Religião e Sentimento de Culpa para Nietzsche
Religião e Sentimento de Culpa para Nietzsche
Religião e Sentimento de Culpa para Nietzsche
com
Epílogo:
“Esse quebrar-se a si mesmo, esse zombar da própria natureza (…), no qual as religiões
deram tanta importância, é na verdade um altíssimo grau de vaidade. Toda a moral do
Sermão da Montanha faz parte disso: o ser humano tem verdadeiro prazer em violentar-se
com exigências exageradas, e depois endeusarem sua alma com esse Algo tirânico e
exigente. Em toda moral ascética o ser humano reza para uma parte de si mesmo como um
Deus, e por isso necessariamente tem de demonizar a outra parte (…)”. – Humano,
demasiado humano; Nietzsche
Uma das principais temáticas abordadas por Friedrich Nietzsche gira em torno da
moral, uma das obsessões do filósofo. Contextualizada em sua análise da gênese
da moral e suas implicações para as culturas, encontramos uma discussão
capaz de ressoar no atual momento de euforia religiosa, sobretudo, a evangélica
que vem crescendo no mundo ocidental: o sentimento de culpa, elemento tão
marcante das religiões, principalmente na versão cristã.
Embora seja difícil traçar um único momento dessa análise por parte de Nietzsche,
já que o mesmo está sempre retomando os temas em suas obras, podemos
encontrar sua exposição sobre a origem do sentimento de culpa e suas implicações
para a humanidade em “Humano, demasiado humano” e “Aurora”, obras escritas
no período de 1878 a 1881.
Esse ponto de vista não significa que o a religiosidade seja destruída, apenas limita
o poder dos sacerdotes e da instituição Igreja; a principal sustância, que se trata da
crença em um destino futuro, permanece fortemente cristalizada no ideário
religioso.
Para Nietzsche o cristianismo é originalmente uma religião que encontrou solo fértil
no meio de pessoas que viviam na miséria e na opressão, uma religião pobre em
auto-estima. Os homens foram banhados na lama com os ideais cristãos, no
entanto, apenas essa constatação não deixou Nietzsche satisfeito quanto à origem
do sentimento de culpa.
Outras três causas são apontadas pelo filósofo. Uma delas é o esfacelamento da
cultura romana que já demonstrava desgastes frente às invasões bárbaras e a
presença de outras culturas que minavam o poder romano. Aqui o sentimento de
culpa pode ter funcionado como um “excitante” ou “droga” para que os homens
dessa época buscassem uma redenção divina. Neste momento batia à porta o
cristianismo, oferecendo aos homens um novo encanto para a vida, uma
possibilidade de converter todos os males de uma cultura envelhecida em uma
redenção que cintila no futuro – a vida na eternidade.
Uma segunda causa Nietzsche vai buscar na psicologia dos homens considerados
santos, mártires e ascetas. Nesses homens cresce um vigoroso sentimento
religioso. Eles combatem com ímpeto o próprio corpo, os desejos, os pensamentos
e os impulsos; consideram-se baixos e vulgares sendo necessário, para não
perecer, estar sempre buscando a “purificação”. Porém, Nietzsche nos aponta que,
embora possam parecer homens “humildes’, eles são a miséria e a glória, a
fraqueza e o poder. Isso porque o homem, segundo o filósofo, é capaz de olhar para
si e ver uma natureza de encantamento e ao mesmo tempo obscura, misteriosa e
perigosa.
Como conseqüência e última causa, Nietzsche aponta que o “’ser humano ama algo
em si, um pensamento, um desejo, um produto, mais do que outra coisa em si, que
portanto ele dilacera sua natureza e sacrifica uma parte dela pela outra (…)”. Nesse
sentido, o santo, o mártir e o asceta encontram o triunfo no rebaixamento que
oculta uma humilhação carregada de orgulho.
Publicado originalmente em www.eternoretorno.com
Um olhar mais atento na realidade atual pode nos mostrar que os prazeres e os
desprazeres da vida mudaram, no entanto, a essência do sentimento de culpa, isto
é, sua capacidade de mutilar a vida e a alegria do aqui-e-agora em detrimento de
uma vida eterna, continuam vingando, fazendo vítimas e sepultando pessoas.
Vemos isso com freqüência em nossa sociedade predominantemente religiosa: o
desejo sexual reprimido retornando em forma de neuroses; a violência contra a
mulher e as crianças; os sacrifícios de animais que lamentavelmente ainda são
praticados como forma de redenção; a culpabilização do corpo e da vida material
enquanto algozes da moral cristã, etc. – Além da terrível e brutal esterilização de
pensamentos questionadores dos dogmas, implicando em autopunições danosas ao
fiel que “ousar” se perguntar quanto à veracidade de seus valores. As formas que o
sacrifício e a flagelação podem assumir irão variar de acordo com os graus de fé e
submissão.
Referências: