A Ética Na Magistratura

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A ÉTICA NA MAGISTRATURA: PONDERAÇÕES

SOBRE NORMAS E CIRCUNSTÂNCIAS QUE


INTERFEREM NA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL1

Luiz Henrique Sormani Barbugiani2

INTRODUÇÃO

a
s questões que permeiam a ética na Magistratu-
ra são eminentemente variadas, uma vez que
inúmeros fatores interferem na conduta a ser
implementada por um juiz, no exercício pleno e
efetivo da prestação jurisdicional, aplicando a
norma posta ao caso concreto, no intuito de pacificar as
demandas sociais.
Esse breve estudo pretende apresentar um panorama
geral sobre esse assunto, traçando comentários sobre a ética e a
moral, códigos de ética, normas constitucionais e infraconstitu-
cionais de direcionamento ético na Magistratura, Conselho
Nacional de Justiça, Deontologia na Magistratura, circunstân-
cias que afligem a Magistratura e, mais especificamente, a Jus-
tiça do Trabalho para, ao final, apresentar uma perspectiva do
que se espera do juiz contemporâneo.

1. ÉTICA E MORAL
1
Texto base utilizado para palestra proferida no dia 16 de abril de 2014, no VII
Congresso Brasileiro de Direito Social, realizado na cidade de São Paulo pelo
Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior, sob a coordenação da
Professora Doutora Marly Cardone.
2
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-
graduado lato sensu em Direito Processual Civil, Direito Material e Processual do
Trabalho, Saúde Pública e Direito Sanitário. Membro Pesquisador do Instituto
Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior, Seção brasileira da "Société
Internationale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale".

Ano 3 (2014), nº 8, 5429-5476 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567


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A Ética e a Moral são conceitos que se entrelaçam e


apresentam conteúdos plúrimos, com diversas acepções, o que
os aproximam dos conceitos vagos, típicos de algumas normas
jurídicas.
Os conceitos vagos ou indeterminados autorizam uma
diversidade de compreensão, possibilitando um “maior campo
de atuação do aplicador do Direito”,3 justamente pela viabili-
dade da construção de interpretações por meio dos variados
sentidos do termo.
Essa multiplicidade de sentidos atinge a concepção de
ética e moral, motivo pelo qual o pleno entendimento desses
conceitos é um trabalho árduo e, na maioria das vezes, inatin-
gível.
José Renato Nalini concebe que “ética é uma das pala-
vras mais pronunciadas em todos os discursos, por encarnar o
ideal de uma restauração de costumes e de valores”. 4
Apesar dessas dificuldades decorrentes da cultura e das
influências étnicas, religiosas, sociais, econômicas e políticas
de cada um, que interferem na concepção apreendida dos ter-
mos, há um sentido comum que pode ser trabalhado pela dou-
trina.
A Moral tem sua origem no termo latino “moralis”, apre-
senta uma conotação mais ampla do que a ciência do Direito,
impondo ao ser humano deveres que, muitas vezes, não se inse-
rem no ordenamento jurídico como obrigações, mas decorrem
dos costumes sedimentados na sociedade, o que sob o aspecto
substantivo representa mais precisamente “a parte da filosofia
que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e vir-
tuoso, segundo os ditames da consciência e os princípios da

3
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e
Priscila Pereira Vasques Gomes. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 328.
4
NALINI, José Renato. Ética no terceiro milênio. Cadernos Jurídicos. Escola
Paulista da Magistratura. São Paulo. v.2. n.3. p.121-6. jan./fev. 2001. p. 121.
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humanidade.”5 A palavra moral também se origina de “mores”


do latim.6
A Moral apresenta ainda um aspecto adjetivo relacionado
à qualificação de atos referentes a ideia da moral cultuada no
meio social.7
A Ética relaciona-se com a Moral na medida em que ela é
reputada como a “ciência da moral”, tendo origem no designa-
tivo latino “ethicu” e no termo grego “ethicos”8 ou, ainda,
“ethos”.9
A expressão “ética profissional” envolve a compreensão
de que se trata de um “complexo de normas estabelecidas pelos
usos e costumes” em que há a representação da “soma de deve-
res”, que direciona “a norma de conduta do profissional no
desempenho de suas atividades e em suas relações com o clien-
te e todas as demais pessoas com quem possa ter trato”.10
Esses conceitos direta e indiretamente relacionam-se com
a concepção de “consciência psicológica” e “consciência
moral”, em que a primeira é “uma simples testemunha que
observa o que é” e a segunda “uma ‘voz’ interior que prescreve
o que se deve fazer”.11
A consciência, em si, sob o aspecto moral, depende de
um paradigma, a fim de possibilitar que haja juízo de reprova-

5
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e
Priscila Pereira Vasques Gomes. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 929.
6
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Ética na Magistratura. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.14. p.52-9. 2001. p. 53.
7
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e
Priscila Pereira Vasques Gomes. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 929.
8
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e
Priscila Pereira Vasques Gomes. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 571.
9
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Ética na Magistratura. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.14. p.52-9. 2001. p. 53.
10
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e
Priscila Pereira Vasques Gomes. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 571.
11
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
abr. 1997. p. 471.
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ção ou aprovação sobre determinada conduta,12 motivo pelo


qual a educação e os exemplos dados no meio social represen-
tam um elemento importante nessa análise.
O Desembargador André Nabarrete entende por ética “a
conduta adequada à realização de valores tidos importantes por
um grupo ou sociedade, num determinado espaço e época his-
tórica”.13
A ética somente pode ser ponderada num ambiente social
sem pressões externas e internas que aniquilem a vontade livre
e consciente do indivíduo, visto que o sentimento ético não
pode ser artificial, apesar de poder ser direcionado pelos valo-
res vigentes na sociedade.
André Nabarrete esclarece que “a conduta ética esperada
é aquela livre, voluntária e consciente. Se é imposta, obrigató-
ria ou inconsciente , não se pode falar em ética”, concluindo
ainda em suas ponderações que não há ato ético quando deri-
vado de coação psicológica ou física.14
Há uma distinção comumente estabelecida entre ética
pessoal, de grupo e profissional, sendo a primeira atinente aos
valores e à moral do indivíduo, moldada pelas experiências e
estudos da pessoa ou cunhadas em seu caráter pelas pressões
sociais do grupo a que pertence.15
A ética de grupo não se confunde com a ética individual
e fica difícil, a priori, de estabelecer, quando há conflito entre
elas, qual a mais adequada, salvo na análise do caso concreto,
segundo parâmetros morais aceitáveis para a situação viven-

12
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Ética na Magistratura. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.14. p.52-9. 2001. p. 53.
13
NABARRETE, André. Ética da magistratura. Revista do Tribunal Regional
Federal. 3ª Região. São Paulo. n.36. p.57-60. out./dez. 1998. p. 57.
14
NABARRETE, André. Ética da magistratura. Revista do Tribunal Regional
Federal. 3ª Região. São Paulo. n.36. p.57-60. out./dez. 1998. P . 57.
15
Disponível em
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:jToDCfRI-
6AJ:www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/mundo/rover/c5.htm+&cd=4&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br acesso em 23.03.2014.
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ciada, podendo ser casuisticamente mais aprimorada ou defi-


ciente.16
A ética profissional acaba por regular a forma de agir dos
indivíduos que exercem uma específica profissão ou atividade,
com alguma uniformidade, independentemente dos países e
locais em que elas são desenvolvidas.17

2. CÓDIGOS DE ÉTICA

O eminente Ministro Sidnei Beneti, em palestra sobre o


Código de Ética na Magistratura, na Escola Judicial do Tribu-
nal Regional do Trabalho da 15ª Região, externou que:
“A ética é, essencialmente, a prática da virtude do
bem, intrínseca à atividade jurisdicional, sintetiza o ministro.
Se a jurisdição não primar pela ética, não será jurisdição, mas
sim uma deturpação da jurisdição, um arremedo de
jurisdição.”18
Assim, se ao dizer o direito no caso concreto como
exercício da jurisdição deve alcançar o bem comum como
objetivo principal, naturalmente que se justifica a edição de
Códigos de Ética nessa seara.
O Ministro Sidnei Beneti, ao relatar sobre os diversos
Códigos de Ética da Magistratura em vigor, consignou que o
surgimento dessa preocupação remonta ao ano de 1920, com
poucos princípios nos Estados Unidos. Num momento

16
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http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:jToDCfRI-
6AJ:www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/mundo/rover/c5.htm+&cd=4&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br acesso em 23.03.2014.
17
Disponível em
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:jToDCfRI-
6AJ:www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/mundo/rover/c5.htm+&cd=4&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br acesso em 23.03.2014.
18
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Em palestra na Escola Judicial da
15ª, ministro Sidnei Beneti fala sobre ética na Magistratura. Disponível em:
<http://trt-15.jusbrasil.com.br/noticias/3108263/em-palestra-na-escola-judicial-da-
15-ministro-sidnei-beneti-fala-sobre-etica-na-magistratura>. Acesso em 23.03.2014.
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seguinte, internacionalizaram-se as disposições, ganhando


corpo mais avantajado na Organização das Nações Unidas,
como, por exemplo, “os princípios de conduta judicial de
Bangalore”, elaborado na Índia e chancelado em Haia, no ano
de 2002. A União Internacional de Magistrados, na Ilha de
Formosa, confeccionou o Estatuto Universal do Juiz e, em
2008, no Brasil, o Conselho Nacional de Justiça editou o
Código de Ética da Magistratura Nacional.19
O renomado jurista Sidnei Beneti esclarece que, apesar
dos enunciados genéricos e abstratos dessas normas, “quem é
ético é e age como tal”, não necessitando de um código para
determinar sua conduta, pois isso, decorre do “íntimo de
qualquer pessoa”.20
Exemplos da independência da ética em relação a sua
enunciação em um código específico direcionado ao Poder
Judiciário é a situação vivenciada em determinado período
histórico no Uruguai e na Venezuela.
No Uruguai, a magistrada Jacinta Balbela de Delgue, em
artigo publicado, no ano de 1990, ressaltava que, nos países
que possuem um código de ética, os níveis de corrupção dos
juízes são maiores do que no mencionado país, não
identificando, na época, a necessidade de uma positivação
dessas regras de conduta.21
Na Venezuela, em 1979, foi instituído o Conselho da
Judicatura, órgão independente e apartado da hierarquia

