e notifiquei a
doação de E l-R ei Nosso Senhor e assim as condições delia
para que em nem um tempo possa allegar ignorância, e elle
dito Pedro de Góes aceitou a dita posse e se deu por

(*) No titulo de sesmaria retro, este nome, bem como o da


serra, c outros, estão escriptos de outro modo. Quaes os mais exactos ?
(**) E’, pois, muito certo que estes dous portuguezes foram
encontrados por Martim Aífonso de Souza, quando chegou á Bertioga
em 1531.
— 226 —

empossado c ficou de cumprir as ditas condições que as hei


por declaradas como se claramente as especificasse, le s te -
munlias que a tudo foram presentes o sobredito João Ramalho,
Antonio Rodrigues e Pedro Gonçalves que veio por homem
de armas nesta armada, que veio por capitão-mór o dito
Senlior governador, as quaes assignaram no livro do tombo
commiíioo escrivão. Em testemunho de verdade, eu como
publico escrivão da Fazenda de E l-R ei Nosso Senhor e
destas sobreditas terras e tabcllião publico pelo dito Senhor
fiz este instrumento; e traslado do sobredito tombo aquellas
clausulas c forças necessarias para dar tudo por instrumento
ao dito Pedro de Góes, feito em Yrarabitl, onde ora tem
feito por virtude da dita posse o dito Pedro de Góes uns
tijupares, e o assignei de meu publico signal que tal é.
— As confrontações de que trata a sesmaria e posse
constantes da cscriptura que acabámos de transcrever, tem
á margem do papel as explicações postas em nota no anno de
1674, por letra do padre Eourcnço Craveiro, reitor do collegio
dos jesuitas de S. Paulo, as quaes são as seguintes:
1 ) Defronte de S. Vicente, ilha, porque então não
havia ainda a villa de Santos, e começam donde nasce o
sol, que nasce da banda d’além de Santos, onde está o
rio Jerybatyba, que é bem conhecido.
2 ) E sta serra é a de Paranapiacaba; este Capetevar
até agora não é bem conhecido, deve ser algum m orro;
este rio que está da banda do Norte é o rio Anhem by
( Tietê), que a quem vem de Santos lhe fica da banda do
Norte adjacente, por isso não diz que corre do Norte, senão
que está, porque da parte do Norte é que corre para o
poente e fica adjacente ao Norte.
3 ) E pelo rio Anhemby abaixo até o rio Maqueroby,
que está junto á aldéa da Conceição (*), o qual rio entra
(*) A dos Gitarulhos não existia então (1533). Sem duvida,
era alguma aldèa no lugar em que o Puo-Grande, ou Pinheiros, conflue
com o Tietê. Vaiunhagen, Historia Geral do B razil, XXIII, menciona a
aldêa da Conceição dos Pinheiros.
— 227

no Anhemby alii mesmo, c é maior quo este nosso rio


Tnmanduatehy, e tem junto da barra um outeiro de que
falia a dita data.
4 ) Este pinhal é a paragem da Conceição, que
estava de uma e outra banda do rio Anhemby, de que
existem vestígios desta banda e pinhal da outra, e no cabo
do campo desta terra, que isso vem a dizer Jodpen.
5 ) Caminho de Piratininya 6 o caminho velho
do mar, por onde vai virando esta data de terras.
6 ) Esta serra é a bem conhecida Paranapiacaba,
que está sobre o mar.
7 ) Ponta do U n ir ay bem se sabe onde é; é a
quebrada da serra.
8 ) Ribeira ao pé da serra M amove', é abaixo da
dita quebrada da serra de Paranapiacaba.
9 ) U n ir ay se chama aquelle vallc onde teve sitio
o capitão Antonio de Aguiar Barriga, e a ribeira que lhe
corre ó U n ir ay.
1 0 ) Ilha Caramocoara (*) é a que está na barra
do rio Cnbatão, onde vem dar a ribeira U ntray.
11 ) P io de S. Vicente. Este é o que chamam
Caneú, ou o largo, o qual se dizia Pio de S . Vicente (**),
porque em toda aquella ilha não havia outra povoação mais
que a de S. Vicente.
1 2 ) E sta serra de Taperovira é o monte ou montes
ao pé dos quaes vem o rio Gerybatyba, defronte de Santos.

(* ) C aram oacara. « gavião ou aguia r e a l». Não será antes


assim o nome ?
(**) E’ o da barra grande.
228

M artini Affonso de Souza, do conselho de E l-R ei


Nosso Senhor e governador das terras do Brazil, etc.
Faco saber aos que esta minha carta virem que
havendo respeito como Ruy Pinto, cavallciro da ordem de
Christo, servio cá nestas partes Sua Alteza e assim ficou
para povoador nesta terra, que com ajuda de Nosso Senhor
ficou povoando.
Iíei por bem de lhe dar as terras do Porto das
Almadias onde desembarcam quando vão para P iratinim
quando vão desta Ilha de S. Vicente, que se chama
Apiaçaba, que agora novamcnte chama-se o porto de Santa
Cruz, e da banda do Sul partirá pela barra do Cubatão
pelo porto dos outeiros que estão na boca da dita barra,
entrando os ditos outeiros dentro nas ditas terras do dito
Ruy Pinto. E dahi subirá direito para a serra por um
lombo que faz, por um valle que está entre este lombo c
nina agua branca que calie do alto, que chamam Ytutinga
e, para melhor se saber este lombo, entre a dita agua
branca, por as ditas terras não se mette mais de um só
valle e assim irá pelo dito lombo acima, como dito é até o
cume do serro alto que vai sobre o mar e pelo dito cume
ira pelos outeiros escalvados que estão no caminho que vem
de P iratinim . P atravessando o dito caminho irá pela
mesma serra até chegar sobre o valle U ruray (*) que é da
banda do Norte das ditas terras, onde a serra faz uma
fenda por uma sellada, que parece que fenece por alii, a
final serra é mais alta que outra por alli ajunta e delia
que vem por riba do valle de U ruray, da qual aberta calie
uma agua branca; do alto desta dita barra desce directa-
mente ao rio de U ruray, e pela veia d’agua irá abaixo até
se m etter no mar e outeiros escalvados, as quaes terras lhe

(*) Seria de certo lá a aldêa de P iq u ero b y.


229

dou por virtude de uma doação que para isso teulio de


E l-llei Nosso Senlior de que o traslado de verbo ad verbum
6 o seguinte:
o

E por virtude da qual doação dou as ditas terras ao


dito Ruy Pinto com todas as entradas e sahidas e rios e
cabeços d'agua que nas ditas terras dentro da sobredita
demarcação houver, para serem para elle e para todos os
seus descendentes presentes e futuros, sem pagarem nem um
direito, somente dizimo a Deus.
E isto com condição que elle dito Ruy Pinto
aproveite as ditas terras nestes dois annos primeiros e
seguintes; c não o fazendo as ditas terras ficarão devolutas
c para se nellas se fazer o que bem parecer: c por virtude
desta mando que fique logo mettido de posse das ditas
terras, e esta será registrada no livro do tombo que para
este fim se ha de fazer.
D ada na villa de S. Vicente aos dez dias do mez
de Fevereiro de mil e quinhentos e trinta e tres. — Martim
Affonso de Souza.
230

II

PROPOSTA E ACCORDO COM OS JESUÍTAS

Cópia do assento tomado na camara da villa de S. Vicente, cabeça


da capitania do mesmo nome a 3 de Junho de 1652, para a
restituição dos padres da Companhia de Jesus aos seus
Collegios.

As villas c povos desta capitania, por seus procuradores,


a saber: esta villa de S. Vicente, por seus procuradores
José Simões e João Rodrigues de M oura; a dc S. Paulo,
por seus procuradores D. Francisco Rendon de Quevedo e
João de Godoy M oreira; a de Santos, pelos capitães Pedro
Pantojo da Rocha e Lucas de Freitas de Azevedo; a de
Sant Anna de Parnaliyba, pelo capitão Balthazar Fernandes;
a villa de S. Sebastião, pelo capitão Francisco Rodrigues
da G uerra; a villa de Nossa Senhora da Conceição de
Itanhaen, cabeça da capitania da condeça de Vimieiro, por
1' ranciseo de lo n tc s ; a villa de S. João de Cananéa, por
João Rodrigues dc Vasconcellos; e a villa de Nossa Senhora
das Neves de Iguape, por João da Maia (*), todos juntos,
unanimes c conformes com a camara da villa de S. Vicente,
onde foram convocados para se tratar da restituição dos
conventos dos padres da Companhia a estas capitanias,
accordaram para bem communi c quietação delias, vista a
muita vontade que os ditos religiosos mostram de tornar a
ellas, a continuar a administrar sua doutrina, como costumam
fazer e em todas as partes onde assistem, querem com a

(*) Ao tempo deste assento já existiam mais as villas de Mogy


das Cruzes, installada cm 1611, e a de Jundiahy, creada em 1625, as
(jiiaes não tomaram parte nas questões com os jesuitas.
mesma correspondência de amor e vontade acceitar os ditos
reli giosos, a quem sempre tiveram muito respeito, dizendo
que, se aquelles povos moradores delias intentaram fazer a
chamada expulsão, foi por se verem obrigados de apertada
necessidade e temor de perderem honras, vidas e fazendas
com a execução da bulia, que sem os ditos moradores serem
ouvidos se procurou publicar e executar acerca da liberdade
do gentio, do que se poderia com razão temer total ruina
de todas as capitanias.
E, ora, visto os ditos reverendos padres desistirem
de todo o direito e acção, que poderiam ter com o dito
breve, com o que se lhes augurava a desejada pariquietação,
querem c pedem que, para mais conservação do amor c
amisade em que pretendem viver com os ditos religiosos, e
para evitarem duvidas, seja com as condições seguintes:
1 .a — Que por via de transacção e amigavel compo­
sição o padre reitor e os mais religiosos farão desistência
de todas as queixas ou acções e mais processos que tiverem
postos em juizo ecclesiastico ou secular contra os moradores
das ditas villas, que os querem admittir, e desistirão de
todo o direito que contra elles tiveram, pondo-se em tudo
perpetuo silencio, renunciando todo o direito de todos os seus
despachos, sentenças e quaesquer outros procedimentos, que
em seu favor se tenha dado contra os m oradores; do que se
farão escripturas mui seguras para ambas as partes.
2.a — Que não hão de pedir perdas, damnos, gastos
nem despezas algumas feitas até o presente por causa da
chamada expulsão, e que hão de dar todo o sobredito aos
moradores por desobrigados, com declaração de que, se algum
morador lhes tiver alguma cousa movei ou de raiz, que
pertença aos religiosos, estes poderão requerer em direito e
justiça, como lhes parecer, para a restituição da tal cousa, e
que o mesmo direito lhes ficará para requererem contra
seus procuradores para lhes darem conta de sua fazenda, e
lhes pagarem, e lhes restituirem tudo o que como taes lhe
forem obrigados.
— 232

3. a — Quo não hão do ter nas aldêas dos indios


superior ou religioso algum, que tenha superioridade no
governo e administração das aldeas e indios delias, e que o
tal superior c administrador serão postos por quem directa-
mente tocar, não sendo pessoa dos ditos religiosos, porque
ainda que elles são, por suas partes, virtudes e zelo do
serviço de Deus, pessoas para occuparem maiores cargos, os
moradores querem por esta via fugir de occasiões por onde
se podem occasional- duvidas com os ditos religiosos; e,
querendo elles ensinar doutrinas, ou sacramentar os indios, o
poderão fazer com os mais sacerdotes.
4. ;1— Que não recolherão, nem ampararão os indios
que fugirem aos moradores, nem os consentirão em seus
mosteiros nem fazendas.
5.;i — Que os contractos ou escripturas que sobre a
materia se fizerem, hão de ser com taes clausulas e condições,
que para todo o sempre fiquem obrigados seus superiores e
todos os religiosos do collegio, presentes e vindouros.

6.a — Que os moradores voluntariamente, e por sua


devoção, ajudarão a concertar e reformar seus collcgios,
conforme a devoção de cada um, sem deste ofibrocimento
nascer obrigação; antes cada um poderá fazer o que quizer:
e a mesma ajuda elles promettem no caso que queiram
mudar os collcgios para outros lugares.

7.n — Que não se mostrarão fortes nem o serão


agora, nem em tempo algum, no tocante ao breve ou bulia
que dizem foi passado a instancias dos padres da provincia
do Paraguay, nem no substancial, nem nos accessorios ou
dependências, nem publicarão, nem consentirão publicar em
suas egrejas, casas ou conventos, breve algum tocante á
liberdade dos indios; antes renunciarão qualquer direito que
tenham ou possam ter sobre este particular.

8. a — E por firmeza de tudo alcançarão, em tempo


breve, a confirmação deste concerto, assim de seu geral como
233

de S. M., para que assim fique em perpetua paz e


conformidade.
9. a — E, sendo caso que em algum tempo os reve­
rendos padres da Companhia, depois de estarem nesta
capitania, intentem invocar ou dar execução a qualquer
novidade ou alteração em razão da liberdade do gentio, ou
de qualquer outra cousa que encontre em parte ou no todo
as condições acima e atraz referidas, poderão tornar a ser
expulsos desta capitania sem por isso os moradores delia
incorrerem em pena alguma, para o que se desaforam de
todos e quaesquer privilégios c liberdades ecclesiasticas que
cm seu favor possam allegar, assim neste caso, como em
todos os mais conthcudos nos capitulos antecedentes.
10. a — Outrosim declaramos que a entrada dos reve­
rendos padres em esta capitania sempre se entenderá que
será trazendo primeiro a confirmação do seu geral c approvação
de S. M., para que deste modo se exclua toda a desconfiança
ou duvida que delia possa nascer, e cumpridas todas estas
condições haver-se por revogados os termos e assentos feitos
ácerca da chamada expulsão. Com que nos assignamos.
S. Vicente aos 3 de Junho de 1G52.
(Seguem as assignaturas dos procuradores ao principio
declarados.)
— Este assento foi communieado aos padres, que o
remetteram para Roma ao seu geral, c ao governo da
metropolc, os quaes deram-lhe assentim ento: e então foi
lavrado outro assento do theor seguinte:

Escriptura de transacção e amigavel composição celebrada na villa de


S. Vicente aos 14 de Maio de 1653.

Estando juntos os officiaes da camara della, o juiz


ordinário Paschoal Ecitc de Medeiros, c os vereadores
Gonçalo Ribeiro Tinoco, Domingos de Meira e João Homem
234

da Costa, e o procurador do conselho Thomé de Torres de


Faria, e também das pessoas da governança da terra, o
capitão Lourenço Cardozo de Negreiros, o padre Domingos
Gomes Albcrnaz, então visitador do Sul, o capitão Francisco
Rodrigues da Guerra, o padre provincial Francisco Gonçalves,
o padre Francisco Paes, reitor do collegio de S. Paulo, o
padre Francisco Madeira, reitor do collegio de S. Miguel,
para effeito de serem os padres restituídos aos seus Collegios,
se accordou da maneira sem iinte:

Primeiramentc dice o padre provincial c mais reli­


giosos acima nomeados, que ellcs promettiam e de effeito
desistiam, por via de transacção e amigavel composição, de
hoje para todo o sempre, de todas as queixas, acções c
appcllações, que sobre o interdicto alcançaram, e promettiam
que nunca, cm nenhum tempo, proseguirão, nem moverão
cousa alguma sobre a dita sentença, antes dice o reverendo
padre provincial, que desde hoje dava plenaria absolvição,
pelos poderes que para isso tinha, a todas e quaesquer
pessoas, que por qualquer via ou modo houvessem incorrido
em algumas censuras de qualquer qualidade ou condição que
fosse ou haja sido; outrosim diceram o reverendo padre
provincial e mais religiosos, que desistiam de todos os direitos
que tinham ou podiam ter sobre as perdas e damnos, ou
injuria, que por qualquer via se lhes houvesse seguido na
chamada expulsão, para cm nenhum tempo as allegar ou
pedir, para que tudo fique em perpetuo silencio, e conser­
vação de paz c concordia que pretendem ter; com declaração
que, se algum morador da dita villa, ou qualquer outra
pessoa que tiver alguma cousa sua, assim movei como de
raiz, que pertença a elles ditos padres ou a seu collegio,
ffuc contra os occupadores de suas cousas poderão em
particular requerer seu direito e justiça, como lhes parecer,
e que ficara o mesmo direito para poderem requerer contra
seus procuradores para lhes darem conta de suas fazendas,
e lhes pagarem e restituírem tudo o que como taes lhe
forem obrigados; outrosim, que não recolheriam, nem am -
— 235 —

parariam em suas casas ou fazendas os indios ou indias dos


moradores, serviços dos moradores, nem os consentiriam cm
suas fazendas e mosteiros, antes os entregariam aos seus
donos, com boas praticas para que os sirvam ; outrosim
diccram mais os ditos reverendos padre provincial c mais
religiosos que desistiam e não seriam nunca partes na
accusação do breve que dizem ter de S. Santidade sobre a
liberdade do gentio, como também era substancial delle.
Outrosim, diccram os procuradores da dita villa de
S. Paulo c camara, acima nomeados, que elles, cm nome de
seus constituintes, promettiam de dar aos ditos padres ajuda
que cada um podesse voluntariamente, conforme sua devoção,
para reformação do dito seu collegio antigo; e, em caso que
o queiram mudar para outro sitio, lhes promettem a mesma
ajuda, sem que desta promessa e offerccimento nasça obrigação
alguma.
Outrosim, prometteu c se obrigou o dito padre
provincial, e mais religiosos, a mandarem vir cm tempo breve
e conveniente todos estes concertos e condições acima
declarados, assignadas e confirmadas por S. M. que Deus
guarde, e pelo reverendo padre que existe cm Roma, para
que assim fiquem os successores do dito padre provincial, e
mais prelados que ora são c ao diante forem, obrigados a
guardar todas estas condições acima declaradas, assignadas
e confirmadas por S. M. que Deus guarde, e pelo muito
reverendo padre geral que existe em Roma, não innovando
cousa alguma, como defies se deve confiar: e por assim
todos serem contentes, diccram que acceitavam, uns e outros,
os ditos concertos e promessas e conveniendas, e para mais
segurança e cumprimento de todo o acima e atraz escripto
diccram que obrigavam todas as suas pessoas, bens moveis
c de raiz, havidos e por haver, a nunca irem contra estes
concertos, e por theor desta diccram que haviam por revogados
todos e qua es quer actos de concertos ou composições que
antes deste hajam feito, c só este querem que se cumpra,
tenha força e vigor, e diccram mais o dito padre provincial
— 236 —

e mais religiosos que, se ncste concerto e amigavel composição,


faltasse algum ponto de direito, clausula ou solemnidacle
alguma por declarar, que as houvessem aqui todas por
propostas, expressas e declaradas, de que mandaram fazer
esta cscriptura neste livro de registros desta camara, e que
delia dessem os traslados que conferissem, onde todos assig­
naram com as testemunhas Domingos Freire Jardim , Gaspar
Gonçalves Meira, João Nogueira e Henrique Mattoso, todos
moradores nesta villa e pessoas de mim escrivão da camara
co nh ecidas. F eu Antonio M adureira Salvador, escrivão da
camara que o escrevi neste livro de registro. — O padre
Lrancisco Gonçalves, provincial.— O padre Domingos Gomes
Albernaz. — Francisco Rodrigues da Guerra.-— O padre
Francisco Dues, reitor do collegio de S. Paulo. — 0 padre
Gonçalo de Albuquerque, reitor do collegio de S. Miguel. —
O padre Francisco J ladeira. — Gonçalo Ribeiro Tinoco. —
Faschoal Leite. — Domingos de Aleira. — O capitão-mór Dento
Ferrão Castello-Drauco. — Lourenço Cardozo de Negreiros.
— Manoel .Lopes de Aloura. — Gaspar Gonçalves Aleira.
— Henrique Alattoso.— Domingos Freire J a r d im .— João
Nogueira.
— 237

III

lendo I). Pedro dc Almeida, conde de Assnmar,


governador capitão-general, resolvido, em observância dos
decretos do governo da metropole, erigir casas de fundição
em varios lugares das minas r/eraes, o interesse particular
prejudicado começou a explorar as paixões e os preconceitos
populares. De sorte que, quando 1). Pedro de Almeida
chegou á villa do Carmo (*), os cabeças entenderam que
deviam fazer demonstrações, a fim de obterem pelo medo
que os decretos régios não fossem executados.
Começaram por invadirem, em 2<S de Junho de
1720, ás onze e meia da noite, mais ou menos, a villa de
O uro-Preto; mas eram apenas cerca de dez a doze pessoas,
mascarados, seguidos dc pretos escravos. Entrando na villa,
arrombaram as portas das casas, e forçaram os moradores a
adherir ao movimento contra o ouvidor, dr. Martinho Vieira;
o qual vio-se obrigado a fugir, mas soffrcu a destruição de
tudo o que os conspiradores encontraram cm sua casa,
inclusive livros publicos e autos.
Feito isso, resolveram elles apresentar uma intimação
ao governador capitão-general, para a não execução das
ordens régias; e, porque todos os letrados se recusassem,
foi um delles preso e obrigado a redigi 1-a.
D. Pedro de Almeida estava ainda na villa do
C anno; e, eis que soube do facto, pela entrega da tal
intimação, reunio os notáveis que o acompanhavam, e res­
pondeu vcrbalmeute ao mensageiro que a uma junta ja
convocada seriam presentes os requerimentos do povo.

(*) Hoje cidade de Marianna, distante da dc Ouro-Prcto, capital,


apenas cerca de dims lepims.
236

e mais religiosos que, se neste concerto e amigavel composição,


faltasse algum ponto cie direito, clausula ou solemnidade
alguma por declarar, que as houvessem aqui todas por
propostas, expressas e declaradas, de que m andaram fazer
esta escriptura neste livro de registros desta camara, e que
delia dessem os traslados que conferissem, onde todos assig­
naram com as testemunhas Domingos Freire Jardim , G aspar
Gonçalves Meira, João Nogueira e Henrique Mattoso, todos
moradores nesta villa c pessoas de mim escrivão da camara
conhecidas. F eu Antonio Madureira Salvador, escrivão da
camara que o escrevi neste livro de registro. — O padre
Francisco Gonçalves, provincial.— 0 padre Domingos Gomes
A lbernaz.— Francisco Rodrigues da Guerra. — O padre
Francisco Facs, reitor do collegio de S. Paulo. — O padre
Gonçalo de Albuquerque, reitor do collegio de S. Miguel. —
0 padre Francisco J ladeira. — Gonçalo Ribeiro Tinoco. —
Raschoal Leite.-— Domingos de Aleira. — 0 capitão-mór Reato
Ferrão Gastello-Franco. — Lourenço Cardozo de Negreiros.
— M a n o e l F o g e s de J lo u r a . — G a s p a r G o n ça lves A le ir a .
— I /e n r iq u e A lattoso. — D o m in g o s F r e ir e J a r d im .— João
N o g u e ir a .
— 237

III

len d o D. Pedro dc Almeida, conde de Assumar,


governador capitão-general, resolvido, em observância dos
decretos do governo da mctropole, erigir casas de fundição
em varios lugares das minas gemes, o interesse particular
prejudicado começou a explorar as paixões e os preconceitos
populares. De sorte que, quando 1). Pedro de Almeida
chegou á villa do Carmo (*), os cabeças entenderam que
deviam fazer demonstrações, a fim dc obterem pelo medo
que os decretos régios não fossem executados.
Começaram por invadirem, em 2<S dc Junho dc
1720, ás onze e meia da noite, mais ou menos, a villa dc
O uro-Preto; mas eram apenas cerca de dez a doze pessoas,
mascarados, seguidos de pretos escravos. Entrando na villa,
arrombaram as portas das casas, c forçaram os moradores a
adherir ao movimento contra o ouvidor, dr. Martinlio Vieira;
o qual vio-se obrigado a fugir, mas soffreu a destruição de
tudo o que os conspiradores encontraram em sua casa,
inclusive livros publicos e autos.
Feito isso, resolveram dies apresentar uma intimação
ao governador capitão-general, para a não execução das
ordens rég ias; e, porque todos os letrados se recusassem,
foi um delles preso e obrigado a redigil-a.
D. Pedro dc Almeida estava ainda na villa do
C arm o; e, eis que soube do facto, pela entrega da tal
intimação, rcunio os notáveis que o acompanhavam, c res­
pondeu verbalmentc ao mensageiro que a uma junta ja
convocada seriam presentes os requerimentos do povo.

(*) Hoje cidade de Marianna, distante da dc Ouro-Preto, capital,


apenas cerca de duas léguas.
— 238 —

De facto, segundo o que foi resolvido naquella junta,


dccidio ellc adiar até 23 de Julho de 1721 a nova forma
de impostos.
Os chefes, porém, que não queriam pagar, de modo
algum, os impostos, deliberaram hir á villa do Carmo, acom­
panhados de grande numero de amotinados, a fim de
imporem a D. Pedro de Almeida suas condições. E, com
cffeito, no dia 2 de Julho, invadiram a villa, c puzeram em
estado de sitio a casa que então servia de palacio. 0
governador capitão-general, reconhecendo que a força de
linha era diminutissima para resistir ao grande numero dos
invasores, tomou o prudente arbitrio de subgeitar-se.
Recebendo a representação dos amotinados, c, ouvindo
os notáveis que o rodeiavam, decidio deferir a tudo; c, cm
consequência, foi lavrado o seguinte termo :
Aos dons dias do mez de Julho de mil setecentos
e vinte, nesta villa leal de Xossa Senhora do Carmo, e no
palacio em que assiste o Exm. Snr. conde de Assumar
D. Pedro de Almeida, governador c capitão-general da
capitania de S. Paulo e Minas, depois de se ter buscado
todos os meios que pareceram convenientes para socegar o
tumulto do povo de \ illa-Rica e seu termo, persistindo em
o mesmo intento durante o tempo de cinco dias, e pelas
mais consequências que dalii se seguiam, e por vir todo o
povo sobredito a esta villa do Carmo, com a camara presa
e as mais pessoas principacs da villa, apresentaram -m e as
condições seguintes, a saber:
1." Que não consentem em casa de fundição, cunhos
c moeda. Ao que respoiideu-sc-lhes Deferido corno pedem.
2. " Que não consentem cm contracto novo ahmm
que esteja cm estvlo até o presente. — Foram dcferidos° na
mesma forma.
3." Que não consentem que se pague o registro do
bordo do Campo pelo incommodo que dá, sé sim tragam bilhete,
cada qual das cargas que trouxer, para dclles pagar meia
239

oitava por secco, e meia pataca por molhado, aonde cada


qual fòr sua direita descarga, para o que se elegerão
cobi adoi es, e levarão recibos para se descarregarem no
dito registro ; e outrosim se pagará pelos negros novos, á
oitava e meia por cada um. — Ao que se lhes dcíerio na
mesma forma que pediam.

4. ° Querem assegurar a Sua Magestade, a quem


Deus guarde, as trinta arrobas, lançando-se somente a cada
negro oitava e meia, e no caso que este não chegue, se
obrigam a inteirar-lh os, para o que contribuirão lojas c
vendas conforme a folha que houver para a dita cousa, de
sorte que passem cada uma de cinco oitavas, para cuja
cobrança elegerão dous homens em cada arraial, ou os que
forem necessarios, c querem que toda pessoa que occultar
escravo fique confiscado para a fazenda real, o que também
comprehende os quintos do presente anno, para o que se
deve fazer novo lançamento, para nesta firma se cobrarem
de quem não tiver pago, c repor aos que já a pagaram o
excesso da dita oitava c meia por cada negro. — E se lhes
cleferio como pediam.

5. ° Querem para o serviço de Nosso Senhor, e de


Sua Magestade, a quem Deus guarde, e conservação da
Republica, que nem negro nem negra se arrematem na
praça pelo preço tão diminuto como se tem experimentado,
mas, sim, se avaliem por dous louvados de sã consciência,
e que os credores os tomem por sua avaliação, quando não
hajam arrematantes, o que também se observará, cm pro­
priedades ou casas. — Ao que se lhes deferio na fórma que
pediam.
6. ° Querem também que se dò regimento para os
salarios dos escrivães, tabelliães, meirinhos e alcaides, e
assignaturas de ministros c agentes maiores e menores, e
este seja pelo da cidade do Rio de Janeiro, de sorte que,
se lá fòr quatro vinténs de prata, não duvidam que cá seja
de ouro, c os mais a este respeito para nesta forma se
— 240

evitarem os excessos tão exorbitantes, como experimentam


todos. — Ao que se lhes deferio na forma que pediam.
7.° Não consentem que o aferidor leve peso de ouro
por outro cunho de cobre, que como isto sejam condições
do senado por ser isto contracto seu, em que o povo nunca
experimentou conveniência, que, só afim do contracto ser alto,
fazem o regimento caro em prejuízo do povo, como é: de
uma balança c marco, só de marcar, oitava c meia; de
revista, uma oitava; de tirar o olho á balança, uma oitava,
fazendo mais milagre do que Santa Luzia, dando olhos
quando querem, fundados no interesse, e a este respeito as
mais medidas, para o que se lhe dè regimento util para o
povo.— () que se deferio como pediam.
N.° Não consentem que ao escrivão da camara se
dè oitava e meia por licença, c meia oitava por regimento
de aferição, podendo ficar pago com meia oitava, como
também o escrivão da almotaeeria.— Ao que se deferio como
pediam.
Nao consentem levar mais de meia pataca por
todos os generos que qualquer pessoa possa almotaçar, como
se observa nesta villa do Carmo, por sc evitarem as condem-
naçoes que se fazem aos povos. — Ao que se deferio como
pediam.
10.° Querem que os senhores do senado moderem
as condemnaçoes ta o exorbitantes ao povo, que estimam
fazer sem regimento nem lei, e que as calçadas das ruas, onde
forem necessarias, se façam á custa da camara c não clc
povo, pois lhe nao come as rendas, e que outrosim os ditos
senadores passem por anno as licenças assim dos contratantes
dos gados, como dos mais negocios, por lhes ser muito
prejuízo o tirarem todos os mezes. — O que sc lhes deferio
como pediam.
1L° Querem que as companhias de dragões comam
a custa de seus soldos, e nao a custa dos povos. — O que
se lhes deferio como pediam.
— 241 —

12. ° E por final conclusão do tudo querem que


V. Exc. cm nome de Sua Magcstadc, que Deus guarde,
lhes conceda perdão geral, sellado com as armas reaes,
registrado na secretaria deste governo, camara e mais partes
necessarias, publicado ao som de caixa pelos lugares publicos,
e esta proposta se registre na secretaria deste governo, livros
da camara. — Ao que se lhes deferio como pediam.
13. ° Também requerem que os contratadores dos
dizimos não usem de seu privilegio para cobrarem suas
dividas executivamente, senão durante o tempo do contracto,
e quando seja necessário mais algum tempo V. Exc. lh’o
concederá ao seu arbitrio. — Deferio-se-llies como pediam.
14. ° Requerem mais que nenhum ministro faça
vexações ao povo com seus despachos violentos, procedendo
á prisão e á fuga sem as circumstandas do direito, e que
em tudo se observe com dies a lei do reino. -— Ao que se
lhes deferio como pediam.
15. ° Que os officiaes de justiça, quando forem fazer
diligencias a varias pessoas, repartam as custas, conforme o
regimento, por cada uma delias, e sempre imploram o perdão.
E convocadas as pessoas abaixo assignadas, votaram unifor-
memente se devia conceder ao dito povo tudo que pedia,
nos artigos acima, assim e da mesma forma que o pediam,
do que o dito senhor me mandou fazer este termo. Domingos
da Silva, secretario do governo o fez. — C onde D . P e d r o de
A l m e id a (conde de Assumar), governador e capitão-general
das capitanias de S. Paulo e Minas.
S e b a stiã o da Veiga C a b r a l — D o m in g o s T e ix e ir a de
A n d r a d e . — A n to n io C aetano P in to Coelho. — R a f a e l d a S ilv a
C r u z . — F e lix de A z e r e d o C a rn e iro e C u n h a . — L u i z T e n o r io
de M o lin a . — S eb a stiã o J o a q u im de V a re lla . — G a b rie l d a
C osta P i n n a . — T obia s B a r b o s a d a S ilv a . — F r u c tu o so T e i ­
x e ir a de C a rva lh o . — O vigário da vara P e d r o de M o u r a
P o r t u g a l — M a n o e l da C osta de A r a u j o . — Dr. F ra n c isc o d a
C o s ta ' R a m o s . — Dr. J o ã o N u n e s V is e u , — P e d r o T e ix e ir a
— 242 —

S e r q u e ir a . — M a n o e l C ardoso C r u z. — P e d r o G o m e s E s te re s.
— F r e d e r ic o ( o resto do nome está inintelligivel ). — M a n o e l
d a S i l v a F e r r e ir a . — ( Segue-se uma assignatura indecifrável).
— M a n o e l de A fo n s e c a . M a n o e l L o u r e ir o (o resto está
inintelligivel). M a n o e l M e n d e s de A lm e id a . (Segue-se
outra assignatura indecifrável). J a c in th o B a r b o s a I ^ o p e s . »
1
-
‘i

243 —

IV

Carta do Principe Regente D. Pedro ao Presidente


da Junta Governativa no Maranhão
Meu caro frei Joaquim. Rio clc Janeiro, 30 de
Janeiro de 1823.
Como o conheço desde que nasci e lhe conheço as
suas virtudes, 6 a razão por que pego na penna para dizer-
lhe que trabalhe para unir o Maranhão ao império a que
elle pertence, como provincia, dizendo-lhe que nisto faz um
grande serviço ao Brazil e a mim, que não desagrada a
meu pae, que está captivo de vis carbonarios, que são todos
contra a religião que professamos",' e que estão excommmi­
gados pelo chefe da egreja, assim como todos os que a
seguem
o ou adhcrcm ao seu ogoverno,
Espero que o bispo concorra quanto puder para o
que lhe digo, visto as suas virtudes religiosas.
Receba mil abraços e os puros sentimentos deste
que o ama — Pedro.

Noticia do Dr. Cesar A. Marques sobre a carta supra

E sta carta, toda do proprio punho do Snr. D. Pedro I,


foi escripta em papel almaço, dobrada como outr ora se
fazia, sem enveloppc, fechada com obreia c depois lacre.
Em minhas investigações pelo archivo da provincia
encontrei-a na camara ecclesiastica, entre poucos livros c
muitos papeis amontoados, confundidos e sem a menor
ordem, uns inteiramente perdidos pelo cupim, traça e gottas
de aguas phiviaes, c outros muito damnifícados.
244

Felizmente, porém, o preciosíssimo autographo estava


apenas manchado com as nodoas proprias de seus muitos
annos.
Não sei descrever o religioso respeito com que o li,
e li muitas vezes!
Parecia-me estar vendo aquella mão poderosa, que
empunhou dous sceptros e brandio gloriosamente a espada
de guerreiro valente, deslizando-se brandam ente sobre esse
p ap e l!
Mandei fazer uma pasta apropriada, guardei-a e
entreguei-a ao então governador do bispado o Snr. eonego
mestre-escéla J.uiz Raymundo da Costa Leite, chamando
sua attenção e cuidados para tão precioso thesouro.

Resposta do Presidente da Junta Governativa do Maranhão

Senhor. — Penetrado dos mais puros sentimentos de


respeito e gratidão, beijo as augustas mãos de Vossa Ma-
gestade pela distincta mercê com que se dignou honrar-me,
enviando-me uma carta de sua propria letra, cheia de
expressões as mais lisongeiras e affectuosas.
h sta carta, Senhor, escripta a 30 de Janeiro, e que
tinha por fim exigir a minha cooperação para o estabe­
lecimento da independência do Brazil, representada a Vossa
Magestade ta o interessante a sua imperial coròa, e a mais
vantajosa para o bem estar destes povos, foi-me entregue
em 22 de Outubro, tempo em que já tinham decorrido
quasi tres mezes depois que ella fòra acclamada nesta
provincia, e que eu estava a retirar-m e a Portugal, para
onde sou obrigado a fazer viagem dentro cm poucos dias.
j\Xas, Senlioi, acaso seria eu capaz de trahir os meus con­
cidadãos c de abjmar a patria, que me vio nascer, e
legitimos direitos de Vossa Magestade?
245

Um bispo tão devedor ao Snr. D. João VI, e tão


amante da augusta casa de Bragança, póde elle ter outros
desejos que não sejam da sua maior prosperidade e grandeza,
para assim patentear a Deus e ao mundo o seu dever c a
fiel gratidão de que fòra sempre animado ?
Ah! Senhor! Independencia e desgraça são palavras
synonimas, entendidas no seu verdadeiro rigor: cilas se
identificam, e vêm a significar a mesma cousa. Se Vossa
M agestade tivesse previsto a alluvião de desgraças que têm
incendiado este vasto territorio desde a Bahia até ao Ma­
ranhão, e todas aquellas que ainda estão por vir, sendo mais
desastrosa a actual ruina do throno de Vossa Magestade,
por certo que não teria coração para assignar tantos decretos,
feitos talvez de proposito para inteiro exterminio e perdição
dos milhares dos seus vassallos. Estas provincias estão regadas
de sangue dos pacificos europeus, que a fixam: o furor da
baixa plebe, atiçada pelos revoltosos demagogos, o tem
derramado impunemente para se apoderarem de seus bens,
que tantos suores lhes custaram. Jurando quasi todos a
independencia, e prestando a mais decidida obediência a
Vossa Magestade, assim mesmo não cessam de ser perseguidos
e m altratados por bandidos e assassinos, que os obrigam a
andar fugitivos, desamparar suas tristes familias, e procurar
seguro asylo na America, na França e na Inglaterra, c muito
mais em Portugal.
E m uma palavra, a lavoura estragada, villas e aldeias
arrazadas, e outras despovoadas, eis os sazonados fructos que
a venturosa independencia tem conduzido a estas provincias,
e que a do M aranhão tem colhido cm pouco tempo na
maior abundancia; esta desgraçada provincia, como era de
todas a mais habitada de europeus, e, por isso, como fòra
a ultim a a render-se ao prestigio devastador, tudo se assomou
contra ella. Cochrane, que pareceu no principio enviado
como anjo da paz, passou poucos dias a extrahir dos nego­
ciantes violentamente um cabedal incomparável, deu o maior
córte ao commercio, e foi o primeiro a arruinal-o. Seguiram-se
— 246

os sertanejos do Ceará e Piauhy, a que se aggregaram muitos


da ralé deste povo, c todos estes com mira na rapina e no
espolio dos europeus, não tem feito mais que desbastar,
perder e matar, tendo a seu favor aquelles da governança,
que parecem estar animados do mesmo espirito, ou pelo
menos semelhante em tudo.
Senhor. Seja-me pcrmittido patentear a Vossa M a-
gestade toda a verdade; se Vossa Magestade não quer ficar
insultado, sem ter quem lhe obedeça, ponha termo a tantos
males, de as mãos a seu augusto pae, batalhe com clle a
enterrar a independência, assim como enterrou a constituição.
Veja que o espirito dos povos é todo republicano: e aquelles
que os dirigem conhecem bem a fraqueza do Rio de Janeiro
e a nenhuma vantagem que de lá tiram, servem-se do nome
de Vossa Magestade para reunirem a gente da plebe e a
terem debaixo das suas ordens, e quando lhes convier, ao
primeiro rebate, clamarao todos a uma voz Vivam os
republicanos unidos e acabe para sempre o im perador! E u
não falharia com tanta franqueza, se mesmo não estivesse
ao facto destas cousas; c não tivesse notado os seus proce­
dimentos, que são todos filhos das suas malevolas intenções.
Ellcs, porém, dispõem, como lhes parece, dos bens dos
empregados, honra e propriedade dos europeus, sem nada se
importarem com as leis de Vossa Magestade, a bem de seus
vassallos; perm ittem que por toda a parte os estejam matando
c roubando, dando-lhes muitas pancadas; tem chegado a
proferir que os hão de obrigar a sahir todos, ou reduzil-os
á misera sorte de seus escravos; finalmentc acabou-se a paz,
já não ha justiça e nem esperança de havcl-a tão cedo.
Ninguem vive soccgado em sua casa, muitos preferem
viver no mar, a bordo de algumas embarcações estrangeiras,
para na primeira occasião fugirem; tal é, Senhor, o bem
estar destes povos que tanto prézo, pelo que sempre me
oppuz á independência que jámais juraria porque temo a
Deus, e estimo a Vossa Magestade, assim como estimo a
seu augusto pae, c não quero a execração da minha patria,
— 247

c muito menos dos meus nacionaes, que são meus diocesanos


bem queridos.
Beijo as mãos, respeitosamente, de Vossa Magestadc.
— Frei Joaquim de Nazareth.

Noticia do Dr. Cesar A. Marques sobre a resposta supra

O Rvdm. bispo respondeu por esta forma; e encontrei


essa resposta em um dos livros do registro da camara
ecclesiastica.
Ainda uma vez realiza-se o pensamento do douto
naturalista, que disse: o cstylo é o homem.
N esta carta esbá como que retratado o Snr. D. frei
Joaquim, que tive a honra de conhecer nos primeiros annos
de minha vida.
E ra muito alto, tez morena, corpulento, membros
proporcionaes, olhos vivos, temperamento bilio-nervoso, de
modos mais bruscos do que brandos, franco até a rudeza, e
tinha sido frade da ordem dos Menores, da provincia de
Santa M aria d’Arrabida, onde por suas acrisoladas virtudes,
e por sua cheia c fortissima voz ao entoar o canto-chão,
mereceu a honra de ser muito estimado e apreciado pelo
Snr. D. João VI, de saudosa memoria.
Adorava mais do que tudo a sua patria, a seu rei,
o seu amigo velho, o seu querido senhor, como muitas vezes
o ouvi chamar.
Por ella e por clle tudo sacrificava, sem o menor
pezar ou constrangimento, e como méro cumprimento de
dever, e assim o fez renunciando o bispado do M aranhão
por não reconhecer a independência no império.
Annos depois, renunciou também o bispado de Coimbra,
o pariato do reino, o condado d’Arganil, e o senhorio de
Caja, quando abrilhantou o throno portuguez a excelsa e
248

virtuosíssima senhora D. M aria lí, a cujo govcino não quiz


obedecer, fugindo, disfarçado em marinheiro inglcz, n um
navio mercante, para Liverpool, onde, lembrando-se de suas
i antigas ovelhas, emprehendeu nova viagem, e chegou na
tarde de 3 de Março de 1840 á capital do M aranhão, c
ahi, vivendo cercado pelo amor c estima geral, falleccu á
1 meia-noite de l.° de Setembro de 1851.

UMA RECORDAÇÃO

Não podemos deixar de escrever aqui algumas palavras


como recordação de obséquios recebidos desse illustre bispo,
cuja linguagem ao primeiro Imperador stereotypava peifei-
tamente seu caracter nobre c leal. Corria o anuo de 1 8 4 7 ,
e, tendo <h' seguir para a cidade de Olinda, a fim de estudai
Direito, entregou-nos esse bispo resignatario do Maranhão,
D. frei Joaquim de Nazareth, uma carta ao bispo resignatario
de Pernambuco,' D. lliomaz de Noronha, então duectoi da
Academia. Ambos liaviãm resignado os bispados, por não
terem querido faltar a fe jurada para com os lieis de
Portugal. Aquella carta era uma verdadeira rccommendaçao,
tal qual a poderia escrever um bispo virtuoso.
Deos os tenha a ambos cm sua Santa Gloria.

c i^ 9 'P ..
249

Mfk i ®1 MMQ)
DE

Abertura do Parlamento Nacional

Illm. c Exm. Snr. — Neste instante desembarco, e


irei a presença de V. Exc., logo que arrange o men domicilio
na rua da Cadeia n. 13. (*)
E sta terá mais taci 1 accesso a V. Exc., c sem maior
distracção nas importantissimas oecnpações de V. Exc. Por­
tanto antecipo á minha apparição pessoal.
Conversando com o Snr. conselheiro Diogo de To­
ledo (*'*), me occorren nina idéa, que elle me insinuou
propuzesse a V. Exc. Lembrci-me, que o dia mais adequado
para a instalação das cortes era o dia 3 de Maio, motivada
esta eleição em ser o da descoberta do Brazil (***), na
relação que tem com o Cruzeiro austral, e com a bem
lembrada ordem do Cruzeiro imperial, não sendo indifterente
que na terra descoberta por um Pedro, outro no mesmo
dia lançasse a primeira pedra no edifício eterno da nossa
constituição.
(*) Esta carta foi cscripta por um paulista, ccrtaincntc ao
conselheiro José Bonifácio de Audrada e Silva; o qual, posto que nao
existia ainda naqucllo tempo a presidência do conselho de ministros, a
exercia de facto.
Julgámos util conservar a orthographia c virgularão com que foi
dada á estampa na R e v is ta d o I n s titu to H is to r ic o , G e o g ra p h ic o c E th n o g r a p h ic o
d o B r a z i l , XLVIII, parto primeira, 2." semestre de 1885.
Se ó a do original, ou sc é a do revisor da R e v i s t a , ignoramos.
(**) Conselheiro Diogo de Toledo Lara Ordonhcs, deputado á
asscmhléa constituinte. Não tomou assento.
Vêr adiante a genealogia, Linhas unidas A c B, III.
(***) Ver os capítulos UI c N da parte historica. A descoberta
foi no dia 3 de Maio, applicada ao século 1500 a posterior corrccção
Gregoriana.
250

E sta fixação do dia, annunciada ao publico em um


decreto (*) com as razões e com a força, harmonia e
nobreza, que caracterizam os espiritos de V. Exc., nao
deixará de fazer grande impressão nos animos, e de excitar
esperanças e contentcza geral. Assim me parece, mas V. Exc.
melhor julgará.
Deus o-uarde
o
a V. Exc. como muito dezejo e
precisamos.
llio de Janeiro, 12 de Abril de 1823.
Illm. c Exm. Snr., de V. Exc. muito reverente
servo e criado.

Antonio Gonçalves Gomide.

Esta cópia, extrahida do original, foi offerecida ao


Instituto Historico pelo director do Archivo Publico, Dr. Jo a­
quim Pires Machado Portella, ex-deputado á assembléa geral
legislativa pela provincia dc Pernambuco.

(*) 0 decreto dc 14 dc Abril dc 1823 limitou-se a designar o


dia 17 do mesmo mez para o principio das sessões preparatórias c a
declarar que os deputados deviam começar pela nomeação do presidente;
para, depois, formarem a junta da verificação dc podei os e oiganisarem o
regulamento interno da assembléa: « dando-me depois paite, por uma
solemne deputaçao, do dia que for assignado paia a abei tu ia dos seus
trabalhos, a cujo lie Alinha Imperial Vontade Assistir pessoalmente.»
De facto, o dia 3 de Alaio foi o escolhido pela assembléa consti­
tuinte; c o Imperador recitou então um discurso-relatorio, que póde ser
lido na Collccção das Leis, impressa em Ouro-Preto.
251

VI

MONUMENTO AO ALMIRANTE A. OQUENDO


Em S. Sebastião, na Hespanha, trata-se de levantar,
no passeio de Zurriola, um monumento ao almirante Oquendo.
Terá o monumento de altura total 9 a 10 metros, 3 a
estatua e o pedestal o resto, formando o envazamcnto um
octogono com uma bella escalcnata.
O esculptor D. Marcial de Aguirre, laureado em Roma,
representa o lieróe cantatrico cm uniforme de combate, de
espada á cinta, tendo na mão esquerda um machado de
abordagem, e apontando com a espada para o mar, theatro
das glorias do famoso almirante D. Antonio de Oquendo (*),
um dos primeiros vultos e orgulho da armada hespanhola.

'r5'

(*)■ E ’ o almirante hcspanhol que derrotou, em 12 de Setembro


de 1631, entre a Bahia e Pernambuco, o almirante hollandez Adrian
Janssen Pater.
Yeja-se o capitulo VIII.
II

PARTE GENEALÓGICA
L’liistoirc cst une evocation du
sepulcro, et râmc de nos pèrcs nc se
reveille que dans notre àme. II n’y a
que notre vie actucllo qui puisse
attestor cello qui n’est plus.
L li F U A K C , De Vesprit moderne an
point de vue réligieux, III.

Quand on respecte un lionnnc


riclie, ce n’est pas l’liominc qu’on res­
pecte, mais sa fortune, chose qui ne
fait pas corps avec lu i; quand on
respecte la noblesse liéróditaire d’un
lionnnc, le respect s’adrcssc a uno
grande qualité qu’il possèdc ct qu’il
a la faculte do deployer.
W. B a u h h o t , Im constitution
anglaise , Y. Traduit dc 1 anglais.
II

PAETE GENEALÓGICA
L’histoire est une evocation dii
sepulcro, et 1'âmc dc nos pores nc sc
reveille quo clans notre àme. II n’y a
que notre vie actuelle qui puissc
attestor cello qui n’est plus.
Lkfuatsc, I)c T e s p r i t m o d e r n e a u
p o in t dc vue reliejieu x, III.

Quand on respecte un honune


riche, cc n’est pas l’hommc qu’on res­
pecte, mais sa fortune, chose qui nc
fait pas corps avee lui; quand on
respecto la noblesse héreditaire d’un
homine, lc respect s’adressc a une
grande qualité qu il possède ct quil
a la faculte dc dcploycr.
W. BaiíKHOT, L a c o n s t i t u t i o n
a n g l a i s e , V. Traduit tie l’anglais.
Sed tibi qui cursum venti, qua: f a ta dedere ?
Aut quis te ignarum nostris deus appulit oris?
Y ir u ilio , Eneida, III, 337 c
338.

. . . . sendo dies ( os paulistas)


totalmente os que conquistaram os
bravos gentios do sertão da Bahia em
1672 até 1674, como fica historiado
cm titulo de Camargos, cap. 8.°: os do
sertão do rio de S. Francisco até o
Ceará, como mostrámos cm titulo de
Prados (entenda-se do Prado, o não
Silva Prado), cap. 6 . ° § 3 . ° ; OS que
penetraram o sertão desde S. Paulo
ate o Maranhão, como declarámos em
titulo de Lemes (corrija-se para Pe­
drozas, Barros O Vazes, cap. 6 . ° ) ,
tratando de Sebastião Paes de B arros;
os que acudiram por muitas vezes a
soccorrer a praça de Santos, e a do
Rio de Janeiro, e a de Pernambuco,
como se mostra em titulo de Rendons...
P e d ro T aqdes, NoUliarchia
Paulistana, lia Revista do Instituto
Historico, Geographico e Ethnographico
do Brazil, XXXIV, parte primeira,
l.o trimestre de 1871, pag. 41.

Não nasci cm S. Paulo: sim, na cidade dc Caxias,


provincia do Maranhão. E, pois, não sou paulista, conforme
a vulgar denominação.
256

0 facto de meu nascimento na província do Maranhão


tem -m e trazido em S. Paulo o epitheto de estrangeiro.
Mas, não sou tão estrangeiro na antiga capitania de
S. Vicente, e talvez na actual provincia de S. Paulo, como
a alguns, certo mais advenas do que eu, tem parecido. A
Providencia Divina ama conduzir, ás vezes, por vias tortuosas,
cada homem ao seu destino.
Muito de proposito deixei narradas, na historia das
capitanias de S. Vicente e do Maranhão, as migrações de
paulistas (*), desde o fim do século X V II, c durante o
século X V III, para o valle do rio S. Francisco, em os sertões
da Bahia. Já antes, em duas expedições de soccorros por
mar a essa capitania, cm virtude de requisições do governador
geral do Estado, 1630 (**) e 1G71 (***), aquellc rio lhes
fieára conhecido; c muitos paulistas, depois, picando o sertão
para a volta, haviam feito caminho para a capitania de
S. Vicente c S. Paulo, entretanto que outros lá ficaram.
Desse tempo em diante, até o meio do século X V III,
multiplicaram-se as migrações, cm successivas expedições'
guerreiras para apprehensão de indigenas (****) c descoberta
de minas de ouro. Mais tarde, 1760, as migrações torna­
ram-se raras; mas as communicaçõcs continuaram, embora
para simples trafego. Surgindo em principio deste século,
conflictos com a Iíespanha, por causa do territorio do Uruguay,
c sendo mandadas, cm 1817, a Montevideo forças paulistas,
as migrações tomaram aquellc opposto rumo, a negocio de
animacs muares: c,7 com esse commercio,7 voltavam alguns O a

(*) Denominavam-se paulistas todos os que nasciam na capitania


do S. Vicente c S. Paulo, comprehendendo ainda então Minas-Gcracs,
Matto-Grosso, Goyaz, Santa Catharina e Pio-Grande do Sul.
(**) Guerra dos hollandezes.
(***) P e d ro T ard es, Nohiliarchia Pauliansta, na Revista do
Instituto Historico, Geographico c Ethnographico do Brazil, XXXIV, parte
segunda, 4." trimestre de 1871, pags. 171 a 184, c XXXV, parte segunda,
3.° trimestre dc 1872, pag. 55.
(****) P edro T acjues, obra citada, XXXIII, parte segunda,
8.° trimestre de 1870, pags. Ido a 10!).
257

Sorocaba, outros claqui o levavam ao valle do rio S. Francisco,


c dahi ainda outros aos sertões do Piauhy e do Maranhão (*),
trazendo daquelles sertões gado vaccum, em troca, que era
vendido para o reconcavo da Bahia.
Não ha, pois, como contestar que os 'paulistas,
naquelles dous séculos, foram os desbravadores dos invios
sertões septentrionaes do B razil; e suas migrações eram
mui numerosas de gente, e, proporcionalmente, bem poderiam
ser comparadas aos grandes exodos de povos em passados
tempos historicos. (**)
Ambição de ouro ou espirito feroz de conquista sobre
os desgraçados indigenas, a verdade ó que as migrações de
paulistas, nesses clous séculos, acabaram por ferir de de­
cadência immensa a capitania de S. Paulo, propriamente
dita; ainda mais que, na primeira metade do século X V III,
(*) Os sertanejos em geral são denominados, no interior das
provincias do norte, bafdanos; não porque o sejam verdadeiramente, mas
porque os primeiros povoadores daquelles sertões sahiram do vallo do no
S. Francisco.
(**) A1 semelhança dos paulistas daquelles tempos no Brazil, sao
mencionados na America do Norte os Canadenses, seus contemporâneos.
Eis o que em artigos no Correspondant, sob o notável titulo La rate
française dans I'Amerique du Nor d. escreveu C. Jak n k t: <<Avant meme
que la vallée du Saint-Laurent fút complètemcnt pouplee, les Canadiens,
en raison de la fecondité de leurs families, fournissaiont un nom ie con
sidérable de jeunes gens, qui se lançaient en avant et allaient partout se
faire les pionniers de la civilisation. Nous les ctudicrons bientot sui Its
bords de 1’Ottawa et jusque dans lc Nord-Oucst, ou, par ses alliance
L
V ' *l I.AXu A ^ .

avec iles tt .. r i_____ nojjg ont


Peaux-Rouges, fnimiii
vn, formé íitio population
------ une .imniim.tion
^ metis, qui ..a
de métis,
preparé les voies à la colonisation regulière du Main o >a . ce d1 1
moins, e’est que ce sont eux qui out ouvert le I a r - es au
Quanto aos Canadenses deste século, o mesmo escriptor accres-
centa: «II faut lire, dans les cbarmants rccits de M. J o s m í rAss ,, les
biographies de ces Canadiens de VOvest, qui, ^jrdm P10111 ’ • ,
fondements de Cliicago, de Saint-Paul, de Mihvanbe,
Galveston au Tesas. Ce sont eux qui ont franclu ll?.sn m"“í. “J . v™ -Coívcr
et forme le noyau des premiers établissements de ie& ,
et de la Colombie britannique. »
A differença é somente que os paulistas, no século XIX, sao
diversos dos dos tros séculos anterioi cs.
258

haviam alcançado governo separado os territórios de Minas-


Geraes (*), de Goyaz e de Matto-Grosso (**), e também os
de Santa Catbarina e do Rio-Grande do Sul. (***)
A decadência foi tão profunda, tão vasta foi a miseria
na população, que a capitania de S. Paulo perdeu também
a autonomia, vendo supprimido sen governo, embora conser­
vando, quiçá para satyra do passado, um governador simples,
com residência na villa e porto de Santos, mas completamente
subordinado ao governador c capitão-general do Rio de
Janeiro! (****) Nem sua prosperidade anterior logrou ser
restaurada, mediante o restabelecimento da autonomia com o
governo separado, em 17G5 (*****); a miseria continuou, e,
de mais a mais, aggravada pelas arbitrarias e violentas
cxacçõcs dos capitãcs-gcneraes.
Afinal, com tantas e tão successivas migrações, embora
rareadas nos ultimos annos do século X V III, o valle do
rio S. Francisco, de Carunhanha até Joazeiro, já aliás muito
povoado de paulistas e de seus descendentes desde o
século X V II, tornou-se uma como colonia quasi que exclu­
sivamente dcllcs. (***-***)

(*) Provisão régia do 20 dc Fevereiro de 1720.


(**) Alvará de 9 de Maio de 1748.
(***) Carta régia dc 11 de Agosto de 1738.
(****) Carta régia de 9 dc Maio de 1748.
(**+**) Carta régia do 6 de Janeiro de 1765.
(****.**) p KDrt0 X aques , N o b í l i a r c k i a P a u l i s t a n a , na P e v i s t a d o
I n s titu to H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l , XXXIII, parte
primeira, l.° trimestre dc 1870, pag. 27, com referencia a Antonio Pompeu
Xaques, fillio de Lourenço Castanho Taqiies — o m o ç o , e portanto neto de
Lourcnço Castanho Taquos — o velho (Genealogia, Linha B, IY ), menciona
que aquelle A. Pompeu Taques casou-se com D. Maria das Neves, também
paulista, no sertão dos Curracs da Bahia, chamado do R i o d e S . F r a n c is c o ,
« paiz fértil, de grande opulência, concurso de negocio e de outras muitas
utilidades». Não deixou alli desccndencia; e, viuvando, foi residir em
Pitanguy, Minas-Geraes, onde contraído segundas núpcias.
D. Maria das Neves era irmã do capitão-mór Manoel Affonso
Gaya, Pedro Nunes de Siqueira, João Gonçalves Figueira e Miguel Gon­
çalves Figueira, naturaes da villa de Santos, que também foram residir
nos Curracs da Bahia, conformo escreveu P edro Taques, no lugar citado,
259

Quem conhece, á luz da historia, o movimento das


grandes migrações, comprehende que essas successivas cara­
vanas de paulistas, no século X V lil, forçariam a deslocação
de outras familias já alli estabelecidas, ainda que oriundas
de outros paulistas, migrados no século X V II. A’ semelhança
do que occorrera, no século X V I, com os indigenas, quando,
atacados desde a Bahia até S. Vicente, e de tal arte
scindidos em duas grandes massas, foram arremessados, uns

c também na mesma R e v i s t a , XXXIV, parte primeira, l.° trimestre de


1871, pag. 86; e todos deixaram alli numerosa c abastada desccndencia.
Segundo A zevedo M arqUES, A p o n ta m e n to s h isto ric o s, g e o g ra p h ic o s,
b io g r a p h ic o s , e s ta tís tic o s e n o tic io so s d a p r o v in c ia d e S . R u i d o , no nome
A n to n io G o n ç a lv e s F ig u e ir a , foi este « quem primeiro levantou engenho
naquelle sertão do rio de S. Francisco, chamado B r e jo G r a n d e > (hoje
Jacobina c Rio de Contas).
P edro Taques, no titulo da familia A ffo n s o s G a y a s , na R e v is ta ,
XXXIV, parte primeira, l.° trimestre de 1871, fazendo referencia a
Manoel Affonso Gaya, natural de Santos, filho de outro de egual nome
que era portuguez, desde pag. 8-1 a 92, mostra que quasi toda a geraçao
daquelle M. Affonso Gaya, do qual foram filhos os referidos Gonçalves
Figueira, mudou-se para o sertão do Rio-Verde de S. Francisco; e alli
foram ricos, dominaram, c procrearam.
O mestre de campo Mathias Cardoso de Almeida, tão celebre
por seus serviços á causa publica, como se póde vôr cm P edro Taques,
XXXIII, parte segunda, desde pags. 146 até 169, também não voltou mais
a S. Paulo, porque, após as guerras, preferio ficar no sertão do rio de
S. Francisco. E mais seu irmão Manoel Cardoso de Almeida, seu sobrinho
Salvador Cardoso de Oliveira, Domingos do Prado de Oliveira, e innumeros
outros.
Referindo-se P edro T aques a esta expedição do mestre de campo
Mathias Cardoso de Almeida, accrcscenta: « Com esta conquista ficaram
•totalmente livres e desinfestados os grandes sertões do Rio-Grande e
Ceará, cujas campanhas depois desta guerra foram povoadas, como até
hoje existem, com grande augmento dos reaes direitos nos gados vaccuns
e cavallares, de que abundam os estabelecimentos por todo o rio de
S. Francisco, Ceará e Piagui, nos districtos das capitanias da Rabia,
Pernambuco e Maranhão. E os mesmos paulistas que foram triumphantes
nesta custosa conquista, foram também os que abriram os trânsitos que
até hoje se seguem com communicação de todas estas tres capitanias. »
João Pires de Brito, que, na qualidade de capitão de infanteria,
acompanhou essa expedição, era descendente de Salvador Pires, de seu
primeiro matrimonio, conforme Pedro Taques, XXXIV, parte primeira,
l.o trimestre de 1871, pag. 65, e portanto enteado de D. Mecia Fernandes,
bisneta de Piqueroby, maioral de Ururay.
— 260

para as regiões do norte, Maranhão c Amazonas, outros


para as regiões do sul, Parana e Paraguay, guerreando,
trucidando, espalhando as tribus que la encontraram, assim
os migrantes paulistas do século X V III, ainda que sem
guerrearem e trucidarem os descendentes dos migrantes
paulistas do século X \ II, os deslocaram e impelliram para
as capitanias do Piauhy e do Maranhao, espalhando entre­
tanto muitos para os sertões das de Goyaz, de Pernambuco
e do Ceará. (*)
E ’ uma lei necessaria, que rege as migrações: — a
dos meios violentos, forçando a deslocação de populações
corrompidas e enfraquecidas por sua implantação ou fixação
no territorio habitado. Sem movimento não ha vida; e,
pois, essas deslocações, ao passo que abrem espaço aos que
chegam de novo, são em compensação uma vantagem vital
para os que vòem-se arrancados, expulsos, impellidos para
diante. Estes, por sua vez, tornando-se migrantes, c adqui­
rindo por isso o vigor necessário aos que luctam pela vida
e pelo repouso, vão desalojar outros ja egualmente corrompidos
e enfraquecidos pela immobilisação. E, assim, successivamente:
até que grandes massas deslocadas, sentindo-se comprimidas
pelos migrantes que as seguem, precipitam o momento do
refluxo,5 e reagem
O contra estes.
Ao mesmo tempo que essas migrações de paulistas
invadiam, quasi que incessantemente, até 1760, o valle do
rio S. Francisco, e, na ordem regular de seus movimentos,
por seus descendentes, também os sertões de Piauhy e do
Maranhão, formando uma extensa corrente de continuas
deslocações que afinal paravam e fixavam-se ás margens
superiores do rio Parnahyba, desde a féz de seu affluente

(*) A capitania do Ceará, comprehendida nella o territorio do


Rio-Grande do Norte, foi uma das que mais aproveitaram essas migrações.
Um dos caminhos para os sertões do Piauhy e do Maranhão, passando
pelos de Pernambuco, atravessava as cabeceiras do rio Jaguaribe; e, por
ser uberrimo este territorio, ahi ficaram muitas familias, cuja abundante
prolificação excedeu em pouco tempo a todos os calculos usados geralmente
para as estatísticas.
261

Longá, e também, mais ao norte, ás margens do rio


Itapicuru (*), desde A ldeãs-Altas (**(*) para o interior a
encontrar o curso do rio T ocantins: ao mesmo tempo que
isso succedia, a capitania do Maranhão ainda não estava
povoada de portuguczes, ou de seus descendentes, senão na
ilha e cm alguns lugares do littoral; e, ás margens do
mencionado rio Itapicurú, apenas até onde é hoje a villa de
Itapieurú-mirim. () resto da capitania nao tinha outros
povoadorcs, senão os indigenas, bem que aldeados cm grande
numero pelos padres da Companhia de Jesus c os
paulistas, como o mestre de campo Paschoal Paes de Araujo,
o capitão-mór Francisco P ias de Siqueira, o capitao Joao
Pires de Brito, Domingos Jorge Velho, c outros, ainda que
fizeram internações no sertão do Maranhao, nao lograram,
por causa do immenso gentio, fixar estabelecimentos senão no
Piauhy, cm connuunicação proxima com o valle do rio de
S. Francisco.
Com a expulsão daquellcs padres, cm 1760, tendo
sido quasi que abandonadas á propria sorte as aldeas, os
portuguczes nem mais puderam transpor para cima, no lio

(*)
Segundo A. Cus A l t Maikícks, D ic H o n a r io h is to r i co -g eo g ra p h ico
d o * M a r a n h ã o , deve ser escripto I ta - p E - c u r v , « caminho dc
d a p r o v in c ia
pedras a cada passo », por causa dc extensas cachoeiras no rio. Outros
entendem <pic deverá ser Jtapvcvrá; sempre, porem, decompondo o nome,
para conhecerem-lhe o significado.
Ha erro em tudo isso. 0 nome Ita p ic v rá é o dc uma arvoro
dragoeira, de <iue lia abundanda no Maranhão. Dalii a denominação
dada ao rio. Outros escrevem o nome dessa arvore, Ita p ic á ra ou Ita p icá ro .
(**) Caxias. Villa, por alvará dc 31 dc Outubro de 1811.
Cidade, pela lei provincial n. 24 de 5 de Julho dc 183G.
(***) Segundo relata H e m IHDO, A n n a c s h isto ric o s do E s ta d o d o
M a ra n h ã o1470, só cm 1717 partio da cidade dc S. Infix uma força sob
o commando de Francisco Cavalcante dc Albuquerque com a graduaçao
de sargento-mór, «na direitura do Itapicurú, rio da terra firme, para lazer
a sua entrada pelo sertão delle». E accrcscentou: «mas, entendendo o
governador que a sua marcha não iria ainda muito avançada, lhe mandou
ordem para retroccdôl-a até á casa forte do Iguará, que fica na bocca da
capitania do Fiauhy, com a noticia dos grandes estragos, que tinham leito
nclla os t a p n y a s de corso de varias nações. »
— 262

I tapicurú, aquellc ponto extremo «1c povoamento, qi _ I


isso continuou a ser um simples arraial Ainda em 176
E l-R ei D. José 1 ordenava a niíormacao de um ícquciim
de moradores da.,«ella povoação ^ i n d o a e l e v a d a « U a ,
sm, porém, cm 27 dc Novcnibio <-c > ■ J'
K l-llei D. João VI, houve sol.ujuo favorável a essa tao
antiga nrcto o âo , mas ainda sob a condição dc serem
estabelecidos, 'ás margens do rio ao menos tr.nta easaes de
..ente branca, e dc serem editícadas casas para cam.ua,
eadèa e mais repartições. A villa foi afinal creada offieaal-
,nente em 20 de Outubro de 1818. ( )
leste historico do povoamento das capitanias do
Piauhv e do Maranhão, no littoral, e no interior, explica
ls.'ás *(*)a affirmativa — <|ue os po
u seus desc
^ s - d o s „„ valle do rio S. Francisco, foram até 1800 os mucos
povoadores de seus sertões (»*). Os indigenas e suas aldeas
formavam entre os portngue/.cs, com seus . escendentes, esta-
heleeidos desde a ilha e littoral do Maranhao ate ao an aial
do Itapicurú-mirim, c os paulistcom seus descend
mimados para aquellcs sertões, uma como muralha que so
neste século foi possivcl transpor som tropas c bandciias.
Mesmo até hoje as populações dessas duas zonas da província
conservam differenças e antagonismos.
Pois bem. Meu avò materno, capitão-mér Domingos
\lves de Souza, ainda que nascido no valle do rio dc
S Francisco, onde ha uma familia numerosa com esse
sobrenome, ou mesmo já nos sertões do Pia.il,y, não p o d .a
deixar dc sor descendente dc paulistas, la, com o mesmo
sobrenome A i.v e s d e S o u z a , encontrei um dos da primeira
(*) A . C ksar M a r q u e s, Biccionario historico-,geographico da
provinda do Maranhão, 110 liomc Itapecarú.
(**) Ainda assim, os povoadores, embora numerosos, eram tao
íioucos para aquelles vastissimos sertões, que, pela provisão regia do
l o Abril de 1820, transcripto por A. C k s a r M a r q u e s Dtccionario lusto^co-
da hrovincia do Maranhão, no nome Brejo dos Anapurns,
S £ q í : os moradores, já aliás augmentados pela prolificaçao, con­
tinuavam separados por distancias de muitas léguas.
— 263

nobreza, mencionados na resposta do general Salvador Corrêa


de Sá c Bencvides ao clero, nobreza c povo de S. Paulo,
em 2 de Março de 1 6 6 1 :— Manoel Alves de Souza (*).
Por ventura descenderia deste.
Casando-se no valle do rio S. Francisco com D. Lu-
zebia M aria da Conceição, também paulista (**) por familia,
foram estabelecer-se á margem direita do rio Parnahyba, na
região entre os rios Longa e Poty, formando fazendas de
crear, entre as quaes uma denominada Melancias.
Posteriormente, quando, por provisão episcopal de 7
de Setembro de 1799, foram reunidas as parochias de
S. Bernardo da Parnahyba e de Nossa Senhora da Conceição
do Brejo dos Anapurús, servindo de matriz a egreja desta ( ),
(*) PemiO T aques, N obiliarchia P a u lis ta n a , nn R ev ista do
In stitu to H istorico, Geopraphico e K thnojraphico do .B ra zil XXXIII, parte
primeira, l.° trimestre de 1870, pag. 11.
Ycr adiante essa resposta do general Salvador Corrêa de Sá e
Benevides, transcripta integralmente, no texto IV da Linha B, com rete­
renda a Lourenço Castanho Iaques.
Com referencia a este Manoel A l v e s dc Souza, escrevo Pedro
Taques, XXXIII, parte segunda, pags. 137 c 138, sua nobre procedência.
Tó neste lu,far seu nome c escripto diversamente: Manoel A l v a r e s de
s í u T c Manoel Alvares de Souza (escreveu), natural de S Miguel, veio
ao Brazil, á imitação do seu ascendente Gaspar \ a z de Souza.... L>e
Balthazar Vaz de Souza e de sua mulher Lconor Manuel P^jÇcdeu
Manoel Alvares de Souza.» Accrcscenta que ello casou-se cm S. Paulo,
c que sua nobre origem consta do N o b i l i á r i o , dc Gaspar I' m um oso, IV,
12 E mais: que era « senhor do jazigo na quadra do mosteiro de
S. Bento para si e seus descendentes, que conservavam o seu direito pela
campa de pedra que lhe accusa o dominio ».
E ’ para deplorar que P e d ro T aq u es não completasse a sua
N o b ilia rch ia P a u lis ta n a , escrevendo todos os titulos de f e n d i a que men­
cionou e que prometteu: entre os omittidos, ou esquecidos, e ta o titulo
de A lves de Souza ou A lva res de S o u za , tantas vezes referido por ellc
Seria por difficuldades cm apurar as gerações, em virtude de mudanças
para o vallc do rio de S. 1' rancisco ?
(**) q Uí talvez, já então m i n e i r a , depois de separado o tenitorio
de Minas-Geraes.
/***\ jÇ C e sa r M arq u es, D iccionario historico-peographico da
p r o v in d a do M a ra n h ã o , no nome S. B e rn a rd o da P a rnahyha.
W
— 2G4 —

o camtSo-m<W Domingos Alves <le Souza c sua famil.a


mandaram construir casas dc moradia na sedo da niatnz,
para mais fácil satisfação dos deveres cspmtuacs - visto que
suas fazendas ficavam á margem opposta do rio P a in a h y b .,
quasi cm frente ú povoação elos Anapurus.
Nessa freguezia elo Brejo elos Anapurus , elevada
á villa em 1 Si>1 (*), o eapitão-mór Domingos Alves dc
Souza*, falleccnelo, deixou uma familia tão numerosa, quão
preponderante por sua fortuna c por sua influencia política ( ).
U i essa familia o principal baluarte elos constitvcionaes, no
interior da provincia, contra o acto da acclamaçao da
Independencia elo Brazil; entendendo que não era-lhe licito
quebrar o juramento prestado em 1821. Dominava-a, então,
como liojc, o espirito conscieaeloi.

Nas investigações históricas é preciso ter principal


mente em conta o movimento mysterioso elas forças indigenas.
Factos de familia c acontecimentos politicos, uns e outros
o-vnun sempre naquclla orbita. Por violências da conquista,
no século XVI, as nações brazilieas viram-se desordenadas,
com as almas derramadas c confundidas, com os membros
fragmentados e dispersos, com o sangue sob a acção e a
reaccão de constantes cruzamentos. E \ portanto, provável que,
após a Independencia, as forças indigenas, sentindo-se livres
de processos coloniaes, estejam a soífrer, por cffeito dc
attracçõcs naturaes, o impulso das deslocações, emboia in­
conscientes, talvez indispensáveis á rcorganisação cthnograplnca
C*'i Provisão régia dc 29 dc Janeiro dc 182(1 Installada villa
cm 20 dc Dezembro dc 1821. Cidade, pela lei provincial n. 899 de 11
dc Julho dc 1870.
/**) a rebellião dc 1888 — 1840, assolando principalmcnte os
municípios do Brejo c de Caxias, destruio todas essas fortunas.
Veja-se o capitulo oitavo da parte historica deste livro; no final
do mesmo capitulo, tratando daquclla íebclliao.
— 2G5

daquellas primitivas nações, ainda qne com a actual^mo­


dificação profunda dos sons nsos, costumes, c lingua 0 ) , e
com muito diversa religião, pelo longo contacto com os
europeus.

Eis, pois, factos c circumstandas que affirmam nao


ser eu estrangeiro em S. Paulo.
E, aliás, esses factos c circumstandas, concorrendo
com notorios eífeitos de um longo encadeamento de causas
particulares, podem por ventura desvendar o mysterio de ter
sido, para bem dizer, arremessado a esta província; muito
mais que, até fins de 1851, nunca me viera á mente tal c
tão brusca migração. V acant v o l e n t e m fata, nolentem trahant.
Duvide, quem quizer, do governo providencial sobre
individuos, familias, povos, raças, humanidade, universo inteiro:
__CU) não. Deus produz efieitos nas causas mais remotas.
Impenetráveis são seus designios.

