Métodos de Pesquisa em Psicologia

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Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | julho-dezembro de 2010

Psicologia em Pesquisa
ISSN 1982-1247
Publicação do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFJF
Volume 4 Número 2
Julho - Dezembro 2010

Missão
A revista Psicologia em Pesquisa tem como objetivo principal promover a produção e a divulgação do conhecimento científico no campo da
Psicologia e de áreas afins. Para tanto, prioriza a publicação de artigos originais que relatam pesquisas empíricas. Também são publicadas outras comu-
nicações científicas originais como, por exemplo, revisão de literatura, ensaio teórico, resenha, entrevista, relato de experiência, que tenham relevância
para Psicologia e áreas correlatas.
Psicologia em Pesquisa é uma publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
e está disponível apenas no formato eletrônico, podendo ser acessada tanto no site da UFJF (www.ufjf.br/psicologiaempesquisa) quanto na base de dados
PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia (http://pepsic.bvs-psi.org.br).
Com a meta de assegurar uma avaliação imparcial e promover um intercâmbio entre os autores e seus pares, a seleção dos textos publicados no
periódico é feita a partir de uma revisão às cegas por pares. Desta forma, o conteúdo não reflete, necessariamente, a posição, a filosofia ou a opinião do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia e/ou da UFJF.

Editor
Saulo de Freitas Araujo

Editores Associados

Francisco Teixeira Portugal – UFRJ (História e Filosofia da Psicologia)


Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota – UERJ (Psicologia do Desenvolvimento)
Telmo Mota Ronzani – UFJF (Psicologia Social e Saúde)
Comissão de Política Editorial

Saulo de Freitas Araujo – UFJF


Altemir José Gonçalves Barbosa – UFJF
Juliana Perucchi – UFJF
Lélio Moura Lourenço – UFJF
Marisa Consenza Rodrigues – UFJF

Conselho Editorial

Acácia Angeli Aparecida dos Santos – Universidade São Francisco José Antônio Damásio Abib – Universidade Federal de São Carlos
Adelina Guisande – Universidad de Santiago de Compostela (Espanha) Leandro Almeida – Universidade do Minho (Portugal)
Alexander Moreira-Almeida – Universidade Federal de Juiz de Fora Makilim Nunes Batista – Universidade São Francisco
Ana Maria Jacó-Vilela – Universidade Estadual do Rio de Janeiro Marcus Bentes de Carvalho – Universidade Federal do Pará
Ann Dowker – University of Oxford (Inglaterra) Marcos Emanoel Pereira – Universidade Federal da Bahia
Antônio Diniz – Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Portugal) Maria do Carmo Guedes – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Antônio Maurício Castanheira Neves – Universidade Católica de Petrópolis Mônica Sanches Yassuda – Universidade de São Paulo
Carla Witter – Universidade São Judas Tadeu Richard Saitz – Boston University (EUA)
Cláudio Garcia Capitão – Universidade São Francisco Richard Theisen Simanke – Universidade Federal de São Carlos
Eduardo José Manzini – Universidade Estadual Paulista Sandra Regina Kirchner Guimarães – Universidade Federal do Paraná
Enrique Saforcada – Universidad de Buenos Aires (Argentina) Sônia Maria Guedes Gondim – Universidade Federal da Bahia
Erikson Felipe Furtado – Universidade de São Paulo Thomas Sturm – Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha)
Fernando Vidal – Max-Planck-Institut für Wissenschaftsgeschichte (Alemanha) Vitor Geraldi Haase – Universidade Federal de Minas Gerais
Geraldina Porto Witter – Universidade Camilo Castelo Branco William Barbosa Gomes – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Gerardo Prieto – Universidad de Salamanca (Espanha) Zilda Aparecida Pereira Del Prette – Universidade Federal de São Carlos
Gerson Yukio Tomanari – Universidade de São Paulo

Assistente do Editor
Cíntia Fernandes Marcellos
Secretária
Priscila Bonfante Medeiros
Revisão, Diagramação e Projeto Gráfico

Editora UFJF
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | julho-dezembro de 2010

Psicologia em Pesquisa
ISSN 1982-1247
Publicação do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFJF
Volume 4 Número 2
Julho - Dezembro 2010

Sumário
Editorial

83 A Questão do Método na Pesquisa Psicológica


Saulo de Freitas Araujo - Editor

Artigos
84 Psicologia do Trabalho e das Organizações: Produção Científica e Desafios Metodológicos
Work and Organizational Psychology: Scientific Production and Methodological Challenges
Sonia Maria Guedes Gondim, Jairo Eduardo Borges-Andrade e Antonio Virgílio Bittencourt Bastos

100 Métodos de Investigação em História da Psicologia


Research Methods in History of Psychology
Marina Massini

109 Questões Sobre Avaliação de Processos Psicoterápicos


Issues in Evaluation of Psychotherapy Process
Makilim Nunes Baptista

118 A Pesquisa em Neuropsicologia: Desenvolvimento Histórico, Questões Teóricas e Metodológicas


Research in Neuropsychology: Historical Development, Theoretical and Methodological Issues
Simone Cagnin

135 Produção Científica na Área Educacional: Realização Acadêmica na Adolescência


Scientific Production on Educational Area: Academic Realization in Adolescence
Geraldina Porto Witter e Giovana Ardoino Paschoal

144 Metodologia de Pesquisa em Desenvolvimento Humano: Velhas Questões Revisitadas


Research Methods in Developmental Psychology: Revisiting Old Questions
Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota

150 Fundamentos Metodológicos da Pesquisa em Análise Experimental do Comportamento


Methodological Principles of Research in Experimental Analysis of Behavior
Saulo Missiaggia Velasco; Miriam Garcia-Mijares e Gerson Yukio Tomanari

156 O Experimento na Psicologia Social: Sobre a Pesquisa Experimental em um Meio Relativista


Experimental Method in Social Psychology: On Experimental Research in a Relativistic Milieu
Marcos Emanoel Pereira

Seção Livre
165 Psicologia Evolucionista - Entrevista com a Profª. Dr.ª Maria Lucia Seidl-de-Moura
Márcia de Fátima Rabello Lovisi de Freitas e Karen Cristina Alves Lamas

Resenha
169 Interfaces do Conhecimento Psicológico: Conceitos, Instrumentos e Práticas
Cíntia Fernandes Marcellos

Nominata
172 Saulo de Freitas Araujo
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Editorial

A Questão do Método na Pesquisa Psicológica


Na sua tentativa de se constituir como campo geral e com a história das ciências, o que acaba gerando
epistêmico autônomo, a psicologia vem enfrentando, uma multiplicidade de histórias possíveis.
pelo menos desde o século XVIII, uma série de difi- Baptista discute a questão da avaliação da eficá-
culdades para estabelecer um método de investigação cia de intervenções psicoterápicas, a partir de uma me-
próprio ao seu objeto de estudo. Isso se evidencia, por todologia quantitativa, envolvendo principalmente os
exemplo, nos inúmeros debates metodológicos ocor- delineamentos de ensaios clínicos randomizados e as
ridos entre alguns de seus principais representantes ao meta-análises.
longo desses últimos séculos (Dilthey x Ebbinghaus, Cagnin enfoca o campo da neuropsicologia,
Wundt x Bühler, Rogers x Skinner, etc.). partindo de uma exposição histórica até chegar à dis-
Uma análise mais detalhada dessa situação, con- cussão de pesquisas clínicas e experimentais, assim
tudo, permite-nos compreender que na maior parte das como de métodos investigação mais recentes, como a
vezes a essa disputa metodológica subjaz uma profunda neuroimagem.
diferença na concepção teórica do que seja a psicologia. Witter e Paschoal apresentam considerações so-
Em outras palavras, a divergência sobre o método já é bre a pesquisa educacional em seus vários aspectos, to-
uma consequência da falta de consenso sobre o objeto a mando como base alguns resultados sobre a realização
ser abordado pelo mesmo. Daí a diversidade metodoló- acadêmica na adolescência, decorrentes de levantamen-
gica aparentemente inevitável na psicologia. to de dados em quatro bases.
Na formação do psicólogo contemporâneo, em Mota discute questões metodológicas no campo
que as grandes questões de base são muitas vezes negli- do desenvolvimento humano, levando em consideração
genciadas, a simples existência desse problema teórico- perspectivas e tendências atuais, ao mesmo tempo em
-metodológico parece ter desaparecido do seu horizon- que busca uma sistematização de questões que apare-
te. E já que esse problema afeta também a formação do cem de forma dispersa na literatura secundária.
pesquisador, a eventual falta de reflexão metodológica Velasco, Garcia-Mijares e Tomanari, representan-
por parte do psicólogo contemporâneo vai influenciar do a Análise do Comportamento, apresentam as prin-
negativamente o planejamento e a execução de suas cipais características da metodologia experimental com
pesquisas. sujeito único, explicitando as relações que suas estraté-
Tendo em vista a importância dessa discussão, o gias e táticas mantêm com um conjunto de concepções
presente número de PSICOLOGIA EM PESQUISA filosófico-conceituais acerca da natureza de seu objeto
é dedicado exclusivamente à discussão sobre questões de estudo.
teórico-metodológicas na pesquisa psicológica. Para Pereira faz uma defesa do uso do método experi-
tanto, alguns dos principais nomes da psicologia bra- mental na psicologia social, ao mesmo tempo em que
sileira expõem e discutem aspectos da metodologia de discute as razões para o desinteresse do psicólogo so-
pesquisa em suas respectivas áreas de investigação e cial brasileiro pela metodologia experimental em suas
atuação profissional. pesquisas.
Gondim, Borges-Andrade e Bastos enfatizam os Para encerrar este número especial de PSICOLO-
desafios metodológicos para a psicologia do trabalho e GIA EM PESQUISA, temos uma entrevista especial
das organizações, decorrentes sobretudo da interdisci- com a Prof. Maria Lucia Seidl-de-Moura e uma resenha
plinaridade e dos diferentes níveis de análise das ques- do livro “Psychology’s Territories”, de Mitchell Ash e
tões que envolvem os trabalhadores e gestores no mun- Thomas Sturm.
do contemporâneo.
Massimi mostra como o campo da história da
psicologia também é afetado por uma diversidade me- Saulo de Freitas Araujo
todológica, a partir de suas relações com a historiografia
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 84-99 | julho-dezembro de 2010

Psicologia do Trabalho e das Organizações: Produção Científica e Desafios Metodológicos

Work and Organizational Psychology: Scientific Production and Methodological Challenges

Sonia Maria Guedes GondimI

Jairo Eduardo Borges-AndradeII

Antonio Virgílio Bittencourt BastosI

Resumo
Este artigo discorre sobre a produção científica na subárea de conhecimento da psicologia do trabalho e das organizações
e sinaliza os desafios metodológicos que cercam esta subárea do conhecimento. Três características marcam a subárea: 1) o
domínio multi e interdisciplinar, 2) a constante tensão entre as demandas de compreensão dos processos psicológicos e de
solução de problemas que desafiam organizações, gestores, trabalhadores e formuladores de políticas públicas laborais, e 3)
múltiplos níveis (individual, grupal, societal e governamental) de análise das questões que cercam o dia a dia de trabalhadores
e gestores. Inicia-se pela demarcação conceitual. Na seção subseqüente argumenta-se a favor da relação entre o crescimento e
diversificação da subárea e a expansão da pós-graduação no Brasil. Segue-se um panorama das revisões de literatura nacionais
e internacionais visando a ressaltar a diversidade na prática de pesquisa. Finaliza-se com considerações sobre os desafios
metodológicos para alcançar níveis mais elevados de amadurecimento científico.
Palavras-chave: Métodos de pesquisa; psicologia organizacional; pós-graduação

Abstract
This article discusses the scientific knowledge in the subfield of psychology of work and organizations, and points to
the methodological challenges surrounding this subarea of knowledge. The subarea has three features: 1) the multi and
interdisciplinary domain, 2) the constant tension between demands to understand psychological processes and to solve
problems that challenge organizations, managers, workers and individuals who formulate labor public policies; 3) the multiple
levels of analysis (individual, group, social and governmental) of daily questions surrounding workers and managers. It starts
by defining concepts. The next section argues in favor of the relationship between growth and diversification of the subarea
and the expansion of graduate programs in Brazil. An overview of national and international scientific reviews follows, in
order to highlight the diversity in research practices. Finally, the paper discusses methodological challenges to achieve higher
levels of scientific maturity.
Keywords: Research methods; organizational psychology; postgraduate training.

I
Universidade Federal da Bahia
II
Universidade de Brasília

Um ensaio sobre o estado atual de desenvolvi- sempre se apresentará inconclusa e isto não é decorrência
mento de uma subárea especializada de conhecimento é de falta de produção teórica ou empírica. Razões diversas
de suma importância para avaliar os avanços obtidos ao justificariam este inevitável destino. Três características es-
longo do tempo, identificar barreiras e obstáculos teó- truturantes da subárea parecem centrais neste particular: a)
rico-metodológicos e definir diretrizes que apontem os o fato de se constituir em um domínio claramente multi
caminhos temáticos, conceituais e de pesquisa a serem e interdisciplinar, para o qual concorrem conhecimentos
trilhados para alcançar a maturidade científica. oriundos de diferentes disciplinas e que são fundamentais
Redigir um artigo que consiga abarcar toda a am- para a compreensão dos processos psicológicos e psicosso-
plitude e complexidade da subárea de conhecimento da ciais que cercam o mundo do trabalho e das organizações;
psicologia do trabalho e das organizações1 é uma tarefa que b) a constante tensão entre as demandas de compreensão
dos processos psicológicos e de intervenção frente a proble-
1
Considerando controvérsia recente envolvendo uma sociedade científica mas e questões que desafiam organizações, gestores, traba-
e uma entidade corporativa profissional, os autores do presente texto fa-
zem questão de utilizar, de forma propositalmente alternada, as expressões
“psicologia organizacional e do trabalho” e “psicologia do trabalho e das zações sem trabalho e que trabalho sempre ocorre em algum contexto no
organizações”, para deixar claro que não expressam preferências ou privi- qual existe uma organização, mesmo quando esta não tem uma arquitetu-
legiam a primeira ou a segunda, já que entendem que não existem organi- ra ou estrutura visíveis. Portanto, são necessariamente interdependentes.

Gondim, S. M. G.; Andrade, J. E. B. & Bastos, A. V. B. 84


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lhadores e formuladores de políticas públicas laborais; e c) duas décadas. Recente edição da pesquisa nacional do psi-
os múltiplos níveis (individual, grupal, societal e governa- cólogo brasileiro (Bastos & Gondim, 2010) mostrou que
mental) em que se estruturam as questões e os problemas este campo de atuação é ocupado por aproximadamente ¼
que cercam o dia a dia de trabalhadores e gestores, imersos dos profissionais de psicologia. Mas a comunidade científi-
em padrões culturais e políticos em que aspectos globais e ca de PO&T possui proporções reduzidas, o que acentua a
locais nem sempre convergem. distância entre o volume de questões implicadas na prática
Ademais, a subárea de psicologia organizacional e profissional do psicólogo organizacional e do trabalho e a
do trabalho, ao pertencer à área de conhecimento da psi- produção de conhecimento científico que lhe dê suporte.
cologia, herda algumas tensões, como por exemplo, a de Além disto, os ocupantes deste campo profissional carecem
caracterizar-se como ciência e profissão, ao contrário de de uma ampla rede dedicada à formação nos níveis de mes-
ciências como a física e a química, cuja aplicação se situa trado e doutorado (Borges-Andrade e Zanelli, 2004). Estas
em outro campo, o das engenharias. Outra tensão herdada lacunas certamente ajudam a explicar a presença de prá-
da psicologia se refere ao que ocorre no quadro geral da ticas sem o devido respaldo científico, além da facilidade
produção científica nas ciências humanas e sociais, em que com que modismos importados ganham ares de soluções
se encontram diversos paradigmas em permanente confli- mágicas para os complexos problemas que cercam o mun-
to, que tentam impor padrões e normas de produção de do do trabalho e das organizações.
conhecimento, decisões metodológicas e ferramentas téc- Este artigo pretende discorrer sobre questões es-
nicas diferenciadas. Outro aspecto que cria esta comple- senciais relativas à produção científica na subárea e aos
xidade é o freqüente descompasso entre o nível teórico de desafios metodológicos que a cercam, visando a orientar
muitos constructos e sua mensuração. A rigor, a maioria e oferecer diretrizes não só para pesquisadores, mas para
dos constructos na psicologia não é evidentemente obser- aqueles que ao se dedicarem a este campo de aplicação
vável por meios diretos e não tem definições operacionais do conhecimento possam encontrar subsídios e cami-
compartilhadas na comunidade científica, o que dificulta a nhos para sua atuação profissional.
construção de boas medidas e sua sistemática utilização na Na tentativa de traçar um roteiro para atender aos
prática profissional e na pesquisa. Tamanha complexidade objetivos do artigo, iniciaremos pela demarcação da su-
repercute na variedade de temáticas, algumas delas com bárea de conhecimento da psicologia organizacional e do
autonomia científica nesta subárea de conhecimento. Em trabalho e ressaltaremos o crescimento de sua diversidade.
decorrência, houve uma grande diversificação e criação de Na seção subseqüente, argumentaremos a favor da rela-
novos subdomínios, conforme descreve a próxima seção. ção entre o seu crescimento e diversificação e o desenvol-
Por ser um campo multifacetado e plural, é preciso vimento da pós-graduação no Brasil. Apresentaremos, a
destacar ainda que apesar das muitas mudanças recentes seguir, um panorama das revisões de literatura nacionais e
na psicologia organizacional e do trabalho, os princípios internacionais sobre a subárea, com o objetivo de ressaltar
da administração científica que orientaram as primeiras como essa diversidade se encontra na prática de pesqui-
pesquisas aplicadas convivem com novas visões acerca das sa. As considerações finais terão como foco indagações
variáveis que devem ser levadas em conta no estudo das críticas sobre o estado atual da produção na subárea e os
organizações e do trabalho. desafios metodológicos a serem enfrentados para alcançar
A indústria deixou de ser o contexto privilegiado de níveis mais elevados de amadurecimento científico.
análise do trabalho e outros tópicos, além da eficiência, pas-
saram a ser objeto de análise. As crises periódicas do capita- Psicologia Organizacional e do Trabalho
lismo que repercutem de modo decisivo nas relações sociais e a Gestão: Temáticas Inter-relacionadas e
de trabalho, o surgimento e difusão das novas tecnologias de
em Expansão
informação e comunicação, que revolucionaram as ativida-
des de gestão e de estruturação do trabalho e das organiza-
Pode-se caracterizar a psicologia do trabalho e das
ções, os novos modelos de gestão, tudo isto força novas for-
organizações em uma perspectiva evolutiva em que cada
mulações teóricas para dar subsídios à prática profissional.
face se agrega às demais (Sampaio, 1995, 1998; Silva,
A tarefa de discutir a produção científica se torna
1992). A primeira face seria a de uma psicologia aplica-
ainda mais urgente, por ser visível o crescimento da psico-
da ao trabalho, preocupada com a busca da eficiência e
logia do trabalho e das organizações no Brasil nas últimas

Pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho 85


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a aplicação dos conhecimentos psicológicos à lógica da relações entre comportamento humano e organização se-
produção industrial e da racionalidade instrumental. Seu riam seu principal objeto de estudo, nos níveis macro (es-
foco estaria no desenvolvimento de medidas psicológi- trutura), meso (grupos) e micro (indivíduo). O trabalho
cas e ergonômicas para oferecer condições apropriadas entraria como a dimensão que uniria os três níveis.
de trabalho que evitem problemas de maladaptação com A psicologia do trabalho, uma segunda face do cam-
repercussões na saúde e qualidade de vida do trabalhador. po, teria seu principal foco no fenômeno do trabalho, em
A segunda face emergiu quando a estrutura das orga- qualquer contexto onde ele estivesse sendo desenvolvido e
nizações se tornou um ponto importante na compreensão não somente no âmbito das organizações. A gestão de pes-
do comportamento humano no trabalho e, portanto, os soas, ao seu turno, teria como foco a utilização do conhe-
olhares se voltaram para analisar as contribuições da psicolo- cimento produzido em comportamento organizacional e
gia. A valorização do comportamento humano no trabalho em psicologia do trabalho para dar suporte às atividades
também teve um papel decisivo no aparecimento desta se- de gerenciamento do trabalho. Esta utilização seria feita
gunda face, a da psicologia das organizações, quando ajudou por profissionais da psicologia e também de outras áreas
a demarcar a temática de comportamento organizacional. do conhecimento. Em resumo, o subdomínio de gestão
Desenvolvimento organizacional e gerencial e mudanças or- de pessoas extrairia conhecimentos dos demais subdomí-
ganizacionais passaram a ocupar um lugar de destaque. nios (psicologia do trabalho e psicologia das organizações)
A terceira face coincide com a abordagem do tra- e ocupar-se-ia dos processos de ingresso nas organizações
balho como um fenômeno psicossocial não circunscrito (recrutamento e seleção, socialização), desenvolvimento
somente às organizações de trabalho. Esta face também (treinamento), fixação (planos de cargos, salários e de car-
adota uma postura crítica em relação à psicologia orga- reira), acompanhamento e avaliação do desempenho, além
nizacional, vendo-a como amortecedora das contradições dos impactos de mudanças organizacionais.
da divisão do trabalho arrefecidas pelo processo de in- Outra classificação do campo mais vasto de psico-
dustrialização e do empobrecimento das tarefas (Chan- logia do trabalho e das organizações é apresentada por
lat, 1993). A eficácia, o desempenho e a produtividade se Borges-Andrade e Zanelli (2004), que o classificam em
tornam alvo de críticas. Assume-se uma postura menos três subdomínios: i) o ser humano e suas ações em situa-
prescritiva sobre qual seria o melhor ser humano, o me- ções de trabalho (psicologia do trabalho) e em contextos
lhor trabalho e o melhor resultado, e passa-se a descre- organizacionais (psicologia organizacional e comporta-
ver como é o trabalho, como este se insere no mundo mento organizacional); ii) os antecedentes e conseqüen-
do trabalho, como produz e em que condições. Por essas tes destas ações para a pessoa, os grupos e a organização;
razões, compreender em profundidade a complexidade e iii) as contribuições da psicologia e de outras ciências
que cerca o modo como o indivíduo trabalha se tornou que fornecem ferramentas conceituais e metodológicas
imperativo. Os significados e sentidos do trabalho adqui- para a psicologia organizacional e do trabalho.
rem importância: por que se trabalha, como se trabalha A SIOP (Society for Industrial and Organizational
e para quem se trabalha. A organização é pensada como Psychology), apesar de adotar a divisão clássica de três sub-
uma modalidade de inserção da pessoa no mundo do tra- domínios - comportamento organizacional, gestão de re-
balho. Vertentes teóricas diversificadas se aproximam do cursos humanos e relações de trabalho - aponta, em suas
tema trabalho e fundamentam o estudo deste objeto. A publicações mais recentes, para a ampliação dos subdo-
psicanálise, a psicodinâmica do trabalho e as correntes mínios. A edição do APA Handbook of Industrial and Or-
teóricas que discutem a qualidade de vida no trabalho, o ganizational Psychology (Zedec, 2010), com três volumes,
bem estar e a saúde foram as mais frequentemente uti- é um dos possíveis exemplos de estratégia para lidar com
lizadas como quadros de referências para estes estudos. esses subdomínios. O volume 1 é inteiramente dedica-
O entendimento de que os subdomínios da psico- do à construção e ao desenvolvimento das organizações e
logia organizacional e do trabalho se organizam em faces possui três seções: i) questões metodológicas da produção do
também nos leva a crer que este campo do conhecimento conhecimento (relações entre teoria e prática, estratégias de
mantém zonas de intersecção que marcam as interações pesquisa, a pesquisa qualitativa, avanços de estratégias ana-
entre o trabalho, as organizações e a gestão. A psicologia líticas); ii) perspectivas de desenho organizacional e sistemas
das organizações teria interesse no estudo das organiza- de recursos humanos (teoria organizacional, estratégias de
ções como processos sociais estruturantes. Neste caso, as tomada de decisão, liderança, empreendedorismo, criati-

Gondim, S. M. G.; Andrade, J. E. B. & Bastos, A. V. B. 86


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vidade no ambiente de trabalho, medidas de desempenho tros da ANPAD (Associação Nacional de Programas
no trabalho na perspectiva multinível e perspectivas de de Pós-graduação em Administração)2, que só aceitam
análise de clima e cultura organizacional); e iii) desenho e submissões de artigos completos e que a cada edição fa-
experiências no trabalho (desenho de trabalho, segurança no zem ajustes no número e nos nomes de subdivisões para
local de trabalho, inabilidade e emprego, teoria dos papéis, submissão destes artigos. Atualmente as subdivisões es-
esquemas de trabalho flexíveis, novos arranjos de trabalho, tão organizadas da seguinte forma: i) estudos organiza-
desenvolvimento de equipes, diversidade de equipes). cionais, ii) conhecimento e aprendizagem nas organi-
O volume 2 reúne contribuições sobre a seleção zações, iii) mudanças e transformações organizacionais,
e o desenvolvimento de pessoas, contendo cinco seções: iv) diversidade no trabalho, v) contexto familiar nas
i) fundamentos da seleção de pessoas (análise do trabalho, organizações, vi) comportamento organizacional nas
recrutamento, questões relacionadas à carreira); ii) es- organizações (indivíduos e grupos), vii) redes de relacio-
tratégias de seleção (medidas das diferenças individuais, namento intra e inter-organizacional, viii) simbolismo,
avaliação da personalidade nas organizações, entrevistas, cultura e identidades nas organizações, ix) gestão de car-
centros de avaliação, testes de julgamento situacional); reiras, trabalho, x) gestão e saúde, trabalho, xi) gestão
iii) avaliação individual e de desempenho (avaliação e ge- e subjetividade, xii) políticas de gestão de pessoas, e
renciamento de desempenho, comportamento de cida- xiii) conhecimento, aprendizagem e competências. Foi
dania organizacional, rotatividade organizacional); iv) inclusive criada uma nova subdivisão para artigos teóri-
sistemas de avaliação (reações dos candidatos à seleção e cos e empíricos que articulam os domínios clássicos de
à organização, validação de suporte para procedimentos estudos organizacionais, gestão de pessoas e relações de
de seleção, utilidade de sistemas de seleção e avanços na trabalho. Embora os pesquisadores da subárea de psico-
seleção e na psicologia de pessoal); e v) desenvolvimento logia organizacional e do trabalho estejam ausentes em
de pessoas (treinamento e desenvolvimento do emprega- algumas dessas subdivisões, o simples fato deste conjun-
do para melhoria do desempenho, mentoria, coaching to existir acaba por determinar as escolhas das pessoas
executivo, comportamento pró-ativo no trabalho). sobre onde divulgar sua produção intelectual.
O volume 3 se dedica à manutenção, expansão A Tabela 1 resume a diversidade de subdo-
e encolhimento em organizações, também sendo divi- mínios da Psicologia Organizacional e do Trabalho
dido em cinco seções: i) relações com o trabalho (ajuste apresentada nesta primeira seção do artigo, conforme
pessoa e ambiente, socialização organizacional, moti- os modelos classificatórios.
vação dos empregados, atitudes e valores no trabalho, Esta diversidade e a crescente ampliação de sub-
relacionamento indivíduo e organização no contrato domínios decorrem, principalmente, de sua inserção
psicológico); ii) promoção de um ambiente positivo nas como campo de aplicação, o que faz com que seja con-
relações de trabalho (relacionamentos interpessoais no tinuamente pressionada por inúmeras demandas sociais
trabalho, comunicação, justiça organizacional, com- e organizacionais, que forçam a incorporação de novos
portamento de consumidor, estresse e bem-estar no tópicos de pesquisa para dar subsídios à atuação profis-
trabalho, e qualidade de vida no trabalho); iii) gerencia- sional. A indústria foi durante muito tempo o contexto
mento de políticas e problemas organizacionais (políticas de estudos e de aplicação dos conceitos psicológicos, dan-
organizacionais, conflitos no trabalho, a psicologia da do fundamentação a quatro princípios da administração
negociação e da mediação, comportamento gerencial, científica de Taylor (1911, 1987): i) o da eficiência, ii) do
dificuldades de promoção nas organizações, agressão e melhor homem, iii) do melhor trabalho e iv) do melhor
violência no trabalho, assédio sexual); iv) planejamento resultado. O desempenho no trabalho seria resultante
de mudanças e ao futuro (planos de sucessão, mudança de um adequado processo de análise da mútua adapta-
e desenvolvimento organizacional, fusões, aquisições ção do homem ao trabalho (ver Munsterberg, 1913).
e estratégias de aliança); e v) interfaces com a socieda-
de (gerenciando a distribuição da força de trabalho no
2
Deve ser lembrado que a produção intelectual brasileira de artigos
mundo, questões transculturais e globais na psicologia completos, na subárea de psicologia organizacional e do trabalho, é
organizacional, responsabilidade organizacional). divulgada com maior frequência em eventos e periódicos da admi-
Outro exemplo do aumento da amplitude de nistração do que da psicologia. Além disto, a psicologia brasileira não
tem a tradição de publicar anais de eventos com artigos completos,
subdomínios, agora no Brasil, é visualizado nos Encon- como faz a administração.

Pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho 87


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 84-99 | julho-dezembro de 2010

Tabela 1: Diversidade de subdomínios de PO&T

Subdomínios da Psicologia
Classificações Focos
Organizacional e do Trabalho
Conhecimentos psicológicos aplicados à lógica da produção e da
1995, 1998; Silva,

Psicologia Aplicada ao Trabalho


Faces (Sampaio,

racionalidade instrumental
Compreensão do comportamento humano no contexto
Psicologia Organizacional
organizacional de trabalho
1992)

Abordagem do trabalho como um fenômeno psicossocial não


Psicossociologia do Trabalho
circunscrito somente às organizações de trabalho
O ser humano e suas ações nas situações de trabalho e no
Ações humanas no trabalho
Borges-Andrade e

contexto organizacional
Antecedentes e consequentes das Os antecedentes e conseqüentes destas ações para a pessoa, os
Zanelli (2004)

ações humanas no trabalho grupos e a organização


As contribuições da psicologia e de outras ciências que fornecem
Contribuições conceituais e
ferramentas conceituais e metodológicas para a psicologia
metodológicas
organizacional e do trabalho
Compreensão do comportamento humano no contexto
SIOP (Society for

Comportamento organizacional
Organizational

organizacional de trabalho
Industrial and

Psychology)
perspectiva

Gestão de recursos humanos Gerenciamento de pessoas no contexto organizacional


clássica

Aspectos sociais que envolvem poder e status nas relações de


Relações de trabalho
trabalho
Questões metodológicas da produção do conhecimento;
Construção e desenvolvimento
perspectivas de desenho organizacional e sistemas de recursos humanos;
das organizações
desenhos e experiência no trabalho
Fundamentos de seleção de pessoas;
SIOP - perspectiva mais recente

estratégias de seleção;
Seleção e o desenvolvimento de
avaliação individual e de desempenho;
pessoas
sistema de avaliação;
desenvolvimento de pessoas
Relações com o trabalho;
construção de um ambiente positivo nas relações de trabalho;
Manutenção, expansão e
gerenciamento de políticas e problemas organizacionais;
encolhimento de organizações
planejamento de mudanças e do futuro;
interfaces com a sociedade
Estudos organizacionais
Associação Nacional de Programas de Pós-

Conhecimento e aprendizagem nas organizações


graduação em Administração (ANPAD)

Mudanças e transformações organizacionais


Diversidade no trabalho
Contexto familiar nas organizações,
Comportamento organizacional nas organizações (indivíduos e grupos)
Redes de relacionamento intra e inter-organizacional
Simbolismo, cultura e identidade nas organizações
Gestão de carreiras e trabalho
Gestão de saúde e trabalho
Gestão e subjetividade
Políticas de gestão de pessoas
Conhecimento, aprendizagem e competências

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Na ocasião, Munsterberg defendia também os princípios A Pós-Graduação e sua Relação com a


da psicologia experimental e a utilidade da metodologia Produção do Conhecimento em Psicologia
experimental na aplicação do conhecimento psicológico
do Trabalho e das Organizações
aos interesses do desenvolvimento econômico. Suas con-
siderações sustentavam-se na racionalidade instrumental,
Ao fazer a caracterização e comentar o desen-
ou seja, na relação ótima entre meios e fins (eficiência).
volvimento da subárea de psicologia do trabalho e das
O melhor homem, segundo princípio de Taylor (1987),
organizações no Brasil, torna-se necessário oferecer um
era o que possuía vocação e estava preparado para assumir
panorama do cenário da pós-graduação no país. Esta
posições (base da orientação profissional e do desenvol-
subárea e, em especial, as temáticas de comportamento
vimento de medidas psicológicas para avaliar condições
organizacional e treinamento e desenvolvimento de pes-
de inserção profissional). O melhor trabalho, terceiro
soal, estão em processo crescente de consolidação. Isto
princípio, seria aquele que oferecesse oportunidades de
coincide com a expansão da pós-graduação na subárea.
aprendizado e desenvolvimento, que respeitasse as limi-
Argumento nesta mesma direção é apresentado
tações humanas evitando fatiga e monotonia, e que reco-
por Crubellate (2005), que faz uma relação entre o cresci-
nhecesse a existência de variáveis sociais e físicas que in-
mento da produção científica e a expansão da pós-gradu-
terferem no processo de trabalho (base dos estudos sobre
ação na área da administração. Para tal, discorre sobre a
as condições ideais de trabalho, ergonomia, importância
evolução dos estudos organizacionais no Brasil a partir da
dos grupos e psicologia das relações humanas). O me-
criação de subáreas temáticas nos Encontros Nacionais
lhor efeito ou resultado, quarto e último princípio, seria
de Programas de Pós-graduação em Administração e o
aquele que oferecesse as melhores condições de satisfação
surgimento do Encontro Nacional de Estudos Organiza-
e gratificação pelo trabalho produzido.
cionais (Eneo), que desde sua primeira edição em 2000
Ainda que o setor industrial tenha perdido espaço
se firmou como outro espaço no qual são divulgados
para o setor de serviços, como contexto de pesquisa (Bor-
muitos artigos completos produzidos por pesquisadores
ges-Andrade, Coelho Jr & Queiroga, 2006), sua presença
da subárea de psicologia organizacional e do trabalho.
marcante em um dado momento da história faz com que,
Até a década de 1990, uma análise dos dados então
por exemplo, em alguns países como os EUA, a nomen-
disponíveis sobre a pós-graduação em psicologia brasileira
clatura psicologia industrial e organizacional prevaleça, en-
revela que não se contava sequer com uma pós-graduação
quanto em outras partes do mundo, particularmente na
stricto sensu no Brasil, inteiramente dedicada à subárea de
Europa e na América Latina, a nomenclatura psicologia
psicologia do trabalho e organizacional. Existiam somente
organizacional e do trabalho seja a mais comumente usada.
linhas de pesquisa e algumas poucas áreas de concentração
Em resumo, apesar de ainda ser de uso corrente
em programas de pós-graduação em psicologia. Os psicó-
a classificação da psicologia do trabalho e das organiza-
logos interessados migravam para uma pós-graduação lato
ções em três subdomínios, organização, trabalho e gestão,
sensu em gestão de pessoas ou trilhavam o caminho da pós-
houve crescimento e diversificação destes subdomínios.
-graduação stricto sensu em programas de psicologia social,
Contribuíram para isto principalmente as demandas so-
ciências sociais, administração, educação e áreas afins. A
ciais de solução de problemas práticos no contexto da
pós-graduação nesta subárea trouxe como contribuições
atuação profissional, decorrentes de mudanças expressi-
a consolidação de linhas de pesquisa, a oportunidade de
vas na sociedade e no mundo do trabalho. Acreditamos
construção de redes de pesquisadores dispersos geografica-
também que, associado a essas razões, o crescimento da
mente no Brasil e a alocação de egressos destes programas
pós-graduação neste campo do conhecimento teve um
em diversas instituições formadoras em psicologia.
papel significativo no panorama atual desta subárea e no
Dos 55 programas de pós-graduação stricto sensu
desenvolvimento e independência de alguns destes sub-
registrados no país no triênio avaliado pela Capes em
domínios. Trataremos deste assunto de forma destacada,
2007, 13 deles (aproximadamente 20%) estão relaciona-
na próxima seção, pois a pós-graduação é, no Brasil e no
dos à subárea de psicologia organizacional e do trabalho.
exterior, nas diferentes áreas de conhecimento das ciên-
Há apenas um único programa específico, o de Psico-
cias humanas e sociais, o espaço privilegiado onde ocorre
logia Social, do Trabalho e das Organizações da UnB
a produção intelectual que deve oferecer base metodoló-
(Universidade de Brasília) com seis linhas de pesquisa: 1)
gica e de conhecimento para estes subdomínios.

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Aprendizagem, processos psicossociais e mudança nas or- provavelmente fornece importantes insumos teórico-me-
ganizações; 2) Avaliação e instrumentação psicológica; 3) todológicos para elas. Nos outros 12 programas brasilei-
Conteúdos e processos psicossociais do comportamento ros, o foco no trabalho e nas organizações aparece na área
humano; 4) Cultura, organizações e bem estar; 5) Psico- de concentração e nas linhas de pesquisa. Em sete deles
logia ambiental; e 6) Trabalho, ergonomia da atividade e consta tanto o foco no trabalho quanto nas organizações/
saúde. Metade dessas linhas têm seu foco em temáticas de instituições. Nos demais, os focos são nos processos psi-
psicologia organizacional e do trabalho e a outra metade cossociais e nas relações trabalho e saúde. Vide Tabela 2.

Tabela 2 - Programas de pós-graduação no Brasil com área de concentração ou linha


de pesquisa diretamente relacionados à psicologia organizacional e do trabalho

Na Figura 1 encontram-se as linhas de pesquisa Como se pode depreender da Figura 1, a maior


dos programas de pós-graduação em psicologia vin- parte das linhas de pesquisa está relacionada à psico-
culadas à psicologia do trabalho e das organizações logia social (29,6%), seguida da clínica (17,6%) e de-
quando comparadas a outros programas de psicolo- senvolvimento (11,6%). As linhas vinculadas à subárea
gia. Há, como se espera, uma visível associação entre de psicologia do trabalho e organizacional representam
a quantidade da produção científica e o porte da co- 8,3% do total (juntamente com a área de saúde), ocu-
munidade científica e o número de linhas de pesquisas pando a quarta posição, embora projetos de pesquisa de
estruturadas nos programas de pós-graduação do país. docentes e discentes possam ser encontrados em muitos
A existência de linhas de pesquisa pressupõe a existên- programas de psicologia social. No conjunto dos Pro-
cia de grupos de pesquisa estruturados e com um nível gramas de Pós-graduação em Psicologia do Brasil foram
de maturidade que permite constituir a base para a identificadas 15 linhas de pesquisa cujas temáticas re-
formação de novos pesquisadores. metem diretamente a questões desta subárea.

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Figura 1: Linhas de pesquisa de programas de pós-graduação em Psicologia no Brasil


Fonte: Coordenação da Área de Psicologia da CAPES (2008)

Quando examinamos que temas são mais co- simpósios de pesquisa, verificamos que, apesar da diver-
muns na descrição do conteúdo das linhas de pesquisa, sidade, dez temas são os mais freqüentes, como se vê na
utilizando-se o conjunto de ‘especialidades’ definidas Figura 2, cujos números indicam percentuais com que
na proposta de subáreas da ANPEPP discutida em seus tais temas aparecem nas definições das 15 linhas.

Figura 2: Temas mais freqüentes das linhas de pesquisa em Psicologia do Trabalho e Organizacional
Fonte: Coordenação da Área de Psicologia da CAPES (2008)

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São visíveis dois temas prevalentes, processos insti- pessoas. Quem produz e quem usa e adquire o que é pro-
tucionais e fatores humanos no trabalho, seguidos de saúde duzido, quem contrata e quem é contratado. O trabalho
no trabalho, processos grupais, subjetividade, comporta- é feito em organizações, mesmo quando elas não são
mento e cultura, processos sociais e aprendizagem. Um visíveis, como é o caso de muitas organizações contem-
olhar mais atento a estes dados nos permite inferir que há porâneas que adotaram características típicas do mundo
uma influência marcante da psicologia social na produção globalizado, para nele atuarem com mais desenvoltura.
do conhecimento em psicologia organizacional e do tra- Uma vez feita a caracterização inicial da subárea e
balho, explicado tanto por uma formação em psicologia relacionado o seu crescimento e diversificação ao cresci-
social do pesquisador que se dedica a este vasto campo do mento da pós-graduação no Brasil, a próxima seção será
conhecimento, quanto pela presença associada de áreas de dedicada ao panorama da pesquisa nesta grande e multi-
concentração, social e do trabalho, que mantêm estreitas facetada subárea de conhecimento que integra trabalho,
inter-relações nos programas de pós-graduação. organizações e gestão. Este panorama será feito com base
Na realidade, é amplo o conjunto de temas que apa- em revisões de literatura. O objetivo é mais do que ma-
recem em apenas uma linha de pesquisa. Neste conjunto pear temáticas, mas explorar as características metodoló-
aparecem questões clássicas (motivação, comunicação, per- gicas associadas à pesquisa, algo que já é feito na área da
cepção, identidade) que reforçam a estreita relação entre a administração há mais tempo, e em psicologia do traba-
psicologia social e a psicologia organizacional e do traba- lho e das organizações é uma prática mais recente.
lho. Aparecem também temáticas relacionadas a subáreas
próximas ou com as quais partilha interesses comuns e que As Características da Pesquisa em Psicologia
ainda não se tornaram suficientemente maduras para cons-
Organizacional do Trabalho: Revisando a
tituírem linhas de pesquisa específicas, como é o caso de
psicologia ambiental e orientação profissional.
Literatura Nacional e Internacional
Ao levar em conta os dados apresentados na Tabela 2
e nas Figuras 1 e 2 , podemos inferir que o trabalho é estu- A literatura nacional e internacional dispõe de
dado tanto na perspectiva psicossocial e das relações com a muitas revisões sobre a produção do conhecimento em
saúde e a subjetividade do trabalhador, quanto circunscrito psicologia organizacional e do trabalho. Torna-se, por-
aos contextos onde ele é realizado, a cultura, as instituições tanto, difícil discutir todos estas vertentes, consideran-
sociais e as organizações. Constata-se, todavia, que uma lar- do a limitação de páginas deste artigo. Particularmente
ga quantidade de temas clássicos da subárea, especialmente no caso do Brasil, nos últimos anos tem crescido a pro-
aqueles mais relacionados à aplicação a contextos organiza- dução de revisões de literatura, muito provavelmente
cionais, não se tornam objeto de estudo de um conjunto produto da expansão das pesquisas nesta subárea.
Dividiremos esta seção em duas partes. Na primeira,
significativo de pesquisadores e alunos da pós-graduação
discorreremos sobre as revisões de literatura mais gerais da su-
em Psicologia no Brasil. É o caso, por exemplo, de recru-
bárea, para em seguida fazermos menção a algumas revisões
tamento e seleção ou mesmo de avaliação de desempenho.
mais específicas de temas mais proeminentes. Levaremos em
Os possíveis trabalhos gerados provavelmente são resultan-
conta as revisões de periódicos em psicologia e em adminis-
tes de interesses isolados de estudantes ou pesquisadores,
tração, pelas razões anteriormente apresentadas. Na segunda
não se inserindo em linhas consolidadas de pesquisa.
parte, consideraremos as revisões de literatura internacional.
A linha de argumentação apresentada até aqui ten-
No Brasil, foi feita uma análise de 194 artigos sobre
ta destacar que a psicologia do trabalho e das organiza-
estudos organizacionais no período de 2000 e 2001 em
ções constitui um vasto campo do saber psicológico que
três periódicos estrangeiros (Organizational Studies, Admi-
se sustenta na articulação de subdomínios especializados
nistrative Science Quartely e Academy of Management Jour-
bastante inter-relacionados. Independentemente de se
nal) e três nacionais (Revista de Administração de Empresas,
pensar como faces ou campos especializados, a interde-
Revista de Administração da USP e Revista de Administração
pendência é uma de suas características principais. Não
Pública) (Vergara & Peci, 2003). O foco recaiu sobre ob-
se pode pensar o trabalho sem contexto, e a organização
jetivos, instrumentos de coleta de dados, corte temporal e
é um dos principais, e nem trabalho sem sua gestão. Isto
análise de dados. Estudos com foco na explicação (55% -
seria destituí-lo de uma de suas características centrais, ou
teste de hipóteses, relações de causa e efeito) predominam
seja, o de ser uma atividade social e relacional organizada
sobre a exploração (19%) e a descrição (7,3%). Mas isto
e institucionalizada. Envolve algum tipo de troca entre

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aparece de modo mais visível nos periódicos estrangeiros. Outra revisão nacional cobriu 225 relatos de pes-
Nos nacionais predominam estudos qualitativos descri- quisa empírica sobre micro-comportamento organizacio-
tivos e interpretativos. O uso combinado de técnicas de nal publicados entre 1996 e 2004 em 14 periódicos de
coleta de dados predomina, como, por exemplo, questio- administração (60%) e psicologia (40%) (Borges-Andra-
nários e entrevista, visando à triangulação (várias fontes de de, Coelho Jr & Queiroga, 2006). Estes autores encon-
coleta de dados, buscando a convergência e a complemen- traram que os quatro com maior freqüência de publica-
taridade). O corte transversal (55,32%) prevalece sobre as ções foram a Revista de Administração Contemporânea,
pesquisas longitudinais (43,26%). O tratamento quanti- a Organizações e Sociedade, a Revista de Administração
tativo (51%) prevalece sobre o qualitativo (37,58%), e o da USP e a Revista Psicologia – Organizações e Trabalho.
restante combina as duas modalidades. A Figura 3 ilustra os resultados obtidos.