19
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Em palestra na Escola Judicial da
15ª, ministro Sidnei Beneti fala sobre ética na Magistratura. Disponível em:
<http://trt-15.jusbrasil.com.br/noticias/3108263/em-palestra-na-escola-judicial-da-
15-ministro-sidnei-beneti-fala-sobre-etica-na-magistratura>. Acesso em 23.03.2014.
20
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Em palestra na Escola Judicial da
15ª, ministro Sidnei Beneti fala sobre ética na Magistratura. Disponível em:
<http://trt-15.jusbrasil.com.br/noticias/3108263/em-palestra-na-escola-judicial-da-
15-ministro-sidnei-beneti-fala-sobre-etica-na-magistratura>. Acesso em 23.03.2014.
21
BALBELA DE DELGUE, Jacinta. Etica del Magistrado. Revista de la Facultad
de Derecho y Ciencias Sociales. Montevideo. v.31. n.33-4. p.101-9. jul./dic. 1990. p.
102.
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judicial, a fim de corrigir os problemas de corrupção


identificados no país, entretanto, em pouco tempo, identificou-
se uma aumento dos casos que se pretendia coibir, ensejando a
ponderação de sua extinção, pois “lo cierto es que las
denuncias contra los jueces amigos nunca llegan a
procesarse”.22
Em 1989, na cidade de São Jose da Costa Rica, a
Assembleia Legislativa notificou à Corte Suprema de Justiça,
solicitando a renúncia de três magistrados componentes do
mencionado órgão, devido ao envolvimento com o tráfico de
drogas.23
Alguns adágios demonstram a fragilidade ética do exer-
cício profissional dos juristas, como: “é melhor um mau acordo
do que uma boa demanda”, “a polícia prende mas o juiz solta o
infrator” ou, em países como os EUA, “precisamos de covei-
ros, precisamos de lixeiros e, infelizmente, precisamos de
advogados”.24

3. NORMAS DE DIRECIONAMENTO ÉTICO NA


MAGISTRATURA

Apesar da inexistência de uma obrigação à edição de


Códigos de Ética, percebe-se que há uma sedimentação de
valores na sociedade e, no caso específico da magistratura, no
seio do Poder Judiciário, que embasam essas codificações.
Essa constatação é facilmente verificada pela semelhança
dos preceitos éticos defendidos pelos doutrinadores, constantes
22
BALBELA DE DELGUE, Jacinta. Etica del Magistrado. Revista de la Facultad
de Derecho y Ciencias Sociales. Montevideo. v.31. n.33-4. p.101-9. jul./dic. 1990. p.
108.
23
BALBELA DE DELGUE, Jacinta. Etica del Magistrado. Revista de la Facultad
de Derecho y Ciencias Sociales. Montevideo. v.31. n.33-4. p.101-9. jul./dic. 1990. p.
109.
24
NALINI, Jose Renato. A crise do Direito e o resgate da ética. LEX:
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. São
Paulo. v.11. n.113. p.9-18. jan. 1999. p. 9.
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nos códigos de ética editados e permeados em diversos


dispositivos legais, constitucionais e internacionais sobre o
tema.
Para o Ministro Sidnei Beneti, os juízes devem
obediência a determinadas “virtudes éticas” de caráter
universal, destacando a discrição, serenidade, confiabilidade,
educação, presteza, pontualidade, a “capacidade de ouvir o
outro”, domínio da linguagem, cultura, “apresentação pessoal”,
“boa imagem” compreendendo a “sobriedade pública” e a
“positividade familiar”.25
Na prestação jurisdicional em si, segundo Sidnei Beneti,
deve-se objetivar a imparcialidade, com coerência e ausência
de contradição, a não antecipação de seu posicionamento
jurídico e a recusa a qualquer tipo de presente.26
O magistrado deve prezar pela imparcialidade também na
seara política, no intuito de não personificar na atividade juris-
dicional uma determinada corrente política em detrimento dos
ideais de justiça, que devem permear suas funções.27
O que o ser humano realmente faz identifica o que ele
essencialmente é e não o que ele diz que fará ou fez, pois “a
autoridade espiritual e a credibilidade se estabelecem quando
guardam coerência a conduta e o discurso do agente”.28
Os defeitos e as qualidades dos indivíduos em si não
interferem diretamente com a ética que se relaciona com o tra-

25
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Em palestra na Escola Judicial da
15ª, ministro Sidnei Beneti fala sobre ética na Magistratura. Disponível em:
<http://trt-15.jusbrasil.com.br/noticias/3108263/em-palestra-na-escola-judicial-da-
15-ministro-sidnei-beneti-fala-sobre-etica-na-magistratura>. Acesso em 23.03.2014.
26
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Em palestra na Escola Judicial da
15ª, ministro Sidnei Beneti fala sobre ética na Magistratura. Disponível em:
<http://trt-15.jusbrasil.com.br/noticias/3108263/em-palestra-na-escola-judicial-da-
15-ministro-sidnei-beneti-fala-sobre-etica-na-magistratura>. Acesso em 23.03.2014.
27
NABARRETE, André. Ética da magistratura. Revista do Tribunal Regional
Federal. 3ª Região. São Paulo. n.36. p.57-60. out./dez. 1998. p. 60.
28
NABARRETE, André. Ética da magistratura. Revista do Tribunal Regional
Federal. 3ª Região. São Paulo. n.36. p.57-60. out./dez. 1998. p. 60.
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tamento dado aos demais seres humanos pelo indivíduo,29 ape-


sar de poder atenuar ou acentuar condutas éticas ou não éticas,
pois, muitas vezes, a ética essencialmente restringe-se não ao
que se fez, mas sim à forma pela qual o ato foi efetivado.

3.1. NORMAS CONSTITUCIONAIS

Alguns preceitos éticos podem ser extraídos das normas


constitucionais e irradiam para o exercício da prestação jurisdi-
cional.
Jose Renato Nalini reconhece nos critérios de promoção
por merecimento, previstos no texto constitucional, um verda-
deiro código de ética dos magistrados, na medida em que os
juízes, na presteza, devem ser mais rápidos em seus julgamen-
tos, sem retardo injustificado na aplicação do direito; na segu-
rança com a “adequada apreensão da causa”, devidamente fun-
damentada e proveniente de constante aprimoramento não só
jurídico como também metajurídico, no intuito de transformar
“a criatura mais humana, em lugar de apenas mais erudita”.30
Para André Nabarrete os critérios de promoção dos juízes
por merecimento não se identificam plenamente com a ética na
prestação jurisdicional, pois a presteza (celeridade), a seguran-
ça (equilíbrio psíquico) e a qualidade do conhecimento (fre-
quência a cursos), independe da ética, visto que “a conduta
ética refere-se ao homem”.31
Curiosamente, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004,
alterou a disposição constitucional presente no artigo 93, II,
“c”, da Constituição Federal, modificando a forma de aferição
do merecimento dos magistrados para fins de promoção, man-

29
NABARRETE, André. Ética da magistratura. Revista do Tribunal Regional
Federal. 3ª Região. São Paulo. n.36. p.57-60. out./dez. 1998. p. 58.
30
NALINI, Jose Renato. A ética e a Magistratura do Trabalho. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15a. Região. Campinas. n.9. p.9-16. 1997. p. 12-13.
31
NABARRETE, André. Ética da magistratura. Revista do Tribunal Regional
Federal. 3ª Região. São Paulo. n.36. p.57-60. out./dez. 1998. p. 58-59.
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tendo a frequência e aproveitamento em cursos de aperfeiçoa-


mento e a presteza no exercício da jurisdição, mas substituiu a
“segurança” anteriormente exigida pela medição do desempe-
nho por critérios objetivos de produtividade.
Pondero que a alteração veio em prejuízo da prestação
jurisdicional por diversos motivos:
a) A produtividade implica na presteza que já se
encontrava como critério de aferição do
merecimento;
b) A ciência jurídica demanda subjetivismos que não
podem ser aferidos singelamente por critérios
objetivos meramente quantitativos e não
qualitativos;
c) A alteração possibilitou a estipulação de metas para
os Tribunais e juízes, que se circunscreve ao
aumento de casos julgados;
d) A pacificação social é atingida pela prestação
jurisdicional justa e num tempo razoável, a solução
rápida nem sempre é a melhor e, muitas vezes, a
causa demanda depuração que, por sua vez, exige
tempo de estudo pelo magistrado;
e) A prestação de um serviço tão complexo como o
jurisdicional não se mede por metas de
produtividade quantitativa, como ocorre na linha de
montagem de uma fábrica em que o produto final é
previamente definido e todas as etapas imutáveis;
f) O fim da atividade judicial é dizer o direito ao caso
concreto e não terminar o processo, subvertendo e
desconsiderando o objetivo principal do Poder
Judiciário;
Na realidade, a alteração nos critérios de aferição do
merecimento nas promoções dos magistrados enseja violação a
outros preceitos jurídicos, como do juiz natural, em que asses-
sores e assistentes acabam julgando enquanto ao magistrado
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cabe apenas o papel de assinar a sentença, em prol da manuten-


ção da produtividade.32 Nesse caso, percebe-se que apenas há
autorização para delegação aos servidores praticarem atos de
mero expediente, sem caráter decisório ou de conotação admi-
nistrativa.
Além disso, não se pode apenas transportar métodos e
metas da iniciativa privada sem adequá-las à realidade do ser-
viço público. A situação ainda piora na medida em que, mesmo
no âmbito privado, as metas de produtividade na prestação de
serviços devem primar pela qualidade e não pela quantidade,
sob pena de inviabilizar a atividade econômica na migração
dos consumidores para entidades que executem a atividade de
maneira mais adequada e zelosa.
A questão da produtividade de serviços é tão complexa e
nefasta que não há um indivíduo que não tenha recebido liga-
ções de gerentes de instituições bancárias, solicitando investi-
mentos, aquisição de seguros, planos de saúde, previdência
complementar, entre tantos outros serviços dispensáveis ao
cidadão, com o único fim de atingir a meta estipulada pela
empresa. Para isso não deixam de omitir a verdade ou mesmo
contar falácias, no intuito de convencer o aceite e a contrata-
ção.
Assim, a alteração implementada no texto constitucional
e o uso de elementos quantitativos para a constatação do mere-
cimento na promoção dos magistrados deveria ser repensado e,
no mínimo espaço de tempo, extirpado de nosso ordenamento
jurídico, pois a necessidade de fundamentação de todas as deci-
sões, sob pena de nulidade impede a atuação temerária e de
índole meramente quantitativa.
Nos artigos 93 e 95 da Constituição Federal encontram-
se diversas disposições que podem ser entendidas como precei-
32
Ao terem que cumprir metas, ainda que não o desejem, os próprios magistrados
são impelidos a se submeterem ao que o seu assessor direito concluiu na análise do
processo, diante da total ausência de tempo para ele mesmo possa aprofundar-se no
assunto.
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tos éticos em prol da prestação jurisdicional de qualidade, mui-


tos deles inseridos ou alterados pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004.
Cite-se:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo
Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
observados os seguintes princípios:
I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz
substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com
a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas
as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três
anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à
ordem de classificação; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
II - promoção de entrância para entrância,
alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as
seguintes normas:
a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três
vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de
merecimento;
b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos
de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a
primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se
não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;
c) aferição do merecimento conforme o desempenho e
pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no
exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em
cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente
poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de
dois terços de seus membros, conforme procedimento
próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até
fixar-se a indicação; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
e) não será promovido o juiz que, injustificadamente,
retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo
devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão;
(Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por
antigüidade e merecimento, alternadamente, apurados na
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5441