Dizemos — modificarão c não — *i<bxti(uirão, porque, mesmo


m s ci d a de^s-capi t íic s, não prevalecem os nsos c costumes europeus, senão
quanto a vestidos e ao luxo. No mais, até na língua portugueza, sente-se
o salutar c necessario intiuxo indígena.
C A P IT U L O P R IM E IR O

Et creavit Deus hominemad imaginem suam:


ad imaginem Dei creavit illum: masculum et fmminam
creavit eos.
G en esis, T, ‘27.
Erit enim tempus, cum sanam doctrinam
non sustinebunt, sed ad sua desideria coacervabunt
sibi magistros prurientes auribus, et à veritate
quidem auditum avertent, ad fabulas autem con­
vertentur.
S. P a t r o , T h i m IV, 3 c 4 .
Ubi sapiens ? ubi scriba ? ubi conquisitor
hujus saeculi ? Nonne stultam fecit Deus sapientiam
hujus mundi?
S. r.U’1,0, l.il, C o rin th ., I, 20.

A anthropologia tom dado assumpto, _ nestes dons


séculos ultimos, a grandes controversias, a proposito da origem
do homem e da formação das raças humanas ( ). )s
(*) Snlirc a origem do homem é util consultar, alem de A.
Q i a t u k f a O i:s, L ' c s p c c c h i n n a i n e : .
M a noKij i•K S khiiks, todas as suas ohras sobre geologia, historia
natural, cosmographia e paleontologia. Foi um sabio (pie nao quiz apartar-sc
do Genesis. . ... 7 , Tri.
0 bispo MkiGNAN, L c monde cl l h o m m c p r i n n t i / sc io n in B ib le .

Paris, 1869. . ,
0 padre M onsarrk, Conferences, XIII, caremc 187o: L a Gcncsc

0 barão J. on B ravo, L\trclicolo,jic prclustonqne. — Baris, 18<S0.


— 268 —

systemas, mais ou menos bizarros, mais ou menos desvairados,


todos porém limitados, ou insufficientes para as soluçoes
extremas no retrocesso á origem, acotovellam-se, gladiam uns
contra os outros, e entre si mesmos se desmoralisam, sem a
necessidade da intervenção do bom systema ou da boa
doutrina. Os systemas falsos trazem, com effeito, em si essa
fraqueza: — ao passo que, pela lei dos contrastes solemnes,
illuminando embora com seus fogos fatuos o campo dos bons
princípios, cada um, isoladamente, póde sustentar e de facto
sustenta grande lucta com o verdadeiro, nenhum logra resistir
aos outros quando entre si se comparam e se chocam, c
até mesmo quando, por acaso accóvdcs cm alguns pontos
secundarios das respectivas doutrinas, sc abiaçam c se
osculam. (*)
o marque/ (lo N adai llac , L e s p r e m i e r s h o m m e s et les t e m p s
préhixtorii/nes. — Paris, is s o .. Obra magnifica. Contesta o homem terciário.
O seqiimlo volume é começado por um capitulo, que muito m teressa-nos:
L e s p rem iers A m é r i c i n s . Km consequcncia, passando_ revista a todos os
laetos e monumentos conhecidos, declara não ser possivel affirmar a auto-
clithonia dos primeiros habitantes da America. E, concluindo, examina os
trabalhos de L a.mahck , D arwin , W allace , I L kckel, H uxley , Vogt ,
Q uatuefages , EntuocK, M ax Mrimun, etc., para demonstrar que o homem
não é producto de uma evolução progressiva.
E Li- noum \m>, L e s o r i n i n e s d e f h i s t o i r e d a p r e s i a l i i b l e et les
t r a d i t i o n s d e s p e o p l e s O r i e n t a m - . - Taris, 1880. EstC CSCriptor, RO paSSO
que concorda com os nacionalistas cm que o Pcntatcuco c posterior á iormaçao
do grande cyclo das legendas cosmogonicas c mythological que sao o
inicio de todas as historias, não sendo portanto a Biblia a fonte das
tradições parallelas, admitte a inspiração divina para esses Livros Sagrados
e conseguintemente seu caracter transcendente c sohrcnatuial. E licito
duvidar se E. L e n o u m and, collocando-se entre a fó o o nacionalismo, foi
fiel a si mesmo. As situações intermediárias sao sempre falsas. Entre­
tanto, na parte relativa ás tradições sobre a queda de Adam o diluvio,
é digno de attenta leitura, por attestar a unidade da tradição primitiva.
(*) o abbadc de B ro o u k , L e p o s i t i v i s m s et la s c i e n c e e x p e r i ­
m e n t a l e , sustenta com vantagem a u n i ã o n e c e s s a r i a d a r e l i g i ã o e da
sc ien d a , patenteando o absurdo desses c de outros ialsos sj stemas.
Examina Ta ink, H egel, Stuaut Mum, A. Comte, Kenan, Spencer,
Hartmann, Schopenhauer, F o u illé , 1it <iinkk, Darwin, c outros somenos;
para demonstrar a insubsistência de suas doutrinas, mesmo só perante y>
bom senso, sem o p r o c e s s a s da sciencia humana, contorme a pluase allemã.
Expõe á luz, em linguagem clara c precisa, os axiomas c os piincipios de
cada um dcllcs: o tanto bastaria para aquclla demonstração.
269

Esses falsos systemas filiam-se a duas hypotheses


fundam entaes: — a da geração spontanea, e a da evolução
continua ou da transformação múltipla da animalidade.
Ainda lia mais um systema, segundo o qual Adam e Eva
não foram os typos primitivos, mas sim outros liomens que,
antes, haviam sido creados simultaneamente (*) com os
animaes em todos os pontos da terra habitada: — os sectarios
deste systema são os denominados préadanntas. (**)
Não vale a pena deter a attenção sobre os taes
sectarios do homem préadamita; nem sobre a hypothese da
geração spontanea, já anniquilada pelo celebre P asteur (***)•
(*) A cstc respeito, L. F ig ite » , L ' h o m m c p r i m i t i f , introducçao,
expõe todos os esforços dos geologos, dos archcologos c dos palcontologos
para provarem a existência do homem f o s s i l .
Até na menção desses investigadores scicntificos, apparccc F. G.
Fund, dinamarquez que habitou na provincia de Minas-Geracs durante
dezenas de annos c que deixou eseriptas suas observações nas cavernas
do Brazil em 1844, segundo o attesta o mesmo L. F igite ».
E 1 esta, porém, uma questão que não parece ainda bem elucidada.
E ’ bem conhecida a historia do f o s s i l , encontrado nas geleiras
(Enigen, e denominado em 1726 h o m o d i l u v i i testis, « homem testemunha
do diluvio»; entendendo, porem, alguns que era um p r é a d a m i t a . Em
1787, P. C a jitk r demonstrou cabalmente, cm uma M e m o r i a , que o
pretendido p r é a d a m i t a não era senão uma salamandia ou um ícp i .
(**) o homem préadam ita seria a negação da Biblia; e apagaria
a tradição, attestada por S. B a s ilio , Oiugenk, S a n io 1
A g o s tin h o , segundo a qual o corpo de Adam tora sopu < L
lmuar cm nue Jesus foi depois crucificado, a hm de que todos os
am reccbidí a morte por M m , recebessem a vula por
Jesus-cimsto, e para que, nesse lugar denominado desde eu ao
isto 6, o lugar da cabeça, Ai.au, a cabeça do
a vida com toda a sua raça pela resurroiçao do Salvador o abi so
e abi resuscitou. E 6 em virtude dessa tradiçao que ia
sempre pintada ou esculpida ao pe ;lo ^ ' ^ a t r o dignidades,
considerado representadas nos quatro Evangelhos),
l^ rT o co,neçò dõ Inundo, estivera,n reunidas no prburtr. M m em
prom essa c em prophecia.
(***\ Bem podemos arregimentar neste systema a t lC0™
v. . J ~ , nvwirv pvolucíio de uma íoiça latente, no
t i v i s t a da formaçao do mundo 1 * . causa superior,
momento do desequilíbrio, sem a necessidade de tuna causa s"l'eu0
, , f.,,. _ó o ia conhecido mecanismo
O p o s i t i v i s m o , porem, nada ninovou. c o ja cu
— 270

Mas, é util não deixar passar, ao menos sem protesto, o


systema da evolução e da tr a n s fo r m a ç ã o , cujos processos
scientificos, auxiliados de observações mais ou menos sérias
nos reinos animal e vegetal, soem trazer enleiados muitos
espiritos superiores. Também neste systema, com sectarios
os mais variegados por suas doutrinas, operou-se a bifurcação.
— o grupo da tr a n s fo r m a ç ã o brusca e o da tr a n s fo r m a ç ã o
len ta . H a ainda outras sub-divisões. Taes theorias tr a n s fo r ­
m ista s, aliás insustentáveis ( ao menos em relação ao homem,
porque, ainda que só zoologicamente, o rebaixam para
cgualal-o aos outros animaes), e mesmo por isso, tem gerado
muitas sub-escolas, sustentando cada qual proposições as
mais extravagantes e irrisórias. (*)
Uma ousou affirmar que, por heterogenia, o primeiro
passaro poderia ter sabido do ovo de um reptil! Segundo
os evolucionistas, é a influencia do m eio que age sobre a
matéria primitiva, determinando os desenvolvimentos diversos
c as formas multiplicadas! Os orgaos tão variados dos seres
não são o resultado de uma finalidade qualquer, prevista e
querida por uma intelligcncia: o orgam nasce e move-se no
m eio que ellc atravessa!

Outra dá a humanidade como descendendo de cin-


th ro p ó id es ou macacos c a ta r h y n ia n o s qnc, por não terem cauda
e reunirem outras condições m o rp h o lo g ica s, mais se aproximam

de D escartes, substituída apenas a impulsão divina pelo movimento p r o p r i o


c e t e r n o da matéria. Todavia, Stcart-M iix, não vendo bom claro o
primeiro termo da evolução, sustenta que o espirito positivo não excluo o
sobrenatural no começo c no tim.
(*) Todas estas questões da origem do homem, da unidade da
cspccic humana, da variedade das raças, bem como o exame de todos os
systemas que negam a intervenção de Deus na Creação, c arrasam o
hexameron , — tudo isso, e as correspondentes controversias philosophicas,
são abundantemente tratadas, discutidas, c resolvidas por F. Hettinger,
Apologia do Christianismo, 5 vols.; tradueçao do Conde DE S AMODÂEK,
Porto, 1877.
Sobre todos, os volumes I e III foram destinados a tacs questões.
E’ obra importantissima.
271

do homem! E. Haeckel, discipulo de Darwin, denomina o


individuo dessa especie — h o m e m -m a c a c o ou pithecoide. Mas,
Darwin nem ao menos concede á humanidade um ante­
passado sem cauda: — o feliz c a ta rh y n ia n o , que teve a honra
de ser o primeiro pae da especie humana, tinha esse
appendice!
O tr a n s fo r m is m o começa por negar-se a si mesmo.
Como adm ittir uma evolução sem um ponto de partida?
Se ha este ponto de partida, houve um Creador, ou a inter­
venção de uma causa transcendente. A esta objecçao alguns
sectarios, conforme são suas tendências espiritualistas ou
materialistas, oppoem a hypothese do ovo cosmico, de Durand,
ou a da gera çã o sp o n ta n ea , de P o u c h e t c de outios, como
primeiro termo da evolução. Mas, e o proprio IL e c k e l
quem confessa que, a não ser assim, « a lógica imporia
necessariamente o recurso ao milagre de uma creação sobre­
natural ». Evidentemente, não 6 isso uma solução; é mais
uma complicação, porque restará explicar como essa materia,
saliida do n a d a , alcançou possuir em si essa potência pro­
gressiva e evolutiva donde surgio o universo. (*)
o

r*) Estes svstcmas não são ama novidade nos desvarios dos
homens. Basta attender para as doutrinas inversas da antiga esco a
nco-platonica de Alexandria. Esta cscóla admittia uma trin d a d e; mas
das tres pessoas ou hypostases, a Unidade, a Intelligence, a Alma, que
constituiam, nesse systema, a triplico unidade do Deus supremo so a
Alma comnnmicava-sc com o mundo para regnlal-o c dingil-o. Isto c, a
Alma era o unico canal de communicacao entre o infinito e o finito, ent
a eternidade e o tempo, entre o ser puro c absoluto e ^ phenomenos
instáveis de um mundo mol.il. A Alma divina era o autoi do
universo sensível. Mas, esta Alma, umea pessoa divina em relaçao com o
mundo, mío o tinha feito sal,if inteiro, con.plcto, c do um so golpo lo
nada,a exemplo do Deus do (ienes,s; ao contrario, mediante uma seno
dc emanações, produzindo quedas successivas, a vida, destacando se tia
triade ^m ncina * onde residia essencialmente, veio animar a materia ainda
h í f o t o ‘da quaí sahira o universo. Uma sério de s t e i i t a t o » ,
gerando-se uns aos outros ( alm as in d ivid u a e *, segundo a■ d e m r ^ •
dada nara distinguil-as da Alma geral e suprema), povoavam assim todo
o Inteívalío que separa de seu primeiro e eterno principio a natureza.
Mas pergunta A. DE BroOUE, V E ' g l i s e et I'e m p i r e v o m a m a u
i?
I V s i r * , HI,’ g.D 0 quo mo,lo, no systema do F u m j .
0 mundo? Por emanação, ficando misturada neste, ate ao ponto
— 272 —

Eis tudo o que o tr a n s fo r m is m o offerece para substituir


o genesis biblico! A confissão desesperada de sua impotência
para designar o primeiro termo da evolução esta nas
hypotheses do ovo cosm ico c da g era çã o sp o n ta n e a , que
quasi equivalem á do acaso.
Felizmente, A. d e Q , u a t r e f a g e s , L espece h u n ia in e ,
lembrou-se de confundir e desbaratar esses systemas anthro-
pologicos. E, apoiando-se em argumentos de diversas naturezas,
e principalmente nos fornecidos pela physiologia quanto aos
phcnomcnos da geração, demonstrou a falsidade de todos, c
a verdade do m o n o g e n ism o , c portanto do genesis biblico;
ainda que, no exame das raças, quanto a classificação poi
còres, careça de corrccções.
A jactanciosa seiencia moderna, desconhecendo que
a razão, em vez de ser uma estrclla com luz propria, não
é senão um astro que só emitte radiações quando traz em
si o calorico da fé, ha sido por sua descrença precipitada
nos abysmos da duvida e da contusão; e, a torça de afastar-se
da Biblia, sua unica ancora para não desgarrar para o falso,
tem tido muitas vezes necessidade de soccorrcr-sc da mentira
c da fabula, mesmo de artifícios mais grosseiros, pretendendo
sempre que a tradição sagrada é desmentida pela observaçao
scicntifica.
Tem cila rcalmcntc um plano preconcebido contra a
autoridade biblica. Dalii — a duvida, resolvida logo depois cm
meras conjecturas c ligeiras concepções; e estas, por sua vez,

formar uma substancia commum? Quo materia é esta, com a qual a


Alma communica, c cuja participação, maior ou menor, constituo as
diversas cathegorias de sêres? Do que genero de existência c dotada,
pois que o Ser absoluto resido na triade divina? E ’ simplesmente o
n a d a , o não-sèr? Se ó, como admittir-se que o Sêr possa communicar-se
Com 0 n a d a ? »
Esta obra dc A. de B kocuk c uma das melhores que temos lido
sobre as primeiras luctas da Egreja com o poder civil. A figura de
S anto-Atiianasio, bispo-patriarcha dc Alexandria, abi apparcce em seu
verdadeiro esplendor.
273

desde então convertidas em principios on verdades certas (*),


juxta-postas ás narrações de Moysós.
O processo é conhecido: — não podendo explicar a
razão de certos factos, taes como as cores das tres raças
principacs, bvciwcci, ctmavella, pveta (**"), o diluvio nniveisal
com a arca de Noc como apparelho de salvação, a torre de
Babel com a confusão das linguas por obstaculo a sua
continuação, fazem taboa rasa de tudo (** ), c concluem
(*j Não condcmnamos o processo scientifico da hypothese. As
hypotheses são necessarias ás investigações; ainda que Nhwton ousou
proferir esta phrase absoluta: hypotheses non fingo. Para descobrir e
preciso suppor. A hypothese existe, tanto nas scicncias abstractas, como
nas sciendas de factos. Ila certaincnte descobertas fo r tu ita s ; puas, era
geral, a hypothese precede a invenção, sendo uma como antccipaçao da
razão. Todavia, semelhante ao grão semeado, só aproveita ao homem, se
logra germinar, isto é, se consegue ser uma verdade dem onstrada.
Condemnamos só o processo daquelles que transformam simples
hypotheses cm certeza, sem as verificar; tomando puras , supposiçocs nao
verificadas, algumas vezes mesmo inverijicaveis, por verdades scientihca .
Convem lêr a notabilissima obra de Eiinesto N av ille, L a logique
de t hypothese.
(**) jj. Fiouiek, Les races humaines, divide a humanidade em
cinco grupos: O branco, O amarello, 0 pardo, 0 vetmelho, O pieto.
A raça am arella comprehende somente os ramos hyperboreo ,
mongolico o sin ico ; constituindo os indigenas da America inteira uma raça
separada,— a vermelha.
A raça p a r d a comprehende os ramos indo (Asia), e th io p e { Africa,
na Abyssinia c no Sudão), medaio (Oceania, c cm algumas ilhas da Asia).
Esta classificação aproxima-se da de J. F. Blumenbacii, D e
generis h u m a n i varietate n a t i v a : - a caucasica, a m ongohea , a ethiopica, c
m a lesia , a a m ericana.
Tá T 13 J d’Omaiuus d’H a llo y , D es races hum aines on Elem ents
J M n o g r a f i e , ' liávia admittido aquella classificação h M i j M l» g ™ te
na cor da pelle, c formando os cinco grupos adoptados poi L. 1 ig u ilr.
Ila ainda outras classificações ou divisões: — á phantasia de
cada um.
T D ’E S TIEN N E (A . A liD U lN ), Comment s est fo rm e l Umvers,
Pnris 1880 entendendo ser necessario discutir e rebater as taes desco-
S t a s sorprendèmtes da scienda moderna, £
creacão cumprindo-se na mesma ordem índicadt ’ ,n
tom os inexactos, apoiando-se cm textos os mats anthenUcos; c, quanto
— 274 —

pela inexactidão da historia Moysaica! Nesse presupposto,


passam a affirmar: que a humanidade nao começou somente
no tronco A dam e JEva, mas teve troncos diversos; que o
diluvio não foi total, mas limitou-se á parte da terra então
habitada; que não existio tal torre de Babel nem portanto
a alludida confusão das linguas, mas operou-se succcssivamente
a dispersão das familias ou tribus pela força natural da
expansão, formando cada qual, lentamente, o seu dialecto
proprio. (*)
D a r w in , esse
ao menos fabricou alguma cousa para
substituir a A d a m c B y a : — as transformações successivas,
produzindo tres ou quatro typos originacs, até mesmo um
archetypo primitivo unico, para constituirem as especies animaes
e vegetaes, passadas e actuacs. 0 principio fundamental
desse systema é a variabilidade da cspccie; e dahi a theoria
de que o homem é o ultimo termo de uma longa evolução
organica, cujo inicio estaria nos mais rudimentarios organismos,
c, pois, proveio evolutivamente do animal, assim como este
proviera do vegetal, e este do m ineral. . . (**) Mas, A. d e

aos seis d ia s , demonstra que não eram d ia s dc vinte e quatro horas,


senão grandes espaços de tempo que até hoje os mais venerados exegetas,
entre os quaes S. Jcronymo, não têm podido interpretar e definir; o, pois,
na incerteza da chronologia biblica naquelles tempos, é licito recuar na
série dos séculos a data das differentes phases percorridas, não só pela
humanidade, mas também pelo proprio globo terrestre. E, depois de
descrever c narrar o que elle denomina a epopéa do nascim ento do m u n d o ,
oftcreccndo valiosissimas razões que a defendem, conclue: « Puissent-elles
contribuor à eftacer les malcntendus que la mauvaise foi, les préjugés,
rignorance ont si longtemps multiplies à Fencontre de Faccord si necessaire ,
si vra i et en soi si inevitable des Saints Livres avec la science!»
Os adversarios do Deus, entretanto, não cessam do applicar á
historia biblica a sophistica h eg e lia n a : — negação radical e universal. Dahi,
a identidade do ser e do n a d a ; OU, Cin formula geral, a id en tid a d e dos
contradictorios.
(*) E ’ util lêr, acerca dos cinco livros do Pentateuco, e parti­
cularmente do Genesis, O que Voi/nky, Itecherches sur Thistoire ancienne,
escreveu; não para deixar-se arrastar por esse incrédulo, mas para apro­
veitar algumas do suas investigações. Ha nessa obra cousas curiosissimas.
(**) 0 erro não é senão a desfiguração da verdade. Meditando
na theoria de uma longa evolução o rganica , conforme a exposição do
— 275 —

Q demonstrando quo a lei da jixidez das cspccies


jja tr efa g es ,

6 a condição essencial da ordem no mundo organico, seme­


lhante á lei da attracção universal no mundo physico, arrasou
esse systema.
Os outros limitaram-se a negar o genesis biblico,
phantasiando hypotheses mais ou menos irrisórias, quaes a
do ovo cosmico, a da eternidade da •matéria, a da geração
spontanea, a do acaso, c mais co-generes.
No meio de tudo isto, o que mais sorprende é que
christãos, e até bons catholicos, esquecendo que, entre as
ruinas da narração Moysaica e as trevas dessa enorme
confusão scicntifica, não lia senão o caminho do atheismo ou
o desesperado scepticismo, ainda deixem-se enredar, com
seriedade digna de melhor causa, no exame e na discussão
de taes systemas que excluem à priori o Creador.
E ’ forçoso, porém, tratando das raças, não olvidar a
questão magna, — a do monogenismo e do polggenismo:
os que defendem o genesis biblico com um typo unico c
os que entendem ter sido varios os typos primitivos da
humanidade.
Os monogenistas, verificando pelos factos que, nas

texto, lembrámo-nos do que, acerca do mysterio da Incarnaçao, escreveu o


celebre theologo L. Tikhmas.six, D ogm ata theologica, 1680— 1689. Rste
theologo, tratando do « modo como se unem as naturezas superiores as
naturezas inferiores, por mais perfeitas que estas ja sejam, penetrando-as
para mais eleval-as, e então attrahindo-as á aquella união», observa que a
união da alma e do corpo, a união das naturezas diversas, é como a lei
universal dos sôres; que assim a natureza vegetal une-se a natureza
mineral; a natureza animal á natureza vegetal; a natureza racional a
natureza animal: e, pois, é esse casamento successivo das naturezas uma
lei universal do mundo, vera imagem da Incarnaçao.
O padre A . G h a t u y , /.« philosophic d u Credo , II, 2, expondo
auuella these, patentêa que a Incarnação, facto absolutamente sobre­
natural, sorprendente prodigio do livre amôr de Deus, tal qual aquelle
orande theologo a expoz, não significa uma creagão continuada ou o
ultim o termo d a serie ascendente dos termos da creação, porque Sena 0
mesmo que dizer que o infinito é o ultimo termo da série^ ascendente dos
numeros, quando é certo que o infinito está fóra da serie dos números,
por mais que esta série, em sua ascendência, pareça tender a attingd-o.
27G

uniões sexuaes de individuos de cores totalmentc oppostas,


não se dá a hybridação, mas o simples cruzamento nustiço,
sustentam a unidade da especie humana.
Os polygcnistas, assignalando as differenças de talhe,
de feição, de còr, etc., e vendo cm taes differenças uma
caracterisação perfeita, sustentam a variedade de grupos ou
typos humanos primitivos, formando outras tantas especies.
Os monoyenistas entendem que essas differenças são
apenas caracteres de raça; cffeitos de agentes modificadores
natur aes.
Os poljig einstas, fazendo-se fortes em argumentos
morphologicos, redargúem que taes differenças são mais alguma
cousa que o resultado de condições accidentaes; c até
invocam cm seu auxilio a physiologia. (*)
Muitos, sem se pronunciarem pelo monogenismo ou
pelo pohjqenismo, querem explicar a variedade das còres das
tres raças humanas, branca, amarella, negra, pela influencia
do meio cm que, apos a dispersão das familias c das tribus,
estas se fixaram e se desenvolveram. Esse meio é, além do
clima c das correntes magnéticas, o conjuncto de todas e
quaesquer condições physicas Iocacs; e estas condições phy­
sicas loeacs tem, em verdade, tanta força que de facto
modificam e variam a elimatura em latitudes idênticas. (**)
Vão esforço da intelligencia humana! A acção do
meio sobre a vida e os costumes do homem é incontestável;
mas a simples observação desmorona esse argumento da

(*) Cáe a pcllo a questão da avtochthonia dc raças ou do povos.


Segundo entendemos, não lia povos verdadeiramente autochthones,
senão para os que professam a doutrina do pohigenismo. Procedendo todos
de um unico tronco, só por expansões e emigrações successivas os individuos,
as familias, as nações se poderiam espalhar no globo terrestre.
Confira-se F. IIkttinokk, Apologia do Christianismo, III, 5.
(**) B u k f o X, ITistoire naturelle, BosSTKTTKN, Iihomme du nord
et I'homme du midi, ou Vinfluence du climat, e muitos outros, sustentam a
acção diversa dos climas sobre a organisação physica c moral do homem.
277

influencia plivsica local para imprimir a còr característica de


uma raça. A prole de brancos na Asia, Africa e America,
assim como na Australia, derme essa theoria, lia quatro
séculos, europeus invadiram essas regiões ; e seus descendentes,
embora abi nascidos e em successivas prolificacies, continuam
brancos. Nem lia a certeza de que adquirirão, lentamente e
com o tempo, a cor das raças locaes, por não serem cons­
tantem ente renovados pela umao sexual com outros brancos
recentemente unnngrados :— se este retrocesso ao typo primitivo
local é certo para as famílias cruzadas, nao o 6 para as do
uma mesma raça, não local, a exemplo do negro e do
amarello que permanecem taes cm qualquer latitude, desde
tjne não crn.tain com indiridnos de outra rara. Na Asia, lia
portuguezes, liespanlmes, irancczes, mglezes, liollandezes. Na
Africa, e exactamente na parte extrema meridional, ha fran-
cezes, liollandezes, inglezes, alem dos portuguezes. Na America,
vivem brancos em toda a sua extensão, de norte a sul. Na
Australia, pertencente á Oceania, vivem, além de outros,
inglezes e liollandezes. hstn, em sumina, muito pi ovado que
os individuos das tres raças aclimatam-se e prolificain, pui os
ou cruzados, em qualquer parte da terra, sem embargo da
diversidade das condições de vitalidade; mostrando-se ainda
nisto a diíferença entre o homem, creatura superior c privile­
giada (*), e os outros animaes cujo desenvolvimento physico,
em todas as regiões do globo, acompanha o das naturezas
vegctacs.
(*) LiN.M-.l-, S ifs te m o n u h i r a C CrvIKll, S u i t e s à J h i / o n , 0, após
olios outros naturalistas c anthropologist as, classificavam o homem no
i-oino animal. Iun.mu o collocava outro os contundmdo-o corn os
macacos ■ (Vvnm, entre os t,i,,,«„<>«, que ó a primeira família da ordem
dos m a m m ó e s j m tq .e .te s , expedindo u macaco para a classe dos q o a d r u m a n o s .
T\Ias 0 homem é um ente superior a taes classificações zoologicas;
foi creado Deus; possuo faculdades que o trazem inccssan-
temente cm relações espirituaes com o Creador. S a n t o A tiianasio ,
ensinando que «Deus e o homem não fazem senão um Christo, como a
alma racional e a carne não fazem senao um homem », attirmava um
axioma em philosophia, ao mesmo tempo que um dogma cm theologia.
J U - r c o N , e depois A. i m Q u a t u k f a g k s , repellindo a classihcaçao do homem
na animalidade, honraram a especie humana.
— 278

Tambcm as linguas, por poderem ser reduzidas a tres


n-rupos fundamentaes, o das monosyllabicas, o das agglutinantes,
c o das de flexão, tem sido consideradas como correspondendo
de certo modo c sol» varias relações aos tres typos physicos
ou ás tres raças humanas; mas, bem examinadas essas
relações de correspondência, que aliás não 6 senão apparente,
os entendidos na materia hão julgado nao quadrarem ^ as
linouas com os limites cthnographicos das tres raças. Assim:
ao ° passo que na Europa são falladas linguas de flexão,
também o são no sul da Asia, c no vallc do Nilo, cm
Africa; e (acreditando no que affirmou o abbade Cu. B rasseur
,)F ] jol'rbol'iu; em suas elogiadas obras sobre as linguas na
antiga America) até no Mexico e Peru. As mo nosyllabic as
não são falladas senão no centro da Asia, isto e, na China;
e também no reino de Siam, e cm outros paizes sob a
influencia da civilisação chincza (*). Os demais povos de
vaca amurella, na America (**) e em outros continentes e
ilhas, fallam linguas agglutinantes (***); c egualmente as
fallam os povos negros da Africa.

I ) o padre G aixkt, La L i l l e v a n s la B i b l e , Y, diz que as


linuiias do extremo Oriente derivam todas da familia monosyllabica fallada
na <’hina. ('onlira-se M.u/rií-lfitrx, citado pelo padre Gaixkt.
Segundo Corro i>k Maoai.iiàks, O S e l v a y e m d o B r a z i l , II, 0
h tjd primitivo era quasi m o n a s i / l l a b i c a . 0 quasi 6 tudo alii, c, pois, o
n>i>i já era então lingua a a < jh iti n a » le .
(**) O já citado G aixkt, L a B i b l e s a n s l a B i b l e , \ , apoiando-SO
no cardeal Wisk.max, em IIi .miioi.ot, c em tantos outros, affirma:
a ) Affinidade real entre todas as linguas da America; _ e, oncle
a structura das palavras resiste á unidade, as regras gramniaticaes e o
genio da lingua reatam os ties apparentemente interrompidos.
b) Semelhanças entre as linguas da America c as dos outios
continentes.
Ç|::,:!|:) Por isso, c pela semelhança do fcieocs (segundo as estampas
de L. F io n ini. A.s raças humanas), entendemos que a povoaçao da America,
logo quo a Asia, assás povoada, começou suas expansões, foi feita pelo
estreito de Ifiiéring por samoycdas, produzindo os esquimaos, ao norteada
America, c estes, descendo do norte ao sul em ininterrompidas migrações,
eruzaram-se com polynesios emigrados da Nova-Zelandia e de outras
ilhas da Oceania. E, pois, os indigenas da America têm essas duas
origens: os do norte, o ramo b v p e r b o r e o da raça amarella, c não o ramo
— 279

Tão insolúvel como a da formação inicial das raças


lmmanas — é a questão da prioridade de uma delias.
Uns sustentam que foi branco o primeiro casal humano;
outros, ao contrario, entendem que foi preto; em maioria,
porém, estão os que affirmam que foi amarello (*), adcluzindo
em seu apoio as cosmogonias de varios povos sobre A dam,
o homem fabricado de barro vermelho (**). Os argumentos
multiplicam-se e cruzam-se em todos os sentidos; mas, afinal,
a questão resurge desse chãos scicntifico tão incolume c tao
inteira, como de antes, sem a minima arranhadura. (***)
Todavia, a scicncia moderna não se dá por im potente;
e, collocando montes sobre montes, ainda na esperança de
devassar no passado todos esses mystcrios de Deus, pretende
ao mesmo tempo saber no fu tu ro qual das tres raças trium­
phant, para povoar, só ella, a terra toda.
sinico (cliinez o japonez), como alguns querem fazer crer; os do sul, o
ramo polynesio da raça malá ia. Os chins tem encontrado nos Estados-
Imidos e'no Perú a repulsão dos indigenas. Além disso, falta nos indigenas
da America a obliqua collocaçao dos olhos do ramo sinico; c tamhem
não apparecem alguns dos costumes dos povos da China c do Japao, que
representariam a tradição nas gerações.
(*) Amarello ou vermelho equivalem-se para determinar a côr
deste terceiro grupo humano.
(**) Parece, com eífeito, que a raça amarello foi a primitiva;
depois, a preta; depois, a branca. E diz A. QcATUK FAO ES, Vespèce htrmaine :
« A linguistica como que confirma este modo de ver. As linguas mono-
s v l l a b i c a s , accusando os primeiros balbuciamcntos da linguagem humana,
não existem senão nas raças amarellas (bem entendido, da Asia), iodas
as racas negras c os brancos allophylos fallam linguas a g g h n i n a t i v a s ,
correspondendo á segunda fôrma dada pelo homem á expressão de seu
pensamento. Os arianos e os semitas fallam linguas de flexão. »
(***) Entretanto, ha um elemento natural que decide funda­
mentalmente em favor da raça amarello OU vermelha. Segundo C. F.
lluitDACii, Anthropologic, « todas as crcanças no seio materno c ainda ao
nascerem têm côr avermelhada, que cm poucos dias c perdida », e, conforme
derivam de cada uma das raças, adquirem a respectiva côr, se não são
productos de cruzamento. Mas, a observação de Buudach carece de
correcção. Só o branco, quando sabe do útero materno, é muito vermelho.
O negro nasce alvaçCw. O individuo de raça amarella nasce amarello,
ligeiramente avermelhado; isto é, em sua côr natural.
— 280 —

Scoumlo o já citado Q catrefages, L 'espere hum aw e,


o amavcll.r entra sempre no pigmento cutâneo como elemento
colorante, qualquer qnc seja a raça do indivíduo, h isto,
di/, idle, tem sido observado ao microscopio.
Ora, além de ser fundamental essa còr, e talvez por
isso, os píienomenos do cruzamento m ostram -na invariável-
mente nos productos mistiços. f )
hi opiniões (Mie consideram feridos dc lutura esterilidade,
li mracões, os
•mós ahnimas ucnicurs. »>s cruzamentos.
>.i u / . a u . Mas,
*---- > sc
-- isto ,é verdade
, quanto
aos cruzamentos com a raça neura, que, cm menos dc tres; sec„los a
continuar a colonizarão de europeus na Atnca e cm Australia, teia dcsai
parecido do mundo, não o <• quanto ás uniões das raças branca e mnarella,
so forem santificadas pelo casamento ehristao c se, durante este, mio
forem infrimddos os deveres cmijugaos, sobretudo o da reciproca tidelulade.
0 que enfraquece as raças é sua ; o esta provem nao so da
rareza das uniões legitimas, senão também da nitracçao daquellcs devei es.
1 bin vbmru-a •' bem seguida disciplina moral iortifica as tainilias, sejam
„ura< sejam cruzadas. Nã.» ba melhor depurativo do sangue; nao ha
melhor régulador dos nervos: não ha melhor syndesmose para os ossos.
\ virtude.' por isso mesmo (pie é uma grande força moral, e também um
enorme poder plivsico. A esterilidade, pois, quando não c o resultado dc
casamento entre parentes proximos, é effeito apenas pio virus syphilitico,
adquirido directamente, ou transmittido liereditariamente ; — nao dos
cruzamentos.
<) bom producto dos cruzamentos entre branco e amarello foi
observado pelo padre. 1’. F. X. dk CiiAitimvoix, quando em 1720 missionou
U(l (am dá ■ e assim o relata em sua Jfhtvirc de la Nouvelle France:
. los Canadians. cVst-à-dire les creoles du Canada, respirent en naissant
mi air de liberte qui les rend fort agréables dans le commerce de la vie....
Tout est ici de belle faille et le plus beau sang du monde dans les
deux sexes.»
Ci (orila abbade Fl'.ULAXl). TnLfiiilnv. notes et Te.cits dc
rnmt(i<\
C. ,Iamm-:t. em artigos inseridos no C o r r e s p o n d a n t , 25 de Maio
e 10 de .1unho de llSSl, já citados, sob 0 titlllo L a r a c e f r a n ç a i s e d a n s
Í A nierii/iK1 d a S a r d , escreveu: «Les m etis soil! mi des exemples les plus
frappants des lions etfets du croisement, q u o a d il se f a i t e n tr e d e u x r a c e s
l.irn d o u r e r ; lour vitalitó contraste avcc la rapide dccroissance qui frappe
depuis plusieurs shades les tribus de q tc a u x - r u u g e s . »
Km verdade, só os vicios esgotam as raças. Haja moralidade, a
eomeear do cima ; a benção de Deus nao sc tara espeiai, pain dar as
familias a graça da boa fructiticação. Mal irá a nação, cujo governo sóe
descurar a moral, favorecendo o erro, honrando o vicio, e, por cumulo,
propagando a scieucia sem Deus.
281

Assim, pois, não só a raça amarella pura íói a


primeira, constituindo o typo originario, mas também sera a
ultima, constituindo o typo final. Tanto a raça preta, como
a branca, c todas as intermediárias, serão eliminadas pela
guerra, pela peste, c mais vastamente pelo cruzamento, este
operando a absorvcncia, esta produzindo a assimilação. (,r)
Não passará isto talvez de uma conjectura. Km todo
o caso, a raça amarella p u ra , afinal triumphante, nao sera,
ccrtamentc a do ramo sinico e de seus eo-generes, ou
mesmo a denominada vermelha, do ramo americano. Na
immensa confusão dos povos, impellidos uns contra os outros,
ou arrastados uns para os outros, essa raça amarella sera,
necessariamente o ultimo producto refinado dos successivos
cruzamentos das raças actuaes. ('“')
Seja, porém, amarella ou branca a raça <pie atinai
triumphe, é licito acreditar que essa unidade de còr coincidira

(*) Km geral os europeus querem que o typo final seja a raça


branca. Tor essa opinião, são dies suspeitados de pleitearem causa
propria; mas, o cscriptor desta obra, por entender que prevalecera a
raça amarella, não incorre na mesma censura, porque (Ç branco como em
geral os europeus latinos, ainda mesmo que tcnlia nas veias algum sangue
americano, se por fortuna o tiver.
(*+) p. J. ritorniIO.N, JCssais d'une philosophic pop ala ire, \ . 4,
9,S professa o svstema das raras locoes, sem examinar poiem « si los
differentes races bout originairemont sorties dc la memo sonebe et comment
ensuite, xoas la influence dn climat, dies out recti lours physionomies
respectives ».
Com estas ideas fa fim de concluir que. o indipenato c a unica,
verdadeira fonte juridica da posso territorial), e depois de atfirmar , *>>»
t o d a v i a p r o v a r , quo o caucasio nunca consoguio perpduar-se no Kg>pto. e
por cgual as raças do norte da Europa na Algeria., e mais, que o anglo-
saxonio adquire outra pbysionomia na America do Norte e torna-se alli
pclle-vermelha, accroscciita: «Quant aux croiscments, la ou ds peuvimt s operei,
loin dc détruirc tindhjénat, ils nc tout, que lc ratraichu, m ( ounu p ns
do ton ct de vigueur: on sait au.jourd'luii que les sangs so indent,puais no
se fusionnent pas, ct toujoiirs une des deux races finit par revemr a son
tape, ct. absorber l'autrc. »
Iv niais uma opinião que, embora imo aceita pur nos, aqui
deixamos registrada; sc bem (pie não seja dc e s p e c i a l i s t a .
— 282

com a unidade de fé (*), quando, segundo as promessas


de Jesus-Christo, estiver completa a evangelisaçao do mundo
e fòr pleno seu reinado, não existindo mais que um so
rebanho e um só pastor. (*’*)
Não vamos adiante.... A exemplo de M a l e b r a n c h e ,
não admittimos como sufficicntcmcntc estabelecida a demons­
tração da existência do mundo exterior, em contrario a
narração biblica (***). Em vão a anthropologia experimental
apresenta-se para desmentir a anthropologia revelada. Em
vão mesmo uma anthropologia denominada pre-historica, sem
outros documentos que ossos e silex descobertos em cavernas
e (nil camadas stratificadas do solo, ostenta egual proposito,
pretendendo que os primeiros séculos devem ser divididos
em edades successivas da pedra bruta, da pedra polida, dos
metaes, e que os homens primitivos íoram selvagens. O
testemunho dos Livros Sagrados 6 irrecusável. Ante essa
massa enorme de mysterios, em cujo redor doudejam de­
nominados sábios, vemos perfeitamente Deus presidindo a
creacão, desde o inicio do mundo. Nem sem Deus a
comprchcndemos; e, se fòra necessario provar que Elle
existe, o melhor argumento seria a mesma creacão. J a um
illustre c verdadeiro sabio, o padre A. Secchi, cançado do
tentamen de devassar alguns daquellcs mysterios, perguntara
a si mesmo « se a admiraçao não e a unica homenagem
que o homem pode prestar ao Crcador ». 0 celebre L. Agassiz
não duvidou proclamar que « tudo no mundo íoi íeito poi
(*) Segundo F. IIktti.nckk, Apologia do Christianismo. Ill, 5,
« é sobre o principio da unidade natural que se tunda cssencialmentc a
unidade espiritual do genero humano »; e mais adiante accrescenta. « A
unidade do sangue é a explicação e justificação da unidade do espirito c
do amor: porque o principio determina o fim, o a origem o intento. »
Talvez que F. II kttinokh não quizesse levar até á unidade dc
còr essa sua these. Mas a rc-unifieação do s a n g u e não importará a
rc-unificação da còr ?
(**) S. João, X, 16.
(***) Será util ler o ahbadc Moioxo, L e s s p l e n d e u r s d e la f o i :
4 vols., Paris, 1879. Obra magnifica c completa.
283

um Espirito ante o qual o liomem não pódc senão humilhar-se,


para reconhecer com uma gratidão incffavcl as prorogativas
com que foi dotado, além da promessa de uma vida futura ».
A humanidade, pois, fechando os ouvidos a esse
charivari scientifico que ousa negar a intervenção divina na
creação, não tem senão que elevar, hem alto, a Deus uma
immensa e continua doxologia (*); ate que, na phrase mys-
teriosa de S. P aulo (**), '« fujura deste mundo passe, e com
ella todas as illusões c todos os orgulhos.

(*) Considerado o effeito da rotação da terra, c mais o tacto


de ser cousummado o sacriticio da missa desde a madrugada ate ao
meio dia, por milhares de sacerdotes, em todo o globo, lia sido demonstrado
que, durante as minimas divisões das vinte quatro boras correspondentes
ao dia astronomico, c elevado da terra para o Coo o G l o r ia m e x c e l ™ D e o .
Sem a minima interrupção, formando um muco som ate a consuimnaçao
dos séculos, o será quando for completo neste mundo o remado dc Jesus-
Christo. <,)ue grandeza! Que sublime mysterio!
(**) S. Paulo, l.% C o r in th ., VII, Ml.
-;>isgsgsH81
CAPITULO SEGTJNDO

() primeiro topico dc que ha­


vemos de tratar na historia do Brazil
,los Índios. Files pertencem tanto
•i esta terra como os seus rios, como
'os seus montes, como as suas arvores;
o por ventura não foi sem motivo que
Dons os eonstituio tão distinctos, cm
indole e feiedes, de todos os outros
..ovos, como 6 distincto esto cl.. .
ilo todo c qualquer outro clima do
Universo.
Files foram o instrumento dc
quanto aqui so praticou dc uül c dc
oran.lioso; são o principio dc todas
as nossas coisas; são os que deram a
base para o nosso caracter nacional,
ainda mal desenvolvido U soía .
corna da nossa prosperidade o dia Ua
sua inteira rehahilitação.
V Goncai.vks Dias, Introdução
A u n ites h i s t o r i c * <>» M a r a n h ã o -
por Brrreão.

Não entra no ,-lano.-leste pe^-eno B m o x a m i » ^


SC o continente tia Amenta ,\s;a c Africa,
oconnieas muito postoriorinon c uU;;n0 a povoar-se.
uiuda q,.c o " J Í ^ J ^ a c i x o u af.nomtra.lo quo - cm virtude
° " t r mio e possível tuna inun,la,ão geral,
286

serii o sor simultânea cm todas as partes do globo terrestre


c em todos os climas, c que o mar não poderia cobrir as
planuras immensas do Orenóeo (*) e do Amazonas, sem
devastar, ao mesmo tempo, os territórios proximos do Báltico ».
Além disso, e o encadeamento e a identidade das camadas
liorisontaes e dos restos orgânicos de animaes e de plantas,
desde tempos antediluvianos, provam que foi simultânea, cm
todas as partes da terra, a formarão de grande numero
desses depositos .
Também não é nosso proposito investigar a origem
(' o grão de desenvolvimento da civilisacão astcca no Mexico,
(Jincluía no Bern, mmjxca em Popavan; nem as presumidas
relações, anteriores ao s('culo IV, entre a America occidental
(' o Japão, a Cliina e outros povos da Asia oriental, por
causa de analogia de monumentos, mythos, calendarios, e
mais ainda de consonância de raizes nas linguas: o nem
mesmo as tradições dos séculos IX — XT, quanto a relações
da Islandia com a (Iradand, e quanto a desembarques de
audaciosos maritimos seandinavos nas costas do Labrador, ou
mesmo quanto a empreza colonial do legendário Madoe, do
paiz de Galles. (**)

( ’) Çãu'111 quizer conlicccr as nascentes do rio Orenóeo, consulte


a ultra dc Ii. II. Sriio.MitrttoK, 1 iea< in lhe interior <f G uiana , e OS
({/iiolrns <ta natureza, de A. lIi'.Ml!ol,])T.

(‘j (-'• ( ’• l,K Sotto-M aiok, Oa Rstaelos-Unidos, I. -— Lisboa,


1<s77.
Segundo a tradiçao, « Madoe emprchendera differentes viagens dc
longo eniso com o turno do occidente, e em nina dessas expedições fizera
a descoberta de uni magnifico e inunenso paiz ». Accrescenta a cbronica
do (■alies « que o referido ÜNIadoc voltara á terra natal, c, convocando os
pai entes c amigos, com dies partira novaincnte para aquellas regiões, a
lini de iundai uma colonia; nunca mais bavendo noticias de t.aes aventu­
reiros ». A legenda da este paiz desconhecido como sendo a America,
descoberta posteriormente por Christovam Colombo.
Acerca das relações de normandos ou seandinavos com a Islandia,
(n a l.uidia c \ inlandia, e insti ucti\o ler as Antiquitates anxcvicamc,
publicadas em Copenhague, sob os auspícios da Socikdadk R eal dk
A ATI Ç) CA 111OS 1)0 X o l í T K , por C-A11I.OS C lI lU S T lA A O IiAFX ; C OS Rapports
ethnaijraphiipies deste sabio investigador.
287

Todas essas questões são problemas e hypotheses,


nem teríamos elementos bastantes para dar-lhes soluçoes,
mesmo que nos emmaranhassemos nas multicores c con­
tradictorias descripçõcs de viajantes de todas as cspccics,
cada qual com seus factos observados, porém também com
seus enredos imaginarios.
Mas, devemos examinar a origem da povoacao da
America (*). Temos por cousa provável (pie o continente

p ô r normandos c srandinavos; sondo indob la n d quo do a nn: a ca . 0


naquella região mna colonia, c inosmo ns,,os - „ f Ô m aiU is

sôus antepassados, ^ " » 7 X 0 ^ 6 ^ ^ Tw ,


S aCo S ’c a S l m £ GÔlma-n n n ra de
E r ,co — e re a e . Fixeram mna vmgein ^ ou “cm a minima
nome, por alii cxistn abmulciiieia b ..... (|o mml descenderam as
cultura. Tiveram cm \W< J™ J ll( ’ j Q scn’ nctos foi o celebro bispo
S E ? ^ S i c o u 0 primeiro codigo ecclesiastico para a

até ao pÔ„“ T ‘ s - d S S ^
geograplua, de ctlmogiapliia, ■ erradas investigações c
indigenas, por,pio as obras .m oiros, 0 estes, guando não
com estudos phantasticos de ' outros da lingua propria;

S Ô ^ ^ m a ^ b m S n a , A ã o um proiongamento da E uropa. A
nação brasílica ainda não esta reib tu • uma raça
m Só OS pohigenistas podem aun
autochtone; isto é, sem descender dc ^ ^ ' somentc os primeiros po-
Consideramos mdnjat s - raeas se iam expandindo c
voadores do territorio, a proporção que taça
— 288 —

da America meridional foi, cm tempos de impossível aveii-


ouação, invadido por habitantes das dlias da Oceania, mais
proximas k costa occidental. Basta comparar os usos e os
costumes dos povos dacpicllas lllias com os usos c os costumes
dos indios da America, A tatuagem ou a operação de
desenhar, por sulcos abertos na cutis, pinturas variegadas (*);
os enfeites de pennas; as gargantilhas de dentes; o fetiche
do jarde verde; a superstição ligada aos amuletos dc ossos

dilatando, o senhoreando o sólo. Os que vieram depois, podem ser


conquistadores, não são com certeza indigenas ou aborígenes, se nao sao
da mesma sub-raça ou da mesma raça dos judmeiros.
Os indii/enas O U aborígenes do llrazil são O S tupis, O S cavils, C
os respectivos cruzamentos.
Ç: ) Parece que. depois da communicaeão com os missionários
catholicos, o portanto já desde o século XVI, á. proporção que se estendia
aquella communicaeão, a tatuagem dosapparccia successivamentc das nações
indigenas do llrazil.
Os missionários catholicos não cessavam de prohibir osso costume
harharo, condcnmado por Deus. como vê-se no L kvitico, XIX, '28, e
XXI, Õ : Xo» incidetis carnem cestra»), negor jignras aliquas, and stigmata
facietis colis;__ negue in carnilnts scis facient incisaras: e tambeill 110
DkutkiíONO.MIo, X l \ . 1: .... ram ros incidetis.
Segundo narra o padre Ivo n'Kvnm x. Viagem ao norte do Brazil,
I, 1-1, m i s eórtos o os recortes no corpo eram lindíssimos; e não costume
só dl■)S homens, senão tamhem das mulheres, com a diüerença unica de
que os homens rabiscavam o corpo inteiro, c as mulheres apenas desde o
umbigo até as coxas*. Serviam paru isso dentes agudos dc algum animal;
por exemplo, a cotia. Sobre a chaga era applieada uma cspecie de gomma
queimada, reduzida a carvão, para deixar indeléveis os cortes e os
recortes.
A ser exacto o que escreveu o padre Ivo hK im ix, os indios
praticavam a tatuagem, para significarem o pezar pela morte dos paes,
ou para. representarem o protesto de vingança contra os inimigos, dc
sorte que, quanto mais stigmatisados, mais valentes c heroes cram
reputados.
Comparando aquellas Deis de Aloysés, já supracitadas, com essas
expli cações dadas pelos indigenas do llrazil, devemos acreditar quo as
migrações para as ilhas entre a Africa oriental e a America occidental
foram anteriores a aqucllc Legislador; porquanto as incisões no corpo,
prohibidas por Aloyses, tamhem eram feitas no Mgypto em signal de pezar
por algum morto, sager morteo. Kste costume poderá também scr o tio
para ser bem investigada a origem certa dos povos da America.
— 280 —

hum an o s; o uso dc uma m assa de pedra (*), ttx:ula a0


pulso por um amarrilho, com a qual esmigalhavam, nos
combates corpo a corpo, o inimigo; a m aneira de labricar,
de um só madeiro ou de um unico tronco, e m b a r c a r e s
de mais de sessenta pés de comprimento, bem eomo o
modo de aprcstal-as para a navegação ; as danças, sempre
allegoricas á guerra, a sacrifícios, a íu n eiae s, a oinia
hierarchica e electiva do governo; e muitos outros sig n a e s:
tudo isso foi encontrado na America, especialmente na região
entre o rio Amazonas e o rio da Prata, segundo a descrípcao
feita por Pruro V az C a m i n h a , em sua ta o c(debrada_ cai a
de l.° de Maio <le 1 onlorme as noticias . deixadas
1 5 0 0 , e c................... .
pelo padre A ntonio V uura ^e por muitos outros missionários
da C om panhia de Jesus. (* )
M uito naturalm ente essas migrações p o h jn e & m s teriam
povoado a costa occidental da America mendmna'I; e,
m ultiplicando-se, teriam arremessado, pelo Ktluno do l . n ann ,
para a America septentrional muitas t u r n s (l u
estabeleceram c prolificaram. Ao mesmo tempo, migrantes

' Tinha esta dava, ou massa, quatro faces, com oruatos, c


mais delgada c arredondada no cata; e era dcnonmiada -...... ..
Quando e,u f6i.ua dc remos ou gás, e com gna.es, as denominavam
O 1’adre Axtomo V.B.A escreveu ................ .
x - n a 0vnCto nuc sejam denominadas nu<Uvn<, no Ama/ona.,
como Y .v b n a ó ,, ctèm víü d cai,6,™ são umas anuas curtas, cm
fórma de lanças.
em a m, Oc vnun-ACKS, Vespèce humaine , XVII, combatendo a

por tribus oriundas da Amenc i, i caracteres physiques,


b i ! » l e A S t anu races Liaises

-t t:1;:::: . —„s,.
argumentarão A iquelle antliropologista, quanto a esse « » < - » . » • das
rflCtis Polynesia c americana .
• ' Tal argumentação, gorda, o - » - S ã u L v e iõ
s rs ie n te íi™ odÔrienta, LglnScT die affirma, explicada tiea a natural
expansão para a America.
— 290 —

samoyedas, atravessando o estreito de Bhering, teriam pro­


duzido os esqmmúos (*); e tribus dessa familia hypcrborea,
e talvez mesmo muitas da familia mongolica, teriam descido
para o sul c eneontrar-se-liiam com outras da familia
Polynesia, operando entre si vastos cruzamentos e uma
reciproca assimilação de usos e de costumes. (**)
E’ facil compreliendcr os effeitos desses cruzamentos
entre sub-raças, ainda que um pouco proximas pela còr,
mui distantes pelos usos, costumes, mythos, e civilisações. O
producto desses cruzamentos installar-se-hia no Mexico; dalii
expandir-se-hia para o sul, pelo isthmo de Panamá, e
fixar-se-hia na região ao norte da serra Pacaraima, e também
na região da vertente occidental dos Andes, deslocando e
impedindo para c valle do Amazonas (***) os indigenas que
já abi encontraram e que não quizeram submetter-se ao
regimen novo. Estes, por sua vez, encontrariam naquelle
valle os caribs, também expulsos da costa oriental da America
septentrional, e forçados por isso a atravessarem o mar das
Antilhas, para installarem-se ás margens do rio Orenóco, e
nas tiuianas. (***'*)

(*) Os rsi/iuimtos receberam o costumo ou o uso das pedras no


rosto, o a tatuagem, quando se cruzaram com os invasores que iam do sul.
(**) Os sinnoi/cda,-? professaram sempre rigorosamente a lei da
exogamia. Sua invasão na America septentrional, pelo estreito de Bhéring,
foi portanto a necessidade dos casamentos fóra da tribu.
( * :|:* ) O padre I v o n’EviUCCX, V i a g e m a o n o rte d o B r a z i l em
1616— 1614, refere que os t u p i n a m b á s no Maranhão tinham a crença do
que seus antepassados estavam sepultados além dos Andes. Os indigenas
do Brazil em geral não designavam seus antepassados acima dos bis-avós
e ter-avós senão pela phrase — C e n o n d t g o á r a etá, isto é, c e n o n d é , «pri­
mitivo gerador», g o á r a , «não do lugar, mas ahi habitando», etá, que é
signal de plural.(*)
(****) Em que cpocha? Ninguém o poderá dizer. E’, porém,
licito acreditar que, dadas as leis synchronas, aquellas transformações
no Mexico, cm Popayan, no Peru, se teriam operado no século YIT,
coincidindo com o mahometismo; e que as descidas dos caribs e dos tupis
— 291

Estes cciribs, oriundos do sul da Florida, na America


septentrional, depois de installados ás margens do rio Orcnoco
e na região das Gnianas (*), vieram descendo, do norte para
o sul, até á margem septentrional do rio Amazonas (**)•
Abi, propagando-se para o lado oriental, teriam sido encon­
trados por aquclles tupis, vindos do occidente: dalii a lucta
durante annos, e talvez séculos, até que, vencidos, e forçados
á dispersão, uns lá ficaram ao norte do Amazonas, nas

para o valle do Amazonas teriam sido nos séculos X - XII, coincidindo


com o desmembramento do imperio arabico.
Acreditando no syncbronismo, talvez possamos aftirmar também
que a invasão da America septentrional por tribus do ramo bypcrborco
coincidio com a invasão dos barbaros na Europa, nos séculos 11I—IV.
(*) Escrevemos Goianas, para quo sejamos comprclicudidos, mas
o nome exacto 6 Goiá-nà. A tribu Goid-m) deu o nome a essa região.
(**) Segundo o padre dose dk Mokaks, Jlistoria da Companhia
de Jesus na e.vtincta provinda do Maranhão e Ford, 0 rio Parana com­
munica, pelo rio Caurá, o rio Orcnóco e o rio Negro. _ « 1<orma elle a
figura de meia lua, c desta meia lua desce um braço ( boje Cacupnary ou
(hnxiqviaru) que corro para orio Orcnóco, c outro que desagua no no
Nem-o.... A tórma da communicaçao julgo cu que e por estai o no
ra ra u á cm tal posição c altura da terra, (pie desagua para ambas as
partes, isto é, para a parte do norte do Orcnóco, e para a parte do sul
do Amazonas. »
Segundo o padre Ayiiks no C a sal , Corographia Brasílica , II,
tratando da provinda do Guyanna, « na margem septentrional do rio Aegro,
está a embocadura do chamado rio Cassiquiarn, que e um canal de o
1ermas (segundo dizem), despresadas as suas numerosas e grandes revira­
voltas aberto pela natureza para communicar o no Orcnoco com o
Amazonas ». 0 padre Josh i.k M okaks , porém, attirma; c ato menciona
o facto da viagem de um missionário na mesma canoa, de uma íegiao
para outra.
p or outro lado A. II i .muoi.dt descreveu outra curiosidade: «Não
é possível, com elicit o, ir mais além para o oriente, sem atravessar o
leito do rio r,ranco, (pie corre de norte a sul, no leito do alto Oienoco,
entretanto (pie o proprio alto Orcnóco dingc-sc, a mor parte das vezes,
de éste para oeste. »
O rio Negro era c ó Gaainv, cm sua vertente; Ueniá,^ desde
duo recebe as aguas do ribeiro Caciqiiiarii, até encontrar a fóz do 1 ovary,
ou 'Yavpés; Ga liara, desde abi até desaguar no Amazonas.
Suas aguas são escuras; e parece que pouco piscosas. As
margens deste rio são desertas de pragas e do qualquer caça.
— 292

Guianas, c outros continuaram a migiai paiu o sul, polos


rios Tocantins c Araguaya, formando algumas a deas no.
sertões entre aquelles dons rios (*). Perseguidos pelos
uobí, c pelos qoiá-mt, procedentes dos gota, vindos pe o
Orenóco, cruzados com tugis, na região entre os nos Xmgu
c Tocantins, os quacs subiram logo de o rio Araguaya,
—-aquelles caribs, em grande niuneio, forcados a
deslocação, e dividiram-se:
a ) ()s (pie passaram para a margem direita ou
oriental do rio Tocantins, e atravessaram a serra de Taguatmga,
São os ayn.orn ou tjinjmvve* (**), também denominados
botocudos (***) polos portuguezes; os <pmes, depois te
fixados as margens do rio S. Francisco, prolificaram até o
littoral.
h ) Os que, em maior numero, tendo abandonado
m y : essa a razão, por (pio são encontrados nossa regmo
in,lios ..nasi brancos; sendo notável que as mulheres têm torinas regulares,
delicadas, bellas, pés e mãos pequenos, ollms azues, cabcllos imos e lisos.
( !!M O padre FkuxAo biimumiu), lid a rã o a n n u a l d a s cousas
,,u e h e r a » , L C a d r e , da C om panhia de J e su s n a s p a r te , d a í n d i a O n en ta l
,, do l i r a : d , A n p o l a , Cabo- V e rd e , G u m e , n v s a n n o , de 1 0 U- e
Iásbòa: 1fiOo.
Ksto escriptor, no livro quarto daquella obra, cap. 2.°, sempre
,,„c relere-sc a esses selvagens anmords, os nomeia pay mures. h o mesmo
nome.
ew*\ Kstes eram cia mesma procedência daquelles quasi brancos
de (ioyaz. Se não pintassem o corpo, mostrariam a pelle quasi hi anca.
Os descendentes dos earths, desde a região amazônica até a lagoa
dos Patos, oiíoroeeni esta diferença dos t u p i s . Kstes são côr de cobre
coln alguns laivos de vermelho. Aquelles têm a côr amarclla clara. Os
cruzamentos de t u p i com r a r ib produzem o t\po aimuello -coi ccan c a ,
c 6 este que mais abunda no norte do brazil. No Para sao classificados
os t u p i s escuros e os t u p i s brancos, conforme são da raça p u r a ou dos
cruzamentos com r a r i b , .
K/ possível que, sendo verdadeiras as tradições do legendário
M u o c do paiz de bailes, e também de desembarques dc scandinavos na
bradand e no Labrador, os carihs descendessem do cruzamento desses
europeus com indigenas, cujo producto seria quasi branco. Na lingua t u p i ,
eariha significa «branco». Ao « branco europeu» denominavam cariba-
tirnja. K também caralho.
293 —

aqiielles sertões aos goiá (*), que alli installaram-se e deram


a essa região seu nome (**), continuaram a ser acossados
dos goiá-nà (***), pelo rio Araguaya áeima, até transporem
a serra divisória das aguas c alcançarem o rio Paranahyba.
Alii os goiá-nà preferiram ficar, para derramarem-se pacifica
e lentamente pelos valles do Mogy-guassu e do Anhemby
ou Tietê, até os campos de Pirá-tininga e a serra de
Paranapiacaba, onde Martim Aftonso de Souza os encontrou
em 1531; e os perseguidos, com o nome de carib-óca (****),

(*) Alguns escrevem G u a y a z i s . Segundo A. Alcedo, em seu


D i c c i o n a r i o g e o g r a p h i c o e h i s t o r i c o d a A m e r i c a , S U O cruzados com t u p i - n à - a b á .
Ao padre C hiustoval de Acuna, conforme refere este no N u e v o d e s c u l r i -
m i e n t o d e l g r a n r i o d e l a s A m a z o n a s , n. 70, disseram os t u p i - n à - a b a «que
cercanos a su liabitacion, a la vanda dei sur cn tiorra firme, yiven, entie
otras, dos naciones; la una de enanos tan cliicos como criaturas muy
tiernas, que se Hainan G u a y a z i s — »
Passados alguns séculos, algum dos tacs descobridores de homens
f o s s e i s , nesse futuro tempo, encontrando dons esqueletos no Brazil, em
Goyaz, um g o i á , e outro c h a v a n t e , contrastes em corpulência, julgara que
são de duas epoebas diversas, e phantasiará sobre isso systemas; — nem
julgará possível que os g o i á hajam cruzado com os t u p i - n a - a b u , produzindo
os g o i á - n à , corrompido para g u a y a n á s , como adiante confirmamos e
explicamos.
(**) O nome de G o y a z não teve outra origem. Estando des­
povoado o territorio da America meridional, os fugitivos ou transmigrados
para o sul, á proporção que se installavam cm algum lugar, o faziam
conhecido, ou por um nome tirado das condições physicas locaes, ou poi
um que designava a geração delles.
Mais ao sul, os c a á - v - a p ó deram o nome a uma seria. O
c a á - v - a p ó significa « oriundo de inattos alagadiços »>, alludindo á região das
Guianas. A significação dada por Y a r n u a g e n , q u e escreveu c a - i a p o ,
«salteadores do matto », não é exacta; nem teria cxphcaçao, tratando-se
de silvicolas.
Escrevem g u a y a n á s , porque assim o escreveram os chro-
0 nome exacto é
n is tas, desde a descoberta de P i r á - t i n i n g a , 1531.
a o i á - n à , isto 6, « proximos ou parentes dos g o i á ». Os g o i a eram tnbus
procedentes do archipelago de Bahama ou, melhor, A ntilhas; e perseguida
pelos c a r i b s . As que cruzaram com t u p i s denominaram-se g o i a - n a ; q ,
por isso, eram também t u p i - n à - k n Por cgual, t u p i - n à , «parentes te t u p i » .
(****) Os portuguezes pronunciaram c a r i j ó s ; e os hespanhoes,
c a rrio ce s. Por egual, fi/pi, t u p i . No plural, t u p i s , a portugueza.
Y a r n u a g e n escreveu c a r y y o s .
Adiante, será explicada a razão da denominação c a r i b - ó c a
que significa «descendentes de brancos », cm
os tupis, « d a primitiva geração», descendo esse mesmo
rio Paranahyba, no ponto em quo e nomeado j t o j m *
derramaram-se entre os

Patos, onde M artini Affonso dc Souza


tambem os encontrou em 15.31. (*)
\o mesmo tempo que a lucta, travada no valle do
Amazonas entre tupisecaribs,espalhava tn b o s d r a t e s ^
rios 'Tocantins c Araguaya acima, a noticia de tc &
detinha, na tim do rio Cayari (**), outras evas de Cupu
que vinham tambem do occidente, como os anteriores. Estes,
por instincto natural, seguiram o curso deste rio, para o st ,
deixaram -no na parte cm que era denominado e
tomaram as aguas do rio Aporé (***); deixando tmnbcm de
semiir o curso do rio Mamoré,porque evita
m Diooo Gakcia, M e m o r i a de l a n a v e g a c i o n . . . . en ei ano de
,-o r e l U oscrcvcu com iWerencia a 1527: « De aqui partimos mediado
e/"nics de~Enero del diclio aim ,.... e andando on el cannno ilegamos a im
rio one sc llama el rio dc los Patos, que esta a 27 grados, que
huena gencracion qno l.accn mui buena obra a los cristianos, e llama
los C ' a r r i o c e s . . . . » P a t o s , era o nomo de unia tribu.
K nessa Memoria que Diooo Garcia escreveu : « en S. Vüente
questá en 24 grados, vive un bacliiller e unos yernos suyos,
1„ ,m0 ip, i,icn 30 anos; e ali estuvnnos hasta lo de Lnero aei ano
seguiente de 27; * V está una gente ali con el bacliiller que comen
carne umana, y es m vi bnena gente , amigos mucho de los cristianos, que
se Hainan Top ie.?. »
Esta carta teria sido escripta depois de 1531, quando já era
«nfcocHo o nome do porto do S. Vicente? Ou, « n o paroeo nnuto prova*cl
osse norto de D iogo G arcía era, mais ou menos, em Cananea . ^essc
lugar, mais ou menos, TMartim Affonso de Souza encontrou tambem em
1531 0 tal b a c h a r e l .
r**) Já o padre Ciiiurtovae pe AouSa, N uevo descubrimiento
d d aran rio de la* Am azonas, n. 68, em 1639, denominava M adeira este
affluente do grande n o : « .... llamado assi de los portugueses, por la
nuiclia y grneca (m adera) que traia quando le passaron; pero su nombre
proprio, entre los naturales que lc liabitan, es Cayari. »
(***) Depois denominado geralmente G vapore. Os hespanhóes o
chamavam T th c n e ;.
295

dirigir-se para o occidente, onde estavam os invasores que


haviam obrigado sua raça á deslocação. Nesse trajecto, toram
augmentados com as tribus de antis (*), também forçados ao
cxodo. Chegando ás cabeceiras do Aporé, transpuzeram, por
instincto de segurança, a serra de Aguapehy, passando pelos
famosos campos dos Parleys (**) que formam a divisão d a s
aguas entre as bacias do Amazonas e do Prata; e, descendo
aquclla serra para o oriente, encontraram o rio Jaurú, que
desagua no rio Paraguay. Foram estes tupis, cruzados com
os antis, se por ventura não eram da mesma familia, que
constituiram a nação guarani (***). 1 ambem destes tupis
são os que ficaram povoando a região entre os rios 1 apajoz
e Cayari, e estenderam-se até á margem occidental do rio
Araguaya: — são de raça pura, mui corpulentos, de fortes
articulações tarsianas, pés bem baseados, cabellos duros, eòr
de cobre vermelho-escuro, os mundurucús, os chavantes, os
guaicurús.
Ainda após essas primeiras migrações para o sul, o
valle do rio Amazonas continuou a ser viveiro de tiibus
dessas duas familias (****). A familia caril), mistiça com
samoyedas ou com scandinavos, mais claros do que a familia

(*) Segundo Garcia L azo de ea V ega, natural de Cuzco,


Peru, esta nação a n t i s , vivendo na grande serra, deu o nome a e sta :
M o n t a n h a j i o s a n t i s , isto é, dos Andes.

(**) Alguns escrevem Paracizes , OU Parexis.


( * * * ) G u a r a n i não quer dizer « guerreiro » , como Y arniiaoen c
outros suppuzeram.
0 general Couto M agalhães, no seu livro, O S e l v a g e m , pensa
que essa palavra parece corruptela de g u a r i n i , significando «guerra».
Sem embargo da autoridade de pessoa tao competente, divergimos dessa
sua c o n je c tu ra . O significado referido não corresponde ao povo. Alem
disso, na lingua t u p i está a verdadeira significação.
G o á r a - a n i , ou, por contracção G o á r - a n i , «não originario do
lugar» Com effeito, os g u a r a n i s não eram daquella região, onde se
estabeleceram e confinaram, « de livre vontade », sem o onus da servidão.
/****\ norte do Amazonas, na região das Guianas, ficarani
diversas tribus, de procedências varias, fallando seus dialectos: t u p i ,
a n t i , g o i á - n à , c a rib , e outros.
— 296

tv pi, tendo tido muitas ramificações por cruzamentos com


tribus desta, uns aldeados em taba, carib-óca (#), outios
esparsos em aiúpas ou choupanas, e por isso consideiados
barbaros, tapuya, ainda deu as nações que povoaram o
territorio cm que depois foram constituidas as capitanias do
Maranhão, Piauhy, Ceará, Rio-G rande do Norte e P arahiba:
os taba-jaras, os guaja-jaras, os tjjmbiras (**), os poty-
qoúras (***), os caá-etés, os guaitacás, os teremembés: •
uns do ramo carib-óca, outros do ramo tapuya. Ç )
Algumas tribus de caa-ctcs, de guaitcicus, de tere-
membés, seguindo o curso do no Jaguanbo ate cncontiar o
rio Salgado, e atravessando a serra Araripc, encaminharam-se
pelos rios Moxotó e Pajelni ao valle do rio de S. F ran ­
cisco (**#**). A hi familias de caá-etés e de guaitacás

(*) () general Couro M agauiãks, O S e l v a g e m , forçando a


explicação da palavra cariuóca, escreveu que significa «mestiço» ou
«mulato», e é composto de cariúa, «branco», e oc, « tira r» : isto é,
« tirado de branco, parte de branco, mestiço». Mas, c a r ib - ó c a só tem,
liistoriea e etlinologicamcntc, a explicação dada no texto.
(**) Alguns fazem descender de t u p i - n à - a b á os t y m b i r a s , como
raça p u r a . Mas, basta attender que viviam nos sertões do Maranhão,
para reconhecer que eram t a p u y a .
(***) Escrevem alguns chronistas: — p e t i g u a r e s .
Por serem os p o t y - g o ú r a s descendentes de ca r ib s , foi que diversos
daquellcs chronistas consideraram o famoso P o t y , D. Antonio Filippe
Camarão, como c a r ijó , isto é, c a r ib -ó c a .
(****') Varridos os t u p i - n à - a b á da região comprehendida entre
Pernambuco e a ilha do Maranhão, onde haviam-se installado no fim do
século XVI, os p o t y - g o á r a s , os t a b a - j á r a s , o s te re m e m b é s, apezar de parentes
dos t a p u y a , abriram lucta com estes, por causa do assassinato do padre
Francisco Pinto, missionário jesuita; e assim foram encontrados, no
principio do século XVII. Veja-se a obra do padre J osé de M oraes,
/ l i s t a r i a d a C a m j i a v h i a de J e s u s ita e x t i n c t a p r o v i n d a d o M a r a n h ã o e P a r á ,
I, 3 c 4.
(*****) Os caá-etés permaneceram nos sertões de Pernambuco e
da Bahia; e algumas tribus viviam ou apenas estavam no littoral, quando,
em lõftlj, havendo naufragado o navio em que o bispo D. Pedro Sardinha
voltava para Portugal, mataram c devoraram os naufragos.
Os g u a i t a c á s proseguiram para o sul, e estabeleceram-se entre
os rios Beritigbá e Cabapuana, sob a serra Aimorés.
— 297

teriam cruzado corn aymorês, formando os guaitacás e os


tam uya (*) que povoavam o territorio do Espirito-Santo
e Rio de Janeiro, na epocha da descoberta; ao passo que
os teremembés, em maior numero, acompanhando o curso do
rio de S. Francisco até á sua nascente, transpuzeram a serra
geral, e, deparando o Rio-G rande (**), e por este acima ató
encontrar a fóz do rio Sapucaliy, cujas aguas seguiram,
vieram á serra Jaguamimbaba, ou Am antiquira. Transposta
esta, acharam-se no valle do rio Pirá-aiba, « peixe máu » :
— eram realmente teremembés (***), transmigrados da fóz do
rio Jaguaribe e da do rio Mossoró ou Apody.

(*) Corrupção de tapuya. São os ta mopos: os quaes forne­


ceram, em maior numero, os atacantes da villa de S. Paulo, de P i r a -
tininga, em 1562, sob o commando do goiá-nà rebcllado A r a r a y ; sem
duvida por serem inimigos dos tupi-nà-ki ou goiá-nà, da mesma procedência,
por cruzamentos de t u p i s , como adiante 6 explicado.
0 significado de « a v ó s», dado aos tamoyos, em relação a outros
que seriam « netos », temiminós, não encontra justificação histórica. Quaes
os netos ? Onde estariam elles ? E1 até um disparato.
Demais: o nome da familia era t a p u y a - ; portanto facil de ser
convertido em t a m u y a , que significa « avô », e este cm t a m o y o . Quereriam
elles dizer-se os progenitores da familia t a p u y a ?
0 nome tamuya, correspondendo por confusão a uma tribu e a
um gráu de parentesco, certo não é o unico na familia tapuya. O taba-jara,
«senhor da aldeia», pode ser confundido com toba-jara, «cunhado»:
basta a troca do a em o. Como em todas as linguas, ba também na tupi
palavras cujo significado depende dos accentos, e, mais ainda, do facto de
ser aberta, fechada, ou nasal a letra. Exemplo: Tup<?, «D eus», tu pá,
« ra io » ; túpa, «rede de dormir», túba, « p a e »; pó-ám, «dedo polegar»,
poám, «levantar». Dahi a confusão que os europeus faziam de varias
palavras.
(**) E ’ o mesmo rio P a r á n à . Do ponto em que ha a reunião
das aguas do P a r a n - a y b a , é denominado P a r á n à ; mas, desse ponto para
cima, é U i o - G r a n d e . P a r a n - a y b a , « rio máu ».
Na lingua t u p i , a palavra p a r á - n à significa « proximo do mar »;
porém os indigenas indicavam com esse nome todo e qualquer r i o g r a n d e .
(***) Os te r e m e m b é s , por serem t a p u y a , eram inimigos dos
e dos t u p i - n à - k t . Em 1562, juntamente com seus parentes,
tu p i-n à -a b á
os t a m u y a ,
atacaram os t u p i - n à - J á c g o i á - n à cm S. Paulo de Pirá-tininga.
O padre Ivo d’E vkeux, V i a g e m a o n o r te d o B r a z i l , em 1613 — 1614,
I, 34, encontrou á margem direita do rio Tury, capitania do Ma-
— 298 —

De seu lado, a familia dos tupis, considerando-se a


nação privilegiada , disputava a todas as outras a hegemonia;
e, pois, eil-a dividida em tupi-nà-aba e em tupi-na-ki,
procurando expansões, desde a foz do rio Xingu, no Amazonas,
até a serra Ibiapaba, depois de terem atravessado os rios
Araguaya e Tocantins, a serra dos Crixas e as chapadas
das Mangabeiras. Da serra Ibiapaba expulsaram os taba-jaras;
e, após annos, dahi espalharam-se em tribus para a conquista
da costa meridional, até Cananea, fazendo estações mais ou
menos demoradas cm lugares abundantes de peixe e dc
caça.
Foi por isso que, no tempo da descoberta, impellidos
para o sertão os taba-jaras e os teremembês, os tupis foram
encontrados senhores do littoral, desde Ibiapaba ate a foz
do rio de S. Francisco; c, dahi, os tupi-nà-kl haviam con­
tinuado a migração até Cananéa. Os carib-óca, seus inimigos,
que bem os conheciam, nomeiavam por tupi-nà-ki também
os goiá-nà (*) ; sem embargo dc alguns chronistas conside-

ranliílo, tribus dessa nação, — sempre irreconciliável com a nação tu p i-n à -a b á .


File escreveu — trem em bés: «de estatura regular, não gostam de fazer
casas e hortas, contentam-se com choupanas, e são vagabundos; sua
robustez é tal que seguram o inimigo pelo braço e o atiram ao chão. »
() padre Feievão Gueukkiro, na obra supra-citada, corres­
pondente nos annos de 1606 c 1607, edicção de Lisboa— 1609, referindo-se
a uma carta do padre missionário Jeronymo Rodrigues, menciona a
denominação tu j> in a ch in s como dada pelos c a rijó ,s aos g o iá -n à . Essa deno­
minação é a mesma t n p i - n - i k i s , que, segundo alguns, significa « tupi
vizinho »; e cm tal sentido teria sido empregada. Mas, não é aquelle
o significado; sim, o dc « t u p i parente ruim », porque goiá-nà c producto
cruzado com t u p i , assim como tu p i- n à - k ) . K \ , « espinho ».
Dc facto, depois dc chegarem ao Cabo-Frio, esses tu p is , acom­
panhando o littoral, são encontrados entre Itanhacn c Cananéa, e em
Pirá-tininga, como o escreveu frei Gaspar da M adre de D eus, M e m o r ia s
p a r a a h is to r ia d a c a p i t a n i a de. S . V ic e n te , I, 136.

Alguns chronistas soldam confundir essas denominações e até as


tribus indigenas, como vê-se na mesma obra de frei Gaspar da M adre
de D eus, 1, 137 e 138; mas, neste ponto, coincidem todas as narrações,
para affirmarem a existência de t u p i s no littoral, desde o rio I r i r i - p i r a n g a
até a lagoa dos Tatos. A c a r ta - m e m o r ia de Diogo Garcia, 1527, referindo
o encontro de um lia c h iU e r (bacharel) em um lugar aos 24 grãos sul,
— 299

rarem ta p m ja os mesmos g o iá -n à , allegando para isso falsas


razões tiradas da desinência commum á denominação de
outras tribus da mesma nação. E t v p i - n à - k i foram os
que receberam em 1500 o descobridor Pedro Alvares Cabral,
segundo o affirmam os chronistas em geral. (**)
Em verdade, em 1500, os tu p is povoavam mais de
metade do territorio, denominado posteriormente B r a zil ,
accrescentava: __ «y esta una gente ali con el Bachiller que comen
carne umana y cs m u i b u e n a gente, amigos niuclio de los cristianos, que
sc Hainan T o p i e s . » E com referencia aos c a r ib - á c a , escreveu adiante: «... un
rio que se llama el rio de los Patos que está a 27 grados, que ay una
b u e n a generacion que liacen mui buena obra á los cristianos, e llamanse
los C a r r io c c s . . . . »
(*) Nesta investigação das procedências dos indigenas do Brazil,
occorreu-nos a suspeita de serem desses mesmos t u p i - n à - k i , que rece­
beram a Pedro Alvares Cabral em 1500, as aldêas encontradas por
Martim Affonso de Souza em G e r y b a ty b a e em outros pontos do littoral,
já então emigrados para o sul e adiados aos g o iá - n à , de P i r á - t i n i n g a , da
mesma origem ou familia. E, em consequenda, seriam João Ramalho e
Antonio Rodrigues, com nomes mudados, os dous grumetes, reíeridos por
P ero Y az Caminha, que se deixaram ficar em terra, quando a armada
de Cabral levantou ancoras e zarpou de Porto Seguro. Não só o facto
do terem sido encontrados juntos, na mesma região, como também a
edade de cada um dedes em 1500, que seria a de dezoito a vinte annos,
confirmam-nos na crença supra-exposta.
Parece também que Francisco Chaves, ou o b a c h a r e l , encontrado em
1527 por Diogo Garcia e em 1531 pelo mesmo Martim Affonso de Souza,
em Cananéa, conforme a nota ultima do capitulo segundo da parte historica
deste livro; e Diogo Alvares Corrêa, encontrado em 1537 pelo donatario
Francisco Pereira Coutinho, na Bahia, conforme o mesmo capitulo segundo,
são talvez os dous degredados, egualmente com nomes differentes, aban­
donados em Porto Seguro por Pedro Alvares Cabral.
P ara essas suspeitas concorre a falta absoluta de explicações
da sua vinda a aquelles lugares. Da parte defies, incomprehensivcl
mysterio. Da parte dos chronistas, só e somente conjecturas.
As narrações do padre S imào de V asconcellos, de S ebastião
da R ocha P itta, de frei A ntonio de S anta M aria J aboatão, e de
outros, acerca de Diogo Alvares Corrêa, são puras lendas. E nunca
existio tal naufragio. Frei A. Jaboatão accrescentou a do nome C a r a -
m u r ú - g u a ç á , «Dragão saliido do m ar», como dado pelo gentio ao dito
Diogo Alvares Corrêa.
O facto de mudarem elles os nomes c explicável em degredados:
e mais ainda cm grumetes, incursos nas penas de deserção.
— 300 —

ainda que fragmentados em centenas de nações, e estas em


milhares de aldêas. E, se bem co-existissem muitas tribus
de outras procedências, aqui e alli, em tão vasto territorio,
a hegemonia não podia ser contestada a elles, cuja era a
multidão; esperando todos apenas o advento da descoberta
para vincularem-se christãmente. Os usos, os costumes, os
ritos, eram os mesmos, desde o rio Amazonas até o Rio
da Prata, desde o littoral Athlantico até encontrar a nação
a n t i s : — attestando assim uma só nacionalidade. E, se a
lingua manifestava algures alguma alteração, não era talvez
senão á maneira de p a to is, vasconço, ou algaravia (*); sendo,
porém, possível que nem mesmo essa ligeira alteração existisse
senão na imaginativa dos viajantes, que, por serem de paizes
com linguas diversas, entendiam e escreviam variamente
o som ou o sentido phonctieo das palavras da lingua tu p i.
Ou, como pensa V a r m i a g e x (**), os suppostos dialectos
não seriam senão a linguagem de tribus transmigradas.

Os tu p is considcravam-sc a nação primeira, a nação


privilegiada, dizendo-se da « primitiva geração ». (***)
(■) Por exemplo: os que habitavam a região desde o Rio de
Janeiro, nao pronunciavam as articulações consoantes finaes, como o
mostrou ^ a u m i a o e n , H is to r ia g e r a l d o B r a z i l , II.
E ' 1') I lis ta r ia g e ra l d o B r a z i l , II; Olide cita, 0111 nota, 110 TilCSmo
aceordo, Gandavo, G abriel Soauks, padre João D aniel, e d’Orbigny.
(***) _Acerca dos indigenas do Brazil, convem lêr na R e v i s t a d o
In s titu to H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l :
A. G onçalves D i as , B r a z i l e O c e a n ia . Trabalho de subido
mento; embora não o tenhamos seguido cm muitos pontos. Na citada
R evista ., XXX, pags. 5 c 257, segunda parte; 1867.
I c.namo A e c i o i a nu C eiiçiueiiia e S ilva, D is s e r ta ç ã o h is tó r ic a ,
e th n o g r a p h ic a e p o lític a sobre a s tr ib u s a b o ríg e n e s. Trabalho também notável
Na R e v i s t a , XII, pag. 146; 1850.
])- l>E M agalhães , O s in d ig e n a s d o B r a z i l p e r a n t e a h is to r ia .
Xa R e v is ta , XXIII, pag. 3; 1861.
r <• A B lU E T i S o a r e s D E S o u z a , N o tic ia d o s T u p in a m b á s . Na R e v is ta ,
I, pag. 201; 1839. Excerptos.
E ainda G a b r i e l S o a r e s d e S o u z a , R o te ir o g e r a l. Na R e v is ta ,
AlY, pag. 1; lb»)l. íj esta a obra principal, e completa.
301

De facto, Y p i significa « cabeça de geração », « primeira


origem »; e, porque a letra T , anteposta a um substantivo,
na lingua tupi, conforme á regra grammatical ensinada pelo
padre Luiz F igueira , o faz reflexivo de si proprio, T y p i
vem a significar « os da primitiva geração ».
Por isso mesmo não concordamos com V a r n h a g e n ,
quanto á procedência dos tupis: ainda mais que os confunde
com os caribs, para reconduzil-os legcndariamente, na série
dos séculos anteriores, ao famoso cerco de Troya, por causa
da semelhança do nome caribs, cary’s, caryyos, com o de
carios, da Asia Menor. O cerco de Troya, por muito
entranhado na escuridão dos tempos, tornou-se assumpto
m ythologico; e nem os caribs, tribu nomade, já sabendo
usar do arco e da flecha por ser mistiça com outras do
Mexico, descendentes do cruzamento com samoyedas, ou, mais
certamente, comscandinavos, podem ser considerados origi­
nariam ente tupis, ainda que depois, como vencidos, ou por
eífeito de cruzamentos, muitos aceitaram a lingua, os usos,*158

R icardo F ranco de A lmeida S erra , P a r e c e r sobre o a ld e a m e n to


d o s in d i o s U a ic u r ú s e G u a n á s , co m a d e s c r ip ç ã o d e s e u s u so s, r e lig iã o ,
e s ta b ilid a d e e c o s tu m e s . Na R e v i s t a , VII, pag. 204; 1845. E X III,
pag. 348; 1850.
J. M. P ereira d’A lencastre, M e m o r ia c h r o n o lo g ic a , h is to r ic a
e c o r o g r a p h ic a da p r o v in c ia do P ia u h y . Na R e v i s t a , XX, pag. 5; 1857.
J. NORBERTO DE S ouza S ilva, M e m o r ia h is to r ic a e d o c u m e n ta d a
d a s a ld ê a s d e i n d i o s da p r o v in c ia d o R i o d e J a n e ir o . Na R e v i s t a , XVII,
pag. 109; 1854.
Padre J oão D aniel, T h e s o v r o d e sc o b e rto n o m á x im o r io À m a s o n a s ,
parte segunda. Na R e v i s t a , II, pags. 321 e 329; 1840. E III, pags. 39,
158, 282 e 372; 1841.
A . L. M . B aena , O b se rv a ç õ e s o u n o ta s illu s tr a tio n s d o s p r im e ir o s
tr e s c a p ítu lo s d a p a r t e s e g u n d a d o « T h e s o u r o d e sc o b e rto n o r io A m a z o n a s » .
Na R e v is ta ,Y, pag. 253; 1843.
J. J. M achado de Oliveira, C o n d iç ã o s o c ia l d a m u lh e r e n tre os
in d i g e n a s d o B r a z i l . Na R e v i s t a , IV, pag. 168; 1842. E Riais, Id e a de
u m a u n i c a d i v i n d a d e , VI, pag. 133; 1844.
E as cartas dos padres M anoel da N obrega, J osé de A nchieta,
e outros, esparsas na mesma R e v i s t a . A l é m dc varios trabalhos sobre
viagens e explorações.
— 302

os costumes, os mythos dos tupis. A procedência destes e


a familia polynêsia, que, como já dissemos, estabeleceu-se
primitivamente na costa occidental da America meridional:
foi esta a primeira geração. Denominaram-se tupis, exacta-
mente para distinguirem-se dos cruzados com os samoyedas e
outras familias do ramo hyperboreo. (*)
A familia polinésia poderia proceder de povos do
sul da Asia, por ventura também da Ethiopia c do Egypto,
c até de heroes troyanos. Mas, o historiador não tem
necessidade de penetrar tão longe com suas investigações; e
aquclle que o tentar, por muito arrojado, não deparará
afinal senão a fábula. E ’-lhe bastante poder affirmar que
os tupis descendem daquella familia oceanica; ainda que
esta não usava o arco e a flexa, — instrumentos estes
trazidos pelos samoyedas quando invadiram a America
septentrional, e também pelos scandinavos.
Os descobridores e os primeiros colonos foram
também induzidos em mais de um erro, — entre os quaes o
de estranharem as continuas guerras entre varias tribus ou
mesmo nações.
®
Não eram luctas selvagens,
o
e sem uma razão
politica: — eram o eterno combate historico das hegemonias,
de (pie, para não citar outros exemplos, foi theatro também
o territorio da Grécia antiga. Aquellcs primeiros colonos
deixaram-se levar por apparendas. Vendo nos indigenas a
mesma còr (**), os mesmos usos, costumes, ritos, e, mais
(*) Attcnda-sc á tradição retro-mencionada, existente entre os
indigenas do Maranhão, c referida pelo padre Ivo d’Evrkux. Essa tra ­
dição explica também a denominação tomada pelos que emigraram para a
região que depois íoi nomeada B i í a / . i c . A tradição naquelles indigenas
vale para todos, até o Rio da Prata c o rio Paraguay; porque a povoação
de tu p is , cm toda a região brazilica, foi feita successivamentc, de guerra em
guerra com os c a r ib - ó c n , impellidos por aquelles, do norte para o sul, e afinal
quasi de todo destroçados os que não foram absorvidos nos cruzamentos.
(**) Os mais claros, quasi brancos, pintavam a pelle com a
massa u r u c ú ( l i r a O r d l a n a , de Linxku), c com outras plantas tintureiras,
a fim de parecerem t u p i s : — dahi o engano de muitos viajantes, que não
viam senão p a r d o -v e r m e lh o . Os mesmos tu p is , para mais avermelharem a
pelle, também usavam da mesma massa.
Parece que a còr avermelhada era a mais nobre.
— 303

ainda, a mesma lingua (*), acreditaram que eram da mesma


procedência. Dahi a idéa — de que eram povos que se
devoravam a se exterminarem.
Mesmo após a descoberta, a lucta entre as tres
familias, a tupi , a carib, a tapuya, continuou, como que por
impulso natural. Por isso, os tupi-nà-abá foram muito
amigos dos francezes, no Rio de Janeiro, na Parahiba, no
Maranhão; e adversarios dos portuguezes. Os carib-óca mos­
traram-se sempre mais affeiçoados aos hespanhóes do que a
quaesquer outros europeus. Os tapuya, ao inverso, foram
constantemente, e em todos os lugares, muito dedicados aos
portuguezes; e, se os tam uya divergiram dessa propensão,
foi sem duvida porque os padres da Companhia de Jesus,
illudidos pelos tupi-nà-kí de Pirá-tininga, os forçaram por
desagrados a procurar a alliança dos francezes, commandados
por Villegagnon, em Guanabara (**), depois da derrota
soffrida, aos 10 de Julho de 1562, em S. Paulo.
Nesse combate de 10 de Julho de 1562, como que
para manifestarem, ao menos uma vez na vida, o accòrdo
indigena contra os invasores, estiveram representados, c
reunidos contra a villa de S. Paulo, tupis, carib-óca c tamuya,
isto é, as tres familias brazilicas que foram sempre inimigos!
A derrota não separou senão os carib-óca, os quacs
voltaram á região habitada pelos de sua familia. Muitos
tupi-nà-kl ou goiá-nà, preferindo deslocarem-se a submet-
terem-se aos portuguezes em Pirá-tininga, tomaram a direcção
sudoeste, e estabeleceram-se na serra Apuca-rana, além
do rio Tibagy, onde em 1661 1' cr não Dias Paes Leme
os encontrou divididos cm tres reinos, como adiante
melhor diremos. Mas, os outros tupis, isto e, os tupi-na-abá,
(*) Algumas nações, além cio dialecto proprio, tendo necessidade
de relações com t u p i s , fallavam também a lingua g e r a l, que era a t u p i.
(**) Rio de Janeiro.
P edro Taques, J V o b ilia rc h ia P a u lis ta n a , na R e v i s t a d o
In s titu to h is to r ic o , g e o g r a p h ic o e e th n o g ra p h ic o do B r a z il, XXXV, parte
primeira, pag. 106 a 109.
— 304 —

e também os ta m u y a , ainda que inimigos naturaes, por


serem ta p u y a , julgaram necessario continuar a alliança, e la
voltaram para Guanabara, a fim de auxiliarem os francezcs,
1563 — 1572.
Afinal, 1572, derrotados definitivamente, e vendo
mallogrado o plano de apoderarem-se da nascente cidade de
S. Sebastião do llio de Janeiro, dirigiram-se cm tribus para
a Parahiba e dahi para o M aranhão (*), onde os francezes,
cm 1612 — 1614, já os encontraram: isto é, os tu p i-n à -a b á ,
na ilha (**); os ta m u y a , por serem ta p u y a , no continente,
cm eommunhão com os da mesma familia local, c portanto
já também cm hostilidade com os tu p i-n à -a b á .
Expulsos os francezes, que estavam na ilha do
Maranhão sustentados pelos tu p i-n à -a b á , estes foram per­
seguidos por Jeronymo de Albuquerque e por Diogo de
Campos Moreno; — até que abandonaram o littoral, c foram
cm direcção ao rio Amazonas, cujo curso subiram até
a fóz do C a y a r i ( Madeira), onde, a vinte e oito léguas
(*) David B. Waiidkn, W s to ir e dn B r é s il, I, 1572; onde cita
li. South KV, I lis to r p o f B r a z il , capitulo X.
Naqucllc tempo, como já foi exposto na pag. 144, capitulo VII,
parte primeira deste Jivro. o nome M ara n h ã o era attribuido ao rio Meary
ou mesmo ao rio Itapicurú.
(**) 1’or isso, denominada nessa epoclia — I l h a d o s tu p in a m b á s ,
por terem dalii expulsado os ta p a p a . O nome indigena era C a á -a p o á m -
a s s á :c a á , «floresta», a p o á m - a s s i í, «globo ou bola g r a n d e » : — «ilha
grande ».
O padre A ndkk dk B auhos, V id a d o a p o s tó lic o p a d r e A n to n io
V id r a , 171, referindo-se aos tn jd - n à - a b á no Maranhão, escreveu: «Senho­
reavam elles (os francezes) a ilha, c no continente tinham por si todo o
gentio, a maior parte dos quaes eram tu p i n a m b á s , inimigos dos portuguezes,
e que de Pernambuco se tinham retirado por força de nossas armas. »
Tudo isso c exacto; menos que «a maior parte do gentio, no continente,
eram t u p i n a m b á s ». O gentio, no continente, pertencia em geral ao ramo
t a p i n i a ; existindo, porém, algumas tribus c a rib -ó c a , como os m a n a jó s (quasi
brancos), os ta b a - já r a s c outros. Os p a c a j á são também alvos.
Acerca desse movimento emigratorio dos tu p i- n à - a b á , é bom lêr
também a obra do padre Ci.audk d’A iiukvikkk, W s t o i r e d e la m is s io n d e s
p e r e s c a p a c iu s e n I'isle dc M a r a g n a n , etc.
305 —

ácima, estabeleceram-se em uma ilha grande (*), que por


isso ficou denominada — I lh a g r a n d e dos tu p in a m b á s (**),
e era delles exclusivamente habitada em 1640. (***).
(*) O padre Christoval de A cuna, N u e v o d e s c u b r im ie n to d e l
g r a n r io de la s A m a z o n a s , annos 1 6 3 9 — 1 6 4 1 , assim narra, no n. 6 9 , o
que soube dos tir p i- n à - a b á :
« Yeinte y oclio léguas de la boca deste rio (M adeira), caminando
siempre por la mesma vanda dei sur, está una bermosa isla, que tiene
sesenta de largo, y consiguientemente mas de ciento de circuyto, poblada
toda de los valientes Tupinambás, gente que de las conquistas del Brazil,
en tierras de Pernambuco, salieron derrotados muclios aíios ha, huyendo
dei rigor con que los Portugueses les ivan sugetando. Salieron tan gran
numero dellos, que, despoblando a un mesmo tiempo odienta y quatro
aldeas donde estavan situados, no quedo de todos ellos ni una criatura
que no troxessen en su compania.
« __ Hablan estes índios la lengua general del Brazil, que
tambien corre casi entre todos los de las conquistas dei Maranon y dei
Pará. Dizen tambien que como salieron tantos, que, no pudiendo por
aquellos desiertos sustentarse todos juntos, se fueron dividiendo en tan
dilatado camino, que por lo menos será de mas de novecientas léguas,
quedando unos a poblar unas tierras, y otros otras ; de quienes sin duda
estavan bien llenas todas aquellas cordilleras.
«. . . . Ocupa esta Provincia de los Tupinambás sesenta y seis
léguas de largo que fenece en una buena poblacion que está situada en
tres grados de a ltu ra — »
(**) Actualmente denominam esta ilha— T u p i n a m b á - r a n a s , «tupi­
nambás illegitimos », por causa dos cruzamentos.
E ’ formada, segundo o padre J osé de Moraes, pelo rio Amazonas,
M adeira e Parauá-mirim.
(***) Na guerra dos hollandezes é difíicil apreciar o verdadeiro
caracter dos indigenas; porque acompanhariam o temor, a fraqueza, as
contemporisações inexplicáveis do proprio governo de Portugal.
Logo que, porem, comprehenderam que os portuguezes tratavam
seriamente de expulsar os hollandezes, puzeram-se ás ordens de P o t y (o
celebre Camarão).
O barbaro é assim em toda a parte. Quer saber quem afinal
vencerá, para seguil-o.
Se não foram os patriotas P o t y (Camarão), e J a c a ú n a (João de
Almeida), seu irmão, vindo das bandas do Maranhão com os seus indios
para invadir o Ceará, o plano hollandez teria triumphado. Os hollandezes
tinham corrompido os inimigos com presentes; e o jesuita paulista, Manoel
de Moraes, abusando da influencia adquirida sobre os indios como padre
que fôra da Companhia de Jesus, muito influio a bem dos invasores.
306 —

A guerra que os portuguezcs faziam aos t u p i n u -a b a


era desde o meiado do século X V I; e, por isso, quando
Daniel de la Touche, senhor de la Ravardière, apresentou
ao sargento-mór Diogo de Campos Moreno dous indios,
vestidos á moda franceza (*), dizendo que eram tu p i- n à - a b á ,
cuja ida á França custara mais de dez mil cruzados, em
presentes, vestidos, baptismos, casamentos, e que os outros
dous, trajados de azul, eram P r in c ip a e s da ilha, h n i r ã - p ita n g a ,
e J a p y a s s á , « homens que, p a r a in d io s, elle julgava de grande
entendimento », os quaes desejavam ver o sargento-mór e
seus companheiros, por haverem-lhes parecido em seus feitos
verdadeiras serp en tes , de que elles se temiam, o sargento-
mór respondeu: « Fssc temor c mui de atraz ; porque tem
já tantas vezes fugido de nossas armas, que hoje não podem
buscar mais desengano, que no Buapava hontem (**), e na
Praiva (***), e no Rio-Grande (****), donde os levava a
Esse jesuita paulista, cuja illustração foi notável, depois de
abjurar para seguir a seita dc Calvino, estabeleceu-se na cidade de
Amsterdam, onde casou-se. Atinai, voltou a Pernambuco; e, apresentando-
se a João Fernandes Vieira, a cujos pés lançou-se, reconvertcu-se ao
catholicismo, e tomou parte activa c muito notável em todos os combates,
a começar pelo das Tabocas, cuja victoria foi de grande effeito nos
subsequentes.
(*) A J o r n a d a <lo M a r a n h ã o assim os descreve: «. . . . vierão
muitos Principar.s da Ilha Tupinambás, vestidos de roupas francezas azues,
dc panno fino coalhado de flammas dc veludo, folha morta broslada de
troçaes de seda, e nos vazios cruzes do mesmo veludo, como as de
monteza; e entre elles vinhão dous indios, vestidos á franceza, de calções
c casacas curtas de veludo carmczim, guarnecidas de passamanes de ouro
fino, c gibões dc tela do ouro fino leonado, e suas espadas douradas, e
dargas ( a d a g a s ) com talabartes de veludo carmezim lavrados de ouro,
sapatos, meias de seda, e ligas com ouro, e tudo 0 demais nesta confor­
midade, até cliapéos dc castor com muitas plumas brancas, e bandas de
Pariz de resplandor dc prata lavrada, e cruzes de ouro fino ao pescoço
como homens do habito de S. Luiz. Trazião comsigo suas mulheres
moças, francezas brancas, vestidas dc Damas, com taes cotas, vestidos e
adereços, que tudo era seda, guarnições e ouro, em que se manifestava
a tenção, com que estas despesas ditas eram feitas.»
(**) Ib ia p a b a , serra talhada.
(***) P a r a h ih a , capitania.
(****) R i o - G r a n d e d o N o r te , depois capitania.
— 307

sua ignorancia, e a malicia dos que os acaudilhavam, dos


quaes todos têm seu castigo, como Mingão (*) que, havendo
quatorze vezes escapado das mãos dos portuguezes, veio a
m orrer na batalha de G uaxinduba....»

Assim, pois, ao passo que na capitania de S. Vicente,


até ao meiado do século X V II, os tupi-nà-abá installavam-se
na região septentrional, e os tupi-nà-kl ou goiá-nà m anti-
nham -sc na serra Apuca-rana, eram os tupis considerados
expulsos completamente do Estado do M aranhão, e das
capitanias ao sul do mesmo Estado, onde ficou dominando
exclusivamente a familia tapuya, com seus cruzamentos.

Altos mysterios de D e u s! Os paulistas, descendentes


de goiá-nà ou tupi-nà-k'i, no fim do século X V II, e no
século X V III, acompanhados de indigenas daquella familia,
e portanto guardando inconscientemente as tradições de odio
entre tupis e tapuya, invadiram o valle do rio de S. F ran ­
cisco, foram ás cabeceiras do rio Jaguaribe, assaltaram a
serra de Ibiapaba, e dahi internaram-se nos sertões do
P iauhy e cio M aranhão, em hostilidade aos tapuya! (**)

Já, por egual, no principio do século X V II, elles


haviam atacado as reducções do Goára, nas quaes, ainda
que existissem parentes, os goár-ani, maior era o numero
das nações que eram inimigos naturaes dos tupis.

(*) David Mingan, francez, natural de Dieppe.


(**) P e d r o T a q u e s , obra e lugar retro-citados, pag. 110; e
XX X III, parte segunda, pags. 163 a 169.
Sobre os indios da provincia do Maranhão, neste século XIX,
ha um bom trabalho do major F rancisco de P a u la R ire iro , M e m o r ia
so b re a s n a ç õ e s g e n tia s . Na R e v i s t a , III, pags. 184, 297 e 394; 1841.
Estes trabalhos ácorca dos indigenas deveriam ser colligidos em
uma unica obra, com as notas explicativas das divergências entre os
vários escriptores. Ha nisso uma utilidade politica e social.
A R e v i s t a d o I n s t i t u t o H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o
publica tudo o que apparece; mas deveria ter uma parte critica
B r a z il
desses trabalhos.
308 —

Tanto ó certo que, atravéz os tempos, os povos são


impellidos por méro instincto a não guerrearem senão velhos
adversarios, ainda que não sejam conhecidos na occasiao
como taes. A causa é occulta; a Providencia Divina dirige
tudo. (*)

As tribus, que habitavam a região, denominada pos­


teriormente B razil, não eram baldas de orgamsaçao, quer
de familia, quer de nação.
De ordinario, viajantes, pertencentes a uma raça
diversa, desconhecendo a religião c os costumes dos selvagens,
attribuiam-lhcs a ausência do minimo sentimento m oral; e
sobre a ignoranda propria edificavam um grande castello de
phantasias. Os pobres selvagens, reconhecendo que estavam
expostos ;i escravidão, não podiam deixar de ser dissimulados
c de desenvolver todos os recursos de aggressão, segundo a
regra — na guerra como na guerra. Porque não se sujeitavam
a ’ servir de escravos aos civilisados, preferindo morrer nos
combates, eram perfidos, trahidores, indomáveis, sem religião,
sem moral, sem politica. Dram indios de corso, contra os
quaes tudo era licito, mesmo que fossem postergadas as leis
divinas. (**)
(*) Tudo isto explica, até certo ponto, a divergência, entre os
povos do sul c os povos do norte, sobre a Independência do Brazil, 1822
_182.‘). E, no caso de abolição do systema monarchico, terá explicação
nos odios indigenas a separaçao do norte e do sul, ipie os respectivos
descendentes mantêm inconscientcmcnte ou por impulso natural.
(**) Na carta do padre Antonio V ieira ao padre provincial
Francisco Gonçalves, de 5 de Outubro de 1653, transcripta integralmente
pelo padre José de M oraes, cm sua H is t o r i a d a C o m p a n h ia de Jesus na
e x tin c ta p r o v in c ia do M a r a n h ã o c P a r á , VI, 2, aquelle insigne missionário,
com a eloquência que lhe era peculiar, dizia: «De maneira que ao não
quererem deixar suas terras liuns homens, que não são nossos vassallos,
se chama por cá re h e lliã o , e este crime se avalia por digno de ser castigado
com guerra e captiveiros; para que se veja a justiça com que neste paiz
se resolvem semelhantes emprezas e com serem as causas tão justificadas
como isto. >
— :’>09 —

Quem compara as narrações sinceras dos que primeiro


encontraram-se com os indigenas do Brazil e os arrazoados
apaixonados dos que, tempos depois, não queriam senão
escravisal-os, verifica que, se os portuguezes fossem mais
prudentes e não quizcsscm fazer fortuna á custa do serviço
daquelles infelizes, grande resultado teria tido a evangelisação
ou a catechése. A carta de P ero Vaz Caminha (*), de l.°
de Maio de 1500, e as dos outros primeiros exploradores,
são a prova das boas disposições dos indigenas.
Os missionários cm geral são também accordes cm
affirmar que eram povos tão ignaros de suas praticas que
bem mostravam estar somente á espera da evangelisação.
Acompanhavam com muita attenção e respeito as ceremonias
religiosas; e era tal a sua confiança nos padres catholicos
que alguns pages (**), sentindo o enfraquecimento de seu
o-overno espiritual entre elles, procuravam arremedar aquellcs
padres. (***)
Não queremos dizer que não tivessem vicios. Bastava-
lhes a ignavia em que viviam. Mas, por isso mesmo, e
admiravel que não fossem de peior senso moral. B certo

(*) Escreveu P e r o V az C am inha, nessa carta; « Andam nuns


sem nhuuma cobertura; nem estimam nhuuma cousa cobrir, nem mostiai
suas vergonhas; e estam aa cerqua cliso com tanta inocência como teem
em mostrar ho rostro. »
(**) P i a g a s ou p a g é s , é a denominação geral cios sacerdotes dos
indigenas. Mas, G onçalves Í>ias distingue. Segundo elle, os p a g é s , ou eram
medicos, ou eram feiticeiros; e muitos reuniam as duas funcções. Os
sacerdotes eram denominados c a r a i b a s ; nome este que significa «branco».
Não concordamos. Os sacerdotes eram os mesmos p a g e s . A
denominação c a r a ib a s era dada, já após a descoberta, aos que os indigenas
consideravam fa ls o s p r o p h e ta s , como o attestaram L euv e outios.
E’ esta urna materia que reclama investigações serias e profundas.
As tradições entre os actuaes selvagens podem dar o resultado preciso.
Os indigenas possuíam a sua theogonia: 'T a p a n , <ql)eus », J e r o p a r y ,
A n h a n g a , C u r u p i r a , « diabo ». Não ha religião que não exija saceidotes.

(***) Eram certamcnte estes os tacs c a r a i b a s ; tambem denomi­


nados c a r a ib e b ê s , «prophetas ambulantes », porque percoiriam as aldeas, a
semelhança de missionários.
— mo —
entretanto que, conforme o affirma o padre Ivo d E vreix ,
estes selvagens tiveram sempre conhecimento de Deus, deno-
m inando-o^Tupan, ainda que não conhecessem sua Essência.
Dnidade e Trindade, materia inteiramente dc fé.

Outrosim, os indigenas do Brazil não eram baldos


da organisação de familia, tendo por origem o casamento.
í ertameute, sendo pagaos, na o podiam piatitai senão
o casamento natural. O casamento tinha na língua tupi a
palavra correspondente: lueuduçaba. Havia também a palavia
jemoinendar, c casar-se». O que prova a instituição e sua
pratica, antes que elles conhecessem o casamento christão.
\\ verdade que, após a descoberta, appareceu a
polqqctniia como uma das formas do casamento entie os
indigenas; mas, além de ser certo que os primeiros ^explo­
radores e ehronistas não a mencionam (*), parece averiguado
que foram os colonos portuguezes qne a introduziiam, pelo
exemplo de sua devassidão (**), no que eram acompanhados
até pelos clérigos seculares, como resulta das cartas do padie
jManoki, d a Nona kc a (' outros missionários. Os indígenas
não fariam, portanto, senão imitar a todos esses que se
diziam christãos, e, mais ainda, sacerdotes, Todavia, era essa
pratica limitada a alguns Principaes ou caciques (***). Os
mais da aldòa, ou da nação, eram obrigados á monogamia;

0 padre Ivo n'KviU'.rx, V ia g e m ao n o rte d o B r a z i l em.


i )
a menciona entro os tn p i- n à - a b á . E assim outros. Attenda-se,
1 (U :í — I C l í .
porém, á epoclia, muito posterior á descoberta; e os tn p i - n à - a b á , encon­
trados na i111a do Maranhão, eram já viciados pelo contacto com os
portiiííiiezes e os france/.es. na Iíaliia, Pernambuco e Parahiba, sem fallar
nos que teriam estado no liio de Janeiro.
( : : l E' o caso dc dizer-se que a c iv ilis a e â o não foi senão a
s p p llilis a v ã o .
(***) Alais de uma vez o padre José nu Moraes assignala
este privilegio dos Principaes, na H ie ta r i a d a C o m p a n h ia d e J e s u s na.
e .rtin rta p r o v i n d a do i t Ia ra n h a o e P a r á .
Iíe!’erindo-se á missão do padre Antonio Vieira no rio Tocantins
311 —

c esta lei se cumpria á risca (*). E mesmo que a poly-


gamia fosse, anteriormente á descoberta, uma instituição
legal, e privilegio do principal ou cliefe, não poderia ser
seriamente censurada a gentios que desconheciam a lei
christã, sendo certo que era e tem sido praticada, e, ainda
neste século, é tolerada, — na Europa, entre os mahometanos,
c nos Estados-Unidos, entre os mormons.
Mas, em summa, entre os gentios do Brazil o casa­
mento era a origem c o fundamento da familia. A mulher
guardava a mais rigorosa fidelidade ao marido; e grande
crime commettia ella, infringindo-a. Para com os filhos,
desde que nasciam até que se casavam, o pae e a mãe
eram extremosos em amal-os, e também em corrigil-os.
em 1653, escreveu que, quando chegaram á povoação dos Poquigoáras
( devem ser os p o t y - g o á r a s ), o cabo e capitão da tropa, « como trazia
comsigo um mulato, grande l i n g u a (interprete), por sua intervenção
mandou praticas aos indios P r i n c i p a e s se não mettessem com os padres,
porque sem duvida os haviam privar das muitas mulheres que tinham ».
(*) O general Couto M ag alh ães, O S e lv a g e m , II, 5, demonstra
que foi exagerado, e até mesmo falso, o testemunho de antigos chronistas,
que davam a p o l y g a m i a como instituição reconhecida entre os indigenas
do Brazil. Muito concorreram para essa opinião as descripçõcs pessimistas
de alguns dos padres da Companhia dc Jesus, sem o exame da origem
ou da data verdadeira do abuso; tanto mais que o padre M anoel da
Nobrega, em suas cartas escriptas da Bahia c de Pernambuco, confundia
na mesma censura as devassidões dos colonos c dos clérigos portuguezes
e aquelle abuso entre os indigenas, sem prescrutar e determinar as
necessarias origens ou os contágios de taes immoralidades. E é certo
que, só depois da chegada de Martim Affonso de Souza a Pirá-tininga, foi
que João RamalhoAuiimou-se a ter mais de uma mulher.
O citado escriptor assim escreve: « Em minhas viagens, tenho
já estado em mais de cem aldêas de selvagens........l)e minhas observações
tem resultado sempre — que na familia indigena existem: desde as insti­
tuições rigidas e de uma severidade de costumes que excedem a tudo
quanto a historia nos refere, até a c o m n w n h ã o das mulheres. Refiro-me ao
indio que n ã o está c a te c h isa d o . »
Accrescenta o mesmo escriptor: « Não se entenda por c o m m u n is m o
de mulheres alguma cousa de semelhante á prostituição; .... naquellas
mesmas tribus, onde ha esse communismo, as prostitutas são tidas em
grande desprezo.»,
O que parece é que esse communismo não é senão a p o l y g a m i a ;
pois que ha a apropriação de mais de uma mulher, para uso exclusivo
do um só homem.
1)0 um rigor, s(’) correspondente á necessidade do
fa/.or observar a ordem moral, cm uma aldea composta de
varias familias, ora a educação do respeito, dada as crcaneas
(. aos jovens, para com os mais velhos. Foi isto o que mais
sorprendeu ao padre lvo o Kvrkix , durante os dons annos
que passou entre os selvagens: ((Ninguém deixara de admi
rar-se comigo, vendo o sò poder da natureza ser sufficiente
para fazer <pie os meninos o moços guardem respeito aos
In ais velhos, e que estes sejam contidos no que é exigido
pela diversidade das edades.
Também entre os selvagens do Brazil, a família
formava parentesco de ascendência e_ de descendenda, e
também de collateraes. Escreveu o mesmo já citado padre
lvo d’F vrki' x : Brota o primeiro ramo do tronco de seus
avds, que elles chamam Tamoin (*); c debaixo desta
denominação compreliendem todos os seus antepassados, desde
Noé até o ultimo de seus avos: causando admiiação como
sc lembram e contam de avo em avò, ao passo que na
Europa é-nos tão diffieil remontar além do terceiro avo,
sem recorrer a apontamentos.
Comquanto tivessem a palavra tamuya para designar
1 t 1 • - 1 j. /# * \
os ( avós em geral, inclusive os irmãos destes » f ;, a
mesma palavra ainda significava especialmente o « avò
paterno , como que indicando que esse era o avo principal,
por ser tronco do ramo primeiro na família, que eia o do
pae. Também o avò paterno era denominado arya (***),
(piando considerado isoladamente, ou sem relação com o
ramo segundo da família, que era o da mãe.
Cada um desses ramos consanguineos começava no
avò, ou pae do pae, e na avó, ou mãe da mãe.
( ) Dove ser tamnim, «avós do uma e de outra parte», isto
ó. paternos o maternos; eoinpreliendidos os irmãos d elles.
('**) Também os romanos, além da palavra a w s , que designava
o pae do pae e o pae da mãe, tinham a palavra avunculus para designar
o tio irmão da mãe, e os irmãos da avó, da bis-avó e da ter-avó.
ç**j A lingua latina tinha a w s , « avô », avia, « avó ». A lingua
Itrjií rinha arya. «avo», ariyiá. « avó ».
R am o paterno R um o materno
Ram on ha — avò. A riy iá — avó.
Tuba — pae. (*) Cy — mãe. (*)
T ayra — filho. Tayyra — filha.
M u — irmão. Kelryra — irmão.
Ceykeva — irmã. A n u i — irmã.
Tutev a — tio. A ia 'é— tia.
T endyra — sobrinho. Rendera — sobrinha.
Tem im inó — neto. Tem iariron — neta.
Tem im inó-raya — bisneto. Tem iariron-raya — bisneta.
Além disso, havia ainda entre os irmãos a distinct;,ão,
tiquyra, « irmão mais velho : , e teguera, <■:irmã mais .velha »,
nos dons já referidos ramos, indicando nina hierarchia
domestica, e mesmo talvez social, isto é, da familia para
com a sociedade.
Também 6 digno de attencão o systema do parentesco
por affiniclade.

R am o paterno R am o materno

T atuba — sogro. JMenduba — sogro.


Taioeó — sogra. M endy — sogra.
Tayú-m ena — genro. Remita — genro.
T airaty — nóra. M em byra-ty — nóra.
Tobajara — cunhado. [ Icei — cunhada.
0 pae de familia não tinha enteados; porque os
filhos anteriores de sna mulher eram considerados « filhos
do irmão mais velho desta » ; e as filhas, r filhas da irmã
mais velha ». A mulher, porém, eontrahia esse parentesco

(*) Os indigenas, em cominunicacão com os missionários, ou


já catechisados, usam também das palavras— p a y a e m a y a , que são a
corrupção das palavras da lingua portugueza — pae e mãe.
Esta advertência é necessaria; porque alguns diccionarios da
ling ua tupi trazem também aqucllas palavras— p a y a c m a y a .
0 general C o u t o M a c a m i ã k s , O Selwyem, escreveu iút>a, i-útia.
ou riíha: mas o piümciro, túba. c o mais gcraliucnte admittido.
314

com os filhos t; as filhas anteriores de seu marido. M em byra-


ama, « enteado da mulher ; -memhyvct-cii, « enteada da
mulher . (*)
0 homem c a mulher, em geral, ou como especie
humana, eram assim designados: apyaua (**), o hom em »,
cnnJiã, a mulher .
Para distinguir da classe dos solteiros os que eram
casados, diziam assim: mendaçareyma, «pessoa solteira»,
mandacaru, pessoa casada ; bastando antepor a palavia
ajn/áaa, ou a palavra cunha, para determinar o sexo dessa
pessoa.
Km relação á familia, as designações eram outras :
im a n a , marido , temiricó, esposa .
( )s filhos ou as filhas de irmãos, sob o nome
generico de mamhyra, eram considerados também irmãos
entre s i; porque os tios e as tias consideravam-se também
pars e nunes de toda aquella prole collateral. So apos a
descoberta, os indigenas começaram a conhecer e a praticar
o tratamento de primos e de prunas. Basta attendor para
as palavras em lingua taja, designativas de irmão e de
irmã: também significavam o primo do homem », « a prima
do homem», oprim o da m ulher», a prima da m ulher».
leram tão rigidos na instituição matrimonial, que o
casamento era um dever geral, logo que attingiani a edade
precisa. Os filhos bastardos, conforme seu sexo, tinham a
denominação geral — mn-çatikoera ou amã-çatikoera, «filho
ou filha de borra .
A temiricó, esposa , que adulterava, era expulsa
da aldèa como indigna: não mais a denominavam temiricó,
' esposa , nem mesmo mendaçara, « casada » ; mas, desli­
gando-a de todos esses laços, a designavam simplesmente

(*) Os tillios, em relação ás mães, eram geralmeutc denominados


iiioiihiirii.

(• I Outros escrevem njãuha.


315

por cmihã-imena-momoxiçara, /. mulher que envergonhara o


marido ». Também isso equivalia sua separação do marido
ou o « divorcio », jem om bóre-ixui; além do desprezo geral. (*)
Um ponto fica averiguado cm honra dos indigenas
do Brazil: — não existia a polyandria: e, ao contrario, clles
a desconheciam.
Quem tem leitura dc obras espeeiaes que tratam
dos systemas de parentesco entre os diversos povos da terra,
nas differentes epochas dos respectivos desenvolvimentos,
aproxima immediatamcntc dos esqnimáos e também dos
polynésios os indigenas do Brazil (**): tanto é certa sua
procedência de uns e de outros, como já foi demonstrado.

(*) As apreciações de Yaumi.VOKN, H is to r ia geral tio B r a z i l , IV,


acerca das relações defamilia entre os indigenas, não se apoiam em
chronista algum, nem cm informações de quem andou pelas aldôas.
Vaiinhagkn escreveu-as, seguindo a toada dos que entendiam que os
indios eram f e r a s , sem princípios e sem costumes. Tornaram-se, sim,
f e r a s , para escaparem á escravisação: pois que, recebendo os descobridores
com uma innoconcia tal que muito os encantou, depois viram-se enganados.
(* * ) J . L u b b o c k , B e s o r ig in e s d e Ia c ir ilis a tio » , I \ : « .... lcs
frères et les soeurs d’un grand-pèrc s’appelent respectivement g r a n d - p è rc ct
g r a n d ’ m e r e ; ___ rappelle clairement une cpoclie oii lo frère de la mere
et le frère du pèrc étaient consideres comine p è r e s , la sunir de la mere et
la soeur du pèrc, comme m è re s, et oil lours enfants, par conséqucnt,
ctaient considerés comme f r è r e s .......... Enfin, pourquoi les frères et les
snnirs du grand-père s’ajipelleraient-ils g m n d s - p è r e s et g r a n d ' m re s, sil n'y
avait en un temps oil les frères et les suuirs du père portaient le noni dc
pères et de mères__ ?» Isto escreveu o citado J. L ubbock acerca do
parentesco entre os e s q n im á o s .
Quanto aos polynésios, A. Giuaud-Tkulon, L e s origines tie Ia
f amitte, II, § l.°, examinando o parentesco entre os hamtfs, escreveu: «La
nomenclature des termes de parente cliez ces insulaires ne mentionnc <pie
cinq degrés dc COnsanguinité: G r a n d s-parents, -parents, frères et SiVirrs,
enfants, petits-enfants. » E, em seguida, passa a classifical-os do seguinte
modo:
a) O protogonista, suas irmãs e seus irmãos, o os sobrinhos.
b ) O pac, a mãe, seus irmãos, suas irmãs, e seus primos.
« Toutes ces personues se imminent mes p è r e s et m è re s , — mes p a r e n ts , dans
le SCIIS latiu de g e n ito r e s . -
— .‘31 G

Também não faltava aos indigenas do Brazil a


organis ação politica.
Mas, antes de expor o mechanismo governativo, é
necessário determinar o seu modo social:
a ) Uns viviam em aldeas ou taba, compostas de
quatro até seis cabanas oblongas, óca; dispostas todas em
quadrado, com uma praça no centro, úca-rocára, e accom­
modando cada cabana ou óca mais de uma familia, ou muitas.
b ) Outros viviam em cabanas esparsas, cada uma
para uma sé familia, aiápa; apenas aggrcgados pela visi-
nliança, na mesma região ou no mesmo local.
l ambem, quer a óca, quer a aiájta, eram mais ou
menos solidamente construídas, conforme o tempo assignado
pelos selvagens á sua permanência no lugar.
Os tajnn/a eram os que viviam em cabanas esparsas;
o, por isso considerados pelos outros indigenas corno barbaros,
taes eram denominados geralmente por estes.
Todas as outras tribus viviam aldeadas, em taba; e
estes indigenas tinham-se por civihsados, cm contraposição
aos tapmja, com os quaes andavam sempre em guerra.

<■) O avô. a avó. sons irmãos, suas irmãs, c os prim os: « —


c ost la section des mos grwnht-parent*. « São os tanunia, dos indigenas do
Brazil.
,1 > Os tillios, as filhas, e sens primos collateraes: « qui tons
ensemble forment la classe de mos enfant*. *
a) Os netos, as netas, e os respectivos primos: «ce sont mos
p e t i t r - e n t o nt$. "

E accrescenta: .... les /vires se distinguent entre eux cu frere*


et f r h e s
ò ,th (pie colui qui parle. Les « a n t r s se distin­
guent entre ollos également suivant leur age respectif par un terme special. »
A coincidência desses systemas de parentesco com o dos indigenas
do Brazil é patente. L J. L ci u k x k deveria admirar-se de que na lingua
in/>i haja palavras para designarem o irmão mais velho », o « irmão mais
moco >', a irmã mais vellum, a «irmã mais m oça», como na lingua
franceza e no sanscrito. Bastaria lêr a obra do padre Ivo d’E vukux ,
Vitiiinit iio n o r t e <lo JJrazil cm U it‘t — U ilí, I. '2d.
317 —

Após a descoberta, os tapuya, mostrando-se mais


fáceis á catechese e mais favoráveis ao dominio portuguez,
conseguiram prolificar em paz, e tanto que, nos séculos X V II
e X V III, foram senhores exclusivos dos sertões mais proximos
ao littoral, desde a Raliia até o rio Oyapock. As capitanias
do Kstado do Maranhão não encerravam, em geral, outro
gentio (*); e dalli cspalhavam-sc elles para os sertões de
Pernambuco e da Bahia, bem como para os de Goyaz. .
Os que viviam em taba, elegiam um principal para
cada óca; além do maioral, que era o m uruxáua. Quando
a nação era composta de varias tala ou aldéas, havia um
cacique ou m uru xá u a -a m i, especic de rei. (**)
Os tapuya, porém, tendo embora a mesma organisação
politica superior ou suprema dos m uruxáua, eram forçados

0 padre F euNÃO GUERKEIUO, na R e la ç ã o a n n u a l d a s c o u sa s


(*)
que P a d r e s d a C o m p a n h ia d e J e s u s , n o a n n o de 1606— 1607,
fiz e r â o os
referindo-se á missão dos padres Francisco Finto e Luiz Figueira,
escreveu: « Chegarão a huma serra chamada l l n g a p a b a ( Ibiapaba), donde
ate o Maranhão havia ainda cem léguas, mas estas todas daqui por
diante povoadas de infinitos barbaros T a p n y a s — »
Confira-se O padre Ivo i/F.VRElX, V ia g e m ao n o rte d o B r a z i l em
1613— 1614 c os demais chronistas.
W ard en , Histoire du JBrésil, apoiando-se sem duvida em do­
cumentos antigos, escreveu: « Les tapuya, la plus ancienne race des
Brésilicns étaient si nombreux à farrivée des Europeans, qu on cu compta
jusqu’a 76 nations ou peuplades, dont chacune avait un chef particulicr.
Maitres de toute la cote, depuis 1 embouchure de la Plata jusqua la
Amazone, ils occupaient d’un côté 150, de 1’autre 200 lieues clc longueur. »
Mas, em parte isto é pouco exacto ; os ta p u y a . não passaram do
Rio de Janeiro para o sul.
Desejaríamos dar as denominações de todas as autori­
dades, em sua hyerarchia. Bem poderíamos adoptar as escriptas poi
G onçalves D ias; mas elle as foi buscar em C. d’A b b eville e em outros
estrangeiros, que, além de escrevel-as conforme o som em seus alphabetos,
não eram muito exactos. Duvidamos da palavra c a r b e t para designai
«o conselho da nação», como o pretendeu o citado padre C. d Abbeville.
Não seria t a b a - p a b é , «todos da ta b a» ?
Os francczes escreviam m o u s s a c a t em vez de m u r u x á u a , chefe
não, porém, o superior, como já deixámos exposto.
318

ao augmento elos principaes, não só por seu maior numero


nas aídêas, mas sobretudo por se dilatarem estas em grandes
circuitos, exigindo por isso maior vigilância e disciplina, para
os casos de assalto dos inimigos.
Também os indigenas tinham o fidalgo, m oacàra; c
um corpo de nobreza, nioacára-etá. Os tapuya, no M aranhão
e Pará, diziam ao padre Antonio Vieira que eram estes
inoaedra os seus cavalleiros. < E porque não faça duvida o
nome de cavalleiros, lie de saber que entre os iudios destas
partes hc costume de se armarem alguns cavalleiros, e isto
com grandes ceremonias a seu uso. Destes se chamão também
cavalleiros os que, por nascimento ou por officios, são como
a gente nobre, .... e delles se escolhem os que hão de
mandar aos demais. (*)
Se assim era no norte, Maranhão e Pará, entre os
tapuya, não menos organisados politicamente se mostravam
no sul os yoiá-nà, quasi na mesma cpocha, 1661, quando
lernão Dias Paes foi ate á serra Apuca-rana (**) para
fazcl-os descer, segundo o systema daquelles tempos. Toma­
remos a descripçâo feita por P edro T aques, Nobiliarchia
Paulistana. (***)"
Penetrou Fernando Dias Paes o sertão do sul ató
o centro da serra da Apucarána, no reino dos indios da
nação ( iuayannãa, pelos annos do 1661. Nelle existio
alguns annos, para poder vencer a reducção daquelle reino,

(*) 1’” o quo escreveu o padre. A ktonio V ieira ao padre pro­


vincial Francisco Gonçalves, na carta já citada de 5 de Outubro de 1653,
transcripta integralmentc em sua magnifica obra pelo padre J osé dh
3 I o u . \ ES.
O padre Amth.mo Vikiha accrcscentou: « estes, os cavalleiros,
nem remao, nem servem aos portuguezes, e só os acompanlião na guerra. »
(**) Esta serra é actualmcnte na provincia do Paraná; e ao
oeste do rio Tibagy, ainda além do rio Fbaliy, boje Ivahv.
Aluito aurifera.
(" ) Pr.niio I Açrns, N o b ilia r c h ia J ’a u l i s t u n a , na R e v is ta d a
I n s titu to J J is fo r ic o , Cíc<><)raphico e E ttu u a ra jd iic o d o J J r a : d . XXXV. parte
primeira, pag. 1Oí> a 10!».
— 319

que se dividia em tres differentes reis, vulgarmente chamados


Caciques; e cada um delles se tratava como soberano, com
leis ao seu reino gentílico, que praticavam contra os vassallos
culpados até o supplicio do garrote........ Eram estes tres reis
confinantes uns dos outros; e havia muitos annos que
existiam inimigos com actuaes guerras, em cujas batalhas
tinha perecido a maior parte da multidão dos seus vassallos,
e se achavam já debilitados de forças quando Fernando Dias
Paes postou naquelles sertões.
« E ram estes tres reis os seguintes: Tombu, que
usava de armas sobre o portico do seu palacio, e eram ellas
um ramo secco com tres araras vivas, de sorte que, mor­
rendo uma dessas aves, lhe substituia para logo outra,
porque delias se animava a empreza desse barbaro gentio.
E ra este Tombú o mais poderoso entre os dois reis da sua
nação c o mais observante do cumprimento das suas gentílicas
le is: usava de official como mestre de ceremonias, e este
era o actual camarista que lhe assistia no paço c fazia dar
entrada nelle aos vassallos, que tinham necessidade da
audiência do seu rei. Quando saliia, fazia-se carregar como
em andor em que hia sentado, c este fingido throno era
sobre os hombros de quatro homens dos mais principacs do
reino. Os vassallos, logo que viam ao rei, se prostravam
corn os joelhos cm terra, com tanta reverencia c submissão
que, inclinando a cabeça, beijavam a terra, em cuja positura
se conservavam até passar o dito rei.
« O outro rei se chamava Sondei, e o outro, Gravitai/.
A estes tres reis poz cm cerco Fernando Dias Paes, tomando-
lhes as feitorias e plantas de suas sementeiras; e fazendo-lhes
vér que o seu intento não era distrahil-os com as armas,
mas sim estabelecer com todos uma firme amizade, e
conduzil-os para o gremio da igreja. A este intento não
faltou a providencia do Senhor, porque, sem os estrondos
das armas c tyrannias das mortes, eonseguio b ornando Dias
a ventura desta rcduccão.
o
« Estando já dispostos os ânimos dos tres reis para,
— 320 —

com seus vassallos, deixarem os reinos e acompanharem para


S. Paulo a Fernando Dias, cuja amizade já estava muito
adiantada na estimação destes gentios, falleceu o rei G ravitay:
o que deu causa para se apressar a resolução de deixarem
aquclles sertões c patria de seu gentilismo. Poz-se em
marcha o grande corpo daquclles reinos, e todos seguiam
uostosos esta transmigração. Nesta marcha íalleccu o rei
Sonda; c os vassallos deste e os de Gravitay se uniram
todos ao agazalho do rei Tomba, que chegou a S. Paulo
com cinco mil almas de um e outro sexo. Fernando Dias
fez estabelecer este reino nas margens do rio Tietê, abaixo
da villa de Santa-Anna de Parnahyba, para se aproveitar
este grande numero de gente da fertilidade do dito rio, pela
abundancia de seus peixes e da grande mataria para a
cultura das sementeiras de milho, feijão e trigo. (*)

Tomba, observando a desordem dos catholicos,


quebrantando os preceitos da divina lei, repugnava o bap­
tismo, argumentando com diabolica teima — de que não era
boa a lei, que o senhor delia não castigava para logo ao
culpado transgressor (**). bodos os demais vassallos se
foram instruindo nos sagrados dogmas para merecerem rege­
nerar-se pela fonte do baptismo. Tomba praticava sempre
as virtudes moraes, tendo por norte o lume natural, porque
jamais se apartou desta virtude. Teve grande amòr ou
inclinação sobrenatural aos religiosos de 8. Francisco; os
quaes eram actualmentc hospedados do agazalho deste gen­
tílico rei, que com grandeza os fornecia da abundancia do
trigo e mais fartura das suas sementeiras.

( I A cultura do trigo foi abandonada cm S. Paulo, desde o


século XVI11!
(**) Eis mais uma prova — de (pie os indigenas do Brazil,
ainda selvagens, não eram iinmoraes; nem praticavam a polygamia. Este
rei TomhO não foi arrebatado para a pratica das devassidões, certamente
porque Fernão Dias Paes era seu espelho e exemplo na pratica das
virtudes.
Foram os primeiros mãos colonos portugue/.es que perverteram
os indigenas domesticados.
« Passados alguns annos, enfermou Tomhu, e, chegando
a hora da morte, clamou a Fernando Dias que se queria
baptisar.... Prom ptam ente se chamou o parocho da fre-
guezia: ministrando este o sacramento do baptismo, recebeu
Deus em sua igreja ao rei Tomhu com o nome de Antonio,
e, conseguida esta dita, expirou.
« P indizivel o excesso o-entilico que obraram os
vassallos ja catholicos na morte de seu re i; o5 a faltar
Fernando Dias Paes, a quem muito amavam, certamente se
tom ariam para os centros de onde, por ellc, tinham sido
desentranhados. » (*)

(*) Estes goiá-nà são da mesma nação que Martini Affonso


de Souza encontrou em 1531, em Pira-tininga.
W arden, Histoire du Brcsil, apoiando-se no Roteiro geral e des-
crbpgão da costa do Brazil, cscripto em 1587, e ainda por ellc supposto
inédicto em 1832 quando em 1816 a Academia real de sciendas de Lisboa
havia feito imprimir, escreveu: « Guainazes. A 1’arrivée des Portugais,
cette nation habitait la côte depuis Angra dos lieis jusqu’au Rio de
Cananéa. Ils ctaient voisins des Carijós et des Tamoyos, avec lesquels
ils étaient continuellement en guerre. Ces Indiens ctaient d’un naturel
doux, crédules et peu intelligents. Ils vivaient de chasse et de pêchc et
des fruites sauvages, n’etaient point antliropophages et faisaient travailler
leurs prisionniers. Ils ne combataient que sur leur territoire; ils habi-
taient des cavernes et non les bois. Leur lit était fait avec des feuilles et
des peaux d’animaux, et ils entretenaient des feux, jour et nuit. Leur
langage differait de celui de leurs voisins; cependant ils comprenaient la
langue des Carijós. Ils ressemblaient, pour 1’exterieur, aux Tamoyos, et
étaient très-civils, comme la plupart des habitants de la côte. Deventis
esclaves, ils se refusèrent à toute espèce d’ouvrages. En1531, ils lirent
la paix avec Martini Alfonso. »
Mais adiante, na mesma obra, W arden, considerando a nação
Guavanós (attenda-se para a differença no modo de escrever elle este
nome), escreveu: « Gnayanás. Une borde de ce peuple qui demeurait à
Valdeia de Piratinin, sons leur cacique Tebireça, fut les premiers habitants
de S. Paulo. Cette peuplade est comprise sous le nom d'Igaruánas ou
pêcheurs, de la province de Pará. »
O padre A yres do Casal, Corographia Brasílica, II, tratando
da provincia do Pará, escreveu: «Debaixo do nome Igaruánas erão
comprehendidos também os Tupynanibás, os Mammayamás, os Gnayanás,
os Juruúnas, os Pacayás e outros. »
Conliram-se atraz, no capitulo primeiro da parte histórica desta
obra. as Prophedas, cio padre A ntonio V ieira.
322

Cremos que não podia ser melhor provada a organi-


sação politica dos indigenas do B razil; pois qne offerecemos
factos contemporaneos, do meiado do século X V II, tanto ao
norte como ao sul, já de tapuya, já de titpi-nà-k), uns
e outros ainda não tocados pela communicação com os
colonos portuguezes quando foram observados em suas praticas
de governo.

Acerca dos indigenas do Brazil, e em geral do


homem americano, os europeus não se cançam, desde o
século X V I, de accumular erros sobre erros, fabulas sobre
fabulas.
Pouco affhgimo-nos com o que esses viajantes escre­
veram, ora com manifesto exagero,
' o 7 ora sem a minima
verosímilham;a, sobre os costumes, usos e ritos dos gentios.
Piles mesmos encarregaram-se de reciprocos desmentidos e
de mutuas contestações. Quem quizessc ter o trabalho de
organisar em quadros as narrações e as noticias de todos
esses viajantes, ainda mesmo os que se enfeitam com a
fama de sábios, veria a exacta reproducção do facto biblico
da confusão das linguas no que cada um dissertou sobre
origens, idiomas, costumes, usos, ritos dos povos americanos.
O que, porém, mais deve doer ao brazileiro é que,
mesmo no Brazil, ha muita gente que não conhece os
indigenas brazilicos senão pelo que franeezes, allemães e
inglezes escreveram e ainda escrevem. Por sua parte, os
professores de historia nacional ( se assim podemos denominar
a esses que dizem ensinar historia), receiando o contacto
com os jesuitas, deixam de lér as obras unicas que podem

O mesmo padre A yrks do Casai, accrescentou : « Forão elles


( os Igaruánas) que á força do remo levárão a frota do capitão Pedro
Teixeira, desde a bahia Guajará até á vista dos Andes. »
ltazão, pois, tivemos quando deixámos escripto que os goiá-nà,
de Pirá-tininga, eram tupi-nà-k), de accordo com o que escreveu o
padre FekxãO GuKlUíEIltO, llelagão annual das cousas que fizeram os
J ’adres da Companhia dc Jesus, no anno 1606 — 1607, II.
323 —

instruil-os verdadeiramente a respeito dos indigenas brazilieos:


esquecendo-se de que foram os padres da Companhia de
Jesus os unicos missionários que percorreram as nações
gentílicas de taba em taba, de povoação cm povoação, de
tribu em tribu, passando successivamentc do Estado do
M aranhão para o Estado do B ra zil, e deste para aquelle,
pelas necessidades instantes e urgentes da catechése; além
das missões, mais ou menos fixas em determinadas regiões,
que a mesma Companhia de Jesus m antinha em toda a
extensão do territorio brazilico.

U m a obra ultimam ente publicada no Rio de Janeiro,


1884, J. E. W a pp-iEus, A geographia physica do B ra zil
refundida ( edição condensada), comquanto repleta de noticias
uteis e interessantíssimas, é inexacta quanto á procedência,
á agremiação, c ao movimento dos indigenas do B razil;
particularm ente dos tupis. Ainda que nessa obra sejam
refutados os systemas de D O urigxy e de M artius, — aquelle,
reunindo todos os indigenas brazilicos em uma só raça, á,
que deu o nome de brasilio-guarani, — este, distinguindo-
lhes oito grupos de linguas ou povos, os tupis, os ges ou
krans, os goytacazes, os crens ou guerens, os gucks ou cocos,
os parexis ou parecis, os guaicurús ou lengoas, c os aruaks,
o escriptor não duvidou cahir no erro de dividir os tupis
em cinco grupos: — os tupis do sul, os de léste, os do
norte, os do oéste, c os do centro, sendo que os primeiros
são os guaranis, c os segundos os verdadeiros tu p i-n à -a b á !
Parece que, a esse respeito, se deixou prender muito, ou
alguma cousa, pelas divisões c sub-divisões de M artius.
Que razão scientifica ha para esses agrupamentos ?
O escriptor confundio epochas e migrações, esquecendo-se de
que, após a descoberta, nos séculos X Y f, X V II, e X V III,
já pelas perseguições dos portuguezes e dos hespanhóes, já
por causa das guerras com os francezes e os hollandezes, as
deslocações de nações e tribus foram innumeras, e de regiões
longinquas. Por exem plo: os tupi-nà-abá, que os francezes
encontraram em 1612 na ilha do M aranhão, eram da
324

mesma familia que com elles se alliara cm Pernambuco e no


vio P arahiba; e esta familia continha individuos em grande
numero dos que, em Guanabara, foram alliados de Villegagnon.
Não são as viagens posteriores ao século X V II que
podem esclarecer os investigadores etlmographicos dos indi­
genas do Brazil. São as carta-memorias c os roteiros
noticiosos dos navegadores no século X \ I : e, ainda, os
relatórios annuaes que os padres da Companhia de Jesus
eram obrigados a dar de suas missões, e nos quaes não
cessavam cie ser felizmente muito minuciosos.
Nem nos occupcmos com o homem fossil, e menos
com os homens dos sambaquis. E ’ impossível a achada de
homem fossil; e os sambaquis tòm a explicativa na alimen­
tação de multidão de indigenas á margem dos rios salgados
em que as ostras abundavam, fazendo elles viagens, durante
um certo tempo do anno, a esses lugares, para banquetearem -
se a mariscos. A idéa de que os sambaquis eram tumulos
para os caciques, ou mesmo para inimigos, ainda não
encontrou, por ventura, justificação completa nos costumes
desses povos. (*)

A verdade 6 que os pobres indigenas do Brazil, que

(*) Vah.miaok.n, H i s t o r i a g e r a l d o B r a z i l , III, escreveu: « Igual-


mente aproveitavam de varios mezes do anno, em que o marisco (espe­
cialmente o s e r a a m b i ) estava mais gordo, para fazerem delle larga
provisão, separando-o da casca, que iam amontoando. O uso de preparar
taes provisões era um dos com que mais se distinguiam os Caribes do
norte, que, para esse fim, effectuavam até expedições á ilha A n e g a d a ,
uma das menores Antilhas, ainda hoje mui abundante de taes mariscos.
Se durante esta pescaria morria algum companheiro, lhe davam sepultura
no proprio monte das cascas de ostras. Assim polo menos se podem
explicar essas c a s q u e ir o s ou o s tr e ir a s , descobertas no littoral com ossadas
humanas, e já cobertas até de arvores seculares. Taes c a s q u e i r o s ,
chamadas ainda nas provincias do norte s e r n a m b i- tib a s ou s e r n a m b i- te u a s ,
constituem hoje. para quem as possúc, uma verdadeira riqueza, pela faci­
lidade com que delias se extrahe a cal. Semelhantes o s tr e ir a s se encontram
ainda nos territórios scandinavos, no norte da Europa, e ilhas do mar
Egôo. »
325

foiíim os verdadeiros constructores das cidades c das povoações,


apos a descoberta, e sem os quaes os portuguezes teriam
perdido esta conquista, pois que eram impotentes para a
colonisação de tão vasto territorio, e ainda mais impotentes
para o defenderem dos francezes, dos hollandezes, dos
inglezcs, — a verdade c, dizemos, que os indigenas do Brazil
não mereceram dos portuguezes senão o rigor e o máo trato,
e, por sobrecarga, o desprezo dos proprios que delles des­
cendem e que consentem no apagameuto de todos os signaes
de sua natural procedenda.
A inda por mofina, não tòm faltado cscriptores brazi-
leiros que, em vez de reerguerem pela verdade historica o
indigena, hão preferido aceitar e affirmar todas as apreciações
falsas dos europeus que o vieram ex p lo rar! V arnhagen ,
depois barão e visconde de Porto Seguro, em sua Historia
Geral do B ra zil, vivendo na Europa, entendeu que o indigena
não podia merecer aos colonisadores senão o exterminio, a
ferro e a fogo, por todos os meios e modos ! (*)
Escreveu a proposito um missionário jesuita (**):
<( Notável costume he a efficacia com que algumas noticias,
por antigas, passão entre o vulgo por verdadeiras, não
excedendo a esphera de meras fabulas: — ou porque a sua

(*) Outro brazileiro, D. J. G. de M a g alh ães, em uma Memoria


intitulada O s in d i g e n a s d o B r a z i l p e r a n te a h is to r ia e publicada na
R e v is ta d o I n s t i t u t o H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l ,
XXIII, l.° trimestre, pag. 3, 1860, confundio os erros dc Varniiagkn. E’
essa memoria um trabalho importante sob varios pontos de vista. Já
G onçalves D ias e outros haviam desempenhado egual tarefa.
Todavia, ó util ter sempre sob os olhos tudo o que o padre
A ntonio V ieira escreveu acerca do systema portuguez de colonisação no
Maranhão. Este celebre jesuita escrevia a El-Rei D. Affonso VI, em 20
de Abril de 1657: « . . . muitos governadores adquirirão grandes riquezas,
e nenhum delles se logrou, nem elles se lograráõ, nem ha coisa adquirida
nesta terra que permaneça, como os moradores delia confessão, nem ainda
que vá por diante, nem negocio que aproveite, nem navio que aqui se
laça que tenha bom fim, p o r q u e tu d o v a i m is t u r a d o co m o s a n g u e d o s
p o b r e s , q u e e stá s e m p r e c l a m a n d o a o céo. »

(* * ) O padre José DE M oraes, H is to r ia d a C o m p a n h ia d e J e s u s


n a e x tin c ta p r o v i n d a do M a ra n h ã o e P a r á , V, 1.
veracidade se não dccidio ainda no tribunal de uma rigoiosa
critica; ou porque o tempo, como mais experimentado, não
desterrou a m entira pelos evidentes calculos do desengano.
... Que muito, que nos sertões da America, por tantos annos
inacccssivcis ao descobrimento dos nossos Portuguezes, corresse
como certo o que se dizia por tradição de um gentilismo,
sobre que fabulisava o discurso, sem ainda tocar com as
mãos o que por beneficio da communicação veio finalmente
a servir de desengano? »
Os indigenas do Brazil não eram differentes dos
outros povos ainda cm estado nomade ou em movimentos
migratórios. A historia da humanidade, na serie incalculável
de seus successivos desenvolvimentos, mostra na antiga
Europa o mesmo homem selvagem que o século X V I
apresentou na America aos seus descobridores. J á B uffon
não duvidou escrever esta grande verdade: «L ede T acito
sobre os costumes dos Germanos; é o quadro exacto
dos II tirões, ou, antes, 6 o quadro dos habitos da espccic
humana inteira ao sahir do estado de natureza. » (*)

(*) Bi'FFOX, E g o c h c s <lc In n a t u r e , VII.


A tcutoniania rcvoltou-so naturalmente contra isto; mas, só
rccentemcntc, os tontos encontraram cm F. Lafiiknt, L e s b a r b a r e s et le
e a t h o U c i s m c , inn defensor, com o caracter dc insuspeito, para fazor a
distineção subtilissima entre o b a r b a r o e o s e l v a g e m , distribuindo ao homem
g e r m a n o O qualificativo dc b a r b a r o C deixando SÓ ao llOlllCm a m e r i c a n o O
de s e l v a g e m . Argúcias, só argúcias!
C A PITU LO TE R C E IR O

PIQUIROBY
Notre vie e s t une suite de m é te m p sy c o se s
ou de transfigurations qui nous conduisent à Dieu,
Padre J. B. II. L acord aire,
C o n fe r e n c e s .

. . . il en éc o u ta it le recit avec une ardeur


d 'a u ta n t plus inquiete, que les liens du sa n g I'unis-
s a ie n t à ce héros.
J. J. B a rth r.LEMV, V oyage du
j e u n e A n a c h a r s is e n G r e c e , Introduction.

O s n a tu r a e s do B r a z i l . . . , o s selvagens,
rudes e de costum es quasi homéricos, podem p re sta r
bellos quadros á e p o p é a , . . .
M. Onoiuco M endes, Notas ás
-B u c o lic a s , de Virgílio, no final.

Os indigenas do territorio, que foi depois denominado


B razil, costumavam tirar das condições physicas dos lugares
as denominações para estes; e também escolher entre as
consas naturaes, serras, outeiros, rios, lagoas, arvores, mineraes,
aves, peixes, animacs cm geral, existentes na respectiva
região, os nomes para o chefe ou maioral, ca ciq u e ou
m uruxáua, (*)

(*) W a r n IIAG F A , Historia geral do B razil, IV, escreveu montbi-


chab, assim por ellc traduzido: Morubi, « o que lida, o que vae á guerra » ;
chab, « chefe ».
— 328 —

A historia do Brazil refere, entre innumeros outros


nomes de chefes, L ira ( tatú-bóla), Pirá-uassú ( b alêa),
Ita -g i (m achado de pedra), Inajá-guassú ( palm eira-grande),
A cayu-m iry (cajú pequeno), lauara-eté (o n ça), M dara-itby,
( pedra-verde); e, da capitania de S. Vicente, Tebyreçá ou
Tebir-içà ( formiga dam ninha), c Cahá-uby ( matto verde,
ou floresta). (*)
O nome Piquiroby (**), assim escripto nas chronicas,
não é senão Pi-kt-yrob, « pinheiro ». Pi, « pellc ou casca »
ki, « espinho, ou ponta aguda », yrob, « amargo » : « arvore
de casca amarga e folhas agudas ». Parece que não ha
outra explicação; tanto mais considerados os motivos que
passamos a expòr. Ou, quem sabe, seria Pi-cury-oby ? (***)
A aldea Ururay, cujo era chefe ou maioral P iqui-
roby, estava situada, segundo os chronistas, em um recanto
dos campos de Pirá-tininga (****). Não podia deixar de ser

(*) Não podemos deixar de mencionar, ainda aqui, com honrosa


especialidade, o celebre Poty (cam arão), I). Antonio Filippe Camarão , o
terror dos hollandezes, natural do Rio-Grande do Norte, mas também
disputado pelo Ceará.
(**) Outros escreveram Piqneroby.
(***) Na geographia do Brazil são conhecidos varios rios com
a denominarão - - Piquiri. Tor exemplo: um na provincia de Matto-
0 rosso, que nasce na serra Itiqueira; outro na do Rio-Grande do Sul,
que nasce na Coxilha Grande, e desagua no rio Jacuhy ; outro na pro­
vincia do Parana. Todos esses rios parece que tiram dos pinháes o nome:
Pi-airy, que, na pronuncia, sôa surdamente Pi-cuiry.
(* 1' M a c h a d o de O liv e ir a , Quadro historico da provinda de
S. Paulo.
A zevedo M arques , Apontamentos historicos, geographicos, biogra-
phicos, estatísticos e noticiosos da provincia de S. Paulo, no nome Ururay.
Era aldea da nação goiú-m, conforme o escreveram todos os
chronistas. Mas, acerca desta nação, temos lido asserções contradictorias
c falsas. Alguns não duvidaram copiar de qualquer inventor de p etas__
que os goiá-nà viviam em cavernas, sem aldeamentos regulares! Outros
referindo-se a J. de L a e t, N o v u s orbis, e escrevendo Waynasses, não
hesitaram em desfigurar os habitantes da Rha Grande e portanto a nação
dos indigenas de Pirá-tininga: de sorte que também estes seriam, como
aquellcs, « medrosos, pequenos, barrigudos, de pés chatos ».
— 329 —

á margem cie um rio Pi-ki-yrob, cujo nome apparece


corrompido em Maqueroby (*), nas notas que, em 1674, o
padre Lourenço Craveiro, reitor do Collegio da Companhia
de Jesus em S. Paulo, escreveu sobre o titulo de sesmaria
de Pedro Góes (**); e esse rio era assim denominado, por
correrem suas aguas entre extensos pinháes, até entrar no
rio Anhemby ( Tietê).

A tribu Ururay occuparia o territorio desde o valle


de Ururay, da banda do norte, na serra de Paranápiacaba,

Os goiá-nà de Firá-tininga, ate á serra Apucá-rana, eram


robustos e fortes; descendiam dos que, no Baixo-Maranhão, são denomi­
nados Igará-nà, por corrupção Igantànas. Escreveu o padre A yres do
Casal , Corographia Brasílica, II, P a r á : « Debaixo do nome Igaruânas
erão comprehendidos tambein os Tupinambás, os Mammayamás, os Guaianás,
os Juruúnas, os Pacayás e outros. »
No capitulo antecedente dissemos que os goiá-nà eram tupi
parentes, e portanto tupi-nà.
Entendemos que, de facto, os que habitavam a costa, inclusive
as ilhas, desde a Caá-urugú (Ilha-G rande) até o então denominado rio
Cananea, quasi todos eram tupis. E, pois, os da Ilha-Grande poderiam
ser também goiá-nà.
E ’ porém necessario não aceitar facilmente ou sem exame os
juizos e as classificações dos viajantes estrangeiros acerca dos indigenas
do Brazil.
(*) Em vez de começar por P, o nome começa por M. Com-
prebendemos que assim fosse cscripto c pronunciado no século X V II;
porque, na lingua tupi. muitas vezes o p inicial se muda em m. O que
não comprehendemos, a não ser por corrupção, é a mudança do i ou e
em a ; visto como não achámos a significação para a syllaba Ma.
(**) A zevedo M arques , obra citada, na palavra Sesmarias.
0 titulo é de 10 de Outubro de 1532. Este titulo, bem como o da
sesmaria de Buy Pinto, estão transcriptos no capitulo XI da parte
histórica deste livro.
Também P edro T aques , Nobilia,rchia Paulistana, na Revista do
Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do B razil, XXXIV, parte
primeira, pag. 31, referindo-se a João Tires, bisneto de Piguiroby, escreveu:
« Foi abundante em cabcdacs, com estabelecimento de uma grandiosa
fazenda de terras de cultura em uma legua de testada até o rio Macoroby,
que lhe foi concedida de sesmaria em 1610, com o seu sertão para a
serra de Juquery. »
— 330

seguindo o curso do Piquiroby (o ra Rio-G rande (*) ató


que, encontrando o R io Pequeno, toma o nome dos Pinheiros ),
a affluir no Anhemby ( Tietê). A aldea, portanto, estaria á
margem do Piquiroby, mas adiante, no valle de Ururay. (**)
Al guns chronistas referem que os indigenas desta
aldèa foram transferidos posteriormente para S. Miguel, que
por isso foi denominado de U ruray; sendo capitão-mór,
loeo-teiiente do então donatario Lopo de Souza, Jeronym o
Leitão, o qual «concedeu-lhes terras por uma só sesmaria
lavrada aos 12 de Outubro de 1580, na qual consignou aos
indios dos Pinheiros seis léguas cm quadro na paragem
chamada Caraqdcuiva, e outras tantas aos de S. Miguel em
l 'rura;/. (***)
Parece <jue a antiga aldea de Ururay, de 1531,
fòra fraecionada cm duas, logo que João Ilam alho edificou
a villa de Santo André e que os padres da Companhia de
Jesus, fazendo demolir esta, fundaram a de S. Paulo, 1554
— I o GO; pois que o titulo da sesmaria de 12 cie Outubro
de 1;> 80 os presuppõe já estabelecidos nos clous lugares,
Pinheiros e S. Miguel (****). E tanto mais provável ó isso,
quanto ó sabido o costume dos indigenas de não manterem
suas aldòas muitos annos, no mesmo limar.
O
( ) Azkvkoo Maihícks, obra citada, na palavra P in h e i r o s ,
escreveu que os antigos também o conheciam por G e n jb a tib a . Mas, de
c u to, cia (.urji-tiha, «pinheiro muito». G e r y b a tib a era c c outro, que,
nascendo na mesma serra do Raranapiacaba, corro para o mar, a desem­
bocar quasi cm frente da cidade dc Santos.
. _ Ú") Muito depois houve outra aldea, dc Nossa Senhora da
oncen ao dos 1 inheiros, a margem do mesmo rio P i q u i r o b y , mas iá cm
sua íoz com as aguas do A n h e m b y ( T i e t ê ) .
( ) liei G
aspar d a M ;
aori dp D k u s , M e m o r ia s p a r a a
de S . V ic e n te , I , 164. Este escreveu U r a r a y • porém
h is to r ia d a c a p i t a n i a
M A C H A D O d m O m v m i r a , Q u a d r o h isto ric o d a p ro v in c ia , d e S . P a u l o , C S C r o v e
l V a r a r ,, quando narra a reunião dos transfugas dc P i m - t i n i n q a no mesmo
lugar em que, depois, foi a aldèa dc S . M ig u e l d c U r u r a y .
(_ ) Quem quizer conhecer a fundo a historia dos aldeamentos
na capitania dc S. Vicente e S. Paulo, leia a M e m o r ia sobre a s a ld ê a s
d e in d io s d a p r o v i n c i a d e S . P a u l o , pclo tenente-gciicral Jusii AliOUClIli
331

A verdade, em summa, é que, já naquelle século X V I,


não existiam vestígios alguns da alclêa U ruray, no vallc
do mesmo nome, mencionado no titulo de sesmaria de
R uy Pinto, passado e assignado em 10 de Fevereiro de
1533 pelo proprio M artini Affonso de Souza, sob o titulo
de governador das terras do Brazil, c ainda então não
donatario. (**)

DE Tolkdo R isNDON, na R e v i s t a d o I n s t i t u t o H is to r ic o , G e o g r a p h ic o e E th n o ­
g r a p h i e s d o B r a z i l , IV, pag. 295: 1842. Egualmeilte cscrevcu U r u r a y , c
não U r a r a y .
E tambcra Machado de Oliveira, N o tic ia , so b re a s a ld e a s d o s
in d io s d a p r o v in c ia , d e S . P a u l o d e sd e o se u co m eço a t é a a c t u a l i d a d e , lia
citada R e v i s t a , VIII, pag. 204: 184G.
A aldôa do S. Miguel foi fixada ao longo do rio U r u r a y , cm
seguida aos limites da data de João líamallio e seus filhos, correndo pelo
rio, tanto dc unia parte como da outra.
A dos Pinheiros, na paragem C o r o p ic u iv a , ou C o r o p u c u y b e , ao
longo do rio, dc uma parte; c, da outra, começando dos limites das datas
de Domingos Luiz e Antonio Preto.
(*) A zevedo M aroues, A p o n ta m e n to s h is to r ic o s , g e o g r a p h ic o s ,
b io g r a p h ic o s , e s ta tís tic o s e n o tic io s o s d a p r o v in c ia , d e S . P a u l o , no nome
S e s m a r ia s .
Os dous titulos, tanto o dc Pedro dc Góes, como o dc Ruy
Pinto, que deixámos transcriptos no capitulo XI da parte historica, são
importantíssimos para a geographia desse lado da provincia.
Mais importantes o são para confirmarem as chronicas da
capitania dc S. Vicente, quanto ao facto dc terem sido encontrados, em
1531, por Martini Affonso de Souza, os portuguezes João Ramalho e
Antonio Rodrigues, que já alii viviam, ha muitos annos, entre os indigenas.
O senador Candido Mendes de A lmeida, em urna Memoria
denominada N o t a s p a r a , « h is to r ia p a t r i a , e publicada na R e v i s t a d o
I n s t i t u t o H is to r ic o , G e o g r a p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l , XL, pags. 163
e 277, segunda parte, 1877, pretendendo provar que o tal b a c h a r e l dc
Cananca era o mesmo João Ramalho, foi induzido em erro, ccrtamentc
por desconhecer o titulo de sesmaria dc Pedro de Góes. E, muito
prevenido contra frei Gaspar da Madre de D eus , chegou a attribuir-lhe
a in v e n ç ã o de A ntonio R odrigues ! Por accrescimo, illudido por palavras
ambiguas de uma carta do padre Antonio de Sá, dc 13 dc Junho de 1559,
não duvidou affirmar que João Ramalho já era fallccido em 1560; quando
c certo que, na sessão de 15 dc Fevereiro de 1564, da camara de
— 332

H a na historia silêncios inexplicáveis. E stá neste


caso a obscuridade que rodeou a pessoa e o nome do chefe
da tribu e aldêa de U r u r a y , P iq u ir o b y , eis que M artini
Affonso de Souza tomou posse do territorio P ir á - ti n i n y a , e
começou a distribuir sesmarias.

Um chronista moderno (*), narrando quaes eram as


nações indigenas que habitavam o territorio da capitania de
S. Vicente, nos limites da actual provincia de S. Paulo,
y u a y a n á s , tu p is, carijó s, além das do sertão, e expondo que
os, y u a y a n á s (**) tinham por principaes chefes, em serra
acima, o cacique T c b y re r á , com aldeas nos campos deP i r á -
tin in y a (***), e no littoral o cacique C a yu b i, ou, melhor,

S. Iaulo, foi lida sua escusa « dc nao poder aceitar o cargo dc vereador,
paia fjHO fôra eleito, por ser homem relho que passava de 10 annos».
0 testamento dc João liamalho, cm 3 dc Maio dc 1580, cuja
copia irei Gaspau da Madre dk Deus declarou ter em seu poder, não
nas M e m ó r ia s p a r a a h is to r ia d a c a p i t a n i a d c S. V ic e n te , COlUO trimcada-
nientc escreveu Azevedo Marques, com referencia ao nome J o ã o R a m a l h o ,
mas na A o t i c i a d o s a n n o s em q u e se d e sc o b ria o B r a z i l , publicada
\\i\. Revista supracitada, II, pag. 425, 1840, — aqucllc testamento existio
íealmcnte, O reteria a lg u n s n o v e n ta a n n o s d e assistência n e s ta te r r a . E
poi que ligar-se-lia im])ortancia a essa declaração dubitativa? A verdade
consta de outros documentos.

»8 P a r lo ^ M aC IIA D 0 DE O uvhoa, Q uadro h is to r ic o da p r o v in c ia de

Esci ovemos neste capitulo g u a r a n á s c c a r ijó s , por causa da


ícfcrencna a chronistas que assim escreveram os nomes dessas nações
gentílicas; mas segundo deixámos escripto no capitulo antecedente, 'são
(joia-mt c carib-úca. ’

_ (***) Frei Gaspar da Madre de Deus, Memorias para a


Instaria da capitania de S. Vicente, I, em nota ao § 154, affirma que
1 ira-tnunpa ou 1 iratmim, e um ribeiro, affluente do Tietê: e faz referencia
ao auto dc demarcaçao das terras de Braz Cubas, feito em S. Paulo em
0. ddcc ’ Agosto
Acosto C
dce vlob7.
n Suppoe
«a rta - dGmesmo
SCSmaria’ passada o T aP°r Jorge Ferreira aos
que seja m a n d u a t e h y . Azevedo
Maroues , porem, nos A p o n ta m e n to s h isto ric o s, g e o g ra p h ic o s, b io g r a p h ic o s
estatísticos e noticiosos da provincia de S. Paulo, no nome P ir a tin L a o
íefuta com vantagem, dizendo que, se em documentos antigos ha a palavra
r!° de c significando quo pelos campos desse nome passa um
no. Em verdade, não lia noticia dc tal rio P i r á - t i n i n g a . 1
Cahá-uby, com aldêas á margem do rio Gerybatiba (*) e
em outros pontos da costa, de sorte que a serra de P arana-
piacaba servia de linha de separação a essas duas confederações,
accrescentou: «A historia ainda faz menção da tribu TJruray,
pertencente á confederação guayaná, occupando um dos
recantos dos ^ campos de Pirá-tininga, e tendo por chefe o
cacique Piqniroby, que déra sua filha por mulher a Antonio
Rodrigues, companheiro de João Ramalho, e talvez socio
com este cm seu desterro. Desta tribu fundou-se a opulenta
aldea de S. Miguel, que, como as outras, não escapou á
commum destruição por que todas cilas passaram. »
Apos essa narração, o mesmo chronista não deixa
de mencionai o chefe da tribu Ururciy, por occasião da
descida de Tebyveça ( f*) e de João Ramalho^ com trezentos
sagitários, ao encontro de M artim Affonso de S o u za; mas,
apenas, para assignalar que foi precisa a sua annuencia ao
plano de bem receber os portuguezes da armada. Assim,
cscicvcu clle que João Ramalho « tivera por companheiro
nessa empreza a Antonio Rodrigues, que alliara-sc á filha
de Piqueroby (***), chefe da tribu Ururaig, depois de

(*) G e r y b a tib a , OU J u r u b a t u b a , como em geral o pronunciam.


Assim era denominado pelos indigenas, por causa da abundancia da
palmeira g e r iv á em suas margens. Nasce da serra de Paranapiacaba; e
sua fóz é quasi em frente da cidade do Santos. 0 titulo de sesmaria de
Pedro de Góes determina bem este rio.
(*) Deve ser escripto Tebir-içá, « formiga dam ninha», ou, de
outro modo T'iby-içá, « terra de formiga ».
Os campos de P i r á - t i n i n g a foram sempre infestados de uma
formiga conhecida por s a ú v a , que é corrupção da palavra y ç á - y h a ; e estas
formigas os selvagens e os mistiços apanhavam, e ainda hoje colhem para
comcrem-n’as depois de torradas, dizendo ser saborosas. Isto, porém, no
tempo proprio, denominado d o s i ç á s ; que é quando começa o verão.
O padre Ivo d ’E v u e u x , V ia g e m a o n o r te d o B r a z i l em 1613 —
1614, I, 43, refere que as vio na ilha do Maranhão, em abundancia
enorme, também destinadas á alimentação indigena, depois de torradas.
E’ curiosa a narração que acerca de taes insectos faz este escriptor.
(***) A zevedo Marques, A p o n ta m e n to s h is to r ic o s , g e o g r a p h ic o s ,
b io g r a p h ic o s , e s ta tís tic o s e n o tic io so s d a p r o v in c ia d e S . P a u l o , no nomo
C a y u b i , escreveu, citando Machado de Oliveira, que uma filha de
conseguir deste, á imitação do régulo de Pirá-tininga, sua
annuencia a favor do desembarque de M artim Affonso ».

De então cm diante, chronista algum dá noticia de


Piquiroby. Ignora-se se recebeu o baptismo ; se viveu ainda
muito tempo ; se recusou-se á communhão social com os
portuguezes. Apenas a historia registra que Antonio Rodrigues,
seu genro, obtivera uma sesmaria cm terras fronteiras ao
porto do T um iarú, cm S. Vicente, e ahi resid ia; e que
na sesmaria de Pedro de Góes, segundo o respectivo titulo,
fòra encravado o territorio pertencente á tribu Ururay,
figurando de língua ou interprete, e testemunha, na designação
das divisas, conjunctamentc com João Ramalho, o mesmo
já referido Antonio Rodrigues.

Quando os padres da Companhia de Jesus resolveram


convidar os indigenas para povoarem a sua villa de S. Paulo,
a fim de ser mais facilitada a catechese, não são mencionados
senão Tebir-tçá e Cayubi (*). E até o chronista, cujas
primeiras narrações já ficaram transcriptas (**), tratando da
escolha do local para a fundação do Collegio da Companhia
de Jesus, escreveu: < Eram os campos dc Pirá-tininga
habitados nesse tempo por algumas tribus de guayanás, que

Cayubi fazia vida marital com Antonio Rodrigues, — o companheiro de


João Ramalho!
11a manifesto equivoco \ porque, nos nomes Antonio Rodrigues c
João Ramalho , escreveu olle proprio o contrario, isto c, que Antonio
Rodrigues fazia vida marital com a filha de Piquiroby.
Nem M achado de Oliveira estampou cm sua obra, Quadro
historico da provincia de S. Paulo, aquclla inverdade, que A zevedo
M arques attribuio-lhc.

Mais dc um chronista, mesmo a outros respeitos, confunde,


algumas vezes, om suas narrações, estos dous personagens gentílicos,
Piquiroby C Cayubi.

( ' ) Liei (í a s 11a i! da Ma due DE D eos, Memorias pa ra a historia


da capitania de S. Vicente, I, 1GO.

( ,?) M achado de Oliveira, Quadro historico da província dc


S. Paulo.
335 —

obedeciam a Pebyreçã e Cayubi (*), os regulos que. con­


sentindo no desembarque de M artim Affonso, perseveraram
em lealdade para com os brancos, tudo em deferencia a
João R am alho......... Chegados os padres ao campo, e fitando
na formosa miragem do paiz que ante elles se distendia,
fizeram parada nas alturas sobranceiras ao rio Tam anduatehy
e ribeiro Anhamgabahii, e abi levantaram um rustico aposento
para abrigo, em que celebrou-se missa a 25 de Janeiro de
1554, dia em que se solemnisa a conversão de S. Paulo,
que dahi derivou seu nome a povoação que então se começou
a edificar naquellas paragens ; e, como para essa edificação
dependia-se de gente afeita a taes trabalhos, convidaram os
jesuitas a Pebyreçã e Cayubi para que com suas tribus viessem
levantar seus alojamentos nas visinhanças do sitio em que
haviam feito seu aposento; c assim o praticaram, cstabc-
lecendo-se Pebyreçã no local em que ve-se hoje o mosteiro
de S. Bento, e derramando-se os indios pela área que
depois servio de assento á actual cidade. »
Parece que Piquiroby já era fallccido; ou, aliás, foi
o chefe que não perseverou em lealdade para com os brancos,
visto que a chronica não refere senão tres, T eb ir-içá ,
P iquiroby e Cayubi, quando M artim Affonso de Souza
aportou á Bariqui-óca, ou, por corrupção, Bertioga. E ó
para crer que já fosse fallccido; porquanto o chefe que, em
1562, apparece á frente dos indigenas que atacaram a
nascente villa de S. Paulo, foi A ra ra y (**), irmão de

(*) Conservámos na transcripção o modo como o chronista


escreveu esses dous nomes. C a y u b i c também o nome de uma arvore.
A zevedo Maroues, A p o n ta m e n to s h is to r ic o s , g e o g r a p h ic o s , b io g r a -
p h i c o s , e s ta tís tic o s e n o tic io s o s d a p r o v in c ia d e S . P a u l o , escreveu T c b e r y ç á ,
sem dar a razão para isso.
(**) A zevedo M arques, A p o n ta m e n to s h is to r ic o s , g e o g r a p h ic o s ,
b io g r a p h ic o s , e s ta tís tic o s e n o tic io so s d a p r o v i n c i a d e S . P a u l o , 110 nome
A raray.
0 padre J osé de A nchieta, na carta de 16 de Abril de 1563
ao padre-mestre Diogo Laynez, preposito geral, não nomêa este chefe
indigena. Referindo-se a T e b iC - iç á , o qual, logo que soube do assalto
planejado contra a nascente villa de S. Paulo, « juntou logo toda a sua
— 336 —

Tebir -içá, conforme narra o mesmo já citado chronista, que


escreveu U rnray em vez de A raray.
Ou, quem sa b e ! este U rnray ou A ra ra y seria o
mesmo Piquiroby, pela semelhança do nome com o da
tribu deste cacique quando M artim Affonso de Souza desem­
barcou em fívriqui-óca, depois Pertioga? Mas, nessa occasião,
parentesco algum entre Piquiroby c T e b ir-içá, e portanto
entre as mulheres de Antonio Rodrigues e João Ramalho,
é mencionado. Nem o facto de serem ambos, T ebir-içá e
Piquiroby, — caciques, cada um de sua tribu, da nação
yoyá-na, attestaria tal parentesco; porque os aborígenes do
ijrazil, ainda nomades (*), e em constantes guerras, não
conhecendo outra maior virtude que o valor guerreiro, re­
pugnavam o governo dynastico, c elegiam seus chefes entre
os que, a semelhança dos heroes de H omero, eram os mais
babeis no exercício das mãos c dos pes e assim possuíam o
maior vigòr e a mais activa agilidade.

gente, que estava repartida por tros aldêas p e q u e n a s , desmanchando suas


casas e deixando todas as suas lavouras para serem destruídas pelos
inimigos », o padre José de A nchieta escreveu cm seguida: « e ainda que
alguns de seus irmãos e sobrinhos ficarão em uma aldêa sem o querer
scgmi, e um deites v in h a ju n t a m e n t e com os in im ig o s , e lhe mandou incutir
grande medo— que crão muitos e havião do destruir a villa, todavia teve
em mais o amor de nos outros e dos christãos do que o dos seus proprios
sobrinhos, que tem cm conta de filhos, levantando logo bandeira contra
odos tiles, c uma espada de pau mui pintada e ornada de pennas de
diversas cores, que c signal de guerra.» Alludindo ao assalto, escreveu:
\ -lcgai1K0 110' s, 0 f ,a> (l,lc f01 0 ohavo da visitação de Nossa Senhora,
dciao de manha sobre o rio Piratininga com grande corpo de inimigos
pintados c emplumados, c com grandes alaridos, ___ sendo cousa mara­
vilhosa que se achavuo ás flcchaclas irmãos com irmãos, primos com
pnmos, sobrinhos com tios, e, o que mais é, dois filhos, que erão christãos
detestavao comnosco contra seu pai, que era contra nós. »
n ))ri . 9 racsni° PacJvc -h)st: de A nchieta escreveu que Tebir'- iç á
t. leceia de camaras de sangue; e não faz referencia a ferimentos que
clle houvesse recebido nos combates.
( ) Após um certo espaço de tempo, queimavam as aldêas e
min procurar outro local, mais abundante em productos naturaes para
»'■ alrtías abandonadas, c q u e im a d a ? S
denominadas t a b a - o e m , « aldea que existio ». Por corrupção dizemos em
portuguoz ta p e r a , * a roça abandonada ». 1 ° S un
— 337

Seja, porém, Piqitiroby o mesmo Uritray , de que trata


M achado d e O liv eir a , ou o A raroy, de que trata A zevedo
M arques , ou seja este chefe de 1562 outro individuo, diverso
de Piqairoby, não é licito accusa l-o de deslealdade para com
os brancos, pois que entendia defender a patria e sua raça,
ameaçadas de servidão. Talvez o chefe de 1562, vendo
T ebir-içá installado na nascente villa de S. Paulo, tivesse
o mesmo pensamento do barbaro germano Arminio, quando
Julio Cesar, conseguindo a submissão de Segestes, outro
chefe naquella antiga nação barbara da Europa, assegurou-lhe
um asylo permanente na mesma sua provincia conquistada.
O chefe brazilico de 1562 teria dito aos indigenas de Pirá-
tininga: « Que pae magnifico! Que valente general! Muito
embora T ebir-içá vá viver em um terreno conquistado, os
filhos da guerra nunca poderá,õ perdoar a um homem que,
entre os rios Yryri-piranga (*) e Anhemby (**), não sente
pejo de haver concorrido para se verem todas as insignias
do poder luzitano (***). Assim, se entre vós ainda existem
animos bizarros, que a novos senhores c a novas colonias
prefiram a patria, os parentes, os costumes antigos, segui-me
pelo caminho da gloria e da liberdade, e abominae T eb ir-içá ,
que vos prepara os ferros de uma torpe escravidão.» (****)

Tudo isso alguns dirão que foi grande susceptibilidade

(*) Rio do C a s q u e ir o . O nome indigena allude ás o s tr e ir a s ,


avermelhadas pelas cascas do m a n g u e .
(**) Rio T ie tê .

(***) Martim Affonso de Souza havia promettido que os por-


tuguezes não se estabeleceriam em serra ácima; nem mesmo poderiam lá
ir a r e s g a ta r ou negociar com os indigenas sem sua licença ou a dos
capitães-móresseus loco-tenentes, a qual não se daria senão com muita
circumspecção, e unicamente a sugeitos bem morigerados. O unico excep-
tuado, segundo observa frei Gaspar da Madre de Deus, M e m o r ia s p a r a
a h is to r ia d a c a p i t a n i a d e S . V ic e n te , I, 115, foi João Ramalho, certamente
por já residir na aldêa de P i r á - t i n i n g a .
(****) Tacito, A nnaes, I, 57, 58 e 59, onde póde ser lido o
discurso de Arminio.
— 338

dc patriotismo; mas os factos posteriores provaram que os


infelizes indios haviam 1presentido em 1562 a desgraça
o “ da
escravidão.

Segundo um escriptor notável, « o genio de nm povo


resulta de um facto primitivo, de um facto mysterioso,
analogo a um facto cosmogonico; se ha alguma possibilidade
dc o assignalar, ha absoluta impossibilidade de o explicar (*).
Como os povos, as familias têm também sua cosmogonia: —
um facto mysterioso, apenas assignalavel, mas impossivel de
ser explicado, preside á sua origem e á sua formação.
deixado a sombra pelos chronistas, — elle
P iq u ir o b y ,
o progenitor indigena do famoso paulista Amador Bueno dc
Ribeira e dos illustres Rendons, desafia as investigações de
todos os que têm interesse na historia nacional. Decorridos
mais tres ou quatro séculos, P iq u ir o b y tornar-se-hia um mytho,
se P edro I aques, tendo necessidade de apurar os antepassados
dc D. Mécia Fernandes, casada com Salvador Pires, oriundo
de familia nobre portugueza, não desencovasse no cartorio
de notas, hoje o primeiro, da já então cidade de S. Paulo,
o testamento daquclla notável matrona paulista. Segundo o
mesmo P edro I aques, N o b ih a r c h iu P a u lis ta n a , no titulo dc
P ir e s (**), esse testamento declarava que a testadora,
« vulgarmente chamada pelo idioma brazilico M e s s in ç ú (***),
que quer dizer «Mecia-grande », natural de S. Paulo, era filha
de Antonio Fernandes c de sua mulher Antonia Rodrigues,
a qual procedeu dc Antonio Rodrigues e de Antonia &Ro-
(*) P. &. B allakohe, E s s a is de p a lin g e n é s ie s o c ia le , Prefacio.
E’ esta nma obra notável. 0 systema deste escriptor é — que
a humanidade está preparando sua rcliabilitação mediante expiações
providenciaes.
• i. ) R e v i s t a d o I n s t i t u t o H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o
B r a z il. XXXIV, parte primeira, pag. 8.
(***) Outros escreveriam M e s s i- o p L
— 339

drigucs, baptisada pclo padre Anchieta (*), filha do maioral


de U ruray (**), chamado Piqniroby ».
A filha mais velha de D. Mécia Fernandes, de nome
M aria Pires, casou-se com Bartholoineu Bueno de R ib e ira ;
.este foi o pae do famoso A mador B ueno de R ibeira , o
acclamado R e i de S. Pendo em 1 6 4 1 : — acclamação a que,
de espada cm punho, fugira, para não aceitar a corôa que
pouco antes soubera rejeitar.
Mas, este facto, tornado legendário (***), teve neces-

(*) Este facto é contestável. 0 padre José _ de Anchieta,


confrontados os tempos, não podia ter administrado o baptismo á filha de
P i q u i r o b y ; a não admittir-so que cila estaria à espera que o grande
thaumaturgo se habilitasse a administrar-lh’o.
O padre José de Anchieta nasceu em Tenerife a 7 de Abril de
1534; ainda em 1560, quando foi destinado ao apostolico ministerio das
missões cm S. Paulo, não tinha todas as ordens sacras, pois que, só cm
1566, as foi receber, na Bahia, das mãos do segundo bispo do Brazil,
D. Pedro Leitão.
Peduo Taques confundio sem duvida D. Mécia Fernandes com
ã avó, Antonia Rodrigues, filha do maioral de U r u r a y . Só D. Mécia
Fernandes poderia ter sido baptisada pelo padre José de Anchieta.
Vér adiante a genealogia, Linha A, I.
(**) Peduo Taques escreveu H u r u r a h y . Sôa o mesmo que
U ruray.
(***) Não tom faltado quem queira contestar este facto historico.
Mas, Peduo Taques, N o b ilia r c h ia P a u l i s t a n a , na R e v is ta d o I n s t i t u t o
H is to r ic o , G e o g r a p h ic o e E tlm o g r a p h ic o d o B r a z i l , XXXII, parte primeira,
l.° trimestre de 1869, o affirma c comprova: «Este facto da intentada
acclamação de rei, que não aceitou Amador Bueno, se 16 no Archivo da
camara da villa capital de S. Vicente, no livro grande de registros,
tit. 1684, fl. 125 até fl. 126. No mesmo Archivo, tit. 1684 até 1702,
fl. 125, se acha a patente de Arthur de Sá a Manoel Bucno da Fonseca,
em que se declara a lealdade de Amador Bueno, sendo acclamado pclo
povo; a qual patente confirmou el-rei D. Pedro II cm 23 do Novembro
de 1701, registrada em S. Vicente no liv. tit. 1702, fl. 1 v. »
Como, pois, contestar esse facto historico, cujas provas officiaes
devem ainda existir em Lisboa ? Infelizmente, o archivo da camara de
S. Vicente tem sido destruído ; mas, ahi estão os testemunhos de Peduo
Taques e de frei Gaspau da M adue de Deus, os quaes viram os livros
supra-mencionados. Com que critério podem ser impugnadas suas affir-
mações? Não hasta negar o facto; ó necessaria ainda a demonstração
de que aquelles chronistas fizeram citações falsas das fontes em que
hauriram a narração desse grande facto.
340

sariamcnte uma causa mysteriosn, dc que os hespanhóes foram


méros instrumentos. Nessa epocha, outro notável paulista,
L ourenço C astanho T aciues — o velho (*), disputava a
A mador B ueno de R ibeira a primazia social, tambern por
suas virtudes, por sua honorobilidade, por sua riqueza, e,
mais ainda, por seu sangue puramente europeu, — portuguez-
hespanhol-flamengo. Eram duas raças em conflicto. Certamente,
a Providencia quiz, ainda que por momentos, revelar em
A mador B ueno d e R ibeira a verdadeira proeminência, a
exemplo de Romulo e dc Remo (**), pelo sangue brazilico que «
lhe corria nas veias. A figura régia de P iq u ir o b y , maioral
de U r u r a y , reapparecia naquelle seu illustre descendente,
trans-animado em condição a mais extraordinaria, também
ainda para attestar que, não talvez T e b i r - i ç á , mas ellc —
P iq u ir o b y , era o chefe principal da nação g o iá -n à . (***)
(*) Yêr adiante a genealogia, Linha B, IV.
(**) Ovídio, F a s to s , III, 65, 73 e 74:
U t g e n a s a u d i e r a n t , a n im o s p a t e r e d itu s a u g e t.
............... d e c a ja s s a n g u in e n a tu s
C r e d o r ; et, u t c r e d a r , p ig n o r a c e rta d a b o .

(***) Em verdade, as chronicas dão sempre como principal chefe


da nação g o iá -n à o mencionado T e b i f - i ç á ; mas, concorreram para isso
varias circumstandas. Os portuguezes, não conhecendo a organisação
politica dos indigenas, deixaram-se induzir pelo que lhes narrara João
Ramalho ( genro de T e b i f - i ç á ), cuja audacia se manifestára desde que
Martim Affonso de Souza aportara á B a r i q u i - ó c a , ou B e r tio g a . Antonio
Rodrigues ( g e n ro d e P i q u i r o b y ) , mais modesto, não julgaria talvez con­
veniente contradizêl-o; se ó certo que fôra presente á tal conferencia.
T e b ir -iç á , pois, ficou considerado o principal chefe, mesmo porque
permaneceu a ll i a d o ; ainda que os factos posteriores patentearam sua
impotência ou falta dc autoridade para obstar á revolta dos indigenas,
1556— 1562, sendo apenas chefe do tres p e q u e n a s aldêas, como o padre
José de A nchieta relata na já citada carta de 16 de Abril de 1563.
Para hem averiguar este ponto, convém não perder de vista o
costume dos ch efes p r in c ip a e s , tal qual o mencionam o padre Ivo d’Evkeux,
V ia g e m a o n o r te d o B r a z i l e m I G F ) — 1 6 1 4 , e os chronistas que viajaram
o paiz. Esses ch efes p r i n c i p a e s não eram os primeiros a procurar os
estrangeiros; segundo a phrase expressiva do citado padre Ivo d’E vreux,
assim procediam prudentemente, « desejando, antes de tudo, vêr o que
clles queriam, por que tinham vindo aqui, e como se estabeleceriam».
Como, portanto, acreditar que T e b i r - i ç á , enviado a examinar o que havia,
— 341

R e i de S. P a id o ! Teria sido ura arrojo ridiculo, se


não incidisse realmente no successor daquelle que, ha um
século, fora o primeiro m nruxáua dos aborigenes brazilicos
que povoavam Pird-tininga.
Viva Am ador Teria sido uma
Bueno, nosso R e i!
acclamação popular sediciosa, se não fòra a expressão de um
juizo acerca do direito magestatico que A mador B ueno d e
R ibeira , transfigurando inconscientemente em si aquelle rei
brazilico, seu primeiro ante-passado, readquirira, eis que
D. João IV se fizéra acclamar contestadamente Rei de
Portugal e de seus dominios.
Viva D . João I V , nosso R ei, pelo qual darei a
vida! Real, real por D . João I V , R e i de P ortugal!
Teriam sido gritos de inexplicável cobardia cm tão valoroso
paulista, se não fòra a confirmação do acto de Piqiároby,
abdicando, mais de um século antes, sua autoridade régia
nos Reis da dynastia de Aviz e em seus successores. (*)
era o chefe 'p r in c ip a l ? Porque faltaria elle ás regras politicas e ás
conveniências guerreiras ? Tudo concorre para affirmar que T e b ir '-ig á ,
comquanto maioral de tres p e q u e n a s aldêas, representaria, nessa especie
de reconhecimento, apenas o maioral da nação, que era P i q i á r o b y .
A verdade é que, em 1641, P i q i á r o b y foi mostrado em Amador
Bueno — ter sido O v e r d a d e ir o p r i n c i p a l ch efe da nação g o iá -n à .
Na phrase de B ossuet, em seu D i s c u r s o so b re a h is to r ia u n iv e r s a l ,
referindo-se á acção Providencial sobre os povos, « quem pretende entrar
a fundo no conhecimento das cousas, deve ir buscar a sua origem, e
começar de mais longe ». Na historia, não ha acasos. S p i r i t u s D e i s u p e r
a q u a s .. . .

(*) Frei G aspar da M adre de Deus, M e m o r ia s p a r a a h is to r ia


da d e S . V ic e n te , I, 181, narrando que Amador Bueno de
c a p ita n ia
Ribeira, logo que recolheu-se ao mosteiro de S. Bento para escapar á
acclamação popular, mandára chamar algumas pessoas principaes, e os
ecclesiasticos mais respeitáveis, accrescenta: « Vierão logo uns, e outros,
e todos unidos ao dito Bueno íizerão comprehender aos circumstantes que
o Reino pertencia á Serenissima Casa de Bragança, e que delle se acharia
esta em posse pacifica desde o dia da morte do Cardeal Rei D. Henrique,
se a violência dos Monarchas Hespanhóes não houvera suffocado o seu
Direito. »
Fica assim averiguado que o motivo da acclamação popular era
o direito contestado a D. João IY.
342 —

Também, após esse grandioso facto, somente proprio


de tempos e de homens heroicos, A madou B ueno d e R ibeira ,
como que cançado do papel immenso, que representara, de
ilhiminar coni suas excelsas virtudes civicas a mauestade
o
gentilica de seu primitivo progenitor no Brazil, recolheu-se á
vida privada, e a historia desde então rodeiou-o egualmeute
de silencio : até que o capitão general A rthur de Sá e
Menezes, em uma patente de capitão e governador da com­
panhia dos officiaes de guerra reformados, juizes e vereadores
que tivessem servido na camara de S. Paulo, por elle
passada a Manoel Bueno da Fonseca, cm 3 de Março de
1700, depois de relatar alguns serviços deste, concluio-a nos
seguintes honrosos term os: « E, quando não bastaram estes
serviços, era merecedor de grandes cargos, por ser neto de
Amador B ueno, que, sendo chamado pelo povo para o
acclamarem Rei, obrando como leal e verdadeiro vassallo,
com evidente perigo de sua vida, clamou dizendo que
vivesse h l - R e i D . J o ã o o T V , seu l i e i e S e n h o r , e que,
p e la fid elid a d e que devia de vassallo, q u e r ia m o r r e r n esta
d e fe n s a .... » (*)

Sem embargo, ainda os preconceitos produziram nos


ehronistas alguma hesitação. Naquelles tempos, séculos X V I,
XVII, X V ÍÍÍ, as principacs familias não queriam descender

(*) Esta patente, confirmada por El-Rei D. Pedro II em 23 de


Novembro de 1701, mereceu então, por accrescimo, a seguinte honrosa
declaração régia: « E, ultimamente, por ser neto de Amador Bueno, leal
e \ ei dadei io vassallo de minha Coroa.» Esta mesma honrosa commemo-
ração foi feita por El-Rei D. João V, em 20 de Novembro de 1704,
quando foi armado cavallciro da, ordem de Christo o já referido Manoel
Bueno da Eonseca.
Esta patente, em seus termos, demonstra jjue não foi uma l e n d a
a acclamação de Amador Bueno de Ribeira para R e i d e K P d ü I o T J q n e ,
ainda quanto a este facto, deixou-se illudir o senador Candido Mendes
de A lmeida , nas ja citadas J S o t a s s o b r e a h i s t o r i a p a t r i a .

Dizemos — le n d a — , no ‘sentido em que elle a empregou; isto é


in v e n ç ã o . ’
No bom sentido, a empregámos na nota segunda, pagina 91.
de índios (*); e, pois, seria imprudência devassar-lhes a
procedenda indigena. Existiam rnesmo familias como a
originada de Antonio Rodrigues de Almeida (**), toda de
sangue europeu, portuguez-hespanhol-flamengo, que faziam
disto um dos titulos de sua alta nobreza. A familia de
Antonio Rodrigues de Almeida, porém, por secretos desígnios
de Deus, em 1700, cruzou-se com a de Antonio Rodrigues,
e portanto com a de P iq u iro b y : isto é, D. Francisco
Matheus Rendon (*##), descendente de P iquiroby , casou-se
com D. Maria de Araujo, filha do capitão-mór governador e
alcaide-mór da capitania de S. Vicente e S. Paulo, Pedro
Taques de Almeida (****), descendente de Antonio Rodrigues
de Almeida.
Mas, se os chronistas estranhos assim procederam,
por medo ou por cortezia, é censurável que um homem
illustrado, como frei G aspar da M adre d e D eus, contando,
segundo elle proprio escreveu em suas Memorias para a
historia da capitania de S . Vicente, I, 184, entre os seus
terceiros avós a Amador Bueno, e portanto a Piquiroby,
entrasse também nessa conspiração de silencio em redor da
(*) O governo teve necessidade de acudir com uma providencia
a esse preconceito. Pelo alvará de 4 de Abril de 1755, em ordem a
promover os casamentos e allianças entre brancos e indios, El-Rei houve
por bem declaral-os ise n to s d e i n f a m i a ; ficando, os que assim se casassem,
e seus descendentes, muito babeis para os cargos, e até com preferencia
para qualquer emprego, honra ou dignidade. Foi também prolubido pelo
mesmo alvará, sob pena de procedimento criminal, dar aos indios, e aos
seus descendentes, puros ou mistiços, o nome cie c a b o c lo s , ou outros
semelhantes, que pudessem reputar injuriosos.
E’ necessario, entretanto, não esquecer que a melhor nobreza da
capitania da Bahia descendia da india P a r a g u a s s ú , que se casára com
Diogo Alvares Corrêa; e que a familia Albuquerque Maranhão, desde
Alagoas até o Rio-Grande do Norte, descendendo de Jeronymo de
Albuquerque, descendem de uma india, mãe deste.
(**) Vêr a genealogia, Linha B.
(***) Vêr a genealogia, lanha A e Linha B, para o começo da
Linha A e B.
(****) Vêr a genealogia, Linha B, V.
E a Linha A e B, I.
344

figura deste chefe indigena. Por egual, P edro T aques de


A lmeida P aes L eme , fazendo a genealogia das familias
nobres de S. Paulo, com as quaes era aparentado, e devendo
fazêl-a completa e muito ordenada, não está isento de soffrer
a critica de ter quasi occultado aquelle illustre progenitor
brazilico, sob a pressão sem duvida dos taes já mencionados
preconceitos. Em sua J Y o b ilia rc h ia P a u lis ta n a , em vez de
abril-a com o nacional nome de P iq u ir o b y , preferio a este
o liespanhol Bartholomeu Bueno de Ribeira, que, segundo
elle proprio confessa, só « passou-se para S. Paulo, nos
princípios da sua povoação, em 1571 »! Por que e para
que occultar os ascendentes de I). Maria Pires, que casara-se
com Bartholomeu Bueno de Ribeira? Elle limitou-se a
declaral-os no titulo da familia P i r e s ; e mesmo isso entre
um parenthesis!

D irão: <c P iq u ir o b y não póde ser considerado o


progenitor da n o b re za paulistana, porque sua filha casou-se
com um plebeu, o portuguez Antonio Rodrigues. »
Em frente de meras opiniões, existia a legislação,
que foi sempre expressa no sentido de adquirir o filho, por
intermedio da mãe, a nobreza da familia desta: « E se
quiserem tomar somente estremas as armas da parte de
suas mãis, podeloam fazer. » (*). A legislação portugueza,
em verdade, não desconheceu em tempo algum a nobreza
proveniente das mães (**). E certo que a mulher não
(*) Ordenações Manoelinas — L. 2.° tit. 37 § 2.° E as Orde­
nações Filippinas — L. 5.° tit. 92 § 4.° repetiram a mesma declaração,
ip s is v e rb is.

As sobreditas Ordenações Manoelinas, que eram as que vigoravam


em 1531, no mesmo L. 2.° tit. 37 § 11, dispunham: «Item mandamos
c defendemos que ninhuu homê nem molher d’ qualquer sorte e qualidade
j que seja: nom se possa chamar nem chame de d o m : se lhe nom pertencer
I de direito por via de seu pai ou avô de seu pai. . . . E has molheres lio
f poderam tomar de seus pais ou mãis ou sogras que o dito d o m dereyta-
I mente teverê: com o s e m p r e n e s te r e y n o se c o stu m o u , t
(**) Ordenações Manoelinas, L. l.° tit. 55 prine, e § l.° Con­
fira-se as Ordenações Filippinas, L. l.° tit. 74 § 4.°, e L. 5.° tit. 92
§ 6.°
345

transm ittia ao marido plebeu a sua nobreza; é certo mesmo


que, na constância do matrimonio, seguindo ella a condição
do marido, não poderia usar das regalias e dos privilégios
de sua condição nobiliária: não perdia, porém, nem poderia
perder uma qualidade hereditaria que apenas retinha para
passar aos filhos. As opiniões de jurisconsultos (*), em
contrario a esses principios, foram obra do interesse ou dos
prejuizos das familias nobres, a fim de evitarem os casamentos
com plebeus. A natureza, porém, é sempre mais forte que
as regras humanas. J á Ovimo (**), fallando da nobreza de
Evandro, assignalava que era muito mais nobre pela parte
da m ãe que pela do pae :

H ic fu it E vander: qui, quamquam, clarus utroque.


Nobilior sacrae sanguine matris erat.

E V irgílio (***), comquanto a incerteza da geração de


Drances, rival de Turno, pelo lado paterno, não duvidou
affirmar sua nobreza pelo lado materno :

......... genus huic materna superbum


Nobilitas dabat, incertum de patre ferebat.

Nem podia ser de outro modo. Desde que, pela


dispersão dos povos, o systema patriarchal enfraqueceu-se e

(*) Arouca, Portugal, Mello F reire, citados por Borges


Carneiro, D i r e i t o c i v i l , § 45, n. 40. E’ ahi também citado Piiebo com
uma decisão, no mesmo sentido da dos jurisconsultos referidos; mas é
certo 0 proverbio francez: L e s a r r ê ts s o n t b o n s p o u r c c u x q u i le s o b tie n n e n t.
Além de que é conhecido o principio: N o n u t e x r e g u là j u s s u m a t u r , s e d
e x j u r e q u o d est r e g id a j i a t . ( L. 2, Dig., d e r e g u lis j u r i s . )
(**) Ovidio, F a s t o s , I, 471 e 472.
(***) Y i r g i l i o , E n e i d a , XI, 340 e 341.
Conhecem os entendidos a tambem celebre passagem da O d y s s e a ,
de Homero, I, quando Minerva encontra-se com Telemaco, e Ilie diz que
elle é filho de Ulysses. Telemaco responde: « Minha mãe, a casta Penelope,
attesta que sou filho desse heróe, mas eu o ignoro. E’ ella o te s te m u n h o
m a i s s e g u r o d i s s o ; ninguem por si mesmo conhece os autores dc sua
raça. »
— 346 —

afinal desapparcceu de todo, a familia passou por successivas


transformações, Ao principio, não havia outro parentesco
senão a tribu cá que cada um pertencia; depois, o unico
parente era a mãe, e não o pae; depois só o pae, e não
a m ã e ; ultimamente, sob a influencia do Christianismo,
tanto o pae como a mãe. Mas, em verdade, o systema do
parentesco materno ó o mais natural e o mais fo rte; e, na
phrase de um escriptor, « é um prolongamento effectivo do
cordão nmbelical de mulher em mulher ».P or que, pois,
estranhar que, assim como « só o nome das mães descia o
curso das gerações », a nobreza se transmittisse então mais
pelo parentesco uterino do que pela paternidade, mesmo
quando os costumes matrimoniaes já estavam em via de
restauração ? Accrescia que a maternidade foi sempre um
facto certo: so o laço material do cordão nmbelical, com
eíleito, pode determinar com certeza, ainda hoje, o agru­
pamento de uma descendência physica. (*)
Demais : a nobreza não vale tanto, como a le­
gitimidade, para a formação da genealogia. Foi ou não
P iq u ir o b ij , cacique na nação g o iá -n à , ou simples maioral da
aldea L r u r a g , o progenitor primitivo de todas essas familias
paulistas, mencionadas por P e d r o 'Ia q u e s, na N o b ilia r c h ia
P a u lis ta n a ?

(•) Segundo o já citado escriptor, A. Giraud-Teelon, L o


o a m n o d e la fa m ille , Genebra, 1874, o facto natural da maternidade, não
(j P.nic.p.o do poder paterno, tem regulado o parentesco e a genealogia
de mudos povos, c, nesta conformidade, c transmittido o direito dc
successae, hm geral, nos povos americanos, assim era, como o expõe
largamente o padre jesuita J. F. L a c ta i:, M o ,« r s d e s s a u v a i s compare*
nu, e m veu rs de* p r e m ie r s te m p s , Paris, 1725, H is to ir e d e s d e e d , v e r te s et des
( o n q v e te s d es 1 o r tu g n is d a n s le n o u v e a u m o n d e , Paris, 1733.
Kntre os Lycios conforme narra H ero d o to , sc alguem era
nqcnogado s o r e a família á que pertencia, indicava a genealogia da
co in os í n c r i n i 08 ?° ,r ° r e g u a 1 ’ segl,ndo P olybio, acontecia
uterina. L ’ de tambem a n°hreza s o era transmittida pela genealogia

Assim, portanto, nao o era somente nos povos americanos h


mesmo na Grécia o em Roma, o principio da familia agnatica não foi
adquiiido c firmado senao apos uma longa série dc transformações.
— 347 —

Eis a unica questão, que procurámos elucidar.


E, nesta investigação, foi-nos agradavel verificar que
Piqitiroby existio, e foi um rei brazilico. (**)

^6 O^

(**) E’ util bem explicar a origem c a denominação dos tupi-


nà-ki. Esta denominação não era a que dies mesmos se attribuiam ; mas
a que os tupi-nà-abá e depois tambein os carib-óca lhes deram por causa
de andarem sempre cm condictos. Tupi-nà-k\ significa, como ja deixámos
cscripto, « tupi, parente máu ». O nome dessas tribus, que, separando-sc
dos tupi-nà-abd cm sua migração, installarain-sc na costa, ao longo do
mar, do rio Camamú ate o rio Cricaré, era tupi-nà, « tupi p a re n te ».
Tor causa das guerras com os tupi-nà-abá, naquella região, estes os
designaram desde então como « parentes m á u s», accrescentando-lhes ao
nome da nação, tupi-nà, a palavra Aà, « espinho ». Ao norte dessa região
foi sempre desconhecida entre os indigenas a denominação tupi-nà-k\.
Isto mesmo resulta do que G abriel S oares , cm seu Roteiro
geral, 39, deixou averiguado até certo ponto naquella epocha 1587.
Escreveu elle : « . . . o gentio Tupiniquim senhoreou c possuiu a terra da
costa do Brazil, ao longo do mar, do rio de Camamú até o rio de Cricaré,
o qual tem despovoado esta comarca fugindo dos Tupinambás, seus
contrários. . . Esse gentio c os Tupináes descendem todos de h » tronco, c
não se tem por contrarios verdadeiros. . . Este gentio . . . tem a linguagem,
vida e costumes e gentilidades dos T upinam bás... E ainda que sao
contrarios os Tupiniquins dos Tupinambás, nao ha entre ellcs na lingua
c co stu m es... differença. . . São homens valentes, caçam, pescam, cantam,
bailam como os Tupinambás, c nas cousas de guerra sao mui industriosos,
c homens para muito, de quem se íaz muita conta a seu modo entre o
gentio. »
Os goiá-nà, de Pirá-tininga, sendo, por um lado, parentes dos
goiá, o eram, por outro lado, tambein dos tupi, c portanto tupi-na. E a
razão por que eram egualinente denominados tupi-nà-ki toi por cruzamento
com os tupi-nà que receberam cm 1500 a Pedro Alvares Cabral e que,
por já então estarem separados dos tupi-nà-abá, eram assim denominados
por estes.
Confiram-se com esta explicação o texto c as notas, nas paginas
298 e 299,
linha b .
LINHA A. ---__ -
CAPITULO QUARTO

L I N H A —A
A L inha A desta genealogia tem por progenitor
brazilico o cacique Piquiroby. Desta Linha procedem, como
já foi referido, o legendário Amador Bueno de Ribeira e,
por este, os Rendons.
P or parte de D. Maria Pires de Medeiros, filha de
Salvador Pires de Medeiros, — este filho de Salvador Pires
e de sua m ulher D. Mécia Fernandes, a qual D. M aria
Pires de Medeiros foi casada com Antonio Pedrozo de
Barros, filho do capitão Pedro Vaz de Barros, e de sua
mulher D. Luzia Leme, descendem também de Piquiroby
os Souza Queiroz, os Souza Barros, os Paes de Barros. A
referida D. M aria Pires de Medeiros era prnna-irm a de
Amador Bueno de Ribeira, cuja mãe, D. M aria Pires, era
irm ã de Salvador Pires de Medeiros.
Deste mesmo Salvador Pires de Mcdeiios foi genro
Domingos Jorge V elho; o paulista celebre que, com o
portuguez Domingos Affonso Mafrensc, penetrou os ínvios
sertões da capitania do Piauhy, como já referimos na historia
da capitania de S. Vicente e na do Estado do Maranhao.
E ram tam bém Pires — Francisco Dias de Siqueira e os outros
que lá andaram naquellc Estado.
#
— 350

Por parte de Salvador Pires — o velho, irmão de


Manoel Pires casado com D. M aria Bicudo, cuja filha
D. M argarida Bicudo casou-se com Filippe de Campos, e
poi outios posteriores consorcios, esta L inha A é aparentada
com os Bicudos e os Campos. Um dos filhos de Filippe
de Campos, de nome Manoel de Campos Bicudo, foi casado
com D. Luzia Leme de Barros, filha de Antonio Pedrozo
de Barros e de D. Maria Pires Monteiro, e portanto
descendente de Piquiroby.

Por filhos de Amador Bueno de Ribeira, e seus


casamentos, os Preto Moreiras, os Camargos, e outras familias
notáveis, também descendem de Piquivoby,

Muitos descendentes de Piquiroby, por falta de estudos


genca ogicos, tom estado na crença de que seu progenitor
brazilíco foi o tão celebrado T cb ir-içd ; c com essa illusão
julgam-se hsongeados, ignorando ccrtanicnte que as primeiras
famílias da capitania de S. Vicente e S. Paulo procedem
fjuasi somente do Püpnroby, e que, sc este não foi superior
a aquelle em autoridade, não lhe era inferior sob qualquer
rei aça o política. ^ 1

"v d cT^“
I
Antonio Rodrigues, português, c a sa d o jg ^

Rodrigues, selvagem, filha de Piqiiiroby

A ntonio R odrigues (*) já residia na capitania, que


depois foi denominada S. Vicente, fazendo vida marital com
a filha de P iquiroby, chefe de uma aldêa de indígenas

(*) O senador C â n d i d o M e n d e s d e A l m e i d a , Notas para a


historia patria, na Revista do Instituto Historico, Geographico c Ethnogra­
p h ic do Brazil, XL, pags. 103 e 277, parte segunda, 1880, a proposito
dc querer provar, infundadamente, que João Ramalho era o bacharel tic
Canànéa, attributo a frei G a s p a r d a M a d r e d e D e u s a invenção cie
A n to n io R o d r ig u e s, que vivera maritalmente com a filha do cacique
Piquiroby.
Além do testamento de 1). Mécia Fernandes, neta de A n t o n t o
R o d r ig u e s , citado por P e d u o T a q u e s , ha o testemunho do padre J o r g e
M o r e i r a , nas M e m ó r i a s por clle escriptas no meiado do século X V II,_nas
quaes apoiou-se frei G a s p a r d a M a d r e d e D e u s . E, sobretudo, o titulo
de sesmaria de Pedro Góes.
Demais: ha o testemunho da tradição em Santos c em S. Vicente;
c até em frente ao porto do Tumiarú é assignalado o local de sua casa.
Também frei G a s p a r d a M a d r e d e D e u s não podia tci inventado
o primeiro progenitor portuguez de Amador Bueno. Retrocedendo no autem
genuit, seria encontrado necessariamente A n t o n t o R o d r i g u e s , companheiro
de João Ramalho.
Frei G a s p a r d a M a d r e d e D e u s refere-se ao padre J o r g e
— 352 —

Goià-nà cm U ruray (*), assim como João Ramalho, também


portuguez, com a filha de T eb ir-içá , chefe maioral de outra
aldêa de goia-na em Pira-tininga, sobre a serra, quando
M artini Affonso de Souza entrou a barra de Biiriqiti-óca,
por corrupção Bertioga, cm 22 de Janeiro de 1531.
Assim, apos a conquista desse territorio para seu
Rei, A ntonio R odrigues apressou-se a legitimar seu casamento

M oreira na N o t i c i a d o s a n n o s c m q u e s e d e s c o b r i a o B r a z i l , publicada na
f n T í r Clta- a’ I!’ 1>ag\ 425t ; 184°- * DiS° portuguezes no plural, porque
cias Memoiias do padre Jorge Moreira, escriptas no meio do século
passado, consta que com João Ramalho veio Antonio Rodrigues, o qual
H ururahy10»’ CílSara C°m uma filha de Piquirobi, Cacique da aldêa de

i»r .. . iodav,a, frei Gaspar da Madre de D eus, cm sua mencionada


, aVaUi°rUCn rg1Umentando com a dcclar»Ção de João Ramalho, em seu
testamento de ío 80^ de coutar então <a l g u n s 90 annos de assistência no
aoiielh* aSr ” expnmir' sc’ ®cm pretender fixar em noventa annos
aquella assistência, h accresce que ja estaria com a memoria enfraquecida.
frvrav, nome do uma serra c de um pequeno ribeiro auc
alh nasce, era também a denominação da aldêa. ^

conccdidafe»or'^M'iwím í ej cril’ç í° d° Iimilcs "»s «talos das sesmarias

“ 1533*a fidalgos^da
facilmente verificada ° * * den0» i"»a '> V n r ^ ai”da pode ser
O primeiro titulo declara: « nelo ciminhn do r>- ■
mar para S - P a " '° ) a entest“r oom a serra que^está
dn to ( 1 a r a n a p i a c a b a ) e dahi por 'uma ribeira que vem iielo dp
da serra que chamam M a r o r é e dahi dentro no pé da serra de p ! P
c s tl'n a b i r n ° d o ° r i o ° / ? * e,ntestar ™ a ^ t Z l l 7 $
a b a n a do 110 c >'l>atao, onde vem dar a ribeira Ururay ) » 1

o valle de L ir a ,, indo a J ate chegar sobre


parece que fenece por alli junta, e dclle v e ^ rp o T d b f d o ^ L ^ 1^ / ’ ^
c te iS n f r ,?
metter no m ar e outeiros escalràdos. . . . Conforme r a t e 'u t a t o ^ r r * " S°
fica para a banda do Norte, com referencia á
Lsses dons titulos podem ser lidn« , .
M a n o rn s, A P o,„amen,osIMcos, J2„ s t . AzBVKÜ0
noticiosos da p , * S. ’ / » 1 n a , ’J Z , ** «
capitulo XI da parto histórica deste livro * m m ” ; 0 n0
353 —

á face da egreja: precedendo, com o nome de A ntonia, o


baptismo (*) da bella e gentil princeza selvagem, cujo amor,
casto e sincero, lhe fòra, certo, o unico escudo para a salvação
da v id a : — então que, abandonado por algum navio, ou
quiçá naufrago (s e não era um dos profugos grumetes da
arm ada de Pedro Alvares Cabral, como já por suspeita
deixámos d ito ), os indigenas o aprisionaram, com destino
sem duvida a algum grande banquete, preludiado pela
ceremonia dá entrega da mais linda joven da tribu, conforme
o uso e costume gentilico da America.
Foi A ntonio R odrigues, bem como João Ramalho,
de muito auxilio a M artim Affonso de Souza. « O respeito
de João Ramalho, e os bons officios de Antonio Rodrigues,
lhe conciliaram a amizade dos G uaianázes.» (**) Mesta
phrase denuncia-se a differença do temperamento e do
caracter desses dous primeiros povoadores da capitania de
S. Vicente. João Ram alho foi sempre energico e violento.
Antonio R odrigues, brando e sempre prudente. A verdade
é que, ao passo que João Ramalho andou sempre em
conflicto, ora com as autoridades em S. Vicente, ora com
os padres da Com panhia de Jesus em S. Paulo de lAra-
tinin^a, A ntonio R odrigues mantinha-se, com sua pacitica
obscuridade, em sua pequena casa á margem do no Y r y n -
piranga, em frente ao porto de T iim w rú ( ), onde, confoime

(*) P e d ro T aques, Nobiliarchia Paulistana,

“ de'

SKS capitania de S. Vicente, I. 63. Veja-se a nota a pag. 33 J.


(**) Frei G a sp a r da M adbe de Deus, Memoriae para o historia
da capitania de S. icent, 1, 42.
V
( ...) F rei G aspar da Madre » ^ T /v iU a
5 £ T ViceotefEscreveu: S a villa no fim da praia de
— 354 —

a crença de frei G aspar da M adre de D eus, já residia


quando em 1531 chegaram os navios de M artini Affonso
de Souza. (*)

A piole de Axtonio R odrigues alcançou a bem-


aventurança da multiplicação (**) e, mais ainda, a de
junto ao mar, cm sitio alguma cousa distante do porto dc T u m ia n l entre
o qual e a povoaçao se mtromette hum outeiro. 0 limar da villa não
pmimttm desembarque, razão por que mandou o Capitão-mór abrir uma
Hninvn' c.?"10<;'ava C1“ 1s ' v ?ccntc> ag ilia pela praia de Tararé, con-
nu.ua pela d I m U n r e lua finalizar no sitio, onde hoje existe o forte
, fl'lílsl defronte do Rio de Santo Amaro. Por aqui se con-
du/mo para a villa as cargas menos pezadas, e as outras ordinariamente
hmo pelo no em canoas até Tum iarú. » nuiameme

• ° é o que o vulgo colonial denominou do


D,;,V
la. , orna ' íctciula,
r o S h 15 I,I * b.>,
r w menciona
’ ° - citado
esseflcinome.
G ' spil1 UA
Significa w
« ostra
\crmclha »; e nao « vespa vermelha », como o escreveu Azevedo M arques

ja ovmcta dc S. Fmdo, na palavra Iriripiranqa . E a nronosito


“S r x im lio T r ‘ V1TS0S docl" " f tas ,l0 socu,“ XVI faliam de umà
, ,r ,,, „ i A : '" " ; '" '" ? ? “ ,cslc " 0,IIC- >™ precisamente o
K “ V C ; - dp" rel'0l“ «IKJ..S pelo contexto que não era
, cln„ I . Ora, 0 titulo da sesmaria das terras do
tmj/n.
C0T . ll,,las l,pl» caiiitão-inór Gonçalo Monteiro m meirinho
M e e n te -J o a o Gonçalves, em 4 do Abri, de IÕ38, bem “ c ta e c " o

o . ./A Fi:i;i G a s paii d a M adre de Deus, obra citada T i^ .


poVóadores 'T cnle
»"V. nuà Pz\cz:::;:z,d”
T■**•
'!' " A " '0’ <10a" d0 a<1UÍ clieSál'So os ’primeiros
»*****
ser o „ 2 S b m '°, ""™ l - f , (T’ « * . ist». V * . »o casamento, devo

, iim taut sanctitas sacramenti, quam fecunditas uteri.

tido filhos!° lu ir ^ ia m ^ iL , ~n °- G 5’ queixando-se A braham de não ter


conduzio fóra"da casa, c d is s ^ m T ’ T a p a r a T c f o T T ’ ^ °
as estrellas; - assim se multiplicará a tua posteridade’ , " P°,deS’
e t lll,m e r a s t d l ^ : « p o te s ; ~ s i c e r it se m e n h u m . m>h

sidade m o V T c o T e r v t e* “ " eCeS‘


tendo os esposos a reciproca fidebdade c S g à l U o ° é * $ " f 0* '
castitatis. SÓ, porém a uniãn pnmn ^ b U1"10 e’ vlveudo in fide
ou, poiem, a umao como sacramento pode operar esta virtude,
355

successivas nobilitaçõcs pelo cruzamento com varias familias


fidalgas. A multiplicação é tão extensa que abrange as
actuaes provincias do Rio-G rande do Sul, Paraná, Santa
Catharina, M inas-Geraes, Goyaz, M atto-Grosso e Rio de
Janeiro, além da de S. Paulo, seu berço. O cruzamento foi em
tantas direcções, que bem dirá quem affirmar que a N obi-
liarchia Paulistana, escripta por P edro T aques de A lmeida
P aes L eme, não é senão a historia dessa vastissima prole.
0 mesmo P edro T aques, neto do capitão-mór Pedro Taques
de Almeida, e portanto sobrinho de D. Maria de Araujo,
filha daquelle capitão-mór, a qual reunio as duas linhas
casando-se com D. Francisco M atheus Rendou, descendente
de A ntonio R odrigues, c da filha de P iquiroby, não escapa
a todas essas ligações de parentesco, por esse lado, e também
por seu pae, Bartholomeu Paes de Abreu.

A ntonio R odrigues não tinha,


em verdade, nobreza
alguma. Não era mesmo conhecido o motivo real de sua
residência na T erra da S anta C ruz, muito antes que
M artim Aífonso de Souza entrasse a barra de Buriqai-óca.

Mas, sua neta, D. Mécia Fernandes, casou-se com


Salvador Pires, que era nobre: — e dahi, como adiante se
verá, começa a nobre linhagem, por esse lado; pois que
pelo outro, que é a Linha B, além de ser sangue puramente
europeu, o fundador já era então um cavalleiro fidalgo.

Nem desmerece a L inha A o facto da mistura do


sangue da filha do cacique P iq u iro b y , casada com A ntonio
R o d rig u es. A o contrario, mais e mais a illustra; porquanto,
se não houvera tal mistura, a familia, cujas notas genealó­
gicas são o objecto principal deste livro, seria, sim, brazilcira,
por ter aqui prolificado, mas faltar-lhe-ia o sainete brazilico
( sal da te rr a ), que só o sangue daquella bella selvagem
foi sufficiente para dar-lh’o, ha quasi quatro séculos; não

se ha am ór verdadeiro entre os desposados, isto é, a boa intenção. 0


sacramento, entretanto, pode ter a força de santificar o que foi mal
intentado.
356 —

existindo até hoje, na successão de tantas gerações, alem


delia, outra raiz que as tenha prendido ao solo na 1 erra
da Santa Cruz. (*)
A A ntonio R odrigues foram dadas por sesmaria as
terras fronteiras ao porto T m n ia rú , em S. Vicente (**). Ahi
residia já então, segundo já foi escripto c alguns acreditam.
Na villa dc S. Vicente, exerceu os empregos de juiz,
vereador, c almotacé (***); e, sem duvida, nao poderia ter
sido escolhido para taes cargos, se não tivera merito, em

(*) Como deixámos dito, não existe a u to c h tk o n ia , propriamente


tal, senão para os sectários do p o lu g e n is m o . Não obstante, é certo que
os povos em geral a mantêm, ainda mesmo que haja ou tcnlia havido
mistura de sangue com outras raças estrangeiras. Mais do que outros
povos, os gregos gloriaram-se sempre de sua procedência a b o r íg e n e ; isto é,
diziam-se filhos só da mesma terra grega, annullando o cffeito da mistura
do sangue dos immigrados. O mais puro titulo de nobreza era o daquelles
que podiam apagar na genealogia os vestígios da mistura daquelle sangue
dos immigrados.
No Brazil, durante os tempos coloniaes, prevaleceu a mania
inversa. Todo o empenho nobiliário era apagar os vestígios do sangue
indigena! ~~ ~~ ----------
(**) Ainda hoje existe este porto; c, ahi, é que embarcam os
que, pelo rio Y r p r i - j á r a n g a , vão em busca do porto denominado d o R e i ,
para seguirem em direcção á villa de Itanhacn.
M achado de Ouvkira , cm seu Q u a d r o h is to r ic o d a p r o v i n d a d e
S. P a u l o , escreveu que as terras concedidas a Antonio Rodrigues eram
situadas na ilha de S. Vicente, « antiga I n d v ú - g v a s s ú »; confundindo o local
do porto T i n n i a n t com o da sesmaria dc Antonio Rodrigues, f r o n t e i r o a
aquclle porto. O porto de T m n i a r ú , sim, está naquella ilha.
O mesmo historiador assignala uma clausula da concessão da
sesm aria: « reservando-se delias ( as terras fronteiras a T u m i a r ú ) a área
que fosse necessario a estaleiro de embarcações. »
(***) Eis o que a respeito escreveu frei Gaspar da M adre de
D ecs , M e m o r ia s p a r a a h is to r ia d a c a p i t a n i a d e S. V ic e n te , I, 155 :
« . . . c por isso o encontro muitas vezes no livro mais antigo da Camara
de S. Vicente, exercitando os empregos de Juiz, Vereador, e Almotacé. . . »
E mais adiante: « . . . porém que Antonio Rodrigues assistia defronte de
T m n i a r ú pelos annos de 1543, consta do citado livro mais antigo da
Camara de S. Vicente, no qual se acha declarado, em a Vereação de 4
de Agosto do dito anno, que derão a vara de Almotacé a Antonio Rodrigues,
m o ra d o r n a b a n d a d 'a l é m . »
357 —

concurrenda com tantos nobres que tinham vindo com


M artim Affonso de Souza.

Acerca de João Ramalho, companheiro de Antonio


R odrigues, ha um a notável carta de M achado de O liveira,
em appendice ao Quadro historico da provinda de S . Paulo,
escripta ao Instituto Historico c Geographico.
Nessa carta, o chronista discute, mas não resolve o
problema da vinda de João Ramalho a Pirá-tininga, bem
como o tempo cm que o facto se teria dado. Escreveu c llc :
« E ’ um mytho o modo por que se realisou a presença de
João Ramalho nos campos de Piratininga. Em minha opinião
a qualificação que mais se ajusta a este homem deixando
Portugal, é a de degredado, c, quando não, por certo a de
marinheiro ao serviço do navio que alli o recebera: e, si
alguém lhe quizer fazer merce, pode applicar-lhc a de
aventureiro, que é um ponto ácima na escala dos forasteiros,
que se atiram ás eventualidades dc uma carreira duvidosa
com o alvo de fazer fortuna. » E, depois de pretender
mostrar a impossibilidade dc ser um degredado, porque
importaria o mesmo que atiral-o ao mar, deixando-o entre
os indigenas ( a carta de P ero V az Caminha patentea o
contrario ), accrescentou: « A ser adm ittida esta hypothcsc,
ó consequente que se pode apresentar a Ramalho como
contractado para o serviço do mar, ou, quando não, como
aventureiro á pista dc fo rtu n a. . . . » (*)
Nessa carta, M achado de O liveira nao menciona
Antonio R odrigues ; sem duvida porque a solução da questão
para um seria egual para o outro.

A data da morte dc A ntonio R odrigues não appa-

(*) Ycja-se a nota á pag. 2J9.