Figura 3: Crescimento das publicações em comportamento micro-organizacional

A Figura 4 ilustra os tipos de fenômenos mais estudados nestas pesquisas.

Figura 4: Tópicos mais estudados em comportamento micro-organizacional

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No entanto, uma análise comparativa dos perió- (21%) e na Universidade Federal da Bahia (6%). Os demais
dicos nos quais essas pesquisas foram divulgadas revela autores estão dispersos numa grande variedade de institui-
diferenças importantes entre o que é mais divulgado nos ções de ensino federais, estaduais, confessionais e privadas.
periódicos de psicologia (afetos e estresse no trabalho; A finalidade dessas pesquisas, em 82% dos casos,
interações sociais nas equipes e organizações e contratos foi a geração de conhecimento, seguida pela geração de
psicológicos) e de administração (atitudes frente à mu- instrumentos (quase sempre validação de medidas), em
dança organizacional, cognição no trabalho, aprendiza- 11% dos casos. Para alcançar seus objetivos, em 91% dos
gem natural e induzida, cultura organizacional e também casos foram analisados dados cuja coleta foi primária. O
contratos psicológicos). uso de dados secundários, mesmo em combinação com
Quase metade dos autores dessas publicações tem dados primários, não passa de 7%. Por outro lado, as
sua última titulação em psicologia e um terço deles possui análises dos mesmos seguiram métodos mais variados,
esta titulação em administração, existindo uma concentra- embora predominem as análises de conteúdo (36%) e in-
ção dos vínculos institucionais na Universidade de Brasília ferenciais (33%) (vide Figura 5).

Figura 5: Análise de dados dos estudos de comportamento micro-organizacional

Os dados sugerem, como mencionado anterior-


mente, que a natureza dos fenômenos ressalta as diferenças
entre a psicologia e a administração, embora os pesquisa-
dores da subárea de psicologia organizacional e do trabalho
publiquem em meios de divulgação de ambas. Também
repercutem na escolha dos métodos de análise de dados.
Assim, se os fenômenos estudados são afeto, atitude frente
a mudanças, cultura e interações sociais, predomina a esco-
lha pela análise de conteúdo. A análise inferencial é predo-
minantemente escolhida nos estudos sobre aprendizagem,
contratos psicológicos e estresse no trabalho.
A Figura 6 ilustra os setores da economia em que
os estudos foram realizados. Este dado é importante, pois Figura 6: Setores da economia dos estudos de
revela beneficiários potenciais, o que é raramente conside- comportamento micro-organizacional
rado quando são analisados artigos científicos publicados.

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No setor privado, foram mais estudados os fenô- pois, no entanto, foi publicado o livro escrito por Borges-An-
menos das interações sociais, significados e identida- drade, Abbad e Mourão (2006), que já mostrou um quadro
de no trabalho. No setor público, afeto e estresse no completamente diferente da produção científica sobre trei-
trabalho, atitudes frente a mudanças organizacionais e namento, desenvolvimento e educação em organizações de
contratos psicológicos foram os tópicos mais estudados. trabalho, para fundamentar a gestão de pessoas. Não por aca-
Borges-Andrade, Coelho Jr e Queiroga (2006) con- so, este salto ocorreu após o grupo de pesquisa desses autores
cluem que há evidências de desenvolvimento significa- ter recebido um apoio financeiro substancial de um Edital
tivo do conhecimento nacional sobre micro-comporta- Pronex da Finep, como é reconhecido no mencionado livro.
mento organizacional, beneficiando distintos setores e Foram recentemente criados periódicos específicos
com variado arcabouço teórico. Entretanto, há profun- para a subárea, como a rPOT, Revista Psicologia, Organiza-
das diferenças conceituais e de metodologias que não ções e Trabalho, e os Cadernos de Psicologia Social do Tra-
conferem um status de uniformidade à subárea. balho. Eles permitiram melhor concentração da produção
Na primeira década do século XXI, também pre- nacional em periódicos especializados, evitando a dispersão,
senciamos um crescimento expressivo do número de que sempre dificulta uma visão clara de tendências de pes-
revisões de literatura sob tópicos específicos, o que sina- quisa. É fato que psicólogos desta subárea publicam em pe-
liza a autonomia de alguns subdomínios da psicologia riódicos de administração e freqüentam congressos de áreas
do trabalho e das organizações. A revisão de Brandão afins, mas não resta dúvida de que o surgimento de periódi-
(2007) explorou a produção nacional sobre competên- cos especializados auxilia a traçar um panorama mais claro e
cias no trabalho, no período de 1996 a 2004, concluin- a dar uma diretriz para o desenvolvimento deste campo do
do que as pesquisas estão focadas nos constitutivos das conhecimento. Ou seja, definir sua identidade.
competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) e A publicação, por exemplo, do livro Psicologia,
procuram relacioná-las aos papéis profissionais. Os sur- Organizações e Trabalho no Brasil (Zanelli, Bastos &
veys são o desenho preferido, embora tenha sido encon- Borges-Andrade, 2004), contribuiu de modo significati-
trado pluralismo nos desenhos de pesquisa. vo para orientar o ensino da subárea nos cursos de gradu-
A revisão de Valle (2005), que se baseou no trabalho ação em psicologia e também da pós-graduação no país.
de Brief e Weiss (2002), teve como foco de atenção a pro- Tal obra veio a substituir a literatura estrangeira e textos
dução nacional sobre os afetos no trabalho no período de isolados publicados em periódicos, que não tinham a pre-
1996 a 2001, um período um pouco mais antigo. Foram ocupação formativa. Uma conseqüência é que aspectos
encontrados 14 artigos que investigaram satisfação e pra- conceituais e resultados de pesquisas na subárea, redigidos
zer-sofrimento no trabalho. A conclusão foi que a satisfa- por estudiosos, permitem sistematizar melhor o aprendi-
ção estava sendo abordada somente do ponto de vista cog- zado e a formação dos futuros interessados em trilhar os
nitivo e não afetivo. Algumas publicações eram dedicadas à caminhos da produção científica na subárea. No campo
qualidade de vida no trabalho. Ademais, a produção sobre metodológico, tivemos duas publicações mais recentes
sofrimento no trabalho estava fortemente apoiada nos es- sobre avaliação psicológica e medidas para o contexto das
tudos de Dejours (1987, 2007) (por exemplo: Mendes & organizações, o livro organizado por Primi e Baumgartl
Abrahão, 1996, Mendes & Tamayo, 2001), apontando o (2006) e o de Siqueira (2008), que tornaram disponível
seu impacto entre os autores brasileiros. Na ocasião, não uma coletânea de medidas validadas no País. Até então,
foram encontrados artigos que discutissem emoções e sen- embora tais medidas existissem, ficavam dispersas em
timentos, bem-estar subjetivo, psicológico (na perspectiva artigos científicos diversos e, com muita freqüência, so-
da psicologia positiva) em contextos de trabalho, situação mente nas bibliotecas universitárias onde são depositadas
que pode ter mudado nos anos subseqüentes. as dissertações de mestrado e as teses de doutorado.
Uma revisão de literatura sobre a temática de treina- Estudo recente sobre o desenvolvimento científico
mento e desenvolvimento, entre 1980 e 1993, evidenciou da subárea da psicologia organizacional e do trabalho co-
um período mais antigo em que havia escassez na literatura briu o período de 2001 a 2005 e analisou 1105 artigos
nacional (Borges-Andrade & Abbad, 1996). Foram encon- das revistas Estudos de Psicologia, Psicologia e Sociedade,
trados 55 artigos em quatorze anos, com o foco na definição Psicologia em Estudo, Psicologia:Reflexão e Crítica, Psico-
e função de T&D (treinamento e desenvolvimento), ma- logia: Teoria e Pesquisa, Psicologia USP e Psicologia: Orga-
peamento das necessidades de treinamento, planejamento, nizações e Trabalho (Tonetto, Amazarray, Koller & Go-
métodos, clientela e avaliação de treinamento. Dez anos de- mes, 2008). Os resultados apontam que os desenhos de

Pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho 95


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pesquisa quantitativa (46,8%) predominam sobre os de que no campo das ciências organizacionais a maior parte
natureza qualitativa (37,3%), sendo que apenas 16,6% dos estudos são surveys (40%), com corte temporal trans-
são mistos. A revisão também mencionou três estudos de versal (79%), de nível de análise individual (73%). No que
análise da produção científica relacionada à subárea. tange à análise dos dados, poucos estudos utilizaram pro-
Um deles é o de Bastos, França, Pinho e Pereira cedimentos de análise multivariada, privilegiando a análise
(1997), em que se examinou a produção sobre compor- correlacional, análise da variância e regressão múltipla.
tamento organizacional em periódicos de administração Outra revisão cobriu todos os artigos publicados
e psicologia e também nos Anais dos Encontros Nacio- pelo JAP (Journal of Applied Psychology) de 1975 a 1993,
nais de Programas de Pós-graduação em Administração totalizando quase 2000 artigos (Stone-Romero, Weaver
(ENANPAD) entre os anos de 1985 e 1995. Uma con- & Glenar, 1995). O foco de análise recaiu sobre o de-
clusão na época era que os administradores contribuíam senho da pesquisa e a análise de dados. Quanto ao de-
mais que psicólogos para a produção científica da subárea. senho, estudos experimentais aparecem em proporção
No primeiro período (anos 1980) eram mais freqüentes similar a estudos não-experimentais (40 a 50% respec-
estudos sobre clima, motivação, satisfação e produtivida- tivamente). Este resultado se distingue do Brasil, onde
de, enquanto no segundo período (anos 1990) predomi- há ainda poucos desenhos experimentais ou quase-ex-
navam estudos sobre impactos tecnológicos, comprometi- perimentais (Borges-Andrade & Zanelli, 2004). Ocor-
mento e saúde no trabalho. O segundo relato mencionado reu também o crescimento de estudos de meta-análise,
na revisão foi o de Borges-Andrade, Oliveira-Souza, Pilati, revisão de literatura e comentários (de 10 para 20%),
Nonato, Silvino e Gama (1997), que utilizou como corpus além do aumento do uso da análise multivariada, em-
de análise teses e dissertações de psicologia e administra- bora menos freqüente que a análise da variância e o teste
ção defendidas entre 1980 e 1995, em que se constatou a t (Stone-Romero, Weaver & Glenar, 1995).
predominância de estudos sobre a saúde do trabalhador. Outra revisão comparou estratégias metodológi-
O terceiro estudo foi o de Tonelli, Caldas, Lacombe e Ti- cas em artigos publicados entre 1985 e 1987 (280 es-
noco (2003). Ao analisar a produção entre 1991 e 2000, tudos empíricos) com os do período de 1995 a 1997
dos principais periódicos nacionais de administração e dos (334 estudos empíricos) no Academy Management Jour-
Anais dos ENANPADs, concluiu pela predominância de nal, Journal of Organizational Methods & Administrati-
estudos sobre políticas de recursos humanos e a influência ve Science Quartely (Scandura & Williams, 2000). Em
de teorias estrangeiras na produção nacional. termos de desenho de pesquisa, os estudos de campo
Em congruência com estes estudos, os resultados predominam, tendo crescido em 10% entre a década de
encontrados por Tonetto et al (2008) sinalizam poucos 1980 e 1990 (de 50 para 60%). Estudos de corte trans-
trabalhos sobre recrutamento e seleção, mas há um cres- versal temporal saltaram de 77 para 86% entre as duas
cente aumento de estudos sobre treinamento, particu- décadas. O nível de análise se ampliou para o grupo e
larmente de desenvolvimento de habilidades e compe- a organização, para além do indivíduo. Em termos de
tências. Os temas mais investigados estão relacionados à análise, a regressão linear se tornou mais popular (31
saúde e ao trabalho. Há também considerável ênfase nas para 42%). A análise da variância aparece em seguida,
relações entre modelos de gestão, formas de subjetiva- com um pequeno crescimento do uso de equações es-
ção e saúde mental. A mesma revisão indica, em relação truturais (de 4 para 9%), análise de séries temporais (3
às referências utilizadas, a menção tanto à literatura na- para 6%) e análise multinível (0 para 2%).
cional quanto estrangeira. Mas enquanto as referências Uma análise de conteúdo de estudos empíricos
estrangeiras são de artigos publicados em periódicos, a publicados no Journal of Applied Psychology, entre 1920 e
nacional se apóia principalmente em livros. 2000, foi feita por Austin, Scherbaum & Mahlman (2002),
Ao redirecionarmos nossa discussão para o que ocor- para investigar o desenho e as análises utilizadas. Quanto
re na literatura internacional, torna-se oportuno destacar a ao desenho, os de observação passiva foram os mais po-
existência de número expressivo de revisões de produção pulares (mais de 50%), seguido de estudos experimentais
científica. Podsakoff e Dalton (1987) analisaram todos os (que cresceram de 15 para 50%). Em relação às análises,
artigos publicados no ano de 1985 em cinco periódicos in- a regressão foi a mais popular (mais de 46% em 2000),
ternacionais (Academy of Management Journal, Administra- contrapondo-se à ANOVA (análise univariada da variân-
tive Science Quartely, Journal of Applied Psychology, Organi- cia) que ocupava este lugar na década de 1980. Aumenta-
zational Behavior e Human Decision Processes). Constataram ram os usos da análise fatorial confirmatória (de 1% para

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16%), modelagem de equação estrutural (de 0 para 10%) ção (teoria e prática) estão relacionados com a avaliação que
e análise fatorial exploratória (cerca de 10% em 2000). se faz do estado atual da produção científica neste campo
Uma revisão bem mais recente analisou o con- e das demandas da comunidade científica e dos beneficiá-
teúdo dos artigos publicados nos 10 primeiros anos de rios deste conhecimento. Assim, não se pode desconsiderar,
existência do Organizational Research Methods – ORM para fins de discussão dos desafios metodológicos, a natu-
(1998- 2007) (Aguinis, Pierce, Bosco & Muslin, 2009). reza multi e interdisciplinar que está na origem da consti-
Quatro questões orientaram as análises: i) quais os tó- tuição deste campo do saber. Não se pode ignorar que cada
picos mais consistentes ao longo do tempo; ii) quais campo especializado adota perspectivas epistemológicas e
se tornaram mais populares; iii) no que se diferenciam metodológicas às vezes divergentes, o que obriga a um di-
de outras revisões e iv) qual o impacto das pesquisas álogo maior entre as diversas áreas especializadas, para que
publicadas no ORM na produção da ciência organiza- as contribuições possam vir a ser complementares do ponto
cional. Os três desenhos quantitativos mais frequentes de vista teórico e metodológico, e não antagônicas.
foram survey (33%), desenhos longitudinais (13%) e Os dados e argumentos apresentados neste artigo si-
pesquisa eletrônica (11%). Os mais populares tópicos nalizam de modo claro o crescimento e a diversificação da
de desenho qualitativo foram abordagens interpretati- psicologia do trabalho e das organizações, e o quanto esta
vas (26%), análise de políticas (16%) e pesquisa-ação expansão está relacionada com as mudanças do mundo do
(13,3%), o que sinaliza que a pesquisa qualitativa visa a trabalho e da ampliação da pós-graduação stricto sensu no
atender a critérios claros de produção de teorias. Análise Brasil. É justamente na pós-graduação que ocorre a sociali-
correlacional e regressão múltipla (17%) foram os ti- zação mais amadurecida para a produção científica, ao mes-
pos de análise mais utilizados em pesquisa quantitativa, mo tempo que é um campo fértil para a inovação metodo-
seguidos pela modelagem de equação estrutural (12%) lógica. Este argumento está em sintonia com os resultados
e pesquisa multinível (11%). A análise de conteúdo da revisão de Aguinis, Pierce, Bosco & Muslin (2009), para
(21%) ocupou lugar de destaque na análise qualitativa. quem os avanços metodológicos aparecem nos artigos de
Para avaliar o impacto da produção da ORM na pesquisadores que discutem questões metodológicas e não
literatura especializada, os autores analisaram as citações entre aqueles que apenas realizam pesquisas empíricas.
em outros periódicos. Uma das principais conclusões do Se quisermos avançar na produção do conhecimento
artigo, na comparação com as revisões de literatura que em psicologia organizacional e do trabalho, devemos investir
o precederam, é que a inovação metodológica acontece de modo mais direto, intenso e atualizado na formação me-
de modo mais rápido entre autores que desenvolvem e todológica nos cursos de pós-graduação stricto sensu, visando
discutem métodos de pesquisa do que entre aqueles que a qualificar o futuro pesquisador desta subárea no domínio
apenas fazem uso dos métodos. Em outras palavras, a de ferramentas de investigação científica, de desenho, coleta,
revisão de um periódico especializado em métodos de tratamento e análise de dados. Este argumento se torna mais
pesquisa (ORM), quando comparada com revisões de forte na medida em que se reconhece que a psicologia do
periódicos em que predominam relatos de pesquisas em- trabalho e das organizações é sensível às demandas sociais e
píricas, revela que é necessário dar atenção especial à for- necessita dialogar com outros campos do saber que se ocu-
mação metodológica dos estudantes de pós-graduação. pam dos mesmos fenômenos, trabalho e organizações.
Outra importante conclusão foi que a subárea de As revisões apresentadas, referentes à literatura na-
psicologia organizacional e do trabalho recebe contribui- cional e estrangeira, sinalizam de modo claro que os te-
ções de diversos campos do conhecimento, da psicologia, mas estudados tanto no Brasil quanto no exterior cobrem
administração, ciências sociais, educação, filosofia, econo- subdomínios especializados. Há, não obstante, algumas
mia, ciências biológicas, saúde coletiva, ergonomia e direi- diferenças, visto que no Brasil há predomínio de estudos
to, reafirmando seu caráter plural, inter e multidisciplinar. qualitativos em alguns subdomínios especializados. Outra
diferença aparece no uso de desenhos experimentais, bem
Desafios Metodológicos para a Pesquisa em mais comum no exterior que no Brasil. É preciso vencer as
Psicologia do Trabalho e das Organizações barreiras epistemológicas dos que confundem críticas ne-
cessárias com tabus dogmáticos. Esta confusão produz pre-
conceitos e afasta estudantes e pesquisadores. Ressaltamos,
Os desafios metodológicos de um campo científico
mais uma vez, a necessidade de se assumir uma atitude de
que necessita conciliar produção de conhecimento e aplica-

Pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho 97


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tolerância para com as contribuições oriundas de vertentes do trabalho. Ora as revisões se concentram em alguns
epistemológicas e metodológicas distintas. periódicos, ora se detêm em temáticas muito específi-
Os pesquisadores brasileiros também estão mais cas desta subárea. Tudo isto conduz a possíveis vieses
sensíveis a questões do trabalho, tais como saúde, qua- quando se trata de analisar o perfil dominante de inves-
lidade de vida, bem estar, sentido, significados e sub- tigação científica e as práticas emergentes de pesquisa
jetividade do trabalhador, na comparação com pesqui- na subárea. Um estudo abrangente, abarcando os prin-
sadores internacionais. Há estudos sobre aprendizagem cipais tópicos e as mais importantes revistas nacionais,
organizacional, cultura organizacional, liderança, ava- está por ser realizado ou divulgado.
liação de desempenho e treinamento que acompanham A produção científica de qualquer campo do saber
as tendências internacionais de pesquisa na subárea. está diretamente implicada no modo de se fazer ciência. Se
A utilização de surveys e estudos de corte transversal as questões epistemológicas tentam responder qual conhe-
também revela as similaridades entre a produção nacional e in- cimento pode ser considerado válido, as questões metodo-
ternacional. Existe ainda uma lacuna, tanto no exterior quan- lógicas tentam dar uma resposta sobre o modo como se
to no Brasil, de estudos de corte longitudinal que permitam constrói conhecimento válido. Neste plano há dois níveis
uma visão temporal das mudanças no contexto de trabalho. de indagações metodológicas: 1) o método para construir
No caso brasileiro, o uso do survey enfrenta outros boas teorias que possam obedecer a critérios de consistên-
desafios, visto que os trabalhadores nacionais possuem cia interna e coerência empírica e 2) o método para produ-
nível educacional menos elevado que os seus congêneres zir conhecimento empírico válido que contribua para a ge-
que vivem em países de primeiro mundo, dificultando neralização teórica e empírica. O primeiro coloca o desafio
o uso de questionários para se abordar o indivíduo. Em para a sustentação de proposições derivadas de teorias e o
decorrência desta constatação, a adaptação dos instru- segundo coloca o desafio para a generalização dos resulta-
mentos para tornar viável a pesquisa com outros tipos dos para outros contextos e situações similares.
de população tem sido mais evidente no Brasil que no A produção de boas teorias e o teste empírico de
exterior (Borges & Pinheiro, 2002). Esforços têm sido hipóteses delas derivadas caminham juntas. No cam-
dirigidos para a construção de medidas que se ajustem po das ciências factuais, como é o caso da psicologia e
mais adequadamente aos trabalhadores de nosso país. da subárea aqui discutida, a sofisticação de ferramentas
Em outras palavras, parte substancial de nossos traba- metodológicas sem uma boa teoria não produz grandes
lhadores ainda tem baixa escolaridade e enfrenta dificul- avanços. Uma teoria, todavia, não consegue avançar na
dades para compreender enunciados de questionários e ausência de bons métodos que testam empiricamente sua
particularmente estruturas de escalas em que se exige validade (Van Maanen, Sorensen, & Mitchell, 2007).
posicionamento sobre o nível de concordância ou dis-
cordância com proposições. Investir na construção de Referências
novas medidas ajudaria a ampliar o espectro de cate-
gorias ocupacionais estudadas, com nítidas implicações Aguinis, H., Pierce, C. A., Bosco, F. A., & Muslin, I. S. (2009).
para a generalização dos resultados, como foi alertado First decade of organizational research methods. Trends in design,
measurement, and data-analysis topics. Organizational Research
por Borges e Pinheiro (2002). Apesar de a entrevista po- Methods, 12(1), 69-112.
der ser uma alternativa de coleta de dados para trabalha-
Austin, J. T., Scherbaum, C. A., & Mahlman, R. A. (2002). History
dores analfabetos e de baixa escolaridade, impõe limites of research methods in industrial and organizational psychology:
para a generalização, tendo em vista as dificuldades de Measurement, design, analysis. In S.G. Rogelberg (Ed.),
entrevistar um grande número de trabalhadores. Handbook of research methods in industrial and organizational
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Associada à discussão da adequação dos instrumentos
de coleta de dados, nos últimos anos deparamo-nos também Bastos, A. V. B., França, A. Pinho, A.P.M., & Pereira, L. (1997).
Pesquisa em comportamento organizacional no Brasil: O que
com a preocupação de incluir novos segmentos de trabalha- foi divulgado nos nossos periódicos científicos? [Resumo]. In
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do trabalhador da indústria e do setor de serviços. Congresso Interamericano de Psicologia (p. 52). São Paulo:
Sociedade Interamericana de Psicologia.
As revisões sobre a produção científica ainda não
nos permitem traçar um perfil abrangente das decisões Bastos, A. V. B., & Gondim, S. M. G. (Orgs.) (2010). O trabalho do
psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed.
metodológicas da vasta e diversificada subárea do co-
nhecimento que constitui a psicologia organizacional e

Gondim, S. M. G.; Andrade, J. E. B. & Bastos, A. V. B. 98


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 84-99 | julho-dezembro de 2010

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Pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho 99


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Métodos de Investigação em História da Psicologia

Research Methods in History of Psychology


Marina MassiniI

Resumo
O artigo descreve os procedimentos metodológicos utilizados na área dos estudos históricos em psicologia, apontando para
suas derivações dos métodos da historiografia geral e da história das ciências, por um lado, e para as interações entre ciências
humanas, psicologia e historiografia, de outro. Aponta como a história da psicologia, nas duas vertentes de história dos saberes
psicológicos e de história da psicologia científica, nasce neste terreno. Nesse âmbito, discute: as relações entre o trabalho
histórico e a preservação e a memória; a existência de diversas abordagens metodológicas dependentes da diversidade dos
objetos escolhidos; a importância das fontes e de seus gêneros como ferramentas básicas da pesquisa. Por fim, discute as
modalidades de escrita da história da psicologia.
Palavras-chave: Historiografia da psicologia; história e memória; abordagens metodológicas em psicologia

Abstract
The article describes the methodological procedures used in the field of historical studies in psychology, pointing to its
derivatives of general methods of historiography and history of science on the one hand, and the interactions between the
human sciences, psychology and history, on the other. Furthermore, the article indicates how the history of psychology
emerges in the field comprised by the two strands of history of psychological knowledge and scientific psychology. In this
context, the article discusses the relationship between historical work, preservation and memory; the existence of several
methodological approaches dependent on the diversity of the chosen objects; the importance of sources and genres as their
primary tools of research. Finally, the paper deals with the procedure for writing the history of psychology.
Keywords: Historiography of psychology; history and memory; methodological approaches in psychology

I
Universidade de São Paulo

Este artigo nasce de uma reflexão sobre meu per- A Definição do Campo Histórico
curso pessoal de pesquisa na área dos estudos históri-
cos em psicologia, realizado ao longo de trinta anos, e Sob o rótulo de Historia da Psicologia compreen-
aborda as principais questões, interlocuções e referên- dem-se dois domínios distintos, o da História dos Sabe-
cias metodológicas e conceituais que contribuíram para res Psicológicos e o da História da Psicologia Científica:
seu desenvolvimento e que se apresentaram ao longo o primeiro utiliza-se dos métodos próprios da História
do caminho. Deste modo, estrutura-se através de al- Cultural e da História Social, o segundo assume as moda-
guns tópicos principais: a definição do campo histórico lidades de investigação sugeridas pela Historiografia das
– necessária para demarcar o domínio da pesquisa; as Ciências. Antes de adentrarmos na análise das diferen-
relações entre história e memória – que dizem respeito ças entre estes dois campos de investigação histórica em
também aos atos da criação e da preservação das fontes, psicologia, vamos analisar o que eles têm em comum, a
atos que, de um modo ou de outro, são profundamente saber, a especificidade do método histórico como tal.
relacionados ao nosso fazer a história; as interações en- Michel De Certeau (2000) alerta que o trabalho do
tre historiografia, ciências humanas e psicologia – que historiador é basicamente um ato histórico fundador de sen-
exige o diálogo constante e fecundo entre os pesquisa- tido e instaurador de conhecimento. Por isto, o trabalho
dores; o pluralismo metodológico na história da psico- historiográfico pode ser definido como um fazer singular,
logia – que implica a abertura consciente e atenta diante onde o sentido não é tanto desvendado na observação do
das diversas possibilidades de se reconstruir a história; e dado, mas é fruto de um ato, de uma relação entre quem
a escrita – ou seja, o cuidado da transmissão, da comu- conhece e o objeto conhecido, que é por si mesma estrutu-
nicação e da permanência da nossa trajetória pessoal de ralmente busca de sentido. De Certeau frisa que a própria
investigação, na medida em que for trilhada num terri- expressão convencionalmente utilizada “fazer história” con-
tório espacial e temporal mais amplo. tém implicitamente esta mesma visão das coisas. Ele utiliza

Massini, M. 100
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assim a expressão: operação histórica. Nesta, cada historia- memória acontece desde o momento da produção de
dor produz o documento, por meio do “gesto de separar, documento até à sua leitura e interpretação. Assim sen-
de reunir, de transformar em documentos certos objetos do, o estudo das reflexões acerca destas relações é es-
distribuídos de outra maneira”, criando assim “uma nova sencial para o aprofundamento do horizonte conceitual
distribuição cultural” (2000, p. 81). O historiador, “longe e metodológico. Dentre outros, parece-nos importante
de aceitar os dados, os constitui” (Certeau, 2000, p. 81) destacar a articulação das relações entre memória e his-
por meio de uma operação técnica; mas, por sua vez, este tória, no que diz respeito a uma etapa essencial do tra-
fazer depende do seu lugar de pertença, sendo ele mesmo balho historiográfico: a produção do documento histórico.
ator histórico. De Certeau considera a criação dos arqui- O documento é a peça fundamental do conhecimento
vos modernos como frutos desta atitude, cuja instituição histórico: os documentos são vestígios, ou seja, “marcas,
deve-se à combinação de um grupo de eruditos, de lugares perceptíveis pelos sentidos, deixadas por um fenôme-
– as bibliotecas – e de práticas (cópia, impressão, comu- no impossível de captar em si mesmo” (Bloch, 2001,
nicação, classificação etc.). Nestes arquivos, a distribuição p. 52). Os historiadores, na verdade, reconhecem a ne-
dos documentos responde a necessidades novas e adquire cessidade da preservação da memória como condição
sentidos diferentes dos originários. Tal processo, segundo que possibilita a prática historiográfica. Segundo Bloch,
o autor, implica em “transformar alguma coisa, que tinha “a presença, ou a ausência, (dos documentos, ndr.) em
sua posição e seu papel, em alguma outra coisa que funcio- determinado fundo de arquivo, em determinada bi-
na independentemente” (De Certeau, 2000, p. 83). Pois o blioteca, em determinado terreno, depende de causas
trabalho histórico é “desvelamento de um passado morto e humanas (...) porque aquilo que se encontra afinal em
resultado de uma prática presente” (p. 57). jogo não é nem mais nem menos do que a passagem da
Segundo o mesmo autor, é preciso que cada his- memória das coisas através das gerações (2001, p. 66).
toriador evidencie a particularidade do lugar de onde Sempre segundo Bloch, a existência da fonte histórica
fala: com efeito, esta particularidade prende-se ao as- depende da disposição de dada sociedade, ou comuni-
sunto que se vai tratar bem como ao ponto de vista
dade, para “organizar racionalmente, com as suas me-
assumido para examiná-lo. As conseqüências desta
mórias, o conhecimento de si mesma” (2001, p. 69),
ênfase no fazer singular do historiador são várias: em
primeiro lugar, é questionada a possibilidade de uma atacando a negligência do esquecimento e a censura.
sistematização totalizadora; é afirmada a necessidade Uma relação integrada entre memória e história
de uma discussão proporcionada a uma pluralidade implica numa concepção não-positivista, não-naturalis-
de procedimentos científicos, funções sociais, con- ta do que é o documento, o dado da história, em sua
vicções fundamentais; afirma-se nos historiadores a dúplice significação ativa (alguém que dá) e passiva (al-
consciência de que seus discursos “enquanto falam guém que recebe). A crítica recentemente feita por Paul
da história, estão situados dentro da história” (De Ricoeur (2000) à separação entre memória e história
Certeau, 2000, p. 32), “fazem história”(p. 41). Nessa proposta pela Historiografia dos Anais (Le Goff, 1992)
perspectiva, as interpretações dadas pelos historiado-
refere-se a esta questão. Ricoeur afirma que, segundo a
res são sempre parciais, sempre “relativas à resposta
que cada autor dá a questões análogas no presen- concepção desta escola historiográfica, a memória seria
te” (p. 34), pois “uma leitura do passado, por mais objeto da história, mas não sujeito; a história cessaria
controlada que seja pela análise dos documentos, é de ser parte da memória e a memória tornar-se-ia par-
sempre dirigida por uma leitura do presente” (p. 34). te da história. Desse modo, porém, observa Ricoeur,
Contudo, a busca pessoal e comunitária da verdade toma corpo a “tentação de despojar a memória de sua
faz com que o diálogo entre ‘visadas’, posições dife- função matriz da história” (Ricoeur, 2000, p. 504, tra-
rentes, contribua para que os estudiosos se aproxi- dução nossa). Com efeito, a história não visa apenas
mem na medida do possível da realidade histórica. ao ausente, mas também ao vivente de outros tempos,
ao ator da história que já aconteceu. Por este motivo,
As Relações entre História e Memória não podemos – segundo Ricoeur – dissolver o papel da
memória no campo da história. Ricoeur sugere que as
Esta questão remete também a outro aspecto relações entre história e memória devam ser abordadas
metodológico importante: as relações entre história e numa perspectiva histórica: as posições historiográficas
memória. Com efeito, o entrelaçar-se entre história e que desqualificam o papel da memória no trabalho his-

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tórico têm uma origem comum, que reside na ruptura Novas Interações entre Historiografia,
operada pela historiografia moderna com a concepção Ciências Humanas e Psicologia
da memória acontecimental própria da tradição judai-
ca e medieval; essa ruptura possibilitou a desvinculação A produção historiográfica recente mostra a am-
entre conhecimento histórico e memória. Com efeito, plidão do campo de interesse do historiador contempo-
estas tradições postulavam a coincidência entre me- râneo: desde o estudo de diversas culturas e experiências
mória e acontecimento histórico: a memória carrega a religiosas, das festas e dos ritos, do mundo dos intelec-
presença do acontecimento ao qual ela se refere. Ainda tuais e da cultura popular, às diversas maneiras de viver,
segundo Ricoeur, o desenvolvimento da historiografia de habitar e de trabalhar. Esta ampliação determinou "a
ocorrido no contexto do processo de secularização pró- constituição de novos territórios do historiador através
prio da modernidade desemboca na proposta da crítica da anexação dos territórios dos outros" (Chartier, 1990,
histórica elaborada pela historiografia positivista do sé- p. 14), a saber, campos já desvendados pelas Ciências
culo XX, em que a noção de fonte ou documento his-
Humanas, tais como a Sociologia, a Psicologia, a Antro-
tórico acaba tornando-se independente da noção de tes-
pologia, entre outras. Desse modo, a Historiografia co-
temunha no sentido intencional do termo. Tal ruptura
meçou a utilizar metodologias de investigação próprias
entre história e memória seria também responsável pela
a outras disciplinas próximas, abrindo-se, ao mesmo
crise da memória ao longo do século XIX. Entre as con-
tempo, a projetos de pesquisa de caráter interdiscipli-
seqüências antropológicas e culturais mais difundidas
nar acerca de seu objeto. Novas áreas da pesquisa histo-
desta ruptura encontra-se a perda do sentido do passa-
riográfica constituem-se num terreno multidisciplinar,
do pelo esquecimento sistemático ou pela destruição de
seus sinais, e a solidão produzida pela interrupção do di- envolvendo inclusive enfoques de natureza psicológi-
álogo entre o passado e o presente, próprio da memória ca: entre outras, a Antropologia Histórica, a História
compartilhada. Ricoeur refere-se à tentativa realizada do Imaginário, a História das Mentalidades, a Micro-
por Maurice Halbwachs (Dosse, 2004) de reintegrar a -história (Dosse, 2004). No seio desta nova perspectiva
história à memória individual e coletiva: na perspectiva interdisciplinar, definem-se também formas novas de
halbwachiana, a história se anima pela consideração da colaboração entre Psicologia e História e criam-se, neste
experiência humana que a originou, e a memória pesso- domínio, abordagens inéditas para a leitura e a interpre-
al e coletiva se enriquece pelo passado histórico, que se tação dos documentos. A afirmação do caráter essencial
torna progressivamente nosso. de historicidade da experiência humana, inclusive em
Em síntese, a prática e a experiência cotidiana do sua dimensão psicológica, caracteriza, por exemplo, a
historiador, por um lado, e a própria reflexão filosófica abordagem da “Psicologia Histórica”, proposta por Ig-
sobre o fazer história, por outro, parecem encurtar as nace Meyerson em sua obra Les fonctions psychologiques
distâncias entre os campos da memória e da história. Na et les oeuvres (1948): nela, o postulado da relatividade
eliminação desta distância, podemos melhor compreen- histórica da Psicologia humana subordina a Psicologia
der o sentido unitário das operações que continuamente à História e, nesse sentido, questiona a legitimidade de
fazemos quando, por exemplo, ao encontrar num acer- uma Psicologia geral do homem , entendida como co-
vo um documento significativo, queremos também pre- nhecimento de leis universais da mente, ou do com-
servá-lo da destruição física do transcorrer do tempo, portamento humano. Na ótica de contextualizar a inda-
bem como da destruição espiritual do esquecimento. O gação acerca do homem psíquico, no âmbito histórico
conhecimento intelectual desse achado e o cuidado com sócio-cultural de sua existência concreta, Meyerson pro-
sua materialidade constituem-se assim numa ação uni- põe uma psicologia pluralista, partindo da constatação
tária de valoração de algo que foi dado à nossa paixão de que, em todos os tempos e em todas as culturas, o
investigante. Não cabe aqui aprofundar este assunto, homem tem se interrogado acerca de si mesmo, ao lon-
mas no que diz respeito ao conhecimento e ao cuidado go da história tal interrogação assumindo porém formas
de preservação dos arquivos para a história dos saberes diferentes. A partir dos anos sessenta, consolidou-se
psicológicos e da psicologia científica brasileira, muitos novo setor dos estudos históricos, chamado de "Histó-
esforços tem sido realizados recentemente (Brozek & ria das Mentalidades", particularmente próximo à Psi-
Massimi, 1998). cologia Histórica, mas percorrido principalmente pelos

Massini, M. 102
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historiadores e não pelos psicólogos. Nesse enfoque, os do uma denominação convencional e provisória a ser
comportamentos e as crenças da vida quotidiana de uma substituída no decorrer da pesquisa pela terminologia e
sociedade revelaram-se significativas de um sistema de demarcação de campo, próprias a específicos universos
representação do mundo profundamente vinculado com sócio-culturais investigados.
as formulações intelectuais mais elaboradas (concepções Com efeito, o que é definido como “psicológico”,
religiosas ou filosóficas, sistemas científicos etc.). no século XVI, baseia-se em matrizes filosóficas e teoló-
gicas (por exemplo, a matriz aristotélico-tomista) e em
O Pluralismo Metodológico na História concepções antropológicas (por exemplo, a concepção
da Psicologia do homem como “micro-cosmo”), muito diferentes das
matrizes e concepções antropológicas que fundamentam
Após a crise dos modelos historiográficos tradi- a Psicologia filosófica moderna. Deste modo, tratar-se-
cionais (positivista, idealista, marxista), a grande maio- -á, por exemplo, de estudar a "terapêutica moral" do sé-
ria dos historiadores contemporâneos concorda com o culo XIX, ou os "remédios para o ânimo" do século XV,
fato de que a historiografia não dispõe de arcabouços ou as "paixões" do século XVI. Desta forma, do ponto
metodológicos preestabelecidos. Escolhem-se as mo- de vista metodológico, devem ser tomadas como sen-
dalidades de elaboração dos dados a partir do dar-se do “centrais as descontinuidades, que fazem com que
efetivo da indagação que, por sua vez, inscreve-se no se designem, se admitam e se avaliem, sob formas dife-
contexto social e cultural ao qual o próprio historiador rentes ou contraditórias, consoante às épocas, os saberes
pertence. Isto vale também no que diz respeito ao do- e os atos”. (Chartier, 1990, p. 65). Para melhor exem-
mínio da história da psicologia - domínio composto plificar, as categorias de ‘memória’, ou de ‘percepção’,
por objetos diversificados próprios a diferentes con- apesar de hoje serem conceitos inerentes à psicologia,
textos espaço-temporais e tendo configurações epis- poderiam comparecer em textos antigos como parte de
temológicas diferentes. Esta pluralidade de caminhos um discurso de natureza ética, teológica ou estética. Ou,
metodológicos diz antes de mais nada respeito aos dois ainda, o uso da categoria de subjetividade seria total-
campos que definimos no início deste texto: a Histó- mente anacrônico se fosse aplicado ao entendimento do
ria dos Saberes Psicológicos e a História da Psicologia ser humano no Ocidente medieval, ou clássico, ou na
Científica que, por sua vez, remetem aos métodos da cultura oriental. Portanto, no âmbito de nossas pesqui-
história dos saberes e aos da história das ciências. sas, entendemos que a utilização de uma determinada
A História dos Saberes define-se como a recons- terminologia e de determinados rótulos deveria ser es-
trução histórica de conceitos e sistemas conceituais e pecificada a cada vez no âmbito do específico projeto de
práticos, entendida como parte da História Cultural, pesquisa a realizar, de modo que os conceitos abordados
(domínio de conhecimento histórico definido por R. possam ser analisados conforme a complexidade que as-
Chartier em termos de história das visões do mundo), sumiram no período histórico estudado. Desse modo,
beneficiando-se de recursos metodológicos próprios os títulos de várias pesquisas por nós desenvolvidas fo-
deste domínio. Conforme afirma Chartier, “a noção ram escolhidos nesta perspectiva, como por exemplo:
de visão do mundo permite articular, sem os reduzir Os olhos vêem pelo coração: o conhecimento psicológico das
um ao outro, o significado de um sistema ideológico paixões na história da cultura brasileira dos séculos XVI a
descrito por si próprio, por um lado, e, por outro, as XVII (Massimi & Silva, 2001); Palavras, almas e corpos
condições sociopolíticas que fazem com que um grupo, no Brasil colonial (Massimi, 2005); Um incendido desejo
ou uma classe determinados, em dado momento his- das Índias (Massimi & Prudente, 2002); focalizando-
tórico, partilhem, mais ou menos, conscientemente ou -se em cada caso o tema abordado: paixões, palavras,
não, esse sistema ideológico” (1990, p. 49). A História almas e corpos, desejo, etc. Evidentemente, todos eles
dos Saberes Psicológicos ocupa-se então daqueles aspec- são temas objeto de estudo da psicologia antiga e con-
tos específicos da visão do mundo de uma determinada temporânea e, portanto, perfeitamente cabíveis numa
cultura, relacionados a conceitos e práticas que na atu- história da área.
alidade podem ser genericamente entendidas como psi- No que diz respeito à História dos Saberes, pa-
cológicos. A definição do que é psicológico, nesse caso, rece especialmente apropriado o modelo pluridimen-
permanece necessariamente indeterminada e vaga, sen- sional de M. De Certeau. Este distingue dois universos

