A Identificao de Artefatos Culturais

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A IDENTIFICAÇÃO DE ARTEFATOS CULTURAIS

NOS LIVROS EM LÍNGUA PORTUGUESA DO


AUTOR SURDO CLAUDIO MOURÃO:
UMA REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO
LÍNGUA, CULTURA E LITERATURA
THE IDENTIFICATION OF CULTURAL ARTICLES IN
BOOKS IN PORTUGUESE LANGUAGE BY DEAF AUTHOR
CLAUDIO MOURÃO: A REFLECTION ON THE LANGUAGE,
CULTURE AND LITERATURE RELATIONSHIP

Francyllayans Karla da Silva Fernandes1


Universidade Federal da Paraíba
UFPB/ Campus João Pessoa

Janaína Aguiar Peixoto2


Universidade Federal da Paraíba
UFPB/ Campus João Pessoa

Resumo: A presente pesquisa parte dos nove artefatos culturais das autoras Strobel
(2008) e Peixoto (2018) para realização de uma análise comparativa das obras A Fábula
da Arca de Noé e As Luvas Mágicas do Papai Noel do autor surdo Claudio Mourão.
Sendo uma obra adaptada e a outra criada, ambas estão escritas em língua portuguesa.
Nesse sentido, propõe-se uma reflexão acerca da importância das Literaturas Visuais para
o desenvolvimento e fortalecimento da identidade, cultura e língua do surdo, pois, mesmo
com a existência de Leis como a Nº 10.436 de 2002 e o Decreto Nº 5.626 de 2005 que
possibilitam ao surdo o reconhecimento de sua diferença linguística, identitária e cultural,
o contato com as Literaturas Visuais fica restrito aos espaços distantes da escola. Nesses
termos, o objetivo da pesquisa é analisar, de maneira comparativa, a importância da inserção
dos artefatos culturais na Literatura Surda, uma vez que a presença desses artefatos culturais
nas obras literárias pode favorecer o desenvolvimento da língua, identidade e cultura do
surdo, já que ele irá interagir com elementos próprios da sua comunidade linguística. Com
isso, foi possível verificar que as duas Literaturas Surdas apresentam alguns dos artefatos
culturais, estando os artefatos Linguístico e Familiar presentes nas duas obras analisadas.
Tal fato nos leva à compreensão da importância da língua e da família do surdo para o
fortalecimento da identidade e cultura desses sujeitos
Palavras chave: Literatura Surda. Artefatos culturais. Língua.

1 Mestra em Educação pelo PPGE/UFPB, docente atuante no Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ,
aluna da especialização em Ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para Surdos, graduada em Pedagogia
pela UEPB, Letras-Libras pela UFPB e Psicologia pelo UNIPÊ.
2 Doutora em Letras pelo PPGL/UFPB, lotada no Departamento de Línguas de Sinais – DLS/CCHLA/UFPB,
docente atuante no Programa de Pós Graduação em Letras da UFPB e no curso de especialização em Ensino de Língua
Portuguesa como Segunda Língua para Surdos do IFPB.

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Abstract: This research is based on the nine cultural artifacts of the authors Strobel
(2008) and Peixoto (2018) to perform a comparative analysis of the works: A Fábula da
Arca de Noé and As Luvas Mágicas do Papai Noel, by the deaf author Claudio Mourão, one
work adapted and the other created, both written in Portuguese. In this sense, we propose
a reflection on the importance of visual literature for the development and strengthening
of identity, culture and language of the deaf, because even with the existence of laws
such as Law No. 10.436 of 2002 and Decree No. 5.626 of 2005, which enable the deaf to
recognize their linguistic difference, identity and culture, contact with the visual literature
is restricted to isolated spaces, far from school. In these terms, the objective of this research
is to analyze in a comparative manner the importance of the insertion of cultural artifacts
in Deaf Literature, since the presence of these cultural artifacts in literary works may favor
the development of language, identity and culture of the deaf, because he will interact with
elements of his own linguistic community. Thus, it was possible to verify that both Deaf
Literatures present some of the cultural artifacts, however the Linguistic and Family cultural
artifacts are present in both works analyzed, which leads us to understand the importance
of language and family of the deaf to strengthen the identity and culture of these subjects.
Keywords: Deaf literature; Cultural artifacts; Language.

1. INTRODUÇÃO

No campo educacional, a pessoa com deficiência passou por quatro eras segundo
Sassaki (2011), sendo a exclusão, da Antiguidade até o século XX, a primeira delas.
No período da exclusão, as pessoas com deficiência eram marginalizadas, rejeitadas ou
mortas. Em culturas como a de Roma, por exemplo, os pais tinham o direito de matar seus
filhos com deficiência logo após o nascimento para evitar o contato desses sujeitos com a
sociedade (LEME; FONTES, 2017).
O segundo período foi o da segregação (1920-1940) que propôs uma nova forma
de enxergar o outro, redefinindo alguns direitos e deveres sociais. No entanto, para isso,
partia-se da perspectiva de cura/milagre para aqueles que escolhiam se aproximar de
Deus, sendo a deficiência, portanto, entendida como um castigo divino. Além disso, todo
atendimento prestado a essas pessoas era de cunho assistencialista, afastado da família em
instituições religiosas e filantrópicas (FRANÇA, 2014).
Nessa perspectiva, no período da segregação o desejo latente da sociedade era
corrigir a falta/falha das pessoas com deficiência, o que gerou inúmeros prejuízos para essas
pessoas, dentre os prejuízos a proibição da sinalização e obrigatoriedade da oralização. A
língua de sinais era considerada falha e incompleta, por isso o surdo precisava buscar a
reabilitação da fala (LULKIN, 2015).
Em oposição ao distanciamento das pessoas com deficiência dos demais sujeitos da
sociedade, os movimentos sociais e as famílias das pessoas com deficiência passaram a lutar
pela integração desses sujeitos e, entre 1950 e 1980 acontece a terceira era, a integração,
na qual as pessoas com deficiência foram integradas a sociedade e passaram a fazer parte
das escolas regulares, frequentando as classes especiais (MENDES, 2006).