última ou única entrância; (Redação dada pela Emenda


Constitucional nº 45, de 2004)
IV previsão de cursos oficiais de preparação,
aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo
etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação
em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de
formação e aperfeiçoamento de magistrados; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)
VII o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo
autorização do tribunal; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria
do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão
por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do
Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VIII -A a remoção a pedido ou a permuta de
magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que
couber, ao disposto nas alíneas a , b , c e e do inciso II;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou
somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à
intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
X as decisões administrativas dos tribunais serão
motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares
tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)
XII a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo
vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau,
funcionando, nos dias em que não houver expediente forense
normal, juízes em plantão permanente; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será
proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva
5442 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

população; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de


2004)
XIV os servidores receberão delegação para a prática
de atos de administração e atos de mero expediente sem
caráter decisório; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004)
XV a distribuição de processos será imediata, em
todos os graus de jurisdição. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
(...)
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será
adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do
cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz
estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial
transitada em julgado;
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse
público, na forma do art. 93, VIII;
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto
nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo
ou função, salvo uma de magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou
participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou
contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou
privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se
afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo
por aposentadoria ou exoneração. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
Ainda que não se refira o texto constitucional a preceitos
de ética profissional, as disposições em comento preocupam-se
direta ou indiretamente com a eficiência e a qualidade do exer-
cício da Jurisdição, com as ressalvas acima já delineadas.
A Lei Fundamental da República determina a criação do
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5443

Estatuto da Magistratura por lei complementar, no intuito de


demonstrar uma maior representatividade do Congresso Nacio-
nal na edição da norma que necessita de quórum qualificado e,
ao mesmo tempo, dificultar, após a sua promulgação, altera-
ções por maioria simples, protegendo de certa forma a estabili-
dade das normas que devem regular uma atividade tão essen-
cial quanto a executada pelo Poder Judiciário.
O ingresso na Magistratura deve se dar por concurso
público de provas e títulos, o que visa à seleção dos melhores
candidatos.
A exigência de três anos de experiência jurídica inserida
posteriormente no texto objetivou possibilitar o acesso a carrei-
ra de pessoas mais gabaritadas e com conhecimento jurídico e
social aprimorado na militância da profissão de Advogado,
contudo, a interpretação benéfica da “atividade jurídica” tem
permitido a burla ao fim principal da norma, na medida em que
não se admite apenas tempo de Advocacia efetiva, mas também
pós-graduação na área jurídica, entre outras coisas.
Os cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e
promoção, bem como para o vitaliciamente dos juízes e o sur-
gimento da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento
de Magistrados demonstram a preocupação na manutenção do
aprimoramento jurídicos dos responsáveis pela atividade judi-
cial de solucionar conflitos e pacificar a sociedade.
A própria determinação de residência na comarca, excep-
cionada apenas por autorização do Tribunal, demonstra a preo-
cupação do magistrado aproximar-se da sociedade, a fim de
melhor julgar as causas que permeiam aquele ambiente social,
fator temperado pela implementação do processo eletrônico e o
fenômeno da globalização com o acesso à informação facilita-
do.
Como a atividade é essencial para a sociedade deve ser
ininterrupta com regime de plantão permanente nos dias em
que não haja expediente forense.
5444 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

A exigência de juízes em número proporcional à popula-


ção e à demanda judicial é adequada, mas como a assunção ao
cargo depende de uma série de questões, desde orçamento sufi-
ciente até a aprovação dos candidatos nas provas, tal estipula-
ção resta prejudicada por fatores externos.
A publicidade dos atos judiciais com a ponderação do
interesse público à informação e à salvaguarda do direito à
intimidade e ao sigilo visa à transparência da atividade em
defesa da sociedade e dos próprios magistrados e das partes em
litígio, da mesma forma que a publicidade das decisões admi-
nistrativas e disciplinares (incluindo as remoções, a disponibi-
lidade e a aposentadoria por interesse público), sendo estas
últimas tomadas por maioria absoluta dos membros do Tribu-
nal ou do Conselho Nacional de Justiça
As prerrogativas concedidas aos magistrados visam ao
adequado exercício de suas funções, não podendo ser identifi-
cados como privilégios, pois consagram garantias, como a irre-
dutibilidade de remuneração, inamovibilidade e vitaliciedade,
almejando a independência e imparcialidade dos juízes ao pro-
tegê-los no exercício da atividade de dizer o direito no caso
concreto, o que pode, muitas vezes, desagradar pessoas com
influências políticas e econômicas suficientes para interferir na
prestação jurisdicional.33
Essas prerrogativas e as vedações de exercerem outros
cargos e funções, salvo uma de magistério; promoverem ativi-
dades político-partidária; perceberem auxílios ou contribuições
de terceiros ou participação em custas ou nas causas julgadas e,
por último, o período de quarentena de três anos para o exercí-
cio da advocacia, almejam a manutenção dos preceitos éticos
inerentes à atividade jurisdicional.

33
LAZZARINI, Álvaro. Deontologia da Magistratura: o juiz, suas atribuições
funcionais, seus compromissos éticos. A Forca Policial. São Paulo. n.17. p.43-65.
jan./mar. 1998. p. 62.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5445

3.2. LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA

A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº


35 de 1979) possui diversas disposições que podem ser consi-
deradas como preceitos de ética profissional, em especial os
artigos 26, 35 e 36 do mencionado diploma:
Art. 26 - O magistrado vitalício somente perderá o
cargo (vetado):
I - em ação penal por crime comum ou de responsabi-
lidade;
II - em procedimento administrativo para a perda do
cargo nas hipóteses seguintes:
a) exercício, ainda que em disponibilidade, de qual-
quer outra função, salvo um cargo de magistério superior,
público ou particular;
b) recebimento, a qualquer título e sob qualquer pre-
texto, de percentagens ou custas nos processos sujeitos a seu
despacho e julgamento;
c) exercício de atividade politico-partidária.
§ 1º - O exercício de cargo de magistério superior,
público ou particular, somente será permitido se houver corre-
lação de matérias e compatibilidade de horários, vedado, em
qualquer hipótese, o desempenho de função de direção admi-
nistrativa ou técnica de estabelecimento de ensino.
§ 2º - Não se considera exercício do cargo o desempe-
nho de função docente em curso oficial de preparação para
judicatura ou aperfeiçoamento de magistrados
Art. 35 - São deveres do magistrado:
I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, sere-
nidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;
II - não exceder injustificadamente os prazos para sen-
tenciar ou despachar;
III - determinar as providências necessárias para que
os atos processuais se realizem nos prazos legais;
IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do
Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcio-
nários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem,
a qualquer momento, quanto se trate de providência que
reclame e possibilite solução de urgência.
V - residir na sede da Comarca salvo autorização do
5446 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

órgão disciplinar a que estiver subordinado;


VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o
expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente
antes de seu término;
VIl - exercer assídua fiscalização sobre os subordina-
dos, especialmente no que se refere à cobrança de custas e
emolumentos, embora não haja reclamação das partes;
VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e
particular.
Art. 36 - É vedado ao magistrado:
I - exercer o comércio ou participar de sociedade
comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionis-
ta ou quotista;
II - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade
civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finali-
dade, salvo de associação de classe, e sem remuneração;
III - manifestar, por qualquer meio de comunicação,
opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de
outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sen-
tenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em
obras técnicas ou no exercício do magistério.
Parágrafo único - (Vetado.)

3.3. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Não é só a Lei Orgânica da Magistratura que estipula


regras de conduta aos juízes, podendo extrair-se alguns
preceitos do Código de Processo Civil, no capítulo destinado
ao magistrado.
CAPÍTULO IV
DO JUIZ
Seção I
Dos Poderes, dos Deveres e da responsabilidade do
Juiz
Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as
disposições deste Código, competindo-lhe:
I - assegurar às partes igualdade de tratamento;
II - velar pela rápida solução do litígio;
III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à
dignidade da Justiça;
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5447

IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.


(Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou
despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No
julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não
as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos
princípios gerais de direito. (Redação dada pela Lei nº 5.925,
de 1º.10.1973)
Art. 127. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos
previstos em lei.
Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi
proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não
suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.
Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da
causa, de que autor e réu se serviram do processo para
praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz
proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.
Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento
da parte, determinar as provas necessárias à instrução do
processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente
protelatórias.
Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova,
atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos,
ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na
sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a
audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado,
licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou
aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
(Redação dada pela Lei nº 8.637, de 31.3.1993)
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que
proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar
repetir as provas já produzidas. (Incluído pela Lei nº 8.637, de
31.3.1993)
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz,
quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou
fraude;
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo,
providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da
5448 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as
hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por
intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a
providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez)
dias.
Seção II
Dos Impedimentos e da Suspeição
Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no
processo contencioso ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte,
oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério
Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição,
tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado
da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu,
consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até
o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim,
de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o
terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração
de pessoa jurídica, parte na causa.
Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só
se verifica quando o advogado já estava exercendo o
patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear
no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de
parcialidade do juiz, quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das
partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz,
de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na
colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de
alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o
processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da
causa, ou subministrar meios para atender às despesas do
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5449

litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de
uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se
suspeito por motivo íntimo.
Art. 136. Quando dois ou mais juízes forem parentes,
consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na
linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal,
impede que o outro participe do julgamento; caso em que o
segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto
legal.
Art. 137. Aplicam-se os motivos de impedimento e
suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que violar o
dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser
recusado por qualquer das partes (art. 304).
Art. 138. Aplicam-se também os motivos de
impedimento e de suspeição:
I - ao órgão do Ministério Público, quando não for
parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art.
135;
II - ao serventuário de justiça;
III - ao perito; (Redação dada pela Lei nº 8.455, de
24.8.1992)
IV - ao intérprete.
§ 1o A parte interessada deverá argüir o impedimento
ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente
instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar
nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e
sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5
(cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando
o pedido.
§ 2o Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar
o incidente.

4. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

O Conselho Nacional de Justiça, criado e inserido pela


Emenda Constitucional nº 45 de 2004, em nossa Constituição,
foi objeto de pequenas alterações pela Emenda Constitucional
nº 61, de 2009, tendo surgido como uma satisfação à sociedade
5450 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

na implementação de um controle mais efetivo e transparente


dos órgãos do Poder Judiciário.
A composição e as respectivas atribuições e responsabili-
dades do Conselho Nacional de Justiça foram discriminadas no
artigo 103-B da Lei Fundamental:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-
se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos,
admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal; (Reda-
ção dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça,
indicado pelo respectivo tribunal; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho,
indicado pelo respectivo tribunal; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
IV - um desembargador de Tribunal de Justiça,
indicado pelo Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal
Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado
pelo Superior Tribunal de Justiça; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal
de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho,
indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal
Superior do Trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 45, de 2004)
X - um membro do Ministério Público da União,
indicado pelo Procurador-Geral da República; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
XI um membro do Ministério Público estadual,
escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5451

nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição


estadual; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e
reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e
outro pelo Senado Federal. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
§ 1º O Conselho será presidido pelo Presidente do
Supremo Tribunal Federal e, nas suas ausências e impedimen-
tos, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, d e 2009)
§ 2º Os demais membros do Conselho serão nomeados
pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha
pela maioria absoluta do Senado Federal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 61, de 2009)
§ 3º Não efetuadas, no prazo legal, as indicações
previstas neste artigo, caberá a escolha ao Supremo Tribunal
Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário e do
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe,
além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo
Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo
cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir
atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou
recomendar providências; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de
ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos
administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder
Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo
para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal
de Contas da União; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)
5452 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

III - receber e conhecer das reclamações contra


membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus
serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de
serviços notariais e de registro que atuem por delegação do
poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência
disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar
processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a
disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou
proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras
sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IV - representar ao Ministério Público, no caso de
crime contra a administração pública ou de abuso de
autoridade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os
processos disciplinares de juízes e membros de tribunais
julgados há menos de um ano; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre
processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação,
nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VII - elaborar relatório anual, propondo as
providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder
Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve
integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal
Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da
abertura da sessão legislativa. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
§ 5º O Ministro do Superior Tribunal de Justiça
exercerá a função de Ministro-Corregedor e ficará excluído da
distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além
das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da
Magistratura, as seguintes: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
I receber as reclamações e denúncias, de qualquer
interessado, relativas aos magistrados e aos serviços
judiciários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de
2004)
II exercer funções executivas do Conselho, de
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5453

inspeção e de correição geral; (Incluído pela Emenda


Constitucional nº 45, de 2004)
III requisitar e designar magistrados, delegando-lhes
atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais,
inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral
da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
§ 7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos
Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para
receber reclamações e denúncias de qualquer interessado
contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus
serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho
Nacional de Justiça. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004)
Como alertado por Jacinta Balbela de Delgue, o juiz pos-
sui relevância de acordo com a sua conduta social, ao externar
que “su prestancia como ciudadano derivará de la dignidad con
que se maneje en todas las relaciones publicas”.34
Antônio Souza Prudente esclarece que:
“Os estudiosos da matéria se afinam assim, no enten-
dimento de que a ética é a ciência do comportamento moral
dos homens em sociedade e que o comportamento moral se
distingue do comportamento jurídico porque o primeiro é
ditado por uma convicção interior, individual, enquanto o
segundo, por uma atitude formada exteriormente, social ou
impessoal”.35
Dessa importância social surgiram recentes demandas
tendentes à defesa da deontologia da Magistratura e a criação
de órgãos, como o Conselho Nacional de Justiça.

34
BALBELA DE DELGUE, Jacinta. Etica del Magistrado. Revista de la Facultad
de Derecho y Ciencias Sociales. Montevideo. v.31. n.33-4. p.101-9. jul./dic. 1990. p.
102.
35
PRUDENTE, Antônio Souza. Ética e deontologia da Magistratura do terceiro
milênio. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.12.
p.43-8. 2000. p. 45.
5454 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

5. DEONTOLOGIA DA MAGISTRATURA

A deontologia pode ser definida como a ciência que cui-


da das normas éticas aplicáveis à atividade profissional, especi-
ficando os valores, normas e ideais mais precisos para regular
uma determinada profissão, apresentando uma origem comum
decorrente de um “processo de intercomunicação concêntrica,
ontológica e finalística”, apesar de distinta da ética e da moral
propriamente ditas.36
Álvaro Lazzarini assevera que:
“A magistratura, como conjunto de juízes que inte-
gram o Poder Judiciário, deve sujeitar-se ao que passo a
denominar de DEONTOLOGIA DA MAGISTRATURA, com
os seus valores, ideais e normas de conduta que orientam a
atividade profissional desse segmento diferenciado da socie-
dade constituído por magistrados.”37
Assim, percebe-se que a deontologia encontra-se atrelada
geralmente a uma área profissional, pois “é a ciência que esta-
belece normas diretoras da atividade profissional sob o signo
da retidão moral ou da honestidade, sendo o bem a fazer e o
mal a evitar no exercício da profissão”.38
Em 1979, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por
meio da Resolução nº 34/169, estabeleceu o Código de Condu-
ta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei,
sintetizado em oito artigos, ressaltando, em determinado
momento, que “as normas, enquanto tais, carecem de valor
prático, a menos que o seu conteúdo e significado seja inculca-
do em todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
36
PRUDENTE, Antônio Souza. Ética e deontologia da Magistratura do terceiro
milênio. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.12.
p.43-8. 2000. p. 45-46.
37
LAZZARINI, Álvaro. Deontologia da Magistratura: o juiz, suas atribuições
funcionais, seus compromissos éticos. A Forca Policial. São Paulo. n.17. p.43-65.
jan./mar. 1998. p. 43.
38
LAZZARINI, Álvaro. Deontologia da Magistratura: o juiz, suas atribuições
funcionais, seus compromissos éticos. A Forca Policial. São Paulo. n.17. p.43-65.
jan./mar. 1998. p. 48.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5455

mediante educação, formação e controlo”. Apesar desse diplo-


ma aplicar-se eminentemente às autoridades que exercem os
poderes de polícia, algumas disposições demonstram a sedi-
mentação de costumes éticos que devem também ser observa-
dos pela Magistratura, como, por exemplo, os deveres inscul-
pidos nos artigos 1º, 2º, 4º e 7º, atinentes à proteção da comu-
nidade contra ilegalidades, a salvaguarda dos direitos humanos
e da dignidade da pessoa humana, a manutenção do sigilo de
informações confidenciais e o combate à corrupção:
Artigo 1.º
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
devem cumprir, a todo o momento, o dever que a lei lhes
impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas
contra actos ilegais, em conformidade com o elevado grau de
responsabilidade que a sua profissão requer.
Artigo 2.º
No cumprimento do seu dever, os funcionários respon-
sáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dig-
nidade humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de
todas as pessoas.
(...)
Artigo 4.º
As informações de natureza confidencial em poder dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser
mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do dever
ou as necessidades da justiça estritamente exijam outro com-
portamento.
(...)
Artigo 7.º
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não
devem cometer qualquer acto de corrupção. Devem, igual-
mente, opor-se rigorosamente e combater todos os actos desta
índole.39
O Código de Ética da Magistratura Nacional foi aprova-
do pelo Conselho Nacional de Justiça, em 06 de agosto de
2008, consignando entre os considerando a necessidade de

39
Disponível em < http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-
dh/tidhuniversais/dhaj-pcjp-18.html> Acesso em 23.03.2014.
5456 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

aumentar a “confiança da sociedade em sua autoridade moral”,


estimular a “excelência na prestação do serviço público de dis-
tribuir Justiça”, a prática do Poder Judiciário de “cultivar prin-
cípios éticos, pois lhe cabe também função educativa e exem-
plar de cidadania em face dos demais grupos sociais” e a com-
pilação dos princípios presentes nas norma jurídicas.40
Os preceitos desse diploma complementam as disposi-
ções presentes nas normas legais vigentes, no Estatuto da
Magistratura e na própria Constituição Federal, além de consa-
grar os princípios éticos “da independência, da imparcialidade,
do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência,
do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integri-
dade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do deco-
ro”, nos termos estipulados em seus 42 artigos.41
Como externado no artigo 3º, “a atividade judicial deve
desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a dignidade da
pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidarie-
dade e a justiça na relação entre as pessoas”, sendo certo que
“ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da
República e às leis do País, buscando o fortalecimento das ins-
tituições e a plena realização dos valores democráticos”,
segundo preconizado pelo artigo 2º do Código de Ética da
Magistratura Nacional.42
O Código Ibero-americano de Ética Judicial, por sua vez,
influenciou o Código de Ética da Magistratura Nacional, esti-
pulando dentre os princípios éticos a independência, a impar-
cialidade, a motivação, o conhecimento e capacitação, a justiça
e equidade, a responsabilidade institucional, a cortesia, a inte-
gridade, a transparência, o segredo profissional, a prudência, a

40
Disponível em < http://www.cnj.jus.br/codigo-de-etica-da-magistratura> acesso
em 23.03.2014.
41
Disponível em < http://www.cnj.jus.br/codigo-de-etica-da-magistratura> acesso
em 23.03.2014.
42
Disponível em < http://www.cnj.jus.br/codigo-de-etica-da-magistratura> acesso
em 23.03.2014.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5457

diligência e a honestidade profissional,43 foi aprovado, em


2006, por 22 países (Andorra, Argentina, Bolívia, Brasil,
Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, El Salvador,
Espanha, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai,
Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e
Venezuela) dos quais 15 já apresentam uma codificação ética,
com exceção de Colômbia, Equador, Espanha, Nicarágua,
Portugal, a República Dominicana e Uruguai.44

6. CIRCUNSTÂNCIAS QUE AFLIGEM A


MAGISTRATURA

Em pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Cató-


lica de Campinas, cuja amostra baseou-se nos Magistrados
oriundos da Justiça do Trabalho, publicada no ano de 2002,
constatou-se que cerca de 50% reputava o ano inicial de suas
atividades o de maior índice de estresse, 31% asseverou o seu
aspecto cíclico, 20% o seu caráter cumulativo:
“Quase metade da amostra considerou que o primeiro
ano do exercício da carreira havia sido a mais estressante,
31% considerou que o stress ocupacional do juiz tem caráter
cíclico e 20% alegou que o stress tende a se acumular,
aumentando com o tempo. O alto nível de stress experimen-
tado no primeiro ano aponta para a necessidade de uma
melhor iniciação e de apoio dos colegas mais experientes no
início da carreira de Magistrado da Justiça do Trabalho.
O caráter cíclico e cumulativo do stress através dos
anos torna clara a necessidade de um treinamento especializa-
do no manejo do stress que possa evitar o impacto aversivo
do stress em uma população tão jovem e de tanta responsabi-
lidade perante a sociedade.”45

43
Disponível em
<http://www.sitios.scjn.gob.mx/ciej/sites/default/files/axiologicos/codigo_ibero_0.p
df. Acesso em 23.03.2014.
44
Disponível em: < http://www.justicaindependente.net/posicoes/codigo-modelo-
ibero-americano-de-etica-judicial.html> Acesso em 08.04.2014.
45
Lipp, Marilda E. Novaes; Tanganelli, M. Sacramento. Stress e Qualidade de Vida
5458 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

Na amostra foi identificado que 71% dos juízes demons-


travam sinais de estresse, com 1,3% em situação de exaustão e
tão somente 29% sem indicação de afetação. Nesse quadro, a
condição dos magistrados é mais grave do que a vivenciada
pelos executivos (41%), enfermeiros (60%), jornalistas (62%) e
policiais militares (65%) e perceptivelmente superior aos traba-
lhadores de minas e pilotos de avião:
“(...)as percentagens de juízes com e sem stress
podendo-se verificar que aproximadamente 71% da amostra
apresentavam sintomatologia típica de um quadro de stress.
Observe-se também que 1,3% se encontravam na fase de
exaustão do stress, que é a fase mais adiantada quando doen-
ças graves já estão presentes. Somente 29%
não tinham sintomas de stress. A incidência de stress
nos juízes do trabalho foi a mais alta encontrada nas pesquisas
nacionais sobre o stress ocupacional, quando se compara
policiais militares com 65% (Romano, 1997); jornalistas com
62% (Proença, 1998), enfermeiras com 60% (Villar, 1992) e
executivos com 41% (Proença, Bortoletto & Lipp, 1996). O
alto nível de stress encontrado confirma a avaliação realizada
pelos próprios juízes quanto ao fato de ser a profissão alta-
mente estressante, comparando-se com dados da literatura
internacional com o stress de trabalhadores de minas e maior
do que o de pilotos de avião (University of Manchester,
1987).”46
Como causas do estresse vivenciado pelos juízes a pes-
quisa mapeou a quantidade de processos, a desproporcionali-
dade da remuneração com as responsabilidades dos magistra-
dos, a ausência de tempo destinado para o aprimoramento pro-
fissional ou a convivência social e familiar:
“No levantamento das causas do stress observado,
quatro itens foram mencionados por quase a totalidade dos

em Magistrados da Justiça do Trabalho: Diferenças entre Homens e Mulheres. Dis-


ponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v15n3/a08v15n3.pdf> Acesso
08.04.2014.
46
Lipp, Marilda E. Novaes; Tanganelli, M. Sacramento. Stress e Qualidade de Vida
em Magistrados da Justiça do Trabalho: Diferenças entre Homens e Mulheres. Dis-
ponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v15n3/a08v15n3.pdf> Acesso
08.04.2014.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5459

respondentes. Eles foram: 1) número de feitos a julgar, assi-


nalado por 96% dos juízes; 2) salários que não correspondem
às responsabilidades, ao desgaste e à importância do cargo
(95%), 3) falta de tempo para atualização (93%) e 4) sacrifí-
cio do tempo dedicado à vida familiar e social (92%).” 47
As condições de excesso de trabalho acumuladas com o
estresse do cotidiano que nos circunda interfere de maneira
reflexa na prestação jurisdicional e, na Magistratura, faz várias
vítimas de doenças, como infarto, derrame, surtos psicóticos,
depressão, dentre outras predispostas e, muitas vezes, intensifi-
cadas pelas condições de trabalho.
O Conselho Nacional de Justiça, diante desse quadro,
resolveu identificar as doenças físicas e psíquicas que acome-
tem os juízes, o que foi permeado nos meios de comunicação,
influenciadas pela responsabilidade inerente ao exercício da
jurisdição, em algumas circunstâncias agravada com ameaças
veladas ou diretas à integridade do magistrado e de sua família,
que interferem em suas condições de estresse.48
Diante dos inúmeros exemplos de óbitos ou prejuízos à
saúde dos magistrados no dia-a-dia de sua atividade profissio-
nal, torna-se essencial a reprodução de parte da notícia:
Não faltam exemplos de motivos para preocupação. O
desembargador Vianna Santos ainda comandava o Tribunal
de Justiça de São Paulo quando morreu, em janeiro de 2011,
vítima, segundo laudos médicos, de um ataque cardíaco.
Novo laudo constatou ainda excesso de álcool no sangue do
desembargador, que sofria de diabetes. A morte ainda é
investigada pela Polícia. Em agosto do mesmo ano morreria
assassinada a juíza Patrícia Acioli, da Justiça do Rio de
Janeiro. No último dia 10 de abril, outro desembargador do
TJ-SP, Adilson de Andrade, foi encontrado morto com dois

47
Lipp, Marilda E. Novaes; Tanganelli, M. Sacramento. Stress e Qualidade de Vida
em Magistrados da Justiça do Trabalho: Diferenças entre Homens e Mulheres. Dis-
ponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v15n3/a08v15n3.pdf> Acesso
08.04.2014.
48
SCRIBONI, Marília. CNJ vai mapear problemas de saúde dos magistrados.
Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-abr-21/cnj-mapear-principais-
problemas-saude-magistrados >. Acesso em 23.03.2014.
5460 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

tiros em sua casa no litoral paulista. As primeiras impressões


dos peritos indicam suicídio.
O Conselho Nacional de Justiça está focado na
elaboração de um protocolo que vai auxiliar tribunais na
identificação das principais questões que prejudicam a saúde
dos magistrados e também dos servidores do Judiciário. São
alvos razões de doenças físicas e psíquicas como depressão,
stress, hipertensão, dores crônicas e osteomusculares. A
iniciativa foi aprovada na última segunda-feira (16/4).
“O juiz auxiliar da presidência do CNJ e integrante do
grupo de trabalho, Antonio Carlos Alves Braga Júnior, conta
que, hoje, esse tipo de ação não é uniforme nos tribunais do
país. “A ideia é recuperar o conhecimento existente, com uma
metodologia regular. Espera-se que a experiência dos próprios
magistrados e servidores definam fatores de risco para suas
atividades, como preveni-las e tratá-las”, explica.
Na última década, por exemplo, a composição dos
gastos com plano de saúde da Associação dos Magistrados
Mineiros (Amagis) com o câncer saltou de 1% para 8%.
Já uma pesquisa feita pela Associação Nacional dos
Magistrados do Trabalho (Anamatra), coordeanada pela
professora Ada Assunção, do departamento de Medicina da
UFMG, revelou que embora os transtornos mentais não
sejam, de modo algum, privilégio da magistratura, a classe
está mais exposta a depressão do que o resto da população. O
levantamento da Anamatra mostra ainda que os salários dos
juízes não alteram a incidência dos casos de depressão ou
outros transtornos mentais.
APOIO PSICOLÓGICO
A depressão entre magistrados motivou o juiz Franklin
Vieira dos Santos a desenvolver o tema de forma mais
profunda no mestrado em Poder Judiciário da FVG Direito
Rio, como pode ser conferido clicando-se aqui*. Em O
Magistrado e o Adoecimento no Trabalho: Aspectos Jurídicos
e Psicológicos, defendido em 2009, o magistrado relaciona a
atividade jurisdicional aos sintomas de estresse.
Santos fez um levantamento com 50 magistrados do
Tribunal de Justiça de Rondônia, dos quais oito possuem
entre menos de cinco anos de carreira; 12 possuem entre
*
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/4224/DMPPJ%20-
%20FRANKLIN%20VIEIRA%20DOS%20SANTOS.pdf?sequence=1
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5461

cinco e dez anos de carreira; nove possuem entre dez e 15


anos de carreira; 13 possuem 15 e 20 anos de carreira e oito
com mais de 20 anos de carreira.
Ao final da pesquisa, ele constatou que a estrutura do
Judiciário atua de forma decisiva para o sofrimento
profissional, em virtude da carga excessiva de trabalho e dos
tipos de demandas ajuizadas, sendo necessário um apoio
psicológico aos magistrados. “Deve-se ter em mente que esse
profissional é visto como ente público, órgão, e, como tal,
destituído de subjetividade, visto que encarna valores
representativos da sociedade, enquanto aplicador da justiça,
dentro de uma estrutura judiciária hierarquizada que, por si
só, traz consigo pressões inerentes ao próprio cargo”, escreve.
Ele também fala sobre a responsabilidade do cargo:
“Exige-se muito do julgador, mas pouco se lhe oferece para o
cumprimento satisfatório de sua tarefa. A estrutura do Poder
Judiciário é hierarquizada e autoritária. Em alguns estados, os
prédios ainda são antigos casarões, fato que demonstra a
dificuldade de inovar no aspecto e nas ideologias do
profissionalismo”.
DEDICAÇÃO EXCLUSIVA
“Tivemos um caso aqui em São Paulo, o do Flávio
Torres, um desembargador famoso, que não tinha filho, não
fazia outra coisa na vida a não ser viver para o tribunal. Se
aposentou e, dias depois, teve um enfarte fulminante. O
desembargador Yussef Said Cahali teve um derrame. Ele
perdeu ao mesmo tempo o cargo de desembargador e a
cadeira na faculdade, por haver chegado à idade limite.” O
relato é do ministro Cezar Peluso em entrevista concedida à
Consultor Jurídico, dias antes de deixar a Presidência do
Supremo Tribunal Federal.
Juiz de carreira, o ministro, pai de dois filhos também
juízes, conta que não conseguiu acompanhar o crescimento
dos filhos como gostaria. "Chegava em casa 9h da noite, eles
já estavam dormindo, trabalhava de madrugada, ia dormir 4h
ou 5h da manhã, lendo processos. Quando acordava às 10h da
manhã, meus filhos já estavam na escola. Passei vários anos
sem vê-los, sem aquela convivência diária da conversa após o
jantar. Até que um dia decidi que não iria trabalhar mais à
noite”, lembra.
Ele disse ainda que, nomeado juiz de São Sebastião
5462 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

(SP), tirou um mês de férias e viajou para o município do


litoral de São Paulo, onde o trabalho tomou todo o tempo. “O
juiz que me antecedeu deixou uma pilha de processos que
estavam em via de prescrição. Fiquei os 30 dias de férias
trabalhando para colocar em dia o serviço do outro, que
estava atrasado. Naquela época tivemos vários juízes jovens
que morreram de enfarte, todos por causa de serviço.”
O ministro também falou acerca da pressão exercida
sobre os magistrados. “Vivemos uma tensão tremenda pela
exigência do serviço. Ninguém convive com o juiz para
atestar isso, todo mundo acha que isso é fiada de juiz. Não é.
É verdade que eles trabalham muito, não é um bordão ou
cantilena corporativista”, diz.
Por isso, é favorável à manutenção dos 60 dias de
férias dos juízes, mas entende que a proposta não é bem aceita
pela sociedade. "Nós não temos horário para trabalhar. A
sociedade pode exigir que o juiz tenha 30 dias de férias. E o
juiz poderia exigir trabalhar 8 horas por dia. Bateria meu
cartão, faria meu serviço, depois iria para casa e não faria
mais nada. Mas é claro que isso é impossível, isso pararia o
Brasil."”
Diante desse quadro, indaga-se: da mesma forma que
exigimos uma conduta ética dos magistrados para com os
jurisdicionados e em relação à sociedade, não é igualmente
exigível uma postura ética do Estado para com eles?
Algumas situações podem ser bem discutíveis do ponto
de vista ético.
No caso do Juiz Federal Marcelo Antônio Cesca, devido
à demora na análise do seu retorno ao cargo pelo Conselho
Nacional de Justiça, ele se manifestou pelas redes sociais
demonstrando sua indignação, conforme se extrai da seguinte
notícia:
“Afastado do cargo desde novembro de 2011 após
sofrer um surto psicótico, um juiz federal de Brasília postou
fotos em uma rede social ironizando a demora do Conselho
Nacional de Justiça para analisar o pedido dele para voltar ao
trabalho. Nas imagens, Marcelo Antônio Cesca, de 33 anos,
aparece na praia, com a namorada.
“Eu agradeço ao Conselho Nacional de Justiça por
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5463

estar há 2 anos e 3 meses recebendo salário integral sem


trabalhar, por ter 106 dias de férias mais 60 dias pra tirar a
partir de 23/03/14, e por comemorar e bebemorar tudo isso
numa quinta-feira à tarde ao lado de minha amada gata de 19
anos! Longa vida ao CNJ e à Loman [Lei Orgânica da
Magistratura Nacional]!”, escreveu na legenda de uma delas.
Em outra postagem, juiz faz referência ao tempo que
está sem trabalhar e, com ironia, diz que "não é fácil
viver no Brasil'
Em entrevista ao G1, o magistrado disse que o surto
ocorreu depois que um médico dobrou a dose de
antidepressivo que ele tomava na época, devido a um
tratamento contra estresse pós-traumático. O CNJ então abriu
um processo administrativo para avaliar se ele tinha
capacidade de voltar a atuar, disse.
Cesca afirma que passou por três psiquiatras e que, em
maio de 2013, foi considerado apto a retomar suas atividades.
Ainda assim, nove meses depois, o caso ainda não foi
analisado pelo CNJ. O G1 procurou o conselho, que disse que
não vai se pronunciar a respeito.
O juiz, que atuava na 2ª Vara Federal e recebe salário
de R$ 22 mil, se diz indignado com a situação. “Isso é um
absurdo e me afeta por vários motivos. Primeiro, não posso
legalmente exercer outra profissão. Segundo, sem trabalhar,
minha saúde piora, porque afeta minha autoestima. Terceiro,
não posso me promover na carreira. Quarto, falta juiz, sobram
processos e eu aqui olhando para o teto”, disse.
Cesca diz se considerar muito novo para estar parado e
afirma que quer voltar a trabalhar. "É tudo o que eu quero."
Ele foi nomeado para o cargo em maio de 2006, no Paraná.””
49

Curiosamente, depois dessa declaração, o mencionado


Juiz pediu exoneração do cargo, segundo notícias veiculadas na
mídia.50

49
MORAIS, Rachel. Juiz ironiza na web demora do CNJ em aprovar a volta dele ao
trabalho. Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/02/juiz-
ironiza-na-web-demora-do-cnj-em-aprovar-volta-dele-ao-trabalho.html>. Acesso em
23.03.2014.
50
MORAIS, Rachel. Juiz que ironizou CNJ na web pede exoneração. Disponível
em: < http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/03/juiz-que-ironizou-cnj-na-
5464 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

Assim, sem promover uma análise mais apurada sobre o


assunto, a fim de verificar os meandros das questões que
envolvem esses relatos, o que deve ser apurado sempre na sea-
ra própria, diante de contraditório e ampla defesa a todas as
partes envolvidas, algumas balizas podem ser lançadas.
A ética, em si, não demanda apenas deveres dos magis-
trados, mas pressupõe exigências em relação ao exercício da
atividade e, evidentemente, proporcionais à relevância da fun-
ção desempenhada por eles, cabendo ao Estado zelar pelo bem-
estar dessa carreira essencial à democracia.

7. JUSTIÇA DO TRABALHO

No Poder Judiciário trabalhista há constante suspeita de


parcialidade em prol dos interesses dos empregados, entretanto,
tal situação é adequadamente solucionada, na medida em que o
juiz plenamente diferenciar a tutela legal aos direitos dos traba-
lhadores da igualdade, que deve reinar no tratamento proces-
sual aos réus e autores das demandas trabalhistas, com especial
atenção na fase conciliatória.51
O desenvolvimento linear do processo, presente no artigo
125, II, (solução rápida da demanda) e no artigo 130 (a produ-
ção das provas necessárias à instrução do processo, indeferindo
as diligências inúteis ou meramente protelatórias), do CPC, é
mais importante na Justiça do Trabalho, diante do princípio
vigente de irrecorribilidade das decisões interlocutórias, soma-
do ao dever de impedir que o processo seja utilizado como ins-
trumento de ato simulado ou para a consecução de um objetivo
vedado pela legislação.52

web-pede-exoneracao.html>. Acesso em 07.04.2014.


51
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
abr. 1997. p. 473.
52
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5465

Ao surpreender os litigantes em condutas que merecem


reprimenda, o juiz não deve exaltar-se ou atuar de modo asse-
melhado às partes para coibir, prevenir ou repreender a falta.53
Mesmo na repressão de desvios das testemunhas há
necessidade de ponderação e cautela no combate ao falso tes-
temunho, pois há diversos elementos que podem ocasionar uma
contradição no depoimento, dentre eles, o nervosismo e o fato
de se ter tomado conhecimento da situação por terceiros. Ainda
que comprovada a contradição e haja fortes indícios de que o
crime de falso testemunho se efetivou, cabe ao juiz, como
representante imparcial da sociedade, encaminhar os elementos
para a apuração dos órgãos competentes, sem exaltações e bal-
burdia no trato com as pessoas54 por diversos motivos.55
Os embates jurídicos devem ser travados com cordialida-
de e urbanidade, contudo, pequenos desvio devem ser tolera-
dos, uma vez que as paixões são inerentes aos seres humanos e,
muitas vezes, os poderes-deveres dos juízes se entrelaçam nas
prerrogativas dos Advogados, merecendo muita parcimônia do
magistrado na condução dos atos processuais.56
Isso não significa que o magistrado deve aceitar qualquer
tipo de conduta do causídico, pois deve zelar pela legalidade e
legitimidade da prestação jurisdicional na colheita das provas e
demais atos, visando à imparcialidade do juízo, que somente
será consagrada se não permitir que um dos Advogados exorbi-

abr. 1997. p. 472 .


53
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
abr. 1997. p. 473.
54
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
abr. 1997. p. 473.
55
A impossibilidade de manutenção do detido em flagrante diante do instituto da
fiança, a ausência de locais suficientes para a prisão desses cidadãos, outros crimes
cotidianamente cometidos de magnitude superior devem ser priorizados, etc.
56
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
abr. 1997. p. 471.
5466 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

te de seus deveres e prerrogativas em detrimento das ativida-


des, deveres e prerrogativas do Advogado da parte adversa e do
próprio Poder Judiciário.

8. JUÍZES CONTEMPORÂNEOS

O juiz, na atualidade, “além de agente transformador do


mundo, no sentido de conformá-lo a uma ordem social justa,
deve ser um arauto da esperança”, em sua acepção concreta de
ideal a ser alcançado.57
O Corregedor Geral de Justiça do Estado de São Paulo,
no ano de 1994 e 1995, em discurso aos novos juízes, consig-
nou que o problema da Magistratura consiste no “elemento
humano”, que pode ser exageradamente vaidoso, arbitrário,
sem conteúdo intelectual adequado, deficiências de caráter e
fragilidade exacerbada.58
Como já se posicionou Dyrceu Aguiar Dias Cintra Junior
“não é mais escusado ao juiz ignorar o problema e muito
menos se ocultar por trás dos dogmas, agora questionados”,
pois “é cada vez mais visível a necessidade de se superar do
positivismo jurídico, que elaborou historicamente o conceito de
neutralidade da lei e a concepção formal de independência e
imparcialidade do juiz, transformadas em verdadeiros mitos”.59
Não se pode mais conceber que o Poder Judiciário seja
utilizado para manutenção de um sistema arcaico de desigual-
dades sociais, sob o aparente manto da realização da justiça na
aplicação da norma no caso concreto, uma vez que “a conclu-
são de que a jurisprudência tradicional nada mais faz do que
57
NALINI, Jose Renato. A ética e a Magistratura do Trabalho. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15a. Região. Campinas. n.9. p.9-16. 1997. p. 14.
58
LAZZARINI, Álvaro. Deontologia da Magistratura: o juiz, suas atribuições
funcionais, seus compromissos éticos. A Forca Policial. São Paulo. n.17. p.43-65.
jan./mar. 1998. p. 58.
59
CINTRA JUNIOR, Dyrceu Aguiar Dias. Magistratura democrática e o direito
alternativo - em busca de uma nova ética de jurisdição. Revista dos Tribunais. São
Paulo. v.82. n.691. p.53-8. maio. 1993. p. 53-54.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5467