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de investigação histórica e, portanto, de material his- atinge o destinatário no nível da percepção sensorial,
toriográfico: documentos-vestígios do nível do que é mas que também desencadeia um percurso cognitivo,
pensável, em determinado período histórico (o que é na medida em que também carrega nela seu significa-
possível pensar e escrever); e documentos-vestígios do do. Portanto, diz respeito ao dinamismo psíquico ati-
nível das práticas sociais (práticas que expressam um vamente mobilizado no processo de conhecimento.
saber). Trata-se, portanto, de duas dimensões articula- Assim como a palavra, é um objeto cultural com re-
das e complementares, que seguem lógicas próprias e levante apelo psicológico. Por suscitar processos psi-
diferentes ritmos de crescimento (regimes de tempora- cológicos, a imagem tem sido estudada pelos psicó-
lidade). Assim, os dois campos da História Cultural e logos com interesse crescente, mas seu alcance não se
da História Social podem ser reciprocamente ligados. limita ao mundo anímico, sendo que o interesse pela
No âmbito de nossas pesquisas, a pluridimensionali- imagem cresceu, na cultura do século XX, por vá-
dade metodológica proposta por De Certeau permi- rios motivos, dentre os quais o sucesso da psicanálise,
tiu-nos estudos que levam em conta a articulação entre que valoriza e introduz no uso comum palavras como
a escrita e a oralidade. No caso do universo cultural imagem e símbolos, devendo, porém, lembrar-se de
brasileiro, o estudo da cultura oral revela-se decisivo, que o pensamento simbólico e o recurso à imagem é
sendo esta o campo mais amplo para o processo de próprio de todo ser humano e precede a linguagem e
apreensão, elaboração e transmissão cultural, no passa- o raciocínio discursivo. Toda imagem tem função ao
do e em parte também no presente. Nesta perspectiva, mesmo tempo cosmológica, antropológica e psicoló-
enquadra-se a escolha que fizemos de abordar determi- gica, e por isto, traduzir as imagens em termos de
nados gêneros de documentos, especialmente na área meros fatos psíquicos é uma operação sem sentido.
da oratória sagrada e das crônicas narrativas de festas Evidencia-se, portanto, que a investigação histórica
e cerimônias de teor religioso ou político no perío- acerca deste tema implica em adentrar na questão das
do colonial. Com efeito, trata-se de práticas culturais relações complexas entre psicologia e cultura. Feitas
(a pregação e as celebrações) que se fundamentam na estas ressalvas metodológicas, é claro tratar-se de um
oralidade e na gestualidade para expressar e transmi- tema particularmente apto para diálogos fecundos
tir doutrinas ou atitudes e posicionamentos religiosos, entre os saberes psicológicos e psicologia contempo-
morais e políticos. A leitura de tais documentos reve- rânea – constituindo-se em certo sentido como tema
lou serem eles produtos de uma construção articulada comum e propondo questões que de vários modos
e intencional voltada a promover conhecimento, per- são objetos de investigação e de discussão no passado
suasão e modificação de condutas por meio da mo- mas também no presente. O tema pode ser abordado
bilização do dinamismo psíquico dos destinatários, seja pela vertente das conceituações dadas ao tema da
fundado na arte retórica. Dedicamos, assim, vários imagem como objeto cultural e ao processo psíquico
trabalhos ao estudo da pregação, tomada como fon- exigido para recebê-la e processá-la (a imaginação);
te de transmissão de conceitos e práticas psicológicas, seja pela vertente das práticas de uso deste objeto,
mas também como expressão da articulação entre re- práticas destinadas a mobilizar o dinamismo psicoló-
tórica, teoria do conhecimento e psicologia filosófica. gico e cognitivo. Em ambas as conotações do pensá-
Trata-se, em suma, de uma prática de uso da palavra vel e das práticas, a imagem assume grande relevância
muito significativa e, num certo sentido, precursora da no contexto brasileiro, especialmente no período co-
moderna confiança na força da palavra e do discurso lonial. É recorrente o recurso a ela nos mais diversos
que perpassa a psicanálise e, em geral, as psicoterapias. âmbitos e modalidades, tais como: as estátuas e as
(Massimi, 2005 e 2007a). decorações nas igrejas barrocas; as metáforas e as ima-
Outro tema presente em nossas pesquisas, e gens lingüísticas nos discursos dos pregadores; os ele-
que pode ser melhor abordado pela bidimensiona- mentos iconográficos utilizados nas cerimônias pú-
lidade metodológica proposta por De Certeau entre blicas, sagradas e profanas; a composição de cenários
o pensável e a prática, é o da imagem, a qual, junta- e de elementos figurativos imaginários empregados
mente com a palavra, é um grande recurso de trans- para a aprendizagem; a memorização, a reflexão e as
missão cultural em sociedades marcadas pela oralida- atividades religiosas como oração e meditação. Todos
de (e não somente nelas). Trata-se de um objeto que esses fatores são motivos que nos determinaram na

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escolha deste tema de investigação ao qual dedicamos do em características inerentes ao conhecimento huma-
vários trabalhos (Massimi, 2007b e 2008). no, norteia uma historiografia centrada no estudo do
Já no que diz respeito à Historia da Psicologia pensamento científico em termos conceituais e metodo-
Científica, os métodos se remetem ao domínio da His- lógicos (Debus, 2005).
tória das Ciências. O historiador inglês, A. Crombie A Historiografia da Psicologia Científica reflete
(1987), assim delineia os objetivos da pesquisa nesta em si mesma estas tendências (Brozek e Massimi, 1998).
área: a apreensão dos problemas que interessavam os Assim, por exemplo, pode-se conceber as relações entre
cientistas e que foram solucionados no período histó- História dos Saberes Psicológicos e História da Psicologia
rico escolhido para a investigação; o entendimento das Científica segundo ambas as perspectivas, descontinuista
hipóteses, das expectativas e do que os pesquisadores ou continuista. A primeira foca os eventos que marcam
daquela época consideravam como sendo respostas e rupturas e descontinuidades na evolução histórica da Psi-
explicações validas; o levantamento dos trabalhos bem cologia: segundo historiadores que abraçam esta perspec-
sucedidos e reconhecidos e das teorias e dos experimen- tiva, não haveria um único percurso histórico nem uma
tos fracassados, ou que seriam inadequados ou mal con- única Psicologia, e sim diversas “Psicologias”, produtos
cebidos para a nossa mentalidade contemporânea. Se- de diversas histórias (Hilgard, Leary & McGuire, 1998).
gundo o autor, a preocupação principal do historiador Sendo assim, as relações entre a História dos Saberes
das ciências deve ser de “interpretar metas, concepções Psicológicos e a História da Psicologia Científica seriam
e soluções do passado tal como se deram no passado”. definidas por uma profunda descontinuidade. Numa
O erro consiste na utilização do “superior conhecimen- perspectiva continuista, pelo contrário, o saber psico-
to científico contemporâneo para avaliar descobertas e lógico desenvolver-se-ia de modo linear e cumulativo,
teorias do passado como antecipações e contribuições não havendo cortes entre História da Psicologia Cientí-
ao presente” (Crombie, 1987, p. 19, tradução nossa). fica e História dos Saberes Psicológicos. Muitos autores
Posto isto, o historiador das ciências utiliza os que formularam conhecimentos psicológicos no passado
mesmos recursos metodológicos de todo historiador: longínquo seriam então considerados como precursores
a saber, as fontes (organizadas por gêneros) e a análise de teorias mais recentes. A nosso ver (Brozek e Massimi,
interpretativa. Esta se norteia com base em alguns ali- 1998), cada uma das duas perspectivas trouxe contribui-
cerces derivados da epistemologia, ou seja, na definição, ções importantes à Historiografia da Psicologia do ponto
do ponto de vista da teoria filosófica do conhecimento, de vista metodológico: por um lado, o descontinuismo
dos critérios de demarcação de uma teoria científica. alerta para a apreensão da diversidade como sendo o
Neste sentido, historiografia da ciência e epistemologia elemento fundamental do trabalho historiográfico; por
procedem conjuntamente. Uma epistemologia conti- outro lado, o continuismo valoriza formas de conheci-
nuista, a saber, que enfatiza o desenvolvimento gradu- mentos que, elaborados num passado distante, mantém
al de conceitos e métodos, inspira uma historiografia seu valor heurístico na atualidade.
que rechaça a distinção radical entre História dos Sa- Enfim, gostaríamos de ressaltar a importância
beres e História das Ciências (Crombie, 1987). Uma de concebermos os estudos históricos em Psicologia
epistemologia descontinuista, que concebe o avanço do na perspectiva de um pluralismo metodológico. Com
pensamento científico como determinado por rupturas efeito, as relações entre a Historiografia da Psicologia,
e revoluções (Kuhn, 1982) inspira uma historiografia a Historiografia das Ciências e a Historiografia Geral
centrada na ênfase nas diferenças, nas descontinuida- proporcionam à primeira uma pluralidade de modelos
des, privilegiando, portanto, os momentos históricos de e métodos. Em muitos casos, é necessário que seja uti-
instabilidades, marcados pela ocorrência das anomalias lizado na pesquisa um enfoque “multi-fásico” e funcio-
(Canguilhem, 1977). Uma epistemologia externalista nal ao problema específico abordado, dependendo do
que atribui o avanço da ciência a fatores de natureza objeto investigado. Nesse sentido, concordamos plena-
econômica, política, social e cultural origina uma histo- mente com Hilgard, Leary e McGuire (1998), quando
riografia que busca preferencialmente as variáveis exter- afirmam que “cabe ao historiador da psicologia a es-
nas como determinantes do processo científico (Young, colha dos métodos mais apropriados para a indagação
1985, Merton, 1970). Uma epistemologia internalista historiográfica acerca de um determinado tema, num
que entende a ciência como processo autônomo funda- determinado período de tempo, num dado contexto,

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no âmbito de sua área de estudos. Pelo contrário, o mé- destes gêneros e de seu valor enquanto instrumentos de
todo não deve ditar os tópicos da pesquisa” (1998, p. difusão cultural. Pécora afirma que “os diferentes gêne-
48). Nesse sentido, cabe também um constante diálogo ros retórico-poéticos dos vários textos estudados não são
entre os estudiosos que através de suas pesquisas especí- formas em que se vazam conteúdos externos a elas, mas
ficas sob diferentes abordagens contribuem todos para a determinações constitutivas dos sentidos verossímeis de
reconstrução de um mosaico (a reconstrução histórica) cada um desses textos” (2001, p. 11). Tais determina-
que se aproxime da melhor forma possível do aconteci- ções de sentido, por vez, são temporais por funcionar de
mento histórico conceitual focado. modo diferente em diferentes períodos históricos.
Ressaltamos, por fim, que componentes essenciais Os gêneros mais comuns de fontes para estudos
do método historiográfico, bem como dos critérios que históricos em psicologia são: correspondência epistolar;
norteiam a escolha dos objetos de estudo, são a curiosi- narrativas de viagens, relatórios, catálogos e informes;
dade, as perguntas e os interesses culturais e sociais de peças de oratória e documentos ligados à oralidade; nar-
cada estudioso. Se, conforme escreve Ariès, "a história rativas de celebrações (festivas, políticas, religiosas); nar-
se concebe como um diálogo onde o presente não está rativas de ficção e obras poéticas; tratados (filosóficos,
nunca ausente,” a reconstrução histórica é “não apenas científicos, e das demais áreas das ciências humanas e
uma técnica de especialista, mas uma maneira de ser no naturais); manuais para uso didático; artigos em revis-
tempo do homem moderno” (Áries, 1989, p. 246). tas (científicas); artigos em revistas (divulgação); teses e
trabalhos acadêmicos de modo geral; currículos e pro-
As Fontes e os Gêneros gramas escolares.
Citamos, para exemplificar, uma pesquisa por nós
As fontes são os tijolos essenciais para a cons- realizada tomando um gênero específico de fontes, um
trução da pesquisa histórica. Entende-se por fonte tipo de correspondência epistolar até hoje inédita encon-
qualquer testemunha perceptível sensorialmente que trada no dito Arquivo da Cúria Geral da Companhia de
nos dá notícia acerca da vida humana do passado Jesus em Roma: as cartas Indipetae, a saber, os pedidos
(documentos escritos, objetos, retratos, etc.). As fon- para o envio nas terras de além-mar encaminhados pelos
tes são caracterizadas por três elementos essenciais: jovens noviços dos colégios da Companhia na Europa
a natureza material; o gênero; o conteúdo. De iní- aos seus Superiores. Nesta documentação, riquíssima
cio, fazemos as opções quanto ao tipo de história que tanto qualitativa quanto quantitativamente (trata-se de
produziremos através das fontes que selecionamos e acerca de 16 mil cartas), emergem motivações, emoções
dos temas que escolhemos para nelas pesquisar: “as e temperamentos dos autores, bem como o lugar que o
fontes históricas determinam a paisagem que nós re- além-mar ocupa no imaginário destes jovens europeus
constituímos com a ajuda da documentação que elas dos séculos XVI e XVII. Parte desta documentação refe-
nos forneceram” (De Certeau, 2000, p.81). rente aos colégios portugueses, espanhóis e italianos foi
As fontes para a reconstituição da história da psi- selecionada e reproduzida. Nem todos os pedidos (ob-
cologia, entendida em toda a amplidão de seu domínio, jeto das cartas) eram atendidos pelo superior: o método
pertencem a gêneros diferentes. Entende-se por gêneros de avaliação era baseado na leitura das mesmas e no co-
a divisão e classificação dos discursos segundo os fins nhecimento de seus autores por meio das informações
que se tem em vista e os meios empregados. Assim, o fornecidas pelo Padre Provincial, pelo mestre dos novi-
gênero é determinação importante do conteúdo, pois, ços e pelos Catálogos trienais. O critério de avaliação
como alerta Pécora, “a construção da forma já faz parte baseava-se na análise das motivações descritas nas cartas:
da narrativa da história” (2001, p. 68); ou, dito de outro em primeiro lugar, a conformidade ao perfil ideal (antro-
modo, conforme O’Malley, “o como dizer é importante pológico e religioso) do sujeito – assim como definido
tanto quanto o que dizer: o como e o que nunca podem pelo fundador Inácio de Loyola em sua vida e em seus
ser separados totalmente um do outro” (2007, p. 14). escritos, bem como pela literatura de espiritualidade da
Uma pesquisa historiográfica rigorosamente con- Companhia naquele período. Em segundo lugar, havia
duzida destaca a especificidade dos gêneros dos docu- a análise das circunstâncias da vida do sujeito: suas rela-
mentos, o que exige o conhecimento dos recursos retó- ções com os familiares, a idade, as aptidões demonstradas
ricos e conceituais disponíveis na época para cada um ("talentos"), os conhecimentos adquiridos, seu estado

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psicofísico ("compleição", ou temperamento). Por parte cia subjetivas, seus correlatos fisiológicos, movimentos
dos autores, que nas cartas relatam sua história de vida expressivos e seu controle; as motivações; a sexualidade,
antes e depois da entrada na Companhia, a ênfase cai as imagens e a imaginação, etc.). Esta modalidade de
no "desejo" e nos sentimentos experimentados diante da organizar a narrativa histórica propicia o diálogo com as
perspectiva da missão além-mar, no processo de imitação preocupações e interesses da área, no presente. É deste
de alguma figura ideal (da Companhia) e, em alguns ca- presente que brota e traz consistência e pertinência o
sos, na confirmação do desejo recebida por alguns sinais interesse plenamente humano pelo passado.
interpretados como divinos (sonhos, encontros e fatos Em segundo lugar, pode-se organizar o produto
ocorridos). Como em muitos casos os pedidos não eram da reconstrução histórica por gêneros e pela inscrição
atendidos, vários insistem no assunto escrevendo repeti- das fontes utilizadas em gêneros, por exemplo: a corres-
das cartas, cujo tom é cada vez mais apelativo e marcado pondência epistolar; as narrativas; os sermões e outros
pela insistência no desejo. Diferentemente do restante documentos escritos originariamente destinados à ora-
do corpo da correspondência epistolar elaborado no âm- lidade; os tratados filosóficos. Esta modalidade permite
bito da Ordem, apesar da escritura das Indipetae ser ins- um entendimento das relações entre os saberes psicoló-
tituída por uma norma do Padre Geral da Companhia gicos e as demais áreas de saber que fundamentam os
visando a disciplinar e a tomar conhecimento dos pedi- gêneros considerados (ex: retórica; literatura; teoria da
dos para o envio em missão, parece não existir uma nor- arte; filosofia, teologia, etc.). Além do mais, no caso da
mativa quanto às formulas para a redação das mesmas. cultura brasileira, a compreensão das imbricações entre
Nesse sentido, os documentos podem ser considerados oralidade e escrita e das diversas aplicações do gênero
parcialmente expressivos da experiência psicológica de retórico pode ser iluminadora para o resgate da cultura
seus autores, dentro dos moldes que na época norma- oral enquanto depositária do saber, bem como do en-
tizavam a expressão das vivências interiores pela escrita. tendimento da articulação e da função de transmissão
Para a análise da mesma, foi utilizado o enfoque da his- de saberes e práticas exercidas pelas práticas teatrais, ri-
tória conceitual, especificamente baseando-nos na teoria tuais e celebrativas.
dos temperamentos e na teoria das paixões, bem como Por fim, pode-se organizar a narrativa acerca da
a abordagem da história das mentalidades que visa a re- história dos saberes psicológicos em termos de discursos
construir o processo de formação da subjetividade mo- psicológicos concebidos (e concebíveis) por diferentes
derna. Escolhemos realizar uma leitura das cartas focada áreas: a filosofia; a medicina; a instrução e educação, a
no conceito de “desejo”, por este ser um lugar comum política; o direito etc.
presente nestes documentos com grande freqüência. O Desse modo, ao pluralismo dos modelos de aná-
desejo foi analisado nas significações e usos inerentes às lise corresponde também o pluralismo das narrativas
cartas, bem como nos significados próprios deste con- históricas. Assim, podemos escrever diversas histórias
ceito na história da cultura contemporânea à escritura dos saberes psicológicos no Brasil: pois, como já R.
das cartas e especialmente na história da cultura jesuítica Watson (1998) assinalava, há uma pluralidade de mo-
(Massimi & Prudente, 2002, Sousa & Massimi, 2002). dos de se escrever a história.
O que foi aqui apresentado é um percurso possí-
A Escrita da História vel, entre tantas e outras possibilidades que a investiga-
ção histórica abre aos que se interessam por ela.
Podemos comparar a escrita da história ao trabalho
artesanal da tecelagem: dispomos de fios (as fontes) que or- Referências
denamos em tramas (as narrativas), sempre levando em con-
ta a possibilidade de existirem outros fios e outras tramas. Áries, Ph. (1989). O tempo da história (R. Leal Ferreira, trad.).
São Paulo: Francisco Alves. (Obra original publicada em
Em primeiro lugar, pode-se partir do conteúdo 1954).
das fontes, por exemplo, em termos de tópicos (e per-
Bloch, M. (2001). Apologia da história. Ou o ofício do historiador.
guntas) que dizem respeito a temas de interesse atual da (A. Telles, trad.). Rio de Janeiro: Zahar Editor (Obra original
psicologia (os processos psíquicos básicos tais como sen- publicada em 1993).
sação, cognição, memória, etc.; as práticas de cuidado Brozek, J., & Massimi, M. (1998). Historiografia da Psicologia
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Questões Sobre Avaliação de Processos Psicoterápicos

Issues in Evaluation of Psychotherapy Process


Makilim Nunes BaptistaI

Resumo
O artigo objetiva discutir formas de avaliação de eficácia em intervenções psicoterápicas, baseadas nos delineamentos de ensaios
clínicos randomizados (randomized clinical trials), delineamentos quantitativos que regem as novas tendências de intervenções
com base em evidências de pesquisas experimentais. Aborda-se inicialmente a definição de eficácia e eficiência e as principais
características dos delineamentos que avaliam eficácia de intervenções psicológicas, tais como os ensaios clínicos e as meta-
análises. Em seguida são descritos os principais problemas relacionados à complexidade em desenvolver pesquisas de eficácia
em intervenções psicológicas, tendo como base os estudos que sustentam a medicina baseada em evidências. Por último, o
autor relata pesquisas internacionais sobre eficácia em intervenções psicológicas e seus resultados, comparando abordagens
teóricas/intervenções diversas em problemas tais como depressão, ansiedade, fobias, problemas sexuais, dentre outros.
Palavras-chave: Avaliação; processos psicoterápicos; eficácia; eficiência.

Abstract
This paper aims to discuss ways of evaluating the effectiveness of psychotherapeutic interventions, based on designs of
RCTs (randomized clinical trials), quantitative designs that rule the new trends of interventions based on evidence from
experimental research. The article focuses, initially, on the definition of effectiveness and efficiency, and the main features
of the designs that assess the effectiveness of psychological interventions, such as clinical trials and meta-analysis. Next, the
main problems related to complexity in developing research on the effectiveness of psychological interventions, based on
studies that support evidence-based medicine are described. Finally, the author reports on international research on effective
psychological interventions and their results, comparing theoretical approaches / interventions in various problems such as
depression, anxiety, phobias, sexual disorders, among others.
Keywords: Evaluation; psychotherapeutic processes; effectiveness; efficiency.

I
Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco

Um grande contingente de psicólogos opta pela vem sendo considerados importantes ferramentas na
prática da psicoterapia, seja em consultórios particu- demonstração de eficácia de processos interventivos,
lares, seja em serviços hospitalares, serviços de saúde principalmente os estudos baseados em delineamentos
mental e clínicas especializadas em diversos problemas de ensaios clínicos randomizados e meta-análises (Gil-
de saúde. Pesquisas realizadas ou encomendadas pelo dron, 2002; Starcevic, 2003), delineamentos baseados
Sistema Conselhos de Psicologia vem insistentemente em controle, manipulação de variáveis e randomização
mostrando que a opção pela psicologia clínica ainda de amostras e/ou métodos e técnicas estatísticas desen-
se mostra uma tendência da classe (CFP, 1994, 2004; volvidas para integrar resultados de pesquisas de cam-
CRP, 1995), inclusive em pesquisa mais recente (Gon- po (Baptista & Morais, 2007; Luiz, 2002). Na área da
dim, Bastos & Peixoto, 2010). Nesse sentido, pare- psicologia, diversas são as formas de se avaliar a eficácia
ce ser de suma importância que o psicólogo consiga de intervenções psicológicas, desde aquelas menos rigo-
demonstrar que os processos psicoterápicos possam rosas até as mais confiáveis à luz do positivismo lógico
ser confiáveis do ponto de vista de sua eficácia, já que (Myers, 2003). Por exemplo, as pesquisas de opinião
com clientes e psicoterapeutas em relação à eficácia de
diferentes tipos de psicoterapias e técnicas podem ser
intervenções psicológicas podem ser consideradas como
mais indicadas para o tratamento de problemas espe-
menos rigorosas, pois podem ser tendenciosas à boa
cíficos (Abreu & Oliveira, 2009).
avaliação tanto dos clientes quanto dos psicoterapeutas.
Com o advento do desenvolvimento de delinea-
Isso se deve a diferentes motivos, já que o cliente pode
mentos de pesquisa metodologicamente mais contro-
tender a acreditar no tratamento sem condições técnicas
lados e confiáveis, os estudos baseados em evidência
de avaliação da intervenção ou devido ao tipo de relação

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estabelecida, o que o impediria de realizar uma avalia- psicoterápicos podem ser fundamentais em discriminar
ção mais crítica e mais aguçada do processo. Por últi- a Psicologia baseada em evidências da psicologia baseada
mo, o próprio psicoterapeuta pode não ter condições na “fé”, sendo essa última a crença não fundamentada
(impessoalidade) de avaliar o seu trabalho ou também por pesquisa de que os processos psicoterápicos seriam
tender a avaliá-lo de maneira positiva (Myers, 2003). eficazes para diversos problemas humanos, ou mesmo
Este panorama acaba levando pesquisadores e em pesquisas de levantamento com o paciente ou psico-
clínicos a estudarem e questionarem a eficácia e efi- terapeuta sobre a eficácia do tratamento.
ciência em psicoterapia, lembrando que a eficácia Um dos precursores da questão da eficácia em
é baseada em estudos experimentais, com amostras processos psicoterápicos foi o psicólogo britânico Hans
randomizadas e grupos homogêneos (experimental e Eysenck (1952), que revisou 24 estudos de resultados
controle), ou seja, condições artificiais com alta vali- em psicoterapia, concluindo que dois terços das pessoas
dade interna, enquanto que pesquisas sobre eficiência que sofriam de distúrbios não-psicóticos melhoravam
testam tratamentos em condições da prática clínica, com psicoterapia. No entanto, o autor também relatou
ou seja, em ambientes naturais, podendo ocorrer com que uma porcentagem similar também melhorava no
desenhos quase-experimentais ou sistemáticos e natu- grupo daqueles que não faziam psicoterapia, como, por
ralísticos, enfatizando a validade externa (Lutz, 2003). exemplo, aqueles que ficavam aguardando em listas de
Baptista, Baptista e Dias (2003) destacam que a pes- espera, sendo que a melhora poderia se dar por meio da
quisa deveria ser o ponto de partida de qualquer prá- remissão espontânea. Apesar de diversas falhas metodo-
tica e que diversos são os delineamentos responsáveis lógicas neste estudo, tais como a falta de controle sobre
para avaliar eficácia e eficiência em psicoterapia. Deli- os diversos delineamentos das pesquisas, instrumen-
neamentos experimentais seriam formas mais contro- tos de avaliação diferentes e não padronizados, dentre
ladas de se verificar a eficácia em processos psicoterápi- outros, esse estudo chamou a atenção da comunidade
cos pelo refinamento metodológico que norteia os seus científica. Assim sendo, Eysenck conseguiu disparar
princípios, principalmente os estudos randomizados e uma controvérsia na área, principalmente entre acadê-
duplo-cegos (Baptista & Morais, 2007). micos, pesquisadores e clínicos, que foi seguida por di-
Historicamente, Neil (2003) enfatiza que as inter- versas pesquisas para avaliar se realmente a psicoterapia
venções terapêuticas que lidam com problemas psicoló- seria eficaz em diversas problemáticas (Eysenck, 1952;
gicos não possuem mais do que 100 anos. Para Hibbs Kopta, Lueger, Saunders & Howard, 1999).
(2001), o interesse pela avaliação dos processos psico- Pesquisas que utilizam ramdomização e avaliações
terápicos data do pós-guerra (segunda grande guerra), cegas (double-blind) exigem profundos conhecimentos
sendo que a primeira geração de pesquisas em resultados de metodologia, além de demandarem vastos recursos
de processos psicoterápicos ocorreu entre 1950 e 1960, financeiros e tempo, pois são delineamentos longitudi-
enfocando inicialmente as mudanças de personalidade; nais, sendo mais freqüentes na psiquiatria, com testes de
de 1960 a 1970, enfocando a modificação do comporta- medicamentos (Baptista & Morais, 2007). Em alguns
mento e, por último, nos anos 80, a terceira geração de países, como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá,
estudos, abrangendo intervenções de tempo limitado e entre outros, as pesquisas experimentais sobre processos
comparando diferentes tratamentos com problemas clí- psicoterápicos são freqüentes (Balon, 2009; La Greca,
nicos específicos, também chamados de trials. Silverman & Lochman, 2009; Mohr et al, 2009), o que
Neil (2003) aponta para a importância de se de- não ocorre no Brasil.
senvolver, na comunidade científica, pesquisas de maior Seligman (1995), um dos mais importantes críti-
qualidade metodológica para avaliar a eficácia de inter- cos sobre eficácia em psicoterapia, argumenta que, em
venções psicoterápicas, inclusive no sentido de se com- delineamentos quantitativos, algumas condições básicas
pararem os efeitos de tipos diferentes de intervenções e devem ser respeitadas para uma pesquisa de qualidade,
bases teóricas. Com relação a este ponto, já em 1967, tais como a randomização (aleatoriedade) dos partici-
Paul (1967) formulou uma máxima referente aos pro- pantes em ensaios clínicos; o rigor com o grupo contro-
cessos psicoterápicos, ou seja, “Quais tratamentos são le, inclusive a inserção de grupo placebo na comparação
mais efetivos, para quais pacientes, sob quais condi- dos resultados; utilização e seguimento de protocolo de
ções?”. Tais especificidades das pesquisas em processos psicoterapia, com sessões gravadas e avaliadas por juízes

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externos; fixação de número limitado de sessões no tra- controlados (trials) eficácia comprovada de tratamento
tamento; objetivos e resultados operacionalizados ade- comportamental para a depressão, além de diversos ou-
quadamente, com a aplicação de instrumentos válidos e tros estudos que avaliam a questão da eficácia de tra-
confiáveis, além de avaliações cegas (blind). Ressalta-se tamentos farmacológicos e/ou psicossociais para pro-
ainda a importância da exclusão de comorbidades con- blemas mais específicos, tais como tabagismo, enurese,
fundidoras na escolha da amostra — por meio de diag- transtorno obsessivo-compulsivo, autismo, habilidades
nósticos bem estabelecidos, tais como aqueles baseados sociais, desordens alimentares, dentre outros (Bloom-
em taxonomias dos manuais de transtornos mentais — garden & Calogero, 2008; Brownley, Berkman, Se-
e a necessidade do seguimento dos participantes para dway, Lohr & Bulik, 2007; Bulik, Berkman, Brownley,
avaliar se a intervenção foi eficaz a curto, médio e/ou Sedway & Lohr, 2007; Elder, Caterino, Chão, Shack-
longo prazo (follow-up). nai & Simone, 2006; Goldstein, 2002; Manzoni et al,
Parloff (1982) relata que o Instituto Nacional de 2008; Meneghello, Pereira & Silvares, 2006; Prazeres,
Saúde Mental (National Institute of Mental Health – Souza & Fontenelle, 2007; Shapiro, Berkman, Brown-
NIMH´s) nos Estados Unidos vem apontando sobre a ley, Sedway, Lohr & Bulik, 2007).
importância do desenvolvimento de pesquisas de eficácia Como citado anteriormente, os estudos interna-
em diversas áreas da saúde mental, inclusive para deter- cionais são publicados frequentemente. No entanto, os
minar quais tratamentos serão subsidiados pelos recursos nacionais ainda são escassos, principalmente aqueles
federais. As entidades federais e seguros de saúde ameri- que são publicados em periódicos brasileiros e anali-
canos traçam suas estratégias baseados em evidências de sam estudos nacionais, já que os publicados no Brasil
eficácia dos diferentes procedimentos psicológicos. analisando estudos internacionais são mais freqüentes
Mesmo assim, Schestatsky e Fleck (1999) comen- em nossa literatura científica. Provavelmente, a pouca
tam que há 12 anos atrás, não haviam tantas evidências freqüência desses estudos está associada à dificuldade
de eficácia de psicoterapias, por exemplo, com trata- em fazer ensaios clínicos randomizados duplo-cegos e,
mento de depressões, relatando que, provavelmente, os consequentemente, ter massa crítica para, então, propor
psicólogos e psiquiatras se baseavam mais na experiência estudos de meta-análise.
intuitiva do funcionamento da psicoterapia com seus
clientes idosos depressivos, por meio das experiências A Complexidade do Problema
profissionais cotidianas. Scazufca e Matsuda (2002),
também na tentativa de avaliar artigos sobre eficácia de A investigação sobre eficácia de processos psicoterá-
psicoterapia versus farmacoterapia, no tratamento de picos é um assunto complexo e com diversas variáveis, co-
depressão em idosos, encontraram poucas pesquisas, meçando pelo número de linhas teóricas, procedimentos e
inclusive internacionais, de acordo com o critério de nomenclaturas diferentes. As psicoterapias e intervenções
inclusão estabelecido por eles, e concluíram que as evi- também variam em relação ao tipo de objetivo proposto,
dências sobre a eficácia da psicoterapia não são seguras, foco, técnicas utilizadas, freqüência dos encontros, tempo
além de sugerirem a necessidade do desenvolvimento de de intervenção, voltadas à personalidade ou características
ensaios clínicos bem conduzidos. do comportamento (Abreu & Oliveira, 2009; Cordioli,
Hoje em dia, a quantidade de estudos relacio- 1998). Alguns autores relatam a existência de mais de 250
nados a ensaios clínicos randomizados cegos e duplo- tipos de terapias psicossociais (ex: psicoterapias tradicio-
-cegos, além de meta-análises, já começa a ser amplia- nais, aconselhamento, métodos de psicoeducação), che-
da, principalmente quando relacionada a determinados gando até a 450, isto sem pensar na quantidade de trans-
transtornos e/ou linhas teóricas. Por exemplo, Mululo, tornos catalogados nos manuais estatísticos psiquiátricos,
Menezes, Fontenelle e Versiani (2009) avaliaram di- que formam aproximadamente 150 grupos de diagnósti-
versas pesquisas internacionais de ensaios controlados cos de saúde mental, o que demandaria um grande núme-
sobre eficácia do tratamento cognitivo e/ou comporta- ro de ensaios clínicos para abordar toda essa complexidade
mental para o transtorno de ansiedade social e conclu- (Parloff, 1982; Feixas & Miró, 1993).
íram que essas modalidades de terapias são tão eficazes Nos Estados Unidos, por exemplo, é muito co-
quanto o tratamento farmacológico. Já Linden & Mo- mum a utilização de procedimentos baseados em pes-
seley (2006) encontraram em uma centena de estudos quisas que utilizam algoritmos (guias de intervenções

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específicas para diversos casos de problemas psiquiátri- psicoterapeuta, envolvimento ativo no processo, com-
cos/psicológicos) ou mesmo livros de recomendações de promisso para mudar, reconhecimento da responsabi-
tratamento, também denominados guidelines ou linhas lidade do processo psicoterápico, capacidade em reco-
de conduta para transtornos específicos (Maruish, 1998). nhecer sentimentos, comportamento defensivo, dentre
Já no Brasil esta prática pode ser bastante diferente, ou outros. Por último, as variáveis do processo terapêutico
seja, não há, de forma metódica, a manufatura, utiliza- envolvem a seleção de comportamentos-problema e ob-
ção e publicação de guidelines nas práticas psicoterápicas, jetivos, o processo de tomada de decisões e soluções de
não se sabendo, de forma padronizada, como as teorias, problemas, os tipos de intervenções que provocam im-
princípios, técnicas e procedimentos em diversas práticas pacto, expectativa de êxito por ambas as partes e lócus
psicoterápicas estão sendo ensinadas por docentes e su- de controle da relação, além de outras tantas mais.
pervisores (Campos, 1998). Nesse sentido, sabe-se que Além de todos os pontos assinalados anteriormen-
o treinamento de terapeutas necessita de estudos, a fim te, Starcevic (2003) ainda levanta o dilema da ortodoxia
de obter critérios e métodos sistemáticos para o ensino e em análises baseadas na avaliação positivista encontrada
avaliação da prática da supervisão (Moreira, 2003). nas ciências médicas, especificamente na medicina base-
Outro ponto premente na avaliação de processos ada em evidência, que impõem a medida de eficácia ba-
psicoterápicos, também no Brasil, diz respeito à utiliza- seada em um sistema já moldado em um paradigma que
ção de instrumentos de avaliação válidos e confiáveis no propicia as próprias análises positivistas, tema também
desenvolvimento de pesquisas. Por meio das Resoluções abordado por Kuhn (1975). Sendo assim, os ensaios clí-
nº 025/2001 e 02/2003, o Conselho Federal de Psicolo- nicos randomizados seriam considerados os padrões-ouro
gia (CFP, 2001, 2003) criou uma comissão especializada em termos do reconhecimento da eficácia em interven-
para avaliar os testes, chamada de Comissão Consultiva em ções. No entanto, há algumas diferenças importantes en-
Avaliação Psicológica, com o intuito de determinar quais tre uma pesquisa para avaliar eficácia de medicamentos e
testes possuem condições de uso nas mais variadas situa- eficácia de intervenções psicossociais.
ções de atuação do psicólogo, como, por exemplo, diag- Algumas das razões que Starcevic (2003) aponta
nóstico, levantamento de sintomas, mensuração de habi- para as dificuldades de se utilizar o delineamento de en-
lidades, processos e fenômenos psicológicos. Sendo assim, saio clínico ramdomizado na avaliação de intervenções
a área de avaliação psicológica se mostra fundamental para psicoterápicas se baseiam, por exemplo, na dificuldade em
contribuir com a possibilidade de expansão de pesquisas na se diagnosticar precisamente um transtorno psiquiátrico
área de eficácia em processos psicoterápico. no cliente que busca a psicoterapia, já que o mesmo pode
Além das questões metodológicas e relativas à começar um processo psicoterápico com comportamen-
avaliação psicológica, diversas outras variáveis estão di- tos-problema específicos que não se encaixariam em um
retamente relacionadas com a avaliação dos processos modelo diagnóstico psiquiátrico. O segundo fator seria a
psicoterápicos e devem ser levadas em consideração nos dificuldade de se utilizar um placebo em pesquisas com
estudos sobre eficácia, já que as linhas de pesquisa em psicoterapia, já que qualquer tipo de intervenção tipo
eficácia terapêutica podem se diferenciar em avaliar os placebo poderia ter elementos ativos no desempenho do
tratamentos das patologias, o estudo diferencial de téc- cliente. Um terceiro fator se refere à dificuldade em se ter
nicas dos pacotes terapêuticos e as variáveis que estão avaliações duplo-cegas em pesquisas com psicoterapias,
presentes no processo psicoterápicos (Gavino, 1996). pois os psicoterapeutas saberiam que tipos de tratamento
Em relação às variáveis do processo terapêutico, (teoria, intervenção) estão oferecendo aos clientes. Por úl-
podem ser analisadas as do terapeuta, cliente e do pro- timo, Starcevic (2003) ainda comenta sobre a dificuldade
cesso. Algumas das variáveis do terapeuta são os níveis em se ter guias de tratamento ou mesmo intervenções
de conteúdo, inter-relações, linguagem utilizada, expli- padronizadas em algumas linhas teóricas ou intervenções
cações, habilidades para aplicar técnicas, empatia, au- psicológicas.
tenticidade, aceitação, como se propõe o conteúdo das Mesmo com todas as dificuldades apontadas an-
sessões, forma de apoio, interrupções, dentre outras. As teriormente, há diversas formas para se estabelecer pro-
variáveis do cliente também não são em menor número tocolos de avaliação e demonstrar resultados de eficácia
e englobam características como a percepção que este nos processos psicoterápicos, mesmo que todos os deline-
tem do terapeuta, valores em comum, como é visto o amentos possuam limitações e as pesquisas possam estar

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sujeitas a vieses em seus métodos. Neste sentido, Starcevic mero zero não indica mudança, já um valor positivo indica
(2003) também sugere que, independente das limitações um aumento na medida, geralmente relacionado com a
do estabelecimento de delineamentos de ensaio clínico melhora do problema do cliente.
randomizado para intervenções psicológicas, é de suma Apesar de diversas controvérsias em relação à in-
importância que os psicólogos e pesquisadores avaliem terpretação dos resultados, Neil (2003) aponta que um
a eficácia dos processos psicoterápicos, mesmo que, para dos mais utilizados parâmetros de interpretação é aquele
isto, haja a necessidade de adaptações nos delineamentos fornecido por Cohen, no qual um valor de até 0,2 seria
de pesquisa utilizados. O autor ainda complementa que, considerado fraco ou pequeno, a partir daí até 0,5 mo-
independentemente das questões que envolvam paradig- derado, e maior do que 0,5 até 0,8 grande ou expressivo.
mas positivistas, a comprovação de intervenções psicoló- O primeiro autor também atenta para a importância da
gicas pode auxiliar na aprovação de tais práticas por parte interpretação dos resultados, já que nem sempre um valor
da comunidade científica mais cética e/ou na maior va- de tamanho do efeito considerado como pequeno deve
lorização destas práticas por profissionais de psicologia e ser interpretado como tal, já que dependeria de que tipo
de áreas afins, além da própria população, tendo como de variáveis estão sendo interpretadas. Como exemplo,
“efeito colateral” a padronização de determinadas inter- comenta que mesmo um tamanho de efeito pequeno de
venções para problemas específicos. um comportamento ou transtorno de difícil mudança
deve ser interpretado de forma diferenciada, já que pode
Evidência de Eficácia em Processos ser mais expressivo do que um tamanho de efeito grande
Psicoterápicos em um comportamento ou transtorno de fácil tratamen-
to e/ou modificação.
Passados mais de 50 anos desde que Eysenck pu- Uma das pioneiras meta-análises de evidências de
blicou seu artigo que motivou a busca de evidências da eficácia em terapia foi realizada por Smith e Glass (1977),
eficácia dos processos psicoterapicos, já é possível encon- por intermédio da seleção de 375 estudos que tinham
trar, em diversas pesquisas, dados que confirmem o valor pelo menos um grupo de terapia comparado com um
de alguns procedimentos psicossociais, como visto ante- grupo sem tratamento ou um outro grupo também tra-
riormente. Além do reconhecimento do valor dos pro- tado com outra modalidade terapêutica, excluindo-se al-
cedimentos psicológicos, Parloff (1982) comenta que os gumas modalidades de terapia tais como hipnoterapia,
planos de saúde nos Estados Unidos subsidiam diversos biblioterapia, terapia ocupacional, social, aconselhamen-
serviços de profissionais de saúde baseados em estudos to de pares, psicodrama, além de estudos com drogas.
de eficácia, tais como nos casos de psiquiatras, psicólo- Em média, 75% dos clientes que receberam psicotera-
gos clínicos, assistentes sociais, enfermeiras psiquiátricas, pia melhoraram quando comparados à aqueles que não
além da crescente demanda por outros profissionais como receberam algum tipo de tratamento. As modalidades
nos casos de aconselhadores matrimoniais (ou terapias de de psicoterapia/procedimentos inclusos na pesquisa e
casal), aconselhadores sexuais e familiares. as médias do tamanho do efeito foram: psicodinâmica
Além dos trials, o procedimento mais importante (0,59), Adleriana (0,71), análise transacional (0,58), ra-
nos últimos anos para se avaliar eficácia em psicoterapia é a cional-emotiva (0,77), gestalt (0,26), centrada no clien-
meta-análise, procedimento estatístico baseado em revisão te (0,63), dessensibilização sistemática (0,91), implosão
sistemática da literatura de pesquisas com delineamentos (0,64) e modificação do comportamento (0,76). Neste
experimentais, ou seja, de ensaios clínicos randomizados, estudo, foram levados em consideração diversos proble-
a fim de consubstanciar evidências de eficácia em proces- mas, tais como redução de ansiedade e medo, aumento
sos de intervenção medicamentosa e psicoterápica (Cha- de auto-estima e dificuldades relacionadas com trabalho e
ves, Soares e Mari, 1995; Streiner, 1991). Segundo Neil escola, portanto, diversas variáveis e tipos de abordagens
(2003), os resultados expressos por meta-análises usam o e intervenções, o que, de certa forma, exige muita cautela
termo tamanho do efeito (“efect-size”), nada mais sendo na interpretação dos resultados globais.
que uma medida que utiliza diferença de médias e expressa O trabalho de Smith e Glass foi replicado por
desvios-padrão, no sentido de demonstrar a diferença en- Shapiro e Shapiro (1982) com alguns refinamentos
tre medidas realizadas antes e após a intervenção estudada. metodológicos, tendo como objetivo melhorar pontos
Sendo assim, o tamanho de efeito denominado pelo nú- críticos metodológicos inerentes à época em que foi es-

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crito. Shapiro e Shapiro revisaram 143 pesquisas, com nho do efeito, em média, foi de 0,47, aumentando para
pelo menos três grupos de comparação. O tamanho 0,76 em delineamentos que utilizaram um grupo pré e
do efeito de algumas modalidades de psicoterapia/in- pós-teste, sendo que os autores concluem favoravelmen-
tervenções foi: comportamental (1,06); procedimentos te sobre a eficácia de diversos tratamentos psicológicos.
comportamentais (biofeedback, dessensibilização siste- No ano de 2000, Shadish, Matt, Navarro e
mática, reforçamento, modelagem, treino de habilida- Phillips realizaram uma meta-análise diferenciada, com
des sociais – 0,99); métodos cognitivos (1,0) e métodos critérios que não abarcaram a rigidez de pesquisas to-
dinâmicos e humanísticos (0,40). Os problemas pesqui- talmente controladas, tais como os ensaios clínicos
sados foram muito mais variados que a pesquisa ante- randomizados clássicos. As 90 pesquisas de eficiência
rior e agruparam-se em: ansiedade e depressão, fobias avaliadas incluíram, em três blocos de análises, clien-
(agorafobia, cobra, aranha, ratos, dentista, avião), pro- tes clinicamente representativos, ou seja, mais parecidos
blemas de saúde (hipertensão, dor de cabeça, obesidade, com clientes do “mundo real” (ambos sexos, status só-
abuso de substãncias, insônia, etc), problemas sociais e cio-econômico); diversas modalidades de psicoterapias
sexuais (assertividade, inadequação social, comunicação praticadas pelos terapeutas; sem manual de tratamento
de casal, dificuldades sexuais) e outros (inabilidade aca- pré-cursado pelos terapeutas (guidelines); sem definição
dêmica, indecisão vocacional, etc). exata de número de sessões, dentre outras condições. Os
O tamanho do efeito de todos os procedimentos autores concluíram, de forma geral, apesar de algumas
psicoterápicos compilados por Smith e Glass (1977) foi limitações metodológicas, que, mesmo sob condições
de 0,68 (média), mais baixo do que o mesmo índice de representatividade de amostra, sem controles ou alta
compilado por Shapiro e Shapiro (1982), que calcula- especificidade dos clientes e terapeutas, ainda assim as
ram o índice de 0,93, lembrando que, dos trabalhos da terapias psicológicas apresentam resultados favoráveis
primeira pesquisa, apenas 15% foram incluídos. Um em termos de eficácia. Kopta e colaboradores (1999),
fato bastante interessante é que Smith e Glass conside- por exemplo, afirmaram que centenas de estudos de-
raram em seu estudo não só os artigos de periódicos, monstram que a psicoterapia funciona mais do que os
mas também as dissertações levantadas na época, o que placebos, relatando que nos últimos anos a psicoterapia
diminuiu o tamanho do efeito, não ocorrendo o mesmo passou por momentos de avaliação, tais como questio-
com a pesquisa de Shapiro e Shapiro. Talvez o tamanho namentos sobre a eficácia, questionamentos sobre os
do efeito seja realmente menor na pesquisa dos últimos tipos de desenhos metodológicos utilizados no passado
autores, pois provavelmente ocorreu um viés de publi- para provar tal eficácia, além de críticas sobre as técnicas
cação na área, sendo que há uma maior probabilidade utilizadas em psicoterapias.
de só serem publicadas as pesquisas que demonstram a A afirmativa que, de forma geral, a psicoterapia
maior eficácia dos procedimentos psicoterápicos. é eficaz vem sucedida, segundo Kopta e colaboradores
Aproximadamente 302 estudos de eficácia em (1999), de alguns questionamentos, tais como a incer-
processos psicoterápicos (intervenções psicológicas, teza do porque as psicoterapias funcionam, inclusive
educacionais e tratamentos comportamentais) foram pela possibilidade de diversos tipos de processos psico-
avaliados por Lipsey e Wilson (1993), comparando terápicos terem uma espécie de princípio ativo, como
uma vasta gama de tratamentos, desde os mais tradi- observado nos medicamentos, que talvez seja uma com-
cionais, como psicoterapia comportamental individual, binação de variáveis inespecíficas do processo, tais como
grupal (diversas faixas etárias), até programas de trata- a lealdade, aliança terapêutica, espaço de troca de ques-
mento para delinqüência juvenil, tratamentos baseados tões pessoais, aceitabilidade, incondicionalidade, dentre
em meditação e hipnose, programas de desinstitucio- outras. Os autores ainda sugerem que desenhos de pes-
nalização para doentes mentais crônicos e programas quisas devem englobar os fatores inespecíficos quando
educacionais de instrução computadorizada. Apesar da avaliam eficácia de processos psicoterápicos, a fim de
miscelânea de processos psicoterápicos e educacionais, identificar a importância de tais variáveis na eficácia.
delineamentos, amostras e tratamentos estatísticos dife- Por último, como aponta Hine, Werman e Simp-
rentes, 85% das pesquisas obtiveram o tamanho do efei- son (1982), nas ciências naturais, as medições e o con-
to de 0,20 ou mais. Quando avaliados os delineamentos trole de variáveis são mais precisos e, conseqüentemente,
com grupos controle e estudos randomizados, o tama- mais fáceis de se mensurar, desenvolvendo-se um conhe-

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cimento mais preditivo, o que não ocorre com os even- cos. Pesquisas brasileiras que possam demonstrar a efi-
tos psicossociais. Sendo assim, o fenômeno psicoterapia cácia da psicoterapia, quando comparada com placebos
talvez requeira metodologias diferenciadas daquelas e/ou medicamentos, podem ser uma excelente forma de
utilizadas nas ciências médicas, necessitando-se de uma se pressionar os políticos e dirigentes de planos de saúde
concepção mais “relaxada” de ciência. a incluírem os serviços psicológicos no rol de especia-
Hine e colaboradores (1982) ainda apontam que lidades obrigatórias, o que geraria um vasto campo de
provavelmente os pesquisadores estudam fragmentos do trabalho para milhares de psicólogos que desejam ofere-
processo psicoterápico e que, dependendo do olhar e das cer seus importantes serviços à população, seja por meio
bases científicas adotadas, alguns delineamentos podem de atendimento clínico particular ou por intermédio de
ser menosprezados perante outros pela comunidade cien- planos de saúde.
tífica mais positivista. Um dos exemplos deste tipo de Apesar dos dados sobre eficácia dos processos psi-
“preconceito científico” são os estudos de caso que, quan- coterápicos baseados em meta-análises internacionais
do julgados pelo prisma do positivismo-empiricismo, serem razoavelmente confortáveis, a sua generalização
seria considerado como um delineamento ineficaz para para o Brasil não parece ser confiável, já que as diferen-
explicar os fenômenos psicológicos, já que não possuiria ças culturais e de formação na área da psicoterapia são
validade externa, além da também questionável validade muito relevantes entre os diversos países. Os livros de
interna, o que poderia ser considerado um erro em ques- conduta psicoterápica (guidelines) também não fazem
tão de julgamento, já que este tipo de delineamento pode parte da cultura psicológica brasileira. O treinamento
ser altamente valioso para o desvendamento de determi- clínico e os alicerces teóricos que profissionais de psi-
nadas relações que os estudos quantitativos não teriam cologia de diferentes países recebem também devem
(pelo menos ainda) domínio ou condições de estudar. ser levados em consideração, já que estes fatores podem
modificar a noção de qual deve ser o objetivo da psi-
Considerações Finais coterapia, além, é claro, de se levar em consideração as
diferenças políticas e culturais entre os países.
Em diversos países de primeiro mundo já é bem Como afirma Parllof (1982), são necessários es-
definida a superioridade da psicoterapia, em várias in- tudos de eficácia de qualquer procedimento, seja ele
tervenções, com inúmeros problemas, quando compa- médico ou psicológico, e estas condições acabam por
rada com placebo ou grupos de não-tratados, por in- motivar cientistas e estudiosos a desenvolverem estra-
termédio de estudos de eficácia, como ensaios clínicos tégias metodológicas mais precisas, a fim de se ava-
randomizados e/ou meta-análises. Neste sentido, ainda liarem com maior acuidade as evidências de eficácia
são escassos estudos brasileiros utilizando tais delinea- das intervenções, levando-se sempre em consideração
mentos para determinar quais procedimentos psicoterá- as questões sociais, éticas e também econômicas, ape-
picos (técnicas, linhas teóricas, pacotes terapêuticos) são sar de que, algumas formas de psicoterapia, à luz do
mais eficazes para quais problemas, sob quais circuns- positivismo lógico, não estejam formatadas à avaliação
tâncias, direcionando assim as decisões de clínicas, pla- por ensaios clínicos ramdomizados. Por outro lado,
nos de saúde e profissionais. Assim, julga-se importante muito cuidado deve ser tomado em relação ao desen-
a formação de grupos de pesquisa, associações ou mes- volvimento da psicologia baseada em evidências, pois
mo linhas de pesquisa de programas de pós-graduação a partir do momento em que as decisões são tomadas
em avaliação de processos psicoterápicos, pois provavel- em detrimento de evidências de eficácia, a psicoterapia
mente a forma de fazer psicoterapia e as imensas dife- pode se reduzir aos princípios regidos pela política do
renças culturais entre os países de primeiro mundo com capital e somente direcionada ao impacto do resulta-
o Brasil justificariam a necessidade de ensaios clínicos do, gerando uma visão também distorcida. Um dos
regionais e nacionais. grandes desafios na área da psicologia, legado aos pes-
Por intermédio de um corpo de pesquisa contro- quisadores, estudiosos e clínicos no Brasil seria tentar
lado e confiável, seria possível argumentar, de forma encontrar uma forma de desenvolver estudos capazes
mais concisa, com os planos de saúde, dirigentes hospi- de avaliar a eficácia de intervenções, sem a necessidade
talares, médicos, outros profissionais de saúde, políticos de subordinar a psicologia a uma visão estritamente
e sociedade, o valor e eficácia dos processos psicoterápi- positivista e/ou capitalista.

Baptista, M.N. 115


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Baptista, M.N. 117


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A Pesquisa em Neuropsicologia:
Desenvolvimento Histórico, Questões Teóricas e Metodológicas

Research in Neuropsychology: Historical Development,


Theoretical and Methodological Issues

Simone CagninI

Resumo
O presente artigo tem como objetivo enfocar a pesquisa na Neuropsicologia, a partir de uma revisão histórica da literatura da
área, destacando os principais métodos e questões teóricas que surgiram no percurso dos estudos científicos da relação cérebro-
mente. Inicialmente, pretende-se apresentar os antecedentes históricos da pesquisa em Neuropsicologia, privilegiando-se
a emergência do método anátomo-clínico, no século XIX, e as escolas psicométrica e cognitivista do século XX. Neste
contexto, algumas pesquisas clínicas e experimentais com estudos de caso único e estudos de grupo são privilegiadas. Uma
discussão sobre as contribuições e os limites das técnicas de neuroimagem é também esboçada. Por último, uma conclusão é
proposta com o intuito de integrar as reflexões tecidas ao longo do trabalho.
Palavras-chave: Neuropsicologia; história; pesquisa; método.

Abstract
This article aims to focus on research in neuropsychology from a historical review of the literature highlighting the key
methods and theoretical issues that have arisen in the course of scientific studies of the brain-mind relationship. Initially, we
intend to present the historical background of research in neuropsychology, privileging the emergence of anatomical-clinical
method in the nineteenth century, and psychometric and cognitive schools of the twentieth century. In this context, some
clinical and experimental studies of a single case and group studies are emphasized. A discussion of the contributions and
limitations of neuroimaging techniques is also outlined. Finally, a conclusion is proposed in order to integrate the reflections
made throughout the paper.
Keywords: Neuropsychology; history; research; method.

I
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Este trabalho pretende descrever, a partir de uma outros, apresentaram, em seus trabalhos, revisões teóricas
revisão histórica, as principais questões teóricas e me- que destacaram aspectos teóricos e metodológicos relevan-
todológicas no âmbito da Neuropsicologia. O avanço tes ao longo da história da Neuropsicologia, incluindo-se
das pesquisas nas Neurociências na década de 1990, a aqui a Neuropsicologia Cognitiva. Porém, acreditamos que
chamada ‘década do cérebro’, e as pesquisas posteriores nosso ensaio teórico pode vir a contribuir para aprimorar
do novo século, tanto as mais voltadas para o estudo o debate iniciado por estes e outros autores, na medida em
do hardware cerebral subjacente a determinadas funções que busca refletir sobre questões teóricas e metodológicas
cognitivas quanto as mais direcionadas para a relação importantes que, a nosso ver, apresentam algumas lacunas
cérebro-mente, ou mesmo aquelas que privilegiam o es- e ainda não encontram consenso na área.
tudo da mente, devem parte de seu sucesso atual aos es- Sendo assim, objetivamos apresentar uma revisão
tudos pioneiros de neuroanatomistas, clínicos, teóricos integrativa e crítica da literatura da área, destacando os
e pesquisadores dos séculos XIX e das décadas anteriores principais métodos e técnicas encontrados ao longo da
às décadas de 90 do século XX. Mostra-se, assim, rele- história da Neuropsicologia. A diversidade de objetivos e
vante traçar o percurso histórico das abordagens teóri- de abordagens teóricas que guiam os pesquisadores da área
cas e metodológicas que serviram de base para o nítido parece trazer, por um lado, maior complexidade aos méto-
desenvolvimento que a Neuropsicologia encontra na dos e técnicas desenvolvidos, mas, por outro lado, parece
contemporaneidade. dificultar o consenso e a integração teórica e metodológica.
Autores como Shallice (1988), Kristensen, Almeida Inicialmente, cabe observar que a Neuropsico-
e Gomes (2001), Caramazza e Coltheart (2006), dentre logia só surge como uma disciplina cientifica mais di-

Cagnin, S. 118
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ferenciada nas primeiras décadas do século XX, sendo ra dessas abordagens ou escolas, denominada clássica,
o termo “Neuropsicologia” inicialmente utilizado por baseia-se em estudos de casos clínicos isolados, com
Hebb (1949), com o intuito de marcar, como observa- construção teórica baseada em diagramas, ênfase na
ram Kolb e Wishaw (1980), um estudo científico que correlação anátomo-clínica e na testagem ad hoc. A se-
combinava o interesse comum pelo funcionamento ce- gunda escola, por sua vez, possui um enfoque psico-
rebral compartilhado pelos neurologistas e pelos psicó- métrico, com ênfase na coleta de dados quantitativos
logos da Psicofisiologia da época. Não obstante, investi- e no uso de testes estandardizados, priorizando, neste
gações científicas da relação cérebro-mente começaram contexto, o estudo de grupos de pacientes selecionados
a ocorrer nas últimas décadas do século XIX, investiga- a partir da semelhança dos sintomas clínicos e/ ou do
ções estas que merecem ser aqui destacadas, pois forne- locus da lesão. A terceira escola, considerada uma es-
ceram as bases para as abordagens metodológicas que cola experimental com ênfase cognitiva, prioriza, por
surgiram posteriormente. sua vez, o estudo de caso único e tarefas experimentais
Estes estudos pioneiros, desenvolvidos por anato- baseadas em modelos de processamento da informa-
mistas e clínicos do século XIX, em uma época em que ção. Enfocaremos, aqui, inicialmente, estas abordagens
as técnicas de avaliação das lesões cerebrais dependiam metodológicas, pois, a nosso ver, trazem questões até
especialmente de uma análise neuroanatômica post hoje significativas para a área.
mortem, merecem ser destacados não só por seu caráter A primeira abordagem metodológica foi introdu-
científico inaugural, mas também pela ousadia de tal zida por Broca, no século XIX, abordagem esta que se
empreitada com tão poucos instrumentos e pressupos- expressou através do método anátomo-clínico, sendo este
tos teóricos consistentes que os guiassem. método um marco na emergência de um método ver-
Por outro lado, como já referido, no âmbito da dadeiramente científico nos estudos da relação cérebro-
própria Neuropsicologia, encontramos uma diversi- -mente. Os estudos anteriores aos de Broca, nas primeiras
dade de enfoques, desde aqueles mais voltados para décadas do século XIX, especialmente os de Gall e seus
os substratos cerebrais envolvidos em determinados seguidores, estudos estes conhecidos como representantes
processamentos da informação, passando por estudos da frenologia, apresentaram um método pouco rigoro-
com ênfase na coleta de dados quantitativos com en- so e duvidoso para o estudo da relação cérebro-mente.
foque psicométrico, até aqueles mais voltados para o A análise das conformações cranianas para a postulação
estudo da mente per se, ou seja, estudos com ênfase de uma correlação entre áreas cerebrais distintas e facul-
cognitivista e menos preocupados com o hardware ce- dades mentais específicas, mais ou menos desenvolvidas
rebral. Nesta direção, apesar de muitos pesquisadores em função de seu “volume” cerebral, proposta por estes
se situarem na mesma interface, os mesmos podem ter estudos, é hoje considerada pseudocientífica.
interesses muito divergentes, o que suscita, de certo Como o próprio nome indica, o método anáto-
modo, a nosso ver, certa fragmentação de saberes e de mo-clínico visa a estabelecer correlações entre os sin-
métodos produzidos na área. tomas apresentados na clínica neuropsicológica com o
Sendo assim, frente a tal diversidade de enfoques, locus da lesão cerebral subjacente. Através da análise do
priorizaremos aqui estudos e métodos que considera- tecido cerebral post-mortem, pioneiros da investigação
mos mais afeitos a nosso objetivo de esboçar uma refle- científica da relação cérebro-mente como Broca, Wer-
xão sobre as principais questões teóricas e metodológi- nicke, dentre outros, propuseram algumas correlações
cas envolvidas na pesquisa em Neuropsicologia. iniciais entre áreas cerebrais restritas e déficits funcio-
nais específicos relacionados a síndromes diferenciadas
Antecedentes Históricos da Pesquisa Sobre no contexto do estudo das afasias.
a Relação Cérebro-Mente nos Primórdios Entretanto, como observa Kertesz (1983), as cor-
da Neuropsicologia relações propostas através do método anátomo-clínico,
embora provendo uma informação anatômica relati-
vamente detalhada, encontraram alguns problemas do
No curso da história da Neuropsicologia, pode-
ponto de vista metodológico. Um desses problemas
mos identificar três grandes abordagens metodológicas
refere-se ao intervalo entre as épocas da avaliação clínica
mais amplas, como aponta Shallice (1988). A primei- e da avaliação anatômica, pois podem ocorrer outros

A Pesquisa em Neuropsicologia 119


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comprometimentos cerebrais neste período de tempo, por autores como Ellis e Young (1988), como “precur-
por exemplo, causados por seguidos AVCs (acidentes sor” de alguns modelos construídos sob a égide do para-
vasculares cerebrais), mascarando assim as correlações digma do processamento da informação. Neste sentido,
inicialmente propostas. Nesta direção, cabe observar então, os diagramas de Lichtheim e, anteriormente, os
que os AVCs, apesar de costumarem levar a quadros de Wernicke, podem ser considerados como pioneiros
clínicos mais estáveis, costumam ocorrer de modo se- de uma construção teórica com ênfase no detalhamento
qüenciado, o que pode levar a uma dificuldade de in- seqüencial do processamento da informação , em espe-
terpretação dos achados anatômicos. Outra fonte de cial no que diz respeito ao processamento da linguagem.
“interferência metodológica” que pode levar a dificul- Não obstante, como observa Shallice (1988) e
dade na interpretação dos resultados poderia ser ocasio- como já destacamos em trabalho anterior (Cagnin,
nada, por exemplo, no caso da existência de tumores, 2009), os construtores de diagrama, apesar de terem
pela compressão, causada por estes, em outras áreas encontrado certo sucesso na tentativa da construção
cerebrais, o que poderia levar a alterações endócrinas de uma taxonomia neurológica para a época, com a
e vasculares mais amplas e, conseqüentemente, a uma caracterização de síndromes afásicas diferenciadas,
imprecisão na avaliação da área cerebral comprometida. partiram de uma avaliação clínica pouco sistemática
E no caso de doenças degenerativas ou de um processo e insuficiente dos déficits e preservações cognitivas
de atrofia cerebral devido ao envelhecimento, estes qua- dos pacientes por eles avaliados. As pesquisas desen-
dros também podem dificultar uma correlação baseada volvidas nos primórdios da investigação científica da
em necropsias do tecido cerebral. relação cérebro-mente enfatizaram o estudo de caso
Outra fonte de dificuldade trazida pelo método único, priorizando assim uma avaliação mais qualita-
anátomo-clínico refere-se ao fato de que, muitas vezes, tiva e pouco quantitativa dos achados clínicos, o que
os casos bem estudados na clínica neuropsicológica não de certo modo impossibilitou uma estandardização
têm a chance de serem necropsiados ou, então, inversa- dos resultados encontrados e, conseqüentemente, uma
mente, casos pouco avaliados clinicamente são, por sua comparação entre os pacientes avaliados.
vez, necropsiados, mas não permitem correlações mais Algumas dificuldades metodológicas emergiram
significativas devido à falta de um detalhamento funcio- neste contexto. A primeira refere-se à inferência da lo-
nal mais preciso de seus déficits cognitivos. calização da lesão cerebral tendo como base a avaliação
A emergência do método anátomo-clínico e seu clínica de pacientes com comprometimentos cerebrais.
uso pelos chamados "construtores de diagrama do sé- A segunda, por sua vez, diz respeito à inferência do
culo XIX", como Lichtheim (1885), iniciou uma era funcionamento da cognição normal a partir do estu-
de pesquisas na "Neuropsicologia" da época, respaldada do da cognição deficitária exibida por estes pacientes.
por um método fundamentado cientificamente. Atra- Inclusive, como observa Shallice (1988), a dificuldade
vés de estudos de casos, qualitativamente descritos, estes de dissociar estes dois tipos de inferência, que apontam
"construtores de diagrama" ousaram propor modelos para implicações metodológicas distintas, tornou-se um
ou "diagramas" hipotéticos que visaram uma explicação desafio para os pioneiros do estudo científico da rela-
teórica dos seus achados clínicos. ção cérebro-mente que utilizaram o método anátomo-
Do ponto de vista metodológico, Lichtheim -clínico em suas pesquisas. O chamado “localizacionis-
(1885), discípulo de Wernicke e, conjuntamente com mo estreito”, foi o termo atribuído à perspectiva que
este autor, considerado um pioneiro na construção te- enfatizou uma correspondência mais termo a termo da
órica, especialmente no que se refere ao processamento localização das funções mentais no cérebro, perspectiva
da linguagem, contrapôs, por um lado, o caso "puro", essa que não dissociou adequadamente o problema da
que apresentava um único tipo de déficit e, por outro, localização cerebral das funções mentais do problema
o caso "misto, que apresentava múltiplos déficits fun- de inferir o processamento cognitivo normal a partir das
cionais. Porém, em sua opinião, só o caso “puro” tinha disfunções apresentadas pelos pacientes.
interesse teórico, na medida em que contribuía para a Não obstante, cabe observar que, para autores como
construção de modelos teóricos baseados nas perdas se- Gage e Hickok (2005), Wernicke propôs uma teoria bas-
letivas apresentadas por estes pacientes. Inclusive, hoje tante inovadora para a época, pois esboçou uma base teó-
em dia, o modelo teórico de Lichtheim é considerado, rica de como os conceitos eram adquiridos e representados

Cagnin, S. 120
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no córtex de maneira distribuída, o que, inclusive, vai em execução de tarefas que envolvem aspectos constru-
direção a uma visão mais contemporânea da representação tivos após comprometimentos do hemisfério direito.
conceitual no cérebro. Neste sentido, Wernicke, com sua Porém, segundo esse autor, não se tem muita certeza
proposta de uma visão distribuída das representações con- se essa dificuldade é devida ao mau desempenho do
ceituais no córtex cerebral, já previa uma espécie de locali- hemisfério lesionado ou ao desempenho “normal” do
zacionismo distribuído, bem como considerava os efeitos hemisfério esquerdo sem a “ajuda” do hemisfério direi-
da plasticidade neuronal e da adaptação contextual, o que to. Em outros termos, após uma dada lesão cerebral,
vai de encontro às tentativas de enquadrá-lo como um re- às vezes, podem ser observados não só sintomas ne-
presentante do “localizacionismo estreito”. gativos e déficits, mas também sintomas positivos e o
Kertesz (1983) também destaca a dificuldade da surgimento de novos comportamentos.
inferência do funcionamento cognitivo normal a par- Sendo assim, um dos argumentos contra a pers-
tir do estudo da cognição deficitária apresentada pe- pectiva localizacionista estreita baseia-se na idéia de que
los pacientes com comprometimentos cerebrais. Para o desempenho observado após a lesão cerebral teria
este autor, a análise funcional de sistemas cognitivos pouca relação com a perda da função da área cerebral
normais poderia não fornecer base suficiente para que comprometida, tendo, em contrapartida, mais relação
sejam testadas as funções danificadas e/ou “reorgani- com a combinação e a reorganização das estruturas re-
zadas” desses pacientes. Em outras palavras, nem sem- manescentes intactas.
pre podemos tirar conclusões diretas sobre o funcio- A segunda escola que surge no percurso da his-
namento cognitivo normal tendo como base apenas a tória da Neuropsicologia, a perspectiva denominada
observação das patologias encontradas na clínica neu- anti-localizacionista, contrapôs-se ao chamado “locali-
ropsicológica. Estudos clínicos e experimentais com zacionismo estreito” e foi, por sua vez, influenciada pe-
sujeitos normais, não lesionados, também devem ser las idéias do gestaltismo, tendo seu auge nas décadas de
considerados, pois os mesmos podem ou não ratificar 20 a 40 do século XX.
as interpretações e conclusões obtidas pelos estudos O conceito de equipotencialidade de K. Lashley
anteriormente mencionados. (1929, 1938), proposto a partir de seus estudos sobre a
Há que se observar ainda, como ressalta Caplan aprendizagem animal, foi um dos argumentos teóricos
(1981), que a própria definição de “função mental” é utilizados pela escola antilocalizacionista, na medida em
arbitrária, pois clínicos, neurofisiologistas e psicólogos, que supõe a possibilidade de compensação da perda de
dentre outros, poderiam ter concepções diferentes a res- uma função cortical por outra área cortical preservada.
peito de um mesmo comportamento observado. Neste Jackson (1874) e Luria (1981) também abordaram a
sentido, diferentes concepções teóricas poderiam levar possibilidade de reorganização funcional das áreas cere-
a diferentes interpretações daquilo que denominados brais preservadas e a emergência de operações e estraté-
“função mental”. Por exemplo, para Luria (1981), esta gias compensatórias em pacientes com lesões cerebrais.
função demandaria a atividade de um sistema funcio- Do ponto de vista clínico, a escola antilocaliza-
nal complexo que envolve um conjunto de estruturas cionista contribuiu para o entendimento do quadro clí-
cerebrais em interação em contraposição a outras abor- nico mais amplo apresentado pelos pacientes, ou seja,
dagens que estabelecem correlações mais estreitas entre a compreensão dos déficits e de preservações cognitivas
estruturas cerebrais e funções mentais específicas. em vários domínios do conhecimento ajudou a enten-
Já no que se refere à localização cerebral de fun- der os fatos clínicos mais complexos e menos diferencia-
ções, como destaca Kertesz (1983), uma das principais dos (Hécaen & Albert, 1978). Porém, do ponto de vis-
questões teóricas no que a isso diz respeito é aquela ta teórico e metodológico, autores como Ellis e Young
que indaga se o desempenho cognitivo observado em (1988), expoentes de uma perspectiva neuropsicológica
um dado paciente com lesão cerebral pode ser atri- cognitivista e modular, sinalizaram para o fato de que
buído apenas à perda de determinados componentes a perspectiva antilocalizacionista representou certo “re-
cognitivos ou ao surgimento de outras estruturas fun- trocesso” no curso da história da Neuropsicologia, na
cionalmente relacionadas ou mesmo não diretamente medida em que enfatizava uma abordagem integral e
relacionadas que são recrutadas após a injúria. Um menos “modularista” e diferenciada do cérebro.
exemplo disso poderia ser a dificuldade observada na

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Cabe observar que outros problemas e variáveis sua vez, permitiria um bom grau de generalização dos
podem também contribuir para dificultar uma locali- estudos animais para a espécie humana.
zação mais termo a termo de funções mentais no cére- Cabe observar que estes estudos, apesar de não
bro como, por exemplo, a variabilidade da etiologia e a serem “típicos” da Neuropsicologia, pois utilizavam,
evolução da lesão cerebral, a idade e o sexo do paciente preferencialmente, sujeitos experimentais animais e
que sofreu a injúria cerebral, o fato de o mesmo ser possuíam um enfoque mais psicofisiológico, também
destro ou canhoto, as diferenças anatômicas individu- contribuíram para o estudo da relação cérebro-mente,
ais, dentre outros fatores importantes que poderiam especialmente para a investigação dos processos motiva-
ser destacados. Entretanto, não enfocaremos tais fato- cionais e emocionais e de seus substratos neurais, pro-
res, devido aos objetivos mais amplos já mencionados cessos estes que parecem permitir um maior grau de ge-
do presente trabalho. neralização para a espécie humana do que os processos
De modo complementar aos estudos desenvol- associados às chamadas “funções cognitivas superiores”,
vidos nos primórdios da clínica neuropsicológica, os como o pensamento e a linguagem.
estudos desenvolvidos em laboratório com sujeitos ani- Neste contexto, o desenvolvimento do método
mais também merecem ser brevemente destacados, na experimental com diferentes técnicas de intervenção e
medida em que contribuíram para o aprimoramento de registro cerebral, como as de estimulação e de re-
de técnicas de registro e de intervenção cerebral, bem gistro por eletrodos, passando por técnicas de lesão ce-
como para algumas correlações entre áreas cerebrais es- rebral seletiva, dentre outras técnicas de intervenção,
pecíficas e determinados distúrbios comportamentais. possibilitou o estudo do papel de determinadas áreas
Trabalhos como os de Flourens (1853), Lashley (1929, cerebrais em processos emocionais e motivacionais es-
1938), Klüver e Bucy (1939), dentre inúmeros outros, pecíficos, bem como em processos como atenção, me-
poderiam ser aqui destacados. mória, aprendizagem e ciclo sono-vigília.
Como observam Hart e Semple (1990), os estu- Estes trabalhos, desenvolvidos em uma época des-
dos propostos pela Neuropsicologia experimental animal provida dos recursos atuais das técnicas de neuroimagem e
buscaram determinar os princípios fundamentais das do auxílio computacional, foram de fundamental impor-
funções cerebrais usando espécies não humanas. Estes tância não só para o desenvolvimento de uma metodolo-
estudos contribuíram de modo significativo para o de- gia experimental consistente no estudo da relação cérebro-
senvolvimento da metodologia experimental e tiveram a -mente, como também para o entendimento das bases
vantagem de poder controlar variáveis como o tamanho neurais subjacentes a determinados comportamentos.
da lesão cerebral, sua localização, bem como o registro e/ Em suma, as pesquisas clínicas e experimentais que
ou a estimulação elétrica de áreas cerebrais específicas. De inauguraram a investigação científica da relação cérebro-
modo complementar, a vantagem de poder se exercer um -mente, seja com o método anátomo-clínico ou com as
controle rigoroso do meio ambiente e a obtenção de da- diversas técnicas de intervenção e de registro cerebral in
dos mais precisos sobre a história de vida dos animais sub- vitro, forneceram as bases para os subseqüentes estudos
metidos aos experimentos também merecem destaque. desenvolvidos ao longo da história da Neuropsicologia.
A questão do grau de generalização dos acha- A interface com diferentes disciplinas básicas e aplicadas,
dos experimentais desses estudos animais para a espé- muitas delas hoje situadas no contexto das chamadas
cie humana parece ser alvo de controvérsias, pois, por Neurociências, caracterizou a emergência desta disciplina
um lado, autores como Davison (1974) apontam para híbrida que denominamos Neuropsicologia.
a complexidade do comportamento humano em con-
traposição ao comportamento animal e, por outro lado, A Neuropsicologia do Pós-Guerra:
autores como Kolb e Wishaw (1980) apontam para a Contribuição de A.R. Luria e da Psicologia
fundamental importância desses estudos para a Neu-
Experimental
ropsicologia humana. O principal argumento desses
últimos autores reside no fato de que o meio ambiente
A grande mudança metodológica que ocorreu
apresentaria problemas básicos para todos os mamífe-
novamente na Neuropsicologia surge após a Segunda
ros, problemas estes que demandariam a mediação de
Guerra Mundial. Por um lado, a Neuropsicologia se alia
mecanismos neurais similares na sua solução, o que, por

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à Psicologia Experimental e à Psicometria da década de ros achados que corroboraram o pressuposto de que os
50, nos países ocidentais, e por outro lado, no contexto hemisférios cerebrais processariam as informações com
da extinta União Soviética, Luria aproxima os seus inú- certa independência e especificidade. De modo geral, a
meros trabalhos clínicos e teóricos da perspectiva sócio- idéia vigente seria de que haveria a dominância no pro-
-histórica de Vygotsky. cessamento da linguagem pelo hemisfério esquerdo ver-
Inicialmente, cabe destacar brevemente a impor- sus a dominância do processamento visuoespacial pelo
tância dos trabalhos de Luria (1981, 1992), em espe- hemisfério direito, na maioria dos indivíduos.
cial, seus inúmeros estudos clínicos e seus estudos com Observamos ainda que muitas das pesquisas ex-
pacientes com lesões frontais. A par de sua vasta con- perimentais com sujeitos animais, inclusive, serviram
tribuição teórica e clínica mais ampla, os estudos com de inspiração e apoio para pesquisas realizadas com pa-
os chamados pacientes pré-frontais e a postulação de cientes humanos como, por exemplo, as realizadas por
que as regiões frontais estariam envolvidas com a pro- Sperry (1984) com pacientes comissurotomizados (com
gramação, verificação e regulação das funções cogniti- secção do corpo caloso).
vas como um todo merecem destaque. A sua ênfase na Não obstante, estudos interessados em estudar
complexidade dos sistemas funcionais cerebrais e sua não só a lateralização cerebral de funções e a assimetria
contribuição para a avaliação e a reabilitação neurop- funcional hemisférica, como também a comunicação
sicológicas foram de fundamental importância para o inter-hemisférica, vêm apontando para uma maior
desenvolvimento da área. Inclusive, o grande número complexidade na organização cerebral de funções e
de avaliações clínicas feitas por Luria e seus colaborado- para uma maior colaboração inter-hemisférica na rea-
res originou a Bateria de Testes Luria-Nebraska, bateria lização de tarefas complexas que envolvem maior carga
esta que ainda é uma referência no contexto da avalia- cognitiva. Autores como Gazzaniga e LeDoux (1981),
ção neuropsicológica. Cooney e Gazzaniga (2003), dentre outros, observa-
Ainda no que se refere à contribuição de Lu- ram que os sistemas relacionados aos dois hemisfé-
ria, concordamos com Kristensen, Almeida e Gomes rios cerebrais, apesar de funcionalmente assimétricos,
(2001) que uma de suas principais contribuições diz conformariam uma rede funcional articulada e, neste
respeito às inovações metodológicas propostas por sentido, não teria sentido a proposição de uma visão
ele na avaliação clínica de seus pacientes. A partir do dualista que propõe um isolamento mais radical na co-
uso de técnicas aparentemente não muito sofisticadas, municação inter-hemisférica.
porém guiadas por referenciais teóricos consistentes, Já no que diz respeito à nova abordagem meto-
como sua idéia de uma organização sistêmica das fun- dológica originada da aliança entre a Neuropsicologia
ções corticais superiores, Luria parece ter conseguido e a Psicologia Experimental, a chamada escola psico-
compatibilizar o pressuposto da complexidade das métrica, esta teve seu auge nas décadas de 1940 e 1950
funções corticais superiores da escola anti-localizacio- do século XX, mas alguns estudos em décadas anterio-
nista com a possibilidade de uma localização dinâmica res poderiam ser considerados precursores deste tipo
dessas mesmas funções. de abordagem, como os estudos de Weisenburg e Mac
Podemos ainda destacar os trabalhos realizados Bryde (1935), com ênfase na construção de um teste
nas décadas de 50 e 60 com ênfase na lateralização ce- normatizado sobre as afasias, dentre outros.
rebral de funções, pois estes trouxeram contribuições Para esta nova escola, as observações clínicas, so-
teóricas e metodológicas importantes para o entendi- mente, não constituem uma base de dados suficiente
mento da especificidade dos hemisférios cerebrais no para uma especulação teórica consistente e nem para a
desempenho de determinadas funções cognitivas. Pes- padronização de testes. Neste contexto, os estudos de
quisas experimentais e clínicas, como as de Myers e grupo adquiriram uma ênfase especial e a quantificação
Sperry (1953), Gazzaniga, Bogen e Sperry (1962), den- dos dados apresentados pelos pacientes foi a tônica, em
tre outros, com animais com secção do corpo caloso e contraposição à ênfase em estudos de caso único dos
com sujeitos com comprometimentos no corpo caloso, primórdios da Neuropsicologia. Nesta direção, inúme-
bem como pesquisas experimentais com sujeitos nor- ros testes foram padronizados e grandes baterias de tes-
mais com o uso, por exemplo, da escuta dicótica e da tes foram propostas, como as baterias Luria-Nebraska
apresentação visual taquitoscópica, forneceram inúme- e Halstead-Reitan, bem como houve a sofisticação dos

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procedimentos experimentais e um maior controle das Entretanto, cabe assinalar que algumas sín-
variáveis envolvidas. dromes consideradas mais "puras" nas últimas dé-
No que se refere ao estudo de caso único, cadas, como, por exemplo, a dislexia profunda, o
Lichtheim (1885), nos primórdios dos estudos cientí- "agramatismo" na afasia de Broca, dentre outras, já
ficos da relação cérebro-mente, fez, inicialmente, a dis- não são vistas como "puras" ou unitárias, pois há,
tinção metodológica entre o chamado “caso puro” que na clínica e na pesquisa neuropsicológicas, relatos
apresenta um único tipo de déficit e o “caso misto” que, variados de pacientes com dissociações funcionais
por sua vez, apresenta déficits múltiplos. Para ele, ape- dentro de uma mesma síndrome.
nas o caso puro teria importância teórica e metodoló- Seria interessante ressaltar, no que se refere aos
gica, pois ajudaria na construção de modelos teóricos a estudos de grupos de pacientes, alguns problemas que
respeito do funcionamento cognitivo humano. Apesar podem surgir na validação interna de uma pesquisa ex-
de possuir maior incidência clínica, o caso misto não perimental, e no caso, de uma pesquisa neuropsicológi-
ajudaria tanto na construção teórica, na medida em que ca com ênfase experimental.
não apresentaria déficits seletivos, o que dificultaria a Tendo como base os problemas apontados por
formulação de hipóteses a respeito dos subcomponentes Campbell e Stanley (1968) em relação à pesquisa
cognitivos envolvidos em determinadas tarefas. experimental, Crockett, Clark e Klonoff (1981) re-
De acordo com Shallice (1988), quando uma teoria dimensionam os mesmos para a pesquisa no âmbito
está sendo testada, a descrição de qualquer paciente, puro da Neuropsicologia.
ou misto, ajudaria na avaliação da capacidade explicativa O primeiro desses problemas, destacado pelos autores
destas teorias. Porém no que se refere à construção de mo- acima, refere-se às próprias mudanças que normalmente ocor-
delos teóricos, os casos puros apresentariam um quadro rem no percurso de uma doença neurológica. Desordens de
mais nítido de um determinado déficit cognitivo. A perda origem traumática ou por AVC, com início preciso e agudo
seletiva de um determinado processamento da informação ou desordens de origem degenerativa, com gradual deteriora-
atrelado aos chamados casos puros ajudaria no melhor en- ção cerebral, têm percursos distintos, sendo que as primeiras
tendimento do funcionamento cognitivo do que as múlti- podem levar a uma recuperação posterior total ou parcial, e as
plas perdas simultâneas apresentadas pelos casos mistos. segundas, a um declínio mental variável em seu percurso.
Se, por um lado, autores como Sokol, McCloskey, O segundo problema refere-se à seleção dos pa-
Cohen e Aliminosa (1991), Ellis e Young (1988), den- cientes para a composição dos grupos experimental e de
tre outros, concordam com Lichtheim quanto à maior controle. Há, normalmente, dois métodos mais tradi-
relevância do estudo de caso único para a construção cionais de seleção de pacientes: no primeiro, os sujeitos
teórica, por outro lado, autores como Robertson, Kni- são selecionados de acordo com o diagnóstico médico
ght, Rafal e Shimamura (1993) enfatizam o estudo de ou local da lesão, e, no segundo, os sujeitos são selecio-
grupos de pacientes por acharem os mesmos mais eluci- nados a partir de um modelo de comportamento pré-
dativos para a construção teórica. Na opinião desses úl- -estabelecido, ou seja, a partir de um critério funcional
timos autores, a comparação entre grupos de pacientes dos sintomas mais significativos.
poderia fornecer mais dados para o estudo da modula- Este primeiro método de seleção, "o local da
ridade do sistema cognitivo do que o estudo das singu- lesão", é problemático como "variável independen-
laridades apresentadas por um determinado indivíduo. te", pois as lesões, obviamente, são acidentais e con-
Outro problema que podemos destacar, neste sequentemente afetam áreas distintas cerebrais. Além
contexto, é que a inserção ou não de um paciente em disso, esta seleção parte da hipótese de que as relações
uma categoria mais pura ou mais mista é direcionada entre o cérebro e o comportamento são invariantes,
pelo enfoque teórico do qual se parte. Sendo assim, dife- o que é questionado por inúmeros estudos de casos
rentes teorias podem produzir diferentes "casos puros", relatados na literatura.
aquelas que para elas são mais relevantes e estejam mais Também Caramazza (1984), ao abordar os crité-
em consonância com seus modelos. Neste sentido tam- rios anatômicos e funcionais utilizados na seleção dos
bém já apontara Kuhn (1962), ao abordar a concepção grupos, aponta uma diferenciação entre alguns critérios
de paradigma e as implicações teórico-metodológicas na anatômicos de seleção. Para este autor, os critérios ana-
chamada ciência normal. tômicos para composição de grupos podiam ser dividi-

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dos em dois tipos mais amplos: o primeiro relacionado à ção entre os estudos realizados. A variabilidade entre
unilateralidade da lesão, e o segundo relacionado a áreas os sujeitos, como já foi mencionado, também era um
anatômicas mais restritas, tais como um determinado dado complicador que complementava as dificuldades
lobo em um hemisfério. encontradas por esta abordagem.
Há que se observar que, apesar de problemas na se- Como aponta Caramazza (1984), considerar a
leção inerentes aos estudos de grupos, muitos estudos de variância intra-grupo como um erro randômico da vari-
grupo têm contribuído de modo substantivo para a pes- ância pode mascarar as diferenças individuais significa-
quisa neuropsicológica. Neste contexto, o agrupamento de tivas, ou seja, a heterogeneidade dos sintomas apresen-
pacientes, a partir de critérios anatômicos tendo como base tados pelos pacientes.
o locus cerebral da lesão, em termos de áreas cerebrais mais Ainda podemos destacar outros problemas que
restritas, trouxe inúmeras contribuições teóricas para a in- podem afetar a validade interna de modelos neuropsico-
vestigação de déficits cognitivos mais específicos. lógicos puramente experimentais tais como a testagem
No que se refere ao critério funcional utilizado em si e os instrumentos utilizados na avaliação.
para a seleção experimental de pacientes com lesão ce- No que se refere à testagem em si, os pacien-
rebral, este toma como base os sintomas apresentados tes com lesão cerebral tendem a apresentar fadiga
por estes pacientes no percurso da avaliação neurop- facilmente, e/ou podem demonstrar ansiedade pela
sicológica. Uma abordagem sindrômica baseada na dificuldade na resolução de certos testes. Baterias
co-ocorrência de sintomas possui, entretanto, suas li- de testes mais longas podem, por um lado, ser mais
mitações, pois parte da assunção da homogeneidade abrangentes na avaliação dos déficits, mas, por outro,
dos pacientes selecionados, o que de fato não acontece são exaustivas e sujeitas a interferências como a fadi-
quando se analisa com maior profundidade os déficits ga e a ansiedade dos pacientes.
apresentados por estes. Segundo Lezak (1995), as abordagens de ava-
Problemas teóricos e práticos podem surgir neste liação neuropsicológica podem ser pensadas como si-
contexto, pois não só a complexidade e variabilidade dos tuando-se em um continuum que vai desde um pólo
déficits são comuns, como também a própria definição mais quantitativo de análise a um pólo mais qualitativo.
de síndrome, às vezes, é vaga e não tão consensual entre Abordagens que priorizam exclusivamente a avaliação
os pesquisadores. Não obstante, na clínica neuropsicoló- de escores baseados no número de respostas corretas ou
gica, a taxionomia sindrômica, como, por exemplo, a das incorretas ou no tempo da resposta e derivam de uma
afasias, pode oferecer um referencial mais amplo em uma aplicação universal de um formato único de procedi-
primeira avaliação mais geral do paciente. Em contraste, mentos podem ser vistas como quantitativas. Como
na pesquisa neuropsicológica, a pressuposição da existên- vimos, a ênfase na estandardização e na quantificação
cia de um sistema de processamento comum, danifica- de dados e na comparação dos mesmos destaca-se neste
do nos pacientes, pode levar à interpretação errônea dos contexto, e a chamada escola americana de Neuropsico-
achados clínicos. Mesmo porque, em realidade, como logia dos anos 50 e 60 com sua tradição psicométrica si-
já visto, são muito raras as chamadas síndromes "puras" tua-se nesse extremo. Em outro extremo, as abordagens
com apenas um componente (ou módulo) comprome- de avaliação que se baseiam em uma detalhada análise
tido. Normalmente, as "síndromes" costumam apresen- das respostas, com particular atenção na singularidade
tar mais de um componente comprometido, e são assim das respostas, podem ser vistas como qualitativas.
muito mais "mistas" do que parecem à primeira vista. Os instrumentos utilizados na avaliação neu-
A partir de uma avaliação clínica e/ou de aplica- ropsicológica também podem apresentar problemas. A
ção de testes estandardizados com o uso, por exemplo, utilização de testes mais estandardizados, tais como o
de grandes baterias de testes como a Hastead-Reitan e a WAIS (Escala de Inteligência Wechsler para Adultos),
Luria-Nebraska, os sujeitos-pacientes eram selecionados em conjunção com testes mais específicos, tem se tor-
para compor os grupos experimentais participantes da nado mais corrente na pesquisa e na clínica neuropsi-
pesquisa neuropsicológica. Porém, dois problemas po- cológica. Entretanto, como observa Crockett, Clark e
deriam surgir nesse contexto: primeiro, não havia uma Klonoff (1981), alguns testes como o BVRT (Benton
bateria de testes que fosse consensual entre os pesqui- Visual Retention Test), utilizado na clínica para avaliar
sadores e, segundo, havia a dificuldade de generaliza- a memória visual com bons resultados, apresentam pro-

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blemas na pesquisa neuropsicológica em termos de es- Um último problema apontado por Crockett,
cala, distribuição e variabilidade estatística. Clark e Klonoff (1981) refere-se à dificuldade de um
Também podemos destacar o problema da in- acompanhamento experimental longitudinal em mui-
terpretação dos dados clínicos apresentados pelos pa- tos pacientes, pois, muitas vezes, estes não retornam
cientes. Por exemplo, baixos escores em testes como para novas avaliações ou há mortalidade nos grupos ex-
o WAIS poderiam estar relacionados a diferentes fa- perimental e de controle.
tores, tais como baixa fluência verbal, problemas de Em suma, cabe assinalar que a interação entre
memória, diferenças culturais ou baixa inteligência. os problemas já mencionados é mais comum do que
Cabe assinalar, entretanto, que a aplicação de testes a existência de um problema único, o que pode afetar
mais específicos, posteriormente, orientados por uma ainda mais os estudos experimentais ou quase-expe-
hipótese mais focal, pode ajudar na discriminação da rimentais na pesquisa e na clínica neuropsicológicas.
natureza dos déficits e na interpretação dos achados Além disso, a etiologia do dano cerebral, a magnitude
clínicos. Inclusive, o problema da validade ecológica da lesão, a história da doença e outros fatores podem
de testes como o WAIS, dentre outros, tem sido desta- variar, e neste sentido são variáveis "incontroláveis"
que em trabalhos como os de Duncan, Burgess e Ems- em um modelo experimental.
lie (1995), Van der Elst, Van Boxtel, Van Breukelen e Uma mudança metodológica tem surgido, entre-
Jolles (2008), dentre outros autores. tanto, nas últimas décadas, com o ressurgimento do sta-
Outro problema experimental que pode tam- tus dos estudos de caso único, especialmente no âmbito
bém surgir na pesquisa neuropsicológica é a chamada da Neuropsicologia Cognitiva. De modo complemen-
regressão estatística em direção à média. Dada a na- tar, as modernas técnicas de neuroimagem in vivo tam-
tureza da população preferencialmente estudada pela bém têm contribuído para a pesquisa na área, possibili-
Neuropsicologia, podemos inferir que, em determina- tando em muitos casos uma localização mais precisa de
das tarefas, tais sujeitos terão um desempenho abaixo algumas lesões. A seguir, abordaremos mais diretamente
da média. Mas, por definição, estes escores são, nor- alguns aspectos teóricos e metodológicos envolvidos na
malmente, extremos e assim mais suscetíveis de regres- pesquisa neuropsicológica na contemporaneidade.
são em direção à média. Este problema é mais nítido
especialmente quando somado aos problemas experi- A Contribuição Atual da Neuropsicologia
mentais já citados anteriormente. Cognitiva e das Técnicas de Neuroimagem
Campbell e Stanley (1968) também destacam ou-
para a Pesquisa em Neuropsicologia
tro problema que poderia afetar a validade interna de
um dado experimento: a existência de "vieses" na sele-
De modo diferenciado dos estudos pouco funda-
ção ou artefatos da seleção, como na acepção de Shallice
mentados dos construtores de diagrama do século XIX,
(1988), dos sujeitos da pesquisa. Na Neuropsicologia,
os novos estudos de caso investigados pela Neuropsico-
este problema pode ocorrer e, provavelmente, ocorre
logia Cognitiva contemporânea são vistos hoje em dia
freqüentemente, pois a dificuldade na seleção de sujei-
como um procedimento empírico bastante significativo
tos que formem um grupo relativamente homogêneo é
para a construção de inferências sobre a cognição nor-
comum na pesquisa neuropsicológica. A variabilidade
mal, pois, nestes estudos, há uma grande preocupação
entre sujeitos normalmente é grande e não pode ser me-
com a produção de dados quantitativos que possam
ramente resolvida a partir de critérios de diagnóstico.
permitir uma análise estatística consistente.
Esta variabilidade pode estar diretamente relacionada às
Alguns estudos de caso único, como, por exem-
variações do locus da lesão nos pacientes. As caracterís-
plo, o estudo do paciente K.F. feito por Shallice e War-
ticas pré-mórbidas dos pacientes também podem afe-
rington (1974), estudos anteriores de Scoville e Milner
tar o processo de seleção, levando a uma dificuldade de
com o paciente HM. (2000), dentre inúmeros outros
avaliação se um determinado desempenho após a lesão
estudos, têm contribuído, inclusive, para a reformula-
é realmente originado de um comprometimento cogni-
ção de teorias sobre a memória e para a revisão de mode-
tivo propriamente dito ou se tem também influência de
los teóricos que não se coadunam com os seus achados
dificuldades pré-mórbidas do paciente.
clínicos. Os trabalhos de Baddeley (1986, 1990, 2000),

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com ênfase na construção de modelos sobre a memória dificuldade da tarefa proposta. Porém, quando encontra-
de trabalho, exemplificam esse tipo de construção teóri- mos pacientes duplamente dissociados funcionalmente, a
ca de inspiração computacional. questão da dificuldade da tarefa deixa de existir.
Uma das vantagens do estudo de caso único é que Coltheart (2008) destaca o fato de que as in-
este método parece permitir resolver o problema da he- ferências que partem das duplas dissociações funcio-
terogeneidade encontrada em estudos de grupos. Através nais teriam a vantagem de não apresentarem nenhum
de uma análise intensiva e quantitativa dos déficits e pre- problema metodológico intrínseco, em contraste com
servações dos pacientes, o estudo de caso único demons- as inferências baseadas nas associações funcionais ou
tra ser um método promissor para prover informações da mesmo nas dissociações funcionais simples. Neste
organização funcional de subsistemas cognitivos. sentido, então, parece haver certo consenso na área a
A modularidade da mente, pressuposto teórico do- respeito da importância das duplas dissociações fun-
minante na Neuropsicologia Cognitiva, por sua vez ins- cionais, especialmente, para o entendimento dos sub-
pirado por Marr (1982) e Fodor (1983), parece encontrar sistemas cognitivos envolvidos em determinados pro-
no estudo de caso um importante aliado metodológico cessamentos da informação.
para respaldar a idéia de comprometimentos diferencia- Inicialmente, as duplas dissociações funcionais
dos em módulos específicos dos sistemas cognitivos. As estavam correlacionadas com loci anatômicos cerebrais
dissociações funcionais, especialmente as duplas disso- específicos, sendo que as dissociações eram assim con-
ciações funcionais que surgem entre pacientes e intra- sideradas como evidências de uma topografia cerebral
-paciente complementam essa idéia de uma organização diferenciada correlacionada com uma dada função cog-
modular ou parcialmente modular de alguns subsistemas nitiva. Entretanto, há uma série de problemas com esta
cognitivos. Aliás, como destacamos em trabalho anterior correspondência mais estreita entre função mental e
(Cagnin, 2009), uma grande contribuição metodológica área cerebral, em termos inferenciais, pois diferentes ar-
para a Neuropsicologia foi o princípio de dupla disso- quiteturas mais ou menos distribuídas podem produzir
ciação funcional, proposto por Teuber (1955), princípio distintas dissociações funcionais. Neste sentido, na mo-
este cuja lógica Shallice (1988) considerava análoga à das dernidade, a concepção de dupla dissociação funcional
interações cruzadas na análise de variância. prescinde, muitas vezes, da variável anatômica inicial-
Uma dissociação funcional dupla poderia ser vista mente proposta por Teuber.
quando, por exemplo, um dado paciente tem um desem- Em contraste com a associação de sintomas, base
penho muito pobre em um processamento da informa- da classificação por síndromes, as duplas dissociações
ção, (p. e. capacidade de reconhecer faces), mas mantém funcionais, especialmente as duplas dissociações "for-
a capacidade de processar a informação envolvida em tes", são importante método de comparação entre pa-
outra tarefa (p. e. reconhecer símbolos). Em contraste cientes e mesmo intra-paciente, comparando seus dé-
com este primeiro paciente, é encontrado outro paciente ficits e preservações para a elaboração de inferências a
que apresenta o desempenho oposto, ou seja, o reconhe- respeito não só de natureza do quadro apresentado pelo
cimento de símbolos é preservado, mas não o de faces, o paciente, mas também apontando para a organização
que demonstra certa independência entre esses dois tipos normal do sistema cognitivo.
de processamentos. Já a dissociação funcional simples ou No que se refere às associações funcionais entre
clássica seria observada quando há a perda de um dado déficits, frequentemente, pode se tornar difícil discer-
processamento em um paciente sem que haja um con- nir se trata-se de uma associação anátomo-funcional
traste mais direto com a preservação simultânea desse ou de uma mera proximidade anatômica da lesão,
mesmo processamento em outro paciente. Uma das des- sem o envolvimento de uma relação funcional signi-
vantagens da dissociação funcional simples como méto- ficativa entre os déficits. Em outras palavras, a lesão
do seria a de que não haveria o controle da complexidade pode danificar áreas anatômicas próximas, áreas estas
da tarefa. Em outros termos, quando um dado paciente que podem ou não ser a base neural de componentes
executa bem uma primeira tarefa e mal uma segunda ta- cognitivos distintos. Porém, como na clínica neurop-
refa, sem que possamos compará-lo com outro paciente sicológica os sintomas associados a estes componentes
que apresenta o quadro oposto em termos de déficits e costumam co-ocorrer, parecem ser originados de um
de preservações cognitivas, isso pode ter sido devido à mesmo “módulo” ou subsistema cognitivo. Através de

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uma dupla dissociação funcional entre pacientes que Os chamados neuropsicológicos "ultra-cogniti-
apresentam, de modo diferenciado, comprometimen- vistas", na acepção de Shallice (1988), também pare-
tos diferentes, muitas vezes opostos, em tarefas dis- cem não se preocupar com a correlação entre o locus
tintas, podemos discriminar melhor, hipoteticamente cerebral da lesão e os déficits funcionais apresentados
falando, os subsistemas cognitivos subjacentes aos dé- pelo paciente. Para eles, a questão da localização cere-
ficits apresentados. bral de funções deixa de ser prioritária no contexto de
Como também assinalam Ellis e Young (1988), pesquisa na Neuropsicologia Cognitiva. Em contra-
os pacientes podem ser semelhantes em alguns sinto- partida, Shallice (1988), defende a compatibilização
mas, mas são diferentes em outros, e mesmo naqueles dos estudos de grupo com os estudos de caso, pois, em
que apresentam sintomas semelhantes, isso não significa sua opinião, ambos podem contribuir para a formu-
necessariamente que estes sintomas comuns sejam ne- lação e a testagem de hipóteses na pesquisa neuropsi-
cessariamente causados pelo mesmo motivo. cológica. Concordamos com Shallice e com sua pers-
Caramazza (1986), ao abordar os componentes pectiva mais moderada, que visa a compatibilizar os
necessários para a explicação dos achados neuropsicoló- dois tipos de metodologias, estudo de caso e de grupo,
gicos, realça a necessidade da construção de uma hipó- pois, acreditamos na possibilidade do intercâmbio de
tese inicial sobre o funcionamento normal de um dado informações para a construção teórica que possa advir
subsistema cognitivo. A seguir, ele aponta a necessidade do uso desses dois métodos.
da elaboração de uma hipótese a respeito de "como" este Apesar de demandarem mais tempo e esforços na
subsistema foi danificado por certa lesão. Também a as- seleção dos pacientes apropriados, os estudos de gru-
sunção de que o comportamento apresentado pelo pa- po não devem ser rejeitados como metodologia, pois
ciente reflete as operações do sistema cognitivo subtraído trazem a vantagem de resultados mais fidedignos e a
de alguns de seus componentes (a assunção de transpa- possibilidade de maior generalização, estandardização
rência ou subtração) complementa estes requisitos. Por e comparação entre os pacientes. Também os estudos
último, a assunção de que todos os sistemas cognitivos de casos encontram alguns problemas tais como os pa-
funcionam do mesmo modo, quando intactos, a chama- drões de recuperação apresentados pelos pacientes após
da universalidade, é também um princípio básico que o comprometimento cerebral.
guia as análises explicativas na Neuropsicologia. Estudos longitudinais centrados na avaliação de
A partir desses princípios diretores mais amplos, padrões de recuperação podem ser também úteis na
Caramazza sugere algumas conclusões, realçando a im- pesquisa neuropsicológica, na medida em que acom-
portância dos estudos de caso único para a pesquisa panham a evolução dessa variação e podem ajudar na
neuropsicológica. Para ele, cada caso poderia ser vis- interpretação dos déficits. Estratégias utilizadas pelos
to como uma espécie de “teste independente” para a pacientes após a lesão, como já mencionamos inicial-
uma dada teoria e a generalização não poderia ser fei- mente, também podem complementar as dificulda-
ta de modo pré-teórico entre pacientes. Também, em des de avaliação do desempenho destes pacientes no
sua opinião, não é possível replicar um determinado sentido da discriminação dos déficits e preservações
achado clínico na Neuropsicologia. E, por último, os em seu quadro clínico.
estudos de grupo são por ele vistos como não possibi- Não obstante, o método das duplas dissociações
litando uma base significativa de dados para a genera- funcionais pode ajudar na identificação desses déficits e
lização para a função normal. preservações e, assim, minorar os efeitos tanto da recupe-
Podemos inferir que Caramazza (1986) e Cara- ração quanto da utilização de novas estratégias cognitivas
mazza e Coltheart (2006), dentre outros, defendem o após a lesão cerebral. As duplas dissociações funcionais
estudo de caso único como o método mais adequado a são, neste sentido, mais importantes do que as dissociações
ser utilizado na investigação neuropsicológica que tem simples, no que se refere às dificuldades interpretativas dos
como objetivo a entendimento da função normal. Ellis déficits. Como vimos, eliminar a hipótese de uma interfe-
e Young (1988) também apóiam a legitimidade do estu- rência de dificuldade de tarefa, no sentido de uma maior
do de caso em detrimento dos estudos de grupos, con- complexidade da mesma afetando o desempenho de um
cordando com Caramazza e Caramazza e colaborador, paciente, é um dos papéis da dupla dissociação funcional.
no que a isso diz respeito.

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Cabe observar que, mesmo no estudo de caso em um dado teste para a postulação de hipóteses e de
único, normalmente, há a aplicação de uma abordagem inferências sobre a ‘função’ cognitiva que está sendo
experimental onde o próprio paciente é o seu "contro- avaliada. Aliás, a inferência feita a respeito do funcio-
le". Aspectos quantitativos são enfatizados e parecem namento cognitivo a partir dos resultados da avaliação
se conjugar para uma avaliação mais detalhada dos dé- comportamental obtidos em testes ou em tarefas expe-
ficits e preservações apresentadas pelo paciente. Nesta rimentais, tanto em pacientes com déficits cognitivos
direção, como também assinala Lezak (1995), a avalia- quanto em indivíduos normais, pode sofrer efeitos in-
ção neuropsicológica pode ser vista como uma série de terpretativos variáveis. Em outros termos, para os au-
“experimentos” guiados por uma hipótese explicativa, tores, as funções cognitivas não seriam avaliadas per se,
como ocorre em situações tradicionais de pesquisa. Sen- mas sim o comportamento que, por sua vez, demanda
do assim, então, não só o neuropsicólogo mais direta- processos inferenciais para ser interpretado. E, como vi-
mente voltado para a pesquisa neuropsicológica, como mos, o próprio conceito de função mental pode variar
o neuropsicológo com uma ênfase mais clínica e nos de acordo com a abordagem teórica utilizada na área.
processos de reabilitação, poderiam ser considerados Cabe abrir um parênteses para a menção aos tra-
“pesquisadores” em sua prática. balhos desenvolvidos no contexto brasileiro, como os de
Como destacam Semenza, Bisiacchi e Rosenthal Capovilla (2007), Ferracini, Trevisan, Capovilla e Dias
(1988), há uma tendência, na Neuropsicologia Cognitiva, em (2007), Capovilla e colaboradores (2009), com ênfase
contraste com a Neuropsicologia das décadas de 50 e 60, para no uso da avaliação psicológica e na construção e vali-
a conformação de grupos menores e mais homogêneos de pa- dação de testes. Com o desenvolvimento de um grande
cientes e também para estudos de casos dentro de um grupo, número de testes e com uma abrangência de populações
ou seja, uma espécie de método misto que permite a análise estudadas, esses pesquisadores têm contribuído para o
das diferenças individuais dentro do estudo de grupo. aprimoramento metodológico e para a amplificação de
Observamos assim na contemporaneidade, como questões teóricas na área.
também aponta Ralph (2004), o aumento do número Concluímos que a emergência do novo paradigma
de pesquisas que incluem uma série de casos que en- do processamento da informação, que muito influen-
volvem pacientes similares, estudados tanto individu- ciou a Neuropsicologia Cognitiva, teve implicações não
almente quanto de modo comparativo. Este tipo de só do ponto de vista metodológico, ou seja, afetando o
metodologia “mista” parece compatibilizar as vantagens tipo de método e os procedimentos experimentais ado-
do estudo de caso único com as vantagens do estudo de tados, mas também afetando o tipo de inferência pos-
grupos de pacientes, como sugerem Ralph, Moriarty e sível a ser delineada a partir dos achados dos pacientes
Sage (2002). Esse tipo de metodologia “híbrida” pare- com lesão cerebral.
ce permitir, como observam esses últimos autores, uma Já no que se refere à questão da localização cerebral
melhor explicitação da relação entre a severidade do dé- da lesão, esta pode ser mais ou menos importante, depen-
ficit e o desempenho na tarefa, algo que seria impossível dendo dos objetivos da pesquisa neuropsicológica. Na
apenas com estudos de casos únicos. clínica neuropsicológica, por exemplo, esta questão ainda
A utilização de testes padronizados, retirados de um tem bastante relevância, talvez mais do que nas pesquisas
pool de testes, a partir de uma hipótese explicativa, e a cognitivamente orientadas da Neuropsicologia Cogniti-
posterior escolha de testes ou tarefas complementares mais va. Pesquisadores como Shallice (2003), em estudos mais
específicas para avaliar os aspectos mais comprometidos de recentes, destacam a importância dos estudos feitos com
cognição, pode ser um bom referencial tanto para os estu- técnicas de neuroimagem, pois acreditam que os mesmos
dos de caso quanto para os estudos de grupo. Esta aborda- podem ajudar não só no entendimento da organização ce-
gem mais focal, na clínica e na pesquisa neuropsicológicas, rebral de funções, mas também da compreensão do fun-
parece ter inúmeras vantagens, não só em termos de sua cionamento cognitivo humano. Inclusive, acreditamos
aplicabilidade, como também para a testagem de hipóteses que as inúmeras pesquisas que utilizam as atuais técnicas
mais definidas e mais teoricamente direcionadas. de neuroimagem nas Neurociências têm contribuído para
Não obstante, como observam Newcombe e Ra- redimensionar a questão da localização cerebral de funções
tcliff (1979), podemos observar algumas dificuldades na contemporaneidade, possibilitando, por um lado, uma
interpretativas quando se parte dos resultados obtidos localização mais precisa de algumas lesões em pacientes

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neurológicos e, por outro lado, o estudo do cérebro in vivo ajudaria na definição de áreas cerebrais comprometidas.
em pacientes lesionados e em indivíduos normais. De modo complementar, possibilitaria entender o proces-
Em contraposição ao método anátomo-clínico, so de recuperação neuronal, ou seja, a plasticidade cerebral,
utilizado, muitas vezes, para inferir o locus da lesão em quando há algum tipo de injúria ou lesão.
pacientes neurológicos com a posterior localização post No que diz respeito à plasticidade cerebral, po-
mortem da área cerebral afetada, estas técnicas não inva- demos observar que, como sinalizam Bates e Elman
sivas podem prescindir desse tipo de inferência, isto é, a (1994), Stiles (2000) e Stiles e colaboradores (Stiles &
localização das áreas cerebrais e de sua ativação seletiva Thal, 1994; Stiles, Reilly, Paul & Moses, 2005), e no
se dá diretamente pelas imagens obtidas. No caso de passado já havia sinalizado Lenneberg (1967), dentre
lesões cerebrais, ajudam na precisão do local e tamanho outros, a razoável recuperação de funções linguísticas
da lesão, trazem informações sobre processos de atrofia e espaciais, após injúria cerebral no início do processo
cerebral e podem indicar assimetrias hemisféricas em do desenvolvimento ontogenético, sugere a ativação de
indivíduos com ou sem comprometimentos cerebrais. mecanismos de plasticidade em sistemas cerebrais ima-
Técnicas como a Tomografia Computadorizada turos em contraposição à menor plasticidade observada
(CT), a Imagem por Ressonância Magnética Funcional após comprometimentos cerebrais em adultos. Segundo
(fMRI) e a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), Stiles (2000), com o desenvolvimento, os sistemas neu-
dentre outras técnicas de neuroimagem, têm também rais estabilizariam padrões de funcionamento otimiza-
ajudado no teste de modelos teóricos, muitos deles de dos, mas isto não elimina a capacidade de adaptação
inspiração computacional, além de revelaram os substra- destes sistemas, ainda que em menor grau.
tos neurais de processamentos cognitivos mais implícitos, Os estudos destes e de outros autores sugerem
inclusive podendo demonstrar a recuperação funcional que quando se compara as lesões cerebrais precoces com
cerebral, como sugerem Humphreys e Price (2001). Nes- as lesões adquiridas em adultos, os padrões de associa-
ta direção, o desenvolvimento de programas computa- ção entre o comportamento e o substrato neural afetado
dorizados que modelam o funcionamento cerebral tem pode ser mais variável, ou seja, como observa a autora
ajudado na testagem de hipóteses sobre este funciona- supracitada (Stiles, 2000), padrões particulares de mu-
mento, bem como tem ajudado na observação dos efeitos dança podem variar em função da idade e do domínio
de lesões seletivas em partes desse sistema (Santos, 2008). do conhecimento avaliado. Ainda que estes mecanismos
Também na concepção de Henson (2005), as não sejam bem conhecidos em suas bases, supõe-se que
técnicas de neuroimagem, especialmente a PET e a os mesmos envolvam mudanças tanto no substrato
fMRI ajudariam na construção da hipótese de um ma- neural quanto nas estratégias cognitivas utilizadas pelas
peamento “sistemático” entre estrutura e função no crianças para atingir determinados comportamentos.
cérebro, e poderiam auxiliar na testagem de modelos No se refere a algumas das implicações dos
teóricos, mas isso não significa estabelecer uma corres- mecanismos de plasticidade para a pesquisa na área,
pondência termo a termo de variáveis comportamentos podemos observar assim certo dinamismo na própria
com estruturas cerebrais. Neste caso, segundo este au- organização funcional ao longo do desenvolvimento,
tor, os dados trazidos por estas técnicas poderiam ser especialmente na criança, mas também em adultos,
considerados uma variável dependente, como a própria ainda que em menor grau, o que parece trazer alguns
variável comportamental, e poderiam ajudar não só no problemas para o pressuposto de uma estabilização
diagnóstico clínico de pacientes, mas também nas pes- funcional invariável. Inclusive, podemos aqui argu-
quisas experimentais da Psicologia Cognitiva. mentar se as técnicas de neuroimagem funcional se-
Santos (2008) destaca que as inovações tecnológi- riam sensíveis para captar esse tipo de variabilidade,
cas expressas pelas diferentes técnicas de neuroimagem es- especialmente quando a mesma é sutil.
trutural e funcional, aliadas às técnicas neurofisiológicas, Um outro problema que observamos no uso das
podem auxiliar no diagnóstico precoce dos distúrbios cog- técnicas de neuroimagem refere-se ao fato de que tam-
nitivos e comportamentais. E para Marcucci e Vandresen bém pode haver variabilidade nos indivíduos em termos
(2006), a análise da atividade cerebral in vivo ajudaria na de idade, sexo, preferência manipulatória, dentre outras
identificação das áreas do cérebro que estão mais ativadas e variações inter-individuais que podem ter implicações
subjacentes a determinados comportamentos, bem como na organização funcional cerebral, o que pode levar a

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uma maior dificuldade de interpretação das imagens e fato de não se mostrarem totalmente sensíveis a determi-
do cotejamento das mesmas. Nesta perspectiva, as vari- nados tipos de lesões mais difusas ou originadas por pro-
áveis individuais devem ser consideradas quando se uti- blemas neuroquímicos cerebrais. De modo complementar,
liza este tipo de técnica, o que poderia limitar, a nosso a dificuldade de ajustamento temporal entre as variáveis
ver, o grau de generalização das correlações anátomo- comportamentais, muitas delas de grande complexidade,
-funcionais encontradas. e as variáveis cerebrais subjacentes podem influenciar na
De modo complementar, podemos argumentar interpretação das imagens obtidas e, consequentemente,
quais seriam as implicações das técnicas de neuroima- podem levar a correlações equivocadas e/ou parciais entre
gem para a Neuropsicologia, em especial para a Neu- essas variáveis. Em alguns casos, a nosso ver, poderia ocor-
ropsicologia Cognitiva. Muitos pesquisadores, espe- rer também a interpretação de uma relação de causa-efeito
cialmente aqueles com ênfase ‘ultra-cognitivista’, como entre estas variáveis onde apenas são encontradas correla-
Ellis e Young (1988), como o próprio adjetivo insinua, ções mais amplas, o que poderia levar a conclusões apressa-
costumam negligenciar as variáveis cerebrais e a locali- das e errôneas a respeito da relação entre as bases cerebrais
zação cerebral de funções, enfatizando a construção de de determinados comportamentos.
modelos de processamento da informação tendo como Por fim, acreditamos que as modernas técnicas
inspiração o pressuposto da modularidade da mente. de neuroimagem, apesar de suas limitações, nem todas
Através da priorização de estudos de casos únicos, con- elas aqui elencadas, podem trazer significativas con-
sideram, inclusive, que a Neuropsicologia Cognitiva é tribuições não só para a compreensão da organização
uma espécie de ‘método’ da Psicologia Cognitiva, na cerebral das funções cognitivas humanas, mas também
medida em que pode trazer contra-exemplos’, ou seja, para o entendimento do funcionamento cognitivo per
exemplos que possam refutar, a partir de uma lógica de se. Neste sentido, dependendo dos objetivos da pes-
falseabilidade, modelos estabelecidos de cognição nor- quisa clínica, experimental e/ou teórica e da formação
mal. Neste contexto, podemos argumentar que as téc- dos pesquisadores que compartilham do interesse pelo
nicas de neuroimagem não adquirem a importância que estudo da relação cérebro-mente, as técnicas de neuroi-
possuem para outras abordagens neuropsicológicas mais magem podem adquirir maior ou menor importância.
preocupadas com a relação cérebro-mente per se. Porém, cabe observar que o alto custo desses recursos
Como mencionamos anteriormente, a pressupo- tecnológicos faz com que os mesmos nem sempre este-
sição de modularidade aplicada ao contexto da Neurop- jam disponíveis para a pesquisa neuropsicológica.
sicologia Cognitiva é mais afeita à perspectiva de Marr
(1982) do que a de Fodor (1983), ou seja, a idéia de um Considerações Finais
encapsulamento informacional dos módulos cognitivos,
preconizada por Fodor, bem como o caráter inato dos A significativa evolução teórica e metodológica
mesmos, não encontra total respaldo na área. Inclusive, que tem ocorrido nas Neurociências de modo geral, em
na contramão da perspectiva inicial de Fodor, alguns especial na Neuropsicologia contemporânea, tanto em
autores (i.e. Norman & Shallice, 1980; Shallice, 1988) sua vertente mais cognitivista, com menor ênfase no es-
propõem uma organização semi-modular em sistemas de tudo do hardware cerebral, quanto em sua vertente mais
domínio geral, como os sistemas centrais, e não apenas
moderada, com igual ênfase no funcionamento cogniti-
em sistemas de domínio específico. Observamos ainda
autores que parecem compatibilizar uma abordagem mo- vo e na localização cerebral de funções, tem muito con-
dularista com o uso de técnicas de neuroimagem, como tribuído para o entendimento da cognição deficitária
alguns expoentes da chamada Neurociência Cognitiva exibida pelos pacientes neurológicos, bem como para o
(i.e. Swick, Ashley & Turken, 2008, dente outros), pois, entendimento das funções cognitivas normais.
mesmo que não utilizem explicitamente o termo “mo- Acreditamos, conjuntamente com Vallar (1999),
dularidade” em seus argumentos teóricos, a nosso ver, que os estudos de caso único e os estudos de grupos de
propõem correspondências mais estritas entre estruturas pacientes desenvolvidos na área, a par de suas vantagens
cerebrais e determinados funcionamentos mentais. e limitações metodológicas, podem contribuir, ambos,
Não obstante, algumas limitações das técnicas de para o desenvolvimento do conhecimento a respeito da
neuroimagem poderiam ser apontadas, dentre elas está o arquitetura neural e funcional envolvida nas funções

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mentais, e não haveria razão para a exclusão de uma ma científico atual com as técnicas de neuroimagem
destas fontes de pesquisa clínica e teórica. Mas, depen- funcional em um contexto teórico com diversificados
dendo dos objetivos da pesquisa e das circunstâncias, modelos de processamento da informação, o percur-
pode haver a priorização de um destes tipos de estudos. so da pesquisa em Neuropsicologia parece ter se dado
Os estudos de caso único ainda se mostram relevan- por etapas, ou escolas, como prefere Shallice (1988),
tes na contemporaneidade, a nosso ver, pela dificuldade de etapas estas que utilizaram, preferencialmente, alguns
se encontrar, na clínica neuropsicológica, muitas vezes, ho- métodos e técnicas de pesquisa.
mogeneidade nos sintomas exibidos pelos pacientes. Neste Cabe observar que quando um novo método sur-
contexto, as técnicas de neuroimagem poderiam ajudar na ge no panorama científico costuma haver certa adesão
identificação do locus da lesão, bem como, em alguns ca- imediata ao mesmo e certa priorização de suas vantagens
sos, de sua particularidade anatômica, corroborando assim em detrimento de suas limitações. Porém, acreditamos
os achados clínicos peculiares encontrados na avaliação que o aumento de pesquisas que utilizam estas aborda-
clínica. Podemos ainda realçar o valor epistemológico dos gens metodológicas, muitas delas relatando dificuldades
estudos de casos na falsificação de hipóteses e de modelos e/ou a insuficiência do método e/ou das técnicas a este
teóricos, na tradição de estudos clássicos na área, como os relacionadas para o alcance de determinados objetivos,
de Baddeley (1990, 2000). possa suscitar uma reflexão crítica a respeito das vanta-
Os estudos de grupos, por sua vez, também pa- gens e limitações do método ou técnica em questão.
recem se beneficiar do uso de técnicas de neuroimagem No que se refere às técnicas de neuroimagem, a
funcional, pois as mesmas permitem a seleção de indi- par de suas possibilidades e limites metodológicos e
víduos a partir de critérios anatômos-funcionais. Nesta inferenciais, acreditamos que as mesmas possam con-
perspectiva, tanto os estudos com pacientes com síndro- tribuir de modo significativo para a pesquisa na Neu-
mes neurológicas adquiridas, congênitas e/ou genéticas, ropsicologia, apesar de observarmos, em alguns casos,
transtornos psiquiátricos ou do desenvolvimento, den- certo exagero no tipo de inferência feito a respeito da
tre outros, quanto os estudos com indivíduos normais relação cérebro-mente tendo como base a avaliação da
poderiam se beneficiar do uso desse tipo de técnica. atividade cerebral.
Os achados obtidos em pesquisas experimentais De modo complementar, acreditamos que a
com sujeitos animais e, em alguns casos, com o uso de construção de modelos de funcionamento cognitivo
neuroimagem (como as de Shadlen e Newsome, 2001) humano e o teste de sua aplicabilidade na clínica e na
com macacos rhesus, dentre outras) e com sujeitos hu- pesquisa neuropsicológicas também podem trazer con-
manos sem comprometimentos cerebrais também po- tribuições importantes para o desenvolvimento teórico
dem contribuir para corroborar os achados sugeridos e metodológico no âmbito das Ciências Cognitivas, in-
pelas pesquisas desenvolvidas na clínica neuropsicoló- cluindo aqui a Psicologia Cognitiva, e das Neurociên-
gica, sendo esse intercâmbio de informações bastante cias de modo geral.
profícuo para o desenvolvimento da área. A natureza investigativa da Neuropsicologia me-
Nesta perspectiva, acreditamos que uma aborda- rece aqui destaque, pois são as hipóteses teoricamente
gem integrativa e inclusiva dos estudos de caso único e guiadas que fornecem a linha base norteadora na pes-
de grupo de pacientes, conjuntamente com os estudos quisa, avaliação e reabilitação neuropsicológicas. Como
experimentais com sujeitos animais e com indivíduos vimos, as abordagens de avaliação neuropsicológica des-
normais, possibilitaria não só o cotejamento de infor- de aquelas situadas em um pólo mais quantitativo de
mações obtidas a partir de diferentes técnicas e méto- análise até aquelas situadas em um pólo mais qualitativo
dos, mas também a articulação de saberes que, apesar de devem levar em conta o caráter investigativo de todo
diferenciados, a nosso ver, não se mostram excludentes. trabalho neuropsicológico, seja nos processos de avalia-
Desde os primórdios dos estudos da relação cé- ção, diagnóstico e reabilitação, seja na pesquisa empíri-
rebro-mente, com a emergência do método anátomo- ca e na construção teórica.
-clínico e sua contribuição pioneira para uma análise Por fim, apesar do grande desenvolvimento teó-
verdadeiramente científica dessa relação, passando pe- rico e metodológico que as Neurociências e a Neurop-
los avanços metodológicos originados pela construção sicologia vêm vivenciando nas últimas décadas, acredi-
e estandardização de inúmeros testes, até o panora- tamos que ainda existam muitos problemas teóricos e

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Cagnin, S. 134
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 135-143 | julho-dezembro de 2010

Produção Científica na Área Educacional: Realização Acadêmica na Adolescência

Scientific Production on Educational Area: Academic Realization in Adolescence

Geraldina Porto WitterI

Giovana Ardoino PaschoalII

Resumo
O presente trabalho apresenta considerações sobre pesquisas educacionais em seus vários aspectos. Como exemplo, apresenta
alguns resultados sobre a realização acadêmica na adolescência, decorrentes de levantamento de dados em quatro bases:
CAPES, ERIC, PsycINFO e SciELO. Referente às teses e dissertações, a base PsycINFO apresentou maior número com 38
trabalhos. Quanto aos suportes veiculadores, predominaram os artigos de periódicos, sendo que destes, 48,94% no ERIC
eram teóricos e na SciELO e no PsycINFO predominaram os relatos de pesquisas, respectivamente, 92,59% e 67,50%.
Foram localizadas 204 referências no PsycINFO, 19 no ERIC e nenhuma ocorrência na SciELO. Conclui-se haver carência
de pesquisas na área e são feitas sugestões para pesquisa.
Palavras-chave: Pesquisa educacional; desempenho acadêmico; Psicologia Educacional.

Abstract
This paper presents considerations on educational research in its various aspects. As an example, the study presents some
results on the academic achievement in adolescence, which were derived from data collection at four bases: CAPES, ERIC,
PsycINFO and SciELO. Regarding theses and dissertations, the base PsycINFO showed the largest number with 38 works.
As for the media backers, journal articles predominated, and of these, 48.94% were theoretical; in ERIC and PsycINFO in
SciELO, research reports were predominant, respectively, 92.59% and 67.50%. We found 204 references on adolescents’
academic performance in PsycINFO; in ERIC 19, and no occurrence in SciELO. We came to the conclusion that there was
a lack of research in the area. Suggestions for research are presented.
Keywords: Educational research; academic performance; Educational Psychology

I
UNICASTELO
II
Universidade de Mogi das Cruzes

Quer por seu custo financeiro e em recursos hu- dições de subsidiar a tomada de decisão sobre o que
manos, quer pelo impacto que tem na sociedade, quer pesquisar, a definição de prioridades e políticas cien-
ainda pelas próprias características do saber científico e tíficas, o desenvolvimento científico e tecnológico;
pela ética científica, é imprescindível a avaliação da pro- bem como servir de base para comparação de países,
dução científica. Ocasionalmente, esta preocupação está estados, regiões, áreas do conhecimento, periódicos
presente em trabalhos esparsos, mas é só nos anos ses- científicos e mesmo produtores (Mugnaini, Carvalho,
senta do século XX que ela se sistematiza, se avoluma, & Campanatti-Ostiz, 2006). Vale lembrar que tanto
se estrutura, se desenvolve metodologicamente. Partin- as revistas científicas como as de divulgação científica
do das revisões assistemáticas ou dos estudos de estado precisam ser avaliadas em estudos de metaciência. As
da arte, carentes de cuidados metodológicos rigorosos, primeiras, para verificar aspectos técnico-científicos e
chegou-se à estruturação de uma nova área do conhe- se realmente estão veiculando evidências confiáveis, e
cimento. Trata-se da cientometria ou cienciometria, as segundas porque são as que mais chegam e cujas
como usam alguns, embora no português, obedecendo informações mais facilmente são assimiladas pelos pro-
às regras da etimologia e da incorporação de vocábulos fessores, já que, em muitos países, inclusive no Brasil,
novos, seja preferível cientometria (Stumf, Caregnato, a formação em metodologia científica é precária. Além
Vanti, Vanz, Corrêa, Crespo, Galdino & Gomes, 2006). disso, é comum confundir os dois tipos de revista e há
Hoje, a avaliação da produção científica é em- leitura acrítica de ambas, especialmente por falta de
pregada nas várias áreas do conhecimento e tem con- uma adequada formação em ciência e em estratégias

Witter, G.P. & Pascoal, G.A. 135


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 135-143 | julho-dezembro de 2010

para ler criticamente (Afflerbach, 2007; Fink & Sa- dentemente da área de conhecimento. Isto se justifica
muels, 2007; Ellery, 2009; Athans & Devine, 2010). pelo relevante papel que ocupam na estruturação da ci-
A produção científica compreende uma ampla ência e da sua divulgação. O mesmo tende a ocorrer na
série de categorias e sub-categorias envolvendo mate- área da Educação. A maior ocorrência do uso de revis-
riais, procedimentos e textos, mas o principal meio tas científicas para veicular informação foi também en-
de divulgação são os últimos, direcionados ao públi- contrada por Camilo e Witter (2007), ao analisarem a
co consumidor geral ou aos próprios cientistas. Es- produção veiculada no PsycINFO (2003 a 2006) sobre
tes são os que mais frequentemente são focados nos o brincar na pré-escola, tendo obtido 883 referências
trabalhos de metaciência possivelmente por constitu- sendo 78,03% relativas a artigos em periódicos.
írem o principal meio na comunicação entre cientis- Em todas as áreas, independente do patamar de
tas, e entre eles e a sociedade. Ao focarem a produção, desenvolvimento já alcançado, a maior preocupação é
os trabalhos de cientometria privilegiam a análise da com a avaliação das pesquisas, já que são a essência do
produção textual, seja pela razão acima citada, seja conhecimento e de onde emergem evidências que com-
pela facilidade de avaliação, de uso de juízes diversos provam, validam, rejeitam ou colocam em dúvida pro-
e pela maioria ter caráter público. posições teóricas que, usadas generalizadamente, sem o
Há vários tipos de produção textual e estão dis- devido respaldo em dados científicos, podem ser consi-
poníveis na forma impressa, online ou concomitan- deradas de risco e mesmo antiéticas, podendo resultar
temente nas duas formas. Muitas revistas científicas e em grande prejuízo para a formação e desenvolvimento
mesmo livros estão sendo disponibilizados aos leitores de alunos, professores e sistemas educacionais. Isto pos-
impressos em papel e via Internet. Certamente isto fa- to, pode-se passar a considerar mais especificamente a
cilitou não apenas a consulta, mas também a realização preocupação com a pesquisa educacional (Buriti, Wit-
de pesquisas. Bases bibliográficas como Education Re- ter & Witter, 2007; Witter, 2010).
sources Information Center (ERIC), do governo dos Entre os avanços na área da metaciência estão
Estados Unidos, e a PsycNET e PsycINFO, da Ame- os decorrentes de várias opções novas para procedi-
rican Psychological Association, são fontes internacio- mentos de seleção de material e tratamento dos dados
nais imprescindíveis para se acompanhar o desenvol- que, espera-se, sejam progressivamente incorporados
vimento da pesquisa educacional, e inclui-se também pelos pesquisadores que se dedicam à avaliação da ci-
uma base nacional mais jovem que é a SCIELO, com ência (Bonett, 2009; Cooper & Patall, 2009; Hofer
apoio de agências governamentais brasileiras. Vale lem- & Piccinin, 2009).
brar que associações que enfocam várias áreas específi- A meta-análise de produção textual pode associar
cas da educação também oferecem bases bibliográficas a coleta de dados com a adequação de sua análise estatís-
de grande utilidade para pesquisadores e educadores. tica e de outras análises de textos publicados. Um exem-
São exemplos: o National Council of Teachers of Ma- plo é o trabalho de DeCoster, Iselin e Gallucci (2009),
thematics, a National Science Teachers Association e que enfocaram o uso de dicotomização nos procedi-
a International Reading Association. Função similar mentos estatísticos de variáveis que originalmente são
é desempenhada pelos bancos de teses impressos em contínuas, passando a ser variáveis categóricas. Ex: usar
papel (International Dissertation Abstracts) ou online teste de medida contínua (aprendizagem de Física) e es-
(Banco de Teses da CAPES). tabelecer ponto de corte ou comparar apenas os extre-
A análise da produção veiculada por um periódico mos da curva, o que introduz viés. Todavia, a despeito
permite avaliar múltiplos aspectos, checar o seu nível de das críticas metodológicas, é ainda uma prática comum.
desenvolvimento como meio de difusão científica e até Os autores relacionaram dados de entrevistas com 66
mesmo fazer comparações entre periódicos. Instrumen- pesquisadores que usam a dicotomização com a opinião
tos para facilitar análises mais detalhadas já estão dispo- de outros 53 autores para identificar nos textos quan-
níveis na literatura (Buriti, 1999; Lima, 1999; Oliveira, do era adequado ou não fazer a dicotomização. Os que
1999; Oliveira, Cantalice, Joly, & Santos, 2006; Witter, usaram o procedimento consideraram que assim ob-
2006; Borenstein, Hedges, Higgins & Rothstein, 2009). tem resultados mais discriminativos. Os que avaliaram
A análise cientométrica tem privilegiado os estu- a produção apresentaram outra perspectiva, embora as
dos dos periódicos e das bases bibliográficas, indepen- justificativas sempre levem em consideração a simulação

Produção Científica na Área Educacional 136


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 135-143 | julho-dezembro de 2010

Monte Carlo. A análise mantendo o contínuo, quando e não estão presentes (Drew & Hardman, 1985; Siegel
a variável é realmente contínua, é superior na maioria & Castellan Jr, 1988; Campos, 2004; Pozzebon, 2004;
das vezes, mas se for uma variável que latentemente é de Bianchetti & Mekesenas, 2008).
fato categórica é melhor a dicotomização. Todavia, para Além do já explicitado, as pesquisas educacionais
a análise da produção com dicotomização, há procedi- são feitas com objetivos diversos e que se espera tenham
mentos alternativos. Trata-se de uma metaciência em impacto no sistema educacional formal e nas salas de
que enfocaram um problema específico da análise de aula. Entretanto, em decorrência de diversas variáveis,
dados usados pelos diversos autores e que pedem recon- nem sempre isto ocorre. Entre estas variáveis, algumas
sideração da questão em vários níveis: do planejamento são atribuíveis à demora cultural de assimilação do novo
à avaliação da produção e seu uso. no contexto cultural, outras do próprio professor (for-
mação, atualização, motivação etc), do próprio sistema,
Pesquisa Educacional que nem sempre tem a flexibilidade, com que a atualiza-
ção científica deveria ser usada nas tomadas de decisões
Pesquisa educacional é a que traz informações mais amplas, como para as políticas educacionais e uso
sobre a realidade educacional ou com potencial para em realidades distintas.
a introdução de mudanças para reduzir problemas e Mas há também atrasos e erros, até mesmo éticos,
ineficiências, que promovem avanços e melhorias. decorrentes de uso de resultados de pesquisa que não
Sua amplitude vai da pesquisa de laboratório, com são evidências científicas de variáveis relevantes e que
poucos participantes, até a inclusão de sistemas edu- são considerados como “verdades” e, precipitadamente,
cacionais. É campo de atividade para várias áreas do ou por força política, impostas como único caminho,
conhecimento, por exemplo Pedagogia, Linguística, ignorando-se as diferenças individuais e mesmo regio-
Sociologia, Antropologia, Psicologia, que buscam nais. Faz-se o uso das “verdades”, às vezes por décadas,
hoje maior interação. prejudicando alunos, professores e o sistema como um
Elas podem ser classificadas, como em qualquer todo sem sequer se ter tomado conhecimento da margem
área do conhecimento, no que concerne a controle, de erro em suas aplicações ou realizado pesquisas experi-
profundidade, generalização e aplicabilidade com segu- mentais de avaliação. Aliás, em muitos trabalhos apre-
rança. Assim, podem ser aglutinadas em dois grupos: sentados como pesquisa que trazem “verdades”, não há
Descritivas e Inferenciais. qualquer preocupação com este aspecto ético do discurso
As pesquisas Descritivas apresentam o aspecto es- científico e, muitas vezes, atua-se como se todos os alunos
tudado em sua exterioridade sendo divididas em dois fossem iguais e aprendessem de acordo com o previsto
subgrupos: pesquisas de levantamento ou caracterização em uma única teoria, sem dados para sustentação (Baines
e pesquisas correlacionais, quando já é viável estabelecer & Kunkel, 2010).
algumas relações mais simples entre as variáveis que po- Face à relevância e o papel que a pesquisa edu-
dem estar presentes na realidade e nela ter uma potencial cacional deve ter na formação da pessoa e do cidadão,
influência, mas sem maior segurança quanto às relações de seria de se esperar que ela contasse com mais verbas,
causa-efeito de uma variável determinar o valor de outra. fosse uma tradição na realidade de cada classe, escola
As pesquisas Inferenciais são mais complexas, e sistema. Mais ainda, que se privilegiassem as pesqui-
requerem mais capacitação do pesquisador, mas ga- sas que apresentam evidências, ou seja, as experimentais
rantem maior controle, conhecimento, generalização e e quase experimentais, pois viabilizam generalização e
uso dentro de uma dada margem de segurança. Podem segurança no uso dos resultados com margem de erro
ser divididas em dois subgrupos: quase-experimentais conhecida, e se possível, dentro de um novo contexto
e experimentais. Nas experimentais, o pesquisador de pesquisa. Entretanto, não é o que parece ocorrer na
manipula variáveis ao longo do processo de coleta para grande maioria dos países em que a ciência não alcan-
medir o efeito das mesmas. Na quase-experimental, o çou na pesquisa educacional este nível de exigência nas
pesquisador colhe os dados como estão ocorrendo na agências governamentais e de fomento. Certamente,
realidade educacional, os organiza de acordo com va- neste contexto, torna-se imprescindível a avaliação da
riáveis já presentes na situação e faz comparações esta- produção decorrente das pesquisas educacionais.
tísticas ou matemáticas entre grupos em que elas estão

Witter, G.P. & Pascoal, G.A. 137


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 135-143 | julho-dezembro de 2010

Metaciência e Pesquisas Educacionais O presente levantamento foi feito pelas autoras


tendo por objetivo conhecer o tipo de suporte das pu-
Os estudos de metaciência a respeito de pesquisas blicações e variáveis que estão sendo enfocadas em reali-
educacionais podem focalizar vários aspectos, tais como: zação acadêmica envolvendo os adolescentes.
tipo de trabalho, enfoque teórico, autoria, tipologia da
pesquisa, tipo de análise de dados, análise das evidências
Método
(só quando se trata de estudo experimentais ou quase
experimentais), bibliografia, título, resumo, estrutura
A despeito da relevância do desempenho acadêmi-
discursiva, normas, instrumentos e materiais usados na
co, a produção científica sobre a matéria, não é muito
coleta, distorções e erros de análise etc.
frequente. Em busca feita, tendo por vocábulos realização
Sem pretensão de fazer um relato de pesquisa, segue
acadêmica e adolescência em associação, na base SciELO
um exemplo mais específico de tema de grande preocupação
(4/5/2010) não foi localizada nenhuma referência espe-
na área educacional, que é a realização acadêmica, ou seja, do
cífica da relação enfocada. A mesma busca realizada no
que, do como e em que nível os alunos conseguem assimilar
PsycINFO (4/5/2010) resultou em 204 referências, mas
e usar o que se espera que adquiram de conhecimento em
só 15 textos com acesso livre. A mesma busca feita na
um dado ponto do ciclo acadêmico, no geral ou em uma
principal base de educação – ERIC (3/5/2010) resultou
matéria específica. Para estreitar mais a busca, estabeleceu-se
como foco que os participantes fossem adolescentes. em 19 indicações bibliográficas, mas só cinco de livre
No contexto da presente análise, entendeu-se por re- acesso. Vale lembrar um problema com que muitos pes-
alização educacional o nível de desenvolvimento e desempe- quisadores e cientometristas frequentemente se deparam
nho alcançado pelo aluno, o grau de proficiência demons- nas buscas feitas: uso inadequado de palavras-chave e não
trado no trabalho escolar em geral ou específico, alcançado consulta a Thesaurus para decisão.
de um modo geral ou em uma habilidade específica como
leitura/escrita, ciências, matemática, arte etc., sendo usada Resultados
a expressão desempenho acadêmico, ou seja, com que efi-
ciência executa as atividades acadêmicas, como equivalente Primeiramente, levantou-se a produção sobre
(Houaiss, Villar & Franco, 2001; VandenBos, 2006). pesquisas educacionais em nível de dissertações e teses
No APA Dictionary of Psychology (VandenBos, em três bases: CAPES, ERIC e PsycINFO. Como na
2006, p. 21) a adolescência é definida como o: CAPES só estavam disponíveis as produções até o ano
de 2009, optou-se por focar este ano, embora nas outras
período do desenvolvimento humano que co-
meça com a puberdade (10-12 anos de idade) e bases 2010 já estivesse em curso. A Tabela 1 mostra que
finda com a maturidade psicofisiológica (aproxi- na CAPES foram localizados 17 trabalhos (dissertação
madamente aos 19 anos de idade), embora a am- e tese), um na base ERIC e 38 no PsycINFO. Compa-
plitude exata varie entre os indivíduos. Durante
este período as maiores mudanças ocorrem, em rando as duas bases internacionais, verificou-se que a
ritmos variados, nas características sexuais, ima- produção constante na área de cunho psicológico foi
gem corporal, interesses sexuais, papéis sociais, muito maior que na de Educação propriamente dita.
desenvolvimento intelectual e autoconceito.

Tabela 1 - Dissertações/Teses em Pesquisa Educacional em Bases Bibliográficas

Produção Científica na Área Educacional 138


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 135-143 | julho-dezembro de 2010

Os resultados expressos na Tabela 2 mostram o ção sobre Educação. Evidentemente, exceto para análise
tipo de suporte dos textos, sendo que nas três bases pre- específica do apresentado em cada base, para se manter
dominam os artigos de periódicos, o que é esperado já atualizado e saber sobre educação é imprescindível con-
que os mesmos são considerados o principal meio de sultar mais de uma base, sendo mais provável encontrar
comunicação científica. Vale lembrar que a SciELO, di- evidências em algumas do que em outras. Vale lembrar
ferentemente das outras bases, se restringe a textos de que são consideradas como pesquisas, que podem real-
revistas. Em seguida, aparecem Outros, que inclui uma mente trazer evidências e relações causais, as quase-ex-
ampla variedade de materiais (descrição de materiais, perimentais e experimentais com análise quantitativa.
resenhas, relatórios técnicos). Como era de se esperar, já Quando se compara estes dados com os de Ferrara e
que está totalmente voltada para a Educação, em ERIC Witter (2007), que estudaram os trabalhos sobre forma-
ocorreu o maior número de trabalhos, vindo a seguir a ção e atuação do psicólogo que apareceram na Psicolo-
base de Psicologia, onde a pesquisa educacional é ape- gia Ciência e Profissão (2000-2004), consta-se uma si-
nas um segmento entre os mais de 250 ramos do conhe- tuação com tendência melhor nos dados aqui relatados,
cimento psicológico. A presença de livros foi baixa, pos- já que as referidas autoras encontraram 64% (N=55) de
sivelmente porque poucas editoras remetem a produção trabalhos teóricos e entre as pesquisas predominaram as
para as bases que os veiculam também. descritivas (levantamento) com 22% da produção e as
Analisando mais detalhadamente as publicações inferenciais ficaram com apenas 11%.
em periódicos, constatou-se predomínio de trabalhos Quanto mais avançada é a área, maior a ocorrên-
teóricos, de reflexão, no ERIC (48,94%), enquanto cia de trabalhos de pesquisa, especialmente se forem
que na SciELO e no PsycINFO foram prevalecentes quase-experimentais e experimentais. Ao analisarem
os artigos relatando pesquisas, com maior potencial os dados da CAPES sobre produção científica concer-
de contribuição para o conhecimento da realidade e os nente à memória, Christofi e Witter (2007) constata-
avanços educacionais que se fazem necessários, sendo, ram, entre 2000 e 2004, quadro bem mais favorável ao
respectivamente, de 92,59% e 67,50%. Vale lembrar aqui relatado: em 142 trabalhos só 4,22% eram teóri-
que a SciELO inclui todas as áreas de conhecimento, cos, os demais eram pesquisas, sendo predominante a
algumas voltadas para a Educação. A base PsycINFO é experimental (74,65%). As áreas que mais apareceram
mais amigável e permite rápido levantamento quanto foram: Biológicas (18,3%), Psicologia (16,9%), Psico-
ao tipo de pesquisa, sendo de se destacar o predomí- biologia e Farmacologia, ambas com 11,3%. Educação
nio de estudos quantitativos (77,80%) e apenas um de incluiu apenas 2 trabalhos na base. Isto parece refletir
avaliação de produção (3,70%). Estes dados permitem características e nível de desenvolvimento diferencia-
uma perspectiva geral da posição da pesquisa na produ- dos nas áreas.

Tabela 2 - Pesquisa Educacional nas Bases Bibliográficas

Witter, G.P. & Pascoal, G.A. 139


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 135-143 | julho-dezembro de 2010

De fato, isto se relaciona com a contingência de ma área e bases gerais como SciELO, Web of Science,
que entre os aspectos considerados em metaciência es- entre outras possibilidades, conforme Norris e Oppe-
tão as citações ou referências que diferem entre as várias nhein (2007) sugeriram e testaram em alguns aspectos.
áreas científicas, não apenas no formato, tipo de suporte As bases podem estar refletindo o habitual nas áreas.
e temporalidade, o que dificulta a comparação respei- É apresentada aqui como ilustração uma breve
tando as características de área. Fórmulas novas estão análise temática do encontrado nas bases: PsycINFO
sendo propostas para comparações (Liang & Rousse- e ERIC. Os dados são um indicativo de que variáveis
au, 2010) de periódicos. Assim, na área de humanas, que possivelmente afetam a realização acadêmica do
citação de periódicos se faz com menor ocorrência do adolescente estão sendo focadas pelos pesquisadores.
que nas áreas da saúde e biossociais. As diferenças entre Vale lembrar que frequentemente são destacadas duas
as áreas podem também se tornar evidentes entre bases ou mais variáveis em cada trabalho. Assim, a média de
mais voltadas para ciências como a Psicologia, ou seja, variáveis enfocadas pelos trabalhos arrolados na base
PsycINFO e as ciências sociais (ERIC). Isto sugere a ne- ERIC foi 1,7 e na PsycINFO foi 2,0, conforme é apre-
cessidade de estudos comparativos entre bases da mes- sentado na Tabela 3.

Tabela 3. Variáveis estudadas por possível efeito na Realização Acadêmica

Verificou-se que as variáveis do próprio adoles- por demais variáveis, inclusive da própria instituição
cente, entre estas gênero, problemas biopsicológicos, educacional (Santrock, 2006; Savage, 2009).
problemas psicossociais, características biopsicossociais, Na base ERIC, em segundo lugar ficaram as pes-
características relativas à escola e autoavaliação, foram soas que influem no desempenho acadêmico dos jovens
as mais trabalhadas nos estudos das duas bases, sendo de (63,1% dos estudos), sendo os pais os mais enfocados
84,2% no ERIC e 80,9% na outra base, com destaque (21,0%), vindo a seguir os amigos, colegas e professores
para as características biopsicossociais, respectivamente com igual percentual (15,8%) e, por último, a família
36,8% e 31,4%. Entretanto, o total de problemas tam- de um modo genérico (10,0%). Isto pode ser um refle-
bém parece ser o foco de muitos pesquisadores. Estes xo da crescente ocorrência de evidências da importân-
dados podem ser indício de uma perspectiva demasiado cia da ação dos pais no desempenho acadêmico da pré-
clínica e patologizante, sem considerar ou ter o quadro -escola até a universidade, principalmente, em termos
completo e real da adolescência. Também é indício de de obter resultados positivos mesmo com alunos com
focar os problemas no aluno, sem a devida consideração dificuldades de aprendizagem (Del Prette & Del Prette,

Produção Científica na Área Educacional 140


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2003; Gourley, 2009). No PsycINFO esta categoria fi- (Siegel & Castellan Jr, 1988, Moren, 1995). A inclusão
cou em 4º lugar, com 24,50%. em PsycINFO foi mais abrangente e variada no que diz
Na base que privilegia a educação (ERIC), em respeito à relação adolescência e realização acadêmica,
terceiro lugar ficaram os trabalhos enfocando variáveis apresentando uma perspectiva mais ampla do que está
acadêmicas (10,0%), entre as quais estão meios de en- sendo pesquisado. Isto pode decorrer, em parte, do tipo
sino, clima/ambiente acadêmico, intervenções, estraté- e origem dos periódicos indexados nas bases e do ní-
gias de ensino, currículo e disciplinas acadêmicas, sendo vel das revistas. Também, vale lembrar o problema de
que uma ocorrência para meios de ensino e outra para uso, sem consultar aos Thesaurus, de palavras-chave, que
currículo. Na base de cunho psicológico (PsycINFO), pode resultar em dificuldades de acesso via base, por pro-
que inclui Psicologia Escolar e Educacional, esta cate- blemas de inclusão dos textos, como já se mencionou.
goria ficou também em terceiro lugar (41,7%), desta-
cando-se principalmente os estudos que enfocam o que Considerações Finais
influi na realização nas disciplinas acadêmicas (leitura,
escrita, matemática) com 16,7% como apoio e estímulo Dada a importância da pesquisa na área educa-
dos pais e família, influência de colegas e mesmo Clima/ cional, da avaliação da produção científica e dos es-
Ambiente Acadêmico (9,3%) que pode ser estressante tudos de metaciência para se ter um quadro geral do
ou distressante para o aluno e, assim por diante, mos- que, como e quanto se tem pesquisado de determina-
trando mais preocupação com a sala de aula. do assunto, sobretudo na área da educação, observa-se
No Contexto Geral, que engloba classe/contexto haver uma carência de profissionais dedicados a este
social, suporte social, étnico-culturais, cultura (uso), aspecto da ciência, o que atesta o baixo número de
modelos culturais, trabalho/emprego, violência/agres- estudos encontrados nos levantamentos nas bases pes-
são e religião, foi registrado um trabalho na base ERIC quisadas no presente trabalho.
(5,3%) e na PsycINFO ficou em segundo (47,0%), Este tipo de estudo, que pode ser realizado nas
destacando-se a categoria étnico-cultural (19,1%), mais diversas áreas do conhecimento, produz dados
que gera aspectos peculiares, especialmente, em salas científicos confiáveis e generalizáveis, entretanto pa-
multiculturais que requerem atenção diversificada por rece ser pouco valorizado e até mesmo pouco divul-
parte dos professores, bem como uso de estratégias e gado e incentivado. Ainda em relação aos trabalhos
materiais de ensino que respeitem as diversidades dos que se encontram na área, é preciso considerar se
alunos, caso contrário se tem sérios prejuízos para os atendem aos aspectos éticos e de rigor científico ade-
mesmos no processo de ensino-aprendizagem, no cli- quada e suficientemente, o que pede uma análise es-
ma educacional, na geração de estresse, na desmoti- pecífica que fica aqui como sugestão (Witter, 2010).
vação e na socialização. Seguem os estudos da classe Em relação ao levantamento de trabalhos sobre
como um contexto social (6,9%) e os de violência/ realização acadêmica de adolescentes, na base nacional
agressão (6,4%), problema que vem crescendo no âm- não se obteve nenhum resultado na busca com os ter-
bito das escolas e que podem, em parte, estar refletin- mos específicos, o que remete a algumas questões im-
do a violência fora da escola (família, sociedade, meios portantes. Que importância o pesquisador brasileiro
de comunicação) ou da própria escola (métodos e ma- tem dado a esta parcela da população? A realização aca-
teriais inadequados) ou, ainda, estresse, injustiça tanto dêmica, que é frequentemente cobrada dos alunos, tem
fora como na escola. sido adequadamente cuidada e avaliada pelos profissio-
Alguns estudos emergiram nas bases, mas não di- nais da educação? Ou estará havendo problema nas pis-
ziam respeito a adolescentes, eram trabalhos com crian- tas de indexação fornecidas nos títulos e palavras-chave?
ças em que eram feitas considerações, sem dados, dos Visto que grande parte da vida acadêmica se de-
possíveis efeitos no futuro delas quando alcançassem a senvolve concomitante com a adolescência, e que esta
adolescência (5,3% na ERIC e 3,4% na PsycINFO). tem sido pouco pesquisada, conclui-se a necessidade
Feita a correlação entre a posição relativa das ca- do pesquisador brasileiro se dedicar mais a este aspecto
tegorias nas duas bases obteve-se rs=0,40 para rc=1,00 da educação e a esta faixa etária, resultando em be-
(gl=4, p≤0,05), ou seja, pode-se concluir que nas duas nefícios não só para os sujeitos, mas também para a
bases não houve correlação quanto aos temas inseridos educação no país de forma geral.

Witter, G.P. & Pascoal, G.A. 141


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Certamente, como governos de vários países e Ferrara, J. N., & Witter, C. (2007). Formação e atuação:
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tragam evidências e capacitar pesquisadores e docentes Guararema, SP: Anadarco.
para esta atuação, caso contrário produzem-se altera- Fink, R., & Samuels, S. J. (Orgs.) (2007). Inspiring reading
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pages/e-book.php).

Endereço para correspondência:


Geraldina Porto Witter
Av. Pedroso de Morais, 144/302 – Pinheiros
CEP 05420-000 – São Paulo/SP
E-mail: [email protected]

Recebido em Junho de 2010


Revisto em Setembro de 2010
Aceito em Outubro de 2010

Witter, G.P. & Pascoal, G.A. 143


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Metodologia de Pesquisa em Desenvolvimento Humano: Velhas Questões Revisitadas

Research Methods in Developmental Psychology: Revisiting Old Questions

Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota I

Resumo
Este artigo visa a discutir questões metodológicas do campo de estudo do desenvolvimento humano, levando em consideração
perspectivas e tendências atuais nesta área. Na medida em que psicólogos do desenvolvimento enfrentam novos desafios e
este campo de conhecimento evolui, novos paradigmas surgem, oferecendo subsídios teóricos e metodológicos para prática
profissional e de pesquisa de psicólogos e profissionais de áreas afins. Esse texto tenta assim sistematizar questões que aparecem
apenas de forma dispersa na literatura brasileira.
Palavras-chave: Psicologia do Desenvolvimento; metodologia em Psicologia do Desenvolvimento; desenvolvimento humano.

Abstract
This article aims to discuss methodological issues in the field of Developmental Psychology taking into account current
trends and prospects in this area. Insofar as developmental psychologists face new challenges and this field of study
develops, new paradigms emerge and offer theoretical and methodological approaches to professional practice and research
of psychologists and professionals of related areas. This text attempts to systematize issues that only appear as dispersed in
the Brazilian literature.
Keywords: Developmental Psychology; methodology in developmental psychology; human development.

I
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

A Psicologia do Desenvolvimento estuda as mu- publicações internacionais é imprescindível que se tenha


danças biológicas, afetivas, sociais e cognitivas que um reflexão crítica das metodologias existentes. Quanto à
ocorrem na vida dos indivíduos desde o nascimento metodologia de pesquisa, uma pesquisa feita no SciELO
até a morte. Nesse processo, é de interesse investigar Brasil, com o descritor “Psicologia do Desenvolvimento”
as múltiplas variáveis que afetam e serão afetadas pelo levantou apenas três artigos que discutem questões meto-
desenvolvimento. Essas variáveis, sejam elas cognitivas, dológicas ligadas ao desenvolvimento humano.
sociais, afetivas ou biológicas, podem causar mudanças Assim, esse trabalho tem como objetivo discu-
no desenvolvimento, podem ser conseqüências do de- tir algumas questões metodológicas ligadas à pesquisa
senvolvimento ou ainda podem ter uma relação recípro- quantitativa em Desenvolvimento Humano. Em parti-
ca de causa-efeito com ele (Biaggio, 1978; Mota, 2005, cular, os principais problemas em se estabelecer diferen-
2009; Papalia & Olds, 2000). Questões teóricas e me- ças etárias no desenvolvimento. Embora não se ofereça
todológicas ligadas à conceituação da Psicologia do De- uma resposta a todos os problemas que serão aponta-
senvolvimento têm sido abordadas na literatura nacio- dos, alguns caminhos são sugeridos. Assim, não se trata
nal de forma tímida. Em um dos poucos trabalhos que
de um texto que esgota o assunto, mas tenta sistemati-
abordam o tema, Seidl-de-Moura e Moncorvo (2006)
zar questões que aparecem apenas de forma dispersa na
fizeram uma análise da produção científica dos pesquisa-
literatura brasileira.
dores brasileiros na área de desenvolvimento humano. Os
autores citados mostraram que embora o número de pu-
blicações em periódicos indexados em bases de dados in- Estudando as Mudanças no Desenvolvimento
ternacionais ainda seja muito baixo, houve um aumento Humano
significativo do número de publicações da década de 70
para a década de 80, que segue uma relativa estabilidade Observar as mudanças que ocorrem no desenvolvi-
no número de publicações nas duas décadas subseqüen- mento é uma tarefa bem mais complexa do que a princí-
tes. Se quisermos aumentar a participação do Brasil em pio se espera. Em um texto clássico sobre o assunto, Baltes

Mota, M.M.P.E. 144


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(1968) discute detalhadamente esse problema. O texto de Os primeiros estudos sobre o assunto indicavam o declí-
Baltes é, no entanto, pouco discutido no âmbito da forma- nio da inteligência por volta dos 30 anos de idade. Es-
ção dos pesquisadores na área da Psicologia do Desenvol- ses estudos utilizavam uma metodologia transversal para
vimento. A apresentação dos delineamentos experimentais indicar mudanças etárias na inteligência. Adultos mais
costuma ser apresentada de forma descritiva, sem uma novos tinham desempenho superior aos mais velhos nas
discussão das aplicações desses delineamentos para os dife- tarefas utilizadas para avaliar a inteligência. O problema,
rentes tipos de questões levantadas na área. Vamos a seguir como já apontado, é que esse tipo de delineamento não
apresentar algumas considerações do autor. controla as diferenças individuais ou de coorte. Hamilton
Os dois tipos de delineamento que são tradi- argumenta que as mudanças nas condições de saúde, edu-
cionalmente apresentados aos alunos de graduação cação e sócio-econômicas observadas nos últimos anos
quando se fala de estudos sobre o desenvolvimento podem explicar as dificuldades dos adultos mais velhos
humano: delineamentos transversais e delineamentos nesses primeiros estudos. Como os adultos mais novos
longitudinais. estavam sujeitos a melhores condições de vida, também
tinham melhor performance nas tarefas.
Estudos Transversais e Longitudinais Uma das principais sociedades para o estudo do
desenvolvimento humano, a International Society for
Os estudos transversais comparam indivíduos dife- the Study of Behavioral Development [ISSBD], lançou
rentes num mesmo momento. Em estudos sobre o de- em 2005 uma edição especial intitulada “Longitudinal
senvolvimento, esse delineamento consiste em organizar Research on Human Development: Approaches, Issues
grupos de indivíduos de diferentes idades e compará-los and New Directions”. Nesta edição são discutidas as con-
em relação a uma determinada habilidade. Por exemplo, tribuições e limitações dos estudos longitudinais para a
um estudo sobre desenvolvimento lingüístico pode com- produção do conhecimento na psicologia do desenvol-
parar o número de palavras utilizadas por crianças de 2 e vimento. Em 2010, nova edição foi lançada sobre o as-
3 anos de idade. As vantagens e desvantagens desse tipo de sunto, demonstrando a importância desse tipo de deli-
delineamento são bem conhecidas. Pode-se testar em um neamento para o estudo do desenvolvimento humano.
período curto as habilidades investigadas, tornando-o um Em um dos textos da edição de 2005, Cillessen (2005)
delineamento prático para o pesquisador. Ainda não há ressalta que estudos longitudinais se aplicam a várias áreas
problemas com a perda de sujeitos, pois as testagens ocor- de conhecimento e não apenas à Psicologia do Desen-
rem em um só momento.Um problema com esse tipo volvimento. Também não se aplica apenas a estudos de
longo prazo e com muitos indivíduos, mas na psicologia
de estudo é que, como testa indivíduos diferentes, não
do desenvolvimento adquire importância fundamental,
controla totalmente os efeitos das variações individuais.
pois permite que se acompanhe o desenvolvimento dos
Embora existam técnicas de controle que tentam redu-
indivíduos ao longo do tempo, sem deixar de se controlar
zir o efeito das variações individuais, esse é um problema múltiplas variáveis que afetam o desenvolvimento.
classicamente apontado nos textos sobre a Psicologia do Estudos com delineamento longitudinais oferecem
Desenvolvimento Humano já citados anteriormente. uma alternativa para os problemas já apontados sobre os
Outra questão importante é o efeito de coorte que estudos transversais. Nesse tipo de delineamento um mes-
não pode ser controlado nesse tipo de estudo. Uma co- mo grupo de sujeitos é visto em diferentes momentos.
orte é um grupo de pessoas que pertencem a um mesmo Como os mesmos sujeitos são acompanhados ao longo do
grupo e que passaram por experiências semelhantes. No tempo, esse delineamento controla as diferenças individu-
desenvolvimento, são indivíduos que em geral pertencem ais. Além disso, como os participantes, em geral, perten-
a uma mesma geração. Ao comparamos grupos de indi- cem a uma mesma coorte, efeitos de coorte são também
víduos de idades diferentes, confundimos efeitos do de- manejados. O número de sujeitos recrutados também é
senvolvimento que são universais com efeitos da coorte. menor do que em estudos transversais, mas por outro lado
Baltes (1968) salienta que os efeitos de coorte podem ser esse tipo de estudo é custoso em termos de tempo de re-
tanto maturacionais como ambientais. Esse ponto é bem alização. Outra dificuldade encontrada por pesquisadores
exemplificado por Hamilton (2000). O autor cita como é a perda de sujeitos ao longo da pesquisa. Papalia e Olds
exemplo os estudos sobre inteligência e envelhecimento. (2000) apontam para o fato de que a perda de sujeitos, em

Metodologia de pesquisa em desenvolvimento 145


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estudos longitudinais de longo prazo, acaba criando um quisa. A mortalidade dos sujeitos também não ocorre
viés na amostra estudada. Isso ocorre porque a desistência na mesma proporção para todas as populações. Partici-
na participação é mais freqüente entre sujeitos pouco esco- pantes com mais altos índices de escolaridade tendem
larizados e/ou de baixo nível sócio-econômico. a desistir menos da participação em pesquisas do que
Apesar dos estudos longitudinais controlarem pos- os participantes com baixa escolaização, criando viés
síveis efeitos de coorte dentro do próprio grupo estuda- na obtenção dos dados (Papalia & Olds, 2000)
do, a generalização dos achados para diferentes coortes 2) A repetição de medidas pode gerar aprendiza-
é problemática. Por exemplo, o declínio da inteligência gem e superestimar as capacidades testadas.
a partir dos 30 anos, apontado por Hamilton (2000),
poderia ser observado para uma coorte que viveu no iní- Estudos Sequenciais
cio do século XX, mas não para uma coorte que fez 30
anos no final desse mesmo século. Cabe ressaltar que a Uma alternativa para os problemas apontados aci-
generalização de resultados para diferentes coortes não é ma é a combinação de estudos longitudinais com estu-
um problema específico aos estudos longitudinais. Esse dos transversais. Nesse tipo de estudo, diferentes coortes
problema foi apontado na seção anterior para estudos são acrescentadas ao estudo ao longo do tempo. A Ta-
transversais. Os estudos seqüenciais que serão tratados a bela 1 mostra um esquema de como esse procedimen-
seguir são um exemplo de proposta para reduzir os possí- to ocorre. A tabela mostra as entradas dos grupos de
veis efeitos de coorte na generalização de resultados. sujeitos em um estudo longitudinal programado para
Um último ponto a ser discutido, antes de avan- durar 30 anos. Podemos ver que a primeira coorte (C1)
çarmos nessa discussão, é referente a retestagem de su- é introduzida no ano 2000 (t1), no segundo momento
jeitos em estudos longitudinais. Num estudo longitu- de testagem, ano 2010 (t2), esses mesmos sujeitos são
dinal, os participantes fazem parte de todas as etapas reavaliados e uma segunda coorte (C2) e introduzida ao
da pesquisa. A retestagem dos participantes se apresenta estudo. No terceiro momento de testagem, 2020 (t3),
como um problema por duas razões: uma terceira coorte (C1)é introduzida ao estudo. As ou-
1) participantes acompanhados ao longo do tras coortes são reavaliadas.
tempo, tendem a se desmotivarem e abandonar a pes-

Tabela 1. Organização de um Estudo Sequencial Longitudinal

Assim, temos uma variável de medidas repetidas qüencial. A primeira coorte entra no estudo em 2000,
tempo (t) com quatro níveis (t1 - 2000,t2 -2010,t3- a segunda em 2010 e a terceira em 2020. Diferenças
2020, t4-2030). Diferenças encontradas entre os in- encontradas entre esses sujeitos nos apontam diferen-
divíduos ao longo do tempo nos apresentam diferen- ças devidas às coortes. Se aos 30 anos os sujeitos se
ças etárias. Isso corresponde a um estudo longitudinal comportam da mesma forma, podemos inferir que
simples. A outra variável que se inclui no estudo é de mudanças geracionais não afetam a habilidade medi-
medidas entre sujeitos coorte (C) com três níveis (C1- da. Por outro lado, se diferenças foram encontradas,
pessoas com trinta anos em 2000, C2-pessoas com 30 pode-se pensar que efeitos geracionais afetam aquela
anos em 2020, C3- pessoas com 30 anos em 2040). A habilidade. As comparações podem ser feitas à medida
entrada dessas pessoais no estudo é feita de forma se- que novas coortes vão sendo incluídas, utilizando-se

Mota, M.M.P.E. 146


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técnicas fatoriais ou correlacionais.Esse tipo de estudo, bém é atribuído a um grupo de forma aleatória. No caso
embora eficiente, é extremamente trabalhoso. Deman- da observação sistemática, o experimentador não pode
da muitos sujeitos e longos períodos de tempo para atribuir aleatoriamente a variável que ele quer controlar.
serem completados. Cabe ressaltar que os avanços nos São exemplos de variáveis deste tipo: gênero, idade, ser
procedimentos de análise de dados nos últimos 30 fumante ou não, entre outros. Embora as observações
anos têm aumentado a possibilidade de análise de da- sistemáticas tragam muitas informações importantes,
dos nesse tipo de estudo. Berninger, Abbot, Nagy e também não podemos estabelecer relações de causa e
Carlisle (2010) utilizaram um delineamento chamado efeito com este tipo de delineamento porque as caracte-
em inglês de “accelerated cohort design” para compa- rísticas prévias dos participantes podem ser responsáveis
rar duas coortes, de idades diferentes que iniciaram si- por diferenças encontradas entre os grupos. Outro pro-
multaneamente um estudo longitudinal. blema é que não podemos generalizar os resultados para
além daquele grupo estudado.
Estabelecendo Relações de Causa Efeito no Observações sistemáticas são delineamentos mui-
to usados em psicologia do desenvolvimento, mas não
Desenvolvimento Humano
possibilitam o estabelecimento de relações de causa e
efeito. Uma alternativa para pesquisadores que querem
O método experimental nos permite estabelecer
estudar questões ligadas à causalidade será discutida na
relações de causa e efeito entre as variáveis. Ele requer
próxima sessão.
uma variável independente, que é aquela que é estuda-
da pelo experimentador. Muitas vezes ela é chamada de
intervenção ou tratamento. Em um experimento, esta Estudos Longitudinais Correlacionais
variável é totalmente controlada pelo experimentador e
precisa ter pelo menos dois níveis, para que o experi- Os livros de metodologia de pesquisa nos ensi-
mentador possa avaliar se o tratamento/intervenção teve nam que não é possível se estudar relações de causa e
um efeito sobre a variável dependente. O primeiro nível efeito quando nossa variável independente não é uma
envolve uma quantidade de tratamento, enquanto o se- variável manipulável. Além disso, muito das relações
gundo nível, em geral, envolve nenhum tratamento. A entre variáveis no desenvolvimento tem uma causação
este nível em que nenhum tratamento é atribuído cha- recíproca (Spinillo & Lautert, 2009). Bradley e Bryant
mamos de controle. Isso ocorre porque para que pos- (1983), em uma pesquisa clássica sobre as causas das
samos verificar o efeito de uma variável independente dificuldades de aprendizagem, nos apresentam uma
(VI) sobre uma variável dependente (VD), precisamos alternativa para esse problema. Esses pesquisadores
mostrar que o tratamento (VI) e somente o tratamento investigaram o papel da consciência fonológica nas
está afetando a VD. O grupo controle serve como pa- dificuldades de leitura. Os autores testaram crianças
râmetro de comparação, para que possamos observar o não leitoras quanto a sua habilidade de refletir sobre os
efeito que uma variável tem sobre outras variáveis. Cabe sons da fala (consciência fonológica). Um ano e dois
ressaltar que o controle não precisa necessariamente ter anos depois as crianças foram testadas quanto ao seu
uma quantidade zero de tratamento, e que podemos ter desempenho na leitura. Os autores observaram que as
vários níveis da VI e mais de um grupo controle. crianças com melhores escores nas tarefas de consciên-
Uma nota de cautela é apresentada a seguir. Mui- cia fonológica eram também as crianças com melhores
tas vezes, e em especial na psicologia do desenvolvimen- escores nas tarefas de leitura. Como as crianças eram
to, chamamos variável independente uma variável que não leitoras no início da pesquisa, diferenças na habili-
não é manipulada pelo experimentador. Estas são variá- dade metalingüística inicial não podiam ser explicadas
veis que o experimentador não tem controle sobre elas, por diferenças nos níveis de leitura.
mas que são sistematicamente variadas num estudo, e Para confirmar a relação de causalidade entre a
por isso são tratadas como variáveis independentes. Es- consciência fonológica e a leitura, os autores realizaram
tes estudos são chamados de observação sistemática. Va- um estudo de intervenção utilizando uma metodolo-
mos lembrar que em um experimento os participantes gia experimental clássica. Os resultados encontrados, de
são distribuídos de forma aleatória nos grupos pelo ex- uma forma geral, confirmaram a relação de causalidade
perimentador, da mesma forma que o tratamento tam- entre a consciência fonológica e a escrita.

Metodologia de pesquisa em desenvolvimento 147


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É importante ressaltar que estudos longitudinais, pesquisa que se inicie com a etapa 1 e que vá gradati-
quando associados a técnicas correlacionais, servem vamente avançando nas demais etapas. Os resultados
para investigação de causalidade nos casos em que habi- das pesquisas realizadas nessas diferentes etapas cons-
lidade a ser predita não se desenvolveu ainda. Quando tituiriam um conjunto de evidências que substancia-
ela já está presente no início do estudo, esses estudos riam a questão centrada investigada.
indicam apenas a importância de uma variável para o
desenvolvimento da habilidade a ser predita. Diferenças Conclusões
entre os indivíduos nas variáveis observadas podem ser
explicadas pela interação dessas habilidades com a vari- A evolução da psicologia do desenvolvimento
ável estudada. Para a Psicologia do Desenvolvimento, tem tornado a produção nesta área de atuação bastante
em particular, esse tipo de análise é valiosa, pois muitas importante para elaboração de programas de interven-
das perguntas levantadas envolvem o surgimento e o de- ção na prevenção e promoção de saúde, especialmente
senvolvimento de habilidades, bem como conhecer os nos contextos das práticas de profissionais da área de
fatores que podem afetar esse desenvolvimento. saúde e da de educação. Traz também com ela a neces-
sidade de avanços metodológicos, especialmente nas
Programas de Pesquisa em Psicologia do técnicas de análise de dados para que se possa respon-
Desenvolvimento der a novas perguntas que surgem na medida em que
o escopo da psicologia do desenvolvimento se amplia.
Recentemente, Nunes e Bryant (2006) propu- Propostas como as apresentadas no corpo do texto, por
seram um programa de pesquisa para pesquisadores exemplo as de Cillessen (2005), que discutem o escopo
interessados em questões educacionais, mas que po- das pesquisas longitudinais para o estudo da psicologia
dem ser generalizados para outras áreas da Psicologia do desenvolvimento, e as de Berninger, Abbot, Nagy
do Desenvolvimento. Segundo esses autores, as pes- e Carlisle (2010), que utilizaram novas técnicas esta-
quisas nessa área devem seguir 4 etapas: tísticas para analisar estudos sequenciais (“accelerated
1)Estudos longitudinais correlacionais – permi- cohort design”), vêm atender as demandas provocadas
tem confirmar se uma variável contribui para o desen- por esses avanços.
volvimento de outra controlando variáveis estranhas. Os perquisadores da área têm respondido às de-
2)Estudos de intervenção de laboratório – uti- mandas apresentadas buscando metodologias que pos-
lizando o método experimental, podem confirmar a sam se adequar às principais questões levantadas no
relação de causalidade entre habilidades. estudo do desenvolvimento, tornando a Psicologia do
3)Estudos de intervenção no campo – são estu- Desenvolvimento, hoje, uma área de estudo de extrema
dos mais flexíveis em termos dos controles da situação sofisticação metodológica.
experimental. A maior preocupação é com a validade
ecológica dos resultados e sua aplicabilidade a situa- Referências
ções práticas.
4)Estudos de treinamento e capacitação de profis- Baltes, P. (1968). Longitudinal and cross-sectional sequences
sionais – a contribuição da área é discutida com profis- in the study of age generation effects. Human Development,
11 (3), 145-171.
sionais. O objetivo é ajudar os profissionais observados
a incorporar os conhecimentos obtidos pela pesquisa na Biaggio, A. (1978). Psicologia do Desenvolvimento.
sua prática profissional diária. Petrópolis:Vozes.
Dessa forma, os autores consideram que se Berninger, V., Abbott, R., Nagy, W., & Carlisle, J. (2010).
pode combinar os pontos fortes e fracos das pesquisas Growth in Phonological, Orthographic and
Morphological Awareness in Grades 1 to 6. Journal of
quantitativas de laboratório e de campo, oferecendo
Psycholinguist Research, 39, 141–163
um quadro geral do conhecimento da área confirma-
Bradley, L., & Bryant, P. (1983). Categorizing sounds
do nos diferentes contextos de pesquisa. A proposta
and learning to read - a causal connection. Nature, 301,
não é a de se realizar todas as etapas propostas ao 419-521.
mesmo tempo, mas de se organizar um programa de

Mota, M.M.P.E. 148


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 144-149 | julho-dezembro de 2010

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Endereço para correspondência:


Universidade do Estado do Rio de Janeiro
R. São Francisco Xavier, 524, 10º andar - Bloco B -
Sala 10.019
Maracanã - CEP 20550-900 - Rio de Janeiro, RJ
E-mail: [email protected]

Recebido em Julho de 2010


Revisto em Setembro de 2010
Aceito em Outubro de 2010

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Fundamentos Metodológicos da Pesquisa em Análise Experimental do Comportamento

Methodological Principles of Research in Experimental Analysis of Behavior

Saulo Missiaggia VelascoI

Miriam Garcia-MijaresI

Gerson Yukio TomanariI

Resumo
O método de pesquisa tendo o sujeito como seu próprio controle é uma das marcas da Análise Experimental do
Comportamento. Os modos como o analista do comportamento formula perguntas, mensura comportamentos, realiza
comparações experimentais, analisa dados e deriva conclusões são relativamente distintos dos métodos praticados em outros
campos da Psicologia. O objetivo deste trabalho é apresentar introdutoriamente as principais características desse modo
peculiar de investigação científica, explicitando as relações que suas estratégias e táticas mantêm com um conjunto de
concepções filosófico-conceituais acerca da natureza de seu objeto de estudo, ou seja, o comportamento dos organismos.
Palavras-chave: Behaviorismo; análise experimental do comportamento; métodos de pesquisa; sujeito único.

Abstract
The research method that applies single-subject designs is a hallmark in the Experimental Analysis of Behavior. The ways
behavior analysts state their questions, measure behavior, perform experimental comparisons, analyze data and derive
conclusions are relatively distinct from the methods applied in other fields of Psychology. The goal of the current paper is to
summarize the main features of this peculiar strategy of scientific research, as well as to make explicit the relationships that
their strategies and tactics maintain with a set of theoretical conceptions regarding the nature of its object of investigation,
that is, the behavior of the organisms.
Keywords: Behaviorism; experimental analysis of behavior; research methods; single-subject design.

I
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo

Os métodos de pesquisa da Análise Experimental quisa em Análise Experimental do Comportamento se


do Comportamento, os quais se apóiam em uma filosofia caracteriza, primordialmente, por empregar os denomi-
da ciência denominada Behaviorismo Radical (Skinner, nados procedimentos operante-livres . Quando Skinner
1945; 1974), refletem a concepção de que o comporta- fundou seu programa de pesquisa, na terceira década
mento deve ser tomado como um objeto de estudo por ele do século passado, procedimentos operante-livres se
mesmo. Esse compromisso com o estudo direto do com- diferenciaram dos procedimentos de tentativas discre-
portamento é acompanhado por uma convicção de que tas que, então, vigoravam na Psicologia (Perone, 1991;
suas variáveis controladoras devem ser buscadas no am- Skinner, 1938).
biente em que o indivíduo se comporta (Baron & Perone, Procedimentos operante-livres são aqueles que per-
1998). Tal convicção, por sua vez, compele o analista do mitem que o sujeito se comporte a qualquer momento
comportamento a formular perguntas experimentais acer- durante a sessão experimental, sem sofrer restrições do
ca dos efeitos da manipulação de variáveis ambientais ou equipamento ou do experimentador (Ferster, 1953).
estímulos (as variáveis independentes) sobre mudanças no Ou seja, o sujeito tem acesso contínuo ao manipulan-
comportamento (a variável dependente). do, podendo responder livremente a qualquer momento.
Exemplos de manipulandos comumente usados em pes-
Procedimentos Operante-Livres e Procedimentos quisas comportamentais são alavancas para ratos, discos
de Tentativas Discretas iluminados para pombos, botões e teclas para humanos.
Sem dúvida, mover alavancas, bicar discos e pressionar
Na investigação de relações funcionais entre va- botões são respostas demasiadamente simples, mas é por
riáveis dependentes e independentes, a tradição de pes- essa razão, pela simplicidade e facilidade de mensuração,

Velasco, S.M.; Mijares, M.G & Tomanari, G.Y. 150


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que foram escolhidas. Além disso, para a Análise Experi- ral. Por outro lado, procedimentos de tentativas discretas
mental do Comportamento, a forma ou a topografia da envolvem a noção de que o estudo do comportamento
resposta pode ser pouco relevante no processo de análi- fornece uma medida de processos ou estruturas do orga-
se de relações funcionais, pois diferentes topografias de nismo que não podem ser estudados diretamente (Pero-
resposta podem compartilhar funções semelhantes. Por ne, 1991). Nesse caso, a interrupção do comportamento
exemplo, pedir oralmente ao garçom que traga a conta ou não atrapalharia a análise do processo estudado.
gesticular com as mãos são comportamentos muito dis- Os dois tipos de procedimentos também se dis-
tintos na forma, porém semelhantes na função que am- tinguem quanto ao tratamento dado à variabilidade no
bos exercem. Tecnicamente falando, dizemos que ambos comportamento. De um ponto de vista metodológico,
os comportamentos pertenceriam a uma mesma classe a existência de dados irregulares com o uso de procedi-
de respostas. Outra característica marcante dos procedi- mentos operante-livres é atribuída a variáveis externas
mentos operante-livres é que a taxa de resposta (isto é, não programadas. Portanto, a redução da variabilidade
o número de respostas emitidas por unidade de tempo) é buscada aumentando-se o controle experimental. É
tende a ser utilizada como a medida primordial do com- preciso esclarecer, contudo, que o fato da Análise Ex-
portamento (Skinner, 1969). perimental do Comportamento buscar ordem ou re-
A principal concepção subjacente ao uso de pro- gularidade no seu objeto de estudo não implica que a
cedimentos operante-livres e de taxa de respostas como natureza do comportamento seja estritamente regular.
medida é a de que o comportamento é a relação dinâmica Em outras palavras, a natureza fluida e variável do com-
e contínua do organismo com o ambiente — ambiente portamento, reconhecida em alguns textos skinnerianos
que, por sua vez, exerce uma ação seletiva sobre o com- (e.g., Skinner, 1953; 1989), sempre irá impor limites no
portamento, que então passa a ser chamado de operante controle possível da variabilidade.
ou instrumental (Skinner, 1938; 1953). Portanto, é essa Com relação aos procedimentos de tentativas dis-
relação que dever ser tomada como um objeto de estudo cretas, a redução variabilidade é frequentemente trata-
em si mesma (Sidman, 1960), e a freqüência com que ela da agrupando-se os desempenhos de vários sujeitos em
ocorre ao longo do tempo é uma de suas características médias e realizando-se comparações estatísticas entre
mais gerais e relevantes (Skinner, 1969). Contudo, medi- os grupos de sujeitos expostos às diferentes condições
das auxiliares, como duração e intervalo entre respostas, (i.e., grupo experimental e grupo controle). O objetivo
também têm sido utilizadas para responder a especifici- dessa análise é revelar se as variações entre grupos (dife-
dades de determinadas perguntas experimentais. renças entre as médias dos diferentes grupos) excedem
Com relação aos procedimentos de tentativas dis- as variações intra-grupo (diferenças entre sujeitos de
cretas, estes caracterizam-se por restringir o responder a um mesmo grupo). Nos casos em que a variação entre
momentos isolados de observação, seja tirando o sujeito grupos excede a variação intra-grupo com significância
do equipamento experimental durante os intervalos entre estatística, conclui-se que a variável independente teve
tentativas, seja removendo ou desativando o manipulan- um efeito sobre o comportamento dos sujeitos a ela ex-
do de respostas. Com esse tipo de procedimento, a con- postos (o grupo experimental).
tinuidade natural do comportamento é interrompida e Até princípios do século passado, a pesquisa em
cada resposta é analisada individualmente. Deste modo, Psicologia era dominada pelo delineamento estatístico e
o comportamento não mais pode ser medido em termos pelo estudo de grupo (Matos, 1990). A principal conse-
de taxa de resposta. Em vez disso, empregam-se medi- qüência desse tipo de abordagem é que o agrupamento
das como a porcentagem de tentativas em que a resposta dos dados na forma de desempenhos médios pode obs-
ocorre e a latência de emissão da resposta (Perone, 1991).
curecer exceções no nível individual, de modo que as
A escolha por um dos dois tipos de procedimento médias do grupo podem não corresponder ao desempe-
envolve mais do que uma simples opção metodológica. nho de nenhum indivíduo. Além disso, pesquisadores
Diferentes compromissos estão implícitos em cada um que empregam análises estatísticas devem estar prepara-
deles. A opção por procedimentos operante-livres reflete dos para aceitar a presença de diferenças incontroláveis
a procura de ordem em propriedades dinâmicas do com- entre sujeitos como uma característica invariável de seus
portamento por meio do isolamento e da manipulação experimentos (Baron & Perone, 1998).
de variáveis ambientais ao longo de um contínuo tempo-

Pesquisa em Análise Experimental do Comportamento 151


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 150-155 | julho-dezembro de 2010

Delineamento do Sujeito-Único (O Sujeito comportamento é estável dentro de cada condição é que


como seu Próprio Controle) mudanças estáveis entre condições podem ser atribuídas
às manipulações na variável independente (Baron & Pe-
Em Análise Experimental do Comportamento, a rone, 1998; Perone, 1991).
questão das diferenças entre sujeitos não compromete
a análise de dados. Ao contrário, cada sujeito é tratado Critérios de Estabilidade
como um indivíduo particular, distinto de qualquer ou-
tro. A busca pelos determinantes funcionais do compor- A despeito da variabilidade intrínseca do com-
tamento usando procedimentos operante-livres supõe a portamento, estabilidade é a essência do delineamento
singularidade do fenômeno estudado e, por isso, o uso de sujeito-único. Portanto, uma importante tarefa do
de delineamentos de sujeito-único. Alterações nas re- analista experimental do comportamento é o estabeleci-
gularidades do comportamento em termos de suas pro- mento de critérios aceitáveis para se reconhecer um es-
priedades dinâmicas só podem ser observadas subme- tado como estável. Existem diversas formas de se definir
tendo-se um sujeito de cada vez a diferentes condições critérios de estabilidade, mas todas têm em comum a
experimentais (Matos, 1990). A lógica subjacente a essa tarefa de impor limites sobre a variação sistemática (ten-
tática é a de que o comportamento apresentado em uma dência) e assistemática dos dados. Um estado-estável,
condição A sirva como controle (linha de base) para se portanto, deve ser isento, tanto quanto possível, de ten-
avaliar os efeitos de variáveis introduzidas, retiradas ou dências e variações assistemáticas (Perone, 1991).
modificadas em uma outra condição B (delineamento Tendências podem ser verificadas ou por inspeção
A-B). É a isso que se refere a expressão “usar o sujeito visual de dados dispostos graficamente, observando-se a
como seu próprio controle” e é por isso que Skinner inexistência de aumentos ou diminuições nos valores da
(1966) afirmou que preferia estudar um sujeito por mil variável dependente ao longo de um determinado núme-
horas a estudar mil sujeitos por uma hora. ro de sessões terminais (normalmente, entre 5 e 10), ou
Delineamentos de sujeito-único requerem, portan- ainda pela ausência de inclinação em uma reta traçada
to, que o comportamento de um mesmo indivíduo seja ao longo dos dados de tais sessões. Já o nível de variação
medido contínua e repetidamente ao longo de cada con- assistemática tolerada pode ser definido tanto em termos
dição até que se obtenha um estado-estável, ou seja, até quantitativos (critérios relativos ou absolutos) quanto em
que o comportamento de interesse demonstre variações termos não-quantitativos (critérios de tempo fixo ou de
mínimas de uma observação à outra (Sidman, 1960). inspeção visual). A descrição desses critérios, sumarizada
Só então altera-se a condição em vigor acrescentando- a seguir, encontra-se detalhadamente discutida em Baron
-se, removendo-se ou modificando-se o valor da variável e Perone (1998) e Perone (1991).
independente investigada. Como antes, o sujeito é man- Critérios relativos especificam o nível de variação
tido na nova condição até que um novo estado-estável tolerável em termos da porcentagem máxima de mu-
se estabeleça. Essa tática possibilita a avaliação do efeito dança permitida entre as sessões terminais de uma mes-
completo de cada condição sobre o comportamento do ma condição. Por exemplo, consideram-se as 6 últimas
sujeito (Johnston & Pennypacker, 1993). Além disso, a sessões de uma determinada fase experimental e calcula-
regularidade dos dados ao longo de uma mesma condi- -se a média da taxa de respostas relativa às 3 primeiras
ção é uma importante medida do controle experimental e às 3 últimas sessões, separadamente. A diferença en-
tre estas duas médias é dividida pela média total das 6
alcançado. Quando os dados são pouco estáveis, deve-se
sessões. O comportamento é julgado estável se a razão
continuar buscando formas de aumentar o controle sobre obtida não exceder 5%. Ou seja, a variação média da
as variáveis experimentais e externas a fim de se reduzir taxa de respostas dentro de cada bloco de 3 sessões deve
a variabilidade a um valor mínimo tolerável (i.e., aquele ser suficientemente pequena em relação à média total
que capture tão somente a variação natural do compor- envolvendo todas as 6 sessões.
tamento). Só assim é que medidas obtidas na condição Critérios absolutos estabelecem limites fixos de
controle podem fornecer uma linha de base confiável variação tolerável entre sessões. Por exemplo, tomam-se
para se avaliar o efeito das manipulações realizadas na as 6 sessões finais de uma fase experimental, calcula-se
condição experimental. Em outras palavras, somente se o a mediana da taxa de respostas nas 3 primeiras e nas 3

Velasco, S.M.; Mijares, M.G & Tomanari, G.Y. 152


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últimas sessões e considera-se o comportamento estável muito flexíveis irão tolerar altos níveis de variabilidade
caso não haja uma diferença de mais do que 2 respostas/ incontrolada, os quais poderão obscurecer os efeitos das
min entre as duas medianas. operações experimentais. Por outro lado, critérios mui-
Critérios de tempo fixo estabelecem a duração to- to rígidos poderão nunca ser atingidos, o que também
tal da condição experimental e o tamanho da amostra impedirá a demonstração de relações ordenadas entre as
que será considerada como representativa do estado- variáveis sob investigação.
-estável. Por exemplo, a duração de uma condição pode Em última instância, um critério de estabilida-
ser fixada em 50 sessões e os dados obtidos nas 5 últi- de será adequado se permitir que pesquisadores sele-
mas sessões tomados como representativos do estado- cionem um estado do comportamento que possa ser
-estável. Por um lado, a utilização de critérios de tempo replicado (Sidman, 1960). Considerando que até os
fixo simplifica as decisões que o pesquisador deve to- critérios mais rígidos podem ser atingidos ao acaso, a
mar durante a condução do experimento eliminando-se replicação de condições entre e intra sujeitos é a chave
a necessidade dos cálculos de índices de estabilidade; para a validação de um critério de estabilidade (Baron
por outro, ao se estabelecer uma duração fixa para cada & Perone, 1998; Perone, 1991). O delineamento ex-
condição, exige-se que o pesquisador conheça suficien- perimental de uma investigação trata de como estas
temente o processo comportamental sob investigação e replicações devem ser planejadas.
antecipe as diferenças individuais ajustando o critério
para acomodar os sujeitos mais lentos (Sidman, 1960). Delineamentos Experimentais e Validade
Ainda assim, como não há medidas diretas de tendên- Interna
cias e variações assistemáticas, não há como garantir que
os dados das sessões terminais irão representar, de fato, É preciso mais do que a verificação de variações
um estado-estável. Portanto, no momento da divulga- mínimas entre uma mesma condição e de mudanças
ção do trabalho, é recomendado que o pesquisador de- claras no desempenho quando as condições são altera-
monstre a adequação do critério adotado, descrevendo das para se afirmar a existência de uma relação funcional
os resultados com detalhes suficientes para que o leitor entre as operações experimentais e o comportamento.
possa julgar o nível de estabilidade realmente alcançado. Para se garantir que a manipulação na variável indepen-
Critérios de inspeção visual implicam em avalia-
dente seja a causa das mudanças observadas na variável
ções qualitativas de tendências e variações assistemáticas
dependente, isto é, para atestar a validade interna de um
através do exame de dados organizados graficamente.
Porque depende de critérios nem sempre claramente experimento, é preciso ainda que as mudanças observa-
descritos, Sidman (1960) faz duas recomendações ao se das sejam replicáveis intra-sujeito.
utilizar este método: 1) critério de inspeção visual deve A tática tipicamente utilizada de replicação intra-
ser restrito ao estudo de variáveis que tenham efeitos -sujeito envolve comparações entre conjuntos de da-
óbvios; 2) os investigadores devem divulgar os critérios dos coletados ao longo de pelo menos três condições
usados para julgar a estabilidade dos dados. Além disso, sucessivas, sendo a primeira diferente da segunda e a
os resultados também devem ser descritos detalhada-
terceira semelhante à primeira (delineamento A-B-A).
mente de modo a permitir ao leitor verificar o grau de
estabilidade obtido. Inicialmente, observa-se o comportamento do sujeito
Critérios de estabilidade constituem um elemen- na condição de linha de base A até se obter um estado-
to indispensável do delineamento de sujeito-único e, -estável. Em seguida, impõe-se a condição experimental
certamente, desempenham um papel essencial no grau B (inserindo variáveis em A ou removendo variáveis de
de controle experimental a ser alcançado e na qualida- A). Após um novo estado-estável ser alcançado, retorna-
de dos dados a serem produzidos. Infelizmente, porém, -se à condição A inicial (removendo variáveis anterior-
não há uma receita rígida que determine o melhor cri- mente introduzidas em A ou reinserindo variáveis ante-
tério a ser aplicado em cada caso. A decisão por adotar riormente removidas de A) até que o comportamento
um ou outro critério deve, entretanto, ser pautada no novamente se estabilize. Se a replicação da condição A
conhecimento profundo das variáveis sob investiga- re-estabelecer o padrão comportamental inicialmente
ção e das especificidades dos sujeitos pesquisados. De observado em linha de base, então, as mudanças veri-
qualquer modo, é importante considerar que critérios ficadas na condição B podem ser atribuídas à manipu-

Pesquisa em Análise Experimental do Comportamento 153


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lação da variável independente e não a fatores externos servados simultaneamente até que cada um atinja um
coincidentes que atuaram ao longo da passagem do estado-estável independente. Depois disso, a condição
tempo, da exposição repetida aos procedimentos experi- experimental é imposta sobre cada comportamento
mentais ou de problemas nos instrumentos de coleta de em diferentes momentos do experimento. Caso cada
dados (Perone, 1991). Por promover um retorno à con- comportamento se altere somente depois de entrar em
dição de linha de base após a implementação da condi- contato com a variável independente, supõe-se que tais
ção experimental, esse tipo de delineamento também é mudanças decorreram das manipulações experimentais
conhecido como delineamento de reversão. e não da operação de variáveis externas associadas à pas-
Delineamentos de reversão também podem en- sagem do tempo. Esse tipo de delineamento é usado,
volver a replicação de um número maior de condições, principalmente, em estudos com humanos em situação
como, por exemplo, em um delineamento A-B-A-B. terapêutica, em que, muitas vezes, há impedimentos éti-
Quanto maior o número de condições replicadas, mais cos com relação à reversão do tratamento realizado.
convincentes as evidências de que as mudanças com- Algumas vezes, manipulações experimentais re-
portamentais verificadas se devem às manipulações na querem o arranjo de duas ou mais condições em uma
variável independente, ou seja, maior a validade interna mesma sessão experimental. Nesses casos, empregam-
do experimento. Também é possível comparar mais de -se os chamados delineamentos de elementos múltiplos,
duas condições distintas, sucessivamente, como em um nos quais os efeitos de diferentes variáveis são compa-
delineamento A-B-A-C-A, no qual três diferentes con- rados quase que simultaneamente. Essa tática possui a
dições são comparativamente analisadas; ou, ainda, es- vantagem de equalizar os efeitos de variáveis indesejá-
tudar os efeitos combinados de duas ou mais variáveis, veis ao longo das múltiplas condições analisadas. Mas,
como em um delineamento A-AB-A, no qual se avalia a por outro lado, deve-se considerar a possibilidade de
interação entre as condições A e B. que ocorram interações entre os diferentes elementos
Os chamados delineamentos paramétricos per- analisados simultaneamente.
mitem comparar diversos níveis quantitativos de uma
mesma variável independente. Nesse caso, os diferentes Validade Externa
valores da variável independente são impostos, ao longo
de sucessivas condições experimentais, em ordem ascen- Apesar do que pode sugerir o nome “sujeito-
dente, descendente ou irregular. Replicações das condi- -único”, pesquisas em Análise Experimental do Com-
ções em diferentes seqüências informam se os diferentes portamento raramente empregam apenas um sujeito. O
resultados devem-se às manipulações paramétricas da termo “único” se refere à unidade de análise considera-
variável independente ou se dependem da seqüência es- da, o comportamento do indivíduo, e não ao número
pecífica programada, ou mesmo de fatores associados de sujeitos pesquisados, o tamanho da amostra (Perone,
à passagem do tempo. Quando a replicação de muitas 1991). Vários sujeitos podem ser expostos às mesmas
condições em uma seqüência variada se mostra impra- condições experimentais e até mesmo a variações dessas
ticável, a validade interna de um estudo paramétrico condições, mas o importante é que seus dados sejam
pode ser verificada replicando-se pelo menos uma das tratados individualmente. Na verdade, é a replicação
condições em uma fase do experimento temporalmente dos dados em diferentes sujeitos e sob diferentes con-
distante de sua primeira implementação. Finalmente, dições que fornece representatividade e generalidade às
para minimizar os efeitos de uma condição experimen- conclusões de um estudo; em outras palavras, que atesta
tal sobre outra, pode-se introduzir uma mesma condi- sua validade externa.
ção de linha de base entre os diferentes níveis de mani- Sidman (1960) apontou duas formas de repli-
pulação da variável independente. cação entre sujeitos que promovem a validação exter-
Os delineamentos de reversão assumem, natu- na de um estudo. A primeira, chamada de replicação
ralmente, que as mudanças comportamentais imple- direta, envolve a repetição de um experimento com
mentadas são reversíveis. Delineamentos de linha de novos sujeitos, mantendo-se estáveis os procedimen-
base múltipla, por outro lado, permitem a avaliação tos e parâmetros do experimento original. A segunda,
de efeitos comportamentais irreversíveis. Nesse tipo de chamada de replicação sistemática, refere-se à repli-
delineamento, dois ou mais comportamentos são ob- cação de uma relação funcional sob circunstâncias

Velasco, S.M.; Mijares, M.G & Tomanari, G.Y. 154


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que diferem daquelas em que a relação foi original- Referências


mente observada. Esse tipo de replicação pode envol-
ver tanto mudanças nas condições experimentais, nos Baron, A., & Perone, M. (1998). Experimental design and
analysis in the laboratory study of human operant behavior. In
equipamentos, nas variáveis dependentes e indepen- K. A. Lattal & M. Perone (Eds.), Handbook of research methods
dentes, quanto o emprego de diferentes populações in human operant behavior (pp. 45-91). New York: Plenum.
ou espécies de sujeitos. Ferster, C. B. (1953). The use of the free operant in the
analysis of behavior. Psychological Bulletin, 50, 263-274.
Johnston, J. M., & Pennypacker, H. S. (1993). Readings
Considerações Finais for strategies and tactics of behavioral research (2nd ed.).
Hillsdale, NJ: Erlbaum.
O conjunto de estratégias e táticas que caracteri- Matos, M. A. (1990). Controle experimental e controle
estatístico: A filosofia do caso único na pesquisa
zam o método de investigação da Análise Experimental comportamental. Ciência e Cultura, 42, 585-592.
do Comportamento reflete uma clara preocupação com Perone, M. (1991) Experimental design in the analysis of free-
o estudo científico do comportamento. O método de operant behavior. In I. H. Iversen & K. A. Lattal (Eds.),
Experimental analysis of behavior, Part I (pp. 135-171).
tratamento e análise de dados, caracterizado por pro- Amsterdam: Elsevier.
cedimentos operante-livres, dispõe unidades comporta- Sidman, M. (1960). Tactics of scientific research: Evaluating
experimental data in psychology. New York: Basic Books.
mentais (classes de respostas) e ambientais (classes de
Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms: An
estímulos) na seqüência temporal em que ocorrem, per- experimental analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
mitindo a visualização de relações ordenadas entre tais Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological
unidades. Esse tipo de abordagem permite uma análi- terms. Psychological Review, 52, 270-277.
se da relação dinâmica que o comportamento mantém Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York:
Macmillan.
com o ambiente e só pode ser levada a cabo delineando-
Skinner, B. F. (1966). Operant behavior. In W. K. Honig (Ed.),
-se comparações entre condições experimentais tendo o Operant research: Areas of research and application (pp. 12-
sujeito como o seu próprio controle. 32). New York: Appleton-Century-Crofts.
O controle experimental sobre as variáveis in- Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement: A
theoretical analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
dependentes e externas é verificado pela ausência de
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Knopf.
tendências e variações assistemáticas ao longo de cada
Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior.
condição (estado-estável), o que permite avaliar o efeito Columbus, Ohio: Merrill.
de cada uma delas sobre o comportamento. Decisões
sobre estabilidade são baseadas em critérios que estabe-
Endereço para correspondência:
lecem os limites de variação sistemática e assistemática
tolerados ao longo de uma mesma condição. Evidên- Gerson Yukio Tomanari
cias convincentes de que as mudanças verificadas no Instituto de Psicologia, USP
comportamento são, de fato, função das manipulações Av. Prof. Mello Moraes, 1721
na variável independente (validade interna) requerem, São Paulo, SP 05508-030
portanto, variações mínimas em uma mesma condição, E-mail: [email protected]
mudanças sistemáticas ao longo de diferentes condi-
ções, além de replicações de condições em um mesmo
sujeito. Um vez que cada indivíduo é exposto a diversos Recebido em Julho de 2010
níveis da variável independente, somente replicações Revisto em Setembro de 2010
permitem dissociar seus efeitos daqueles exercidos por
Aceito em Outubro de 2010
variáveis externas relacionadas à passagem do tempo ou
a repetidas exposições ao procedimento. Finalmente, a
busca por reproduzir as relações funcionais observadas
em diferentes indivíduos e populações, sob diferentes
condições experimentais e com diferentes classes de res-
postas, permite que se acesse a generalidade dos dados
produzidos atestando a validade externa do estudo.

Pesquisa em Análise Experimental do Comportamento 155


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O Experimento na Psicologia Social: Sobre a Pesquisa Experimental em um Meio Relativista

Experimental Method in Social Psychology: On Experimental Research in a Relativistic Milieu

Marcos Emanoel PereiraI

Resumo
A pesquisa experimental não é adotada pelos psicólogos brasileiros na mesma proporção em que é utilizada nas pesquisas
conduzidas em outros contextos geográficos. Com base nesta premissa, procura-se identificar as razões e as justificativas deste
relativo desinteresse pela metodologia experimental em determinados contextos. Discutem-se as diferenças entre a pesquisa
experimental e a não experimental, levando-se em consideração os compromissos adotados pelos pesquisadores que acolhem
a estas diferentes modalidades de investigação. Posteriormente são apresentados os principais argumentos relativistas contra a
adoção da pesquisa experimental e as respostas apresentadas pelos experimentalistas. Conclui-se que é injustificado defender
a tese de que a psicologia pode prescindir de um método adotado com sucesso em várias outras disciplinas científicas.
Palavras-chave: Experimento; psicologia social; relativismo; realismo crítico.

Abstract
Experimental research is not adopted by Brazilian social psychologists in the same proportion as it is used in other geographical
contexts. Based on this premise, this paper intends to identify why experimental method is neglected in some contexts. It
discusses the differences between the experimental and non-experimental research, taking into account the commitments
adopted by researchers with different research backgrounds. We present some relativist arguments against the experimental
research in social psychology and the replies given by experimentalists. The conclusion of this paper is that it seems unreasonable
to defend the thesis that psychology can abandon a method widely adopted in other scientific disciplines.
Keywords: Experiment; social psychology; relativism; critical realism.

I
Universidade Federal da Bahia

Afora alguns grupos facilmente localizáveis e ção aos métodos experimentais não deixa de ser um
quase sempre subordinados a determinadas linhas de tanto paradoxal, quando nada por se considerar que
pesquisa de uns poucos programas de pós-graduação, desde muito cedo o estudante associa o surgimento da
o uso da pesquisa experimental na psicologia social psicologia científica à criação do laboratório de psico-
parece ser bastante incipiente em nosso meio. Se esta logia experimental por Wilhelm Wundt, em Leipzig,
situação fosse a mesma em outros países, esta obser- no ano de 1879.
vação mereceria pouco destaque, mas uma rápida lei- Esta situação, ou pelo menos parte dela, pode
tura nos trabalhos publicados em periódicos como o ser atribuída ao desconhecimento do papel da experi-
Journal of Personality and Social Psychology ou no mentação na pesquisa em psicologia ou mesmo a uma
Personality and Social Psychology Bulletin é suficien- certa falta de compreensão dos princípios que regem a
te para desvanecer esta falsa impressão. A análise dos metodologia experimental. Estas dificuldades parecem
programas ou do livro de resumos de congressos in- se originar em um terreno comum: a falta de clareza
ternacionais de grande porte, tais como o Internatio- a respeito dos fundamentos ontológicos e epistemoló-
nal Congress of Psychology, reforça a impressão de gicos da psicologia social. Tentaremos identificar, no
que os conteúdos oferecidos em sala de aula durante presente ensaio, a origem destas dificuldades, assim
os cursos de graduação em psicologia ou mesmo as como indicar as suas possíveis repercussões no desen-
pesquisas desenvolvidas pela maior parte dos psicólo- volvimento da psicologia, para, finalmente, sugerir
gos sociais brasileiros guardam uma correspondência uma interpretação alternativa que permita tratar com
muito tênue, se guardam alguma, com tópicos, temas mais precisão os problemas suscitados por este enten-
ou com as tradições teóricas desenvolvidas em outros dimento indevido do lugar da pesquisa experimental,
contextos geográficos. Este distanciamento em rela- ou mesmo da pesquisa empírica, na psicologia social.

Pereira, M.E. 156


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Pesquisa Experimental e Não-Experimental não-contingenciais entre duas ou mais variáveis, o


compromisso fundamental assumido no presente caso
Todo e qualquer pesquisador assume um conjun- é com o controle da variância de erro, que se obtém,
to de compromissos, que embora poucas vezes sejam particularmente, com a adoção de estratégias de alea-
explicitamente apresentados, produzem repercussões torização e mediante a identificação da probabilidade
decisivas na maneira pela qual a atividade científica é com que os resultados possam ser explicados por ou-
concebida e desenvolvida. A utilização de uma das três tros fatores que não aqueles para os quais o experimen-
grandes modalidades de obtenção de dados na psicolo- tador inclina o seu interesse.
gia (Coolican, 2004), a experimentação, a observação e Ao exigir que a pesquisa experimental seja regida
o auto-relato, impõe a adesão a compromissos distintos pelo compromisso com o rigor e o controle metodoló-
implícita ou explicitamente assumidos por parte do pes- gico e, ao mesmo tempo, com o realismo das variáveis
quisador (Kish, 1987). e com a representatividade das amostras, o pesquisador
Ao adotar o método de auto-relato como o ca- cobra da pesquisa experimental mais do que ela se dis-
minho preferencial para a obtenção de dados empí- põe a oferecer. Esta crítica ao método experimental é
ricos, o pesquisador adere ao entendimento de que inócua e como tal não demanda respostas adicionais, a
mediante a instauração de um dispositivo dialógico não ser insinuar que os desenhos experimentais de pes-
é possível adentrar no universo conceitual do inter- quisa se preocupam mais com a validade interna do que
locutor e, conseqüentemente, circunscrever o sentido com a validade externa (Campbell & Stanley, 1979)
das ações humanas através de uma relação usualmente e que devem ser interpretados à luz das preocupações
denominada intersubjetiva. Uma modalidade usual de com a decomposição da variância total nas variâncias
auto-relato é a pesquisa de survey e o compromisso sistemáticas primária e secundária e na variância de erro
adotado pelo pesquisador que adere a esta modalidade (Balluerka & Vergara, 2002)
de método é com o princípio da representatividade das Não é incomum ouvir de muitos psicólogos so-
amostras, sendo perfeitamente natural afirmar que a ciais clamores sobre a ausência de validade ecológica
principal preocupação metodológica deste tipo de pes- dos estudos experimentais. Esta crítica se fundamenta,
quisa se volta para a identificação das condições nas na maior parte das vezes, em um entendimento inde-
quais os achados obtidos com amostras de dimensões vido não apenas sobre o que é o método experimen-
reduzidas possam ser generalizados para a população tal, como também numa concepção errônea a respeito
da qual as amostras foram extraídas. dos princípios ontológicos que orientam a pesquisa na
Se a pesquisa de auto-relato é regida pelo com- psicologia social. Neste particular, nos parece que os
promisso com a representatividade amostral, o pesqui- psicólogos desconsideram as pertinentes admoestações
sador que adere à pesquisa observacional estabelece um sustentadas pelo filósofo Ray Bhaskar a respeito da
compromisso com o princípio do realismo das variáveis. distinção entre duas dimensões essenciais a serem con-
Ao delinear o seu estudo mediante a adoção de métodos sideradas em qualquer empreendimento científico. A
observacionais, o pesquisador se obriga a aceitar a tese dimensão intransitiva se refere às proposições a respei-
de que determinados objetos estão presentes no mundo to do mundo e das coisas nele encontradas, enquanto
natural, a concordar que estes podem ser ostensivamen- a dimensão transitiva se volta para o esclarecimento
te identificados e reconhecidos e, ademais, assume que das estratégias e procedimentos adotados pelos pesqui-
é possível esclarecer as relações porventura existentes sadores para o estudo do mundo real e dos objetos e
entre estes objetos. eventos nele situados.
O compromisso assumido pelo pesquisador que A dimensão intransitiva se assenta na suposição
adota a experimentação não é prioritariamente nem de que é essencial estabelecer a separação entre o mundo
com o realismo das variáveis, característico da pesqui- das aparências e uma série de mecanismos, cuja pro-
sa observacional, nem com a representatividade das va de existência é difícil de ser estabelecida, mas cujos
amostras, característico da investigação conduzida me- efeitos justificam e devem ser necessariamente incluídos
diante o uso de surveys. Uma vez que a experimenta- em qualquer tentativa de explicação dos eventos que
ção envolve a manipulação de determinados aspectos ocorrem no mundo físico e social. Esta distinção en-
do mundo real com o intuito de identificar as relações tre o mundo fenomenal e o dos mecanismos impõe a

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concepção de que a realidade deve ser apreendida em A Emergência de um Sistema de Crenças


diferentes níveis, o que configura uma concepção estra- Relativistas
tificada a respeito do mundo real, bem como dos entes
e eventos que nele se manifestam. Um primeiro nível O fato do mundo real não ser diretamente inaces-
pode ser denominado empírico e corresponde à experi- sível não significa que o conhecimento objetivo deva ser
ência ordinária das pessoas. Ainda que seja o plano ao definido com uma impossibilidade. O empirismo, uma
qual as pessoas atribuem sentido aos eventos nos quais tese epistemológica relativamente antiga, sugere que a
estão envolvidos e que isto seja imperativo nas crenças objetividade é possível, tanto no que se refere à dimensão
que as pessoas acolhem acerca de si mesmas, dos outros lingüística, ao aceitar que uma entidade descritiva deve
e dos acontecimentos que ocorrem no dia a dia, qual- ter as propriedades a ela atribuídas na descrição, quanto
quer concepção de ciência que adote como objetivo úl- no que diz respeito à dimensão epistêmica, ao assegurar
timo obter o conhecimento deste nível de realidade en- que a verdade ou a falsidade de um enunciado pode ser
contra-se irremediavelmente condenada à esterilidade, avaliada de forma racional ou empírica. A modalidade de
pois jamais chegará a alcançar a inteligibilidade plena empirismo mais próxima dos pesquisadores da psicolo-
dos mecanismos explanatórios que regem a explicação gia social é o metodológico, cujo principal fundamento
dos fenômenos sociais. reside na crença de que as teorias e hipóteses científicas
O nível do real, por sua vez, se refere aos mecanis- devem ser submetidas a algum tipo de avaliação empíri-
mos inacessíveis à experiência ordinária a serem iden- ca. Em contraposição aos relativistas, que rejeitam tanto
tificados pelo cientista e que devem ser considerados a objetividade lingüística quanto a epistêmica, os empi-
na explicação dos fenômenos, comportamentos e ações ristas aceitam esta alternativa, embora restrinjam a possi-
sociais. Duas formas de realismo são particularmente bilidade de se aceder a um conhecimento objetivo apenas
importantes no presente caso, o realismo perceptual, nas circunstâncias em que os constructos teóricos possam
que nos assegura a existência dos objetos no espaço e no ser operacionalmente definidos. O realismo é uma posi-
tempo de forma independente de nossa experiência per- ção um pouco mais sutil, pois embora acolha a tese de
ceptual, e o realismo científico, que nos assegura que a que a tanto a objetividade lingüística quanto a epistêmica
atividade dos objetos de inquérito científico independe possam ser alcançadas, não se dispõe a aceitar a tese de
dos esforços conduzidos pelo pesquisador para estudá- que os constructos teóricos devam ser operacionalmente
-los (Bhaskar, 1987). definidos (Greenwood, 1994).
Um terceiro nível representa uma tentativa de Os argumentos relativistas podem ser interpre-
estabelecer uma ponte entre o ordinário da experiência tados, antes de tudo, como uma crítica aos princípios
cotidiana e a inacessibilidade do plano do real. Ele é do empirismo, em particular, a uma forma particular
denominado por Bhaskar pelo termo em língua ingle- pela qual o empirismo se exprimiu no final do século
sa ‘actual´ e se refere a um fluxo de acontecimentos, XIX e início do século XX, o positivismo. A origem
geralmente produzido em condições artificiais, desti- cultural do relativismo, de acordo com Bunge (1999)
nado a isolar e avaliar os mecanismos que se mani- pode ser interpretada como uma reação apressada a
festam no nível do real. Deste modo, se um experi- dois fenômenos sociais, um de natureza histórica, o re-
mento pode ser considerado como uma modalidade conhecimento de que vivemos em um mundo marca-
de interação social, é importante assinalar que se trata do pela variedade de culturas e, conseqüentemente, de
de uma interação que ocorre no plano do actual, não distintas pautas comportamentais e o segundo, de na-
no nível da experiência ordinária cotidiana. Torna-se tureza epistêmica, o reconhecimento de que vivemos
pertinente, portanto, estabelecer uma distinção entre em um contexto no qual impera uma enorme mul-
a pesquisa experimental entendida como cenários cria- tiplicidade de opiniões a respeito de um mesmo fato
dos pelo pesquisador neste nível factual de realidade e ou evento. Este duplo contexto favorece o desenvol-
a pesquisa ex post facto, que representa uma tentativa vimento da crença relativista de que as circunstâncias
de observar ostensivamente ou obter registros do pla- sociais e os interesses dos grupos sociais determinam,
no empírico ordinário com a finalidade de identificar ou mesmo constituem, o conhecimento. A aceitação
retrospectivamente os mecanismos explanatórios en- deste argumento é compatível, portanto, com a tese
contrados no plano do real. relativista de que o conhecimento universal é inviável

Pereira, M.E. 158


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e de que qualquer modalidade de conhecimento é li- nas suas linhas gerais, se referem ao impacto dos fatores
mitada pelas nuances do local e da época em que ele sociais no setting experimental, em especial, a tese de
foi enunciado. que intrusores de diversas ordens impossibilitam a in-
A dificuldade de aceder a um conhecimento ob- terpretação dos dados obtidos em qualquer experimen-
jetivo não seria limitada apenas por esta dispersão his- to psicológico, sugerindo-se, adicionalmente, que os
tórica e geográfica, uma vez que esta tese se desdobra resultados obtidos nos experimentos psicossociais são
em um segundo argumento relativista: se os espaços por demais sensíveis aos valores e convenções culturais
são múltiplos e a quantidade de observadores que se para que possam ser levados a sério.
dispõem a elaborar algum conhecimento deste mundo Estes argumentos relativistas contra a experimen-
é ilimitada, existem tantas realidades quanto o número tação na psicologia social podem ser assim enunciados:
de observadores, uma vez que a realidade não passa a) dado que o experimento é o paradigma fun-
de uma construção elaborada por um observador para damental para a obtenção da objetividade nas discipli-
um outro. A formulação mais extremada deste rela- nas científicas, a crítica ao experimento representa uma
tivismo é a tese solipsista de que apenas o indivíduo crítica a toda e qualquer pretensão de se aceder a uma
subsiste, já que se ele se relaciona apenas com os seus psicologia social objetiva;
próprios constructos, pois se a sua realidade é única, b) uma vez que todo e qualquer conhecimento
ele não se encontra em condições de compartilhá-la ou é determinado pelo local e pelo tempo, é impossível
mesmo comunicá-la aos demais. postular qualquer lei psicológica universal;
Estas idéias, embora distintas entre si, estão rela- c) como existe sempre uma teoria prévia que pre-
cionadas e oferecem o substrato intelectual requerido cede aos dados, qualquer forma de observação neutra
para a emergência de um sistema de crenças epistemoló- está fora de possibilidade; e
gicas acolhido pelos defensores da concepção relativista, d) como é impossível generalizar a partir dos da-
cujos fundamentos se sustentam em duas idéias básicas, dos obtidos em laboratório, os resultados dos estudos
a rejeição da possibilidade de objetividade científica e experimentais retratam evidências artificiais, desconec-
a adesão a uma concepção relativista da verdade. Este tadas de qualquer vínculo com a realidade concreta.
sistema relativista se expressa de diferentes formas e na
próxima seção discutiremos a forma particular pelas
Respostas aos Argumentos Relativistas
quais estas crenças se manifestam nas discussões sobre a

o papel da experimentação na psicologia social.
Os argumentos relativistas contra a experimen-
tação são inapropriados por desconsiderarem que o
Os Argumentos Relativistas Contra a método experimental é delineado de tal forma que a
Experimentação na Psicologia Social sua estrutura lógica impede os fatores sociais usual-
mente mencionados como capazes de comprometer as
Publicado há alguns anos no periódico New Ide- evidências empíricas – experimentador, participante
as in Psychology, o artigo de Siu L Chow, “Em defe- e demanda – tenham os seus efeitos minimizados. O
sa dos dados experimentais em um meio relativista” quadro 1, adaptado a partir do artigo supracitado de
(In defense of experimental data in relativistic milieu) Chow ajuda a entender as razões pelas quais as críticas
apresenta uma série de reflexões que gostaríamos de relativistas à experimentação na psicologia social são
retomar no presente artigo. infundadas. Nele estão apresentados os elementos fun-
O artigo de Chow (2005) se preocupa em res- damentais da teoria da ameaça dos estereótipos, um
ponder a algumas críticas aos dados obtidos mediante programa de pesquisa desenvolvido em meados dos
a adoção dos métodos experimentais. Estas críticas, anos 90, cujo objetivo central foi o de submeter a teste
embora genéricas, estão fortemente associadas ao tra- empírico a hipótese de que a redução do desempenho
balho de dois teóricos, Kurt Danzinger e Kenneth em indivíduos afiliados a grupos sociais estereotipados
Gergen, representativos de uma tradição relativista deveria ser explicada pelo impacto das ameaças situa-
que procura desqualificar a importância da experimen- cionais e não pela cronificação da ansiedade interna-
tação como um caminho possível da construção do co- lizada (Brown & Pinel, 2003; Rosenthal & Jacobson,
nhecimento na área da psicologia. Estes argumentos, 1968; Steele, 1995, 1997).