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Os principais avanços para as pessoas com deficiência se deram a partir do século
XX, com o advento da política inclusiva, que se caracteriza como a quarta era, com uma
nova roupagem ao cenário educacional, que aponta o direito de conviver e interagir em
sociedade defendendo o seu espaço. Assim, as pessoas com deficiência foram incluídas nas
salas regulares, os surdos conquistaram o direito a utilização de sua língua e a diversidade
passou a ser debatida nas escolas.
No modelo político educacional inclusivo, as escolas são compostas pela diversidade,
pois as pessoas com deficiência possuem o direito legal de estarem incluídas na rede regular
de ensino. Isso é o que determina a Constituição Federal de 1988, em seu art. 205, e a
Resolução do Conselho Nacional de Educação da Câmara de Educação Básica (CNE/CEB),
n° 2/2001. Tais documentos afirmam que as escolas do ensino regular devem matricular
todos os alunos em suas classes comuns com os apoios necessários (BRASIL, 1988; 2001).
Porém, a experiência do povo surdo com a inclusão escolar ressaltava a diferença
linguística e cultural deles, visto que as adaptações feitas no ambiente escolar não atendiam
à necessidade linguística da comunidade surda em específico (BISOL; VALENTINI,
2011). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação / LDB (1996) afirma, em seu art. 58, que,
preferencialmente, os alunos com deficiência devem ser incluídos nas salas regulares
(BRASIL, 1996). Assim, com o cumprimento dos referidos documentos legais, os surdos
passaram a ter assegurado o direito de frequentar o ambiente escolar e receber o apoio
necessário para que a inclusão fosse efetivada, inclusive utilizando a língua de sinais e os
outros recursos associados a ela.
Entretanto, para que a inclusão do surdo aconteça, é necessário que ele faça parte
de todo o ambiente escolar e não apenas da sala de aula, utilizando sua língua como forma
de comunicação e aprendizagem sem ficar à mercê do intérprete (SILVA, 2014). Nesse
sentido, é importante destacar que as atividades desenvolvidas em sala necessitam de
adaptações e/ou adequações, pois, como afirma Stumpf (2008, p.24), “não se pode falar
em inclusão se não são oferecidas as condições necessárias”.
No contexto de inclusão, a diferença linguística do surdo no ambiente escolar tem
sido um desafio para os professores, visto que nosso modelo de sociedade está baseado
na maioria, ou seja, naquilo que apresentamos de igual aos demais. Desse modo, o surdo,
por ser linguisticamente diferente, sofre com a falta de utilização das produções literárias
da sua comunidade na sala de aula, ou seja, aquilo que é produzido pelo sujeito surdo no
campo literário não faz parte do seu processo educacional inclusivo.
Destacar as produções literárias do surdo dentro do ambiente escolar inclusivo é
necessário, já que a escola ocupa um papel formativo na vida dos indivíduos. A escola
precisa dar ênfase às produções culturais do povo surdo, uma vez que esses materiais
revelam a língua, cultura e identidade da comunidade surda. Sendo assim, as produções
literárias podem ser consideradas como forma de difusão de uma cultura que até pouco
tempo era tida como inexistente por ser desconhecida.
Seguidora da base teórica dos estudos culturais fundamentados em Hall (2003), a
autora Strobel (2008) reproduz essas reflexões do âmbito cultural ao realizar uma aplicação
nos estudos surdos. De acordo com essa autora, “a cultura não vem pronta, daí porque ela

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sempre se modifica e se atualiza” (Strobel, 2008, p. 20). Assim, o surdo precisa de contato
com outros sujeitos surdos e também com as produções literárias do povo surdo para que
possa adquirir sua língua, costumes, cultura e identidade. Por entender o povo surdo formado
por indivíduos essencialmente culturais, Strobel (2008) pontua oito artefatos culturais e,
partindo do conceito de cultura surda de Strobel (2008), no campo das crenças, Peixoto
(2018) acrescenta o nono artefato cultural, o religioso.
Um dos recursos pouco utilizados no ambiente escolar inclusivo (mas de extrema
importância para a comunidade surda) são os artefatos culturais que deveriam ser
inseridos em diversas disciplinas e trabalhados dentro da escola inclusiva, promovendo
o conhecimento mútuo dos sujeitos envolvidos no modelo inclusivo, bem como o
favorecimento do desenvolvimento e da valorização dos elementos identitários, linguísticos
e culturais da pessoa surda.
Em sua grande maioria, as obras literárias produzidas ou adaptadas apresentam
parte dos artefatos culturais, por isso é de suma importância analisar quais as literaturas que
trazem, de maneira mais marcante, esses artefatos para que eles sejam trabalhados com os
alunos surdos no processo de aquisição de suas duas línguas. Desse modo, é perceptível que
o processo de aquisição das línguas pelo surdo ainda é muito restrito e necessita de mudanças
práticas para favorecer o desenvolvimento linguístico do surdo enquanto sujeito social que
tem seu direito linguístico assegurado pela Lei Nº: 10.436/02 e pelo Decreto Nº: 5.626/05.
Por isso, pretende-se analisar, de maneira comparativa, dois livros registrados em
língua portuguesa do autor surdo Cláudio Mourão a fim de dialogar acerca da relevância
dos artefatos culturais presentes nas obras para o processo de ensino e aprendizagem
do surdo, visto que, mesmo incluídos na rede regular, os surdos precisam fortalecer sua
identidade e cultura, o que só é possível através de sua língua.
O autor Claúdio Mourão é surdo, poeta, escritor, Doutor em Educação e tem como
foco de estudo os Estudos Culturais em Educação, com participação ativa em projetos que
dialogam sobre a cultura do surdo. Ele é autor dos livos: As Luvas Mágicas do Papai Noel,
com co-autoria de Alessandra Klein (2012); A Fábula da Arca de Noé (2013).
Para aprofundamento no tema, levanta-se a hipótese de que os artefatos culturais
presentes na literatura surda baseiam e fortalecem a apropriação cultural do surdo. Nesse
ínterim, como objetivo geral, o presente estudo apresenta a análise comparativa da importância
da presença dos nove artefatos culturais nas literaturas A arca de Noé e As Luvas Mágicas
do Papai Noel. Para tanto, tem-se, como objetivos específicos, a investigação da presença
de nove artefatos culturais nas duas literaturas citadas, a compreensão da relação dos
artefatos culturais presentes na literatura surda com a apropriação cultural do surdo e,
por fim, a reflexão acerca da importância dessas literaturas surdas registradas em Língua
Portuguesa para um contexto educacional pautado na filosofia bilíngue.
A pesquisa é de caráter exploratório cuja finalidade é a maior familiaridade com o
problema (GIL, 2018). Além disso, caracteriza-se, também, como documental, uma vez
que serão analisadas duas obras literárias do autor surdo Claudio Mourão, tendo como
foco a identificação dos artefatos culturais presentes nas obras.

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O instrumento será um Checklist construído com base nos artefatos culturais que
serão encontrados nas obras estudadas e os dados serão analisados de maneira qualitativa,
estabelecendo relação entre os artefatos identificados e sua relevância com base nos estudos
culturais aplicados aos estudos surdos.

2. A importância dos artefatos culturais

A palavra “cultura” tem muitos significados, mas quando se estabelece relação entre
a cultura e as pessoas surdas, entende-se que a cultura está ligada às vivências linguísticas
e às experiências visuais dos surdos, o que influencia, inclusive, na forma dos surdos
aprenderem. Partindo da perspectiva dos Estudos Culturais, Strobel (2008, p.18) afirma que
a cultura é “uma ferramenta de transmissão, de percepção da forma de ver diferente, não
mais de homogeneidade, mas de vida social constituída de modos de ser, de compreender
e de explicar”. Assim, a cultura não é apenas o que o surdo aprende na sua comunidade,
mas é um modo de entender o mundo considerando outros aspectos.
Para Fernandes, Alves e Stumpf (2020), no que concerne à cultura surda, a língua
de sinais é o instrumento de maior transmissão cultural que, por ser natural ao povo surdo,
favorece o desenvolvimento cognitivo desses sujeitos. Desse modo, a cultura surda é
definida, também, como:

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo


a fim de se torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções
visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das
comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as idéias, as crenças, os
costumes e os hábitos de povo surdo. (STROBEL, 2008, p.22)

Dessa maneira, ao longo dos tempos, os surdos foram desenvolvendo sua cultura
própria e transmitindo essa produção cultural em diversos espaços, principalmente através
do contato linguístico com seus pares. A cultura e a identidade linguística do surdo são
diferentes da comunidade ouvinte, visto que o canal utilizado para entender e se relacionar
com o mundo é diferente. Conforme define Fernandes (2003), as línguas podem ser orais-
auditivas e/ou espaço-visuais, por isso o desenvolvimento linguístico do surdo é também
um desenvolvimento cultural, já que língua e cultura estão diretamente relacionadas.
A cultura é a base de instrução de um povo e é perpassada não só através do diálogo,
mas, também, em seus registros literários, sendo a transmissão desses textos escritos/
sinalizados aquilo que possibilita a apropriação dos elementos que compõem a cultura de
um povo e viabiliza a formação de conceitos e representação da realidade. De acordo com
Hall (2003, p.43), “A cultura não é uma questão de ser, mas de se tornar”. Assim, é no
contato linguístico com seus pares que o surdo se apropria de sua cultura, e é na experiência
com a língua de sinais que o sujeito se enxerga como surdo (BISOL E SPERB, 2010).
Essa visão de diferença linguística é a base da concepção socioantropológica da
pessoa surda, a qual acredita no compartilhamento de vivências e experiências entre o
povo surdo que está unido por um mesmo ideal: poder compreender o mundo através
de sua própria língua. Isso não significa dizer que o surdo deseja uma vida isolada ou

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distante dos ouvintes, mas que é na relação com os seus pares linguísticos que sua cultura
e identidade se fortifica:

Não quer dizer que o povo surdo se isola da comunidade ouvinte, o que estamos
explicando é que os sujeitos surdos, quando se identificam com a comunidade
surda, estão mais motivados a valorizar a sua condição cultural e, assim, passam
a respirar com mais orgulho e autoconfiantes na sua construção de identidade
e ingressam em uma relação intercultural, iniciando uma caminhada sendo
respeitado como sujeito “diferente” e não como deficiente. (STROBEL, 2008, p. 33)

É assim que a identidade surda vai sendo constituída: parte-se do sentimento de


pertencimento sem que ocorra um choque cultural antes que aconteça a constituição da
identidade surda no surdo. Para compreender com profundidade a identidade do surdo
e a comunidade surda, é importante lembrar o processo de lutas que antecederam todas
essas conquistas, desde o respeito ao uso da Libras nos mais variados espaços sociais até o
reconhecimento da pessoa surda enquanto indivíduo que age socialmente e possui todas as
condições cognitivas para participar efetivamente do processo de ensino e aprendizagem.
Através do avanço nos estudos da língua de sinais e da utilização das novas
tecnologias, os surdos estão conseguindo dar visibilidade e durabilidade às suas produções
por meio de registros em vídeos e na modalidade escrita, tanto no sistema Sing Writing,
quanto em língua portuguesa. Segundo Fernandes, Alves e Stumpf (2020), é importante
que o surdo tenha contato com a escrita de sinais para que ocorra o desenvolvimento do
pensamento superior complexo, cognitivo, cultural, linguístico e social.
Segundo Strobel (2008), os artefatos culturais não são apenas produções materiais
de uma cultura, mas consistem nas manifestações culturais, produções palpáveis e não
palpáveis que expressam sua forma de ver, entender e transformar o mundo do qual ele se
apropria para seu desenvolvimento cognitivo, cultural e de sua identidade. Portanto, essas
produções culturais, denominadas de artefatos culturais, são: experiência visual, linguístico,
familiar, literatura surda, artes visuais, vida social e esportiva, político e materiais. Dentro
dessa perspectiva, Peixoto (2018) acrescentou o artefato cultural religioso, tendo-se, pois,
nove artefatos culturais.
No que concerne ao artefato linguístico, Almeida (p. 16, 2015) afirma que “a língua
de sinais é um artefato cultural carregado de significação social, sendo assim uma das
especificidades mais importantes da manifestação e produção da cultura surda”. Então,
a escola, através da utilização de recursos bilíngues, pode favorecer o desenvolvimento
desses sujeitos em suas duas línguas.
O artefato da experiência visual revela a capacidade de percepção do surdo por
meio da visão que influencia na maneira de ser, de se expressar e de conhecer o mundo,
uma vez que as percepções visuais do surdo sobre o mundo provocam reflexões acerca
de suas subjetividades. É por esse motivo que as expressões faciais e corporais são tão
importantes no ato da sinalização, já que possibilita ao surdo a compressão do tipo de
frase (afirmativa, negativa, exclamativa, interrogativa), a entonação da voz, entre outros
elementos (STROBEL, 2008).

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O artefato cultural familiar sinaliza o debate ainda latente acerca dos entraves
existentes sobre a influência da visão clínica para a escolha de qual língua a criança surda
será inicialmente exposta, principalmente com pais ouvintes, que, em sua maioria, optam
inicialmente pela reabilitação oral atendendo aos conselhos de profissionais da saúde
que acreditam na interferência da língua de sinais para o processo de aquisição da língua
portuguesa (PEIXOTO, 2018).
Em se tratando das festas, competições, lazeres e associações, Strobel (2008) define
esses acontecimentos como artefatos da vida social e esportiva do surdo. São esses eventos
que promovem o contato entre surdo-surdo em situações informais, fazendo com que eles
aproveitem para falar mais naturalmente sobre suas vivências. Através desse contato,
surgem as demandas coletivas que estão presentes no artefato político para fortalecimento
dos movimentos em busca dos seus direitos.
O artefato cultural material pode ser considerado como o “fruto” físico da interrelação
de todos os artefatos, pois, para que os recursos promovam a acessibilidade linguística dos
surdos, os recursos precisam ter como base de elaboração a língua de sinais, a percepção
visual dos surdos e as suas produções literárias e artísticas pautadas em suas lutas políticas
surgidas do contato entre os surdos (STROBEL, 2008).
Outro artefato cultural proposto por Strobel (2008) é a literatura surda. Essa literatura
possui relação direta com a aquisição das línguas do surdo, uma vez que é feita para e
pelo surdo, com elementos próprios a esta comunidade linguística, traduções escritas e
sinalizadas, bem como criações e adaptações. Nesse sentido, o artefato cultural das artes
visuais também representa a sintetização das emoções, das histórias e da subjetividade do
povo surdo, tendo, por isso, relação direta com a literatura surda.

2.1.  Foco no artefato: Literatura Surda

A literatura surda não apresenta relatos de sinalização de histórias em Libras antes do


século XX, pois não existiam formas de registro tão acessíveis como gravadores, webcam
e outras tecnologias. Peixoto e Possebon (2018, p. 77-78) relatam que “Infelizmente,
nossos antepassados não tiveram este privilégio que temos hoje de ver e rever quantas
vezes for necessária uma obra em Língua de Sinais, seja ela na modalidade escrita ou na
modalidade sinalizada.”
Quando um surdo fazia alguma poesia, ele se juntava a outros surdos e ensinava para
que todos tivessem conhecimento da produção, bem como incentivava os demais a criarem
suas histórias ou poesias. Dessa forma, a literatura surda se tornou mais evidente depois que
a tecnologia se expandiu a partir do século XX, momento em que a comunidade surda passou
a gravar vídeos de histórias surdas traduzidas, adaptadas e criadas e a difundir narrativas
que foram, durante tantos anos, possivelmente criadas e perdidas sem a possibilidade do
registro filmado ou escrito (STROBEL, 2009).
Aqui no Brasil, um dos pioneiros na Literatura surda é Nelson Pimenta que, em
1999, lançou produções poéticas em fita VHS com o título Literatura em LSB, a qual
apresenta quatro poemas (de sua autoria), uma fábula e dois clássicos literários (PORTO,
2007). Sem dúvidas, esse foi um marco para comunidade surda, pois as produções de

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Nelson Pimenta eram/são carregadas de elementos identitários próprios da cultura surda.
Sobre a Literatura surda, Strobel (2008) afirma:

A literatura surda refere-se a várias experiências pessoais do povo surdo que,


muitas vezes, expõem as dificuldades e ou vitórias das opressões ouvintes, de
como se saem em diversas situações inesperadas, testemunhando as ações de
grandes líderes e militantes surdos e sobre a valorização de suas identidades
surdas. (STROBEL, 2008, p.46)

Com base na autora, é possível verificar que a literatura surda é construída tendo
como base a cultura do povo surdo, ou seja, aquilo que eles trazem como experiência.
Atualmente, a literatura surda é registrada com o objetivo de que os futuros surdos tenham
acesso a essa cultura e, assim, se apropriem dos conhecimentos presentes nas poesias,
histórias e piadas que são feitas pela comunidade surda, utilizando as características culturais
e históricas do povo surdo como elemento principal dessas produções. Esses registros são
feitos em vídeos de maneira sinalizada e/ou escritos, tanto na língua portuguesa quanto
na Escrita da Língua de Sinais (ELS), no sistema Sing Writing.
Para Peixoto e Possebon (2018, p.78), “Este artefato cultural, denominado de
literatura, retrata e recria a realidade de um povo, através de textos literários que se originam
das relações humanas”. Percebe-se, então, que a literatura oportuniza ao surdo expressar
suas inquietações e interpretações sobre o mundo.
Karnopp (2010) conceitua a literatura surda como sendo a produção de textos
literários em sinais, que traduz a experiência visual e possibilita outras representações de
surdos, levando em consideração as pessoas surdas como um grupo linguístico e cultural
diferente. Esse tipo de literatura está relacionado à produção de histórias que trazem, em
suas narrativas feitas pelos surdos, a língua de sinais, a identidade e a cultura surda.
Porto e Peixoto (2011) categorizam as literaturas da comunidade Surda do Brasil
em três tipos:

Na atualidade, podemos considerar três tipos de produções literárias visuais. A


primeira está relacionada à tradução para a língua de sinais dos textos literários
escritos; a segunda é fruto de adaptações dos textos clássicos a realidade dos
Surdos e por fim, o tipo que realmente representa o resgate da literatura Surda
que é a produção de textos em prosa ou verso feitos por surdos.

Para as autoras, o termo Literatura Visual é o conceito mais amplo e engloba todas
as categorias de produções literárias dessa comunidade linguística, mesmo quando a obra
não foi criada ou traduzida pelo próprio surdo. Assim, a Literatura em Libras é a tradução
de qualquer obra da comunidade ouvinte para Libras, na modalidade sinalizada ou escrita
(ELS ou Sing Writing).
A Literatura Surda é as criações e/ou adaptações (sinalizadas ou escritas) produzidas
por surdos com o intuito de apresentar elementos próprios da cultura do povo surdo. Para
isso, ocorre, nas adaptações, o acréscimo de alguns elementos a fim de que a obra tenha
relação com o público surdo. Já nas obras criadas, os autores, na maioria das vezes, produzem
em sua língua natural e inspirados pela sua trajetória, compreensão de mundo e identidade.

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Dessa forma, a Literatura Visual compõe as adaptações, criações e traduções das
obras literárias. As adaptações realizadas nas Literaturas Visuais são alterações feitas as
narrativas já existentes para acrescentar elementos culturais e linguísticos com questões
relativas a cultura e a língua da comunidade surda (MOURÃO, 2012).
As criações são as obras inéditas criadas pelo surdo em Libras ou na língua portuguesa,
com suas histórias e experiências, tendo a cultura e a experiência do surdo em destaque.
Já as traduções são as obras elaboradas na língua oral que passam a ser disponibilizadas
em Libras sem o conteúdo da mesma seja alterado (MOURÃO, 2012).
Para se definir com mais clareza e de maneira didática a categorização da Literatura
Visual, utiliza-se a ilustração de Peixoto (2020):
Figura 1: Categorização da Literatura Visual

FONTE: Peixoto (2020, p. 44)

Com base na categorização do conceito de Literatura Visual realizada pela autora


Peixoto (2020), escolheu-se para análise duas obras de Literatura Surda escritas em língua
portuguesa, sendo uma adaptada e uma criada por um autor surdo chamado Claudio Mourão:
A Fábula da Arca de Noé e As Luvas Mágicas do Papai Noel. Os textos foram analisados
levando em consideração os oito artefatos culturais do povo surdo elencados por Strobel
(2008) e o nono pontuado por Peixoto (2018).