tomar partido das classes que exercem a hegemonia pelo dis-


curso ideológico leva à necessidade de se elaborar uma nova
ética de aplicação da lei com base na vertente crítica do pen-
samento filosófico".60
Na era hodierna, a prestação jurisdicional por meio dos
juízes sofreu uma reviravolta de paradigma, na medida em que
o agente público deixou sua conduta meramente passiva para
uma atuação mais ativa na aplicação da lei ao caso concreto,
promovendo, muitas vezes, a integração do ordenamento jurí-
dico ou interpretações construtivas em prol da Justiça.61
Como bem ressaltado por Eduardo Couture, em citação
reproduzida por Antônio Souza Prudente, “da dignidade do juiz
depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e
num momento histórico determinado, o que valem os juízes
como homens”, concluindo que “no dia em que os juízes tive-
rem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranquilo.”62
O cotidiano do juiz enseja a consolidação de sua postura
ética, edificando e fortalecendo-se nos pequenos detalhes, sen-
do certo que, evidentemente, “mais importante do que conhe-
cer a ciência ética é preciso viver eticamente”.63
A pior das pobrezas é a pobreza moral, como já salientou
José Renato Nalini.64
O mesmo estudioso ressalta também que:
“É falso dizer que, para o advogado, quanto pior

60
CINTRA JUNIOR, Dyrceu Aguiar Dias. Magistratura democrática e o direito
alternativo - em busca de uma nova ética de jurisdição. Revista dos Tribunais. São
Paulo. v.82. n.691. p.53-8. maio. 1993. p. 55.
61
PRUDENTE, Antônio Souza. Ética e deontologia da Magistratura do terceiro
milênio. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.12.
p.43-8. 2000. p. 47.
62
PRUDENTE, Antônio Souza. Ética e deontologia da Magistratura do terceiro
milênio. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.12.
p.43-8. 2000. p. 48 .
63
NALINI, Jose Renato. A ética e a Magistratura do Trabalho. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15a. Região. Campinas. n.9. p.9-16. 1997. p. 9-10.
64
NALINI, Jose Renato. A ética e a Magistratura do Trabalho. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15a. Região. Campinas. n.9. p.9-16. 1997. p. 11.
5468 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

melhor. Ele não pode ser o profissional que vive das crises,
que se alimenta da miséria humana, que estimula os conflitos.
A função do Direito, no terceiro milênio, será a pacificação da
comunidade e a edificação da harmonia”.65
A visão contemporânea dos magistrados, portanto, impe-
de que sua função se restrinja a bouche de la loi, segundo a
ótica de Montesquieu,66 pois implica no exercício de suas com-
petências de maneira mais ativa, realizando a justiça, ao inter-
pretar a norma, segundo “aos fins sociais a que ela se dirige e
às exigências do bem comum”, nos termos do artigo 5º da Lei
de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, mas não deve
chegar ao extremo de que o juiz se confunda com o legislador
ao em vez de declarar o significado das normas.67
Os membros do Poder Judiciário ao usarem “os seus
poderes, em verdade os exercem como deveres para com o
povo a que servem”68
A prudência é um ato complexo que não se resume a pre-
vidência, pois “sendo próprio da prudência a previsão do futu-
ro, cabe-lhe, assim, distinção e comparação do passado e do
presente, para disso extrair a previsão do futuro”.69
A ética deve temperar a autoridade para evitar o autorita-
rismo, portanto, o princípio da separação de poderes nada mais
é do que uma forma de consagrar a ética no ente estatal ao
impedir a concentração de poder protegendo a democracia, a

65
NALINI, Jose Renato. A crise do Direito e o resgate da ética. LEX:
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. São
Paulo. v.11. n.113. p.9-18. jan. 1999. p. 17 .
66
DIP, Ricardo. Prudência judicial e consciência. Revista Forense. Rio de Janeiro.
v.106. n.408. p.299-316. mar./abr. 2010. p. 301.
67
DIP, Ricardo. Prudência judicial e consciência. Revista Forense. Rio de Janeiro.
v.106. n.408. p.299-316. mar./abr. 2010. p. 301.
68
LAZZARINI, Álvaro. Deontologia da Magistratura: o juiz, suas atribuições
funcionais, seus compromissos éticos. A Forca Policial. São Paulo. n.17. p.43-65.
jan./mar. 1998. p. 43.
69
DIP, Ricardo. Prudência judicial e consciência. Revista Forense. Rio de Janeiro.
v.106. n.408. p.299-316. mar./abr. 2010. p. 306.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5469

cidadania e a liberdade.70
Na atualidade, como salientado por Antônio Rulli, “a éti-
ca exige da autoridade do juiz a isenção, a imparcialidade, a
independência, a probidade, a responsabilidade e a crença nos
valores humanos, respeito ao cidadão e aos Direitos Humanos”
e, no caso da imparcialidade, pressupõe do magistrado “equilí-
brio emocional, vocação, sensibilidade e intuição”.71
O problema da mídia nas questões éticas é que prefere
divulgar e propagandear os casos de desvio dos magistrados,
deixando de prestar um serviço adequado à comunidade ao
demonstrar as condições da prestação jurisdicional dos profis-
sionais sérios que, muitas vezes, custeiam papel, tinta para
impressoras e demais instrumentos necessários ao trabalho
cotidiano, atingindo indevidamente profissionais abalizados e
comprometidos, incentivando o descrédito nas funções públi-
cas.72
A corrupção e atividades antiéticas devem ser concebidas
em caráter amplo e não sob uma concepção restrita, em que se
aufere uma vantagem indevida, em virtude de uma condição
funcional privilegiada, sendo oportuna a análise das três sín-
dromes esboçadas por José Renato Nalini.73
A síndrome da rocha transforma o magistrado em um ser
insensível, que procura esquivar-se de analisar o mérito das
ações por meio de um formalismo exacerbado, a pretexto de
ser imparcial, apega-se ao seu ego, afastando-se das partes,
Advogados e auxiliares do juízo, das consequências de suas
decisões e de uma linguagem transparente.74
70
RULLI JUNIOR, Antônio. Autoridade, ética e jurisdição. Revista da Escola
Paulista da Magistratura. São Paulo. v.7. n.2. p.7-11. jul./dez. 2006. p. 8.
71
RULLI JUNIOR, Antônio. Autoridade, ética e jurisdição. Revista da Escola
Paulista da Magistratura. São Paulo. v.7. n.2. p.7-11. jul./dez. 2006. p. 9 .
72
NALINI, José Renato. Ética no terceiro milênio. Cadernos Jurídicos. Escola
Paulista da Magistratura. São Paulo. v.2. n.3. p.121-6. jan./fev. 2001. p. 122.
73
NALINI, José Renato. Ética no terceiro milênio. Cadernos Jurídicos. Escola
Paulista da Magistratura. São Paulo. v.2. n.3. p.121-6. jan./fev. 2001. p. 122-124.
74
NALINI, José Renato. Ética no terceiro milênio. Cadernos Jurídicos. Escola
5470 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

A síndrome do burocrata impele o magistrado ao exercí-


cio da “prática do mínimo esforço”, com o uso exagerado da
jurisprudência e o refreamento da criatividade e do estudo apu-
rado para convencer-se da tese jurídica. Essa situação se agrava
com o estrito cumprimento de seu horário de trabalho, sem a
consciência de que as decisões merecem aprimoramento que
rejuvenesce e desenvolve a jurisprudência, que deve ser dinâ-
mica e não inerte.75
A síndrome do semi-deus impede que o magistrado se
aperfeiçoe nos estudos, em virtude da falácia de que é superior
aos demais por ter vencido após as diversas fases de um con-
curso público muito concorrido, recusa-se a receber os Advo-
gados, torna-se arrogante e acredita que a sua sentença por si só
se sustenta por ser expressão da soberania estatal, ou, ainda,
tendenciosamente aproxima-se dos meios de comunicação ou
da classe dominante, visando a promoção pessoal.76
Todas essas doenças que afetam a Magistratura podem
ser consideradas falhas éticas que, muitas vezes, são combati-
das pelas Corregedorias, mas o principal remédio para essas
atitudes é a consciência de cada um dos juízes e, nessa seara,
essencial uma “imersão na solidariedade”, a fim de combater a
insensibilidade presente nos órgãos do Poder Judiciário.77
No era hodierna, em que a globalização acabou com as
fronteiras entre os Estados e as barreiras das informações
divulgadas hoje praticamente em tempo real, constata-se que a
legislação não se aprimorou para atender as demandas de mas-
sa, restringindo-se a manutenção das normas casuísticas ten-
dentes a solucionar conflitos individuais com atuação no pas-

Paulista da Magistratura. São Paulo. v.2. n.3. p.121-6. jan./fev. 2001. p. 123.
75
NALINI, José Renato. Ética no terceiro milênio. Cadernos Jurídicos. Escola
Paulista da Magistratura. São Paulo. v.2. n.3. p.121-6. jan./fev. 2001. p. 124.
76
NALINI, José Renato. Ética no terceiro milênio. Cadernos Jurídicos. Escola
Paulista da Magistratura. São Paulo. v.2. n.3. p.121-6. jan./fev. 2001. p. 124.
77
NALINI, José Renato. Ética no terceiro milênio. Cadernos Jurídicos. Escola
Paulista da Magistratura. São Paulo. v.2. n.3. p.121-6. jan./fev. 2001. p. 124-125.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5471

sado, mas sem preocupação com o futuro.78


O ensino de Direito nas faculdades responsáveis pela
formação dos juristas é objeto de uma crise que necessita ser
combatida por meio do treinamento adequado do profissional
para sua atuação no mercado de trabalho, pois não basta deco-
rar as normas, torna-se necessário o domínio de outras áreas do
conhecimento (Sociologia, Economia, Antropologia, Psicolo-
gia etc), no intuito de “conhecer profundamente o meio circun-
dante, as contingências humanas, ter sensibilidade para exercer
a pacificação social e encontrar estratégias válidas para a solu-
ção dos conflitos”, viabilizando “o desenvolvimento da capaci-
dade crítica” e de outras searas como “a intuição, a criativida-
de, a tolerância e o espírito de solidariedade”.79
Jacinta Balbela de Delgue ressalta que “la Facultad de
Derecho nos habilita para ser abogados o escribanos, pero no
nos enseña a ser jueces”, pois o magistrado necessita de “un
bagaje cultural que le permita conocer y comprender el medio
social en que actúa, el momento histórico en que se desempe-
ñan, el origen real del conflicto que le corresponde dirimir y el
material humano con que le tocará actuar.”80
A própria Magistratura apresenta uma crise de valores
influenciada pela forma defasada de acesso à carreira por meio
de concursos que valorizam o conhecimento teórico, sem um
maior cuidado com “os aspectos vocacionais ou éticos do futu-
ro julgador”, sendo recomendável uma participação mais efeti-
va por parte da Escola da Magistratura na seleção, que deve
valorizar o “conteúdo humano” do pretenso juiz e não o mero
78
NALINI, Jose Renato. A crise do Direito e o resgate da ética. LEX:
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. São
Paulo. v.11. n.113. p.9-18. jan. 1999. p. 10-11 .
79
NALINI, Jose Renato. A crise do Direito e o resgate da ética. LEX:
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. São
Paulo. v.11. n.113. p.9-18. jan. 1999. p. 12 .
80
BALBELA DE DELGUE, Jacinta. Etica del Magistrado. Revista de la Facultad
de Derecho y Ciencias Sociales. Montevideo. v.31. n.33-4. p.101-9. jul./dic. 1990. p.
109.
5472 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

conhecimento jurídico, impedindo que os cursos para concur-


sos sejam o principal fato de aprovação dos estudantes e não
seu potencial como ser humano coerente e justo.81 O conheci-
mento jurídico pode ser adquirido e aprimorado, mas o caráter
e a vocação ética não pode ser artificialmente criado.
José Renato Nalini reconhece que “a crise do Estado, a
gerar múltiplas microcrises, é manifestação do enfraquecimen-
to dos laços de solidariedade e da debilitação do sentido da
moral na vida dos homens”.82
Roberto Romano, ao tratar da Justiça, asseverou que “o
tema posto em debate, justiça para todos, precisa ser encarado
com delicadeza mágica. Em primeiro lugar, porque a noção de
Justiça pode ser transposta dos deuses para os homens podero-
sos, os quais se colocam como os grandes justiceiros da socie-
dade, ditando regras loucas mas fortes a que todos devem sub-
meter-se”, concluindo que a “Justiça para todos significa justi-
ça para cada um dos humanos”.83
Nessa concepção encontra-se o conflito da “ética da con-
vicção” (prioriza o magistrado como interprete da norma de
conotação subjetiva) com a “ética da responsabilidade” (valori-
za o entendimento jurisprudencial e a posição dos Tribunais
Superiores de caráter objetivo).84
Na verdade, ambas podem conviver pacificamente, mas a
justiça apenas se efetiva quando há convicção. O magistrado
deve, ao analisar o caso concreto, ponderar o seu julgamento,
aplicando a jurisprudência consolidada quando realmente

81
NALINI, Jose Renato. A crise do Direito e o resgate da ética. LEX:
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. São
Paulo. v.11. n.113. p.9-18. jan. 1999. p. 13 .
82
NALINI, Jose Renato. A crise do Direito e o resgate da ética. LEX:
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. São
Paulo. v.11. n.113. p.9-18. jan. 1999. p. 16 .
83
ROMANO, Roberto. Justiça para todos? Boletim dos Procuradores da República.
São Paulo. v.4. n.40. p.13-9. ago. 2001. p. 18.
84
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Ética na Magistratura. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.14. p.52-9. 2001. p. 59.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5473

entender cabível essa posição jurídica ou promovendo a inter-


pretação justa da lei, segundo a sua concepção.
O que não poderá preponderar será a singela implemen-
tação da posição jurisprudencial, a pretexto de cumprir metas
ou para terminar mais rapidamente o processo, invertendo o
caráter instrumental do procedimento para transformá-lo em
objeto principal da prestação jurisdicional. Jamais o meio pode
ser considerado um fim e, obviamente, o ser humano de fim
não deve se submeter a ser mero meio para o alcance de metas
de produtividade, que apenas beneficiarão os juízes em suas
promoções ou os órgãos de fiscalização, como o Conselho
Nacional de Justiça, em seus monitoramentos.
Diante da dinâmica da sociedade ,a sentença que, num
primeiro momento, poderia ser concebida como “produto de
um puro jogo de lógica formal” é confeccionada numa relação
inversa do silogismo clássico em que se chega primeiro a con-
clusão e depois encontra-se a sua fundamentação e as premis-
sas que a embasam.85
Nesse sentido é a posição de Dyrceu Aguiar Dias Cintra
Junior:
“Compromissado eticamente com a justiça efetiva e
não com o preceito genérico da lei, o convencimento do juiz
deve vir do fato para a norma. Tomando a decisão mais justa,
obriga-se a adaptá-la às leis vigentes, preenchendo lacunas e
corrigindo seu conteúdo axiológico. Não pode se apegar a
normas imperfeitas ou esclerosadas, ainda que tenha que for-
mular interpretação astuciosa ou abusiva, numa criação judi-
cial do direito cada vez mais exigível. O papel do juiz cada
vez mais se afasta da tradicional descoberta do espirito da lei.
Tratando de recuperá-la e atualizá-la, pratica uma jurispru-
dência de interesses em lugar da jurisprudência de conceitos,
numa sociedade fragmentada, complexa e cambiante”. 86

85
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
abr. 1997. p. 472.
86
CINTRA JUNIOR, Dyrceu Aguiar Dias. Magistratura democrática e o direito
alternativo - em busca de uma nova ética de jurisdição. Revista dos Tribunais. São
5474 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

A precisa sentença de um juiz somente será alcançada se


ele tomar efetivo conhecimento das provas produzidas nos
autos e das peças processuais protocoladas pelas partes em
litígio, mas isso demanda tempo e pode prejudicar a celeridade
processual em prol da segurança jurídica, ambas respeitadas
nas práticas cotidianas dos Fóruns, em que os processos são
separados pela sua complexidade.87
Os Vinte Mandamentos do Juiz idealizado pelo magistra-
do francês RANSSON demonstra o espírito que deve imbuir os
juízes em sua atividade:
1. O juramento prestado guardarás - Com retidão e estrita-
mente
2. A hora marcada comparecerás - À audiência, exatamente.
3. As partes bem tratarás - Como a todos, afavelmente.
4. Para os deserdados tu serás - Mais que para os outros,
benevolente.
5. Da popularidade fugirás - E da publicidade, igualmente.
6. Os litigantes reconciliarás - Quando tu couber, corajosa-
mente.
7. Teus méritos apreciarás - Com eqüidade, facilmente.
8. Sem nenhum pesar te absterás - Cada vez mais modesta-
mente.
9. Da rotina te amedrontarás - Como da peste, seguramente.
10. Teu erro confessarás - Em todo ensejo, humildemente.
11. Em caso de dúvida absolverás - Sem hesitar, imediata-
mente.
12. Aos empedernidos te mostrarás - Severo, impiedosamente.
13. Sem nenhum pesar te absterás - Do gracejo, muito seve-
ramente.
14. As formas simplificarás - Sempre que puderes, impune-
mente.
15. Todas as peças tu lerás - Lenta e cuidadosamente.
16. A solução tu adotarás - Nem rápida, nem lentamente.
17. Os suplicantes ouvirás - Sem bocejar visivelmente.
18. Tuas sentenças redigirás - Curtas e completas,

Paulo. v.82. n.691. p.53-8. maio. 1993. p. 57.


87
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
abr. 1997. p. 473.
RIDB, Ano 3 (2014), nº 8 | 5475

19. Na promoção não pensarás - Senão no domingo somente.


20. Servidor das leis te conservarás - Até a morte, simples-
mente.88
Em situação assemelhada, na presença de “máximas de
comportamento”, Amauri Mascaro Nascimento, ao final de
uma lista de 15 itens de observação obrigatória pelo juiz, con-
clui, após o relato, “se fores assim, não és um juiz, és um
super-homem”.89
Na realidade, nem tudo que almejamos conseguimos
alcançar, mas a estipulação de um ideal distante tem o benefí-
cio de propiciar ao menos que continuemos a seguir o caminho
que nos levará ao destino ou como preferem alguns ao norte
indicado pela bússola. Apesar de jamais encontramos um local
denominado norte, a bussola sempre permitirá que nos direcio-
nemos naquele sentido e isto, no momento, já é suficiente para
termos esperança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As normas de cunho ético que influenciam a atividade


dos Magistrados não se restringem ao Poder Judiciário, visto
que em diversas oportunidades os poderes-deveres dos juízes
se entrelaçam com prerrogativas de outros operadores do direi-
to, sem mencionar as partes em litígio e os demais servidores e
auxiliares da Justiça, cujo trato exige uma conduta escorreita
sob o ponto de vista ético.
As diversas disposições escritas e não escritas de conota-
ção ética, essenciais para a prestação jurisdicional, não se esgo-
tam nas normas copiladas em códigos ou diplomas legais, pois
tais preceitos são dinâmicos e em contínua evolução para se

88
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. A ética e a magistratura na visão de um
juiz do trabalho. LTr: revista legislação do trabalho. São Paulo. v.61. n.4. p.471-4.
abr. 1997. p. 474.
89
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Ética na Magistratura. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região. Campinas. n.14. p.52-9. 2001. p. 59.
5476 | RIDB, Ano 3 (2014), nº 8

adequar às exigências vigentes no âmbito social.


Os juízes contemporâneos devem exercer sua profissão
com parcimônia, urbanidade, imparcialidade, dentre outros
princípios, priorizando e aprimorando o seu lado humano com
o desenvolvimento de percepções metajurídicas, que devem ser
incentivadas desde a formação nas Faculdades de Direito até a
seleção nos concursos públicos para a Magistratura.
Apenas se o meio social conscientizar-se da importância
dos preceitos éticos para o aprimoramento das estruturas de
poder inerente ao Estado é que os exemplos serão concretiza-
dos e plenamente divulgados no serviço público em geral, mas,
para tanto, o comprometimento da Magistratura é prioritário
para as bases de um eticidade mais humanitária e menos artifi-
cial em prol do cidadão e do bem comum, sendo este estudo
um pequeno passo em direção à plena conscientização social.

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