— 358 —

rccc nas chronicas; mas, ccrtamcntc, sua _neta D. M ecia


Fernandes, cm seu testamento, a teria mencionado.
De seu casamento houve uma filha, também com o
nome de A n t o n i a R o d r i g u e s . Não consta a existência de
— outros filhos.
II
Antonia Rodrigues, a qual casou-se com Antonio
Fernandes, portuguez

Ao lêr Azevedo M arques, Apontamentos historicos,


geographicos, biographicos, estatísticos e noticiosos da provincia
de S. Paido, no nome Salvador Pires, casado com Mécia
Fernandes, esta apparecc como filha de Antonio Rodrigues
c de Antonia Rodrigues,
o 7 casal antecedente. E ’ uma inexac-
tidão:7 originada
o
talvez da semelhança
° dos nomes da mãe
e da filha, ambas Antonia R odrigues.
O engano é desfeito, á simples leitura do trecho
relativo a esta segunda Antonia R odrigues, em P edro
T aques, Nobiliarchia Paiãistana, na Revista do Instituto
Historico, Geographico e Ethnographico do B razil, X X X IV ,
parte primeira, pag. 8 : 1871.
Antonio F ernandes, seu marido, seria por ventura
filho de Paschoal Fernandes, condestavel da fortaleza da
Bertioga, ou talvez parente de Manoel Fernandes, proprie­
tario do engenho Santo Antonio, ao qual frei G aspar da
M adre de D eus, Memorias para a historia da capitania de
S . Vicente, I, 106, refere-se. (*)
(*) Confira-se o mesmo frei Gaspar da Madre de Deus, obra
citada. II, 37, 38 e 42; onde menciona o tal Paschoal Fernandes, casado
— 360 —

Este casal, entre outros filhos (dos quaes o de


nome Marcos Fernandes foi assassinado e o de nome
Antonio Fernandes falleccu no Rio de Janeiro quando voltava
de Angola, onde fora a negocio ), teve M écia F ern andes ,
geralinentc conhecida por M écia- assu , na lingua ~Vupi,
certo por ser corpulenta, ou, com mais probabilidade, por
ser mais velha que outra do mesmo nome.

com Margarida Fernandes, já então condestavel da fortaleza de S. Filippe,


alii residindo desde 1557, elle só com sua mulher e filhos.
A mesma fortaleza de S. Filippe era a antiga Bertioga.
Na ilha de Santo Amaro (G u a ib e), esse Paschoal Fernandes
obteve em 1562 uma sesmaria, passada por Antonio Rodrigues de Almeida,
capitão-mor; c cabeça da Linha B, desta Genealogia.
D. Mécia Fernandes, a qual cason-se com

Salvador Pires, viuvo

Salvador P ires era o segundo filho de outro de


egual nome, e de sua mulher D. Maria Rodrigues; esta,
filha de Garcia Rodrigues e de Isabel Velho, portuguezes.
O primeiro Salvador Pires, nascido em Portugal, era filho
de João Pires — o gago, e sobrinho de Jorge Pires, cavalleiro
fidalgo, segundo affirma P edro T aques, Nobiliarchia Paulistana,
na Revista do Instituto Historico, Geographico e Etknogra-
phico do B ra zil , XXX IV, parte primeira, l.° trimestre de
1871, pags. 5 e G. (*)
Sem embargo de querer P edro T aques que o priu-
cipio da familia Pires seja o primeiro Salvador Pires, mais
(*) Confira-se frei Gaspar da Madre de Deus, Memorias para
a historia da capitania de S. Vicente, I, 9 4: 0 qnal, referindo-se a uma
carta de Pedro Taques, datada em 1768, escreveu « que Jorge Pires
fôra cavalleiro fidalgo, e que o Alvará do seu filhamonto se lavrara no
Reinado de D. João I I I ».
Este Jorge Pires é aqui mencionado, porque, sendo fidalgo, por
egual o seria seu irmão João Pires — o gago. O citado Pedro Taques,
na llcvista , XXXIII, parte segunda, pag. 81, 1870, já havia mencionado
a ambos entre os fidalgos vindos com Martim Affonso de Souza.
— 362

se ajusta ao segundo essa gloria, embora este seja filho


legitimo daquelle; porquanto o segundo aqui nasceu, e
casou-se com Mécia Fernandes, bisneta de P iquiroby.
Conforme narra P edro T aques, o primeiro Salvador
Pires fez estabelecimento na povoação de Santo Andre da
Borda do Campo, depois acclamada villa cm 8 de Abril de
1553; sendo seu pae, João Pires, de alcunha — o g a g o , o
primeiro juiz ordinario. O sobredito primeiro Salvador Piies
obtivera, no districto da nova villa, meia legua de terras na
ta p e r a que tinha sido aldea dos indios B a ib e b á ; « por ser
lavrador potentado, que dava avultada somma de alqueires
de trigo (*) ao dizimo, alem da colheita de outros fruetos,
todos os annos ».
O segundo Salvador P ires, que e o deste casal,
« também viveu muito abundante, com grandes lavouras, e
numerosos trabalhadores delias, quaes eram os indios catholicos
da sua rcducção e administração » ; e sua fazenda de cultura,
com uma legua de terras cm quadra (**), era sita no lugar
acima da cachoeira P á t u á y (***), no rio A n h e m b y (****),
que, mais correcto, parece dever ser N h i n h i n g - y ( agua que
faz ruga, por causa das pedras que na sobredita eachoeira
represam o curso do rio ).
No governo da villa de S. Paulo foi pessoa principal;
até que falleccu cm 1592.
Enviuvara da primeira mulher (***♦*); e, casando-se
(*) Neste século, como já o dissemos, não ha vestígios da cultura
deste cercal. Importamos por alto preço a farinha. A mania da cultura
do café assoberbou tudo.
(**) Sesmaria.
(***) Agua em caixa.
(****) Depois e ainda bojo, T i e t ê . Aquella cachoeira é rio
abaixo, após a ponte actual da freguezia de Nossa Senhora do O’.
(*****) p e sua primeira mulher teve tres filhos, cujos nomes
foram Diogo, Amador e Domingos. Apenas o primeiro, Diogo Pires,
deixou geração; tendo-se casado com Izabel de Brito. Deste Diogo Pires
procede o capitão João Pires de Brito, que no fim do século XVII andou
nos sertões do Piauhy, á cata de gentios.
363

com D. MÉcrA F ernandes, teve oito filhos, comprehendidas


as filhas :

1.°) D. M aria P ires, da qual se tratará nq texto


genealógico seguinte.
2. ° ) D. Catharina de Medeiros, a qual casos-se
com Mathias Lopes: cujo primeiro filho, Antonio Lopes de
Medeiros, foi ouvidor da capitania de S. Vicente e S. Paulo,
tomando posse em 7 de Setembro de 1659.
3. °) D. Anna Pires, casada com Francisco de
Siqueira, portuguez, em segundas núpcias: era viuva de
Antonio Bicudo, do qual não tivera filhos. Franciscco de
Siqueira e D. Anna Pires foram os avós do capitão-mór
Francisco Dias de Siqueira, de alcunha A p n ç á , por ser surdo;
o qual penetrou com a sua tropa o sertão, e chegou até á
cidade do Maranhão, 1692 — 1693, como já foi referido na
historia do Estado do Maranhão. A filha unica de Francisco
Dias Siqueira c de sua mulher D. Joanna Correa, do mesmo
nome desta, casou-se com Garcia Rodrigues Betim.
4. ° ) D. Isabel Fernandes, casada com Henrique
da Cunha Gago.
5.° ) Salvador Pires de ,Medeiros. Foi cidadão in­
fluente e rico. Casou-se com D. Ignez Monteiro de Alvarenga.
E ste Salvador Pires, com sua mulher, fez doação a B artho-
lomeu Bueno de Ribeira, seu cunhado, das terras que
herdara de seus paes. Deste casal, por sua filha D. M aria
Pires de Medeiros, casada com Antonio Pedroso de Barros,
descendem os Souza Queiroz, os Souza Barros, e os Paes
de Barros. Também delle, por D. Maria Pires Fernandes,
casada com Francisco Dias Velho, filho de outro do mesmo
nome, fundador e povoador da ilha de Santa Catharina,
procedem os Dias Velho daquella ilha e do Rio-G rande
do Sul.
PEDRO TaqUES, Nobiliarchia Paulistana , na Revista do Instituto
Historico, Geographico e Uthnographico do Brazil , XXXIII, parte segunda,
pags, 166 c 167, c XXXIY, parte primeira, pags. 65 e 66.
'i

!|

364 —

6. °) João Pires, que casou-se com D. Mécia Ro­


drigues. Teve grande voto nas assembléas do governo
politico de S. Paulo, por sua autoridade social. Foi lavrador
riquissimo; e suas terras, com uma legua de testada, attin-
giarn o rio Macoroby, com o sertão para a serra de Juquhy.
Sustentou a grande lucta com os Camargos. E foi o promotor
da restituição dos padres da Companhia de Jesus ao seu
Collcnio
O em 1653. Numerosa descendenda.
7. °) D. Custodia Fernandes, que casou-se com
Domingos Gonçalves: sem geração.
8. °) Antonio Pires; o qual falleceu solteiro.
D. M écia F ernandes falleceu em 1625.
IV
D. Maria Pires, a qual casou-se com Bartholomew

Bueno de Ribeira

B artholomeu B ueno de R ibeira, natural da cidade


dc Sevilha, em Hespanha, veio para S. Paulo cru 1571, na
companhia de seu pae Francisco Ramirez dc Pórròs; e este
voltou para Hespanha em 1599.
Em 4 de Acosto _ d e _ 1 5 - •(*)» casou-se com
D. Maria Pires, precedendd^cscriptura publica de dote, feita
naquella data pelo pae e mãe da noiva.
B artholomeu B ueno de R ibeira foi pessoa muito
estim adV~põfsua nobreza c elevadas qualidades moraes; c
servio na villa de S. Paulo diversos cargos publicos, entre
os quaesV dc juiz ordinario e de orphaos em 1622. Em
1614 foi votado para juiz almotacc.
Não constam o dia e o anno dc seu fallecimento.
Entre sete filhos e filhas, sobresae Amador B ueno
de R ibeira, primogenito.
(*) Azevedo Marques, Apontamentos historicos, geographicos,
biographical estatísticos e noticiosos da provincia de S. Paulo, no nomo
Bartholomeu Bueno de Ribeira , dcu lo71, c nao loJU. ___ , ___ _
Esta obra, aliás utilissima por muitas noticias, traz niuitos oiros.
— 366 —

São dies:
I o.) Amador Bueno de Ribeira, o qual é o do
texto genealógico seguinte.
2. °) Francisco Bueno, casado com D. Filippa Vaz.
São os pacs de Bartholomeu Bueno, que, por suas devas­
tações nas nações indigenas, foi alcunhado, entre estas,
A n h a n g v é r a , « diabo velho ».
3. °) Bartholomeu Bueno — o m oço, para differençar
do pae. Casado duas vezes, não deixou geração.
4. °) Jcronymo Bueno, o qual casara-se com D. Clara
Parente, filha de Manoel Preto e de sua mulher D. Agucda
Rodrigues, fundadores da capella de Nossa Senhora do O’.
Mor rcu cm 1644 entre os gentios do Paraguay. Deixou
geração. Sua filha 1). Isabel de Ribeira, foi casada com
José Ortiz de Camargo, o causador da guerra entre os P ir e s
e os Camargos.
5. °) 1). Maria de Ribeira, casada com João Ferreira
Pimentel de i avora. Com dons filhos sem descendência.
6. °) D. Mécia de Ribeira, casada com Domingos
Garcia. Sem O
geração.
o
7.°) D. Isabel de Ribeira, casada duas vezes.
Também sem geração.
V
Am ador Bueno do Ribeira, o qual casou-se com

D. Bernarda Luiz Camacho

Amador B ueno de Ribeira foi um dos paulistas de


mór nomeada que o século X V II nos deixou. Possuidor de
çrande fortuna, tendo ao seu serviço centenas de índios,
lavrando extensa porção de terras, nas quaes colhia minto
algodão, trigo, milho, feijão c outros cereaes, assim como
criava muito gado de todas as qualidades, inclusive rebanhos
de ovelhas para a tosquia da lã, sua influencia no governo
impunha-se naturalmente, por isso que era dotado de muito
bom senso e de franca abnegação, servindo sempre a causa
publica sem a minima preoccupação de interesse pessoal.
A cllc, quando os governadores geraes na Bahia
solicitavam auxilios de gente e de mantimentos, em apertos
de guerra, nunca recorreram cm vão.
Occupou constantemente os principacs cargos da villa
de S. P a u lo ; e seu voto era sempre o primeiro nos accordãos
do bem publico c serviço da patria.
Foi ouvidor da Capitania, cm 1627; provedor e
contador da Fazenda Real, em 1634; — tomando posse
— 368 —

daquclle cargo na camara de S. Vicente, e deste na villa


de Santos, perante o capitão-mór governador da Capitania.
Também foi juiz de orphãos, na villa de S. Paulo,
em 1638.
Com a noticia da restauração de Portugal, em De­
zembro de 1640, e da acclamação de El-Rei D. João IV,
na villa de Santos, em Março do 1641, os hespanhóes na
villa de S. Paulo alvorotaram-se ; e, não tendo outro melhor
expediente indirecto a tomar para conservarem o dominio da
Hespanha, resolveram ncclamar, cm l.° de Abril, por seu
Rei a A m ador B ueno de R ib e ir a ! O honrado paulista (*)
eia, pou'in, completamente estranho a tão ousada conspiração;
e mesmo a ignorava, ainda que seus genros, D. João
Mathcus Rendon c D. brancisco Rendon de Quevedo, eram
talvez cúmplices no plano.
O plano agradou geralmente: aos da terra, porque
A m ador B ueno d e R ib e ira nascera em S. Paulo; aos
hespanhóes, porque era filho do Bartholomcu Bueno de
Ribeira, natural de Sevilha, crentes de que « produziria nellc
maior cffeito o sangue de seus avós paternos, para vir a
declarar-se vassallo de Hespanha, do que o herdado dos
seus ascendentes maternos, da nobre familia dos Pires ». (**)
Este grande facto merece que penna mais proxima
ao seu tempo o descreva; e, pois, o tomaremos de frei
Ua sp a r da M a d re de D eus, obra citada, 178 a 182 (***) ;

() toma para si esta denominação de honrado vaidistc


qualquer arranjador da vida cm sociedades anonymas.
(" ) 1 rei Gaspar da Madre de Deus, obra citada, I, 177.
( ’ ) bsto frei Gaspar da Madre de Deus, paulista era filbr
do coronel Domingos Teixeira de Azevedo c de sua £ D Anna d
hS T S í Ã S Í T s n í i ]C.?n°"01 l,0,f ' s,is TcÍMira *> Azevedo' era
«t , T cii>cini <i,o J IT cdo- r á r & r s r *
düó f r
L ukno de
M tjssssí tss&tsz
liiiiEiiiA e de sua mulher 1). Dernarda Luiz'Camacho. ‘
Antes de ser monge benadictino, recebendo no mosteiro da Bahia

i ê
— 369

« V aleram -se os hespanhóes cie todos os argumentos


possíveis para persuadirem aos paulistas, e europeus pouco
instruidos, que, sem encargo de suas ^ consciências, nem
faltarem á obrigação de honrados e fieis vassallos, podiam
não reconhecer por Soberano a um Principe, a quem não
haviam jurado obediência. Fomentavam ao mesmo tempo
a vaidade dos ouvintes, exagerando o merecimento dos
paulistas (*), e europeus principaes, e dizendo que as suas
qualidades pessoaes e nobreza hereditaria os habilitavam
para outros maiores impérios. P ara os livrarem de temores,
lem braram os milhares de indios, seus administrados, e
escravos, com que podiam levantar exercitos formidáveis de
muitos mil com batentes; e a situação de S. Paulo summa-
mente defensável, c tão vantajosa nesse tempo, que por
haver para os portos de m ar tão somente ^ a estrada de
Paranapiacaba, de qualidade muito má, bastaria lançarem-se
pedras pela serra abaixo, para se retirarem derrotados os
expugnadores.
« . . . . Além disso, a plebe em toda a parte ó facil
de mover-se, e de arrojar-se a excessos. Os hespanhóes
conseguiram seduzil-a, e ajuntar um grande numero de

a respectiva cogula em 15 cie Agosto de 1732 era GasPar Teixeira de


Azevedo. Foi abbade do mosteiro do Rio de Janeiro, cm 1763, e, em
seguida, foi eleito abbade geral e provincial na Bahia.
Sua irmã I). Isabel Maria da Cruz foi professa no convento de V'
Nossa Senhora da Ajuda,"uo Rio de Janeiro ; onde entrou com uma das 7 ^
rln/p fundadoras em 1750. Em 1761 saliio eleita abbadessa: e foi a r> -■
segunda prelada’desse instituto. Eis que assumio o governo do convento,
/
reformou muitos abusos internos, inclusive o luxo com que se tratavam
as irmãs professas.
Outra sua irmã, D. Anna Maria de Siqueira, também professou
no mesmo convento, tomando o nome de irmã M a j m u F _ ^ ^ e n t o . .......
Frei G vsi-au ha M adue de D eus, escrevendo as M e m o r i a s p a r a
a h i s t o r i a d a c a p i t a n i a d e S . V i c e n t e foi laureado da nomeaçao de socio
correspondente da Academia Real de Sciencias de Lisboa, em 1796.
Falleceu em 28 de Janeiro de 1800, na então villa de Santos,
e jaz sepultado alli no mosteiro de S. Bento.
(*) Traça v elh a; e ainda agora posta em pratica para alguns
velhos, apenas ricos de dinheiro e de costumes dissolutos.
— 370 —

pessoas de todas as classes, que, acclamando unanimemente


por seu Rei a A mador B ueno de R ibeira, conconeiam,
clicios de alvoroço c cntliusiasmo, a sua casa a congratulai se
com elle.
« Pasmou Amador B ueno de R ibeira quando ouvio
semelhante proposição: elle detestou o insulto dos que a
proferiram, e com razões efficazcs procurou dar-lhes a
conhecer sua culpa, e céga indiscrição. Lembrou-lhes a
obrigação que tinham de se conformarem com os votos de
todo° o Reino, e a ignominia de sua patria se se não
reparasse a tempo, com voluntaria e prompta obediência, o
desacerto de tão criminoso attentado.
<( Mas, a repugnância do eleito augmenta a obstinação
do povo ignorante: chegam a ameaçal-o com a morte, se
não quizer empunhar o sceptro. Vendo-se nesta consternação,
o fiel vassallo sahio de sua casa furtivamente, e com a
espada mia na mão para se defender, se necessário fosse,
caminhou apressado para o mosteiro de S. Bento, onde
intentara refugiar-se. Advertem os do concurso, que havia
sahido pela porta do quintal, e todos correm após elle,
gritan d o : Viva Am ador Bueno, nosso B e i ! ao que elle
respondeu muitas vezes cm voz a l ta : Viva o Senhor
D . Jóão I V , nosso B ei e Senhor, pelo qual darei a vida !
« Chegando A mador B ueno de R ibeira ao mosteiro,
entrou, e fechou rapidamente as portas. Como os paulistas
antigos veneravam summamente aos sacerdotes, principalmente
os regulares, nenhum insultou ao convento, e todos pararam
da parte de fora, insistindo porém na sua indiscreta pertensão.
Desceu á portaria o D. Abbadc, acompanhado da sua com-
munidade, e com attenções entreteve a multidão, emquanto
A mador B ueno de R ibeira mandou chamar com pressa os
ecclesiasticos mais respeitáveis, e alguns sujeitos dos principaes,
que se não achavam no concurso. Vieram logo uns e outros,
e todos unidos ao dito B ueno fizeram comprehender aos
circumstantes que o Reino pertencia á Serenissima Casa de
Bragança, e que delle se acharia esta em posse pacifica
371

desde « dia da morte do Cardeal Rei D. Henrique, se a


violência dos monarchas hespanhóes não houvera suffocado o
seu direito.
« Nada mais foi necessario para se conduzirem
aquelles fieis portuguezes como deviam : todos, arrependidos
do seu desaccordo, foram cheios de gosto acclamar solemnc-
mente (*) o senhor L). Joao IV, com magoa dos hespanhóes,
os quaes, para não perderem as commodidades que tinham
vindo procurar em S. Paulo, prestaram também o juramento
de fidelidade ao mesmo Senhor. »
0 auto dessa solemne acclamação na camara esta
assignado, entre outros, por Lourcnço Castanho Taques (**),
sendo capitão-mór João Luiz Mafra.
No dia 6 de Agosto, A mador B ueno de R ibeira é
eleito, pelo povo c camara reunidos, para hir a Portugal
como procurador dos paulistas tratar dos negocios do bem
com m um ; escusou-se, porém, e, em vez delle, foram eleitos
os paulistas Luiz da Costa Cabral e Balthasar de Borba
Gato, com o encargo especial de jurarem em Lisboa fide­
lidade a E l-R ei cm nome dos moradores da villa de S. Paulo.
Foram elles, em sua volta, portadores da carta régia de 24
de Setembro de 1643, agradecendo a fidelidade dos paulistas,
na pretendida acclamação de A mador B ueno de R ibeira.
A lealdade de A mador B ueno de R ibeira foi sempre
memorada na còrte de Lisboa. L l-R ci D. Pedro II, confii-
mando em 23 de Novembro de 1701 a patente de capitão
e governador da companhia de officiaes reformados, juizes, e
vereadores que houvessem servido na camara de S. Paulo,
dada pelo capitão-general A rthur de Sá e Menezes, em 3 de
Março de 1700, a Manoel Bueno da Fonseca, honrou a
memoria do grande paulista com a seguinte razão do acto:
« E ultimamente por ser neto de A mador B ueno, leal e
verdadeiro vassallo de minha coròa. »

(*) No dia 3 de Abril de 1G41.


(**) Yeja-se o texto IV da Linha B.
E l-R ei D. João V, também, no alvará de 20 de
Novembro de 1704 para ser armado cavalleiro da ordem
de Christo o referido Manoel Bueno da Fonseca, fez uma
egualmente honrosa commemoração do mesmo respeitável
p au lista: « Por ser neto do meu muito honrado e leal
vassallo A mador B ueno. »
E ’ estranhavel que frei G aspar da M adre de D eus,
c, antes delle, P edro T aques, ambos parentes de A mador
B ueno de R ibeira, sendo que aquelle declara ser seu ter-neto,
não houvessem relatado cm suas obras o dia de sua morte.
A zevedo M arciues, porém, declara que cm 1649 ainda vivia,
pois que isso consta de uma prestação de contas de orphãos,
que ellc fizera então no juizo competente.
Recolhido á vida privada, naturalmente desgostoso
do facto revolucionário de sua acclamação, fugio de tal arte
a outras machinações dos hom ens: — dahi também o esque­
cimento de seu nome nas chronicas, quando já estava com
os pés na sepultura.
Entretanto, é necessário tresladar para este livro as
palavras ultimas de frei G aspar da M adre de D eus, obra
citada, I, 184 :
« A gloria de ter por progenitor a A mador B ueno
de R ibeira pertence a muitas nobres familias existentes nas
capitanias de S. Paulo, Goyazes, Minas-Geracs, M atto-
Grosso (*), e Rio de Janeiro, onde são seus illustres
descendentes os da casa de Marapicú, cujo senhor, o dezem-
bargador do paço João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho,
respeitável por tantos titulos, é quarto neto do mesmo
A mador B ueno de R ibeira, por sua filha D. M aria Bueno
de Ribeira, casada com D. João M atheus Rendon, seu
terceiro avô. » (**) ---------- ------------

(*) O autor escreveu C v y a b á .


(**) Pela geração de D. Anna de Alarcão e Lima, cuja neta
D. Helena de Andrada Souto-Maior ( de egual nome era sua mãe) casou-se,
A m ulher do A madou B ueno de IB beira , D. Bernarda
Luiz Camacho, era filha de Domingos Luiz, conhecido pela
alcunha de Carvoeiro, por ser natural de Marinhota, freguezia
de Santa Maria da Carvoeira, cm Portugal, cavalleiro professo
da ordem de Christo, c de sua mulher I). Anua Camacho ;
os quaes foram os fundadores da capella de Nossa Senhora
da Luz, do sitio de Gitará-pc, no rocio de S. Paulo. (*)
Essa capella havia sido fundada pelos mesmos Do­
mingos Luiz e D. Anua Camacho, cm 15S3, no bairro
denominado Piraaga ( hoje Y/draiir/a, confundido primitiva-
mente para Ireripiratnja ). Mas, mudando-se cllcs para o
bairro de Guará-pe, resolveram mudar também a capella.
Com a morte dos fundadores, D. Anua Camacho cm
160G, e Domingos Luiz em 1G13, a capella passou á
administração de seus successores; mas, decorridos muitos
annos, foi quasi deixada em abandono, ate que, em principio
do século X V llí, Filippe Cardoso de Campos, legitimo
descendente dos instituidores, e neto do terceiro protector
Manoel Cardoso de Almeida, tornando o habito de ermitão
( era viuvo, e ficara pobre ), assumio aquella administração.
« Empossado dos moveis da capella da Senhora da Luz,
entrou em obras, cercando aquelle sitio com muros, e fez
casas para os romeiros, com uma horta, para a qual intro-
duzio uma levada de agua para a regar, conduzida do rio
Aahangabay, que banha o deelivio da cidade de S. Paulo

cm 16 de Agosto dc 1721, com o capitão-mor Manoel Pereira Ramos.


São estes os paes do sobredito desembargador do paço João Pereira
Ramos de Azevedo Ooutinho, como vè-sc em Penno T aluks, Nobilior chi a
Paulistana, lia Revista do Instituto Historico, Geoarnphico e Ethnographico
do Brazil, XXXIV, parte segunda, 1*71, pags. 134, 1(35, 166, 167 c 168.
(*) IP o mesmo lugar da egreja actual do Recolhimento de
Nossa Senhora da Luz. à z k v k d o M arques escreveu Guarepe; mas Pedro
Taques deixou cscripto Gitarè. Qiml será o verdadeiro nome?
Entendemos que qualquer desses nomes não e correcto. O de
Gitaní-pe parece ser o exacto: — caminho das aves. Talvez má calligrapliia
do tabellião, ou mesmo a corrupção do nome, a escriptura publica, trans­
cripta por A zevedo M arques , quando trata do Recolhimento d a S e n h o r a
da L uz cm S . Paulo , lião prova que O nome seja Guarepe.
abaWo cia cerca cio convento elos religiosos ele S. Francesco.
Levanto., o frontespício da capella, e fez outras mintas obras,
filhas do seu cordial affecto, zelo e acertos. » ( )
Só em 2 de fevereiro de 1774 foi inaugurado o
Recolhimento, sendo governador do bispado D Antomo de
Toledo Lara (**); mas, o actual Recolhimento foi edificado,
em 1788, em terreno contiguo ao de 1774, derribado.

() capitao-mór governador A mador B ueno d e R ibeira


e sua mulher 1). Bernarda Luiz Camacho tiveram :
1. u ) 13. Catharina de R ibeira; casada duas vezes.
2.° ) Amador Bueno, casado com D. M argarida de
Mendonça.
3 .° ) Antonio Bueno, com 13. M aria do Amaral.
4.° ) 1). Isabel de Ribeira, com Domingos da Silva.
r>.° ) 13. M aria Bueno de Ribeira, que é a do
texto gcnealogico^sõguinte.
G.° ) 13. Anna de Ribeira, casada com D. Francisco
Rendon de Quebòdo.
7. ° ) Diogo Bueno, com D. M aria de Oliveira. Deste
casal era filho o já citado Manoel Bueno da Fonseca.
8. ° ) D. Marianna Bueno, com Sebastião Preto Moreira.
9. ° ) Francisco Bueno Luiz, com 13. Paula Moreira.
Lxceptuada 13. Catharina de Ribeira, os outros oito
filhos deixaram descendenda.

(*) P e d r o T a q ü ES, N o b ilia rch ia P a u l i s t a n a , n a R evista do


In stitu to H isto rico , G e o g r a p h ic o e E t h n o g r a p h i c o d o B r a z i l , XXXIV, parte
primeira, 2.° trimestre de 1871, pag. 243.
(**) V er adiante o texto II das Linhas unidas A e 13.
VI
D. Maria Bueno de Ribeira, a qual casou-se

com D. João Matheus Rendou

D. Joâq . M atheusMLexdox. fidalgo hcspanbol, casou-sc


com D. Maria Bueno de Ribeira, na matriz de S. Paulo,
em 17 de Novembro de 1631.
Vamos pedir a P edro T aques (*) o que é necessario
para demonstrar a nobreza de D. João M atheus Rendon;
pois que P edro T aques vio os respectivos titulos. « A illustre
familia de Rendons, Quebêdos, Lunas, Alarcões, Cabeças de
Vacca ( que por varonia sãxr--^uaiientos ), da capitania da
cidade de S. Paulo, e da (Te S. Sebastião do Rio de Janeiro,
traz a sua propagação da cidade da Coria, no Reino de
Leão, em Ilespanha, donde eram naturaes os Rendons, filhos
do fidalgo D. Pedro Matheus Rendon, que foi regedor das
justiças na villa de Ocanha, pelo Estado dos fidalgos, c de
sua mulher D. Magdalena Clemente de Alarcão Cabeça de
Vacca, que se passaram ao Brazil, scgmiicTõ^rrTéaT serviço
na armada que veio á Bahia do Salvador de Todos os

(*) Pedro T a q u e s , N o b i U a r c h i a P a u l i s t a n a . lia R e v i s t a do


In stitu to H isto rico , G e o g r a p h ic o e E t h n o g r a p h i c o do B r a z i l , parte segunda,
4.° trimestre de 1871, pags. 129 e seguintes.
— 37G —

Santos, com o general della D. 1 radique ( ) de Toledo


Ozorio, marquez de Uvaldêça, no anno de 1 6 2 5 ...........Nella
vinham varios titulos e fidalgos de elevada giandcza. uns,
famosos já na profissão da guerra; outios, <que escolheram
esta occasião para ensaio do seu novo militar emprego. E ntre
estes soldados vieram tres filhos do fidalgo D. Pedro M atheus
líendon, que foram D. J oão M atheus R endon, D. Francisco
Rendon de (Juebedo, e lX T e d i '0 M atE cuT R endon Cabeça
de Vacca. Depois, já no anno de 1640, veio outro irmão
I). José Rendon de Quebôdo, com instrum ento da sua
fidalguia.......... A cada um dos tres irmãos fez E l-R ei
1). Fi lippe IV, por seu alvará, mercê de tres escudos de
mais por mez, alem da praça ordinaria que venciam. Acabada
a guerra da Rabia, c lançados delia os belgas (**), se
retiraram as armadas ( portugueza e hespanhola ), largando
as vólas no dia 4 de Agosto de 1625 (***(*). bicaram
continuando o real serviço os tres fidalgos Rendons, ate que
se passaram para S. Paulo. »
O segundo
O irmão de D. J oão M a t He u s R endon, que
A
era 1). Francisco Rendou de Quebèdo, casou-se também
com uma filha do capitão-mór governador Amador Bueno
<le Ribeira: D. Anna Bueno de Ribeira. Este casal não
teve geração masculina ; e ignora-se se a tiveram suas filhas,
que o acompanharam para o Rio de Janeiro, DD. Magdalena,
Catharina e Erancisca: sendo certo que a unica filha, qne
ficou cm S. Paulo, D. Bernarda de Alarcão c Luna, e ahi
falleccu em 168.3, não logrou (jue o filho e as duas filhas lhe
perpetuassem a prole, como o affirma P edro T aques. (*#**)

(*) Pareço que o nome correcto c F a d r i q u e . 0 historiador


liollandcz l Í A i í l i . E U S escreveu F r a n c i s c o T o l c d a n o l
(**) Ilollandezcs.
(***)
Esta data, não a dá Vaknhagkn na obra O s h o l l a n d e s e s
■no F r a z i l 1(124 a l(jõ4. Também quanto ao numero dos navios lia
desde
clesaccordo com Prumo T aluks, que menciona sessenta e seis.
(****) N o b i l i a r c h i a P a u l i s t a n a , na R e v i s t a d o I n s t i t u t o H i s t o r i c o ,
G c o q r a p h ic o e E t h n o q r a v h i c o d o F r a z i l , XXXIV, parte SCgUllda, 4.° .trimestre
de 1871, pags. 184 a 18t>.
377 —

E ’ ignorada a data dc sua morto, porque já estava


no Rio dc Janeiro, em seu engenlio de Itacuruçá na Ilha
Grande, depois dc casado segunda vez cm S. Paulo cm 1654
com D. Catharina de Góes de Siqueira, viuva do capitão
Valentini de Barros, c tia de D. Angela de Siqueira, que
casou-se com o capitão-mór governador Pedro Taqucs de
Almeida. (*)
Sua primeira mulher, D. Alaria Bueno dc Ribeira,
fallcccu cm 7 de Novembro dc 1646.
Deste primeiro casamento, 1). J oão AIatueus R endon
teve tres filhos e duas filhas :
1. ° ) D. Pedro Matheus Rendon c L im a; que é o
do texto oeenealoeico
O seguinte.
~
2. ° ) D. João M atheus Rendou ; o qual casou-se no
Rio dc Janeiro, com pessoa da familia Azeredo Goutinho.
3. ° ) D. Ignez de R ib e ira ; a qual casou-se cm
S. Paulo com Vicente dc Siqueira c Mendonça (**), neto
dc Antonio de Siqueira, que fora proprietario dos officios de
tabcllião e escrivão da camara e orphãos da villa de Santos,
por merco do donatario M artini Affonso de Souza.
4. ° ) D. José Rendon ; o qual casou-se no Rio de
Janeiro. Nasceu gemeo com sua irmã
5. ° ) D. Anna dc Alarcão e Souza ; a qual casou-se
também no Rio de Janeiro, com Ignacio de Andrada Souto-
Maior. Este Ignacio de Andrada Souto-Maior era senhor da
casa de Jerecino, com sete engenhos ; c gozava dc im portanda

(*) Linlia B, V.
( « ) Xoda a sua dcsccudoncia cspalliou-sc no Rio do Janeiro c
Minas Gcraes, como o explica 1’kdro Taquks, K o b U i a r d i i * P a u l i s t a n a , na
R e v ista do in stitu to H is to r ic o , G e o g r a p h ic o c P th m xjra p h ico do B ra zil,
XXXIV, parte segunda, 4.° trimestre de 1871, pags. 161 a 164. No
mesmo tomo XXXIV, supra citado, pag. 159 e 160, lê-se que o irmão
I). João Matheus Rendou, casado no Rio de Janeiro com uma Azeredo
Coutinho, seguio para Lisboa, já então viuvo, e lá tomou ordens dc
presbytero: fallecendo de bexigas, logo depois. P edro T atues ignorava se
cllc lnivia deixado geração.
378

social naquclla cidade. Filho de Ignacio de Andrada Machado


e de sua mulher D. H elena de Souto-Maior, ambos da
Ilha-Terceira e de familias nobres.
Dos ditos cinco filhos de D. J oão M atheus R endon,
apenas deixaram geração: D. Pedro M atheus Rendon e
Lima ; D. Isabel de Ribeira, que era casada com Vicente
de Siqueira e Mendonça ; e D. Anna de Alarcão e Luna,
a qual, casada no Rio de Janeiro com Ignacio de A ndrada
Souto-Maior, como acima fica dito, deixou, entre seus descen­
dentes, o desembargador do paço João Pereira Ramos de
Azeredo Coutinho.
VII
D. Pedro Matheus Rendou c Lima, o qual

casou-se com D . Maria Moreira Cabral

D. P edro Matheus R exdon e L una, casando-se no


anno de 1652, com D. Maria Moreira Cabral, filha de Luiz
da Costa Cabral e de sua mulher D. Luzia Moreira, logo
depois (1 6 5 5 ) retirou-se, com seu sogro, para a I lha
Grande, no Rio de Janeiro, onde já residia seu pae, D. João
M atheus Rendon, 1655 — 1656. L foi então, 1656, que
D. P edro M atheus R endo x e L una descobrio os matos
do rio Pirahy, em cujas terras obteve nesse mesmo anno _
sesmaria.

D. Maria Moreira Cabral não desmereceu-lhe a


fidalguia.
Seu pae, Luiz da Costa Cabral, foi, em commissão
com Balthasar de Borba Gato, a Lisboa; por parte da
camara e povo de S. Paulo, a fim de jurarem fidelidade a
E l-R ei D. João IV, logo depois do facto da mallograda
acclamação de Amador Bucno de Ribeira, como já foi
referido.
380

Pelo lado paterno, era neta de Simão da Costa,


natural da cidade de Beja, cm Portugal, e de sua mulliei
D. Branca Cabral, natural da então villa de S. Paulo.
Bisneta de Luiz da Costa Cabral, cavalleiro fidalgo da casa
real, e de sua mulher D. Antonia Gomes P roes, ambos da
cidade de Beja.
1). Branca Cabral era irmã germana de Pedro Alves
Moreira, o qual foi pae do alcaide-mor Jacintho Moreira
Cabral e do coronel Pascoal Moreira Cabral, escolhidos por
El-Rei I). Pedro 11, em Maio de 1382, para penetrarem o
sertão das serras de Cahativa c Jhraçoyaba (*), e nellas
descobrirem as minas de ouro e examinarem com frei Pedro
de Souza as pedras de prata. Estas pedras de prata não
eram senão as pedras de f e rro ....
Por sua avó 1). Branca Cabral, era bisneta de Pedro
Alvares ( abral, natural da ilha de S. Miguel, e de sua
mulher 1). Suzana Moreira, natural de S. Paulo, irmã germana
de 1). Maria Moreira, que foi mulher de Inuocencio Preto,
natural de Portugal, ouvidor da capitania de S. Paulo e
S. Vicente, tendo tomado posse em 1584.
Ter-ncta de Jorge Moreira, de Portugal, pessoa de
estimada nobreza, que veio em 1545 para a villa de S. Vicente,
da qual foi capitão-mór governador, e onde casou-se com

(*) Outros dizem Araroiin/iu c \ rarassoiaba. Grupo de mon­


tanhas dc formarão metallurgical, proximas á cidade dc Sorocaba. E ’
alli a Fabricn <h> ferro ilc Y p a n c m a : a qual, ao principio, foi iniciada por
meio de uma associação de accionistas, c depois passou ao dominio do
Estado até hoje.
A especulação tenta encontrar um governo sem critério que
entregue essa fabrica de ferro a alguma sociedade anonyma; como se o
Estado se possa deixar desarmar, para ficar dependente dc particulares
na manufactura de armas, liem entendido:— os patriotas que promovem
esse negocio, sob o pretexto dc economias, calculam ser os directores da
companhia, visto que, no Brazil, não ha hoje melhor emprego (entre as
sociedades anonymas comprehciidem-sc as irmandades c confrarias ricas ),
por não serem prestadas contas senão a uma commissão fiscal dc com­
padres, quasi sempre accionistas toupeiras; estando o governo de olhos
fechados, sc não por cumplicidade, com medo dos tacs honrados homens.
381

D. Isabel Velho, natural da cidade do Porto, c irmã de


D. Maria Rodrigues, mulher do primeiro Salvador Pires.
Pelo lado materno, era neta dos já acima referidos
Innocencio Preto e D. Maria Moreira. (*)

P edro M atfieus R endox


D. e L uxa teve de seu
casamento cinco filhos e uma filha.
Os filhos D. João Mathcus Rendon e D. Pedro
M atheus Rendon falleceram solteiros; sendo circumstancia
para mencionar-se que o ultimo, D. Pedro Matheus, morreu
na occasião do levantamento dos emboabas contra os paulistas,
em Minas-Geraes.
Os filhos D. José Rendou de Qucbèdo e D. Luiz
Rendou de Quebédo acompanharam o governador 1). Manoel
Lobo na expedição ao Rio da Prata, 1678 — 1680. Installado
D. Manoel Lobo na colonia do Sacramento, recebeu no dia
6 de Agosto de 1680 intimação para abandonar o territorio
hespanhol: recusou, e dahi uma batalha perdida, na qual
ficaram prisioneiros o proprio I). Manoel Lobo e os dons
irmãos D. José e I). Luiz Rendon de Qucbèdo. Soltos em
1681, em virtude de um tratado provisional, de 7 de Maio
desse anno, preferiram ficar em Buenos-Ayres, onde casaram-se,
c fundaram familia.
A filha, d. Maria Cabral Rendon, casou-se com
Manoel Lopes de Medeiros (**), homem de prestigio e de
(*) Pedro TaqüK S, N obili nr chi a P a u lis ta n a , lia R e v ista do In s ­
tituto H isto rico , Geographico c E thnographic o do B ra zil, XXXIV, parte
segunda, 4.° trimestre de 1871, pags. 134 a 13t >.

(**) Tiveram dons filhos :


1). Antonia de Medeiros Cabral, que casou-se com Floriano de
Toledo Pisa, filho do capitão-mór governador I). Siinão de Toledo Pisa.
Antonio João de Medeiros, que foi para Ciiyahá, casou-se alli
com D. Gertrudes de Almeida Campos, natural da villa dc Sorocaba c
filha do capitão-mór Thome de Lara c Almeida, e lá deixou geraçao.
— 382 —

governo cm S. Paulo, sargento-mór com o soldo de sua


patente; o qual teve a honra de receber de E l-R ei D. Pedro II,
com data de 20 de Outubro de 1698, uma carta de
agradecimento pelos serviços e auxilios prestados ao governador
c capitão-general do Rio de Janeiro, A rthur de Sa e
Menezes.
O unico filho, portanto, que perpetuou a familia
Rendou em S. Paulo, foi D. F rancisco M atheus R endon;
o qual, casando-se com M aria de Araújo, fimclio em uma
unica Linha as Linhas A c B desta genealogia, como adiante,
no respectivo texto, será melhor explicado.

" 5 ~ 'r
CAPITULO QUINTO

L I N HA —B
Esta Linha tem por progenitores Antonio Rodrigues
de Almeida e D. Maria Castanho, ambos portuguezes.
E ’ esta a Linha dos Almeidas, dos Castanhos, dos
Proenças, dos Taques, dos Laras, dos Toledos, dos Godoys,
dos Anhaias, dos Moraes, dos Pompeos.
E ’ a Linha nobilitada á moda européa desde sua
origem ; porque Antonio Rodrigues de Almeida era cavalleiro
fidalgo da casa d’E l-R ei D. João III.
Por D. Magdalena Fernandes de Moraes Feijó, mulher
de D. Diogo de Lara, cuja filha D. M aria de Lara casou-se
com Lourenço Castanho Taques — o velho, esta Linha prende-se
á dos Antas Moraes. De facto, D. Magdalena Fernandes
de Moraes Feijó era filha de Pedro de Moraes de Antas c
de sua mulher D. Leonor Pedroso, e s ta — filha de Estevão
Ribeiro Bayão c de sua mulher D. Magdalena Fernandes
Feijó, todos portuguezes. Aquelle Pedro de Moraes de Antas
era descendente, em decimo-quinto gráo, de D. Mendo Alam,
senhor da então villa de B ragança; o qual vivia em tempo
d’E l-R ei D. Afíbnso VI de Leão, avó de D. Affbnso Henriques,
384

primeiro rei de Portugal, e casara-se com uma princeza de


Armenia, que com seu pae viera á romaria cm Compostella,
a visitar o corpo do apostolo S. Thiago. Deste casal procedeu
D. Fernando Mendes — o velho, rico homem, o qual suecedcu
a seu pae no senhorio de Bragança, c mais terras, na pio-
vincia de T rás-os-M ontes: este rico homem foi casado com
uma filha d’ Fl-R ci D . Affonso Henriques, ou, segundo
outros, com a infanta D. Sancha lícm iqucs. C )
() ultimo desta Linha, cm relaçao as notas genealo
gicas, objecto deste livro, fui o capitao-mór governador Pedro
'Iaques de Almeida, casado com D. Angela de Siqueha, e
cm cuja campa foram abertas as armas dos Taqucs, Procnças,
'Laras e Moraes, em quatro quartéis dentro de um escudo,
na fórma que lhe foram iiluminadas cm seu brazão. Sua
filha D. Maria de Araujo, easando-sc com D. 1 rancisco
M ath cus Bendon, rcunio a final as duas Linhas A e B.

(:|:) P kdüo TaíJUIíS, N o b i l i a r c h i a P a u l i s t a n a na R e v i s t a d o I n s ­


titu to J J isto rico , G eographico e E t h n o g r a p h i c o d o B r a z i l , X X X I I I , parte
segunda, pags. 27 ’ e seguintes: 1870. Faz referencias ao chronista
Iíitainhão o ao genealogista conde I). P i - u t u o ; e, por outro lado, á
G enealogia d a C a sa R e a l d e P o rtv g a l.
I
Antonio Rodrigues de Atmeida, casado coni

D. Maria Castanho, ainbos portugueses

A ntonio R odrigues de A lmeida, natural de Monte-mór


o Novo cm Portugal, veio para a capitania de S. Vicente
cm 1547, pouco mais ou menos (*), c tinlia o foro de
cavalleiro fidalgo da casa d itl-R ei I). Joao III. (**)
(*) A seguinte carta do sesmaria pode esclarecer esse ponto,
que as chronicas não determinam ; chegando alguns chronistas a dizer que
A ntonio R odiugukss ue A uikida viera com Martini Affonso de Souza em
1531 ! Eis a carta de sesmaria:
« Pedro Ferraz Barreto, capitão c ouvidor com alçada na capitania
de S. Vicente, por Martini Affonso de Souza, senhor da dita capitania, do
conselho d’El-Rei nosso senhor, c senhor das villas de Alcocntre, Tagarro
e Rio Maior, ctc. Faço saber que por Antonio Rodrigues de Almeida,
cavalleiro fidalgo da casa d’El-Rei nosso senhor, almoxarife, chancellor,
escrivão da ouvidoria c das datas pelo sr. Martini Affonso, capita o e
governador della, me foi feita petição em que diz: Que elle ha dezeseis
annos que cm cila vive, c tem sua mulher o filhas, e uma casada, e me
pedia terras no Rio de Janeiro a entestar com uma aldêa, que por nome
dos indios se chama Ita -ó ca , meia legua de terra, etc. E se lhe concedeu
a G de Janeiro de 1565.»
Parece que o requerimento foi feito em 1562 ou 15G3. Assim,
pois, sua vinda foi em 1546 ou 1547.
(**) A lei de 25 de Maio de 1776, embora promulgada para
diminuir os privilégios dos nobres, conforme os intuitos de El-Rei D. aosé 1,
38G

Tendo deixado a m ulher e duas filhas cm Portugal,


permaneceu em S. Vicente até 1556. D urante esse tempo,
tomou parte cm todas as guerras contra os tamuya, que,
ligados aos selvagens de Ubatyba e mais aldêas da costa,
atacavam incessantemente as povoações dos portuguezes, c
até penetraram a ilha de Guaibe, onde apossaram-se do forte
construido por ordem do donatario M artini Affonso de Souza.
Voltando a Portugal em 1556, dalli regressou em
1557, constituido cm capitao-mór governador e ouvidor da
capitania de Santo Amaro de Guaibe.
Além da sesmaria de meia legua de terra, proxima
á aldea do Ita-oca, no Rio de Janeiro (*), cujo titulo já

iucluio não obstante na primeira nobreza cio Reino nos tempos antigos
« os escudeiros, os cavalleiros armados pelos Reis, ou pelos capitães-móres
nas guerras da Africa c da Asia, os que conseguiam o honrado titulo de
Vassallos, c outros da mesma gerarehia ».
El-Rei I). Manoel havia feito definir em suas Ordenações quaes
os fidalgos; e era essa a legislação no tempo de El-Rei I). João III;
« cm cujo reinado ( segundo escreveu P edro T aques, N o b i l i a r c h i a P e n d i . s-
tnud ) foi o fôro de cavallciro fidalgo o mais superior que constituía gráo
de fidalguia, até que alterou a ordem dos filhameutos o sr. Rei D. Sebastião,
de cujo tempo até o presente ficou este fôro de cavalleiro fidalgo sendo
infuit o ». E accreseentou o mesmo Prumo T a t u es : « Esta materia tratou
M oraes, de c.recutioni/iits; c muito melhor o revm. padre-mestre I). A ntonio
Caetano de S ouza, no seu livro Grandes de P o r t u g a l , impresso em 1755.»
O citado M oraes , IV, 8, 70, explicando os grãos de nobreza,
com o apoio de B randão e outros, relata:
« Cavalleiro da casa d’El-Rei, nos tempos antigos em que não
havia distineção, (pie hoje ha, de fidalgos cavalleiros, c de cavalleiros
fidalgos, se acha tomado em um e outro sentido, de maneira que muitas
vezes se entendia por aquellcs que hoje chamamos eidalgos - cavalleiros ,
u t n o ta t C aredo , If, dec. 106, n. 1. »
(+) B althasar da S ilva Lisuôa, A i v n a e s d o R i o d e J a n e i r o , i
menciona A ntonio R odrigues de A lmeida como um dos que acompanharam
a Mem de"'Sá, nT" expedição 715'‘Sr ViceiTte'contra os francezes. E, per­
tencendo aquelle territorio do Rio de Janeiro á capitania de S. Vicente,
a qual começava treze léguas ao norte de Cabo-Erio até o rio Curupacê
( 55 léguas ), e desde o rio S. Vicente até doze léguas ao sul da ilha de
Cananéa ( 45 léguas), A ntonio R odrigues de A lmeida teve de exercitar
alli suas funeções dc escrivão da ouvidoria e outras, ainda que simultanea­
mente fosse capitão-mór loco-tenente na capitania de Santo Amaro de
G u a ib e .
— 387 —

foi transcripto, obteve elle mais cluas na capitania de


S. Vicente.
Em 1560, «um pedaço de terra que, partindo por
um regato que está a par do mosteiro de P irá-tinw ga (*),
e que irá cortando pelo dito regato até entestar com roças
de Fcrnão Alves, onde foi o primeiro tujipar (*'*), e dalli
irá cortando ao longo do campo até partir com terras de
Antonio Pinto, e irá partindo com elle até se findar no rio
da Tapera do Cacique, e dalli irá por elle abaixo até chegar
ao dito regato, onde começou primeiro a partir, epic sera
onde se vé o dito regato m etter no rio Ânhangavahy ». (***)
Em 1567, para confirmação de concessão anterior
em 1556, uma legua de terra com todas as aguas interiores,
para fazer engenhos no Cubatão, demarcada da maneira
seguinte : « Indo desta villa de Santos pelo rio do Gubatao
arriba, da borda do dito rio da banda do norte, direito ao
cume da serra mais alta, partindo com terras de Iranciseo
Pinto, ou de quem forem, lhe irá correndo pelo cume da
serra mais alta, uma legua em comprido para a banda do
sudoeste, c dalli, donde se acaba a dita legua, descei a poi
ahi abaixo ao rio do Cubatão, que vem ao longo da serra,
em chãos delia correndo para a banda do nordeste, e dalli
virá correndo pelo dito rio abaixo até onde primeiro começou
a partir com o dito Iranciseo Pinto; e assim lhe dava

(*) O Collegio cios padres da Companhia dc Jesus, em S. Paulo.


(**) No capitulo terceiro da parte histórica, pag. 38 deste livro,
escrevemos uma differença entro t e j u p n b e P r o p a l a . Mas, depois dc melhoi
exame, reconhecemos não existir a reterida difterença, e que essa denomi­
nação deve ser ( a i á p a , com o T anteposto ao substantivo a i á p a , ou
a j i i p a : c os da cabana ». Alguns pronunciariam t ' a i , í p á , ou t ' a j d p d .
(***) Confrontando com os do titulo de sesmaria do supra-citado
Antonio Pinto, transcripto por A/Avedo Maiu;ces, A p o n t a m e n t o s h is to r ic o s ,
g e o g r a p h i c o s , h io g r a p h i c o s , e s ta tístic o s e n o tic io s o s d a p r o v i n c i a d e S . P a v i o ,
no nome P i r a t i n i n g a , parece que essa sesmaria de Antonio Koduigues
di,; A lmeida comprehendia o territorio hoje urbano das duas actuaes
freguezias de Santa Iphigenia e de Nossa Senhora da Consolação.
0 Â n h a n g a v a h y é que é affluente do rio T a m a n d u a teh y, mencio­
nado no titulo de sesmaria supra como regato.
— 388 —

mais a agua grande, que cliamain o Cubatão (*), que


apparcce desta villa de Santos, com todas as mais aguas
que dentro de suas confrontações houver. »
Ainda que exercendo, o cargo de capitão-mór governador
da capitania de Santo Amaro de Guaibe, em virtude da
procuração que D. Isabel da Gamboa lhe entregou cm Lisboa,
lavrada aos 22 de Setembro de 1 5 o7 servia também os

p ) Escreveu Azkvkdo Maiiocks que C u b a tã o significa entic os


indigenas « porto dc mar morto nas fraldas das serras e montes.»
(**) Eis o inteiro tlioor desta procuração :
« Saibão quantos este poder virem que no anno do nascinieino
(lo Xosso Senhor Jesus Christo de lf>.r>7 annos, aos 22 dias do mez de
Setembro, na cidade de Lisboa, na rua do Outeiro junto da porta de
Santa Catbariua. nas casas em que vive a Sra. R. Isabel da Gamboa,
mulher de Cedro Lopes de Souza, que Deos haja cm gloria, estando cila
dita Sra. D. Isabel abi presente, disse que ella, cm nome e como tutora e
administradora do Sr. seu tillio Alartim Attonso de Souza, capitão gover­
nador das oitenta léguas de terra na, costa do Brazil, que lhe succcdcu c
herdou por inllocimonto do dito Cedro Lopes, seu pai, c por virtude de
uma provisão que tom de el-rei, que santa gloria haja, e poi nisso sentir
Inzer serviço a Deos. em bem o prol da capitania que tem em Santo Amaro
de Guaibe, que está na. dita sua capitania; o por se augmentar, e povoar
faz. como em offeito tez. seu procurador bastante a Antonio Rodrigues de
Almeida, cavalleiro ti dalgo da casa de el-rei nosso senhor, que ora volta para
S. Vicente, o amostrador deste instrumento, e lhe deu seu poder comprido
(' mandado especial, para que, por ella e em sou nome c do dito filho, a
todas as pessoas que as vão povoar, beneficiar, aproveitar c reedificar
conforme as ordens, elle Antonio líodrigues dc Almeida possa dar as taes
terras, aguas e cousas sobreditas de sesmaria a quem lhe aprouver isso
mesmo; e lhe dá poder para que possa dar quaesquer outras terras do
dito seu filho cm a dita capitania de Santo Amaro de Guaibe, conforme
as ordens das sesmarias, e das terras que lhe aprouver comedidamente
lhe fará cartas de sesmarias, e possa pôr na dita capitania capitao ouvidor,
taes quaes devão ser, e, querendo elle dito Antonio Rodrigues de Almeida
ser capitão e ouvidor, por esta presente lhe dá poder de capitão e ouvidor,
para que em nome do dito seu tillio seja tod o te m p o </ae lh e a p r o u v e r , c
a ella Senhora lhe bem parecer, e manda que lhe obodeção no alto e no
baixo: e assim ao capitão ouvidor que elle Antonio Rodrigues dc Almeida
ordenar, tirar a um e pôr a outro quando justo c razão lhe parecer, c
que possa receber elle Antonio Rodrigues dc Almeida todas as redizimas
c rendas que pertencerem ao dito seu filho por seu foral e doarão ; e assim
para tomar conta e razão a Jorge Ferreira, que esteve por capitão na
dita capitania c teve o poder disso, e o deporá do dito poder e lhe tomará
conta do que em si recebido tem ; c assim a quaesquer outras pessoas ou
389 —

de almoxarife, escrivão da ouvidoria, promotor da justiça,


escrivão das datas de terras de sesmarias, e chanceller, na
capitania de S. Vicente, como proprietario de taes officios,
por merce do donatario Martini Affonso de Souza.
Casado com D. M aria Castanho, natural também de
M onte-mór o Novo, a qual veio cm 1560, mais ou menos,
fundou na capitania de S. Vicente a familia dos Almeidas,
L aras, Toledos, Taques, Moraes, Castanhos, e outros. (*)
Deste consorcio nasceram duas filhas, em P o rtu g al;
e um filho, na então villa de Santos, da capitania de
S. Vicente, cm 1573, o qual foi ,o padre André de Almeida,
citado pelo padre S imão d e V asconcellos , na obra A vida
do padre João de Alm eida, 11, 4 (**), nos termos os mais

pessoa que lhe devão suas rendas e ao diante deverem, e quo obrigados
lhe sejão, e de tudo o que lhe deverem possa rocchcr, e do que receber
dará conhecimentos e quitações, o haverá suas contas por acabadas, e
procurará por toda fazenda do dito seu filho e suas rendas; e possa citar
e demandar a quem lhe aprouver, em jmzo e fora delle allegar, defendei, etc...
e de toda a fazenda de escravos do cathecismo c dos Carijós que o dito
Jorge Ferreira tiver recebido para o dito seu filho. F assim de outias
quaesquer cousas, artilharias e munições, e de tudo tomara conta o razao,
c dará conhecimento e quitações do que receber; e da poder ao dito Anton o
Rodrigues de Almeida, que como capitão possa fazer e faça tabelhaes do
publico e do judicial e dos orphãos e da camara e do ouvidor, e lhes
dará os seus assignados, com declaração de se virem confirmar poi e la
Senhora em corto tempo que lhes sera limitado, para ella benhoia l o.
mandar passar carta ou cartas cm fórma sellada com o scllo do dito seu
filho; assim outorgou: testemunhas as sobreditas. F eu Antonm do Amaia ,
tabellião publico de el-rei nosso senhor nesta cidade de Lisboa e seus
termos, que este instrumento de poder no livro dc minhas notas
escrevi, etc. ..»
(*) Frei Gaspar da Madre de Deus, M e m o r i a ,s p a r a a h i s t o r i a
,í« c a p i t a n i a d e S. V i c e n t e , I, 92 ; o qual accreseentou. < amda hoje
conhecidos por gente principal na cidade de b. Paulo, e em algumas vil a
de serra ácima. »
(**) Escreveu o padre Simão de V asconcellos, citada obra,
impressa cm Lisbôa — 1658:
« Outro varão insigne foi o padre venerável André de Almeida,
de mui saudosa memoria em toda esta provincia, de cujas exemplares
virtudes fizera de boa vontade uma lnrga relaçao;. . . direi somente poi
ora que fui em tal gráo a santidade deste padre, que o comparam
300 —

significativos para um sacerdote. Tomou a roupeta de jesm ta


em 1589, com dczeseis annos de edade; c servio sessenta,
pois que falle ceu no Collegio do Rio de Janeiro, onde
ficaram seus ossos, cm 22 de Outubro de 1649, na edade
do 76 annos. Naquelle Collegio, e no anniversario de sua
morte, era costume lòr no refeitório a vida deste panic. ( )
Das duas filhas, uma, D. Catliarina de Almeida,
fallcceu solteira ( não sendo, portanto, exacta a asseveraçao
de frei G a s p a r d a AI a d r o de D e u s — que ambas casaram-se
em Santos ); a outra, D. M a m a C a s t a n h o , também natural
de Monte-mór o Novo, casou-se na villa de Santos em 1064
__ 1 565, com A n t o n io de D r o e n i a, egualmcntc fidalgo. (**)

ordinariamente ao mesmo João de Almeida, c não c pequeno abono de sua


virtude. Foi extremado cm todas as virtudes... Era notavelmente austero
para comsigo mesmo, e sobremaneira affavcl com os outros; delle se contam
muitos sentimentos de Deus e casos propheticos... laz, porem, muito
naquelle varão o conceito que delle fazia o referido padre João de Almeida
nas suas notáveis palavras seguintes: — O p a d r e A n d r é d e A l m e i d a , u n i c a
p e d r a p r e c io s a e de m u i t a e s tim a d e V e n s , p e lo q u a l o S e n h o r te m f e i t o ,
/>(.: c ha de f a z e r m u ito s bens de m u i t a g l o r i a s u a , e h o n r a d e s ta p r o v i n d a ,
e d e to d a a c o m p a n h ia , como D e u s IVosso S e n h o r i r á d e s c o b r in d o
te m p o . »
(*) P m iito T a í j e KS, N o b i l i a r e h i a P a u l i s t a n a , l i a R evista do
In stitu to H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E t h n o g r a p h i c o d o B r a z i l , XXXIII, parte
primeira, pags. 240 a 242; 1ST0.
T ei xei ha de Mnu.o, E p h e m e r i d e s n a c i o n a e s , dá o dia 22 do, Janeiro
como o da sua morte. Onde a verdade?
(**) Acerca da fidalguia de Antonio Rodrigues di : Almeida c
de Antonio de P iioknça, c util transcrever o que escreveu frei Gaspar
da Madre de Dei s, obra citada, I, 9<s :
« De proposito apontei as eras, em que os sobreditos se encontram
com o tratamento dc c a u a llc iro s f i d a l g o s , para mostrar que todos chegaram
á esta graduação antes do anuo de 1572, em que I). Sebastião deu o
regimento novo dos tilliamentos. Ora, “nenhum delles conseguio o fôro no
dia em que se lavraram os documentos por mim citados; a n te s d is s o j á o
t i n h a m , c por consequência precederam seus tilhamentos ao anno de 1557,
em que morreu D. João III. »
II
D. Maria Castanho casou-se com Antonio de

Proença, ambos portugueses

A ntonio de P roença, natural da villa de Belmonte,


cm Portugal, era moço da camara do infante D. Luiz. ( )
Estabeleceu-se em S. Paulo ( P irá-tinim ja), já então
. _ i c \ i i i r a n 1~
,llia
villa; v,
e, por provisão de 15 de Outubro de 1599, do
governador geral do Estado do Brazil, D. Francisco de Souza,
attendendo este aos auxílios de armas e de escravos, sob a
direcção de seu filho Francisco de Proença, para a descoberta
de minas de ouro, foi nomeado capitão da gente de cavallo.
Antes dessa epocha, liavia servido os cargos de ouvidor,
auditor e capitão-mor da capitania de S. Vicente, 1 5 8 0 — 1582:
além de varios outros cargos na villa de S. Paulo, inclusive(*)
(*) Azevedo M a r q u e s , Apontamentos historicos, geographicos,
hioqraphicos, estatísticos e noticiosos da provinda de S. Pavio, no nome
Antonio de Proença, o dá como filho de Antonio Kodvigues de Almeida .
Também, em mais de um lugar, faz referencia ao nome de Antonio
Rodrigues de Almeida, c este nome não obteve em sua obra artigo especial.
A obra de A zevedo M arques, ainda o repetimos, carece de
correccões ; é mesmo inexacta em muitas de suas noticias, pailieu anuente
sobre factos modernos. Não obstante esses senões, a obra nao deixa de
ter muito merecimento.
392 —

o dc capitão della, no impedimento de Diogo Anas de


Aguirre, 1602, por nomeação do mesmo governador geral
D? Francisco de Souza em 15 dc Maio daqucllc anuo; —
e também cm 1582 o de juiz ordinario e oe oipliãos. (")
Possuio uma fazenda <lc terras de cultura c campos,
na ribeira de ltiporanga. ((*)**)
lini 169-1, o capitao-mór Pedro Taques de Almeida,
de quem adiante se tratara, seu bisneto, provou, no juizo
ecclesiastico de S. Paulo, a nobreza, qualidade e pureza de
saivuie dc seu ter-avo Antonio Ixodrigucs dc Almeida, que
6 o mesmo do texto 1 desta Linha, cavalleiro fidalgo,
natural de Monte-mór o Novo, casado com D. Maria
Castanho, do mesmo lugar; c a qualidade, nobreza e pureza
de sangue de seu bisavó A ntoxio de P roença, moço da
camara do infante D. Luiz, c natural dc Belmonte. Quanto
a A xtonio de P roença, foi expedida uma carta requisitória ao
bispo da Guarda, em Portugal ; e, nessa mesma occasião,
foram outras cartas requisitórias para Portugal e Ilespanha,
quanto á qualidade, nobreza c pureza de sangue de Pedro

(*) Prumo Taques, Nohüiarclúa Paulistana, na Revista do


Institutu Historica, Geographico e Rthnoyraphico do Brazil, XXXIII, parto
primeira, pags. 206 a 211: 1." trimestre dc 1870.
E1 o actual Ypim nga, tambem cliamado cm titulos do
sesmaria, dos séculos XVI c XVII, Guampiraruja. Esta fazenda pertenceu
posteriurmonto a Pedro Taques, por cabeça do sua mulher ; e destes a
licrdou seu tillio Eourenço Castanho Taques, como adiante se dirá.
O sitio de Francisco dc Proença, cunhado de Pedro Taques, era
visinho, para os lados de Santo Amaro.
II althazaii da S ilva L isijôa , A n n a e s d o R i o d e J a n e i r o , escreveu
que um fidalgo de nome Antonio Mariz, « em 1561 podio terras a Pedro
Collaço, capitão-mór dc S. Vicente por Martini Affonso de Souza, dizendo
ser morador naquella capitania, casado, c que na horda do campo onde
se chama Y p i r a n g a , termo da villa de Piratininga, pedia em uma mata
virgem um pedaço de dez tiros dc besta comprido, de largura outro tanto ;
que lhe fôra concedido por carta dada em S. Vicente aos 18 dc Junho
de 1561. » E o mesmo Antonio Mariz passou-se para o Rio de Janeiro
em 1567, com a familia. " ™ 7...........
Pareci1, pois, que de Antonio Mariz, por qualquer modo legal,
passaram essas terras no Ypiraugã Talvez a António de Proença.
— 393 —

Taques, de D. Diogo dc Lara e de Balthazar de Moraes de


Antas. Tudo isso foi julgado por sentença.
As armas dos Proenças são :
O escudo partido em p a la : na prim eira, em campo
verde, um a aguia preta de duas cabeças, armada de ouro;
na segunda, em campo azid, cinco flores de liz de ouro em
saritor. (*)
Antonio dc Proença deixou um filho c quatro filhas:
l.° ) Francisco de Proença, ja referido. De seu
primeiro casamento, com D. Isabel Ribeiro, teve um unico
filho, João Ribeiro dc Proença, casado com D. Paula
M oreira: com descendência. Do segundo casamento, com
D. Mc cia Bicudo, teve uma unica filha, D. Anua de Proença,
a qual casou-se com Salvador Pires de Medeiros, filho dc
outro de cgual nome, c neto dc Salvador Pires e dc
1). Mécia Fernandes (**): os quatro unicos filhos de D. Anna
de Proença falleceram ainda pequenos. Pste Francisco dc
Proença teve o fòro dc cavallciro fidalgo por seu avò Antonio
Rodrigues dc Almeida, que, como já ficou referido, tinha o
mesmo fòro. Seu estabelecimento agricola era no logar deno­
minado Borda do campo, no caminho de Santos, indo até o
rio Jaraigbatiba, além de Santo Amaro, e confinando com o
de seu pae, segundo já foi dito.
/ 2.° ) D. A nna de P roença, que e a do texto
ccnealomco
o
seguinte.
O

3.° ) D. Catharina de Almeida, a qual casou-se com


Antonio Castanho da Silva, portuguez: com descendenda.

(*) Assim sc vêm illuminados no brazao do armas giue o dito


Pedro Tuques dc Almeida tirou cm Lisboa, a 5 de Julho dc 1707 ; e que
foi registrado no livro grande do archivo da camara dc S. laulo — ívio
que principiou a ser escripturado cm 30 dc Outubro dc ltiA , a folhas o .
E sta noticia a dá P edro T aqiies, N o h ü i a r c h i a P a u l i s t a n a , na
R evista do In stitu to H isto rico , G eographico E th n o g ra p la co do B ra zil,
XXXIII, parte primeira, pags. 210 a 211: 1870.
(**) Ver a genealogia, Linha A, III.
— :m —

4.° ) D. Izabel dc Almeida e Procnça, a qual


casou-se com Francisco Vaz Coelho, portuguez: com des­
cendência. Deste casal descende a familia Anhaia, pelo
casamento dc sua primeira filha D. Alaria Coelho com Paulo
de Anhaia, natural da cidade do Porto, mas de origem
hespanhola.
r,.1’ ) D. Maria de Almeida, a qual, tendo-se casado
cm S. Paulo com João Lopes dc Ledesma, portuguez, o
acompanhou para o llio dc Janeiro, onde fixaram residência
e tiveram descendência. -
Ill
/). Anua de P r oeuç a casou-se com Pedro Taques,
Portuguese

P edro T aques (*) era iillio de Francisco Iaques


Pomp cu c de sua mulher D. Igncz Rodrigues.
Francisco Taques Pompeu, natural de Brabantc, dos
Justados de Flandrcs, da nobilissima familia de seu appclhdo,
passara a Portugal por causa do commercio, e estabelecera-sc
na villa de Setúbal, onde casou-se com D. Igncz Rodrigues.
A pureza c nobreza de sangue dos Taques Pompeus constam
de uma justificação de genere, cujo instrumento, passado cm
30 de Dezembro de 1697, foi remettido á camara episcopal^
do Rio de Janeiro; por onde se tinha expedido a requisitória
para as diligencias a favor de Pedro Taques dc_ Almeida,
natural da villa de S. Paulo, c neto do sobredito 1 euro
T aques. A justificação supra-referida fòra completa; e, por
isso, foi dado aqucllc instrumento, com todas as precisas
declarações.
,- ) Cumpre não confundir com este Pedro Taques o autor da
K M i P i l í w * « , " <]“«i «>'!'»«
Paes Leme, por abreviatura nas citações — P kduo Lu^m.s, um dos seus
innumeros descendentes.
— 39G

P e d r o Taques passou ao Brazil cm 1591, na q u a­


lidade de secretario do sétimo governador geral do mesmo
Estad o (*), D. Francisco de Souza. Este governador, depois
de residir na cidade da B a ln a ate ] 599, duigio-se poi
ordem régia a capitania de S. Vicente e a villa de S. Paulo,
por amor das minas de ouro descobertas, em 1 5 9 7 , na serra
J a q v a m i m b a b a ( Mantiqueira ), e com clle o secrctaiio P e d r o
Taches. Rccolhcndo-sc, em 1602, a Po rtugal o referido
governador geral, P e d r o Iaciues deixou de exercer o caigo .
preferindo ficar cm S. Paulo, por ter-se casado com D. Anna
de Proença.
Tornando-se cidadão da villa de S. Paulo, P edro
T aotes servio os cargos mais honrosos. E, quando em 1609
voltou D. Francisco de Souza, revestido dos mais amplos
poderes, entre os quaes o dc dar a serventia vitalicia cie
officios de justiça, mandou-lhe passar, em 6 dc Junho do
mesmo anno, provisão para o oíficio de juiz dc orphãos da
villa de S. Paulo.
De seu consorcio com D. Anna dc Proença teve
oito filhos; mas cresceram apenas seis.
1. " ) Pedro Taqucs, casado com I). Potência Leite,
irmã germana do governador Fernão Dias Paes. Por desavenças
em 1640 com Fernando de Camargo, foi assassinado por
este, a falsa fé. Não deixou descendenda.
2. " ) Guilherme Pompcu de Almeida. Foi muito
rico de hens e dc consideração publica. Residindo no
territorio da villa de Parnahyba, alii servio o cargo de
capitão-mór, por El-Rei D. Pedro II, sendo ainda regente.
Mereceu a honra de receber cartas dos Reis D. João IV,
D. Alfonso VI e I). Pedro II. Fundou no territorio daquclla
villa, cm Vuturuna, a capella dc Nossa Senhora da Conceição;
dotando-a, além de grande patrimonio, com ornamentos ricos
e as precisas alfaias: — essa capella já não offerece quasi

(*) Ainda então não estava descoberto o M aranhão; c, pois,


não havia senão o E x t a d o d o B r a z i l .
— 397

vestígios fio que foi. Deixou á sua descendência o encargo


da administração da capella; e instituio duas missas poi
sua alma, em cada ínez. Seria primeiro administrador seu
filho mais velho, o reverendo Guilherme Pompcu de Almeida;
c, por morte deste, seu genro Antonio de Godoy Moreira.
De seu casamento com D. M aria de Lima Pedroso, filha de
João Pedroso de Moraes c de sua mulher D. Maria de
Lima, teve apenas ties filhos: o dito reverendo Guilherme
Pompcu de Almeida (*), D. M aria de Lima e Moraes, c
D. Anna de Lim a c Moraes, 'lista ultima, casada com
Antonio de Godoy Moreira, foi a que deixou descendenda. (*'")
3.° ) L o u r e n ç o C a s t a n h o Iaq u es o telho, que e
o do texto genealógico seguinte.
4.° ) D. Sebastiana Taques. Sem geração.
5. ° ) D. M aria Pompcu Taques, casada com Manoel
de Góes Raposo. Com descendenda.
6. ° ) Antonio Pompcu de Almeida. Depois de ter

(*) 0 parlre Guilherme Pompcu cie Almeida herdou uma grande


fortuna, c a dispendia cm sumptuoso tratamento. F, contrastes da vida .
era homem illustrado e lido cm philosophia e em theologia, pelo que
merecera o gráo de doutor por India pontificia. Residia em Araçanguama,
onde fundara a capella de N. S. da Conceição, de cuja, i.nagem e r a ju n to
devoto, fazendo sua festa annualmcnte, no dia 8 de Dezembro, com um
oitavario de missas cantadas, sacramento exposto, e sermões a vanos santos
de sua especial devoção. Foram-lhe concedidas as honras de bispo mis­
sionário; c logo depois falleceu, 1713. A sumptuosidade no ceremonial
de seu enterro correspondeu á grandeza do seu tratamento em vida.
sepultado ao pé do altar de S. Francisco Xavier, que cllo fundara, na
ogreja do Collegio dos padres jesuítas.
(**) Este casal produzio cinco filhos; destes, falleccram solteiros
José de Godoy e Guilherme de Godoy de Almeida; João de Godoy dc
Almeida, casado com D. Anna da Silva, teve uma unica filha, D. F iU o
Godoy dc Almeida c -Silva, a qual, casada em Ia rn a h jb a com Joao R
Mattos Raposo, natural da ilha do S. Miguel deixou ’
D. Escholastica de Godoy, cujo casamento com Lento do Amaral. tU .b.ilvq,.
natural do Rio de Janeiro, deu origem aos Amaral Gufgél de Itu c
finalincnte, Francisco de Godoy Moreira que, capitao-mor cm Mnias-Geiaes
dc lá voltou c fixou residência em Mogy das Cruzes, onde, casando-m
com D. Maria Jorge, teve um unico filho — Antonio Jorge do Godoj, q
residio em Jundiahy, exercendo alli o posto dc sargento-mor das ordenanças.
398

viajado ate Lisboa e Angola, voltou a S. Paulo. Tendo do


prestar contas da administração das rendas geraes na capi­
tania de S. Paulo c S. Vicente, recolhia-se da cidade da
Bahia onde fòra a aquellc fim, quando enamorou-se, no ldio
de Janeiro, de um a viuva, 1). Maria do .boiiza Coutuiho ( ),
c com cila casou-se. Passado Tdgum tempo, foram ambos
assassinados no leito em que dormiam, por um bando de
individuos que invadiram-lhes a casa. Sem geração.
P edro T aques falleccu em S. Paulo, aos 26 clc
Outubro de 1644. (**)

('■'.) Azkvkim) MaiuíCKS, A p o n ta m e n to s historiam , (leograjdiievs,


hitujnijihicos, rstntistiros c noticiosos ila /irooiucio tie S. J ’a v l o , 110 1101110
IAetiro Tto/nt's. escreveu que sou tillio Antonio l'onipou de Almeida casara-se
com D. Potência de t a l ! E rcforio-sc a Pi-amo Taquks, Nohiliarchia
A I'totlistanti , que não disse tal inverdade !
i .1 fonti ra-se 1’kduo TaiU'KS, N obiH avchia I ’a n l i s t a n a , na
Ileiosfn do Instituto Jlistortco , Geotjrnphico c 1‘J linotirajthico do U ra cil,
XXXII, parte primeira, [tags. 211 a 2dl : liS(i!J.
IV
Lourenço Castanho Taques, denominado — o velho,
casou-se com D. M ana de Lara

L ourenço C astanho T aciues— o velho foi notabilissimo


c nobre cidadão de S. Paulo. Como homem opulento que
era cm bens, c também em virtudes privadas c cívicas,
prestou muitos serviços ao governo da metropole, e a admi­
nistração da capitania de S. Vicente (*). Exerceu, como
seu pae, o cargo de juiz de orpliãos; adquirindo, por sua
justiça, o respeito dos jurisdiccionados.
Quando, cm l.° de Abril de 1641, Amadoi Eueno
de Ribeira foi acclamado 1lei, em S. Paulo, L ourenço
C astanho T aciues, a convite de mesmo Amador Bueno e
dos frades do mosteiro de S. Bento, acudio immediatamente
com sua influencia para que o povo nao insistisse no seu
revolucionário proposito. Então gozava elle de prestigio
quasi eg uai (**) ao de Amador Bueno; existindo até uma

(*) Só por provisão de 22 dc Março dc 1681, a cabeça da


capitania passou para a villa dc S. P a u lo ; elevada á cidade por carta
rema dc 11 de Julho dc 1711.
(**) Nesse mesmo anno dc 1641, Louronço Castanho Taques
havia entendido que não deveria retirar-se da villa de S. Paulo, após o
assassinato de seu irinao Pedro Taques, como o fizeram os outros irmãos,
400

certa rivalidade entre as respectivas familias. De então cm


diante, tornou-se elle o cidadão preponderante na villa, e
mesmo na capitania. Entendendo que os padres da Com­
panhia de Jesus eram necessarios ás missões e á catechése,
não cessou de sustcntal-os com os meios moraes e politicos,
de que dispunha. Por isso, andou sempre identificada -com-
o governador Salvador Correa de Sá e Benevides, accusado
de favorecer os jesuitas.
Auxiliou com pessoal c dinheiro as despezas das
descobertas de minas, quando em 1659 o referido Salvador
Corrêa de Sá c Benevides,7 nomeado administrador O geral das
minas de ouro e de prata, reunidamente com o governo das
tres capitanias — Espirito Santo, Rio de Janeiro e S. Vicente,
chegou á villa de S. Paulo, trazendo-lhe uma carta d E l-R ei
1). João IV (*) para que lhe desse ajuda e favor.
São conhecidos os conflictos, que se deram no Rio
de Janeiro, revoltando-se alli a população contra o gover­
nador da praça Thomé Corrêa de Alvarenga, o sargento-mõr
Martini Corrêa Vasques, e o provedor da fazenda real Pedro
de Souza Pereira, em fius de 1660. Quando a S. Paulo
chegou
°
a noticia do insulto, resolvendo o ogovernador ogeral
Salvador Corrêa de Sá e Benevides « pòr-se a caminho e
ir para o Rio de Janeiro socegar o tumulto c dar o merecido
castigo aos cabeças e autores da sedição », apressou-se
E ouuexço C astanho T a hues a demovêl-o de tão imprudente
proposito, « supplicando com instancias de leal vassallo não
quizesse sua senhoria pòr em tão evidente risco a vida e a
autoridade / . Resistindo o governador geral a tão sinceras
ponderações, L ourexço C astanho T a turns assentou acompa-
nhal-o com arm as; mas nem este auxilio admittio. « Com

« porque o seu grande respeito e força d'annas o promptificava para pôr


cm cerco aos inimigos ». Adduziinos esto facto só para mostrar seu poderio
naquelia cpocha referida no texto supra.
(*) Sendo a ordem de El-Rei 1). João IV. de 7 de Junho
de 1644, para a descoberta de tacs minas, ó provável que a carta supra
fosse também desse anuo. El-Rei I). João IV fallecera em 1656.
— 401

cstc total desengano, fomentou L ourenço C astanho que a


nobreza se juntasse em corpo de união com o senado da
camara, para, por carta c por parte de Sua Magcstade, se
lhe ponderar a m ateria com esperanças de aceitar as
ponderações que se lhe fizessem ». Afinal, feito isto, accedeu;
limitando seu regresso até á Ilha Grande, sem embargo da
resposta já dada a aquella carta, em 2 de Março de
1661. (*)
(*) P e d u o Taques, Nobiliarchia Paulistana, na Revista elo Instituto
Historico, Geographico e Ethnographico do Prazi!, XXXIII, parte primeira,
pags. 11 c 12, transcreveu o inteiro tlioor da « resposta do governador,
general Salvador Corrêa de Sá e Benevides, á carta que llie escreveu a
nobreza de S. Paulo, com os prelados das religiões o reverendo I). abbade
de S. Bento frei Hyeronimo do Rosário, o prior do Carmo frei André de
Santa Maria, o guardião de S. Francisco frei Gaspar de Santo Innocencio,
o vigário da igreja Domingos Gomes A lbernaz; os camaristas Estevão
Bayão Parente, Constantino_du Sau.vedra, Francisco Dias Leme, Manoel
Cardoso c Paulo Gonçalves; os da primeira nobreza Lourenço Castanho
Taques o seu filho Lourenço Castanho Taques — o m oço, o capitao-mór
Antonio Ribeiro de Moraes, D. Francisco de Lemos, Joao de Godoy
Moreira, João Ortiz de Camargo, Hyeronimo de Camargo, Antonio Pires,
D. Simão de Toledo Piza, Paulo da Fonseca Bueno, Antonio Lopes do
Medeiros, Manoel Dias da Silva, Antonio do Canto de Mesquita, Antonio
de Godoy Moreira, Estevão Fernandes Porto, Gabriel Barbosa de Lima,
Estevão Gomes Cabral, Gaspar Maciel Aranha, Manoel Alves de Souza e
outros muitos paulistas de veneração e respeito, que constam do mesmo
accordão a fi. 117 do livro de registros n. 4, tit. 1058, do archivo da
camara de S. Paulo, onde se contam 58 pessoas assignadas. »
Eis o theor da resp o sta:
« Conheço o zelo com que Vines, c mais ministros, camara,
cidadãos e povo, tratam do serviço de Sua Magestade, como tão leaes
vassallos se u s : eu lhe representarei em todas as occasiões que se offerc-
cerem do augmento destas capitanias e moradores delias, e da minha parte
fico com o devido agradecimento da mercê que me fazem em abonar as
minhas acções ; supposto hão sido com o desejo de acertar, ás vezes nao
são agradecidos.
« A Vines, lhes é presente o que tenho obrado, e que me não
fica que fazer por esta banda do s u l: e não c justo que, estando no
derradeiro quartel da vida, me fique nesta villa tratando de conveniências
proprias, quando posso occupar o tempo nas do serviço de Sua Magestade,
indo-me chegando á cidade do Rio de Janeiro a dar calor á obra dos
galeões que alli está começada, porque considero que os moradores, á vista
do bando que já mandei lançar e lhes dava modo de bom governo,
accoinmodando-me ás sita s desconfianças , espci'0 obl GUI COlllO leaes vassallos,
402 —

Annos depois, desenvolvendo-se ainda mais no governo


em Lisboa a mania da descoberta de minas, L ourenço
C astanho T aques, « achando-sc com disciplina militar na
guerra contra os indios, c tendo pratico
O 1 . conhecimento dos
sertões que havia penetrado na conquista de varias nações
dos mesmos indios, recebeu uma carta do Principe Regente
o infante 1). Pedro (*), datada em 23 de Fevereiro de
1G74 (**), sobre o descobrimento de minas de ouro e de
prata, para cuja diligencia tinha já partido Fernando Dias
Paes, com patente de governador de sua leva ou tropa; e,
pois, Lourenço Castanho tomou a si, pelos seus cabcdacs e
força do corpo de armas, penetrar o sertão de barbaros
indios Catatjuazes, c entrou para esta conquista com patente

conhecendo quo a minha tendão não é mais que conservar a jurisdicção


re a l; que, supposto com a ajuda de Vines, e desta capitania, e zedo dos
moradores delia no serviço real, podia cu tratar do castigo, me conformo
antes cm obrar, cm matéria* de poro, com toda a prudência, até resolução
de Sua Magcstade, para com ella obrar o que me mandar. Espero que
nesta oceasião e em todas as mais que se offerccorem do serviço de Sua
Magcstade, c por me fazerem mercê, os ache com a mesma vontade que
em esta oceasião experimento.—S. Paulo, 2 de Março de 1661. •— Salvador
Corrêa de Sií e J ie n c vid e »
lv um documento de grande valor politico, pela moderação que
revelou em seu assiguatario.
Algum tempo depois, El-liei dignou-sc agradecer a Lourenço
Castanho 'Iaques a intervenção de sua influencia em favor do governador
geral, o referido Salvador Corrêa de Sá e Bcnevides.
(*) Depois El-Bei I). Pedro II.
(’**) A data desta carta régia é de 23 de Março de 1664,
segundo Azevedo M arches , Apontamentos historicos, geographicos, bioqra-
phicos, estatísticos e noticiosos da provincia de S. Paulo, no nome Lourenço
Castanho Taques, 0 paC.
Mas, foi engano seu ; porque a carta é do infante D. Pedro que
cm 1664 ainda não era regente.
A d a ta do te x to , tira d a da Nobiliarchia Paulistana , de Pr,mio
I aques, é a ex a cta; m esm o porque foi c o p iad a do liv ro resp e c tiv o ,
tit. 1673, com o elle d e c la ra na n o ta á m esm a data.
Ainda mais que a carta régia, citada por Azevedo M arques,
« o elogiou por ter sido um dos descobridores das minas de Ca tag ua,: es e
dos sertões de Caethé » ; e, pois, não podia ser senão posterior á do 23 de
Fevereiro de 1674, que recommcndavudhe essa descoberta.