3. Análise das obras: A Fábula da Arca de


Noé e As Luvas Mágicas do Papai Noel

Para análise das obras do autor surdo Claudio Mourão (A Fábula da Arca de
Noé - 2015 e As Luvas Mágicas do Papai Noel - 2012), foram utilizados os oito artefatos
culturais categorizados pela autora Karin Strobel (2008) em seu livro As Imagens do Outro
Sobre a Cultura Surda, sendo eles: Experiência Visual; Linguístico; Familiar; Literatura
Surda; Vida Social e Esportiva; Artes Visuais; Política e Materiais e o artefato Religioso
acrescentado por Peixoto (2018).

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As obras são escritas em língua portuguesa e possuem uma riqueza de informações
visuais, sendo este um elemento importante para a compreensão da história por parte dos
surdos. Segundo Strobel (2008, p. 39), “o sujeito surdo percebe o mundo através de seus
olhos” e é dessa experiência visual que surge a cultura que é representada através da língua
de sinais. Por isso, as duas obras possuem representações por imagem ou desenhos que
representam sinais na Libras, mesmo registradas e publicadas em língua portuguesa.

3.2.  A fábula da Arca de Noé

A Fábula da Arca de Noé, publicada em 2015, é uma obra bilíngue. Sua versão em
língua portuguesa é acompanhada por um DVD que possui o registro da obra sinalizada
pelo autor surdo Claudio Henrique Nunes Mourão. A fábula tem uma semelhança com a
história bíblica da Arca de Noé, mas com uma sequência de acontecimentos bem diferentes,
já que a Arca narrada na bíblia foi construída para salvar um povo em específico de um
dilúvio e garantir a perpetuação do humano e dos animais.
Por outro lado, a fábula aqui analisada retrata a inauguração de uma grande Arca
que o personagem Capitão Noé e sua família construíram para realizar a exposição de
suas descobertas, pois ele adorava estudar coisas novas. Os visitantes não sabiam do que
se tratava, mas, ao entrar na Arca, foram conhecendo, com ajuda do guia, o que havia em
cada uma de suas salas e na exposição.
Nesse passeio, um dos personagens, o Dado, que era surdo, se perdeu pela Arca,
passou por duas salas de exposição e teve medo dos ossos do dinossauro e do leão. Os seus
pais ficaram muito preocupados com o sumiço do filho e falaram com o Capitão Noé para
procurá-lo. O Capitão Noé encontrou Dado assistindo a uma palestra que tinha como tema
Geração surda: vivacidade evolução, ministrada por um palestrante surdo, acompanhado
de uma intérprete de Libras, cujo tema era a importância da língua de sinais. Logo depois
foi assistir ao jacaré, que era ouvinte, trabalhava em uma escola de surdos e estava falando
sobre a importância das patas e dos olhos na comunicação.
Depois de procurarem Dado por toda Arca, os pais o encontraram e falaram com ele
em língua de sinais. Foi assim que o Capitão Noé entendeu que a Arca não estava preparada
para receber todo mundo, tomando a decisão de fazer da Arca um lugar acessível e criar,
com a ajuda de Dado, uma sala com os artefatos históricos e culturais dos animais surdos.
O primeiro artefato cultural é a Experiência Visual que, segundo Strobel (2008,
p.38), faz os “sujeitos surdos perceberem o mundo de maneira diferente, a qual provoca
reflexões de suas subjetividades”. Na fábula analisada, essa marca cultural fica nítida no
personagem Dado que observava o ambiente para conseguir informações e realizar suas
próprias interpretações, pois ele utiliza a visão para compreender o mundo. Isso ocorre
quando Dado se depara com os ossos dos dinossauros e com o leão.
No campo da Experiência Visual, o toque no ombro de Dado, feito pelo Capitão
Noé, representa, também, a experiência visual do povo surdo, pois na comunicação o
encontro visual é de suma importância. Ainda tratando da Experiência Visual na fábula,
o palestrante convidado, o jacaré, fala sobre a importância dos olhos para comunicação.
Por fim, o Capitão Noé conta com a participação de Dado para transformar a Arca em um

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ambiente acessível e Dado, através da Experiência Visual, insere informações visuais, ou
seja, transforma aquele ambiente a seu favor.
O artefato Linguístico está presente em diversos momentos na fábula. Strobel (2008,
p. 44) afirma que “a língua de sinais é uma das principais marca da identidade de um povo
surdo, pois ela é umas das peculiaridades da cultura surda”. A primeira vez que a língua
de sinais aparece na fábula é na marcação do mapa que se assemelha a uma sala de Libras.
Figura 2: Mapa da Arca

FONTE: Mourão (2014, p. 09)

No momento em que Dado foge da sala do leão, existe uma “marca” de sinalização.
Na imagem das orelhas e da mão de Dado, aparecem aspas para marcar dois aspectos
importantes da língua de sinais: a sinalização acrescida da expressão corporal.
Figura 3: Aspas nas orelhas e mão de Dado

FONTE: Mourão (2014, p. 13)

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A palestra é um dos momentos em que a língua de sinais mais aparece. Inicialmente,
quando o Capitão Noé fala com Dado e ele responde através da língua de sinais, logo
aparece o palestrante sinalizando e o convidando com um quadro na mão, mostrando o
alfabeto manual e falando sobre a importância das patas para a comunicação.
Ainda sobre a cena da palestra, os participantes dialogavam entre si através da
língua de sinais, bem como faziam perguntas aos palestrantes utilizando a língua de sinais.
Um fato muito importante é que Dado estava muito atento à palestra em Libras, o que
confirma a importância do contato da criança surda com surdos adultos. Como propõe
Strobel (2008, p. 45), “é importante que as crianças surdas convivam com pessoas surdas
adultas em quem se identificarem e ter acesso às informações e conhecimentos no seu
cotidiano”. Assim, Dado tinha na palestra uma referência linguística.
A língua de sinais também aparece no momento do encontro dos pais com Dado
e quando o Capitão Noé percebeu a falta de acessibilidade linguística da Arca. Por
fim, o artefato linguístico aparece na placa que marcava o novo “perfil linguístico” da
Arca, inclusive com elementos históricos como a placa contendo o nome de L’Epee que
fundou, no ano de 1750, em Paris, o primeiro Instituto Nacional de “Surdos-mudos”,
reconhecendo a língua de sinais, além de lutar pelos direitos civis dos surdos enquanto
cidadãos (PRATES; PEIXOTO, 2018).
Infere-se aqui que a família de Dado era ouvinte e parte-se desse pressuposto porque,
no momento em que seus pais os encontraram, o pai disse, em língua de sinais, que o ama
e que havia entendido sobre a sala que tratava da língua de sinais. Esse fragmento da obra
faz entender que Dado faz parte de uma família ouvinte e vive o isolamento linguístico
dentro dela. Sobre o artefato cultural Familiar, Strobel (2008, p. 51) diz que “o problema
encontrado para esses sujeitos surdos é a carência de diálogo, com famílias ouvintes”.
O artefato cultural Familiar revela a importância da relação da família ouvinte com
o filho surdo através da língua de sinais, uma vez que é através dessa relação que o surdo
conseguirá construir sua identidade, transmitindo e adquirindo conhecimentos, bem como
expressando, com sua família, suas concepções acerca do mundo.
Ademais, a fábula apresenta o artefato cultural Político que Strobel (2008, p.71)
define como os “diversos movimentos e lutas do povo surdo pelos seus direitos”. Dessa
forma, a presença do intérprete de Libras na palestra da fábula é resultado de todo um
processo de luta política para o reconhecimento da diferença linguística da pessoa surda,
assim como a garantia da acessibilidade do surdo nos espaços sociais.
Ainda sobre o artefato cultural Político, a fábula da Arca de Noé abre espaço para o
contato do surdo com a língua portuguesa escrita (a obra é produzida em português), o que
faz parte da política bilíngue de educação do surdo, válida desde a sanção da Lei 10.436/02
e regulamentada pelo Decreto 5.626/05, que determina o ensino da língua portuguesa como
segunda língua da pessoa surda na modalidade escrita.
Em tempo, vale destacar que a obra possui o artefato cultural Religioso que,
segundo Possebon e Peixoto (2018), é “uma característica inerente do ser humano, o
recorte da religiosidade, que abrange crenças, valores e práticas religiosas produzidas
por sujeitos surdos”. Mesmo que a fábula da Arca de Noé não apresente explicitamente

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elementos próprios de alguma prática religiosa, o leitor precisa ter um conhecimento prévio
acerca da história de Noé narrada na bíblia para alcançar a compreensão clara de alguns
acontecimentos presentes na fábula.

3.3.  As Luvas Mágicas do Papai Noel

Partindo dos artefatos culturais do povo surdos que Strobel (2008, p. 37) define
como “as peculiaridades da cultura surda”, ou seja, aquilo que é construído com base na
experiência do surdo com o mundo, a obra intitulada As Luvas Mágicas do Papai Noel
mostra, logo de início, o artefato cultural Familiar presente na relação entre o pai e o filho.
Aqui não é possível identificar se a família é surda ou ouvinte, mas, pelo acesso tardio de
Dion à língua de sinais, pode-se inferir que sua família era ouvinte. É importante ressaltar,
no entanto, que, à medida que Dion tem contato com a língua de sinais, sua família
também aprende, já o pai leu a história das Luvas Mágicas do Papai Noel para o filho
e fez a tradução sinalizada da obra. Strobel (2008, p. 52) afirma que isso ocorre quando
“um ou outro membro ouvinte de família de filho surdo resolveu se informar e aprofundar
a respeito da cultura surda, procurando se comunicar e passar todas as informações para
a criança surda”. Então, foi Dion que, após aprender a língua de sinais, ensinou ao pai.
Outro artefato cultural presente na obra é o Linguístico que, segundo a autora
Strobel (2008, p. 44), “para o surdo ter acesso às informações e conhecimentos e para
construir sua identidade é fundamental criar uma ligação como o povo surdo em que se
usa a sua língua em comum: a língua de sinais. Em concordância com a fala da autora, a
obra apresenta momentos de interação entre os surdos em língua de sinais e entre surdos
e ouvintes também em língua de sinais.
O encontro entre surdo e ouvinte aconteceu quando o Papai Noel utilizou a língua
de sinais com a ajuda das luvas mágicas para se comunicar com a criança surda, bem como
para aprender a sinalizar. O pai, ao aprender e utilizar a língua de sinais para estabelecer uma
comunicação com o filho, representa o artefato Linguístico, pois favorece o desenvolvimento
da identidade do filho surdo.
O contato entre surdos na obra acontece no momento em que Dion usa a luva para
conversar com seu amigo surdo e quando estão na praça conversando e chega Bruna. Isso
revela, portanto, a importância da interação entre os pares linguísticos para que, através
da língua de sinais, esses sujeitos constituam sua identidade e cultura.
Strobel (2008) afirma que é na relação entre surdos que eles se motivam a valorizar
a sua diferença cultural, construindo a identidade do diferente com orgulho e autoconfiança.
Pode-se perceber que, no momento em que Dion e Bruna usam a luva e começam a
sinalizar, ocorre, imediatamente, a formação e apropriação de uma identidade relacionada
à aquisição da língua.
A obra das Luvas Mágicas do Papai Noel também possui o artefato de Vida Social
e Esportiva, que, segundo Peixoto e Sousa (2018), diz respeito aos momentos que são
compartilhados em grupo nos locais de encontro, ou seja, quando os surdos se reúnem
para conversar e falar de suas emoções. Na obra, Dion passa a luva para Bruna e ela sente