-
403

de governador, com jurisdicção e poder correspondente ao


caracter da sua patente, largando a serventia do officio de
juiz de orphãos, que occupava por provisão de mercê vitalicia,
como tinha tido seu pae Pedro Iaques. E conseguio o
primeiro conhecimento, que depois veio a produzir a fertilidade
das minas de ouro, chamadas no principio de seu desco­
brimento Cutaguazcs, e, depois, estendendo-se em m uitas
léguas de distancia, mas no mesmo sertão, os novos desco­
brimentos, vieram estas j\Jiticis a. ficar conhecidas com a
nomenclatura de Geraex, cm que se conservam. »
Sua propriedade rural era a mesma fazenda da ribeira
de Ypiranga, herdada de seus paes. (*)
Parece que essa propriedade abrangia, em seus
limites, tudo o que mostra actualmente naquelle lugar
vestigios de cultura antiga e de bemfeitorias c edificações.
As sesmarias eram sempre muito extensas; c homens ricos,
como Antonio de Proença, Pedro Iaques, c L ourenço
C astanho T aques, não deixariam de as possuir na proporção
■de seus cabcdaes e de suas grandes forças.

P . M a rta de também paulista, era filha de


L ara ,
P . Piogo de Lara c de sua mulher P . Magdalena 1’ ernandes
Peijó.
(*) E’ a mesma fazenda que pertencera a Antonio de Proença.
Ribeira de Ypiraiuja é a mesma ribeira do Ity-poranga, também
mencionada por Pkdlio Taíjues, Nobiliarchia Paulistana, na Revista do
Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brazil, X X X III, parte
primeira, pag. 211: 2.° trimestre de 1870.
A parte, que ficara pertencendo a Francisco de Proença, é assim
descripta por P edro T atues , pag. 212: « teve estabelecimento de fazenda
da mesma natureza da de seu pae, á qual estava contigua, cujos dilatados
campos c ferteis terras se estendem cm grande distancia pelas laces da
ribeira de Ityporanga, de uma parte pelo caminho de Santos até o sitio
chamado Borda do Campo, e da outra pelo caminho dos carros até o rio
Jaraigbatiba, além da freguezia de Santo Amaro. »
— 404 —

Casou-se com L ourenço C astanho I aques, na m atiiz


cie S. Paulo, cm 24 de Novembro de 1631.

]). THogo de L a ra , seu pae, era filho legitimo de


1). Diogo Ordouliez de Lara, natural da cidade de Zamora,
Itespanha, de sangue muito illustre, como consta dos autos
de r/enere c outros na camara episcopal de S. Paulo. Sua
mãe era D. Antonia de Oliveira.
Foi o progenitor da familia Lara (*), na capitania
de S. Vicente e S. Paulo. Era geralmente respeitado e
venerado por suas virtudes. Vivia mais na egreja de Nossa
Senhora do Carmo, junto ao altar-mor, onde estava o Santissimo
Sacramento no sacrario, do que em sua casa. Residindo em
uma quinta, que legou ao convento do Carmo, dalli sahia
vestido diariamente no habito de irmão terceiro, trazendo flores
para ornar o altar de Nossa Senhora do Carmo, na eapella-mor.
Falleeendo em 22 de Outubro de 1665, seu corpo-
foi sepultado na capella dos irmãos terceiros, com a veneração
de santo, por sua exemplar c penitente vida.
As armas dos 'Laras eram cm campo de prata, duas
caldeiras pretas postas em pala, com as boccas e azas
guarnecidas de ouro.
Deixou oito filhos : Joaquim de Lara e Moraes,
casado na Ilha-G rande; Marianno de Lara, carmelita com o
nome de frei Alberto do Nascimento ; Pedro de Lara e
AI oraes, clérigo, também mudado para a Ilha-G rande ; João
de Lara c Al oraes, casado com D. Alaria de Góes e Medeiros ;
1). AIaria oe L ara, casada com Lourenço Castanho T aques ;

(*) 0 povo de S. Paulo costumava distinguir entre os de origem


legitima, Lara, e os de origem illegitima, L a r á , desde 1780.
Ainda é conhecida esta distinceão ou differença.
Assignalamos apenas o facto, sem pretendermos tirar o muito
mérito a pessoas que o têm realmente e cuja amizade prezamos.
405

D. Anna de Lara, casada com Francisco M artins B o n ilh a;


D. Alaria Pedrosa, casada com Tristão de Oliveira Lobo ;
c 1). Isabel de Lara, casada com Luiz Castanho de Almeida.

J). Magdalena Fernandes Feijó, sua mãe, era filha


legitima de Pedro de Moraes de Antas e de D. Leonor
Pedrosa. Falleceu em 18 de Julho de 1661.
Este Pedro de Moraes de Antas (*) era filho legitimo
de Balthazar de Moraes de Antas, com D. Brites Rodrigues
Annes ; e, por sua nobreza, prende-se ao titulo dos F r a -
ganções (**), como bem o demonstrou P e d r o T a u u e s , Nobiliarchia
Paulistana, na Revista do instituto Historico, Geographico e
Fthnographico do F razil, X X X I I I , parte segunda, desde
pag. 27 ;'i pag. 35.
De seu lado, D. Leonor Pedrosa era filha legitima
de Estevão Ribeiro Bayão, natural da cidade de Beja,

(*) Pedro de Moraes de Antas foi o fundador e primeiro padroeiro


da capella de Nossa Senhora d e i P o p u l o , situada no bairro do Rio-Grande,
no caminho dc S. Paulo a Santos.
Pedro de Moraes de Antas falleceu, segundo P e d r o T a q u e s ,
em 1 4 de Julho de 1 6 9 6 ; mas, segundo A z e v e d o M a r q u e s , A p o n t a m e n t o s
h is to r ic o s , g e o g r a p h i c o s , Inographi.cos , e s ta tís tic o s e n o tic io so s d a p r o v í n c i a d e
S . P a u l o , no nome P a l r o d c M o r a e s dc A n t a s , em Dezembro de 1 6 4 9 .
E isto ellc o affirma, em formal contestação a P e d r o T a q u e s , dizendo ter
lido seu testamento e o inventario, dos quaes era guarda como primeiro
escrivão de orphãos de S. Paulo.
( * * ) I ) . A ntonio Caetano de S ouza, G e n e a l o g i a d a C a s a R e a l
P o r t v g u e z a , c outros genealogistas fazem descender dc D. Mendo Alam,
senhor da villa de Bragança, casado com uma princeza armenia, os deno­
minados B r a g a n ç õ e s , dc Portugal. Succedcu a seu pae, no senhorio de
Bragança, seu li lho I). Fernando Mondes, rico homem, chamado — o velho ;
cujo neto I). Fernando Mendes, também rico homem, denominado — o
B r a g n n ç ã o , casou-sc, segundo uns, com 1). Thereza Affonso, filha illegitima
de El-Rei I). Affonso Henriques, segundo outros, com D. Sancha Henriques,
irmã do mesmo rei D. Affonso Henriques, e, segundo alguns, com D. Thereza
Soares, filha de D. Soeiro Mendes o Bom da Maia.
O citado P edro T aques, no~Iug"ar- supra indicado, discute todas
essas historias dc casamentos-
40 G

( p a r e n te do Fstcvão Liz, m o rd id o cm Villa K c a l ) c de sua


mulher D. Magdalena F e rn an d e s Feijó de M a d i n w a , natural
da eidade do Porto, donde veio para S. Paulo, ja casada (' ).
Foste tronco procedem todos os religiosos da C o m p a n h i a dc
Jesus, de appellidos M o v a i s P e d r o s o e R i b e i r o ; e dclle
tam h em sahiram varios familiares o eommissarios do fcanto
Oficio, cavallciros da ordem do Christo, fidalgos da ^casa
n-a! <mverna«lores, e um donatario — o conhecido e j á referido
Lento' Maciel Parente (**) .pie em 1G3S foi governador do
Fstado do Maranhão. Outrosiin defies procede o famoso
sertanista João Amaro Maciel P a ren te ^ q u e , ^ cm fins do
século XVSI, penetrou os sertões da Bahia. P"'")
I,ouiKxn> ( ' amanho T a. u; ks, de seu casamento com
F. M au ia oi: l.AiiN, teve sete filhos e trcs filhas.
1.") í.ourenco Castanho Taques — o m o ç o . Servio
OS mais honrosos cargos na villa de S. Paulo. Im itando a
seu pae em todas as virtudes privadas c civicas, foi como
(die muito estimado e respeitado de seus concidadãos. ^ l o r -
nara-se pacificador infillivel das desavenças entre os desvairados
j>;ir;i a nmuizade. 1 a mhe m tratava-se a lei da nobicza ,
uão esquecendo nunca os preceitos chnstãos. M c icc eu a
honra de uma carta de L l- K ei F . Ped ro 11, de 2 0 de
Outufiro de ]G9tt, agradecendo-lhe os serviços c auxilios que
prestara ao governador e capitao-general do Kio dc Janeiio,
Arthur de Sá e Menezes. F c p o i s dc ter casado os filhos c
dotado as filhas, apurou o resto da sua grandeza na fundaçao
e construct;.!» do lleeolhhncnto de Sa n ta Tlicreza :>, com o

Alguns direitistas não trazem o sobrenome de Mculureira.


p ) 1-Ate Bento Aíaciel Parente foi o que ficou feito prisioneiro
dos liolIandi7.es na eidade de S. Luiz do Maranhao.
'Veja-se o capitulo oitavo da parte histórica.
(;:::) SiaiAsTiÀo d a l i o n i A P itta, A m e r i c a P o r t u g u e s a , attribue
a este eapitão-iuór João Amaro Maciel Parente a conquista dos gentios,
quo otiemliam as villas de Cairá, Caniaiuú c Boypcba, na B ahia; mas,
i ’ii i>11<) Ta.íi-us, A uh/11 'ii‘<lu<i J ’ii aIixt<ida, taz restituir ao governador
Kstevão Bibeiro Bayão, pae do dito João Amaro, essa proeza, sem que
as do mesmo João Amaro, de cgual natureza, soffrani prejuízo.
407

auxilio dc dinheiro que seu i r mã o — o capitão-mór e alcaide-


mór Pedro Taques de Almeida prestou-lhe. Era casado com
D. M aria dc Araujo, natural de S. Paulo, filha legitima de
Luiz Pedroso de Barros, capitão de infantaria na restauração
de Pernambuco, e de D. Leonor de Siqueira Góes Araujo,
da cidade da Bahia, irmã germana do desembargador João de
Góes Araujo. Segundo affirma P edro T aques, falleceu elle
com evidentes signaes dc predestinado, em Dezembro de 1708.
Deixou desccndencia : cinco filhos e seis filhas.
2.° ) Francisco dc Almeida Lara. Tomou ordens em
L isb o a; c foi doutor c protonotario apostolico por bulia
pontificia, com uso do habito prelaticio.
3.° ) P edro T aques de Almeida, que é o do texto
genealógico seguinte.
7 4.° ) Thomó dc Lara de Almeida. Ilesidio na villa
de Sorocaba. Foi casado duas vezes : a primeira, com
1). Maria Pimentel, filha unica do capitão Antonio dc Almeida
Pim entel e de sua m ulher D. Lucrecia Pedroso de Barros ;
a segunda, com D. M aria de Campos. Do primeiro matrimonio,
entre outros filhos (11), o mais velho foi Fernando Paes de
Barros. Do segundo, entre outros filhos (5), só deixou geração
Thomó de L ara Campos.
5. ° ) Diogo de Lara c Moraes. Casado com D. Isabel
de Godoy, filha de João de Godoy Moreira e de sua m ulher
D. Eufemia da Costa Motta. « Passou a viver—na cidade
do Rio de Janeiro, occupando o emprego de commissario da
junta das fragatas de el-rei. »
6. ° ) Antonio de Almeida. Ilesidio em seu sitio de
Araçariguama, districto da villa dc Parnahyba, onde servio
de juiz ordinario e de orphãos. Era casado com D. Potência
Leite do Prado ; e deixou apenas duas filhas, as quaes
casaram-se e tiveram geração.
7. ° ) José Pompeu de Almeida. Tomou ordens em
Lisboa, também como seu irmão Francisco de Almeida Lara.
— 408 —

Rebellando-se contra a disciplina ecclesiastica, ausentou so


para os sertões do Paraguay, onde falleceu miseravelmente,
se não de fome, devorado por alguma fera. ( )
8. ° ) D. Anna de Proença. Casou-se duas vezes: a
primeira, com Pedro Dias Leite, irmão germano do governador
Fernando Dias P aes; a segunda, com Manoel de b rito
Nogueira. De ambos os casamentos deixou descendencia.
9.° ) D. Branca de Almeida. Casou-se com João
Pires Rodrigues, « paulista de muita veneração, chamado por
antonomasia” Pai da Patria, pelo grande zelo que mostrou
sempre pelos interesses do bem publico delia ». E ntre os
doze filhos, tem menção especial Pedro Iaques Pires, que
sustentou longa c custosa pendência contra o ouvidor e corre­
gedor da comarca, pela infracção do alvará que garantia ás
duas familias Pires e Camargos seis lugares de vereadores.
10. ° ) D. M aria de Lara. Casou-se com João de
Toledo Castelhanos ; o qual, enviuvando, contrahio segundas
núpcias com D. Anna do Canto de Mesquita. D. M aria de
Lara deixou numerosa descendencia.

L ourenço C astanho falleceu no dia 5 de


T aques
Março de 1677 ; e foi inhumado, cm sepultura rasa, na egreja
dos Carmelitas, no jazigo proprio que ahi deixara seu pae,
Pedro Taques.
D. M aria d e L ara tin h a fa lle c id o no d ia 8 de
Dezembro do 1670.(*)

(*) 0 padre M anoel da F onseca, Vida do padre Belchior de


Pontes, narra que o padre Fontes, mesmo de S. Paulo, transportara-se
cm espirito até o lugar em que estava a morrer o padre José Pompeo de
Almeida, e confessara-o.
V
Pedro Tuques de Almeida casou-se com

D. Angela de Siqueira

P edro T aq,[;es de A lmeida, nobre cidadão da villa


de S. Paulo, occupou alii os principaes cargos. Foi também
commandante da fortaleza de Vera Cruz, de Itapema, em
Santos; capitão-mór governador da capitania de S. Paulo e
S. Vicente, por patente régia, 1684 — 1687, com jurisdicção
para prover postos militares e outros cargos. Em 1704, por
carta régia de 13 de Setembro, foi nomeado alcaide-mor e
adm inistrador das aldeas do real padroado.
Era muito considerado pelo governo real em Lisboa;
e, sé com informação sua (*), o governo resolvia as pen-

(*) Exemplo disso é a carta régia de 3 de Abril de 1709,


cscripta aos officiaes da camara de S. Paulo :
«Officiaes da camara da villa de S. P a u lo .— Eu el-rei vos
envio muito saudar. Havendo visto a conta que me deu Pedro Xaques de
Almeida sobre a incapacidade de Bento do Amaral da Silva, a quem o
ouvidor-geral João Saraiva de Carvalho deixou cm seu lugar, ausentando-se
para o Iiio de Janeiro por ser um homem criminoso ; me pareceu orde­
nar-vos, como por esta faço, lhe não obedeçais, nem ao mesmo ouvidor-
geral proprietario, se tornar a entrar na correição. E porque o mesmo
Pedro Xaques me representou a grande perturbação que causou nesse
povo as moedas falsas, que se acharam nessa capitania, vos ordeno que
410

dcncias, demittindo e nomeando funccionarios da capitania.


Pov sens conselhos foi que, não podendo continuar a visitar
as aldeas, El-R ei determinou que fossem governadas, cada
uma delias, por um missionário, com jurisdicção parochial
para os sacramentos; havendo também, para a administração
politica c cconomica, um capitão-mór, um sargento-mor, e
alguns capitães escolhidos entre os mesmos indigenas.
Pelos grandes serviços prestados á coròa, sempre á
custa de sua fazenda c com o maior zelo, E l-R ei D. Pedro II
o tomou para fidalgo da sua casa, com o fòro e moradia de
cavalleiro fidalgo, que era o que tinha seu ter-avò Antonio
Rodrigues de Almeida ('"")• Nem disso precisava clle, por­
quanto, a fim de provar a pureza de seu nobre sangue,
requereu no juizo ecclesiastico as diligencias de genere, pelos
costados de seus quatro avós, e foram expedidas as seguintes
cartas requisitórias :
1. n — Ao bispo da Guarda, cm Portugal, para inqui­
rições sobre a pureza de sangue de Antonio de Proença, de
Belmonte, moço da camara que tinha sido do infante
1). Luiz.
2. ;i — Ao arcebispo de Lisboa, também cm Portugal,
quanto á pureza de sangue de Pedro Taques, de Setúbal.
3. a — Ao bispo de /am ora, em Iíespanha, quanto á
pureza de sangue de D. Diogo Ordonhez de Rara.
Além destas, foi expedida outra requisitória acerca
de Balthazar de Moraes de Antas, fidalgo da casa real,
natural da villa de Mogadouro,
O 7
também de Portugal.
o

L as sentenças proferidas pelos vigários geraes e


juizes das justificações de genere, do bispado do Rio de

neste particular procedais com aquclla diligencia c cuidado que pede


matéria tão importante. Kscripta cm Lisboa a 3 de Abril de 1 7 0 9 .—
Com a rubrica de Sua Magestadc. »
Moedas falsas! Hoje são introduzidas; e os introductores são
condecorados. . . .
(*) Vôr o texto 1, desta Linha B.
411

Janeiro (ainda então não liavia sido crcado o bispado de


S. Paulo, (juc só o foi em 1745 ), existiam na respectiva
camara episcopal, donde foram transferidas .depois para a
do bispado de S. Paulo.
Também no juízo cível, por sentença do ouvidor
geral e corregedor da camara de S. Paulo, em lí> de Maio
de 1702, foi julgada a fidalguia hereditaria de seus ascen­
dentes. F, porque a estes autos de 'puritate et nohãitate
probanda juntou os instrumentos de Balthasar de Moraes de
Antas, seu bisavó, processados na villa de Mogadouro em loO 7,
foi julgado, por este costado de Moraes de Antas, também
leoitimo
£5 sétimo
' neto de Alendo
# Aítonso
r. de
. Antas, senhor
donatario e aleaide-mór da villa de Vimioso, como consta
doç ditos instrumentos, F dos livros genealógicos, entre os
quaes tem toda a primazia a obra do conde D. Pemio,
consta o mesmo que foi cscripto nos mencionados instrumentos
dc Balthazar de Moraes de Antas, c que veio casar-se cm
S. Paulo cm 1580 /. Balthasar de Moraes de Antas, com
effeito, casou-se em S. Paulo com l). Brites i lodrigaies
Annes, filha dc Joanne Annes Sobrinho, o irmã de outras
duas que eguahnente easaram-.se com pessoas dc conhecida
nobreza; e tiveram somente dons filhos e duas filhas, entre
os quaes Pedro de Moraes de Antas, ja referido no texto
gcn e a1oogico ant c ce<1en t e.
o

Fundou c fez construii á sua custa, na egreja da


Ordem Terceira do Carmo, o altar do Senhor Bom-Jesus
da Boa-Morte, em talha: e um jazigo para si c sua família.
F, hem assim, fundou na egreja do mosteiro dc S. Bento
outro altar, de talha dourada, para a Imagem de Nossa
Senhora da Coneeieão (*). Fmquauto vivo, fazia celebrar nos
dias 3 de Maio e 8 dc Dezembro, nas egrejas do ( armo
(ordem terceira) e de S. Cento, respeetivamente, as solem-
p1') Segundo 1’KDistt T ai(u;i'.s, reino ZV/e/oCooo, « o pavi­
mento todo deste altar, que é rolatend ao pó do arco da eapella-mór, da
parte da epístola, tirou pertencendo por e/enptura de trausaeeao ao
fundador, para seu jazigo o dos seus legitimo.-' descendente.--, m ikt / hU/'m, ».
410

dcncias, demittindo c nomeando funccionarios da capitania.


Por seus conselhos foi que, não podendo continuar a visitar
as aldeas, E l-R ei determinou que fossem governadas, cada
uma delias, por um missionário, com jurisdicção parochial
para os sacram entos; havendo também, para a administiação
politica e economica, um capitão-mor, um sargento-mor, e
alguns capitães escolhidos entre os mesmos indigenas.
Pelos grandes serviços prestados á coròa, sempre a
custa de sua fazenda c com o maior zelo, E l-R ei D. Pedro I I
o tomou para fidalgo da sua casa, com o fòro c moradia de
cavallciro fidalgo, que era o que tinha seu ter-avò Antonio
Rodrigues de Almeida (*). Nem disso precisava elle, por­
quanto, a fim de provar a pureza de seu nobre sangue,
requereu no jnizo ecclesiastico as diligencias de genere, pelos
costados de seus quatro avós, e foram expedidas as seguintes
cartas requisitórias :
1. a — Ao bispo da Guarda, em Portugal, para inqui­
rições sobre a pureza de sangue de Antonio de Proença, de
Belmonte, moço da camara que tinha sido do infante
1). Luiz.
2. a — Ao arcebispo de Lisboa, também em Portugal,
quanto á pureza de sangue de Pedro Taques, de Setúbal.
.V — Ao bispo de Zamora, em Hespanha, quanto á
pureza de sangue de D. Diogo Ordonhez de Lara.
Além destas, foi expedida outra requisitória acerca
de Balthazar de Moraes de Antas, fidalgo da casa real,
natural da villa de Mogadouro,
O 7 também de Portugal.
o
K as sentenças proferidas pelos vigários geraes e
juizes das justificações de genere, do bispado do Rio de

neste particular procedais com aquella diligencia c cuidado que pede


materia tão importante. F.s cripta cm Lisboa a 3 de Abril de 1 7 0 9 .—
Com a rubrica de Sua Magostadc. »
Moedas lalsas! Hoje são introduzidas; c os introductores são
condecorados... .
(*) Vèr o texto I, desta Linha B.
411

Janeiro (ainda então não havia sido creado o bispado de


S. Paulo, que só o foi em 174o), existiam na respectiva
camara episcopal, donde foram transferidas- ..depois para a
do bispado de S. Paulo.
Também no juizo cível, por sentença do ouvidor
oo'cral e corregedor
O da camara de S. Paulo, em 10 de Maio
dc 1702, foi julgada a fidalguia hereditaria do seus ascen­
dentes. F, porque a estes autos de puritate et nobilitate
probandá juntou os instrumentos de Balthasar de Moraes do
Antas, seu bisavó, processados na villa de Mogadouro em loG7,
foi julgado, por este costado de Moraes de Antas, também
legitimo sétimo neto de Meudo Affonso de Antas, senhor
donatario e alcaide-mor da villa de Vumoso, como consta
do$ ditos instrumentos. Ir dos livros genealógicos, entre os
quaes tem toda aprimazia a obra do conde D. IV.ono,
consta o mesmo que foi eseripto nos mencionados instrumentos
de .Balthazar de Moraes dc Antas, .. <pie veio casar-se em
S. Paulo em 1580 . Balthasar de Moraes de Antas, com
effeito, casou-se em S. Paulo com D. Brites Rodrigues
Armes, filha de Joanne Annos Sobrinho, e irmã de outras
duas que egualmente casaram-se com pessoas de conhecida
nobreza; e tiveram somente dous filhos o duas filhas, entre
os quaes Pedro de Moraes de Antas, ja retendo no texto
genealógico
o o
antecedente.
Fundou c fez construir, á sua custa, na egreja da
Ordem Terceira do Carmo, o altar do Senhor Bom-Jesus
da Boa-Morte, cm talh a; e um jazigo para si e sua família,
jfi hem assim, fundou na egreja do mosteiro de S. Bento
outro altar, de talha dourada, para a Imagem de Nossa
Senhora da Conceicão (*). Finquanto vivo, fazia celebrar nos
dias 3 de Maio e S dc Dezembro, nas egrejas do Carmo
( ordem terceira ) e de S. Bento, respeetivamente, as solem-
(:i ) Ro°'Ull(lo PiiDiin T a^FFS, j\ ohtJrchtff « 0 ]KV\ i-
mento ludo deste altar, (jue ó colateral ao pé do arco da eapella-nmr, da
parte da epístola, tirou pertencendo por eseriptura de tcansaeeao ao
fundador, para seu jazigo o dos seus legitimos descendentes, m ,aríu-t»^n, ».
412

nidades da Santa Cruz e da Conceição. E, para depois de


sua morte, providenciou no testamento, instituindo um vinculo
com a renda precisa para serem continuadas aquellas festi­
vidades; cuja administração ficou a cargo de seus descendentes
por varonia, dos quaes o ultimo foi o brigadeiro Bernardo
José Pinto Gavião Peixoto. (*)
Concorreu com o dinheiro preciso, segundo já ficou
escripto, para que seu irmão, Lourenço Castanho Taques —
o moço, concluísse o Recolhimento de Santa Thereza, « com
os dormitorios, cerca, cgreja, coro, c tudo o mais em sua
ultima perfeição ».
Falleceu, em S. Paulo, a 4 de Agosto de 1 7 2 4 ; e
seu corpo foi sepultado no jazigo, de sua propriedade, junto
ao altar do Senhor Bom -Jesus da Boa M orte (*'*): — em
cuja campa estavam abertas as armas dos Taques, Proenças,
Taras c Moraes, cm quatro quartéis dentro de um escudo,
na fôrma que lhe foram illuminadas no brazão, tirado em
Lisboa, aos 5 de Julho de 1707.

D. A ngula de S iq u eir a , nascida em S. Paulo em


1G48, era filha de Luiz Pedroso de Barros e de sua m ulher

(*) Por cffcito da lei dc (> dc Outubro dc 1S35 ; covnquanto o


art. d." não proteja a extineçao do vinculo, no caso do instituído no
testamento referido no texto supra.
Também ha o decreto dc 20 de Maio de 1837; segundo o qual,
« todas as disposições testamentarias, ou doações para instituições de
morgados, c vínculos, qun se não verificaram, são havidas como não
escriptas, c os bens, que delias fizeram objecto, pertencem aos herdeiros
dos instituidores ».(*)
(**) Em quanto viveu, ■< fazia celebrar neste altar, todas as
sextas feiras de cada semana, uma missa, antes da qual se corria o véu
que encobria a Sagrada Imagem, havendo nesse acto duetos de incenso c
na missa omesmo », segundo escreveu Tkdro Taques, N M liarckia
Paulistana.
Segundo este mesmo genealogista, « antes de dispor o seu tes­
tamento, havia o capitão-mór governador Pedro Taques, dc commum
accord o com sua mulher, mandado estabelecer no reino de Portugal uma
missa quotidiana ».
413 —

D. Leonor de Siqueira de Góes A raújo; elle, capitão de


infantaria na restauração de Pernambuco, ella, irm ã germana
do desembargador João de Góes de Araujo, da cidade da
Baliia.
Também, D. Angela de S iqueira e sua irmã, D. M aria
de Araujo, ambas casaram-se egualmente com dous irmãos,
o alcaide-mór P edro T aques de A lmeida e Lourenço Castanho
Ta ques — o moço.
D. A ngela d e S iq u e ir a , quando casou-se com o
alcaide-mór P ed r o T aques d e A lm eid a , ja era viuva de
Sebastião Fernandes Corrêa, segundo provedor e contador
da fazenda real da capitania de S. Vicente e S. P aulo; de
cujo matrimonio tivera um unico filho, Timotheo Corrêa
de Góes.
E ra D. A ngela de S iqueira m ulher de animo varonil.
Tendo cila o privilegio, concedido por E l-R ei D. Affonso VI,
de nomear para o cargo de provedor c contador da real
fazenda e juiz da alfandega em Santos, nomeara, durante a
menoridade de seu filho do primeiro matrimonio — Timotheo
Corrêa de Góes, o seu segundo marido — capitão-mór P edro
T aques de A lmeida; chegado, porem, o tempo de exercei
dito cargo, como herdeiro, o referido Timotheo Corrêa de
Góes, este empossou-se no cargo, e retirou-se para S. Paulo,
deixando commissão ao escrivão para os despachos das
cargas.
Não quiz pagar este imposto um individuo, compadre
e protegido do ex-capitão-m ór governador da capitania Diogo
Pinto do Rego, pessoa de distincta qualidade e nobreza, e
muito abastado de fortuna; e, resultando disso a prisão do
referido individuo, Diogo Pinto do Rego o m andara soltar,
cm desprestigio de Timotheo Corrêa de Góes. (*)

(*) Casado com D. Maria Leme das Neves, bisneta de Pedro


Dias Paes Leme e de sua mulher D. Maria Leite. E deste consorcio
teve Timotheo Corrêa de Goes onze filhos dos quaes, D. Tsabel Caetano
de Araujo casou-se com Diogo Pinto do Rego, cavalleiro fidalgo da casa
real, e neto do mesmo Diogo Pinto do Rego, governador, mencionado no
texto.
414

Este facto foi considerado uma injuria; e, pois, os


parentes de Timotheo Corrêa de Góes determ inaram que,
passada a festa da Paschoa, baixasse o provedor a Santos,
acompanhado do padrasto, e de outros parentes de autoridade
c respeito, que lhe sustentariam a jurisdicção e o prestigio,
castigando os réos conforme o Direito.

Com a noticia, preparou-se, em Santos, Diogo Pinto


do Rego para a lucta, fortificando e municiando suas casas;
e, passada a Paschoa, descendo Timotheo Corrêa cie Góes,
em companhia de sua mãe D. A xgela d e S iq u eir a c de
seu padrasto — o capitão-mór P ed ro T aquek d e A lm eid a , e
de numerosos parentes, entre os q u a e s— Fernão Paes de
Barros, Pedro Vaz de Barros, Antonio Pedroso de Barros,
Pedro 'baques Pires, Lourenço Castanho 'baques, formava
todo esse pessoal um corpo de mais de mil pessoas.
Felizmente, chegados a Santos, após preparativos de
ambos os lados para a lucta armada, durante dias, intervindo
religiosos dos conventos do ( ’armo e de Santo Antonio, c
muitos moradores do lugar, os quaes todos ponderaram as
desgraças para os contendores, Diogo Pinto do Rego resolveu
entregar o infractor; o qual voltou á cadêa, com ferros aos
pés, ainda que para ser solto após duas horas, como justa
satisfação ao provedor Timotheo Corrêa de Góes.

Deste mesmo Timotheo Corrêa de Góes e de sua mulher I). Maria


Imito descendia 1). Maria Leme, a qual casou-se com José Pedro Galvão
de Moura e Lacerda, moço fidalgo, capitão de infantaria, natural do
Lisboa; cujo filho unico foi o brigadeiro José Pedro Galvão do Moura
Lacerda, casado com 1). Gertrudes Thercza de Oliveira Montes, e pro­
genitor da familia G a l v ã o d e M o u r n e L a c e r d a , cm S . Paulo. Uma das
filhas, ]). Gertrudes Galvão de Oliveira Lacerda, flama honoraria do paço,
foi casada- com o brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão. O filho mais
velho, Joaquim Marianno Galvão de Moura Lacerda, marechal de campo,
"-fidalgo da casa imperial, deixou de seu casamento dons filhos e uma filha;
um daquelles dons filhos é o dr. Joaquim Mariano Galvão de Moura
Lacerda. O filho segundo, José Pedro Galvão de Moura Lacerda, coronel,
casado com 1). Gertrudes de Rrito, deixou um filho do mesmo nome, que
reside em S. Paulo, c uma fillm, 1). Pita Ilenrhpieta, quo, cm segundas
núpcias, casou-se com o dr. J osé Alves Pereira de Carvalho, advogado
no Pio de Janeiro, natural do Maranhão. — t --—
415

E ’ inútil relatar que as pazes foram feitas com geral


applauso.
D. Â ngela de S iqueira ainda enviuvou do seu segundo
marido. A ella refere-se o padre M anoel da F onseca, na
obra Vida do padre Belchior de Portes, X X X V . A sua
custa, fizera ella reconstruir a egreja do Collegio dos padres
da Companhia de Jesus, em S. Paulo.
Falleceu em 1728.

Luiz Pedroso de Barros, seu pae, era o terceiro filho


do capita o-mor governador Pedro Vaz de Barros e de sua
m ulher D. Luzia Leme. Foi capitão de infantaria, e, como
tal, marchou em 1639 a soccorrer Pernambuco, possuido dos
inimigos hollandezes.
Tendo estado na Bahia, alli casaram-se elle, e seu
irmão Valentim de Barros, com duas irm ãs germanas do
desembargador João de Góes Araujo: — Valentim de Barros,
com D. Catharina de Góes e Siqueira (*); e elle, com
D. Leonor de Siqueira.
Ijuiz Pedroso de Barros, não contente com os annos
que consumio na guerra de Pernambuco, ainda depois passou
ao Peru, colonia hespanhola, onde falleceu em 1662; tendo
deixado a m ulher em S. Paulo.
Seu pae, o capitão-mór Pedro Vaz de Barros, era
de reconhecida e provada nobreza em Portugal. (**)
Sua mãe, D. Luzia Leme, era filha de Fernando
Dias Paes, portugucz, casado com D. Iaicrccia L e m e ; os

(*) Esta D. Catbarina de Góes, enviuvando, casou-se cna segundas


núpcias com I). João Mathcus Rendon, também viuvo, como já foi escripto.
(**) P edro T aques, N o ln lia rch ia P a u l i s t a n a , na R e v i s t a d o
In stitu to H isto ric o , G e o g ra p h ico e E t h n o g r a p h i c o d o B r a z i l , XXXV, parte
segunda, pags. 44 c seguintes, 3.° trimestre de 1872.
Ahi P edro T aques expõe coin abundancia o que foi Pedro Vaz
de Barros, capitão-mór e governador.
quaes tinham seu estabelecimento de cultura em Pinheiros,
« cujas terras de matos e campos chegavam até a ribeira
do Yporanga (*), comprehendendo a distancia de uma legua».
Fernando Dias Paes fora casado, em primeiras núpcias, com
D. H elena Teixeira; cujos tres filhos foram para a Bahia,
em companhia de um parente. (**)

D. Leonor de Siqueira, sua mãe, era filha de Jorge


de Araujo de Góes, c de sua mulher D. Angela de Siqueira,
ambos naturacs da Bahia.

(H) F a ribeira M p ira n g a .

(**) Deste Fernando Dias Paes c de sua mulher D. Lucrecia


Leme procederam:
a) Fernão Dias Paes, cujo unico filho legitimo foi o padre
jesuita Francisco do Moraes, c por isso ellc e sua mulher D. Catharina
Camacho deixaram ao Collegio cm S. Paulo tudo o que tinham, com a
pensão de uma festa annual á Imagem de Nossa Senhora do Desterro, em
um altar fundado por elles;
b) Pedro Dias Paes Leme, casado com I). Maria Leite, pae e
mae de Fcrnao Dias Paes, o governador das E s m e r a l d a s , casado com
D. Maria Betimk, esta — filha de Garcia Rodrigues Velho, natural e
cidadão de S. Paulo, c de sua mulher I). Maria Betimk ;
c) D. Potência Leite, que,com Pedro raques, nino do
casada
primeiro Pedro Iaques, enviuvara em 1641, cm consequência cío assassinato
de seu marido por Fernando de Camargo. Casou-se, depois, com Manoel
de Cai valho de Aguiar, cuja nobreza e brazão de armas prendem-se aos
M o r a e s d e A n t a s , de que já tratámos, com referencia á ascendência de
D. M ana de Lara, mulher de Lourenço Castanho Taques — o velho, no
texto IV, desta Linha B ; e deste consorcio nasceram em S. Paulo quatro
filhos, um dos quaes Manoel de Carvalho Aguiar, casado com D. Francisca
da Silva Teixeira, natural de Santos, filha do capitão-mór Gaspar Teixeira
de Azevedo, teve uma filha, D. Catharina Magdalena Leonor de A guiar;
a qual, casando-se com o coronel Francisco do Amaral Coutinho, natural
d° ^ailciro’ c (1° nobreza conhecida, mudou-se com seu marido
para ViHa-Boa de Goyaz; e abi tiveram duas filhas, uma das quaes,
y- Anna .M ana Joaquina de Jesus Menezes Coutinho, casou-se com o
dr. Antomo Mendes de Almeida, natural de S. Paulo, filho de Ventura
Rodrigues \ cilio e de sua mulher D. Cecilia Mendes de Almeida, e
portanto neto, por esta, de Manoel Mendes de Almeida, portuguez, mas
que foi capitao-mor da cidade de S. Taulo, como adiante se dirá, com
rctcrencia a família M e n d e s d e A l m e i d a .
— 417 —

Neta, por parte paterna, de Gaspar de Araujo, natural


da villa de Ponte de Lima, e de sua m ulher D . Catharina
de Góes, natural de Lisboa. E, pela materna, de Sebastião
Pedroso Barboza, natural da villa de Vianna do Minho, e
de sua m ulher D. Leonor de Siqueira, natural da cidade da
Bahia. Tudo isto, escreveu P ed r o T aques que consta dos
autos de puritate et nobilitate probanda do desembargador
João de Góes Araujo, para ler no paço em Lisboa.
Jorge de Araujo de Góes foi irmão germano de Simão
de Araujo de Góes, muito conhecido na guerra da Bahia
contra os hollandezes. E ainda teve ao serviço real, na
mesma guerra, seus filhos Ignacio de Araujo de Góes,
Antonio de Araujo de Góes e Francisco de Araujo de Góes.
O desembargador João Góes de Araujo prestou muitos
serviços; e, entre estes, o das negociações para a fabrica de
fragatas de alto bordo no Estado do Brazil.

O capitão-mór governador e alcaide-mór P ed r o


T aques d e A lm eid a , de seu consorcio com D . A n g ela d e
S iq u e ir a , teve sete filhas, e um unico filho (p rim o g ên ito ):
l.° ) José de Góes e Moraes, casado com D. Anna
de Ribeira Leite, foi sargento-mór de S. Paulo, onde
também exerceu os maiores cargos, inclusive o de juiz
ordinario, e posteriormente o de capitão-mór governador da
capitania de S. Paulo e S. Vicente, com patente. Foi este
José de Góes e Moraes que, conforme escreveu frei G a spa r
d a M a d r e d e D eus , Memorias para a historia da capitania
de S . Vicente, II, 89, « entrou no projecto de comprar as
cincoenta léguas (*) de Pedro Lopes de S o u z a »; mas foi
atalhado em seu proposito por E l-R ei D. João V, como
consta do alvará de 22 de Outubro de 1709 e da escriptura
publica de compra de 19 de Setembro de 1711, para serem

(*) E ra a mesma capitania de Santo Amaro de Guaibe, da qual


fora capitãc-mór Antonio Rodrigues de Almeida, primeiro antepassado do
mesmo José de Góes e Moraes, nesta Linha B.
416

quaes tinham seu estabelecimento de cultura em Pinheiros,


« cujas terras de matos e campos chegavam até a ribeira
do Yporanga (*), comprehendendo a distancia de uma legua ».
Fernando Dias Paes fòra casado, cm primeiras núpcias, com
D. Helena T eixeira; cujos tres filhos foram para a Bahia,
em companhia de um parente. (**)

D. I .eonor de Siqueira, sua mãe, era filha de Jorge


de Araujo de Góes, c de sua mulher D. Angela de Siqueira,
ambos naturacs da Bahia.

(*) F ’ a ribeira Y p ir a n g a .

(**) Deste Fernando Dias Paes c de sua mulher D. Lucrecia


Leme procederam:
a ) Fernão Dias Paes, cujo unico filho legitimo foi o padre
jesuita Francisco de Moraes, e por isso elle e sua mulher D. Catharina
Camacho deixaram ao Collegio em S. Paulo tudo o que tinham, com a
pensão de uma festa annual á Imagem de Nossa Senhora do Desterro, em
um altar fundado por elles;
b ) Pedro Dias Paes Leme, casado com D. Maria Leite, pae e
mãe de F ernao Dias Paes, o governador das Esmeraldas, casado com
I). Maria Betimk, esta-— filha de Garcia Rodrigues Velho, natural e
cidadão de S. Paulo, e de sua mulher D. Maria B etim k;
c ) D. Potência Leite, que, casada com Pedro Taques, filho do
primeiro Pedro Taques, enviuvara em 1641, em consequência do assassinato
de seu marido por Fernando de Camargo. Casou-se, depois, com Manoel
de Carvalho de Aguiar, cuja nobreza e brazão de armas prendem-se aos
Moraes de Jatas, de que já tratámos, com referencia á ascendência de
D. Maria de Lara, mulher de Lourenço Castanho Taques — o v e lh o , no
texto IV, desta Linha B ; e deste consorcio nasceram em S. Paulo quatro
filhos, um cios quaes Manoel de Carvalho Aguiar, casado com D. Francisca
cia Silva leixoira, natural de Santos, filha cio capitão-mór Gaspar Teixeira
de Aze\cdo, teve uma filha, D. Catharina Magdalena Leonor de A guiar;
a qual, casando-se com o coronel Francisco do Amaral Coutinho, natural
do Lio de Janeiro, e de nobreza conhecida, mudou-se com seu marido
paia 'Nilla-Boa de Goyaz; e abi tiveram duas filhas, uma das quaes,
1 . Anna Maria Joaquina de Jesus Menezes Coutinho, casou-se com o
dr. Antonio Mendes de Almeida, natural de S. Paulo, filho de Ventura
Rodrigues \e lh o e de sua mulher D. Cecilia Mendes de Almeida, e
poi tanto neto,^ por esta, de Manoel Mendes de Almeida, portuguez, mas
que foi capitão-mór da cidade do S. Faulo, como adiante se dirá, com
rcici GllCltl íl íamilia JMewdcs d e A l m e i d a -.
417 —

Neta, por parte paterna, de G aspar de Araujo, natural


da villa de Ponte de Lima, e de sua m ulher D. Catharina
de Góes, natural de Lisboa. E, pela m aterna, de Sebastião
Pedroso Barboza, natural da villa de Vianna do Minho, e
de sua mulher D. Leonor de Siqueira, natural da cidade da
Bahia. Tudo isto, escreveu P ed r o T aques que consta dos
autos de puritate et nobilitate probanda do desembargador
João de Góes Araujo, para lêr no paço em Lisboa.
Jorge de Araujo de Góes foi irmão germano de Simão
de Araujo de Góes, muito conhecido na guerra da B ahia
contra os hollandezes. E ainda teve ao serviço real, na
mesma guerra, seus filhos Ignacio de Araujo de Góes,
Antonio de Araujo de Góes e Francisco de Araujo de Góes.
O desembargador João Góes de Araujo prestou muitos
serviços; e, entre estes, o das negociações para a fabrica de
fragatas de alto bordo no Estado do B razil.

O capitão-mór governador e alcaide-mór P e d r o


T aques d e A lm e id a , de seu consorcio com D . A ngela d e
S iq u e ir a , teve sete filhas, e um unico filho (p rim o g ên ito ):
l.° ) José de Góes e Moraes, casado com D. Anna
de Ribeira Leite, foi sargento-mór de S. Paulo, onde
tam bém exerceu os maiores cargos, inclusive o de juiz
ordinario, e posterior mente o de capitão-m ór governador da
capitania de S. Paulo e S. Vicente, com patente. Foi este
José de Góes e Moraes que, conforme escreveu frei G a spa r
d a M a d r e d e D eu s , Memorias para a historia da capitania
de S. Vicente, II, 89, « entrou no projecto de comprar as
cincoenta léguas (*) de Pedro Lopes de S o u z a »; mas foi
atalhado em seu proposito por E l-R ei D. João V, como
consta do alvará de 22 de Outubro de 1709 e da escriptura
publica de compra de 19 de Setembro de 1711, para serem

(*) Era a mesma capitania de Santo Amaro de Guaibe, da qual


fora capitãc-mór Antonio Rodrigues de Almeida, primeiro antepassado do
mesmo José de Góes e Moraes, nesta Linha B .
418

adjudicados á coròa real, polo preço de 40.000 cruzados, e


mais 4.000 de luvas (*). O vendedor foi o marquez de
Cascáes, então na posse da successão do donatario. Este
acto do governo causou a José de Góes e Moraes um
enorme prejuízo, porque foi perdido o grande cabedal rem et-
tido a Lisboa para esta arrojada negociação. Com effeito,
empregado o dinheiro em mercadorias para commercio no
Rio de Janeiro e outros lugares do Brazil, o navio que as
trazia foi assaltado e tomado por piratas francezes. Não
arruinou, porém, a José de Góes e Moraes este infeliz successo;
porque, fundando fazendas de gado nos campos geraes,
denominados de Curitiba, refez em pouco tempo aquelle
prejuízo.
2. ° ) D. Appollonia de Araujo, casada com M artinho
de Oliveira J^eitão: falleceu sem geração.
3. ° ) D. Branca de Almeida T aq u es; a qual, ca­
sando-se com Antonio Pinto Guedes, deixou uma unica filha,
I). Isabel Ribeira de Alvarenga, que, apezar de casar-se duas
vezes, a primeira com Sebastião Pinheiro, e a segunda com
seuprimo Joao Barboza de Lara, não deixou descendencia.
4. ° ) 1). M aria de A raujo, que é a do texto
genealógico seguinte.
ã.° ) D. Leonor de Siqueira Paes, casada com
Lartholomcu Paes de Abreu (**), foi mãe de P ed ro T aques

(*) Este alvará e a escriptura publica, frei G a spar da M adre


de D eus transcreveu no fim de sua supracitada obra. São dous documentos
historicos de grande importância para S. Paulo, Pernambuco e Parnahiba;
porquanto o alvará explica detalhadamente a capitania de Pedro Lopes de
Souza, e dá outras explicações de valor.
O capitão-mór José de Góes e Moraes offereceu 40.000 cruzados,
e mais 4.000 de luvas. Os 40.000 seriam pagos immediatamente, e postos
a juro para serem empregados em bens de raiz, quando se oferecesse a
occasião.
(**) Bartholomeu Paes de Abreu foi juiz ordinario em S. Paulo,
pelos annos de 1705 em diante. No exercício deste cargo, tendo feito
prendei um assassino, este, ao passar pelo Recolhimento de Santa Thereza,
agarrou-se ao ferrolho da porta principal da egreja, clamando pela immu-
nidade desta. Não o quiz attendee o juiz ordinario, porque a corrente
419

de A lmeida P aes L eme , autor da Nobiliarchia Paulistana, e


de 1). Lscholastica Paes da Silva, regente do Recolhimento de
Santa Thereza, muitas vezes, sob o nome de irmã Escholastiea
de Santa Thereza.
6.° ) D. Thereza de Araujo. Falleceu solteira.

não havia saliido das mãos dos officiaes dc justiça que o conduziam. 0
vigário da vara, padre André Baruol, entendendo que o juiz ordinario
menospresara a immunidade ecclesiastica, o declarou logo por excommungado.
Mas, o juiz ordinario, apoiado por numeroso sequito de parentes e amigos,
continuou no exercício do cargo, não aceitando a excommunhão; e, recor­
rendo á Relação metropolitana na Bahia, este tribunal ecclesiastico o
absolveu. Não obstante, o vigário André Baruel, apoiado pelo bispo, não
quiz dar execução ao accordão do trib u n a l; c, porque, chegada a epoclia
quaresmal, Bartholomeu Paes de Abreu tora ao Collegio dos padres
jesuítas e lá se desobrigara, o referido vigário ainda insistio, declarando
que a absolvição do confessor jesuita nao era legitima. De sua parte, o
bispo escreveu a Bartholomeu Paes de Abreu, aconselhando-o a pedir ao
proprio vigário a absolvição. Não o permittio, porém, o alcaide-mór
Pedro Taques de Almeida, seu sogro; o qual, pelo conceito que muito
merecia a El-Rei, tomou o expediente de representar ao governo^ em
Lisboa, expondo o caso e suas circum standas, e pedindo justiça. Não a
demorou E l-R e i; e, pois, mandou pelo Conselho Ultramarino expedir
ordens ao bispo para fazer levantar a excommunhão; e assim terminou
esta pendenda, que alvorotou tanto a capitania naquelles tempos.
Este mesmo Bartholomeu Paes de Abreu, em requerimento datado
de 23 de Março de 1720, propoz a El-Rei abrir um caminho, pelo interior
do sertão, do Rio-Grande do Sul a S. Paulo, cento e oitenta léguas, mais
ou menos. E dizia : « Acho-me com talentos e cabedaes para, com forças
de um avultado corpo dc armas, fazer entrada no Rio-Grande, sem a
menor despeza da fazenda real, talar aquelle vasto sertão e abrir caminho
pelo centro delle, demandando o rumo da comarca de S. Paulo, tendo
por prêmio deste particular serviço, á custa de minha fazenda e risco de
vida, as mercês seguintes: ser donatario de quarenta léguas de terra,
abeirando o Rio-Grande, vinte para a parte do norte e vinte para a do
sul, medidas por costa, com todo o sertão que se achar pertencei a
Vossa Magestade, de juro c herdade para sempre, com um padrão de
200)5000, estabelecido na passagem do Rio-Grande, sendo capitão-mór
daquellas capitanias. Os primeiros nove annos livres de direitos os animaes
que extrahir por mim ou socios m eus; ser guarda-mór de quaesquer
minas que se descobrirem nas vertentes do Rio-Grande e serras annexas,
com os mesmos ordenados que se conferio ao guarda-mór das Minas-Geraes
em S. P aulo.»
Este Rio-Grande é o canal que communica a lagôa dos Patos
com o mar, de duas léguas de extensão sobre uma de largura. A mesma
lagôa, porém, foi denominada Rio-Grande pelos primeiros navegantes ; e
mesmo depois tem conservado este nome.
7. ° ) D. Catharina de Siqueira iTaques. Falleceu
solteira.
8. ° ) D. Angela de Siqueira. Falleceu solteira.
D. M a ria de A raujo (* ), quarta na ordem dos
nascimentos, casou-se com D. F rancisco M atheus R endon,
fundindo em uma unica as Linhas A e B desta genealogia,
como adiante, no texto, será melhor explicado.

òw‘

(*) Na N o b ilia r c h ia P a u l i s t a n a foi impressa, á margem deste


nome, a seguinte nota: b isa v ú -m . (bisavó-m aterna). Esta nota foi abi
escripta pelo general José Arouche de Toledo Rendon, com referencia a
elle.
Bem assim escreveu elle egual nota, á margem do nome de
D . Maria _de Lara, filha ultima de Lourenço Castanho Taques — o velho ;
por ser mae de Diogo de loledo Lara, seu avô, como será explicado no
texto II da Linha A e B.
CAPITULO SEXTO

LINHA—A e B
E sta L inha é a união das Linhas precedentes A e B;
e tem por progenitores D. Francisco M atheus Rendon, da
L inha A, o unico Rendon que manteve residência em
S. Paulo, e D. M aria de Araujo, da L inha B, filha do
governador e alcaide-mór Pedro Taques de Almeida.
Esta Linha A e B começou no fim do século XVII,
depois de 1690.
P o r Diogo de Toledo Lara, esta L inha A e B
prende-se ainda aos Toledo Piza e aos L aras; pois que
Diogo de Toledo Lara, filho de D. João de Toledo Cas­
telhanos e de D. M aria de Lara, era neto de D. Simão de
Toledo Piza.
P or Agostinho Delgado e Arouchc, esta L inha é
aparentada com os Freires, do norte da provinda ; c,
conforme uma justificação, produzida no juizo ordinario de
S. Paulo, 1793 — 1794, o mesmo Agostinho Delgado e
Arouche, por sua mãe D. Anna Pires Leite de Barros,
descendendo do capitão-m ór Rodrigo Bicudo Chassim, e de
sua m ulher D. M aria Pires de Barros, filha do capitão
Pedro Vaz de Barros e de D. M aria Leite de M esquita,
— 422

ligou esta mesma L inha A e B « ás illustres familias dos


Pires, Barros, Pedrosos, Mesquitas, Bicudos, Leites, Britos, e
Lemes ».
Pelo sobredito Agostinho Delgado e Arouche, esta é
a Linha do tenente-general Arouche c de seus irmãos.
Por D. Anna Leonissa de Abelho e Fortes, estabe­
leceu-se o parentesco com os Abelhos e os B u stam an tes;
bem como com os Pinto do Rego, os Borges de Cerqueira,
os Paes Leme, e outros. O sobrenome Bustam ante e S á
procede de Manoel de Sá, que casou-se com D. L ucrecia Leme
Borges de Cerqueira, filha de Garcia Rodrigues Paes Leme,
este"— filho do governador Fernão Dias Paes. E ste gover­
nador era casado com D. M aria Garcia Betim k; dahi também
o sobrenome de Betim entre os Paes L e m e .____
Pelo mesmo governador Fernão Dias Paes, filho de
Pedro Dias Paes Leme, cuja mulher era D. M aria Leite,
filha de Paschoal Leite Furtado, esta Linha A e B vae até
D. M aria Alvares Cabral, filha do senhor de Belmonte, irmã
portanto de Pedro Alvares Cabral, o descobridor do Brazil (*),
casada com o fidalgo Fernão Velho.
Por ultimo, esta Linha prende-se aos Gama Lobo,
do Minho, em Portugal.
O resto pertence a Deus.

(*) Puniio T a ( | » ( j t K S , N o b ili n r ch ia P m d i s t a n a , lia R e v is ta do


I n s titu to H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o l i r a til, X X X V , l.° tri­
mestre de 1872, pags. 05 á 102.
I
D. Francisco MatJiens Rendon, fidalgo, paulista,

casou-se com D. Maria de Araujo, fidalga,

também paulista

D. F rancisco M atheus R endon, filho de D. Pedro


M atheus Rendon e Luna, e de sua mulher D. Maria Moreira
Cabral, foi o unico Rendon que cm S. Paulo deixou prole
á familia, segundo já foi referido.
As chronicas não dizem cm que se occupara. Sendo
rico, e estando as ambições voltadas para as minas dos
sertões de Goyaz e de Cuyabá, além das geraes, também
andou por estas ultim as; onde parece que falleceu, em 14
de Março de 1733, pois que de M inas-Geraes voltou a
S. Paulo seu filho D. Francisco Taques Rendon, que o
acompanhara, e nada ó referido a seu respeito.
De seu co n so rcio com D. M a ria de A r a ú jo , n a s c e r a m
d o u s filh o s e q u a tr o filh as.

l.° ) D. A ngela d e S iqueira R endon d e Q ukyedo.


Primogênita. Nasceu cm 20 de Março de 1605. I/ a do
texto genealógico seguinte.
424

2. ° ) D. Ignacia Francisca Rendon de Araújo. Nasceu


em 3 de Julho de 1606. Falleeeu solteira.
3. °) D. M aria de Araujo da Assumpção. Falleeeu
impúbere.
4. ° ) D. Francisco Taques Rendon. Em vez das
lettras, preferio a vida de fidalgo rico. D urante muito tempo,
esteve solteiro; até que resolveu casar-se com sua prim a
D. Maria de Almeida Lara, de m uita formosura, e bem
dotada de virtudes e de dinheiro. Sem geração. Nascido
cm l.° de Novembro de 1699. (*)
5. ° Dr. Pedro Taques de Almeida. Nasceu em 8
de Marco de 1701. Foi oppositor na U niversidade de
Coimbra; e, preterido na nomeação para a cadeira vaga, e
não querendo aceitar o lugar vago de desembargador na
Relação da Bahia, recolheu-se ao mosteiro de S. Bento, a
convite do D. abbade geral de Tibães. Servio de familiar
no Santo Officio da Inquisição em Lisboa.
6. ° ) D. Custodia Paes de Araujo Rendon. Nasceu
cm 15 de Julho de 1708. Casou-se com Si-mão de Toledo
c Almeida, seu parente, capitão de infantaria nomeado em
1762 para marchar em soccorro das fronteiras do Rio Pardo,
no Rio-Grande do Sul; onde foi infeliz, juntam ente com
seu filho — o alferes Francisco X avier M atheus Rendon,
ficando prisioneiros dos hespanhóes, e sendo rem ettidos depois
para Portugal, onde continuaram presos para responderem a
conselho de guerra, que os absolveu em 1768. O pac,
ainda preso, morreu em 1766. O filho, já livre, falleeeu
em 1768.
Portanto, só rcalmcnte D. A ngela de S iqueira R endon
de Q u e v e d o foi destinada para continuar a familia.

(*) Morrera outro irmão, do mesmo nome, nascido cm 4 dc


Janeiro dc 1G98, segundo o affirma Pedro Taques, Nobiliavchia Paulistana.
II
D. Angela de Siqueira Rendou de Quevedo,
paulista, casou-se com Diogo de Toledo
Lara, também paulista

D. A ngela de S iqueira R endon de Q uevedo, sendo


a, unica filha de D. Francisco Matlieus Rendon para con­
tinuar a familia, não contraliio matrimonio senão na propria
familia, pois que D iogo de T oledo L ara era sobrinho do
pae de sua mãe, e portanto primo-irmão desta.
Falleceu, mais de vinte e dous annos, após seu
marido; isto é, «a 24 de Setembro de 1764, segunda-feira,
pelas seis horas da tarde, dia da Senhora das Mercês, de
quem era summamente devota, quasi repentinamente, de um
ataque do peito, que tinha tido principio tres dias antes
pelos excessos que obrara na assistência, sem interrupção,
de dia e de noute, á sua am ada filha D. M aria Thereza de
Araujo e L ara (*), em uma maligna que a atacou fortemente,
da qual veio a falleccr tres dias depois de sua mãe, sem
saber uma da outra, ainda que as suspeitas, que uma e
outra teve do perigo ou da morte da que não via presente,

(*) E ’ a mesma do texto seguinte, nesta Linha A e B.


426

contribuíram muito para aggravar-sc mais a molestia, prin­


cipalmente da mãe, que ouvio soar a campainha e as vozes
dos que acompanhavam o Sagrado \ iatico para a filha, e
esta por ler no semblante das irmãs, e mais parentes que
a assistiam, a dòr que, a seu pezar, queriam disfarçar » ( ).
Àceresccntou P edro T aou e s : « íoi esta a scena a mais com-
pungivel que se pode considerar, e que nunca esquecei a aos
que foram delia testemunhas.) T concluio: «boi D. Angela
de Siqueira tão virtuosa e tão escrupulosa em tudo o que
podia prejudicar a sua pura consciência, que passou a ser
excessiva: basta dizer-se que dispendia tudo quanto tinha
em esmolas, que procurava occultar com grande cuidado; e
continuamente estava a mandar dizer missas pelas almas dos
dizimemos, a quem cila pagava os dízimos das suas fazendas
( em S. Paulo andam por contratadores que os arrematam
á fazenda real, a quem pertence por direito do padroado ),
por lhe ficar o escrúpulo de que haveria alguma falta, sendo
aliás ella tão exacta.

1.)moo seu marido, era filho de


de Toekdo T a ra ,
João de Toledo Castelhanos e de sua primeira mulher
J). Maria de Tara (**). Nasceu cm l.° de Fevereiro de
I 680.
(* ) P k d h o T A L U K S , N o b U ia r c h ia B a t d i s t a n a , l l í l R e v i s t a d o i n s ­
titu to H is to r ic o , G eogi a p h ic o e E th n o g r a p h ic » d o B r a z i l , XXXIII, parte
primeira, 1." trimestre <!c 1870, pags. lio c ti!.
(**) 1'kkiio T a o r E S , N o b i l i a r ch ia B a t t l i s t a n a , na R e v i s t a d o
.In s titu iu H is to r ic o , G e o g r a p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l , XXXIII, parte
primeira, 1." trimestre de 1870, pag. 39, p a r e c e confundir esta D. Maria
de Lara, filha de Lourenço Castanho Taques — <> velho, com a outra
I). Maria de Lara, sua sobrinha, filha de Lourenço Castanho Taques —
o m o r o ; esta sobrinha é que foi casada com João Gonçalves Figueira, o
qual, com seus irmãos e outros muitos parentes, estabeleceu-se no valle
do Rio de S. Francisco, em a região dos « Curráes da Bahia».
Dizemos — p a r e c e , porque é citada também a pag. 14 em seguida
ao nome desta I). Maria de Lara, sobrinha; quando á pag. 14 só está
mencionado o nome de I). Maria de Lara, sua tia. E’ certo que também
cita a pag. 19. E as duas pags. 14 c 19 são citadas invariavelmente,
427

Servio em S. Paulo honrosos cargos, inclusive o de


juiz ordinario e de orphãos. Com a patente de capitão-mór,
datada de 26 de Agosto de 1725 (*), governou as minas
de Paranapanem a e as de Apiahy.
Foi o segundo padroeiro do altar de Nossa Senhora
da Purificação, na egreja do Collegio dos padres jesuitas,
em S. Paulo, fazendo a festa, annualmente, no dia 2 de
Fevereiro ; e, por sua morte, ficou esse encargo ao reitor e
seus successores, mediante um reddito deixado em seu
testamento. Seu pae fòra o primeiro padroeiro, fazendo a
festa com o concurso de seu cunhado — o capitão-mór gover­
nador e alcaide-mór Pedro Taques de Almeida, alternadamente,
ora um, ora o outro.
D iogo de T oledo Paha falleceu a 20 de Janeiro de
1742.

João de Toledo Castelhanos, seu pae, nascido èm


S. Paulo, era filho de D. Simão de Toledo Piza e de sua
m ulher D. M aria Pedroso.
Tencionava em 1658 tomar o estado sacerdotal; mas,
arrependeu-se desse proposito, e casou-se com D. M aria de
Lara. (**)
ás pags. 33, 36, 37 e 39, sem duvida como meio de referencia dos seis
últimos filhos do dito Lourenço Castanho Taques — o m o ç o a elle, seu p a e ;
estando na pag. 14 o § l . H, a elle relativo.
Em todo o caso, fica esta declaração como esclarecimento expli­
cativo; a fim de evitar confusões.
(*) Azevedo Marques, A p o n ta m e n to s h is to r ic o s , g e o g r a p h ic o s ,
b io g r a p h ic o s , e s ta tís tic o .s e v o ti ciosos d a p r o v i n c i a d e S . P a v i o , 110 nome
D io g o tie T o le d o L a r a , rcfere-sc a uma provisão de 26 de Junho de. 1726.
Talvez houvessem sido expedidas duas; ainda que coincidindo
com a data do d i a 2 0 . Acreditamos, porém, mais na mencionada por
Pedro Taques.
(**) Azevedo Marques, A p o n ta m e n to s h is to r ic o s , g e o g r a p h ic o s ,
b io g r a p h ic o s , e s ta tís tic o s e n o tic io s o s d a p r o v i n c i a d e S . P a v i o , no nome
S im ã o d e T o le d o P i z a , 1.", o dá casado apenas com I). Anna do Canto
de Mesquita; quando é certo que esta foi sua segunda mulher.
428

Servio varios cargos, entre os quaes o de juiz ordinário


e de orphãos.
Sendo morgado do Pico Redondo na Ilha Terceira,
por sua avó D. Graeia da Fonseca Rodovalho, consentio
que seus parentes o desfruetassein; recebendo apenas duas
vezes os rendimentos, — e mesmo isso por intervenção dos
padres da Companhia clc Jesus. De sorte que, seguindo
seu filho primo-genito, o capitão-mór D. João de Toledo
Piza Castelhanos, o exemplo dado, desde o avô, para o
abandono, seus herdeiros vieram a perder aquelle morgado.
« Vivia no retiro de uma quinta ou chacara, situada
no alto-plano, no ponto em que a ribeira Anhangabahy
une-se ao rio Tamanduatehy ( por detrás do mosteiro de
8. B ento). Nesta quinta se recreava com a cultura de
varias flores de um jardim que era o total emprego dos
seus cuidados. Com essas flores fazia adornar os altares dos
templos, principalmcntc de Nossa Senhora do Carmo, de
cuja terceira ordem era irmão professo. » (**)
F P edro T aques accresccntou: « Muito dado ao uso
da oração mental, praticando sempre as virtudes moraes em
beneficio do proximo c da perfeita educação de seus filhos,
— as suas virtudes c exemplar vida mereceram conseguir
uma ditosa morte; porque, enfermando, e conhecendo o
perigo da vida, se dispoz com todos os sacramentos, tendo
actualmentc a assistência dos reverendos, que gostosos lhe
faziam tão pio obzcquio, assim o reverendo commissario de
terceiros, como os de S. Francisco, de S. Bento e da
Companhia de Jesus; conservando uma tranquillidade de
espirito e catholica resignação, expirou no mesmo ponto em
que se elevava a Sagrada Hostia pelo celebrante da missa
O mesmo Azevedo Marques esquccora-se sem duvida — de que,
no nome L o u r c n r o C a s ta n h o T a q v e s , l.°, já liavia escripto «D. Maria de
Lara, casada com João de Toledo Castelhanos».
(*) P edro Xaques, N o b ilia r c h ia P a u l i s t a n a , na R e v i s t a d o I n s ­
t i tu to H is to r ic o , G e o g r a p h ic o c E th n o g r a p h ic o do B r a z il, XXXIY, parte
segunda, 3.° trimestre de 1871, pags. 12 a 14.
420

cantada na festa da Purificação, que a ellc tocou no dia 2


de Fevereiro de 1727. »
João de Toledo Castelhanos, enviuvando de D. M aria
de Lara, da qual teve sete filhos, um dos quaes D iogo de
T oledo L ara (*), recebeu em segundas núpcias a D. Anna
do Canto de Mesquita, entre cujos seis filhos são notáveis o
tenente-general Bento de Toledo Castelhanos e o padre
jesuita Francisco de Toledo, provincial no M aranhão em
1756. Do primeiro matrimonio, o filho Ignacio professou
na ordem carmelitana calçada.

D. Simão de Toledo Piza, pae de João de Toledo


Castelhanos, era natural da Ilha Terceira, cidade do Angra;
filho do sargento-mór D. Simão de Toledo Piza e de sua
m ulher D. Gracia da Fonseca Rodovalho. Em seu testam ento
declarou « que, vindo de M adrid despachado com os alvarás,
que se achavam na provedoria da fazenda, por secretos juizos
do seu destino fòra preso no castello, de onde fugira, e veio
dar á villa de S. Paulo, onde casou-se, e sempre cuidou em
não dar-se a conhecer, consentindo que o seu morgado con­
tinuasse a ser desfruetado por seu primo D. Pedro de
Lombreiros, conego da sé de Angra ».
Sem embargo disso, tornando-se cidadão de S. Paulo,
teve sempre o primeiro voto no governo. E exerceu os

(*) A familia do irmão mais velho, D . João do Toledo Piza c


Castelhanos, composta de dez filhas e de um unico filho, Antonio de
Toledo, espalhou-se por diversos lugares da capitania, e por Minas-Geraes,
Bahia, Rio de Janeiro. Em Minas-Geraes, onde cllo falleccu, estavam
então com residência na Campanha do llio-Verde suas duas filhas mais
velhas, 1). Anua Ferreira de Toledo, casada com Salvador Corrêa Bocarro,
natural de Taubatc, c I). Branca de Toledo, casada com Francisco Xavier
da Silva, portuguez. Parece que também lá residiam outras suas filhas.
O referido Salvador Corrêa Bocarro era guarda-mór das minas da Cam­
panha do Rio-Verde de Santo Antonio do Vai do Piedade: — é a actual
cidade da Campanha, também conhecida por C a m p a n h a d a P r i n c e z a , cujos
fundadores foram paulistas.
— 430 —

cargos de juiz de orphãos e de juiz ordinario ( ), na \illa


de S. Paulo, além dos de vereador e procurador; e também
o de ouvidor da capitania. E ra cidadão muito considerado
pela população em geral.
Quando foi preso no referido castello, tinha o posto
de capitão de infantaria.

O sargento-mor D. Simão de loledo Piza, pae do


antecedente, era filho de I). João de loledo Piza, natural
da villa de Alva de Tormcs, c de sua mulher I). Anna de
Castelhanos, natural da cidade de M ad rid : em Hespanha.
Este sargcnto-mói* D. Simão de loledo Piza, ainda
então capitão, tomou parte, militando com D. João de
Austria, na celebre batalha naval de Lepanto, 1571, como
o affirma P edro T aoues, Nobiliarchia Paulistana.
Estes Toledo Piza, segundo
c3
o mesmo P edro T a q u fs,
(pie escreveu ter visto os documentos, descendem dos condes
de Oropeja e duques de Alva de Tormcs.

Por sua avó paterna, 1). M aria Pedroso, D iogo de


T oledo Lara era bisneto de Sebastião Fernandes Corrêa,
natural de Refojos de Ponte de Lima, cm Portugal, primeiro
provedor e contador da fazenda real da capitania de S. Vicente,
e de sua mulher D. Anua Ribeira, natural de S. Paulo,
filha de Sebastião de Freitas (**), natural da cidade de
Silves, em Portugal, e de sua mulher 1). M aria Pedroso de

(*) Foi suspenso do cxercieio destes cargos, com o ouvidor


Antonio Lopes de Medeiros, por bando do governador-geral Salvador
Corrêa de Sá c Benevides, dc 15 de Novembro de 1660.
(**) Sebastião de Freitas pertencia a urna familia nobre cm
Silves; e seu pae, Manoel Pires, foi lá provedor da Misericordia. Por
morte deste, sua mãe passou a segundas núpcias com Diogo Mendes da
Motta, cavalleiro professo da ordem de Christo e almoxarife da fazenda
real na sobredita cidade.
431

Alvarenga, natural de S. Paulo, onde falleceu em 17 de


Julho de 1666 e foi sepultada em jazigo proprio na egreja
do convento do Carmo.
P or sua bisavó, D. M aria Pedroso de Alvarenga, era
ter-néto de Antonio Rodrigues de Alvarenga, fidalgo da casa
real, natural da cidade de Lamego, em Portugal, e de sua
mulher, D. Anna Ribeira, natural da cidade do Porto,
também em Portugal. Este Antonio Rodrigues de Alvarenga
era filho de B althazar de Alvarenga e de sua m ulher
D. Mécia Monteiro, fidalgos de cóta de armas, como se
declarou na sentença proferida no juizo civel de Lisboa, por
virtude da qual foi passado o brazão de armas em 22 de
Julho de 1681 (*). Antonio Rodrigues de Alvarenga foi
um dos nobres povoadores de S. Vicente.

(*) P edro T aques, Nobiliarchia Paulistana, na Revista do In s­


tituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brazil, XXXIII, parte
segunda, pags. 291 e seguintes, cm titulo de Alvarengas Monteiros, e
XXXIY, parte primeira, 2.° trimestre de 1871, pag. 146 a 150, em titulo
dc Chassins, transcreveu esse brazão de armas, cuja sentença, formalisada
depois pelo Rei de armas Portugal, é em resumo a seguinte: « V istos.. .,
se mostra serem os justificantes filhos legitimos de Diogo Martins da Costa
e de sua mulher Isabel Ribeiro, netos pela parte masculina de Belchior
M artins da Costa e de sua mulher Ignez Martins, naturaes que foram da
cidade de Evora, e pela parte feminina de Estevão Ribeiro de Alvarenga
e de sua mulher Maria Missel, naturaes da villa de S. Paulo; mostra-se
outrosim ser o dito Estevão Ribeiro de Alvarenga, filho de Antonio
Rodrigues de Alvarenga, que foi natural da cidade de Lamego, filho de
Balthazar de Alvarenga e de Méssia Monteiro, sua mulher; e o dito
Antonio Rodrigues de Alvarenga teve outro irmão inteiro chamado
Manoel Monteiro dc Alvarenga, o qual foi familiar da Santa Inquisição : c
corno se mostra legalmente serem os justificantes descendentes da illustre
familia dos Alvarengas, tão conhecida c esclarecida neste reino, o que
tudo visto com o mais dos autos, julgo aos sobreditos justificantes por
filhos legitimos do dito Diogo Martins da Costa, e por descendentes da
muito illustre geração e familia dos Alvarengas c Costas, e os julgo
também por christãos velhos sem raça dc mouro ou judeu, nem de outra
alguma infecta nação, e poderáõ tirar as suas sentenças de processo, e
paguem as custas dos autos. Lisboa, 2 dc Junho de 1681. — João
Mance,cem. »
O brazão era assim: « um escudo direito, com suas orlas e
folhagem, com um elmo em cima, e sobre o dito elmo um leão rapante
com uma espada dourada na mão direita, e na outra, mão esquerda, uma
estrella de prata, e o dito escudo orlado com filetes dourados; e terá no
— 432

P or sua ter-avó, dita D. Anna Ribeira, era quarto-néto


de Estevam Ribeiro de Bayão, natural da cidade de Beja,
c de sua m ulher D. Magdalena Fernandes Feijó de M adureira,
da cidade do Porto; aos quaes já se fez referencia, quando
foi relatada a ascendência de D. M aria de Lara, como paes
que foram de D. Lconor Pedroso, a qual casou-se com
Pedro de Moraes de Antas, cuja filha, I). M agdalena F e r­
nandes de Moraes Feijó, casou-se com D. Diogo de Lara,
paes da referida D. M aria de Lara, casada com Lourenço
Castanho Taqucs — o velho. (*)
De Estevam Ribeiro de Bayão e de sua m ulher
D. Magdalena Fernandes Feijó de M adureira procedeu a
primeira e mais qualificada nobreza da capitania de S. Paulo.

Diocío de T oledo L ara, de seu consorcio com D. A ngela


d e S iqueira R endon de Q u e v e d o , teve os seguintes filhos:
1.° ) Dr. Antonio de Toledo Lara, clérigo.
2. ° ) D. M aria T hereza de A raujo e L ara, que ó
a do texto genealógico seguinte.
3. ° ) D. Anna de Toledo Lara Rendon. Solteira.
4. °) D. Escholastica de Toledo Rendon de Alarcão
c Lima. Solteira.
5. ° ) D. Ursula M aria das Virgens de Toledo Rendon.
Solteira.
L, pois, á D. M aria T hereza de A raujo e L ara
ficou reservado o encargo de prolongar a familia.

■ se­

meio cinco cstrcllas prateadas cm campo azul, c as pontas das folhagens


serão também douradas. » °
(*) Vcja-sc o texto IY da Linha A.
D. Maria Theresa de Araujo e Lara, paulista,

casou-se com Agostinho Delgado e Arouche,

também paulista

D. M aria T hereza de A raujo e L ara foi matrona de


grandes virtudes, e muito am ada de seus paes; sendo para
notar que falleceu na mesma casa, tres dias depois de sua
mãe, D. Angela de Siqueira Rendon de Quevedo, como já
foi referido; isto é, no dia 27 de Setembro de 1764,
quinta-feira, ás ave-maria.
Foi sepultada na capella-mór da ordem terceira do
Carmo.

Agostinho Delgado e Arouche, natural da freguezia


de Araçariguama, filho de Francisco Nabo Freire, sargento-
mór dos auxiliares da villa de Guaratinguetá, e de sua
m ulher D. Anna Pires Leite de Barros.
Exerceu os cargos cie escrivão da ouvidoria geral da
capitania de S. Paulo, de thesoureiro de defuntos e ausentes,
c de guarda-mór das minas de ouro da villa de Parnahyba,
434 —

por provisão de 1773 : e, outrosim, foi-lhe conferida a


patente de mestre de campo da legião auxiliar da comarca
de Paranaguá. (*)
Casou-se com D. Maria Thereza de Araujo e Lara,
em S. Paulo, na egreja de Nossa Senhora do Carmo, aos
23 de Janeiro de 174è.
Os chronistas não dão o dia ou ao menos o anno
de seu fallecimento; mas pára em nosso poder uma ju sti­
ficação, por elle requerida ao juiz ordinario de S. Paulo,
em 3 de Agosto de 1793, a fim de provar sua nobreza.

A ascendência de Agostinho D elgado e Arouche


ficou bem provada na supra-mencionada justificação ; sendo
assim redigido o requerimento inicial :
« S r. Juiz Ordinario. — Diz Agostinho Delgado e
Arouche, desta cidade, mestre de campo da legião auxiliar
da comarca de Paranaguá, que elle Supplicante, para con­
servação da sua nobreza, quer justificar neste Juizo os itens
seguintes com testemunhas de toda a fé e autoridade :
« Item, que o justificante é cidadão republicano (**)
desta cidade, onde tem servido os cargos mais honrosos da

( ) A zevedo M ahques , Apontamentos historicos, geographicos,


biographicos, estatísticos e noticiosos da provincia de S. Paulo, no nome
Agostinho Delgado Arouche, além de errar este nome e o da mulher, bem
conm o da mãe desta, escreveu que era « mestre de campo do terço
auxiliar de S. Paulo ». Não foi exacto: a verdade está no texto, como
consta da mesma referida justificação.
(**) Nos tres séculos coloniaes, como já deixámos escripto, as
palavras republica e republicano não tinham a significação hostil ao R e i:
ao contrario, a republica e os republicanos eram d’El-Rei.
Por isso, ainda hoje em S. Paulo ha muita gente que se diz
republicana, na supposição de que não se trata de destruir a monarchia.
Conhecemos até, como chefes republicanos, barões fabricados pelo Imperador.
Os paulistas antigos apreciavam muito a denominação de cidadãos
republicanos, isto é, leaes vassallos d’El-Rei.
435

republica ( como o fizerão os avós), c lioje se acha exercendo


o honorifico posto de mestre de campo da legião auxiliar
da comarca de Paranaguá.
« Item, que o justificante é filho legitimo de Francisco
Nabbo Freire, que foi sargento-mór das ordenanças da villa
de Guaratinguetá, por mercê de Sua Magestade, e que o
dito seu pae foi casado com 1). Anna Pires de Barros Leite,
mãe do justificante.
« Item , que o dito seu pae, o sargento-mór Francisco
Nabbo Freire, sempre se tratou á lei da nobreza, e nunca
exercitou officio algum m ecânico; antes, em a villa de G ua­
ratinguetá, desta capitania, onde se estabeleceu, logrou até a
sua morte o maior respeito, tratando-se sempre com o
tratam ento devido á sua pessoa, por ser a sua casa uma das
maiores em riqueza naquella villa, a qual ó da prim eira
nobreza da cidade de Lagos.
« Item, que o justificante, por parte materna, é
legitimo neto do capitão-mór Rodrigo Bicudo Chassim (*),
cidadão e republicano desta cidade, e um dos paulistas mais
opulentos do seu tempo que teve o maior tratamento, que
á sua custa fundou uma egreja na freguezia de Araçariguama,
do termo da villa de Parnahyba, a qual egreja, não só a
fundou, como a ornou de todos os paramentos, e a dotou
com muitos centos de mil réis, e hoje está servindo de
parochia.
(*) Este Rodrigo Bicudo Chassim era filho de Gonçalo Simões
Chassim, homem nobre, tronco da familia Chassim, e de sua mulher
D . Maria Leme de Brito; esta, filha de Antonio Bicudo de Brito e de
sua mulher D . Maria Leme de Alvarenga, casados em S. Paulo a 19 de
de Abril de 1635; neta de Antonio Bicudo e de sua mulher D . Maria
de Brito, que foi filha de Diogo Pires e de sua mulher D . Isabel de
Brito. Diogo Pires, filho de Salvador Pires, que, em segundas núpcias,
casou-se com D . Mécia Fernandes, neta de Antonio Rodrigues, e bisneta
de Piquirohy.
Confira-se P edro T aques, Nobíliarchia Paulistana, na Revista do
Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do B razil, XXXIY, parte
primeira, 2.° trimestre de 1871, desde pag. 141 ; e l.° trimestre de 1871,
pag. 65.
436

« Item , que o justificante, pela mesma parte materna,


é legitimo neto de D. M aria Pires de Barros Leite, irm ã
inteira do coronel Jeronymo Pedroso de Barros e de Valentim
Pedroso de Barros, todos filhos legitimos do capitão Pedro
Yaz de Barros e de sua mulher D. M aria Leite de
Mesquita (*), bis-avó do justificante; o qual capitão Pedro
Vaz de Barros, por sua illustre qualidade e riqueza, foi um
dos paulistas que nesta cidade logrou o maior respeito, elle
e seus irmãos.
« Item, que o dito justificante, por parte de sua
mãe D. Anna Pires de Barros Leite, descende legitimamente,
sem quebra de bastardia ou mecanismo, das illustres familias
dos Pires, Barros, Pedrosos, Mesquitas, Bicudos, Leites, Britos
e Lemes, que são os da primeira nobreza desta capitania.
« Portanto, etc., etc. »
Nesta justificação depuzeram as seguintes notáveis
testemunhas :
1. ° ) Reverendo José Joaquim Monteiro de Mattos
Moraes.
2. ° ) Reverendo D. frei Gaspar da M adre de Deus,
ex-provincial dos monges benedictinos da provincia do
Brazil. (**)
3. ° ) Reverendo conego Firmino Dias Xavier.
4. ° ) Manoel Galvão de França, capitão da cavallaria
auxiliar de ligeiros desta capitania.
5. ° ) Joaquim José Pinto de Moraes Leme, capitão
de cavallaria da legião de voluntarios reaes de S. Paulo.
6. °) Capitão Manoel de Oliveira Garcia, lavrador
e fazendeiro.

C) 0 padre Manoel da F onseca, Vida do padre Belchior de


Pontes, XXII, menciona este casal com grandes elogios: ambos os conjuges,
opulentos de fortuna, e mais ainda de virtudes.
( ) o autor das Memórias para a historia da capitania de
S. Vicente.
437

7. ° ) Francisco José Pereira, tenente do regimento


de cavallaria auxiliar de S. Paulo.
8. ° ) Antonio de Godoy Leite M o reira; o qual
depoz, por precatória, ante o juiz ordinario da villa de
Parnahyba.
Todas estas testemunhas responderam affirmativamente,
c com as requeridas individuações, aos itens da justificação.
E, por isso, foi proferida a sentença final: «H ei por justi­
ficados os itens deduzidos na petição do justificante a fl. 2.
0 que julgo por sentença, e mando se lhe passe instrumento
pelas vias que pedir. Pague o mesmo justificante as custas
ex-causa. S. Paulo, 23 de Fevereiro de 1794. — Antonio
José Vaz. »

Já antes dessa justificação, A g o s t i n h o D e l g a d o e


A rouche havia mandado requerer, na cidade de Lagos, uma
egual justificação acerca de sua ascendência paterna.
Eis o que P e d r o T a q j j e s escreveu: «Francisco Nabo
Freire, natural da cidade de Lagos, no Algarve, filho de
João Netto Delgado Arouche e de D. M aria Freire; nascido
em 20 de Julho de 1642, e casou alii a 26 de Janeiro de
1660. Neto, pela parte paterna, de Domingos Netto, natural
da villa de Setúbal, capitão e governador da antiga fortaleza
do Azevial, na barra de Lagos, onde foi morto com sua
m ulher em uma invasão, que fizeram os mouros em um
domingo, estando todos á missa e descuidados ( o sobredito
Domingos N etto era filho de João Alves e Joanna Netto ), e
de sua m ulher Francisca Amado ( a mesma morta pelos
m ouros), filha de João Netto Delgado e de sua m ulher
M aria Rodrigues, naturaes ambos de Lagos. Neto, pela
parte materna, de Balthazar Nabo, filho de Gaspar Nabo e
de M aria Freire, e de sua mulher Anua Dias, filha de
João Dias Ribeiro c de Leonor Dias, todos naturaes de
Lagos.
o »
— 436

« Item, que o justificante, pela mesma parte materna,


é legitimo neto de D. M aria Pires de Barros Leite, irm ã
inteira do coronel Jeronymo Pedroso de Barros e de Valentim
Pedroso de Barros, todos filhos legitimos do capitão Pedro
Vaz de Barros e de sua mulher D. M aria Leite de
Mesquita (*), bis-avó do justificante; o qual capitão Pedro
Vaz de Barros, por sua illustre qualidade e riqueza, foi um
dos paulistas que nesta cidade logrou o maior respeito, elle
e seus irmãos.
« Item, que o dito justificante, por parte de sua
mãe D. Anna Pires de Barros Leite, descende legitimamente,
sem quebra de bastardia ou mecanismo, das illustres familias
dos Pires, Barros, Pedrosos, Mesquitas, Bicudos, Leites, B ritos
e Lemes, que são os da primeira nobreza desta capitania.
« Portanto, etc., etc. »
Nesta justificação depuzeram as seguintes notáveis
testemunhas :
1. ° ) Reverendo José Joaquim Monteiro de Mattos
Moraes.
2. ° ) Reverendo D. frei Gaspar da M adre de Deus,
ex-provincial dos monges bencdictinos da provincia do
Brazil. (**)
3. ° ) Reverendo conego Firmino Dias Xavier.
4. ° ) Manoel Galvão de França, capitão da cavallaria
auxiliar de ligeiros desta capitania.
5. ° ) Joaquim José Pinto de Moraes Leme, capitão
de cavallaria da legião de voluntarios reaes de S. Paulo.
6. °) Capitão Manoel de Oliveira Garcia, lavrador
e fazendeiro.

(”) O padre Manoel da F onseca, Vida do padre Belchior de


Pontes, XXII, menciona este casal com grandes elogios: ambos os conjuges
opulentos do fortuna, e mais ainda de virtudes.
( ) ® o autor das Memorias para a historia da capitania de
aS'. Vicente.
4:57 —

7. ° ) Francisco José Pereira, tenente do regimento


de cavallaria auxiliar de S. Paulo.
8. ° ) Antonio de Godoy Leite M oreira; o qual
depoz, por precatória, ante o juiz ordinario da villa de
Parnahyba.
Todas estas testemunhas responderam affírmativamente,
c com as requeridas individuações, aos itens da justificação.
E, por isso, foi proferida a sentença final: «H ei por justi­
ficados os itens deduzidos na petição do justificante a fl. 2.
O que julgo por sentença, e mando se lhe passe instrumento
pelas vias que pedir. Pague o mesmo justificante as custas
ex-causd. S. Paulo, 23 de Fevereiro de 1794. — Antonio
José Vaz. »

Já antes dessa justificação, A g o s t i n h o D e l g a d o e


havia mandado requerer, na cidade de Lagos, uma
A ro u c h e

cgual justificação acerca de sua ascendência paterna.


Eis o que P e d r o T a g u e s escreveu: «Francisco Nabo
Freire, natural da cidade de Lagos, no Algarve, filho de
João Netto Delgado Arouche e de D. Maria Freire; nascido
em 20 de Julho de 1G42, e casou alii a 26 de Janeiro de
1660. Neto, pela parte paterna, de Domingos Netto, natural
da villa de Setúbal, capitão e governador da antiga fortaleza
do Azevial, na barra de Tragos, onde foi morto com sua
mulher em uma invasão, que fizeram os mouros em um
domingo, estando todos á missa e descuidados ( o sobredito
Domingos Netto era filho de João Alves e Joanna Netto ), c
de sua mulher Francisca Amado ( a mesma morta pelos
m ouros), filha de João Netto Delgado e de sua mulher
M aria Rodrigues, naturaes ambos de Lagos. Neto, pela
parte materna, de Balthazar Nabo, filho de Gaspar Nabo e
de M aria Freire, e de sua mulher Anna Dias, filha de
João Dias Ribeiro e de Leonor Dias, todos naturaes de
Lagos.
O »
— 438

E accrescentoii: « Isto consta do instrumento que se


processou na cidade de Lagos, por parte de A g o s t i n h o
D e lg a d o e A ro u ch e, em que depuzeram as pessoas mais
distinctas da dita cidade; c se acha nos autos de genere de
seus filhos, na camara municipal de S. Paulo. L etra F. » (*)

O mestre de campo A gostinho D elgado e A rouche,


de seu consorcio com D. M aria T he reza de A raujo e L ara,
teve, nascidos em S. Paulo, quatro filhos e sete filhas.
As sete filhas foram :
1. a ) D. Anna Thcreza de Araujo Rendon.
2. a ) D. Caetana Antonia de Toledo L ara e Moraes.
3. a ) 1). Pulcheria Lcocadia clc Toledo Rendon.
4. a ) D. Maria Rosa de Toledo Rendon.
5. a ) D. Gertrudes Genebra de Toledo Rendon.
6. a ) D. Joaquina Luiza de Toledo e Lara.
7. a ) D. Rudezinda de Toledo Rendon.
Nenhuma casou-se; e a primeira falleceu em tenros
annos (**). Os filhos foram :
F rancisco Leandro
L° ) D r. de T oledo R endon,
que c o do texto genealógico seguinte.
2 .°) Dr. Diogo de Toledo Lara Ordonhez. Nascido
cm 1752. Desembargador do paço; e conselheiro de fazenda:
no Rio de Janeiro. lo i-lh e concedido, por despacho de 22
de Janeiro de 1820, o titulo de alcaide-mór da villa de
Paranagua. Em 1795, mereceu a honra de ser admittido
socio correspondente da Academia Real de Sciencias, de

(■')
P edro T aques, N o l i K a r e h i a P a u l i s t a n a , na R e v i s t a d o I n s ­
titu to G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l , XXXIV, parte
H is to r ic o ,
primeira, 2.° trimestre de 1871, pag. 1G9.
( " ) _ Todas estas irmãs moraram sempre juntas, na mesma easa;
e eram conhecidas pelas m o c a s c, depois, v e lh a s d a C a sa V e r d e .
— 439 —

Lisboa Eleito deputado por S. Paulo á assembles consti-

Santa CaSf d Z1M1 8 2 3 ’ ,t0m° U assento' Fcz doa«a° k


uôssuiaCr de M 'Seu,COí,d'a dc S - Paul° de »“ a fazenda que
possma a margem do R,o Pardo, proxima á então villa de
oy-nunm . Essa fazenda, denominada Lambedor, foi ven-
‘ , s o f " F p UCt? ^ P P 'ifd o ás obras do hospital. Falleeeu
1826, no Rio de Janeiro. Solteiro. Sem geração.
3.° ) Tenente-general José Arouche de Toledo Rendon
Nasceu em 1756. Formado em leis na universidade de'
. ° r : aV Cm COm°- ° • d0US ÍrmaoS anteriores- Eleito deputado
a assemblea constituinte do Brazil, por S. Paulo, 1 8 2 3 ; e
depois, a assemblea geral legislativa, 1 8 2 6 1 8 2 9 . Foi o
prim e™ director da Academia dc sciendas juridicas e sociaes
outros* I ’ ,T ar!'. da'k ' de Direit0- Exerceu muitos
Casa de MS P “b T ' DJ VCrSaS ™ZeS foi ProvedOT da Santa
Casa de Misericordia. Casado com D. M aria Thereza R o-
crigues de Moraes ; de cujo consorcio não teve filho algum (*).
ralleceu no dia 26 de Junho de 1834.

!tm rrar
Agostinho Delgado Arouche e José Arouche de Toledo Rendon Quanto ao
nome da mulher deste, e quanto á sua filha D . Maria B e n e d ic t
Eis o testamento :
« Em nome de Deus. Eu José Arouche de Toledo Rendon em
estado de saude, faço este meu testamento na forma seguinte. Declaro
que sou casado com D. Maria Thereza Rodrigues de Moraes de cuio
matrimonio nao temos filhos. Declaro quo Maria B en ed ita he minha
® l é na*clda de meu casamento, e se aelTa C ã a ra t—
existe em meu p o d er; e por isso hc minha herdeira legitima e miiversãl
c, se he necessario, também a instituo. (Seguem-se: a nomeação dò
testamenteiros; e disposições de legados.) Esta he minha ultima vontadT
do 1821 " ' TJose
üe 1821.— ' " ,Arouche
, m " ° SSaS
de Toledo LeiS'» S - Pa,ü0' 80 de Dezembro
Rendon.
7 Aa T ^Ste ,1tes1tonvnt0 foi aTProvado na então villa de Santos no dia
de Janeiro de 1822, pelo tabellião Manoel Marques de Carvalho sendo
Leite^Pereira d T a t Z ^ 'l * * AntT ° ■“ f ’ ? Valente> co™'>el Àntonio
Al 1 I T ? Lobo’ sarSento-mor José Joaquim de Vasconcellos
M a ^ S r 1 1101 J °Se Joaquim de Sant’Anna, e capitão Guilherme Tutti
— 440

4.° 'i Conego Francisco Joaquim de Toledo Arouclie.


Nasceu cm 1758. Arcipreste da Sé, desde 22 de Fevereiro
de 1823. Falleceu em 1846.
Só, portanto, o Dr. Francisco Leandro de Toledo
Rendon foi o reservado para continuar esta geração. Mais
de uma vez, por falta de casamentos, ou por esterilidade,
esta linhagem correu o risco de quebrar-se ; e, com a numerosa
prole de Agostinho D elgado e Arouche e de D. M aria
T hereza de A raujo e L ara, não deixou esse risco de ser
sorprendente e assustador, visto como, ao principio, parecia
não ter a minima probabilidade.

Em 25 dc Março de 1834, fez um codicillo particular, confir­


mando aquellc testamento, mas fazendo também algumas modificações sobre
testamenteiros c acerca de legados. Este codicillo recebeu no mesmo
papel, cm 15 dc Abril do mesmo anno, um accrcscimo relativo a legados;
e era concluído nos seguintes termos: « Para constar, o referido vae por
mim assignado, c igualmente por toda a minha familia que se acha reunida,
e por todos os mais que se acharem presentes. S. Paulo, 15 de Abril
de 1834. — J o s é A r o u c h e d e T o le d o R e n d o n . — M a r i a T h e r e z a R o d r i g u e s d e
M o r a e s A r o u c h e . — M a r i a B e n e d ic ta d e T o le d o A r o u c h e . — A n n a M a r g a r i d a
R o d r ig u e s d e T o le d o . — F r a n c is c o J o a q u im d e T o le d o A r o u c h e . — D . C a e ta n a
A n t o n i a d e T o le d o L a r a e M o r a e s . — D . M a r i a R o s a d e T o le d o R e n d o n .
— I ) . J o a q u in a L u i z a d e 'Toledo e L a r a . — D . G e r tr u d e s G e n e b r a d e
T o le d o R e n d o u . - - F r a n c is c o G o m es d e A l m e i d a . — B e n e d ic to A n t o n i o d a
L u z . — F r a n c is c o P i n t o d o R e g o F r e i t a s . »

Este codicillo não foi approvado por tabellião algum. Não eram
da familia do tcstador Anna Margarida Rodrigues de Toledo, nem os tres
ultimos assignatarios.
E’ mencionado um filho do tenente-general Arouche, o tenente-
coronel Piogo Arouche de Moraes Lara, que falleceu victima de seu valor
cm S. Nicolau, no Iíio-Grande do Sul, em 1819. De certo nasceu também
a n te s do sen casamento; pois que, quando falleceu, 1819, tinha a edade
do cerca de 30 annos. M achado de Oliveiua, que foi seu amigo e
companheiro de armas, publicou na R e v is ta d o I n s titu to H i s t o r i c o , G e o g r a ­
p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l , VII, pag. 256, a biographia desse illustre
soldado.
A mesma R e v i s t a , no mesmo tomo VII, pags. 125 e 273, publicou
a M e m o r ia d a c a m p a n h a d e 1S1G, escripta em 1817 por DlOGO A rouche
de Moraes L ara, ainda então capitão de infantaria da legião de S. Paulo.
O Dr. Francisco Leandro dc Toledo Rendou,
paulista, casou-se, primeiro com D.
Josepha Pinto daSilva, depois com D. An
Leonissade Abclho e Fortes, irmãs, e ambas
paulistas

0 D r . Francisco L eandro de Toledo Rendon


nascido em S. Paulo, cm 1750, formou-se em leis na
universidade de Coimbra, em 1779. Habilitado pelo desem­
bargo do paço em 1781, foi nomeado ouvidor geral da
comarca de Paranaguá cm 1783, em virtude da consulta do
mesmo desembargo do paço em 1782.
Casando-se com D. Joaquina Josepha Pinto da Silva,
enviuvou sem deixar geração; mas, tempos depois, recebeu!
cm segundas núpcias, sua cunhada, irmã de sua primeira
mulher, D. Anna Leonissa de Abelho e F o rte s (*'). A

O A jjkvkdo M arques, A p o n ta m e n to s h is to r ic o s , g e o g ra p h ic o s
b io g r a p k tc o s , e s ta tís tic o s e n o tic io so s d a p r o v i n c i a d e S . P a v i o 'no nonio
A g o s tin h o D e lg a d o A r o v c h e . errou o nome da segunda mulher do D r. Fran­
cisco Leandro de Toledo Rendon, c escreveu D . A n n a C a v a lh e ir o .
ê
— 442 —

dispensa ecclesiastica não foi obtida senão após o decurso


de mais de dous annos; porque, estando vaga a Sé desde
21 de Outubro de 1789, assim permaneceu até 19 de
Março de 1796, sendo portanto indispensável recorrer ao
Papa cm Roma.
Falleceu em 1810.

I). A nna L eonissa de A relho e F ortes, nascida cm


S. Paulo, era filha do Dr. Antonio Fortes de Bustamante c
Sá Leme, o qual, segundo P edro T aques (*), era doutor de
eapcllo c íoi oppositor a cadeiras na universidade de Coim bra;
descendente de Fcrnão Dias Paes e de sua mulher D. Lu-
crccia Leme, cuja filha D. Leonor Leme casou-se com Simão
Borges de Ccrqucira, moço da camara de E l-llei D. Henrique,
e natural de Mezamfrio, cm Portugal (**). A referida
D. Lucreeia Leme era filha de Braz Esteves c de sua
mulher D. Leonor Leme; esta, filha de Pedro Leme, fidalgo
da casa real, c de sua primeira mulher D. Luzia Fernandes,
fallccida na villa de S. Vicente cm 1560 e tantos (***). E
o mais consta do attestado da camara de S. Paulo, que
adiante será transcripto.

0 vigário tia freguezia cia Sc, que baptisou suas duas filhas
Joaquma O Anua, ora escreveu D . A n n a L c o n i z a F o r te s , ora D . A n n a
L c o n iz a B u s ta m a n te S á . Em geral, os parochos não ligam aos assen­
tamentos a necessaria importanda.
(') P ediío Taques, N o b ilia r c h ia P a u l i s t a n a , na R e v i s t a d o I n s ­
titu to H isto ric o , G eo g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a s i l , XXXV, parte
primeira, 2.” trimestre de 1872, pag. 296.
Lemos cm autos que o D r. Antonio Fortes de Bustamante c Sá
ei a o proprietario do officio de escrivão da ouvidoria da cidade de S. Paulo
cm 1768, por transmissão hereditaria de Diogo Pinto do Rego, seu sogro,
cavallciro fidalgo da casa real.
( M) P edro Taques, obra c lugar rctro-citados, pags. 87 a 89:
l.° trimestre de 1872.
. l b _ Leonor Lome era irmã germana de Pedro Dias Pacs Feme,
pac dc rern ao Dias Pacs, governador das Esmeraldas.
(***) rK,)ll° T a'A'ks, obra c lugar rctro-citados, pags. 21 c 22.
443

P "r Slia D. Maria X avier Pinto da Silva,


, f ™ A Jf 0Nlf SA nE A demo e F ortes era ncta do I). Isabel
Factano do Araujo, casada com Diego Pinto do IW o ,
cavalle.ro fidalgo da casa real, mestre do campo dos auxiliares
do S. Paulo e proprietario do officio de escrivão da ouvidoria
e correição da comarca daquella mesma cidade; bisneta do
i’ clas Ncves- casar>a com Timotheo Corrêa
T° - i°' \ Í ’ tC1"ncta Tucrecia Leme, casada com
Jose de G odoy; quatuor-neta de D, Isabel Pacs da Silva (•*)
C do seu segundo marido Simão Ferreira D eFado (***) •
sendo que esta D. Isabel Paes da Silva era irntó germana
<C ie in a o F ias Paes, governador das Esmeraldas (****), e

lovin v P , Ki °T> 11108,110 Tim°tlieo Corrêa de Góes, mencionado no


texto V da Linha L ; enteado de Pedro Taqucs dc Almeida casado com
sua mao D. Angela de Sijnoira. d’ casaü0 coni

Simões de( A b re ? h f T Í ndM Í af t£! 1com o primeiro marido, Bartholomcu


com Fstevam n ’lnn«n r> tim C° APr(?!! 1 cdroso Leme, a qual casou-se
com -fstevam Raposo Bocarro, cuja hllia D. Ignez de Oliveira Cnfrim
casou-se com Antonio dc Faria Sodré. Um filho deste casal' Mimiol
dc Faria F ^ í f ’ CaSad° COm D * Veronica Dias Leite F erraz,‘teve Migue
de l ima Iialh o ; e e este o mencionado por Pim.io Ta <uks em sua
A o ò l h a r c / u a Paulistana , como casado com D. Maria de Moraes Sioueira
í ‘ia .d.e Manoel Preto Rodrigues e d e l ) . Francisca dc Siqueira de Moraes’
. inal de Juudiahy, filha de Manoel Rodrigues de Moraes e de I). Francisca
de biqueira. Pensamos que esta D. Francisca do Siqueira de C r á c s
enviuvando de Manoel Preto Rodrigues, foi a que casou-se com o sarge,Ro-’
noi Antonio da Silva Prado, portuguez, fundador da familia S i l v a P r a d o .
i ■i Segundo P edro T aques, « Simão Ferreira Delgado, natural
5 aclc. da „Bahía’ c Professo da ordem de Christo, de cuja praça era
s X s P l o rm -na^M t * “ / " ‘'" i " * de “ » l,ae » mcstre & campo
T) M ■ .Í t! - lourmlio, de quem era filho, e de sua mulher
na u ü i h lUl epla’ I1''0 ’"i t1 scllhores (le engenho e de grandes cabedacs
ím n iii " 1 te c e n d o o dito mestre de campo Sebastião Fernandes
’ 10, passou a Bahia seu filho c unico herdeiro desta grande casa o
cpitao feiniao le rre ira Delgado, e dalli embarcou para o reino a tratai-
los seus serviços com o concurso dos que lhe ficaram por morte do 4 u
pae. leve a infelicidade de ficar o navio do seu transporte captivo dos
momos, e para o poder destes barbaros foi também captivo o capitão Simão
l e i rena Delgado, e, encontrando o seu destino rigores e crueldades não
l i d a ? 011 mUlt° t0mp° ° torment0’ P°r,iue aos effeitos delle perdeu a

1 T Botencia Leite, bisavó de D. Anna Maria Joamiim


de Jesus Menezes Coutinho, esta casada com o D r. Antonio Mondes dc
ft
— 442

dispensa ecclesiastica não foi obtida senão após o decurso


de mais de dous annos; porque, estando vaga a Sé desde
21 de Outubro de 1789, assim permaneceu até 19 de
Março de 1796, sendo portanto indispensável recorrer ao
P apa cm Roma.
Falleceu em 1810.

D. A nna L eonissa de A belfio e F ortes, nascida em


S. Paulo, era filha do Dr. Antonio Fortes de Bustamante e
Sa Leme, o qual, segundo P edro T aques (*), era doutor de
capcllo e íoi oppositor a cadeiras na universidade de Coim bra;
descendente de Fcrnão Dias Paes c de sua mulher D. Lu-
crecia Leme, cuja filha D. Leonor Leme casou-se com Simão
Borges de Cerqueira, moço da camara clc E l-R ei D. Henrique,
e natural de Mezamfrio, em Portugal (**). A referida
D. Lucrecia Leme era filha de Braz Estcves e de sua
mulher D. Leonor Leme; esta, filha de Pedro Leme, fidalgo
da casa real, c de sua primeira mulher D. Luzia Fernandes,
fallecida na villa de S. Vicente em 1560 c tantos (***). E
o mais consta do attestado da camara de S. Paulo, que
adiante será transcripto.

0 vigário da freguezia da Sc, que baptisou suas duas filhas


Joaquina C Anua, ora escreveu D . A n n a L c o n i z a Forte/* , ora D . A n n a
L e o n iz a B u s t a m a n t e Sá. Em geral, os parochos não ligam aos assen­
tamentos a necessaria importância.
C) E iD ito T a q i us, N o b ilia r c h ia P a u l i s t a n a , n a R e v i s t a d o I n s -
titv to H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l , XXXV, parte
primeira, 2.” trimestre de 1872, pag. 296.
Lemos cm autos que o D r. Antonio Fortes de Bustamante c Sá
C1:l 0 ln'°lin ^ a™ do oificio de escrivão da ouvidoria da cidade de S. Paulo
cm 17b8, por transmissão hereditaria de Diogo Pinto do Rego, seu sogro,
cavalleiro fidalgo da casa real.
(**) P kdro Taquks, obra c lugar retro-citados, pags. 87 a 89:
l.° trimestre de 1872.
1). Leonor Leme era irmã germana do Pedro Dias Paes Leme,
])uc de re rn ã o Dias Paes, governador das Esmeraldas.
(" '*) P kduo Tatues , obra c lugar retro-citados, pags. 21 c 22.
443

Por sua mãe, D. Maria X avier Pinto da Silva,


( ; Anna Le0nissa de Abelho e F o rte s era neta ele D. Isabel
Facta no ele Araujo, casada com Diogo Pinto do l l e*0,
cavalleiro fidalgo da casa real, mestre ele campo dos auxiliares
cie 5. L aulo, c proprietario do officio de escrivão da ouvidoria
e correiçno ela comarca daquclla mesma cidade; bisneta de
1 p a n a / #! mC daS NcveS) casarla com Timotheo Corrêa
de Goes ( ); ter-neta de D. Lucrecia Leme, casada com
Joso de Focloy; quatuor-neta ele D. Isabel Paes da Silva (**)
c ele seu segundo marido Sirnão Ferreira Delgado (***)•
sendo que esta D. Isabel Paes da Silva era iram germana
<lc rern ao Dias Paes, governador elas Esmeraldas (****), e

tcvto v r liliinu ,t p ,Ti,?oi'r, <,c w»*»»*. «>


‘u a “I dees í “ o h ,dC * * * T**““ *
Q. - , ( ). descendenda desta com o primeiro marido, Bartliolomon
Simões ele Abreu, ha I). Maria elo Abreu Pcdroso Leme, a qual casou-se
com Lstevam Raposo Bocarro, cuja filha I). Igncz de Oliveira Cotrim
casou-se com Antonio do Faria Sodré. Um filho deste casal Mio-nol
' “ l f ' . a j?.1'1.' ' casail° D- Veronica Dias Leite Ferraz, tevè Mi*uc
<le l a n a maUic; o 6 este o mencionado por Puo,to T a tU s em sua
A o ln h m ch a como casado com D . Maria de Moraes Sioneirs
a de Manoc! Preto Rodrigt.es e de I». Francisea de S t^ o ir a d e Moraes’
r tinaf de Jundiahy, filha de Manoel Rodrigues de Moraes e de I). Francisea
de biqueira Pensamos que esta D . Francisea dc Siqueira de C a o s
enviuvando de Manoel Preto Rodrigues, foi a que casou-se com o salento-’
Ant°nio da Silva Prado, portuguez, fundador da familia S i l v a P r a d o .
,., , ( ) Segundo P edro T aques, «Simão Ferreira Delgado, natural
da cidade da Bahia, c professo da ordem de Christo, dc cuja praça era
capitao de infantaria da companhia de seu pae o mestre de campo
Scbastnio Fernandes lourinho, do quem era filho, o de sua mulher
in Puhh u u I ofF ,qUC Í T Sei,h0res '!° enSen,1° c de grandes cabedaes
Tm,ri i 1 o°, - 0 dlt0 rnestrc cle campo Sebastião Fernandes
..í1110’ .Passou a Bahia sou filho c único herdeiro desta grande casa o
capitao Simao_ Ferreira Delgado, e dalli embarcou para o reino a tratar
dos seus serviços com o concurso dos que lhe ficaram por morte do seu
pae. leve a infelicidade de ficar o navio do sou transporte captivo dos
momos, e para o poder destes barbaros foi também captivo o capitão Simão
llmdT.m. lc lg a !,0’ .G’ encontrando o seu destino rigores e crueldades, não
lhe dm ou muito tempo o tormento, porque aos effeitos delle perdeu a

( ?' ' ) D . Potência Leite, bisavó de D. Anua Maria Joaquina


de Jesus Menezes Coutiuho, esta casada com o Dr. Autonio Mendes dc
444

portanto filha de Pedro Dias Paes Leme e de sua mulher


D. Maria Leite (*); este Pedro Dias Paes Leme — filho de
Fernando Dias Paes e de D. Lucrecia Leme; esta, filha de
Pedro Leme, fidalgo da casa real, e de D. Luzia Fernandes.
0 Dr. Antonio Bustamante, filho segundo de Manoel
de Sá e Figueiredo c de D. Lucrecia Leme Borges de
Cerqueira, teve de seu casamento dous filhos e oito filhas (**).
Dos dous filhos 6 necessário assignalar o capitão Manoel
Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, o qual, indo a
negocios da familia em Minas-Gcracs, vio-se preso em 1789
> e envolvido no famoso processo como cúmplice do alferes
Joaquim José da Silva Xavier, vulgo o T ir a -D entes, na
abortada revolução. J á havia fallecido na prisão, onde esteve
mais de dous annos, quando a sentença o declarou sem
culpa. Esta sentença foi publicada em 20 de Abril de 1792.

Para provar ainda mais anobreza de D. A nna


Leonissa de A iseu! o e F o rte s , bastará, tresladar para aqui
a attestaçao dada a ella c a sua irmã D. Marianna Angelica
lo rte s de Bustamante Sá Leme pela camara da cidade de
S. Paulo, em 27 de Abril de 1799. E il- a :
« O Dr. Juiz Presidente, Vereadores, e Procurador,
Almeida, era irmã germana de Fernão Dias Paes, governador das Esme­
raldas, c portanto também de D. Isabel Paes da Silva.
(') O- Maria Leite era filha de Paschoal Leite Furtado, natural
ua ilha dc Santa Maria, Açores, c de sua mulher D . Isabel do Prado,
irmã do padre jesuita Domingos do Prado. Este Paschoal Leite Furtado
cui neto dc Jorge lurtad o de Souza, que teve o fôro de fidalgo da casa real.
I EIHIO lAqt KS, JSo b ilia r c h ia P a u l i s t a n a , na R e v is ta d o I n s t i t u t o H is to r ic o ,
G e o g r a p h ic o ^ e E th n o g r a p h ic * d o B r a z i l , XXXV, parte primeira, pag. 96,
biz referencia ao N o liU a r io do reverendo Dn. Gaspar F ructuoso, III,
•>, c IV,16, para demonstrar a nobilissima e muito antiga linhagem dc
Paschoal Leite Furtado; e dá integralmente o brazãode armas, do qual
se ve que esta I). Maria Leite descende dc D. Maria Alvares Cabral,
1,11111 de Pedro Alvares Cabral, o descobridor do Brazil.
(' ) Segundo A zevedo Marques, A p o n ta m e n to s h isto r ic o s , g e o g r a ­
p h ic o s , bi ogro p h i cos , c s ta tistic o s e n o ticio so s d a - p r o v in d a d e S . P a u l o , no
nomc D io g o l e n t o d o R e g o , o D r. Antonio Bustamante foi assassinado cm
Pitangui, capitania dc Minas-Geracs.
44 j

Cidadães Republicanos da Governança deste Senado o pre-


sente anno por eleição, e bem das Ordenações de S. M.
Fidelissima, etc.

« Attestamos e fazemos certo que D. A nna Leonissa


d e A b e lh o e F o r te s , c D. Marianna Angelica Fortes de
ustamante Sa Leme, são naturaes desta cidade, e das mais
distinctas e illustres Familias desta Capitania: por serem
pe a parte paterna, filhas legitimas de Antonio Fortes de
Bustamante Sa e Leme, Doutor da Faculdade de Leis
legitimo descendente dos Illustres Cavalheiros Abelhos, Fortes
e Bustamantes, que do Reino da Andaluzia se passarão ao
de Portugal e depois para este Brazil na pessoa de Manoel
de Sa e Iigueredo, pae do dito Dr. Fortes; o qual dito
i lanoel de Sa, por ser de qualidade distincta, casou com
‘ p C^ccia Leme Borges de Cerqueira, irmã inteira do
Br. re d ro Dias Paes Leme, mestre do campo do terço da
no leza do Rio^ de Janeiro, guarda-mór geral das minas,
alcaide-mor da cidade da Bahia, commendador da ordem de
insto, o fidalgo da casa real, filho de Garcia Rodrigues
1 aes Leme, capitáo-mór, administrador e guarda-mór das
mmas, fidalgo da casa real, e de sua mulher D. Maria
Pinheiro da Fonseca; e, por isso, netos do grande servidor
d Ll-Ivei no Brazil, o governador Fernáo Dias Paes Leme (*);

10A Refero Pkdro Taques, obra c lugar retro-citados, pags. 129


c lo0:_ «Ainda era solteiro Fernão Dias Paes quando tomou a virtuosa
resolução de _despender os seus cabedaes fundando, como fundou, o mos-
teno, que ainda boje existe, do patriarcha S. Bento, da cidade de
. 1 amo, cujos monges existiam d’antes em uma limitada casa e igreia:
construio-se esta obra com tres grandes dormitorios c igreja, que a fez
acabar com côro, púlpito c altares, e dotou esta casa com cem indios
para cultura das terras dos religiosos. Estabeleceu patrimonio para
sustentação do azeite da alampada do altar-mór, onde está o sacrario
em uma rendosa fazenda chamada de S. Caetano, com fabrica de olaria
para cozer telha e tijolo; e, ao presente tempo, é o rendimento mais
certo que tem este mosteiro. Ornou a capella-mór com alampada de
prata e castiçáes do mesmo metal para a banqueta do altar-mór, cujos
moveis ainda existem recordando nos monges a memoria deste bemfeitor
c fundador. Em agradecimento da eonstrucção c fundação deste convento
cederam os religiosos monges (por escriptura celebrada na nota do tabellião
de b. laulo, Joao Dias M oura) o pavimento da capella-mór para jazigo
446

vindo assim a ser as sobreditas D. Anna Leonissa, c sua


irmã, legitimas descendentes dos Illustrissimos Lemes, que
da Ilha da Mad eira se passarão para esta Capitania, fidalgos
muito antigos nos livros d’F l-R e i; e por sua bisavó D. M aria
Pinheiro, são as mesmas — legitimas
o
descendentes do ogrande
Si mão Borges Serqueira (*), que, no tempo do Senhor Rei
o Cardeal i). Henrique, se passou á esta Capitania no serviço
do mesmo Senhor, com o foro .* de moco 3 fidalgo
o de sua real
camara, que se acha no archivo desta.
« Ba mesma sorte attestamos que as sobreditas
B. A nna L eonissa de A bei,no e F ortes, e sua irmã,
1). Marianna Angelica Fortes de Bustamante, são, pela parte
materna, filhas legitimas de D. Anna Maria X avier Pinto
da Silva, filha legitima de Diogo Pinto do Rego, proprietario
do officio de escrivão da ouvidoria desta comarca, mestre de
campo de auxiliares, e fidalgo da real casa; neta do André
( ursino de Mattos, proprietário que foi do mesmo officio,
sargento-mór governador da fortaleza de Guaibe; e, por
esta parte, bisneta de José Monteiro de Mattos, primeiro
proprietario do dito officio, mestre de campo, governador
desta Capitania, e fidalgo da casa real, legitimo irmão de
Lugcnio Monteiro de Mattos, governador do G rão-Pará.
« F, pela parte paterna do dito seu pae, é a sobredita
1). A nna L eonissa bisneta de Diogo Pinto do Rego, também

do fundador o seus descendentes por linha recta, tendo-os, e os das linhas


obliquas.»
Lsta doação foi, pois, cm KitiO a ltí70, mais ou menos.
Prim o T aijuhh escreveu em fins do século XVIII.
O referido Fernão Dias Paes era casado com D. Maria Garcia
Iletimk Daln o appcllido JJetim entre os P a e s L e m e .
O Hda geraçao de D. Leonor Leme, filha de Fernando Dias
l acs com sua mulher I). Lucreeia Lémc. esta — filha de Pedro Leme
fidalgo da casa real, e de sua mulher D . Luzia Fernandes. A dita
D. Leonor Leme foi casada com Simão Borges dc Ccrqueira.
Prim o T aííuks , obra e lugar retro-citados, pags. 22 e 87- c
quanto a parentesco antigo, desde Portugal, entre Lemes e Borges dc
Ccrqueira, pag. 15, geração de Manoel Leme Coutinho.
f
— 447 —

® " ,d ?' (m dcs‘a Capitanin, cio quem testificão as


lias abonaçocs, _que existem no archivo desta camera, que
eia da mais distincta nobreza da corte de Lisboa c W itim o
neto de Manoel Paes da Costa e D. Isabel do Reco Pinto-
0 qual Manoel Paes da Costa fòra governador do°reino de
Angola; e o sobrei to Diogo Pinto do Rego easou nesta
Capitania com D M ana de Brito Silva, filha e irmã dos
povoadores da villa da Laguna o do Rio-Grande do S. Pedro
ao sul, onde lorão primeiros governadores.
« Item, attestamos que o mestre do campo Dio™
Pinto do Rego, avô das sobreditas D. A nna o sua irmã, foi
casado com D. Isabel M ana Cactana de Araujo, das Illustres
1 amilias dos mesmos Lemes, Góes, Godoj-s Moreiras, antigos
proprietários da provedoria da real fazenda desta Capitania
que se cxtmguio cm seu irmão Josó do Godov Moreira que
ialleceu solteiro sem suceessão.
« E finalmente attestamos que as sobreditas vivem
recolhidas em sua casa, e se tratão com muita distineção e
lei da nobreza: o que tudo certificamos, por ser publico
nesta cidade, e por nos constar por documentos, que nos
apresentarão, c por outros authenticos que se achão no
archivo desta camera, a que nos reportamos.
« E, por nos ser pedida esta, a passamos debaixo
do juramento de nossos cargos, e sellada com o real sello,
que perante nós serve nesta cidade de S. Paulo cm camera
de 27 de Abril de 1799. Eu Antonio Josó de Lima,
escrivão da camera que a subscrevi. — José Vaz de Carvalho.
~ J o s é M aria da Cruz Almada. — Antonio Manoel de
Camargo Pires. — Francisco Alves Ferreira do Amaral, »
E sta attestação e idêntica a que, em 4 de Março
de 1789, foi dada ao capitão Manoel de Sá Pinto do Ilego
Fortes (*); salvo quanto ao final, relativamente á conducta

( ) Convem conferir com o que, referindo-sc a documentos


otficiaes e registrados, escreveu Pki.ro Tatues, cm sua N o b i l i a r c h i a P a v -
l i s t a n a , acerca da ascendência de Francisco Finto do Rego o miai foi
casado com D. Escholastica Jacintha de Ribeira Góes c Moraes. ( K e v h t a
*

__ 448 —

e tratamento social, que não podia deixar de variar. Portanto,


é uma attestação que necessariamente foi copiada e registrada
no livro competente.

Por D. Marianna Angelica Fortes de Bustamante e


Sá Leme, outra filha do Dr. Antonio Fortes de Bustamante
e Sá Leme, os descendentes de D. A nna L eonissa d e A belho
e F ortes são parentes dos actuaes condes de Sarzedas, em
Portugal, c dos Lorenas, cm S. Paulo e Rio de Janeiro.
Ainda existem em S. Paulo duas netas da referida
J). Marianna Angelica Fortes, filhas do coronel do estado-maior
do exercito D. Francisco de Assis Lorena e de D. Maria
R ita de Almeida Lorena; c são:
1. a ) D. Leonor Andromeda de Almeida Lorena,
viuva do Dr. Luiz Rodrigues Ferreira. Tem dous filhos :
José Rodrigues Ferreira, residente no Rio de Janeiro, cujo
filho Dr. Luiz Rodrigues Lorena Ferreira é addido no corpo
diplomático brazileiro; e Dr. Luiz Rodrigues Ferreira, resi­
dente em S. Paulo, e ainda solteiro, tendo sido vereador e
deputado provincial.
2. a ) D. Anna M aria de Almeida Lorena, viuva de
Luiz Pereira Machado. Sem geração.
Seu irmão, o conde de Sarzedas, residia em Portugal;
e lá fallcccu. O filho mais velho traz hoje aquellc titulo; e
mais o de marquez, segundo recentes noticias.

As armas dos Abclhos são em campo verde uma


arvore de sua còr, perfilada de ouro, e ao pé delia um
cortiço de ouro, sobre o qual está uma foice de podar, cabo
de ouro, c ferro de prata, c vòam abelhas; elmo de prata

(lo I n s t i t u t o H is to r ic o , G e o g ra p h ic o c E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l , XXXIII,
parte primeira, l.° trimestre de 1870. desde pag. 57.) Este Francisco
Finto do líego era irmão de Diogo Finto do Rego, sogro do Dr. Bustamante.
— 449

aberto e guarnecido de ouro; e por timbre um cortiço de


ouro em cima delle, e abelhas do mesmo voando.
Os solares dos Abell,os e dos Fortes, cm Ilespanha,
foram re"",dos no século X V I, em virtude do casamento de
Joao Fernandes Abelho, senhor dos dons solares de Abelhos
fi]h, e ,„Av haS’, C°™ Cathar'na Alvares Fortes de Sierra,
filha legitima de Domingos Fortes de Sierra, senhor da casa
ar i OS,tFortC" E’ P°is' é cssa a razão dos dois sobre­
nomes Abelho e Fortes, dados pelo Dr. Antonio Bustamante
aos seus filhos. (*)

o D«. F r a n c is c o L e a n d r o d e T o l e d o R e n d o n teve,
de seu consorcio com D, A n n a L e o n issa d e A b e lh o e F o r t e s ,
som ente, duas filhas, e nenhum filhD. Joaquina Josepha
cle Abelho Bustam ante e Rendon, nascida em 1793, e fallecida
sem geração; e D. A n n a R , t a d o s P r a z e r e s A b e lh o e
• o r t e s ( ), nascida em 1797, baptisada aos 2 do Maio desse
anno, na egreja matriz de Santa Ephigenia (***), sendo

irmnns- iP a em Hespanha, procederam os tres


Àbenm V .t n Abelba> D - frei Ferrer Abelha, e D. Bercnguel
°f
Lste ult11!10 creado cardeal em 1300 com o nome de cardeal
de Rodas; e, vindo a Hespanba por legado apostolico, esteve em Bar-
celona, onde, no mesmo anno, com assistência de seu irmão D. frei Ferrer
Abelha, da ordem de S. Domingos, bispo de Barcelona, celebrou a
trasladaçao da Gloriosa Santa Eulalia, martyr, estando presentes o Rei de
Aragao, _e a principal nobreza do reino. D. Bernardo Abelha foi general
do exercito aragonez.
. Of solares das Abelhas e dos Abelhos foram reunidos pelo
consorcio de D. Pedro A b e lh a , senhor da casa e solar das Abelhas
com D . ( atharina Fernandes A b e lh o de Rayon, filha de Fernando Rayon
e Luarca e de sua mulher D . Thereza Meuendes A b e lh o , a quem pertenceu
a torre e solar dos A b e lh o s , em Brieves, conselho de Valdez, e por cuja
morte passaram, torre e solar, á sobredita D. Catharina Fernandes A b elh o
de R ayon; e depois a D. João Fernandes A b elh o , que, por casamento
com D . Catharina Alves F o r te s de Sierra, reunio ainda o solar dos F n - te s ,
um dos mais antigos e respeitados em Ilespanha, tendo principiado em
bortes Sanchez, como constava do archivo da egreja de Oviedo.
..(**) E ’ a do texto genealógico seguinte, nesta Linha A e B.
(***) Segundo A zevedo M arques, A p o n ta m e n to s h isto ric o s, g e o g ra -
V
D. Anna Rita dos Prazeres A bolho c Fontes,

paulista, casou-se com o tenente-coronel Antonio

Leite Pereira da Gania Lobo, português

A n to n io L e ite P e re ira G am a L o b o casou-se no


da
Rio do Janeiro, por procuração, com D. A n n a R i t a dos
P ra z e re s A b e lh o e F o r t e s ; vindo depois á cidade de
S. Paulo receber a benção nupcial na egreja-niatriz de Santa
Ephigenia, em 1815.

E ra então tenente-coronel do exercito. Mas, quando


cm 1814 viera da India para S. Paulo, ainda era capitão.
Nascera em Portugal, de uma famila nobre, muito
conhecida em Cabeceiras de Bastos, provincia do Alinho.
Seu irmão mais velho, o Dr. Francisco X avier Leite
Pereira Lobo, foi deputado as cortes geraes e extraordinarias
da nação portugueza, 1821 — 1822, pela mesma provincia
do Minho.

A ntonio L e it e P e r eir a da G ama L obo tomou parte


activa na independência do Brazil, desde 1821, sendo já
452

então coronel. A historia refere o facto de 23 de Junho


de 1821, quando foi resolvido constituir em S. Paulo um
governo provisorio: — o coronel A ntonio L e it e P e r e ir a d a
G ama L obo appareccu, na praça dos Paços do Conselho,
eommandando o l.° regimento de ca vallaria miliciana, c o
2.° regimento, bem como o de uteis e o 2.° de infantaria,
todos milicianos que se achavam na cidade.

Lm consequência, foi creado o governo provisorio; e


delle fez parte, pelas armas, o mesmo coronel A ntonio
L e it e P e r e ir a da G ama L obo .

Mais tarde, em 3 de Janeiro de 1822, foi nomeado,


juntam ente com o conselheiro Jose Bonifácio de Andrada o
Silva, paia irem ao Pio de Janeiro a fim de pedirem, com
representação do mesmo governo provisorio, a S. A. R. o
Sm. L). le d io de Alcantara para demorar-se no Brazil, até
a decisão definitiva das cortes geraes e constituintes da nação
portugiieza.

L, quando em 14 de Agosto de 1822 o Principe


D. Pedro resolveu visitar a provincia de S. Paulo, a fim de
pacifieal-a, foi ao seu encontro em Pindam onhangaba; c este
encontro realizou-se no dia 21 do mesmo mez de Agosto,
em Agiia-1 íeta, uma legua adiante daquella villa, juntamente
com o coronel Manoel Marcondes de Oliveira Mello (depois
barão de Pindamonhangaba ); e no dia 7 de Setembro,
eommandando a Guarda clc Ilonra no logar denominado
Ipira n g a , ouvio do mesmo Principe ( e também ouviram
todos os da referida guarda e os da com itiva) « que as
cortes portuguezas queriam massacrar o Brazil, pelo que se
devia nnmediatamcnte declarar a sua independencia », e,
arrancando o tope portuguez que trazia no chapéo, e lan­
çando-o por terra, o Principe soltou energico o brado de —
I ndependencia ou morte.

Ja e n tã o o c o ro n e l A ntonio L e it e P e r e ir a da G ama
L obo e s ta v a viuvo, p o is q u e em 1818 su a m u lh e r fa lle c e ra
d o s e g u n d o p a rto , o u d a d e s a s tra d a o p e ra ç ã o fe ita . E ,
— 453

mimar, joven, rico, fidalgo, deixando a filha única, D. M aria


M iquilira F ortes L eite L obo (*), em companhia das tias,
irmas do avo e do tenente-general José Arouche de Toledo
Rendon acompanhou D. Pedro I ao Rio de Janeiro, na
qualidade de commandante da Guarda de Honra, e de seu
amigo intimo e sincero. Lá permaneceu muitos annos, até
que L>. Pedro I quiz abdicar.
. Voltando a S. Paulo, tratou de regularisar seus
negocios; e, só então, comprehendeu que a ausência na
corte lhe fòra muito onerosa. Passados alguns annos, e eis
que a filha adquirio a edade precisa, levou-a para Portugal,
a hm de casal-a com o sobrinho, primogenito de seu irmão
morgado. E assim aconteceu, como mais adiante se verá no
texto genealógico.
De regresso a S. Paulo, contrahio segundas núpcias
com D. Leonor Monteiro, também viuva, da cidade de Areas,
e já quinquagenaria.
Foi membro da assemblea legislativa provincial, na
legislatura de 1837 — 1839.
Na famosa rebellião de 1842, em que os rebeldes
se deixaram vencer e dispersar tão facilmente pelas forças
do governo, o coronel Antonio L eite P e re ira da Gama Lobo
foi chamado a prestar serviços de guarnição na cidade de
S. Paulo e nos lugares visinhos.
E ia geralmente estimado; pois que, embora conservador
por nascimento, educação, e temperamento, cultivava com
esmero a amisade de muitos adversarios politicos, sobretudo
ao norte da provincia. E mesmo eram estes os seus melhores
amigos pessoaes; demorando-se em suas casas, dias e dias,
sempre que fazia viagens entre S. Paulo e Rio de Janeiro,
a fim de retem perar as velhas affeições.
Amava muito o jogo do voltarete; e o fazia com a
maxima perfeição.

(*) E’ a do texto genealógico seguinte, nesta Linha A e B.


454 —

1 alleceu no posto de brigadeiro, como reformado, em


12 de Julho de 1857. Na qualidade de l.° commandante
da Guarda de Honra, competia-lhe o posto de tenente-
general: nunca, porém, conseguio essa patente, por lh’o
obstarem os diversos ministros da guerra, e também os
inimigos adquiridos no primeiro reinado.
Era condecorado com gráos de varias ordens ; e um
dos primeiros que o foi na Ordem do Cruzeiro, como official.
lam bem foi honrado com o cargo de veador de
Sua Magestade a Imperatriz.
Exeiceu em S. Paulo mais alguns cargos de eleição
popular, além do de membro da assembléa legislativa provincial.
Seus ossos repousam em carneiro alto, no cemiterio
co-lateral da egrcja da ordem terceira de S. Francisco.

í)
VI
D. Maria Miquilina Fortes Leite Lobo, paulista,
casou-se com Francisco José Leite Pereira
Lobo, português

P* M ama M iquilina F ortes L eite L obo, nascida em


1816, baptisou-se em 19 de Agosto dd mesmo anno, na
egreja-matriz de Santa Ephigenia, sendo padrinho o conde
de Palm a, governador e capitão-general da capitania de
Paulo, e madrinha D. Caetana Antonia de Toledo Lara
e Moraes. Casou-se em Portugal, no dia 31 de Outubro
de 1837, com seu primo-irmão F rancisco J osé L eite P ereira
L obo. E voltou com este para S. Paulo, Brazil. Foi a
herdeira de todas as suas tias, D. Caetana Antonia de Toledo
L ara e Moraes e suas irmãs, vulgarmente conhecidas pelas
moças e, depois, velhas da Casa Verde. Falleceu em 27 de
de Novembro de 1 8 5 6 ; e seu corpo foi depositado em
carneiro alto, no cemiterio co-lateral da egreja da ordem
terceira de S. Francisco.

Francisco José L eite P e re ira Lobo era sobrinho do


coronel Antonio Leite Pereira da Gama Lobo, como já foi
456 —

referido; e, por primogeniture, morgado em Cabeceiras de


Basto, Portugal.
Seu pae pretendeu que elle se formasse em Direito
na universidade de Coim bra; e la esteve com outros irmãos.
Mas, as luctas entre D. Miguel e D. Pedro, forçando aquelle
proposito, o arrebataram para o serviço no exercito consti­
tucional. Foi um dos combatentes no cerco do Porto.
Sabe-se o que foram estas luctas entre D. Miguel e
D. Pedro. Aquelle entendia que este, sendo Im perador do
Brazil, não podia ser ao mesmo tempo rei de Portugal; e
que, portanto, a elle, e não a D. Pedro ou seus descendentes,
fòra devolvida a coroa portugucza pela morte do E l-R ei
D. João VI. De seu lado, D. Pedro, concordando em que
11:10 P0fEa reunir as duas corôas, abdicou em sua filha
D. Maria, pois que o filho unico que tinha seria o Im perador
do Brazil. A guerra acccndeii-se, porque D. Pedro, abdicando
em 7 de Abril a coròa do Brazil cm seu filho D. Pedro,
seguio para a Europa, contrahio empréstimos, organisou
esquadra c exercito, e arregimentou partidários entre os por-
tuguezes sob a bandeira da restauração constitucional. A
guerra durou desde 1832 a 1 8 3 4 ; tendo termo pela
convenção de Evora-Monte, de 27 de Maio deste anno
ultimo.
Finda a guerra, F rancisco J osé L eite P e r e ir a L obo
nao quiz mais voltar aos estudos em Coimbra; e, tendo
rallecido seu pae, retirou-se aos seus domínios em Cabeceiras
de Rasto.

Casando-se com sua prima-irmã, D . M a ria M iq u ilin a


I o r te s L eite L obo 1836, veio para S. Paulo; de onde, após
muitos annos, tendo perdido a mulher, e depois de casadas
as uas filhas, retirou-se para Portugal, com os tres filhos.
Alli ralleceu em 1876.
As filhas foram :
1 ,a ) Ç- A n n a R i t a F o r t e s L e ite L o b o , que ó a
do texto genealógico seguinte.
— 457 —

2/ ) D. M ana Miquilina Fortes Leite Lobo. Casou-se


com o D r João Ribeiro da Silva. Apezar de bacharel em
ireito, piefeno a carreira commercial, associando-se com
dous cunhados em uma infeliz casa bancaria; por entenderem,
os tres, que assim melhor liquidariam o activo millionario
do acervo inventariado do commendador Antonio José Ribeiro
da Suva, pae e sogro dos socios. A sociedade tinha a razão
social B . Gaviao, Ribeiro A Gavião; mas, esta razão
social soffreu, no decurso de muitos annos, .successivas
modificações, até que veio o desastre da fãllencia, requerida
pelo proprio Dr. João Ribeiro da Silva. Acabrunhado por
estes factos, fálleceu em 26 de Setembro de 1882; deixando
de seu consorcio tres filhos e cinco filhas :
1.° ) D. Maria Miquilina Ribeiro da Silva. Nascida
cm 8 de Maio de 1863.
2. ° ) D. R ita Maria Ribeiro da Silva. Nascida em
7 de Maio de 1864. Casada com o Dr. Joaquim Canuto
de Figueiredo Junior, advogado em S. José de Além Parahyba,
Minas-Gcraes.
E tem tido os seguintes filhos :
a ) D. Jesuina Ribeiro de Figueiredo, nascida em
24 de Novembro de 1883.
b ) Joaquim, nascido em 8 de Março e fallecido
em 9 de Julho de 1884.
c ) Joaquim Canuto de Figueiredo Filho, nascido
em 7 de Julho de 1886.
3. ° ) D. Anna Rita Ribeiro da Silva. Nascida cm
11 de Abril de 1866. Casada com o Dr. Francisco de
Pennaforte Mendes de Almeida, advogado cm S. Paulo, seu
prim o-irm ão; do qual se tratará no texto genealógico seguinte.
4. °) João Ribeiro da Silva. Nascido em 7 de Junho
de 1867.
5. ° ) Antonio José Ribeiro da Silva. Nascido em
11 de Setembro de 1869,
456 —

referido; e, por primogeniture, morgado em Cabeceiras de


Basto, Portugal.
Seu pae pretendeu que elle se formasse em Direito
na universidade de Coimbra; e lá esteve com outros irmãos.
Mas, as luctas entre D. Miguel e D. Pedro, forçando aquelle
proposito, o arrebataram para o serviço no exercito consti­
tucional. Foi um dos combatentes no cerco do Porto.
Sabe-se o que foram estas luctas entre D. Miguel e
D. Pedro. Aquelle entendia que este, sendo Im perador do
Brazil, não podia ser ao mesmo tempo rei de Portugal; e
que, portanto, a elle, e não a D. Pedro ou seus descendentes,
fora devolvida a coròa portugueza pela morte do E l-R ei
D. João VI. De seu lado, D. Pedro, concordando em que
não podia reunir as duas coroas, abdicou em sua filha
D. Maria, pois que o filho unico que tinha seria o Imperador
do Brazil. A guerra accendeu-se, porque D. Pedro, abdicando
cm 7 de Abril a coròa do Brazil em seu filho D. Pedro,
seguio para a Europa, contrahio empréstimos, organisou
esquadra c exercito, e arregimentou partidários entre os por-
tuguezes sob a bandeira da restauração constitucional. A
guerra durou desde 1832 a 1 8 3 4 ; tendo termo pela
convenção de Evora-Monte, de 27 de Maio deste anno
ultimo.
Finda a guerra, F rakcisco J osé L e it e P e r e ir a L obo
nao quiz mais voltar aos estudos em Coimbra; e, tendo
fallccido seu pae, retirou-se aos seus domínios em Cabeceiras
de Basto.

Casando-sc com sua prima-irmã, D . M aria M iouilina


F o rte s L eite L oiio 1836, veio para S. Paulo; de onde, após
mm os annos, tendo perdido a mulher, e depois de casadas
as duas filhas, retirou-se para Portugal, com os tres filhos.
A 111 faJleceu em 1876.
As filhas foram :
1*a ) ])- A nna R ita F ortes L eite L OBo, que é a
do texto genealógico seguinte.
— 457 —

2 /1) D. M ana Miquilina Fortes Leite Lobo. Casou-se


com o D r João Ribeiro da Silva. Apezar de bacharel em
Direito, preferio a carreira commercial, associando-se com
dous cunhados em uma infeliz casa bancaria; por entenderem,
os tres, que assim melhor liquidariam o activo millionario
do acervo inventariado do commendador Antonio José Ribeiro
da Silva, pae e sogro dos socios. A sociedade tinha a razão
social B . Gavião, Ribeiro Gavião; mas, esta razão
social soffreu, no decurso de muitos annos, .successivas
modificações, ate que veio o desastre da fallencia, requerida
pelo pioprio Dr. João Ribeiro da Silva. Acabrunhado por
estes factos, falleceu em 26 de Setembro de 1882; deixando
de seu consorcio tres filhos e cinco filhas :
1.° ) D. Maria Miquilina Ribeiro da Silva. Nascida
em 8 de Maio de 1863.
2. ° ) D. R ita Maria Ribeiro da Silva. Nascida em
7 de Maio de 1864. Casada com o Dr. Joaquim Canuto
de Figueiredo Junior, advogado em S. José de Além Parahyba,
Minas-Geraes.
E tem tido os seguintes filhos ;
a ) D. Jesuina Ribeiro de Figueiredo, nascida em
24 de Novembro de 1883.
b ) Joaquim, nascido em 8 de Março e fallecido
em 9 de Julho de 1884.
c ) Joaquim Canuto de Figueiredo Filho, nascido
em 7 de Julho de 1886.
3. ° ) D. Anna Rita Ribeiro da Silva. Nascida cm
11 de Abril de 1866. Casada com o Dr. Francisco de
Pennaforte Mendes de Almeida, advogado cm S. Paulo, seu
prim o-irm ão; do qual se tratará no texto genealógico seguinte.
4. ° ) João Ribeiro da Silva. Nascido em 7 de Junho
de 1867.
5.° ) Antonio José Ribeiro da Silva. Nascido em
11 de Setembro de 1869,
458 —

6. °) D. Eugenia Ribeiro da Silva. Nascida em 8


de Abril de 1871.
7. °) D. Julieta Ribeiro da Silva. Nascida em 9
de Março de 1876.
8. °) Francisco José Ribeiro da Silva. Nascido em
5 de Maio de 1878.

O s tre s filhos, q u e a c o m p a n h a ra m seu p a e , F rancisco


Josk L eite P e re ira Lobo, p a r a P o rtu g a l, fo ra m :
l.° ) Dr. Francisco Xavier Leite Pereira da Gama
Lobo. Bacharel em Direito pela Faculdade de S. Paulo.
Successor do morgado, por ser o primogenito. Casou-se em
. ortuSal c° m ] ) . Maria Angelica de Valladares, filha legitima
rio Visconde; de Ribeira dc Pena. Falleceu em Junho de
loot). >8em geração.

1 ■ 20 ■Antonio Leitc Pereira da Gama Lobo. Ainda


solteiro. Reside em Cabeceiras de Basto.
3. ) José Maria Leite Lobo. Falleceu em Portugal
annos depois, 1871, ainda menor.
VII
D. Anna Rita hortes hei te hobo, p autista,

cason-se com o Dr. João Mendes de Almeida,

maranhense

João M endes de nasceu na ainda então


A lmeida
villa de Caxias (*), provincia do Maranhão, aos 22 de Maio
de 1831 (**), mas baptisou-se na já então villa do Brejo,
na mesma provincia. Filho de Fernando Mendes de Almeida,
capitão de milícias, negociante na mesma villa de Caxias,
natural de Fornotilheiro, provincia da Beira-Baixa, cm Por­
tugal; e de sua mulher D. Esmeria Alves de Souza, filha
do capitão-mór Domingos Alves de Souza e de sua mulher
D. Euzebia Maria da Conceição, moradores que eram na
referida villa do Brejo, após que a esta então freguezia foi
reunida a de S. Bernardo da Parnahyba, por acto especial
de 7 de Setembro de 1799.
J o ã o M endes d e A lm eida , desde que nasceu, passou
por transes difficillimos da vida. Tinha pouco mais de um

(*) Elevada á cidade, pela lei provincial n. 24 de 5 dc Julho


do 183<».
(**) Na carta dc bacharel formado cm Direito está 1829.
460 —

anno, quando, incendiando-se-lhe as roupas, foi quazi desen­


ganado da cura pelos medicos, por causa das horríveis
queimaduras no corpo. J á fallava; mas a commoção foi tal
que ficou mudo durante mais de tres annos. Circumstandas
foi tuitas restituiram-lhe, tres annos depois, a falia.

Quando os rebeldes em 1839 entraram na cidade


de Caxias, c seu pae, com outros chefes conservadores, foi
pieso, tinha apenas oito annos, mais ou menos. J á antes,
ui ante o longo assedio da cidade, sentira a commoção dos
que assistem a combates quazi diários, ouvindo o sibillar das
balas, e vendo o transporte continuo de mortos e de feridos,
o os os dias, em sua casa, assim como nas de outras
amilias, outra não era a occupação senão o fabrico de
cartuxos. Lm uma bella manhã, acordando, estranhou o
aposento; observou, e vio sua mãe assentada, debulhada cm '
pranto, tendo ao collo a pequena filha, e ao lado o outro
hlho, apenas um anno mais velho do que clle. A mudança
ora necessaria, porque os rebeldes, durante a noite, haviam
n , e ° lwcte,t° a capitulação da praça, sem condições.
Os chefes conservadores haviam sido immcdiatamente presos •
inclusive o capitão Fernando Mendes de Almeida, cuia
prmcipa culpa era a de ter dirigido e sustentado a defesa
se„ãnd nJC’ P° i ta° 1?n g r temp0- E 08 rebeldes "So esperavam
d ? d“ - P “ 0 nas casas particulares
■s edifícios publicos. 1 elizinente, o saque foi colorido
em”1! T b," Ça° d° •gUelTa’ escusada' ««sim. a violência
em todas as suas manifestações. Passaram -se dias: — mais
p r e s ò H d T sY - r tÍd° C,0S q" C qi,Criam a m atanÇa dos
oue „ w las f ™ a t,'iumPhar “ °a conselhos; até
o presos e as de,cor 0 ™ ^ p ic - n i. com
denombiada rl l ™ n ^ acamPan‘1° afina' "a povoação
narrado "na" nn t 1 ‘‘l • qiJe occorrcu’ desde então, foi
narrado na parte historica, relativa ao Maranhão.
Debellada a rebellião, afamilia voltou a Caxias • e
porque era ainda necessario o serviçodos milicianos’ o’
capjtao Fernando Mendes de Almeida, que tinha precedido
461

a f a m ilia n a v o lta , fo i c h a m a d o a fis c a lis a r as ron d as. Foi


c n ta o q u e , a ta c a d o d e p le u r iz , f a lle c e u n o d ia 2 0 d e S e t e m b r o
e 1840; d e ix a n d o a v iu v a e tr e s orp h ãos, a in d a q u e já
e s t a v a fo r m a d o e m D ir e it o , h a p o u c o s m e z e s , o filh o m a is
v e lh o , C â n d id o M e n d e s d e A lm e id a .