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algo diferente. Com as mãos brilhando, sinaliza “feliz” (assim como os demais surdos que
expressaram felicidade), o que representa o compartilhamento das emoções em grupo.
Figura 4: Crianças aplaudindo

FONTE: Mourão (2012, p. 17)

Na imagem figura 4, é possível identificar que as crianças surdas aplaudiram Bruna


quando ela realizou o sinal de feliz. O sinal que eles utilizaram para a aplaudir, com as mãos
no alto girando e produzindo uma espécie de vibração visual, é resultado da construção de
uma vida social que parte da experiência visual desses sujeitos.
O artefato cultural Político é representado na obra pela presença da língua sinais e
da língua portuguesa, efetivando a conquista bilíngue desses sujeitos como determina os
instrumentos legais. Dessa forma, a obra pode ser utilizada no processo de aquisição das
línguas do surdo, pois irá favorecer a apropriação dos elementos culturais do povo surdo
e o seu contato com a língua portuguesa na modalidade escrita.
Partindo-se do princípio da crença da existência do Papai Noel, tem-se, na obra, o
artefato Religioso, já que ela está atrelada à igreja Católica para representação da bondade
presente no período que faz referência ao nascimento humilde de Jesus Cristo. Por fim,
o artefato cultural Material que, de acordo com Strobel (2008, p. 76), é resultante “da
transformação da natureza pelo trabalho humano, (...) auxilia nas acessibilidades nas
vidas cotidianas de sujeitos surdos”. Na obra, esse artefato é representado pela luva que se
transformou nos aplicativos que ensinam língua de sinais enquanto recurso tecnológico, além
da presença do intérprete de Libras que media a comunicação e promove a acessibilidade
do surdo socialmente.

4. Considerações finais

O presente estudo abordou, com o objetivo de identificar os artefatos culturais


presentes em obras literárias escritas em português, os artefatos culturais do povo surdo

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através da análise de duas Literaturas Surdas escritas pelo autor surdo Claudio Mourão: A
Fábula da Arca de Noé e As Luvas Mágicas do Papai Noel. Compreende-se, então, que
é importante o estudo sobre a Literatura Surda para a relevância que a cultura surda tem
para essa comunidade linguística.
A intenção da pesquisa foi identificar todos os nove artefatos culturais em ambas as
obras, baseando-se nos estudos de Strobel (2008) e Peixoto (2018). No entanto, de acordo
com o estudo, nenhuma das obras analisadas apresenta todos artefatos e isso pode ocorrer
por se tratar de obras infantis que precisam ser mais diretivas, além da grande presença de
imagens ilustrativas para se comunicar diretamente com o texto escrito em língua portuguesa.
Nesse sentido, dos nove, o artefato cultural mais percebido em ambas as obras é o
linguístico, uma vez que, a todo momento, a língua de sinais aparece como um elemento
essencial para a construção identitária e cultural desses sujeitos em seus encontros com pares
linguísticos como a família, de modo a perpassar os outros através do uso da língua de sinais.
Outro artefato presente nas duas Literaturas Surdas analisadas é o familiar, que retoma
um debate sobre a necessidade de a família saber a língua de sinais, e não apenas o surdo, para
que esses possam se comunicar, interagir, expressar sentimentos de forma recíproca, aconselhar,
direcionar e até mesmo transmitir os valores construídos historicamente pela família.
O artefato político foi outro explorado nas duas obras, mesmo que de maneira
indireta, pois não fala sobre os protestos e conquistas históricas, mas como o uso da língua
de sinais, a presença do intérprete de libras e a acessibilidade através das luvas são frutos
de uma história de lutas que culminou no reconhecimento da Libras como língua e do
surdo como diferente.
Este estudo proporciona ratificar que as línguas podem e devem ser adquiridas
pelo surdo, desde que, inicialmente, ele tenha acesso a sua primeira língua para que, após
estabelecida a sua identidade enquanto sujeito de língua diferente, tenha contato com as
Literaturas Visuais (adaptadas, traduzidas e criadas) e consiga aprender a sua segunda
língua, o português na modalidade escrita.

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