A s it u a ç a o d a f a m ília n ã o p o d ia s e r m a is d e s o la d o r a .
A lo r tu n a d e s tr u íd a , e m p a r te , e s t a v a f o r te m e n te c o m p r o m c ttid a ,
q u a n to ao r e s to , por d esp ezas e x tr a o r d in a r ia s e e x c e s s iv a s
P ara a d e s lo c a ç ã o v io le n t a d e C a x ia s á c a p ita l, e, a p ó s u m a
onga e s t a d a n e s t a , p a r a a v o lt a a C a x ia s c o m c a r r e g a m e n to s
d e m e r c a d o r ia s a fim d e s e r r e c o n s tit u id o o n e g o c io . T o d a v ia ,
e r a u r g e n t e tr a ta r d a educação dos o r p h ã o s ; "c, p o is , João
M endes de A lm e id a , em p r in c ip io de 1842, fo i r e m e tt id o
para a c a p ita l, com d e s t in o ao c o lle g io d e N o s s a S e n h o r a
dos R e m e d io s , com o in te r n o . L á e stev e de 1 8 4 2 a 1 8 4 6 ;
e fo i n esse c o lle g io que aprendeu os p r e p a r a tó r io s, c o m a
s e r ie d a d e e a c o n v ic ç ã o que o d ir e c to r e os p r o fe s so r e s
t in h a m d e s u a m is s ã o e r e s p o n s a b ilid a d e .

Lm 1847, honvc d u v id a — s e e lle d e v e r ia cu rsa r a


E s c o la M ilita r , p a r a s e r e n g e n h e ir o , o u s e era p r e fe r iv e l h ir
para O lin d a , a fim de fo r m a r -s e em D ir e it o . P r e v a le c e u
e ste u lt im o a lv it r e . Tudo c o rria p e r f e it a m e n t e , quando em
1851, a n tes de fa z e r o a c to d o q u in to a n n o p a ra to m a r o
gráo d e b a c h a r e l, v i o - s e e n v o lv id o e m u m p r o c e s s o a c a d ê m ic o ,
com o c o -r é o em um t u m u lt o por cau sa de um JR no
ju lg a m e n to de um c o lle g a . T in h a to m a d o ta n ta p a r te e m
ta l t u m u lt o com o q u a lq u e r p e s s o a q u e lá n ã o e s te v e . M a s,
para o e x c lu ír e m do p r o c e s s o , im p u n h a m - lh e u m a c o n d iç ã o ,
a que em te m p o a lg u m s u b m e tte u -se para com qu em qu er
q u e s e ja , n ã o a c c u s a n d o - s e d e c u lp a a lg u m a : — u m a s a tis fa ç ã o ,
e p e la im p r e n s a ! P r c f e r io o p r o c e s s o , e to d a s a s c o n s e q u ê n c ia s
de um a se n te n ç a c o n d e m n a to r ia . De fa c to , c o n d e m n a d o á
su sp en são d o a c t o p o r s e is a n n o s (* ) , t e v e a fo r tu n a d e v ê r
que o d ir e c t o r da A c a d e m ia , o v is c o n d e d e G oyanna, não

(*) Os outros dous collegas foram também condemnados á


suspensão, mas somente por cinco annos.
— 462 —

se conformando com a decisão da congregação, recorreu


ex °fficio Para 0 conselho de Estado, adduzindo razões que
patenteavam a injustiça do julgado. Em 1852, o conselho
de Estado, bem pezando aqnellas razões, proferio sentença
de absolvição.
Não obstante, ainda J o ã o M endes d e A lmeida não
estava livre das perseguições acadêmicas. No fim de 18 5 ?
transportando-sc á cidade de S. Paulo para fazer o acto, e
tomar o grao, se approvado fosse, foi obstado de o fazer em
virtude de um aviso do ministro do imperio, então Francisco
bonçalves Martins, depois visconde de S. Lourenço, ordenando
ao director que qualquer providencia para o acto fosse
suspensa, _ate que J o ã o M endes d e A lm eida c seus dons
companheiros se mostrassem livres do processo criminal no
termo de Olinda, em Pernambuco!
Forçoso foi obedecer. Scgroo para Pernambuco; e
<in Olmda encontrou um processo dc demorte
contra o lente Dr. Pedro Antran da M atta e Albuquerque
com testemunhas falsas ! 1 d »
Fira isto em principio dc 1X 53; e, sendo inafiançavcl
Ãm c im putado, J oão M e n d e s d e A l m e i d a dirio-io-se ao
estado maio,0 ' T ' ° req"cr™ :,bo 8«*» P»m recolher-se ao
esta Jo-maioi do corpo policial (•), a fim de recorrer da
nyus a De tacto, rocorreu para um dos jui " £
sell,ciro dc k t a l080 7 Na,," co dc Arai’j°- con-
0 proliment, - 1 C d<" íuollc “ agistrado obteve
1 • • . alllL a ' 0 aecrcscimo da responsabilidade
i T j r r 1 7 ,a r ,Cm l’ai'a ° ^ - n t r a ! C Z ‘t
íesien,unhas! r v c i b o - u - a t ** ? " °
acadêmico, todavia nfio duvidaram p e i j u r a ^ r o L l S 2

corrida v 7 t"u d T P ** 7 ^ « coro folha


-.. ' M Jc Pernambuco para S. P au lo ; mas uma

magistrado Intcfçorrinio jd n te n dou sensat-unc "i'1' ° c,lcfc ’lo policio,


w recolhido á cailôa ,aulica sc,'MtjN,e" ,c V » « * d o ri, um acadêmico
463

rep rovação e s t a v a - lh e p r e p a r a d a , d iz e n d o - s e - lh e q u e e s c o lh e s s e
e n tie a d ia r o a c to para o fim d o ann o, ou ser rep rovad o,
v is t o que esca p a ra aos dous p r o c e s s o s , p e la a b s o lv iç ã o em
u m , p e la d e s p r o n ú n c ia e m o u tr o ! S u b g e it o u - s e á r e p r o v a ç ã o ,
por ser is s o m a is c o n s o a n te ao s e u te m p e r a m e n to . D e ix a r
de fa z e r o a c to s e r ia a c e ita r u m a s itu a ç ã o h u m ilh a n te , e a o

ZváLçã7(°*)
et ncijicaçao ( ). Fo i,
F -11ÍVcÍ°o n sa°S
p o is, u m mqUe
ado haVÍam PlancÍado
o s u p p lic io . E n oa
m esm o d ia , m a t r ic u lo u - s e d e n o v o n o q u in to a n n o ; d e s o r te
q u e , so n o fim d e 1 8 5 3 , c o n s e g u io to m a r o g r á o d e b a c h a r e l
e m s c ie n c ia s j u r id ic a s e s o c ia e s .

P arece q u e a p r o v ín c ia d e S . P a u lo q u e r ia p r e n d ê l- o
a s i; p o is q u e, d u r a n te 1 8 5 3 , c o g ito u d e c a s a r -s e c o m
V. A nna K ita F o rte s L e i t e L o b o , s e m p o d e r e x p lic a r a té
h o je a r a z a o d e s s e fa c to . E , lo g o d e p o is d e fo r m a d o , a ju sta n d o
o c a sa m e n to , c u ja s o lu ç ã o d e fin itiv a fic o u d e p e n d e n te de
in f o r m a ç õ e s que s e r ia m p e d id a s de P o r tu g a l a c er c a d e s u a
f a m ilia e que com e ffe ito fo r a m p r e s ta d a s p a r tic u la r m e n te
p e lo s e n tã o b is p o s d e L a m e g o e d a G u a r d a , r e tir o u -s e p ara
o R io de J a n e ir o , onde p e r m a n e c e u a té q u a zi 1 8 5 4 . Por
q u e, te n d o s id o a d ia d a a decisão definitiva, d e s o r te q u e n ã o
fò r a to m a d o d esd e lo g o c o m p r o m is s o a lg u m , J o ã o M endes
d e A lm e id a s e n t i a - s e in c e s s a n t e m e n t e c o m o q u e s o b a a c ç ã o
de um a fo r ç a m y s t e r io s a para v o lta r a S. P a u lo , e ahi
c a sa r -se com a q u e lla que D eus lh e d e s ig n a v a ? E n ã o lh e
f a lt a r a m c o n s e lh o s d e a m ig o s , e m s e n t id o c o n tr a r io ; nem as
sed u cções e os en red os com q u e o d e m o n io s o e e n le ia r as
c r e a tu r a s . A verd ade ó q u e , n o fim d e 1 8 5 4 , v o lta v a p a ra
S. P a u lo com a nom eação d e j u iz m u n ic ip a l e d e o r p h ã o s
d o te r m o da F r a n c a do Im p erad or. E j á n in g u é m esp era v a
p o r e l l e : — s a lv o a q u e lla q u e te r ia d e s e r a n te o a lta r s u a
f ie l c o m p a n h e ir a n a v id a .

(*) Dizemos — c r u c ific a ç ã o , porque nesse mesmo dia também


tinha de fazer acto um acadêmico, Fulano C ruz; e, por ser de muito
talento, e estar condemnado egualmentc á reprovação, por motivos de
outra especie, na sua seria justificada a de J o ã o Mendes de A lm eid a .
Calculos de justiça re la p sa .. . .
464 —

M a s, o d esp ach o não agradou á f a m ilia d a n o iv a .


E n tã o , a in d a não h a v ia e s t r a d a d e fe r r o ; e a v ia g e m s e r ia
de mais de oitenta léguas. Foi, pois, resolvido que J oão
M endes de A lmeida o b te ria a p e r m u ta p a ra o te rm o d e
J u n d ia h y . P or um c o n ju n c to fa v o r a v e l d e c ir c u m s t a n d a s , e r a
p r e s id e n t e da p r o v in c ia o D r. José A n t o n io S a r a iv a , h o je
senador; c ministro da justiça o já mencionado conselheiro
Jose Ih om az N abu co de A r a u jo . A p e r m u t a fo i f e it a em
p o u c o s d ia s ; e, em D ezem bro, c lle t o m a v a p osse do car»o
c m J u n d ia h y .

. . S(,)’ Po r é m * c m F e v e r e ir o d e 1855, t e n d o a s s u m id o
m t c r in a m c n tc o e x e r c íc io d a v a r a d e ju iz d e d ir e ito d a
com arca da c a p ita l, á que a in d a e n tã o p e r t e n c ia a q u e lle
termo teve a ventura de rcalisar seu casamento, no dia 17
uo rPTonnn mn-j

A pilitica c a advocacia cram as aspirações dc J o »


M esde» DE A lmeida. Em 7 de Setembro de 1857 fundar,
» r 0d' C0 A ° rgam ™"SOT™d°r- na capital de S. Paulo
sim pois, desde então renunciara de facto a carreira da
magistratura, lodavia, só em Fevereiro de 1858 requereu c

do z i Ao j , , i z n n m ic ip a i ° de °'-pha-

á assembióa , tinl!a . sido deito supplente do deputado


do M a n n i, 1 „8 S' • a P®'? Sexto district« da P™vi„cia
tal ! . i' / C°m 1SS° a P°htlca “ d s o attrahio. Como
cm Maio do IMO* t0“ a'' aSSe" t0 “ “ düS d< ^ d o s ,
Mas, desde 1861, em vez
de redigir periodicos,
aceitou o encargo de correspondente
do Jornal do Commercio,
do Rio de Janeiro; e, mais tarde,
limitou-se a collaborar
110 JJiQ-vio de S . Paulo.

Em 1869, fundoi
com o programma da i o periodico Opinião Conservadora,
política subordinada aos princípios
— 465

religiosos. Deixando de publicar esse periodico em 1872,


passou a collaborar na Ordem, orgam do clero de S. Paulo;
e, quando em 1876 a Ordem desappareceu, instituio cm 22
de Abrd a Sentinella, sustentando a mesma politica da
Opmiao Conservadora. Por motivos manifestados no ultimo
numero, a Sentinella cessou sua publicação em 31 de Marco
de 1879. v

Depois dessa epocha, não mais redigio jornaes.


Exerceu o cargo de vereador da camara municipal
de S. Paulo, no quatriennio de 1861 — 1864.
Também exerceu, duas vezes, interinamente, o carco
de procurador fiscal da fazenda nacional. &
Foi presidente da assemblea legislativa provincial de
S. Paulo, na sessão de 1870; deixando de ser eleito na de
1871, por contrariedades nascidas da já existente divisão no
paitido conservador. Foi então substituido, de commum
accordo, por um seu particular amigo, o reverendo vigário
Scipião Ferreira Goulart Junqueira.

J a em 1868 havia sido eleito deputado á assemblea


geral legislativa pela provincia de S. Paulo; reeleito em
1872 e em 1876. Servio pois até a sessão de 1877.
Em 1878 foi o nono eleito; mas a camara dos
deputados, liberal em sua maioria, com a ferocidade das
situações politicas nascentes, annullou seu diploma; ainda
que o parecer da commissão de verificação de poderes,
insuspeita por ser liberal, foi favoravel á sua eleição.
Em 1881, 1884 e 1886, sob o regimen da eleição
directa censitária, e de districtos de um só deputado (L e i
n. 3029 de 9 de Janeiro de 1 8 8 1 ), foi sempre derrotado
em primeiro escrutínio, no l.° districto de S. Paulo. Também
por isso mais se accentuou a scisão do partido conservador,
ate hoje. Expondo a origem e as causas de tal divisão,
publicou, em 1882, um Manifesto ao partido conservador.

Na eleição senatorial de 1871, a provincia de S. Paulo


collocou-o no segundo lugar da lista tríplice; e, quando
todos acreditavam caber-lhe a honra de ser escolhido pelo
Imperador, por seus innumeros e incontestáveis serviços á
causa da Lei n. 2040 de 28 de Setembro de 1871, outro
a mereceu.
lam bem em 1878 conseguio ser o sexto na lista
sextupla para dous senadores; mas, esta vez, estando no
poder os liberaes, foi natural e politicamente preterido. Não
existia, como em 1872, uma razão politica determinativa da
escolha de seu nome.

Como deputado á assembléa geral legislativa, fez


parte de varias commissões especiaes.

\ ir • . díl do Pr°jecto de interpretação do Acto


Addicioual a Constituição Politica do Imperio.
Em 1871, da do projecto de emancipação do ventre
escravo. Concorrentemente escreveu, messe mesmo anno, e
durante a_ sessão legislativa, no Jornal do Commercio, os
aitigos assignados A guarda constitucional
Em 1873, da do projecto de reforma eleitoral. Foi
o relator. Escreveu o parecer, apresentado na sessão de 4
cie Agosto ( ), embora divergente pelos motivos exarados
nesse mesmo documento.

. - ( ' Tendo pedido a palavra para offerecer o parecer do onm


missão, apenas começara a fallar, foi interrompido com o e h S o m #
do sua mulher, porque sua filha Rosalina esiava a e m t e l L Z
mesa o parecer; e sahio. pudI- iVianciou a
467 —

Em relação a esta reforma eleitoral, sobre a qual


deu o já mencionado parecer de 4 de Agosto de 1873, e
offereceu emenda substitutiva, mereceu os elogios de A u b r y -
V i t e t , em sua obra L a vraie reforme éléctorale (P ariz, 1 8 7 4 ),

e os applausos da Associação reformista de Genebra, em


seu Relatorio annual sob o titulo Les progrès de la reforme
electorate en 1873 (Geneve, 1 8 7 4 ) ; e lisongeiramente tem
sido citado em monographias sobre a representação das
minorias.
Seus discursos acerca da reforma eleitoral constam
dos annaes da camara dos deputados, de 1874 e 1 8 7 5 ;
tendo o prazer de ver, afinal, na terceira discussão do
projecto, 1875, adoptada a circumscripção provincial, em vez
da de districto, qual passara na segunda discussão.

Elaborou, a pedido dos respectivos ministros, sem


estipendio de especie alguma, o regulamento da reforma
judiciaria (D ecreto n. 4824, de 22 de Novembro de 1 8 7 1 ),
e o da emancipação do ventre escravo (D ecreto n. 5135,
de 13 de Novembro de 1 8 7 2 ).

Desde 1858, não tem tido outra profissão senão a de


advogado no fòro da cidade de S. Paulo, defendendo as
principaes causas.
Teve sempre repugnância a empregos publicos, e a
quaesquer dependencias para com o governo.

D e seu c o n so rcio co m D. A n n a R i t a F o r t e s L e i t e
L obo te v e tre z e filh o s :

l . ° ) João Mendes de Almeida Junior, nascido em


30 de Março de 1856. (#)(*)

(*) Mais adiante se tratará delle.


468

2. ° ) D. Maria Miquilina Mendes de Almeida, nascida


em 30 de Março de 1858.
3. ° ) Fernando Mendes de Almeida, nascido em 30
de Março de 1860. (*)
4. ° )
Francisco de Pennaforte Mendes de Almeida,
nascido em 23 de Janeiro de 1862. (* **)
5. ° ) D. Anna R ita Mendes de Almeida, l . a, nascida
em 24 de Dezembro de 1863. (***)
6. ) D. Rosalina Mendes de Almeida, nascida em
3 de Outubro de 1865. (****)
^.°) Henrique Mendes de Almeida, nascido em 11
de Setembro de 1867. (*****)
) D* Fsmeria Mendes de Almeida, em 11 de
Outubro de 1869.
J. ) Jose Mendes de Almeida, nascido em 8 de
Novembro de 1871.

>7 i10;V . D ‘ Anna R ita Mendes de Almeida, 2.a, nascida


em 7 de Maio de 1874.

m D 'i Maria Josó Mendes de Almeida, nascida


em 10 de Novembro de 1876.

i n * ! 2' l Angelo Mendes de Almeida, nascido em 15


de Outubro de 1878.

clous annos, cm 30 COm ° i,ltervall° de

1873, do febra S r ê í . íall<5CCU "° KÍ° dC Janeir°’ em 2 de Mar«° 4«


(**) Mais adiante se tratará delle.
( ) Falleceu no Rio de Janeiro, em 2 de TVTarrn An 1079 „
í ü í S : w s m o di“’ 4

carie C L C . L l*
n * ^ ** 1873'

affecção da espinha .alleC6U ^ S‘ Paul°’ aos 20 de Maio de 1809, de


469

1 3 .° ) Luiz Gonzaga Mendes de Almeida, nascido


ern / cie Junho de 1881.
Os ossos dos quatro que falleceram, Henrique, Fernando,
nna Rita e Rosal ma, estão no jazigo da familia, no cemiterio
municipal. Os dos tres ultimos vieram do Rio de Janeiro.
lam bem no mesmo jazigo repousam os ossos do
capiüio le rn an d o Mendes de Almeida, transportados da
cidade de Caxias, província do Maranhão, onde fallecera,
como ja foi dito, no dia 20 de Setembro de 1 8 4 0 ; juntos
aos de sua mulher, D. Esmeria Alves de Almeida (*)
fallecida em S. Paulo, no dia 28 de Maio de 1881.

João Mendes de Almeida Junior, primogenito, bacha-


í eo°n~Se 1877, e defendeu theses, para doutorar-se, em
1880, na h acuidade de Direito de S. Paulo.
Estudara os preparatórios como alumno interno no
seminário episcopal de S. Paulo.
EíeHo em 1880 primeiro vereador da camara municipal
de S. Paulo, servio como presidente só dous annos, 1 8 8 1 __
1 882; visto que, em virtude da Lei n. 3029 de 9 de
Janeiro de 1881, foi eleita em 1882 outra camara municipal
pelo systema do voto uninominal, com quociente no primeiro
escrutínio, e com maioria relativa no segundo, para os não-
eleitos no primeiro.
^ Escieveu e publicou em 1882 — Monographia do
município da cidade de S. Paulo.
Tem sido jornalista, desde o tempo em que ainda
cursava os annos lectivos na Faculdade de Direito.
Professa as mesmas idéas politicas de seu pae; e

(A D. Esmeria Alves de Souza, antes do casamento,


em A.rn^t Veí° S‘ Paril°’ a viver em companhia de seu filho João,
470 —

também é simples advogado, actualmente na cidade de


Mogy-mirim.
Casou-se em Mogy-mirim,
o*
no dia 29 de Junho de
1878, com D. Leontina Novaes, nascida em 28 de Março
de 1 8 6 2 : filha do Dr. Joaquim Novaes Continho de Araujo,
medico, e proprietario de uma fazenda de cultura de café; e
de sua mulher D. Maria Amelia da Luz. Deste consorcio
tem tido quatro filhas :
La ) D. Maria Amelia, nascida em 29 de Outubro
de 1880.
2. a ) D. Anna Rita, nascida em 10 de Março de
1883.
3. a ) D. Leontina, nascida em 27 de Novembro de
1884.
4. a ) D. Esmeria, nascida em 13 de Outubro de
1886.

Francisco de Pennaforte Mendes de Almeida também


foi alumno interno no seminario episcopal de S. Paulo.
1 ornou o gráo de bacharel, na Faculdade de Direito
de S. Paulo, em 1883.
E ’ egualmente simples advogado, na cidade de S. Paulo,
onde reside; e também nas cidades de Santos e Campinas.
Acaba de ser eleito, em primeiro escrutínio, vereador
da camara de S. Paulo, para o quatriennio de 1 8 8 7 ___1890.
Professa as mesmas idéas politicas de seu pae.
Casou-se com sua prima-irmã, D. Anna R ita Ribeiro
da Silva, nascida em 11 de Abril de 1866, filha do Dr. João
Ribeiro da Silva e de sua mulher D. Maria Miquilina Fortes
Leite Lobo, já mencionados.
Ainda sem geração.
C A P IT U L O S É T IM O

A fam ilia Mendes de Almeida

Nilo ha em Portugal senão uma família M e n d e s d e


A l m e i d a , espalhada nas provincias da Estremadura, Beira
Baixa e Tras-os-M ontes, desde muitos séculos. Tem tido
ella alii varios homens illustres nas letras; alguns dos quaes
no sacerdócio. (*)
Chegando a S. Paulo, e fixando residência desde
18o5, foi-nos motivo de estranhesa e, em seguida, de
curiosidade o facto de encontrar espalhado no interior desta
provincia aquelle appellido. Em vão procurámos informações:
ninguém as dava certas.
Passaram -se annos. Acaso tendo necessidade de con­
sultar a obra do padre M a n o e l d a F o n s e c a , Vida do padre
Belchior de Pontes, deparámos com a dedicatória e o nome

(*) ^ ra5 ainda ha pouco tempo, vigário geral do bispado da


quaida o conego Lucio Mendes de Almeida, muito considerado por suas
virtudes e illustração.
„ Falleceu, ha poucos annos, na cidade do Desterro, capital de
feanta Catharina, o padre José Leite Mendes de Almeida, já naturalisado
brazileiro, reitor do lyceu provincial. Era perito cm varias linguas mortas:
latim, grego, hebraico.
Este será ainda mencionado.
— 470 —

também é simples advogado, actualmeutc na cidade de


Mogy-mirim.
Casou-se em Mogy-mirim, no dia 29 de Junho de
1878, com D. Leontina Novaes, nascida em 28 de Março
de 1862: filha do Dr. Joaquim Novaes Coutinho de Araujo,
medico, e proprietario de uma fazenda de cultura de café; e
de sua mulher D. Maria Amelia da Luz. Deste consorcio
tem tido quatro filhas :
La ) D. Maria Amelia, nascida em 29 de Outubro
de 1880.
2.a ) D. Anna Rita, nascida em 10 de Março de
1883.
o. ) D. Leontina, nascida em 27 de Novembro de
1884.
4.‘ ) D. Esmeria, nascida em 13 de Outubro de
1886.

1 1 aneisco de Pcnnaforte Mendes de Almeida também


foi alumno interno no seminario episcopal de S. Paulo.
Tomou o gráo de bacharel, na Faculdade de Direito
de S. Paulo, em 1883.
E ’ egualmente simples advogado, na cidade de S. Paulo,
onde reside; e também nas cidades de Santos e Campinas.
Acaba de ser eleito, em primeiro escrutínio, vereador
da camara de S. Paulo, para o quatriennio de 1 8 8 7 ___1890.
Professa as mesmas idéas politicas de seu pae.
Casou-se com sua prima-irmã, D. Anna R ita Ribeiro
da Silva, nascida em 11 de Abril de 1866, filha do Dr. João
Ribeiro da Silva e de sua mulher D. Maria Miquilina Fortes
Leite Lobo, ja mencionados.
Ainda sem geração.
C A P IT U L O S É T IM O

A familia Mendes de Almeida

Não ha em Portugal senão uma familia M e n d e s d e


A l m e i d a , espalhada nas provincias da Estremadura, Beira
Baixa e Trás-os-M ontes, desde muitos séculos. Tem tido
ella alii vanos homens illustres nas letras; alguns dos quaes
no sacerdócio. (*)
Chegando a 8. Paulo, e fixando residenda desde
1855, foi-nos motivo de estranhesa e, em seguida, de
curiosidade o facto de encontrar espalhado no interior desta
provincia aquelle appellido. Em vão procurámos informações:
ninguém as dava certas.
Passaram-se annos. Acaso tendo necessidade de con­
sultar a obra do padre M a n o e l d a F o n s e c a , Vida do padve
Belchior de Pontes, deparámos com a dedicatória e o nome

( ) Era, ainda ha pouco tempo, vigário geral do bispado da


Luarda o conego Lucio Mendes de Almeida, muito considerado por suas
virtudes e illustração.
o * n ualI.eceu’ ha P°ucos annos, na cidade do Desterro, capital de
banta Latharma, o padre José Leite Mendes de Almeida, já naturalisado
Drazileiro, reitor do lyceu provincial. Era perito cm varias linguas mortas:
latim, grego, hebraico.
Este será ainda mencionado.
472 —

do capitão-mór Manoel Mendes de Almeida. Mas, escla­


recimentos alguns foram encontrados nesse livro.
Mais tarde, abrindo a obra de A z e v e d o M a r q u e s ,
Apontamentos historicos, geographicos, biographicos, estatísticos
e noticiosos da provincia de S. Paulo, procurámos o nome
Manoel Mendes de A lm eida: nada ! Percorrendo, porém, as
paginas da obra supracitada, podemos por ventura lêr aquelle
nome escripto apenas como sogro de Francisco Pereira
M endes! E, na Chronologia, 1 7 2 0 — Junho 28, apparece o
mesmo nome entre os assignatarios do « termo que se fez
sobre proposta do povo de ' Villa-Rica, na occasião em que
veio amotinado a villa do Carmo » ; termo esse lavrado no
dia 2 de Julho do mesmo anno. E, também na mesma
Chronologia, 1734 Dezembro 3, a proposito de uma junta
reunida cm palacio, no dia 25 de Abril de 1735, para
resolver acerca da administração das minas de Goyaz.
Apos isso, na Nohiliarchia Paulistana (*), foi-no
dado encontrar o fio para guiar-nos na investigação d;
procedência do referido capitão-mór Manoel Mendes d.
Irneida; c, auxiliando-nos do inventario de sua mulher (<
deUe na o foi encontrado ) e da justificação de genere d,
Agostinho Rodrigues de Almeida, processada no juizo eccle­
sias ico em l / o 9 , lográmos formar, mais ou menos, i
respectiva genealogia.
Dividiremos esto estudo, com relação aos dous séculos
spondendo us dllas capitanias, S, Paulo e Maranhão.

(*) rnDRQ Taqiks,


na, Revista ao
do
Instituto J Ustorico Geoaranhi™
. ,
A o h d ia r c h ia
e„ Jt/t/inoara"1
/,v/ ,' •.P a u l i s t aT> *na
“» MOisia
- - ■ 2.°
primeira, ' “ de 1872, ‘pag.
trimestre
’ t x308.
r ’' 'h Bm:u' X X X V , p a rte
I
Século XVIII
Em principio do século X V III vieram de Portugal
para S. Paulo, Brazil, quatro portuguezcs que eram parentes
proximos :
1. ° ) Manoel Mendes de Almeida.
2. ° ) Padre Dr. Manoel Mendes de Almeida.
3. ° ) Luiz Mendes de Almeida.
4. ° ) José Mendes de Almeida.
Talvez os tres ultimos fossem irmãos.

§ l.°

M a n o el M e n d e s natural da freguezia,
de A l m e id a ,

depois villa de tigueiro dos Vinhos, em Portugal, veio antes


dos outros.
A carta régia de 11 de Fevereiro de 1711) creara
casa de fundição nas M inas; e foi ellc nomeado provedor
daqucllc estabelecimento, sendo esse o motivo de achar-se,
— 474 —

no dia 28 de Junho dc 1720. na villa do Ribeirão do


Carmo, quando lá esteve o governador e capitão-general
D. Pedro dc Almeida, conde de Assumar, e occorreu a
íevolta por causa da cobrança do imposto do ouro e de
outras exigendas fiscaes.
Continuando as amotinações naquclles lugares, resolveu
fixar residenda na capitania dc S. Paulo, logo °que as Minas
toram separadas desta. H a muitos annos já era casado com
. la n a Gomes de Sá, natural da freguezia de Acuthia (*)
e filha de Manoel Gomes de Sá, que, segundo P e d r o T a q u e s ,’
pertencia a familia Lopes Silvas. (**)
Desde 1733 até 1754, servio o posto de capitão-
mór das ordenanças da cidade de S. Paulo, por nomeações
dos capitães-generacs Antonio Luiz de Tavora, conde de
Sarzcdas, e 1). Luiz de Mascarenhas, depois conde d’A Iva e
vice-rei da índia.
oi provisão régia de 3 de Dezembro de 1734 foi
: : r r r r r c capits°-senerai *» «. p ,« i,( e i « „
osT lôm J, d,st,netos
os homens r á ?aS)Jdaqil° .C°"V0CaSSC
capitania, a 6m Ulna Ílmto *c propor
dc estuda.- todos

minas lie' C t ““8™»"*«' « d e s e n v o lt a s


di, ‘ 25 J d. GT - ; L ta.J unta foi «unida cfifectivamentc no
(ha 2 d de Abril dc 1 ,3 5 , em 0 palacio c na presença do

r r W m<lr
r í \ , , r r r igr , a r *' d-;
G-osso p a r ^ L á o A i

u n , . h c , ^ r t d : ; e n ta rio ' a reg u ia r ^


moeda c em valores daquelle tempo. °U P° UC° Cm b°a

______ Dc seu consorcio <=°m 1>. Maria Gomes de Sá teve


(*) Hoje, a villa cia Cotia.
475 —

apenas um filho, frei Francisco da Purificação, bcnedictino;


e quatro filhas :

1- ) D. Caetana Mendes de Almeida; a qual


casou-se com o sargento-mor Antonio Ferreira Fustoza.
2. ) D. Cecilia Mendes de A lm eida; a qual casou-se
com Ventura Rodrigues Velho, natural da cidade do Porto,
em Poitugal. Estes foram os paes do Dr. Antonio Mendes
de Almeida (*) e do padre Agostinho Rodrigues de Almeida,
como consta dos respectivos autos de genere, sentenciados de
puritate em 1752 e em 1759.
3. a ) D. Josepha Caetana Leonor M endes; a qual
casou-se com o desembargador Gregorio Dias da Silva.
4. a ) D. Maria Josepha M endes; a qual casou-se
com Francisco Pereira Mendes. (**)

Francisco Pereira Mendes, nascido em Portugal; filho


de Domingos Francisco e de sua mulher D. Antonia Pereira.
Foi abastado em bens. E falleceu em 28 de Abril de

(*) Veja-se o texto IV da Linha A e B, nota relativa á


D . Potência Leite, bisavó de D. Anna Maria Joaquina de Jesus Menezes
Coutinho; esta, casada com o D r. Antonio Mendes de Almeida, que, ao
principio, destinava-se ao sacerdócio.
P ed ro TaqüES, N o b ilia r c h ia P a u l i s t a n a ,
na P e v is ta d o I n s titu to
H is to r ic o , G e o g ra p h ic o e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l ,
XXXY. parte primeira,
2.° trimestre de 1872, pag. 308, escreveu que o D r. Antonio Mendes de
Almeida nasceu na freguezia de Nossa Senhora da Piedade de Villa-Rica,
e que casou-se em Villa-Boa de Goyazes, capital da capitania, « estando
servindo de intendente do ouro da real casa da fundição, e provedor da
fazenda real daquella capitania, para cujo emprego veio provido, tendo
acabado o lugar de ouvidor da villa do Crato».
9 mesmo P ed ro Taques equivocou-se escrevendo « autos d e g e n e re
de Antonio R o d r i g u e s de Almeida, sentenciados d e p u r i t a t e em 1752 » .
Dexeria escrever Antonio M e n d e s de Almeida. O outro irmão é que se
chamava Agostinho R o d r i g u e s de Almeida, e foi o que tomou ordens.
(**) De um dos filhos deste procede a familia P e r e ir a M e n d e s ,
em Jundiahy e em Itú.

#
— 476 —

1782; deixando de seu casamento quatro filhos e tres


filhas :
1. ° ) D. Gertrudes Maria Mendes. Casou-se com o
mestre de campo Manoel Antonio de Araujo.
2. ° )
Bartholomeu Pereira Mendes. Clérigo.
O
3 o ) Capitão Francisco Pereira Mendes. Casou-se
com D. M ana H ypolita Rodrigues de Almeida. Esta — filha
do tenente Manoel Rodrigues Jordão e de sua mulher
11. Anna Eufrosina da Cunha.
4. ° ) D. Antonia Mendes da Silva. Casou-se com
o coronel Joaquim José dos Santos.
5.° ) Antonio Pereira Mendes. Casado com . . . .
6. ° ) I). Anna Maria Mendes da Silva.
7. ) Joaquim Pereira Mendes. Falleceu em Cuyabá.

A quelle coronel Joaquim José dos Santos teve de


— ° r filh0*’ seis d0S ^ l,aes ( < l ^ r o filhos e
fo ra m 6 falloccram solteiros, c tres casaram-se. Estes

F °) Manoel Rodrigues Villares; o qual sendr


earreira° d ? • Univ01'si(iaf,e Coimbra! seguio ,
alien a da magistratura, e falleceu ministro do supremo
tribunal de justiça. Com geração. P
2-°) Joaquim José dos Santos Silva ( barão de
Eufrosin"8MendesaT l0’ P" “ e im llllPciíls’ com D. Anna
j o s 'i r i S ;
i> i • . r
TV!TI m r í;D-
l UtU> ciepois de enviuvar de Amndnr
líodngiics de Lacerda Jordão, barão de S. João do RiÔ-
Claio,e hoje casada com o conde de Tres Rios-
geraçao de ambos os consorcios. Casado em secundas núpcias"
com D. Cerina de Souza e Castro, também teve deste seg ,, do
o» sorcio e uma filhai D. Antonia j oaqnina d0; ü
- va, lecentemente casada com Eduardo Prates. D. Cerina

%
477

de Souza e Castro casou-se, ha pouco tempo, com o barão


de Tatuhy, também viuvo.
3.°) D. Ignacia Joaquina dos Santos. Casada com
o Dr. Ignacio José de Araujo, é boje fallecida. De seu
consorcio, entre outros filhos/ teve D. Sophia Guilhermina
de Araujo, a qual casou-se com o Dr. José Candido de
Azevedo M arques; e ó a unica que existe em S. Paulo, pois
que as outras retiraram-se para o Rio de Janeiro, logo que
se casaram. O Dr. Jose Candido de Azevedo Marques, de
seu consorcio com D. Sophia Guilhermina cie Araujo, teve
somente uma filha, D. Anna Francisca da Silva Marques, a
qual casou-se em 1884 com o Dr. Affonso Inuioim ier
Godofredo, natural da provincia de Minas-Geraes.

§ 2 .°

0 padre M a n o e l M e n d e s d e A l m e i d a , bacharel
formado em canones pela Universidade de Coimbra, proto-
notario apostolico de Sua Santidade o Papa, foi, depois de
1750, vigário collado na freguezia de Sant’Anna de Parnahyba,
como consta dos archivos da camara episcopal, e espccialmente
dos autos de genere de Agostinho Rodrigues de Almeida,
sentenciados de puritate em 1759, já referidos.

§ 3.°

Luiz M e n d e s d e A l m e i d a . Parece que foi lavrador,


e residio na então freguezia de Acuthia, hoje Cotia.
Um seu filho, Francisco Mendes de Almeida, natural
de Acuthia, casou-se com D. M aria de Arruda. Esta — filha
de Lourcnço Correia Ribeiro e dc sua mulher D. Rosa de
Arruda. Lourenço Correia Ribeiro era filho de D. Margarida
Bicudo de Campos (*) e de seu segundo marido Lourenço

(* ) P edro T a q u e s , Nobiliarchia Paulistana , na Revista do Ins­


tituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brazil , XXXIV, parte 9

9
— 478 —

e?a'T hlha
era f iL RÍdo,0Í Fil.ppc
F T Aq" do
? Up D- Mai'Sarlda
Campos c de suaB i™d° ^ D.
mulher Campos
Mar­
cai ida Bicudo; esta — filha do capitão Manoel Pires (*) 0 de
sua mulher D. Maria Bicudo, naturae* do S. Paulo.
fill ( * '«‘fendo Fihppe d e Campos era portmmez mas
Í t d . t l w a m 1 d0, W anderburg, natural de a C s em
<l' S. Panh,1 ; « v ndad?r - “ filmÍIÍa CamP°S’ * capitania
I P *■ ' 0 'Icixou extensa geração, liste Filippe
<le Campos era pessoa de nobreza; e veio para o S

ilfendes /VriíVo" " ]/ *' / ^ , m ais, csse “Ppellido; mas o de


outros!* ü G^ J t e n d e s de Oliveira, e
essas transformações ppe^ido dos
„0
appelhdo d„ primeiros
^ Pr° duZ se“ Pre
geradores.
'Bs descendentes do T lvr .
s ir aLi ^ T é

toscos c ^ ^ ,y h ® i^ ° |u ^ l,rar tan,bcm « « cs paren-


exa,ninar niiiiuciosamontc a
primeira, 2." trimestre de 1871 m <r ■)-,■> n
( íiiiipos. em vez de MarqarMa Bicudo d» r , , SCreveu Mnria Bicudo de
e fB‘C tinha aquelle nome. Talvez erro tvnn uma irmí'í mais velha
p i Fst0 ir , CU0 ‘W a p h i c o ; e não erro do autor.
este — filho de Jo ã o V re s — o ^ ° fi,lh° mais velll° ÚG Salvador Pires
cm 153!. ieS ° * * * Vllld0s com Martim Affonso de Souza,’
Portanto, Manoel Piros n..o •
Bires, que casou-se em segundas n u p c i i 7 c L §D T / ' d°r 0ntro Salvad°r
u se’ 110 texto genealógico III da Lii h A P t T ' Ieriiaiu,cst como
(« ) Pkdho T* v ’ 1 fU n d 0 U a f a m ilia i W
titnto Historico, Geographic \ ™ d° Ins'
pnmeira, 2.° trimestre dc 1871, pags'. 183, 252°e 253 ^’ XXXIV’ Parte

4
— 479 —

d e A que em verdade é hoje uma das proles mais


l m e id a ,

extensas na provincia de S. Paulo. Os interessados fariam


bem em ter a sua genealogia.

§ 4.°

Jo se M E ra negociante na cidade
e n d e s d e A l m e id a .

de S. Paulo, como consta dos já referidos autos de genere


clc Agostinho Rodrigues de Almeida, sentenciados de puritate
cm 1 7 5 9 ; pois que foi, nesses autos, a primeira testemunha,
e fez então aquellas declarações de naturalidade e profissão.
E ’ possivel que também tivesse deixado geração;
mas, naquella occasião, era solteiro.
Ou talvez houvesse voltado para Portugal.
Não conseguimos apurar este facto, nem em S. Paulo,
nem em Portugal, donde exigimos informações, ainda não
vindas. (*)

A familia Mendes de Almeida, em S. Paulo, não


podia deixar de ter ligações de sangue com os Mendes de
Alm eida que, no século N IX , vieram para o Brazil. A razão
ainda o repetimos, é que em Portugal não existia outra
familia de egual appellido.*123

(*) 0 avô do autor deste livro teve um irmão, José Mendes de


Almeida. O do texto supra não podia ser este; porque, se em 1759
tinha a edade de trinta annos mais ou menos, não podia ser aquelle,
certamente muito posterior.
Este José Mendes de Almeida, irmão do avô do autor deste
livro, teve os seguintes filhos:
1. °) Padre José Mendes de Almeida, prior de Santa Maria, em
Celorico da B eira.
2. °) Dr. Antonio Mendes de Almeida, advogado.
3. °) Dr. Cesar Augusto Mendes de Almeida, advogado.
E ignoramos se teve outros filhos; e se os supra-mencionados
ainda vivem e se tiveram próle. •

0
480

Muito sentimos que em tempo não nos remettessem


as informações pedidas; mas, se Deus nos der vida e saúde,
publicaremos mais tarde, na segunda edição deste livro, tudo
o que fòr averiguado em Portugal. E os parentes, naquelle
reino, devem esforçar-se pelo esclarecimento desta genealogia,
que muito interessa tanto aos de lá como aos de cá.
A verdade é que conseguimos deixar neste livro o
no para essas averiguações.

~ ^~ õ

4 %
II
Seeulo XIX
Os Mendes de Alm eida que de P o r t u g a l v ie r a m p a r a
o B r a z il, n o s e e u lo X IX , fo r a m :

1. ° ) F ernando M endes de A lm e id a ; para o M a­


ranhão, em 1 8 1 6 .
2. °) P ad re José L e ite M endes de A lm e id a ; para
o R io de J a n e ir o , 1 8 7 0 .
3. °) P edro G o n ç a lv e s D e n te ; para S. P a u lo , em
1860.

§ l.°

F ernando M en des d e A lm e id a , filh o de João M en des


de A lm e id a e de su a m u lh e r D. M a r ia E s c h o la s tic a do
C o u to T orres da F o n seca R am os (* ); c a p it ã o de m ilic ia s ,
n e g o c ia n te n a c id a d e d e C a x ia s , e m M aran hão, ond e f a lle c e u

(*) De seu consorcio com D. Maria Escholastica do Couto


Torres da Fonseca Kamos, João Mendes de Almeida teve quatro filhos,
todos já fallecidos:
l . ° ) Fernando Mendes de Almeida, supra-mencionado no texto. #
482 —

aos 20 de S e te m b ro de 1840. De seu c o n s o r c io com


D . E s m e r ia A lv e s d e S o u z a , t e v e s e is filh o s , d o u s dos qu aes
f a llc c e r a m a in d a im p u b e r e s , c o s r e s t a n t e s f o r a m :

l.°) C a n d id o M en des de A lm e id a . N a sceu no d ia


14 d e O u tu b r o de 1818, n a e n t ã o fr e g u e z ia de S. B ern ard o
do B re jo dos A n ap u rú s, em M aran hão. E ra b acharel em
s c ie n c ia s j u r id ic a s e s o c ia e s , p e la A c a d e m ia de O lin d a , d e s d e
1839. E x er ecu o cargo de p r o m o to r p u b lic o da c a p it a l d o
M aran hão. E ta m b é m o de p r o fe s s o r de h is to r ia e geo­
g r a p h ia n o l y c e u 1840 — 1 8 5 4 ; d e
p r o v in c ia l, s e c r e t a r io do
govern o d a p r o v in c ia , 1849 — 1854. N a c ò r t e : o cargo de
c h e fe de secção da s e c r e ta r ia de E sta d o d o s n e g o c io s do
I m p é r io , 1854 — 1859; o d e d ir e c to r d e s e c ç ã o d a s e c r e t a r ia
d e E s t a d o d o s n e g o c io s d a ju s tiç a , 1859 — 1865, em o qual
fo i a p o s e n ta d o .

I' oi d e p u ta d o a a s s e m b lé a g e r a l le g is la t iv a p e la p r o ­
víncia do M aran hao, em 1843, em 1849 — 1860, e em
1869 1871. b o i e s c o lh id o s e n a d o r p e la m e s m a su a p r o v in c ia ,
em 1871.
Q uer no M aran hao, qu er no R io de J a n e ir o , fo i

2-°) Joaquim Mendes de Almeida, advogado. Casado com


1). Guilliermina Augusta da Costa, são-nos conhecidos seis filhos:
" ) Fernando Mendes de Almeida.
b ) D. Maria Augusta Mendes de Almeida.
c ) Padre Joao Mendes de Almeida.
d ) I ) . Maria Pinilia Mendes de Almeida.
c ) I). Amelia Mendes de Almeida.
í ) Antonio Arthur Mendes de Almeida, official no exercito
portuguez.
o
O '1 C Maria da Piedade Mendes de Almeida, que foi casada
com o P r . 1 Cílio Gonçalves Dento, medico. E tiveram;
Pedro Gonçalves Dente, do qual adiante se tratará no text<
a )

b) I). Maria Maximina Mendes de Almeida Dente, professor


puhhca cm Portugal. ’ 1
4. °) D. Maria Maximina Mendes de Almeida, que foi casada
com Antonio de Andrade Pizarro.

c %
483

j o r n a lis t a . Fundou e r e d ig io no M aranhão a lg u n s p e r io d ic o s ,


e n tr e os qu aes o Brado de Caxias e o Jornal Caxiense, e m
C a x ia s , e o Observador n a c a p ita l. N o R i o d e J a n e ir o ,
c o lla b o r o u n a Sentinella da Monarchia; e r e d ig io , d e p o is , o
Correio da Tarde, 1851 — 1852.
V ersad o em g e o g r a p h ia e em h is t o r ia , p u b lic o u o
Atlas do Im perio do B ra zil , a s Memorias para a historia
do extincto Estado do Maranhão, e o u tr a s o b r a s d a m e s m a
n a tu reza , q u e s e r ia lo n g o enum erar. (* )

(*) Publicou também na R e v i s t a d o I n s t i t u t o H is to r ic o , G e o g r a p h ic o


e E th n o g r a p h ic o d o B r a z i l ,
varias M e m o r ia s OU N o ta s sobre a h is to r ia
p a t r i a ; entre as quaes :

No volume XXXIX, parte segunda: 1876.


a ) « Quern levou a noticia da descoberta do Brazil? ». Pag. 5.
b) «O nome da A m e r i c a será americano? ». Pag. 191.
Nesta N o t a sobre o nome A m e r i c a , expoz elle completamente a
questão. Veja-se o que escrevemos na pagina 30 da parte historica deste
livro, em nota.
Domina toda a argumentação o facto de Vespucio não ter o
nome de A m é r i c o , sim o de A lb e r ic o ou A m e r ig o , filho de Anastacio
Vespucio. E traduzio elle o artigo de J u les M arcou, publicado no
B o le tim d a S o c ie d a d e G e o g r a p h ic a d e R a r i s , Junho de 1875, onde este
notável geologo e geographo francez, em viagem aos Estados-Unidos,
examinou bem a questão, e concluio com a seguinte affirmação: « Em
uma palavra, o nome A m é r ic o é americano.»
Que é americano, também o entendemos; mas por causa do
m a r a c u j á , que, conforme a pronuncia indigena, deveria soar m e r e c a - u a ,
« fructa ôca, com caroços ». E, neste ponto, aceitamos mais o que
escreveu J . Luccock do que as outras versões. 0 m a r a c u j á , considerado
também religiosamente pelos indigenas, reune a forma imitativa dos mar-
tyrios de Jesus-Christo. E, como expuzemos nas notas a pags. 40 e 41,
o nome A m e r i c a foi dado principalmente ao Brazil.
Vale a pena fixar este ponto historico ; e não se devêra admittir
que a geographia e a historia (to Brazil c o n tin u e m a n ã o se r b r a s í l i c a s .
Por que não guardar os nomes indigenas dos lugares? Por que-aceitar
nomes de Portugal para villas e cidades do Brazil ?
Além dessas N o t a s no torno XXXIX da R e v i s t a citada, o senador
Cândido M endes de Alm eida publicou, nos volumes XL, XLI e XLII,
outras sobre João Ramalho, João Bolés, e as denominações indigenas
de m a i r s aos francezes e de p e r o s aos portuguezes.
Com a relativa a João Ramalho, como sendo o b a ch a rel de
Cananéa. não podemos absolutamente concordar, como já dissemos e provámos.

#
ê
484 —

Versado em Direito, publicou: Codigo Filippino,


annotado; A tunhar juridico, servindo de appendice a aquellc
Codigo; JJirato civil ecclesiastico brasileiro, antigo e moderno,
em suas relações com o Direito canonico; Direito Mercantil,
de doso da Silva Lisbòa, annotado, mas cujo primeiro volume
e a Historia do commercio, de merito notabilissimo.
Seus innumeros discursos parlamentares constam dos
annaes de qualquer das duas camaras legislativas.
Lra socio honorario do Instituto Historico, Geographico
e Ltlmograpbico do Brazil; cm cuja Revista escreveu muitos
artigos.
L também socio de muitas outras sociedades scien-
tificas, litterarias, beneficentes.
Quando o bispo de Olinda, D. frei Vital, e o do
I aia, 1). Antonio de Macedo Costa, compareceram ante o
Supremo Tribunal de .Justiça, 1874, foi o senador C â n d i d o
M fxdks rn; A l m i c i d a um dos advogados de tão excelsos
prelados. A questão religiosa não teve paladino que o
excedesse em esforços. 1
Lra condecorado com o officialato da ordem da Rosa,
1.1° ’ (7.om a coninion(la (L Nossa Senhora da Conceição
de Villa Vaçosa, em Portugal; com a commenda da de
S. Giregono
O Mau
aguo, em Roma.
. vl r ^ 'c e c u no Rio do Janeiro, cm 1.» de Março do
1 8«1, quando apenas tomava o bond para liir coreia ouvir
a missa do dia. J
De todas as noticias, dadas pelos jornacs da epocha,
sobic o seu passamento, não podemos deixar de transcrever
M a w d e ^ S S L apparcceu na Gazeta Tarde, de 2 de

i f ° SCU Pa it'^° (iu'z senão que o deixasse


mmaiulado e que lhe permittisse servir á patria. Foi Um
homem do bem. Candido Mendes possuia, entre muitas,
uma elevada qualidade: — tinha a coragem das suas opiniões.

'v
As chalaças, os meio-risos, as farpas dos má us e os assaltos
dos ignorantes e grosseiros nada podia contra ellc. Affirmava
a existência de Deus, abertamente, sem que o molestasse
ou tirasse-o do caminho da egreja catholica o epitheto de
jesmta. Foi mesmo nesse caminho que a morte o assaltou.
Duas cousas, quaesquer que sejam as theologias modernas e
futuras, quaesquer que sejam as agitações escravocratas do
dia, — duas cousas chamarão a attenção c o respeito do
historiador brazileiro, no futuro, sobre e lle : — foi o denodo
com que, ao lado de Zacharias de Góes e Vasconcellos,
defendeu os bispos violentados pelo regalism o; e a febre
santa de apostolo com que, ainda por ultimo, no senado,
com os olhos rasos de lagrimas e o peito estuante, proclamou
a liberdade do negro, e bateu a torpe especulação dos
brancos...........Bem haja o homem honesto, erudito e bom
que deitou-se para sempre. »
E stava então em Pariz Sua Alteza o Snr. Conde
d Eu, quando soube a noticia pelos jornaes. Escreveu im-
m ediatamente ao filho mais velho esta carta:
« Pariz, 24 de Março de 1881. — Snr. Dr. Fernando
Mendes de Almeida. — Consternado acabo de lêr a deplorável
noticia do prematuro fallecimento de seo prezado pai, o
senador Candido Mendes de Almeida.
« Desde muito com effeito habituara-m e a apreciar
os im portantes serviços que lhe deve o paiz, admirando por
um lado a pouco commuin erudição, de que davam mostra
os notáveis trabalhos por elle publicados, e que o tornava
autoridade nas lettras e nas diversas sciencias relacionadas
com o conhecimento das cousas patrias; por outro, e não
menos, a infatigável dedicação á causa publica, que delle
fazia um dos ornamentos do parlamento.
« Não quero, pois, deixar de exprim ir-lhe o profundo
sentimento que me cauza tam anha perda, apresentando-lhe
meus sentidos pezames, aos quaes a princeza imperial me
encarrega junte os delia.
— 486

« Roo'o-lhe
O os transm itta tambcm á sua veneranda
mãi e aceite a expressão de meus sentimentos de estima. —
Gastão d'Orleans. »
De seu consorcio com D . Rosalina Ribeiro de
Campos (*), em 20 de Setembro de 1850, teve somente
dons filhos :
a ) Fernando Mendes de Almeida, nascido em 26
de Junho de 1857, bacharel em lettras pelo imperial collegio
1). Pedro II, bacharel e doutor em Direito pela Faculdade
de S. Paulo. Casado em 4 de Agosto de 1880 com D. Anna
Andrew (**). Com descendenda. (***)
l>) Candido Mendes de Almeida, nascido em l.° de
Fevereiro do 1X66, bacharel em Direito pela Faculdade do
Recife, tendo porém feito os primeiros annos na de S. Paulo.
Ainda solteiro.
Ambos são advogados no Rio deJaneiro ; alli
nasceram ; o lá residem.
2.° ) Fernando Mendes de Almeida. Nasceu na
então villa de Caxias, aos 3 de Maio de 1830. Exerceu
varios cargos publicos na capital do M aranhão ; inclusive o
de vice-consul da Sardenha. Foi membro da assembléa
legislativa da provincia, cm mais de uma legislatura.
Mudando-sc para a provincia de S. Paulo, em 1861,
abi foi eleito, em successivos quatriennios, juiz de paz do
districto do sul da parochia da Sé. Desde 1876 exercia o

( ) 1'illia de Antonio líibciro do Campos, que foi deputado á


assemble,! geial legislativa pela provincia da Parabilia', c de 1). Antonia
baptista de Campos.
( ') 1'ilba ilc James Andrew e de l). Itita Lcopoldina Guimarães.
C :!") Justa descendenda actualmentc é a seguinte:
1 . ° ) Fernando, nascido em 12 de Fevereiro dc 1882.
2 . ° ) ]). Stella, nascida cm 11 dc Março de 1883.
3 . " ) 1). Anna, nascida cm 30 de Maio de 1884.
■1." ) Candido, nascido em 11 dc Maio dc 188(3.

V
cargo do bibliotliecario da Faculdade de Direito, quando a
ultima reforma tirou-lhe este posto, onde desenvolvia maximo
zelo. Solteiro.
3. °) João M endes de A lm e id a . E o a u to r d e s te
livro. (* )

4 . ° ) D. M aria Elisa Mendes de Almeida. Nasceu


tam bém na então villa de Caxias, aos 12 de Outubro de
1834. Reside ainda em S. P aulo; para onde veio em 1860.
Solteira.

§ 2 .°

P ad re José Leite Mendes de Almeida. Naturalisou-se


cidadão brazileiro, quando ultim am ente residia na cidade do
Desterro, capital da provincia de Santa Catharina.
Julgava-se fadado ao ensino da mocidade; e, pois,
logo que chegou ao Brazil, fundou collegio na cidade de
Vassouras, provincia do Rio de Janeiro; mudando-o depois
para a có rte; e afinal para a cidade do Desterro.
Cogitou de aceitar uma parochia no bispado de
S. Paulo ; e, com effeito, foi-lhe dada a de Bragança, onde
esteve apenas durante pouco mais de um mez. Renunciou-a;
e depois voltou ao Rio de Janeiro.
N aturalisado brazileiro, o governo da provincia de
Santa C atharina aproveitou-o para reitor ou director do lyceu.
Fechou, em consequência, seu collegio particular.
E ra muito illustrado. E sabia perfeitamente o latim,
o grego e o hebraico, como já deixámos referido. Foi prior
de Lourinhã, em Portugal.
Falleceu em 1883.

§ 3.°

Pedro Gonçalves D ente, nascido em a villa de

(*) Yêr o texto genealógico VII, da Linlia A c B ,


486

« Rogo-lhe os transm itta tambcm á sua veneranda


mfii e aceite a expressão de meus sentimentos de estima. —
Castão d Orleans. »
De seu consorcio com D . Rosalina Ribeiro de
Campos (*), em 20 de Setembro de 1850, teve somente
dons fillios :
a ) Fernando Mendes de Almeida, nascido em 26
de Junho de 1857, bacharel em lettras pelo imperial collegio
J). Pedro II, bacharel e doutor em Direito pela Faculdade
de S. Paulo. Casado cm 4 de Agosto de 1880 com D. Anna
Andrew (**). Com descendência. (***)
h ) Candido Mendes de Almeida, nascido em l.° de
Fevereiro de 1<S60, bacharel em Direito pela Faculdade do
Recife, tendo porém feito os primeiros annos na de S. Paulo.
Ainda solteiro.
a
Ambos são advogados no Rio de Janeiro ; alli
nasceram ; e lá residem.
2.° ) Fernando Mendes de Almeida. Nasceu na
então villa de Caxias, aos 3 de Maio de 1830. Exerceu
varios cargos publicos na capital do M aran h ão ; inclusive o
de vice-consul da Sardenha. Foi membro da assembléa
legislativa da provincia, em mais de uma legislatura.
Mudando-se para a provincia de S. Paulo, em 1861,
abi íoi eleito, em successivos ijuatriennios, juiz de paz do
districto do sul da parochia da Sé. Desde 1876 exercia o

< * Fillia do Antonio liibeiro de Campos, que foi deputado á


asseinbloa geral legislativa pela provincia da Parahiba: e de 1). Antonia
baptista de Campos.
( 1 filh a do James Andrew e de 1). Iíita Lcopoldina Guimarães.
(***.) Esta descendenda aetualmentc c a seguinte:
1 . ° ) Fernando, nascido em 12 dc Fevereiro de 1882.
2 . ° ) I). Stella, nascida cm 11 de Marco de 1883.
3 . '’) D. Anna, nascida em 30 de Maio de 1884.
4 . °) Candido, nascido em 11 dc Maio de 188G.

V
cargo do bibliotliecario da Faculdade de Direito, quando a
ultim a reforma tirou-lhe este posto, onde desenvolvia maximo
zelo. Solteiro.
3. °) J oão M en d e s d e A lm e id a . E o autor deste
livro. (*)
4. ° ) D. M aria Elisa Mendes de Almeida. Nasceu
tam bém na cntao villa de Caxias, aos 12 de Outubro de
1834. Reside ainda em S. P aulo; para onde veio em 1860.
Solteira.

§ 2 .°

P adre José Leite Mendes de Almeida. Naturalisou-se


cidadão brazileiro, quando ultimamente residia na cidade do
Desterro, capital da provincia de Santa Catharina.
Julgava-se fadado ao ensino da m ocidade; e, pois,
logo que chegou ao Brazil, fundou collegio na cidade de
\ assouras, provincia do Rio de Ja n eiro ; mudando-o depois
para a corte; e afinal para a cidade do Desterro.
Cogitou de aceitar uma parochia no bispado de
S. P a u lo ; e, com effeito, foi-lhe dada a de Bragança, onde
esteve apenas durante pouco mais de um mez. R enunciou-a;
e depois voltou ao Rio de Janeiro.
N aturalisado brazileiro, o governo da provincia de
Santa C atharina aproveitou-o para reitor ou director do lyceu.
Fechou, em consequência, seu collegio particular.
E ra muito illustrado. E sabia perfeitamente o latim,
o grego e o hebraico, como já deixámos referido. Foi prior
de Lourinhã, em Portugal.
Falleceu em 1883.

§ 3.°

Pedro Gonçalves Dente, nascido em a villa de

(*) Vêr o texto genealógico Vlí, da Linlia A e B.


488

Penamacor; Portugal, aos 13 cie Agosto de 1843, era filho


cio Dr. Pedro Gonçalves Dente, medico, e de sua m ulher
D. Maria da Piedade Mendes de Almeida.
Veio ainda menor para S. Paulo, em 1 8 6 0 . Foi
interno no seminario episcopal. Não quiz, porém, continuar
os estudos; preferio a carreira de empregado publico, para
0 que naturalisou-se cidadão brazileiro. Em concurso, obteve
as nomeações primeiras para a thesouraria de fazenda da
provincia de S. Paulo. Lm 1879 foi nomeado em commissão
para fiscalisar a thesouraria e mais estações fiscaes de
Santa Catharina. Era já então primeiro escripturario.
Voltando da commissão em Santa Catharina, o governo
1 • • O
da provincia de S. Paulo convidou-o a aceitar o cargo de
contador do thesouro provincial. O governo era liberal; e
elle conservador. Esse facto honra suas notorias habilitações.
Aceitou; c desligou-se, desde então, do quadro dos empregados
da fazenda geral.
Casou-se em S. Paulo, aos 22 de Fevereiro de
1868, c‘om D. fortunata Eugenia cia Cruz, filha cio tenente-
coronel Antonio Alves Cruz e de sua mulher D. Anna
Candida Cessa Cruz.
Deste consorcio tem tido os seguintes filhos :
1° ) D. Anna liita, nascida em 8 de Janeiro de 1 8 7 E
2. ° ) Pedro, nascido em 22 de Janeiro de 1873.
3.° ) Joao, nascido em 6 de Dezembro de 1874.
4.° ) José, nascido em 7 de Dezembro de 1876.
5. ° ) Fernando, nascido em 28 de Fevereiro de 1878.
6. ° ) Mario, nascido cm 2 de Junho de 1881.
7. ) D. Maria da Piedade, nascida em 20 de
Dezembro de 1884.
C A P IT U L O O IT A V O

EPÍLOGO ZFTTTa t .

E stá finda a tarefa, que nos impuzemos, de escrever


este L ivro de fa m ilia ; e, sob certo ponto de vista, bem
podemos dizer que escrevemos também uma obra de historia
patria. Com effeito, se as tradições de uma familia prendem-se
intimam ente aos factos ou registros publicos, a genealogia é
historia, a historia é genealogia. P or isso, julgámos conveniente
dividir o L ivro de fa m ilia cm duas partes : a historica e a
genealógica.

A primeira parte, a historica, comprehende :


1. ° ) As prophecias de I s a ia s e de outros prophetas
quanto á descoberta do Brazil, e especialmente do M aranhão,
conforme o padre A n to n io V i e i r a em sua H istoria do futuro.
2. ° ) O descobrimento por Pedro Alvares Cabral.
3.° ) O nome de Santa Cruz substituido pelo de
Brazil.
4.° ) A divisão das terras, e o systema governativo
nos tres séculos coloniaes.
— 490

5.° ) A razão do nomc S. Vicente, dado á capitania


dc Martim Affonso dc S ouza; substituído depois pelo de
*S. Paulo.
6.° ) A historia da capitania dc S. Vicente— S. Paulo.
7.° ) O nome Maranhão, corrupção de M aram -
nhãna-y, já existia, antes do descobrimento do Brazil, na
região que foi depois a capitania do mesmo nome.
8.° ) A historia do Estado do Maranhão.
9. °) Breve epilogo; no qual é explicado o motivo
que determinou a denominação do Livro dc fam ilia, dada
á obra.
10. ° ) Explicações necessarias ao capitulo terceiro.
11. ° ) Documentos, entre os quaes os importantes
titulos de sesmaria de Pedro de Góes e de llu y Pinto, e a
carta do principe regente D. Pedro ao bispo dc Maranhão
sobre a independência do Brazil.

A segunda parte, a genealógica, comprehende, além


da Jntroducçao, que é explicativa das relações de sangue
entre os paulistas e os povoadores dos sertões da Bahia,
Pernambuco, Geara, Piauhy c M aranhão:
1. ° ) A especie hum ana; raças.
2. ) Os indigenas do Brazil; suas origens; suas
migrações; seus usos, costumes c governo.
3." ) Piquirohy, maioral da aldôa dc Ururay, pro­
genitor indigena de Amador Bueno de Ribeira e dos Rendons,
poi sua filha que, antes do baptismo, vivia maritalmcnto com
Antonio Rodrigues, companheiro de João Ramalho.
4. ) A U n h a genealógica A, que começou no referido
portuguez Antonio Rodrigues e em sua mulher Antonia
Rodrigues, filha dc Piquiroby, já acima mencionada.
5.° ) A Linha genealógica B, que começou em

V
•%

»
— 491 —

Antonio Rodrigues dc Almeida, cavalleiro fidalgo da casa


leal, e em sua m ulher D. Alaria Castanho; ambos portuguezes.
6. ° ) As Linhas unidas A e B, que começaram em
D. Francisco M athcns Rendon, da Linha A, e em D. Maria
de Araujo, da L inha B ; ambos paulistas.
A L inha A é notável por ser a indigena; nobilitada
a moda européa por Salvador Pires, avò de Amador Bueno
ele Ribeira, cuja filha, D. Alaria Bueno de Ribeira, casou-se
com D. João Alatheus Rendon, fidalgo hespanhol, avò de
I). F 'rancisco Alatheus Rendon.
A Linha B realça-se pela fidalguia desde Antonio
Rodrigues dc Almeida; com cuja filha, D. M aria Castanho,
casou-se com Antonio de Proença; cuja filha, D. Anna de
Pioença, casou-se com Pedro Iaques; este, pac de Lourenço
Castanho Iaques — o velho; este, pae de Pedro Taques de
A lm eida; cuja filha, D. Maria dc Araujo, casou-se, como
acima toi declarado, com D. Francisco Alatheus Rendon,
reunindo as duas Linhas.
7. ° ) A genealogia da familia Mendes de Alm eida,
única com esse sobrenome em Portugal. Appareccm no
século X V III, em S. P aulo; no século X IX , no Maranhão.
E somente nestas duas capitanias.
No século X V III: Alanoel Alendes de Almeida,
capitão-mór na cidade dc S. Paulo ; padre Alanoel Alendes
dc Almeida, protonotario apostolico, vigário da freguezia e villa
dc P arn ah y b a; Luiz Alendes de Almeida, o qual casou-se c
fixou domicilio na villa de Acuthia; e José Alendes de Almeida,
que foi negociante na já referida cidade de S. Paulo.
No século X I X : Fernando Mendes de Almeida,
capita o dc milícias, negociante em Caxias, para onde retirara-se,
ja casado na villa do Brejo dos Anapurús, após a proclamação
da Independência, contra a qual combatera. E outros dous.
<
s -° ) Epilogo final.
9.° ) Explicações c reetifícaçõcs.
0 «


492

A indu estuinos prosos de admiração, ao vêr que


concluímos esto Livro de fam ilia, para atiral-o no meio de
uma sociedade subjugada á politica feroz dos partidos pessoaes
e á especulação dos interesses materiaes. Fallar a uma tal
sociedade, não já de seus vieios e de suas miserias, mas do
Brazil, de suas desgraças, de suas tradições, de suas glorias,
ó cxpòr-sc ousadamente á cólera de uns, ao desdém de
outros, á indifferença de muitos.
Fsta nossa sociedade não quer saber senão do que
pode satisfazer uma ambição, uma vaidade, um interesse, E
a esse estado morbido foi levada pela inércia ou pelo
desanimo do poder supremo, abandonando-a na trilha da
politica sem ideas, da administração sem regras, das finanças
sem medidas complexas, e apenas de expedientes e de
palliatives que, logo depois, aggravam o mesmo mal que
ministros charlatães e ineptos suppunham ter curado.
Fsta immensa podridão não podia deixar de produzir
afinal a fermentação de baixas paixões partidarias, para
substituirem o esjanto politico, unico que deveria animar
governos e partidos. O resultado tem sido uma lucta inter­
minável de antagonismos pessoaes, que tudo esterilisam.

F , em verdade, esse um facto lastim ável:— o do


influxo prejudicial das baixas paixões partidarias, sempre
violentas e desorganisadoras. E tem sido tacs os seus cffeitos
que hao sido esquecidos completamente os interesses nacionaes,
de ordem moral. Por exemplo: — a instrucção, ha muitos
annos, soffre reformas de todos os moldes; mas o uivei
baixa mais e mais, porque a falta é de professores aptos,
não de regulamentos. Por isso mesmo, já mui raros são os
nossos homens de lettras. Os que entregam-se a estudos
historicos patrios tem desapparccido, uns após outros, nas
sombras da morte, ou nos desgostos da indifferença social.
I ma sociedade materialisada, sem crenças, sem ideas,

1 \
— 49:]

procurando libertar-se de todas as tradicções para subgeitar-sc


a ser prisioneira de todas as utilidades, desanimou os nossos
litteratos. E o peior foi que até o caracter perdeu a
grandeza, á falta de pensamentos elevados e nobres; porque,
na phrase de um illustre bispo francez, — quando o espirito
desce á. poeira e á lama das paixões aviltantes, o coração, a
alma inteira se baixam na mesma proporção.
Por Deus! A nação brazileira insta por uma reanimação
moral.
Ao nosso ver, sabendo que as descripções de luctas
heroicas, a recordação de velhos costumes, a piedade para
com os avós são o remedio mais efficaz para o, curativo das
nações abastardadas, — ao nosso vèr, dizemos, outro meio não
ha senão revolver o passado, illuminar as figuras desses tempos,
evocar, para bem dizer, os heróes indigenas, reaccendendo
assim as nobres paixões desmaiadas deste povo. (*)

(*) Este capitulo é, quasi inteiro, mas refundido, o discurso


pronunciado pelo autor na sessão litteraria, de 10 de Outubro deste anuo
de 1886, em sua casa, sob a presidência do D r. Américo Brasilicnse de
Almeida Mello, autor das Lições de historia p a tria .
Foi nessa sessão litteraria que, lembrada a idéa da fundação de
uma sociedade em S. Paulo para estudos historicos, foi aceita a da
«Sociedade dos Homens de Lettras de S. P au lo » . Com effeito, está já
fundada com grande numero de socios. Sua administração é :
Presidente honorario, o D r. Américo Brasiliense de Almeida
Mello.
Presidente effectivo, o D r. João Mendes de Almeida.
Vice-presidente, o conego Manoel Vicente da Silva.
1 . ° Secretario, o D r. Brazilio Augusto Machado de Oliveira.
2 . ° Secretario, o D r. Martim Francisco Bibeiro de Andrada.
Thesovreiro, o Snr. Manoel José de Araujo Costa.
Bihliothecario, o Snr. Jesuino da Silva Mello.
C A P IT U L O NONO

5 e rectificações
No caso de ser necessaria uma segunda edição desta
obra, pareceu-nos util assignalar mais algumas rectificações
indispensáveis, além das já feitas no capitulo X da parte
historica. E tacs rectificações devem ser desde já consideradas
pelo leitor.

Pag. 38, nota primeira. Devem ser supprimidas as


palavras ou o periodo: «C ada cabana, ou óca, se era para
uma só familia, a denominavam t e j v p a b ; se para mais
familias ( e em geral accommodava vinte a trinta fam ílias),
era te ju p a b a . »
A razão da suppressão desse periodo está na nota
segunda, á pag. 387. E sta nota segunda, á pag. 387, será
reduzida ao seguinte: « Deve ser t a i u p a , com o T anteposto
ao substantivo a iú p a , ou a j v p a : « os da cabana ». Alguns
pronunciariam t a i v p á , ou t a jv p á . »
Confira-sc o texto, á pag. 31G.

• •
— 49G —

Pag. 314. Onde se lê: « O sfilhos bastardos, conforme


sen sexo, tinham a denominação geral — mü-çatikoera ou
amü-çatikoera, « filho ou filha de borra ». Lêa-se : « Os
irmãos bastardos, conforme seu sexo, tinham a denominação
geral — mü-çatikoera ou amü-çatikoera, « irmão ou irmã
de borra ».
Por um descuido no texto, escapou essa troca por
filhos, filho ou filha, cm vez de irmãos, irmão ou irmã.

Pag. 347. A nota, que está nessa pagina, deve


passar para a pag. 298, correspondendo á palavra tupi-nà-ki,
na terceira linha do texto.
I assando essa nota para a pag. 298, ó dispensado o
período final: « Confiram-se com esta explicação o texto c
as notas, nas paginas 298 e 299. »

Pag. 2 8 . Por engano, a obra do padre J o s é d e


M o k a k s foi citada incorrectamente na nota segunda. Deve
ser corrigida a denominação para Historia da Companhia de
Jesus na eatmeta provincia do Alaranhão e Pará.

lag . 107. Por engano, escapou a citação da obra de


fiei G a s p a r d a M a d r e d e D e u s como Memorias para a
historia da capitania dc S. Paulo, em vez de S. Vicente.

Pags. 31 e 120. A obra de B e r r e d o , citada em


notas, deve ser Annacs historicos do Estado do Maranhão.

Pags. 57, 92, 111, 123, 125, 354, 373 e outras.


t obra dc Azevedo M arques, ahi citada em nota, é

ff
V
% %

497 —

a que tem o titulo — Apontamentos historicos, geographicos,


biographicos, estatísticos e noticiosos da provincia 'de S. Paido.

Aproveitando a opportunidade, vamos emendar alguns


lapsos de revisão, mais salientes.
Pag. 33, nota : levamam, levavam.
Pag. 78: qusi, quasi.
P a g . 292, n o ta : M aloc , M adoc .
Pag. 3 0 2 : polinésia, polynésia.
Pag. 372, n o ta: L im a , Luna.
Pag. 373, n o ta : de Azevedo, de Azeredo.
Pag. 418, n o ta: Parnahiba, Paraliiba.
Pag. 4 6 2 : Antran, Autran.
Pag. 4 6 4 : A pilitica, A politica.
E outros raros erros de orthographia e de virgulação
que o leitor verificará e corrigirá por si mesmo; como por
exemplo, rasão, qiiazi, etc., etc.

Resta-nos dar graças a D eu s; e pedir-Lhe vida e


saudc, para que possamos fazer a segunda edição.

• •
%
*

IN D ICE

Capitulos Faginas

D edicatória.............................................................................. ID
A dvertências............................................................................ V II

PARTE HISTORICA

I P ro p h e e ia s................................................................. 1
II Descobrimento do B r a z i l ..................................... 23
III Santa Cruz — B razil............................................... 37
IV Divisão das terras. Governo . . ‘ . . . . 53
V S. V ic e n te ................................................................. 83
VI Capitania de S. V ice n te— S. Paulo . . . 89
V II M a r a m - n h ã n a - y ..................................................... 135
V III M a r a n h ã o ................................................................. 149
IX Breve ep ilo g o ............................................................ 209
X Explicações.................................................................. 219
XI D o c u m e n t o s ............................................................ 223

PARTE GENEALÓGICA

In tro d u c ç ã o ............................................................................. 255


I Especie humana. R a ç a s .................................... 267
II Os indigenas do B ra z il.......................................... 285
I II P iq in r o b y ................................................................. 327
IV L inha — A ................................................................. 349
V L inha — B ................................................................. 383
VI L inha — A e B ..................................................... 421
VII A familia Mendes de Alm eida . . . . . 471
V III Epilogo f i n a l ............................................................. 489
IX Explicações e rectificações..................................... 495 .

/ i
\

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