O Experimento na Psicologia Social 159


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Quadro 1. Representação esquemática das relações entre o fenômeno a ser explicado, a teoria,
as expectativas experimentais e os dados que oferecem suporte empírico à teoria

Em relação ao argumento a), este parece um pou- tividade. Aqui o problema parece se originar em uma
co despropositado, pois nem toda a psicologia social é certa confusão entre o objeto de pesquisa e os recursos
conduzida de acordo com os métodos experimentais. A disponíveis pelo pesquisador para a condução dos estu-
leitura de manuais de psicologia social e metodologia dos empiricamente fundamentados, em particular em
indica claramente um predomínio dos métodos expe- relação aos tipos de fenômenos que podem ser subme-
rimentais, embora isto não signifique a supressão dos tidos à investigação psicossocial. Alguns destes fenôme-
demais métodos de pesquisa (Manstead & Hewstone, nos são claramente refratários a qualquer tipo de abor-
1996; Reis & Judd, 2000). Esta crítica , incide, sobre- dagem experimental, como por exemplo, a experiência
tudo, sobre a possibilidade da condução de pesquisas fenomenológica; outros fenômenos, no entanto, tais
psicológicas regidas pelo princípio epistêmico da obje- como os automatismos, as heurísticas, as distintas for-

Pereira, M.E. 160


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mas de julgamento social ou a ativação dos estereótipos submetido, na presença de pessoas brancas, a um teste
têm sido estudados com um grau razoável de sucesso. intelectual com alto grau de dificuldade, mas sim o
A crítica apresentada na proposição b) pode ser de submeter à prova o efeito de um hipotético meca-
contestada a partir da diferenciação anteriormente es- nismo teórico, a ameaça dos estereótipos, na redução
tabelecida entre a dimensão intransitiva e a dimensão do desempenho. O mecanismo hipotético, enquanto
transitiva do conhecimento. De fato, se o conhecimen- tal, não pode ser observado e nem mesmo submetido
to é transitivo, ele reflete as circunstâncias históricas, a teste, pois apenas as implicações decorrentes do im-
sociais ou geográficas que lhes deram origem. O fenô- pacto deste mecanismo no desempenho o que podem
meno psicológico, por sua vez, situa-se no domínio do ser submetidas à avaliação empírica. Assim, se a croni-
real e como tal é regido por mecanismos que escapam ficação da ansiedade for o mecanismo responsável pela
a estas influências. Desta forma, o interesse pelo estu- redução do desempenho, este ocorrerá em qualquer
do da ameaça dos estereótipos pode ser interpretado domínio; se, ao contrário, esta redução for decorrente
como o resultado de um conjunto de influências, cujas da ameaça dos estereótipos, este déficit no desempe-
origens históricas e culturais podem ser facilmente nho ocorrerá exclusivamente nas tarefas relacionadas
identificadas. Ademais, pressões sociais e políticas são com o domínio das crenças estereotipadas.
responsáveis pela assunção de movimento voltado para A tarefa experimental, por sua vez, não deve ser
inverter a prioridade no campo de estudo dos estere- interpretada como a reprodução no microcosmo do la-
ótipos, com uma acentuada preocupação com o estu- boratório de fenômenos que ocorrem em uma escala
do deste fenômeno desde a perspectiva do alvo, em mais ampla; ao contrário, para que sejam asseguradas
contraposição à corrente principal dedicada ao estudo as condições que permitam um acréscimo na intensi-
deste fenômeno segundo a perspectiva do percebedor. dade do efeito da variável independente, o controle da
Isto não significa, no entanto, que este fenômeno não variância de erro sistemática e a minimização do erro
tenha um caráter de universalidade. A tese central é a aleatório (Kerlinger, 1986), o setting experimental deve
de que onde quer que existam grupos alvos de crenças ser forçosamente artificial, o que se consegue, no caso,
socialmente estereotipadas, o desempenho das pessoas mediante a implementação de um desenho fatorial rela-
que pertencem a estes grupos ao realizar alguma ativi- tivamente simples através do qual participantes brancos
dade relacionada com a crença estereotipada sofrerá al- e negros são alocados a diferentes grupos experimentais
gum tipo de impacto. De fato, uma série de evidências com a finalidade de que os seus desempenhos sejam ava-
empíricas demonstra que este fenômeno é recorrente liados quando submetidos ou não à condição de ame-
e que pode ser cientificamente replicado, em vários aça dos estereótipos. Este desempenho representa, por
contextos e nos vários domínios (Ambady, Shih, Kim sua vez, a identidade de resposta, ou seja, as respostas
& Pittinsky, 2001; Aronson, Lustina, Good, Keou- para uma série de problemas intelectuais, que geram um
gh, Steele & Brown, 1998; Spencer, Steele & Quinn, escore corrigido, adotado como critério para definir o
1999; Steele, James & Barnett, 2002). Em suma, a padrão de desempenho dos participantes alocados aos
crítica apresentada em b) não procede, pois ainda diferentes grupos experimentais.
que a construção do conhecimento seja uma empresa A identidade de resposta serve, portanto, como
marcada pela dimensão da transitividade, o fenômeno, critério para avaliar as prescrições teóricas, ou seja, as hi-
enquanto tal, por envolver mecanismos psicológicos póteses submetidas ao teste empírico. A hipótese da cro-
ainda distantes de serem decifrados, é intransitivo, e nificação da ansiedade prescreve que um desempenho
independe do contexto no qual ele se manifesta. inferior dos participantes negros em relação aos bran-
Em relação à proposição c), é imperativo sus- cos, independente da ameaça dos estereótipos, ou seja,
tentar a tese de que a interpretação dos dados experi- determina que ela se manifestará de forma transversal a
mentais não é determinada pelos fatores sociais, como, todo e qualquer domínio de conhecimento. A prescri-
por exemplo, o efeito de demanda, do participante ou ção da hipótese da ameaça dos estereótipos é mais pon-
do experimentador. Os elementos encontrados no tual, pois aposta que a redução do desempenho ocorrerá
quadro 1 deixam claro que o objetivo do experimento exclusivamente entre os participantes negros alocados
não é simplesmente investigar um fenômeno, no caso, à condição de ameaça dos estereótipos. As evidências
a redução do desempenho de pessoas negras quando experimentais, avaliadas mediante um teste estatístico

O Experimento na Psicologia Social 161


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apropriado para o tratamento analítico dos dados, no Conclusões


caso, a análise de covariância, não deixa dúvidas sobre o
efeito e permite ao pesquisador assegurar que o desem- Parece pouco plausível defender a tese de que a
penho dos participantes negros foi inferior ao dos bran- psicologia poderia prescindir de um método adotado
cos exclusivamente entre aqueles alocados à condição com sucesso em várias outras disciplinas científicas. A
de ameaça dos estereótipos. A partir destas evidências psicologia social tem se nutrido ao longo de suas dé-
experimentais, o experimento permite concluir que a cadas de desenvolvimento de estudos conduzidos sob
hipótese da cronificação da ansiedade deve ser rejeitada, a égide das metodologias experimental e correlacional.
ao mesmo tempo em que sugere não terem sido encon- O experimento representa um dos compromissos pos-
tradas quaisquer evidências que permitam rejeitar, pelo síveis com o campo de estudos da psicologia social.
menos por ora, a hipótese da ameaça dos estereótipos Com a adoção da metodologia experimental o
que, enquanto tal, sobreviveu ao teste de hipótese. pesquisador se compromete com o realismo, passando
Em relação ao argumento d), é importante assi- a admitir a possibilita de estabelecer algum trânsito
nalar que os experimentos são desenhados para resol- entre a experiência cotidiana e os mecanismos psico-
ver disputas teóricas. Como raramente os fenômenos lógicos e sociais subjacentes, donde a caracterização
psicológicos são objetos de disputa, dificilmente, nos de um experimento como a criação de um espaço ar-
tempos atuais, um experimento psicológico é convo- tificial, preparado e arranjado pelo pesquisador, com
cado para demonstrar ostensivamente a existência de a finalidade de testar hipóteses derivadas das diversas
um fenômeno psicológico. Assim, as evidências de que matrizes teóricas da psicologia social.
algumas categorias sociais estão sujeitas a um desem- Este domínio da realidade é criado pelo pesqui-
penho insatisfatório em certos domínios do conheci- sador com a finalidade de preparar, ativar e modificar
mento estão firmemente estabelecidas. O que está em o estado de entes1 e eventos2 , de expressão real ou
disputa é o valor das hipóteses explicativas, particular- virtual. As respostas dos participantes a estas modifica-
mente as hipóteses que se referem a mecanismos hipo- ções de estados são registradas e submetidas a análises,
téticos não-observáveis (Blascovich, Spencer, Quinn & conduzidas de acordo com a lógica do raciocínio indu-
Steele, 2001; Inzlicht, M. & Ben-Zeev, 2000; Leyens, tivo. Mediante a análise das variâncias concomitantes
Désert, Croizet & Darcis, 2000; McIntire, Paulson na expressão é possível estabelecer identificar relações
& Lord, 2003; O’Brien & Crandall, 2003; Osborne, não-contingenciais entre as variáveis, ou seja, relações
2001; Sekaquaptewa & Thompson, 2003; Smith & que não podem ser explicados pela mera flutuação
White, 2001). Deste modo, um experimento deve ser amostral. Uma evidência experimental, portanto, é
interpretado como um evento criado pelo pesquisador o resultado da ativação de um certo princípio orga-
com a finalidade de submeter à prova teorias psico- nizador. Um experimento não pode ser qualificado,
lógicas e não para colocar à prova o fenômeno em si
mesmo. A preocupação com a validade ecológica não é
1 A discussão acerca da existência real de entes sociais como multidões
um compromisso fundamental; interessa, sobretudo, a ou a mente grupal é um assunto controverso, porém marcante na origem
objetividade e o rigor metodológico, obtido mediante da psicologia social, mas que parece ter arrefecido com o passar dos anos.
Recentemente, graças aos trabalhos desenvolvidos sob a égide do conceito
a instauração de um dispositivo pelo qual seja possível de entitatividade, o assunto tem despertado um amplo interesse, sendo
postular uma observação descomprometida, ainda que possível destacar quatro tipos de entes, candidatos a objeto de estudo da
psicologia social: os agregados (loose groups), as categorias sociais, os gru-
dependente de uma teoria. Isto é possível apenas nas pos orientados para a tarefa e os grupos de intimidade (Denson, Lickel,
circunstâncias em que se estabeleça uma distinção en- Curtis, Stenstrom & Ames, 2006; Lickel, Hamilton & Sherman, 2001;
Lickel, Hamilton, Wieczorcowska, Lewis, Sherman & Uhles, 2000).
tre uma observação inicial e uma observação evidencial
e entre uma hipótese particular a ser corroborada e uma 2 A principal contribuição para o estudo dos eventos psicossociais está
teoria geral que ofereça o substrato para a corroboração subordinada à teoria folk da explicação do comportamento social, de-
senvolvida por Bertram Malle. Esta teoria postula quatro tipos de even-
ou não da própria teoria a partir da identidade, ou seja, tos passíveis de explicação, as ações, que seriam intencionais e observá-
daquilo que é colocado em evidência pelas respostas veis, os comportamentos , que seriam não-intencionais e observáveis, os
pensamentos intencionais, que seriam intencionais e não-observáveis e,
dos participantes. por fim, as experiências, que seriam não-intencionais e não-observáveis
(Malle, 1999; 2006)

Pereira, M.E. 162


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 156-164 | julho-dezembro de 2010

estritamente falando, como um fenômeno social. Para problem-solving deficits in the presence of males.
Psychological Science, 11, 365-371
ser mais preciso, ele o é, à sua maneira, embora não se
confunda, em qualquer instância, com os fenômenos Reis, H., & Judd, C. (2000). Handbook of research
methods in social and personality psycholog y. Cambridge:
que se manifestam na experiência cotidiana. Ele deve Cambridge Press.
ser interpretado como um espaço artificial engendrado Kerlinger, F. (1986). Foundations of behavioral research. New
e preparado pelo pesquisador e a sua importância na York: Holt, Rinehart e Winston.
pesquisa na psicologia social deve ser destacada, pois Kish, L. (1987). Statistical design for research. New York:
apenas ele permite o estabelecimento de algum tipo de Wiley.
relação de correspondência entre os fenômenos que se Leyens, J-P., Désert, M., Croizet, J-C., & Darcis, C. (2000).
manifestam durante a experiência ordinária e os meca- Stereotype threat: are lower status and story of stigmatiation
preconditions of stereotype threat? Personality and Social
nismos reais que de forma implícita ou ostensiva inter- Psychology Bulletin, 26 (10), 1189-1199
ferem na vida dos seres humanos.
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O Experimento na Psicologia Social 163


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Endereço para correspondência:


Rua Rodrigo Argolo, 293 apto 502 – Rio Vermelho
CEP 41940-220 – Salvador – Bahia
E-mail: [email protected]

Recebido em Setembro de 2010


Revisto em Outubro de 2010
Aceito em Novembro de 2010

Pereira, M.E. 164


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Psicologia Evolucionista

Entrevista com a Profª. Dr.ª Maria Lucia Seidl-de-Moura

Márcia de Fátima Rabello Lovisi de FreitasI

Karen Cristina Alves LamasI

I
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora

Maria Lucia Seidl-de-Moura é pós-doutorada na da década de 1990 e considera-se como marco fundador a
Universidade de São Paulo, em Psicologia Evolucionista publicação do livro “A mente adaptada”, de Leda Cosmi-
e atualmente faz estágio pós-doutoral na PUC-RJ em des, John Tooby e Jerome Barkow. Este livro lança as bases
estudos de famílias. É coordenadora da área de psicolo- de uma perspectiva psicológica e evolucionista do compor-
gia na FAPERJ. Atualmente, é professora titular da Uni- tamento humano. Uma tentativa anterior que teve muita
versidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Nessa reação, principalmente da mídia, na década de 1980, foi a
universidade, desenvolve trabalhos na linha de pesquisa sociobiologia, porque tentava mostrar as bases biológicas
Cognição Social do Programa de Pós-Graduação em do comportamento social. As pessoas interpretaram isso
Psicologia Social. É coordenadora do Grupo de Pesqui- como uma coisa reducionista, determinista, reacionária e
sa Interação Social e Desenvolvimento do Diretório de perigosa. Foi muito inovadora. Em minha opinião, a so-
Grupos de Pesquisa do CNPq. ciobiologia foi mal divulgada e mal interpretada, o que
A presente entrevista foi realizada em março de levou a um impasse, na própria psicologia, para as pessoas
2010, ocasião na qual a Profª Drª. Maria Lucia este- adotarem essas perspectivas. Nesse momento, a proposta
ve ministrando palestras durante o Simpósio em De- que a psicologia evolucionista vem trazer, é de entender a
senvolvimento Humano e Processos Socioeducativos mente e o comportamento humanos como fruto de um
da Universidade Federal de Juiz de Fora. Agradecemos processo de adaptação. Quer dizer, não tendo a sua descri-
imensamente pela entrevista concedida, que foi trans- ção e explicação reduzidas a isso, mas não podendo pres-
crita na íntegra e gentilmente revisada e adaptada pela cindir dessa visão, de que o nosso cérebro é um cérebro
professora. da idade da pedra, de um ambiente ancestral de evolução,
que foi forjado, em milhares de anos na evolução do homo
1) Como a senhora poderia definir a psicologia sapiens, para lidar com certos problemas adaptativos dos
evolucionista e como se dá sua interseção com a nossos ancestrais. Isso nos dá um conjunto de propensões
ciência do desenvolvimento humano? que foram bem sucedidas, claro, porque a espécie está aí e
tivemos todo esse desenvolvimento do homo sapiens mo-
A Psicologia Evolucionista, com essa denominação, derno. No entanto, ela precisa ser levada em conta quando
é relativamente recente, embora haja, há muito tempo, se examina o ambiente ecológico atual, os contextos cultu-
uma preocupação com uma visão evolucionista e com o rais, os contextos sociais. Então, a psicologia evolucionista
entendimento do comportamento humano, porque exis- tenta compreender esses processos básicos. Ela seria uma
tem disciplinas que sempre se preocuparam com isso: a psicologia dos processos básicos, só que olha para eles com
etologia, a sociobiologia, a ecologia comportamental, por essa visão histórica, para saber: “bom, o que é fundamental
exemplo. O primeiro capítulo do livro sobre Psicologia da nossa espécie? Como a nossa mente evoluiu? Quais são
Evolucionista que as professoras Emma Otta e Maria Emí- as características da nossa mente?”. Vou dar um exemplo
lia Yamamoto organizaram, de autoria do Professor César de uma discussão corrente que ainda não é resolvida. A
Ades, aborda os vários momentos de como essa relação perspectiva mais dominante na psicologia evolucionista é
entre biologia e psicologia foi se dando, com uma pers- que a nossa mente é uma mente especializada, ela é modu-
pectiva certamente evolucionista. Pode-se, entretanto falar lar, ela é uma mente que se preparou especializadamente
que, com tal denominação e perspectiva, essa abordagem é para resolver problemas diferentes. Então a Leda Cosmi-

Freitas, M.F.R.L. & Lamas, K.C.A. 165


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 165-168 | julho-dezembro de 2010

des, que é uma jovem pesquisadora da Universidade de cebo que existem duas áreas que dominam, juntas ou
Califórnia, Santa Bárbara, quase a “mãe” da psicologia separadamente, os cursos de psicologia no Brasil, que
evolucionista, é alguém que defende a modularidade da são a psicanálise e a psicologia social. Em muitos cur-
mente. A ciência da cognição faz um paralelo da mente sos, predomina uma visão política da psicologia e, em
humana com o computador, e a psicologia evolucionista outros, uma visão psicanalítica. Os alunos possuem, em
introduziu um paralelo, não tão simpático, com o cani- geral, uma representação social da psicologia baseada
vete suíço, ou seja, “uma lâmina para cada utilidade”. A na clínica. É um desejo natural e esses professores se
mente humana para funcionar bem, segundo esses autores, tornam muito influentes. O que eu vejo quando essas
desenvolveu mecanismos especializados e automáticos e é perspectivas dominam, de maneira muito geral, é que
tarefa da psicologia evolucionista detectar quais são, como para esses dois grupos o ser que estudamos na psicolo-
funcionam, como eles se atualizam em contextos culturais gia, seja ele indivíduo ou ser em sociedade, é como se
diferentes. Porque quando se fala de processos universais, fosse incorpóreo e não possuísse uma história biológica.
não se está querendo dizer que os comportamentos são Ou ele é só social, ou ele é só psíquico, mas como uma
universais. Alguns processos são universais, mas eles fun- história recente, da sua ontogênese, da sua relação ori-
cionam sempre em interação com o contexto ecológico, já ginal com os pais. Então, fica faltando alguma coisa na
são frutos dessa interação e continuam funcionando assim. psicologia. Existem, todavia, cursos de psicologia, como
Então, basicamente, a meta da psicologia evolucionista é na USP e no Rio Grande do Norte, que já têm uma
entender a natureza humana, o comportamento humano, vertente forte de psicobiologia ou etologia, em que isso
a mente humana em termos da sua história. A psicologia, já é muito mais disseminado. Na UERJ, por exemplo,
muitas vezes, fala de uma inteligência geral, de um proces- essa perspectiva não existia até há pouco tempo atrás.
sador central etc., coisas que uma vertente da psicologia Eu ministrei a primeira disciplina de psicologia evolu-
evolucionista não considera viável do ponto de vista da cionista, que era eletiva, quando descobri uma demanda
evolução. Entretanto, muitos autores, e eu inclusive, pen- muito grande, com muitos alunos interessados e, desde
samos que esse funcionamento misto de uma evolução, então, esse interesse tem crescido. Nós recebemos uma
tanto do aumento de uma capacidade geral de solucionar verba da CAPES, do PROCAD, que reúne cursos de
problemas que a espécie foi adquirindo, como um conjun- pós-graduação em psicologia num projeto comum,
to de especializações para lidar com problemas específicos, para realizarmos diversas missões de estudo, nas quais
pode conviver bem numa explicação da mente humana. alunos de uma determinada universidade podem passar
Enfim, é com esses problemas, que são de pesquisa básica, um mês em outra estudando sobre os temas comuns
que a psicologia evolucionista se preocupa. Obviamente, aos PPGs. Então, tivemos missões sobre psicologia evo-
como as pessoas que se dirigiram à essa área vêm de for- lucionista na USP, na UFBA, na UFRN e na UFPA.
mações diversas, inclusive no nosso grupo brasileiro, existe Temos tentado disseminar essa perspectiva, fizemos o
muita heterogeneidade na formação e no entendimento livro... A maioria das pessoas que deram um feedback
do processo de adaptação e eu acho que é uma ciência em sobre o tema concordam que avançamos na inserção da
crescimento no Brasil, inclusive bastante recente. psicologia evolucionista dentro dos cursos de psicologia,
mas ainda estamos longe do que gostaríamos. Houve
2) A psicologia evolucionista deriva de um concurso para a UnB que foi para professor de psi-
uma teoria biológica tradicional e tem se cologia evolucionista. Ainda estamos começando. Eu,
por exemplo, sempre dei aula de psicologia do desen-
desenvolvido bastante nas últimas décadas.
volvimento falando nisso e os alunos, às vezes, ficavam
Mas não se percebe uma divulgação mais um pouco surpresos quando se falava de capacidades
ampla dessa perspectiva nos cursos de biológicas, de propensões, de onde elas vieram, porque
graduação em psicologia. Por que a senhora os bebês humanos são de determinada maneira, e isso
acha que isso acontece? já foi criando pelo menos uma expectativa de pensar
nesses aspectos. Acho que depende das tradições locais
Eu acho que há muita variabilidade no Brasil, de- e uma consideração pelos interesses dos alunos, enfim.
pende das influências dominantes nos cursos. Sem um Também acho que não é uma coisa fácil... Nos EUA,
estudo, mas apenas por viajar muito pelo Brasil, per- pesquisas dizem que 70% das pessoas não acreditam na

Psicologia Evolucionista 166


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 165-168 | julho-dezembro de 2010

teoria da evolução. Apesar de 150 anos de história, se a çam a formar grupos de trabalho desde o primeiro perío-
ideia é difícil de aceitar, inseri-la na psicologia é mais di- do da graduação, descobrem também aqueles alunos que
fícil ainda, porque as pessoas pensam que não tem nada não costumam fazer nada e vão tirando fora... Sobre esta
a ver com isso, que isso é com os biólogos e médicos. hipótese, então, precisa-se fazer muitos testes para saber
Só para se ter uma ideia, na UERJ existe um instituto se é universal, se não é um mecanismo geral... Podem ser
de medicina social. Tem um pesquisador evolucionista, feitos estudos experimentais, transculturais, foi o que a
que se dedica a estudar esse tema no instituto e causa Leda fez. Por exemplo, ela fez estudos experimentais para
estranheza, num instituto onde a base seria biológica. mostrar que você responde diferentemente a tarefas lógi-
Imaginem isso num instituto psicológico social ou num cas gerais do que a tarefas lógicas que envolvem o cum-
curso de sociologia. Há, porém, sinais de mudança. Ti- primento de acordos sociais. Mesmo que tenha a mes-
vemos alguns eventos no RJ, como quando a Leda Cos- ma estrutura lógica que aquelas tarefas que se estuda em
mides veio ao Brasil em 2006, e deu uma conferência na lógica e que Piaget falou que são adquiridas na fase das
UFRJ e ficou cheio. Ano passado, meus alunos fizeram operações formais, e você aplicar em estudantes univer-
uma comemoração no Dia de Darwin, que é em 12 de sitários, você tem uma percentagem de fracasso enorme.
fevereiro, na UERJ e havia mais de 200 pessoas (pou- Porque essas tarefas não são naturais para nós, são difíceis
quíssimos da psicologia da UERJ), mas tinha gente de e precisamos, às vezes, aprender lógica para responder. Se
toda parte. Então, eu acho que isso está mudando, mas essas tarefas forem feitas com conteúdos que estão ligados
ainda lentamente. ao cumprimento de regras e à reciprocidade, uma respos-
ta significativamente diferente é observada. Pode-se fazer
3) E qual seria o método mais adequado testes por experimentos e procurar se não existem res-
para se fazer pesquisa numa perspectiva postas alternativas que explicam seus resultados. Então,
você vai fazer vários testes, inclusive examinando evidên-
evolucionista e quais são os desafios para os
cias de transtornos cerebrais, o que é lesado, o que não é,
pesquisadores dessa área? se é localizado no cérebro ou não, já que se tem outros
métodos de localização, de áreas e tal. Com isso pode-se
São muitos. Vou dar um exemplo: a professora verificar se isso é uma característica de grupos urbanos,
Leda Cosmides tem um programa de pesquisa amplo se isso não apareceria em outros grupos. Então, estudos
para estudar um módulo que está ligado à nossa capaci- transculturais em culturas completamente diferentes,
dade de altruísmo, que é adaptativa. Quando somos al- como os estudos com indígenas da Venezuela e do inte-
truístas é porque isso, de alguma forma, é recíproco. Você rior do Amazonas, foram feitos. Em síntese, os métodos
ajuda e é ajudado, não é consciente, mas isso é um me- variam dependendo do problema, mas é sempre difícil...
canismo selecionado e que nos traz mais aptidão, permi- Não se responde, em minha opinião, a uma pergunta da
te conseguir sobreviver melhor, cuidar dos nossos filhos psicologia evolucionista com uma pesquisa. A conferên-
de uma forma melhor por causa do altruísmo. Como é cia da Leda foi magistral, porque ela mostrou como foi
muito importante essa reciprocidade, é uma hipótese da cercando esse problema. O nosso grupo tentou estudar
professora Leda que nós temos um mecanismo de detec- investimento parental, todo o esforço que se coloca num
ção de enganadores, quer dizer que há um módulo que descendente para sua sobrevivência e futura reprodução,
acende uma luzinha vermelha para aquele que não age e que, de certa forma, é competitivo com os outros des-
com reciprocidade. Isso não está presente só no homem. cendentes. Pois se você tem dois filhos, você investe em
Há alguns estudos de altruísmo recíproco, por exemplo, um e está tirando do outro, é todo um equilíbrio... Nós
com morcegos, muito interessantes, demonstrando que fizemos um estudo com mais de 600 mulheres em seis es-
os morcegos que se alimentam de sangue buscam seu ali- tados e 12 cidades aqui no Brasil para estudar isso. Bom,
mento e depois regurgitam para aqueles companheiros o que nós concluímos? Há toda uma teoria que mostra
mais fracos, que não conseguiram se alimentar sozinhos. que seu estilo de apego vai influenciar sua história repro-
No fim, isso traz benefícios para o altruísta. Enfim, é dutiva, e as condições ecológicas que vão influenciar o
muito importante, para ser adaptativo, que a gente não investimento parental. Baseamo-nos na teoria, tivemos
fique ajudando toda a vida quem não ajuda em troca. Eu resultados muito interessantes, mas acho que chegamos
brinco com meus alunos, dizendo que quando eles come- ao final sem saber, exatamente, qual a melhor maneira

Freitas, M.F.R.L. & Lamas, K.C.A. 167


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 165-168 | julho-dezembro de 2010

de investigar investimento parental e pensando, como eu como psicólogo se eu não conheço nossa natureza. Não
e alguns outros do meu grupo, que para se fazer uma in- adianta eu ter uma idealização da natureza humana.
vestigação de investimento parental, o estudo deve ser de Naquele livro do Steven Pinker, “Tábula Rasa”, ele diz
diversas gerações. Porque, vejam: se eu focalizo uma mãe “vamos demolir os mitos”. Um deles é o mito do bom
e seu filhinho, eu vejo se ela faz várias coisas que, teorica- selvagem, ou o mito de que você pode transformar uma
mente, são investimento: amamenta, leva ao médico, faz pessoa em qualquer coisa. Há, então, coisas que, como
uma série de coisas. Mas uma mãe pode não amamentar psicólogo (não necessariamente um psicólogo evolu-
e investir de outras maneiras, ainda mais hoje em uma cionista), é necessário conhecer para poder usar qual-
sociedade em que se têm alternativas. Para os animais, quer teoria. Todas as teorias psicológicas têm que fazer
isso é fácil, como diz o Professor Mauro Luís Vieira, que sentido à luz da filogênese. Se elas não fazem sentido,
é etólogo de formação e meu parceiro em muitos traba- não são boas teorias. É uma lei de encaixe, inclusive das
lhos. Quando se estuda hamsters como ele estudava, você ciências, a própria história da evolução tem que se en-
vê que se a mãe não investe no filhote, não amamenta, caixar na história geológica da Terra... Então, as ciên-
o filhote morre. Com a mãe humana não é tão simples cias precisam fazer certo sentido harmônico, as teorias
assim. Se ela não amamentar e der mamadeira, o filhote dentro da psicologia precisam ter sentido. A implicação
não morre. Então, eu não posso usar amamentar como prática é uma visão mais completa, mesmo que você
critério necessário para investimento parental e isso traz trabalhe com uma ou outra abordagem. A psicologia
um conjunto de complexidades. Há muitos estudos inte- evolucionista não oferece técnicas para o trabalho clíni-
ressantes, alguns sobre percepção de raças, testando hipó- co ou educacional, mas vai dar informação sobre limites
teses, até com resultados importantes, que mostram que e possibilidades das pessoas com as quais trabalhamos
os nossos preconceitos raciais não são coisas que fazem como psicólogos. Eu acho que isso é uma ferramenta de
parte do nosso cérebro ancestral, até porque não éramos reflexão. Por exemplo, essa idéia do Pinker, de que você
tão diferentes assim no momento em que nosso cérebro não transforma uma pessoa em qualquer coisa, que era
foi forjado... Estudos experimentais testam essa hipóte- uma idéia do Watson: “dê-me tantas crianças que eu
se. Há hipóteses da psicologia evolucionista que falam farei delas isso e aquilo...”. Não. Primeiro, eu não pos-
de um conceito chamado desconto do futuro, de como, so transformar uma criança num morcego, não posso
em certas condições ecológicas em que há maior risco de transformar uma criança mesmo num chimpanzé, ape-
sobrevivência e reprodução, investe-se no presente e não sar de nós compartilharmos tanto da nossa bagagem ge-
no futuro. Há estudos empíricos sobre isso utilizando nética, assim como eu não posso transformar um chim-
questionários ou estudos populacionais que a professora panzé num humano, como alguns estudos da década de
Margot Wilson e Martin Dale fizeram no Canadá e eu 1960 e 1970 que foram estudar linguagem e criaram
tenho alunas aqui também fazendo... Então você pode bebês chimpanzés como se fossem bebês humanos. En-
usar uma série de recursos metodológicos da psicologia. tão, é preciso entender as características de cada espécie
O problema é como vai-se testar hipóteses e afastar ex- e o valor adaptativo dos comportamentos, e aí, tudo
plicações alternativas, para não acabar concluindo algo bem, as questões serão tratadas com outras ferramentas,
apenas porque foi dali que se partiu, achar que aquilo inclusive teóricas, que forem necessárias. A psicologia
é evolucionista porque foi adaptado assim. Penso que a evolucionista não esgota as possibilidades de respostas
pesquisa em psicologia evolucionista ainda é um desafio. às perguntas com as quais o psicólogo se depara.

4) E quais são as implicações práticas da


psicologia evolucionista para o trabalho
do psicólogo?

Eu acho que para você ser psicólogo, você tem que


pensar nas pessoas como produtos de várias histórias (e
isso é uma idéia antiga, do Vygotsky), produto, primei-
ro, de uma história filogenética. Eu não posso trabalhar

Psicologia Evolucionista 168


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 169-171 | julho-dezembro de 2010

Interfaces do Conhecimento Psicológico: Conceitos, Instrumentos e Práticas

Psychology’s Territories: Historical and Contemporary Perspectives from Different Disciplines.


Mitchell Ash & Thomas Sturm (Eds.)
New York / London: Lawrence Erlbaum Associates, 2007, 374 p.

Cíntia Fernandes MarcellosI

I
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora

Produto final do grupo de trabalho interdiscipli- que em suas diversas interações, a psicologia oferece e
nar “Psychological Thought and Practice in Historical and recebe contribuições, fazendo com que sua amplitude e
Interdisciplinary Perspective”, financiado pela Academia escopo mudem continuamente.
Berlim-Brandenburgo de Ciências e Humanidades, o O livro organiza-se em duas partes: a primeira
livro editado por Mitchell Ash e Thomas Sturm apre- discute a diferenciação e o compartilhamento dos con-
senta o resultado de estudos realizados por pesquisado- ceitos de atenção, intenção, vontade e self em diferentes
res das áreas de história da ciência, psicologia, filosofia, domínios, e a segunda trata do papel dos instrumentos
além das ciências biológicas, exatas e neurociências, en- na pesquisa psicológica. No primeiro capítulo, o soció-
tre Outubro de 2000 e Março de 2004. logo Sven Lüders trata da noção de atenção e dos estu-
Criado no final dos anos 90, o grupo dedicou-se dos realizados sobre tal conceito no campo da fisiologia
à investigação das conexões interdisciplinares e contex- e da psicologia experimental no século XIX, e da psico-
tuais da psicologia, a partir de um programa de pesquisa técnica, no início do século XX, defendendo a tese de
que compreendia o período entre os anos de 1850 e que a atenção não constituiria um objeto científico em
1950. Sob a coordenação de Mitchell Ash, tal programa sentido próprio, isto é, isolado e independente de ou-
organizou-se de maneira triangular, combinando histo- tros objetos, mas sim uma variável metodologicamente
riografia da psicologia com considerações mais amplas estratégica, usada para a formulação de outros conceitos
da história da ciência e, pontualmente, da história em e sua verificação experimental.
geral, em torno dos seguintes temas: como se pode en- Dentre os quatro capítulos que se seguem sobre
tender a variedade histórica dos objetos psicológicos, a temática “Intenção e Vontade”, Jochen Brandtstädter
tanto do ponto de vista das ciências particulares, quanto (cap. 2) aborda as noções de causalidade e intenciona-
do senso comum; em que grau o interesse pelos mesmos lidade a partir da consideração das tensões ontológicas
é ditado por questões metodológicas e, por fim, em qual estabelecidas entre as perspectivas fisicalista e persona-
medida a evolução da psicologia tem sido influenciada lista. Através de exemplos como a explicação de uma
por forças externas a seu campo próprio. gênese não intencional dos estados mentais e do rela-
Resultado desta proposta, o livro tem como ob- cionamento entre psicologia e a “folk psychology”, o au-
jetivo promover uma melhor e mais produtiva coope- tor reconhece as respostas legítimas e os limites de cada
ração interdisciplinar, mediante o reconhecimento das perspectiva e defende tal ambigüidade ontológica como
contribuições dos estudos filosóficos e históricos acerca constitutiva dos projetos de psicologia.
da psicologia para as perguntas contemporâneas. Pre- No capítulo 3, Wolfgang Prinz faz uma crítica à
tendendo superar as perspectivas internalista e exter- noção de vontade livre como capacidade mental, con-
nalista na abordagem da história das ciências, adota-se siderando tal acepção incompatível com um progra-
a orientação de uma história social e cultural sobre o ma de psicologia científica. Prinz reconhece seu papel
pensamento e a pesquisa psicológica. A tese central do como uma instituição social, cuja importância está em
livro é a de que os territórios da psicologia – assim como ser capaz de influenciar as disposições psicológicas e os
os de qualquer ciência – não são fixos, mas fluidos, e de comportamentos individuais e coletivos. Tal afirmativa

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é questionada por Michael Heidelberger, no capítulo 4, que não as reconheçam. Ele apresenta três tradições na
ao considerar a liberdade da vontade como “um aspecto definição de self recorrentes na história da psicologia
real da ciência natural”. Para Heidelberger, a recusa da e as tentativas feitas por esta para escapar de suas limi-
noção de vontade livre é danosa para os programas de tações. Adotando o exemplo do auto engano, o autor
pesquisa e para os interesses comuns entre filosofia e ci- indica o distanciamento conceitual e metodológico
ências cognitivas, uma vez que destitui a própria ciência entre filosofia e psicologia e o quanto uma maior apro-
de sua relevância para a noção de Homem. ximação entre ambas poderia favorecer o estabeleci-
Encerrando esta temática, o capítulo 5 apresen- mento de um programa de pesquisa lúcido e profícuo
ta o estudo de Sabina Maasen acerca do tema da von- sobre a noção de self.
tade tal como figurava nos manuais de auto-ajuda dos Os capítulos 9 e 10 dão início à segunda parte
anos de 1920 e 1990. Ao evocar as diferentes fontes de do livro, acerca do papel dos instrumentos na pesquisa
conhecimento, objetivos, métodos, tipos de autoria e psicológica. Num texto que demonstra sua extensa ex-
público alvo a que tais manuais se dirigiam, a autora periência como professor do Instituto para a História da
pretende apontar como eles promoveram, a partir da Psicologia da Universidade de Passau, Horst Gundlach
interação com o discurso da psicologia acadêmica, uma discute a definição de instrumentos psicológicos, ten-
racionalização da vida diária, com base no desenvolvi- do em vista suas singularidades em relação aos demais
mento do que Foucault chama de tecnologias do self. instrumentos científicos. Ele examina com detalhes as
O próximo tema, o “Self ”, é discutido no capítu- origens institucionais da disciplina e, a partir de alguns
lo 6 por Jill Morawski, que fala da noção de self a partir exemplos, o papel que os instrumentos psicológicos ti-
da distinção entre sujeito e experimentador na psicolo- veram neste processo.
gia experimental norte-americana entre os anos de 1900 O capítulo de Fritz Strack e Norbert Schwarz
e 1935. Apresenta-se a distinção entre os sujeitos ingê- apresenta um aspecto mais instrutivo que crítico e tra-
nuos e treinados, bem como as dualidades dos papéis ta das questões relativas aos aparatos de mensuração
de experimentador e sujeito e como o surgimento das adotados pelas ciências sociais e que têm como base a
vanguardas do realismo, do naturalismo e do modernis- formulação de questões a seus sujeitos, sem, contudo,
mo influenciou os constructos subjetivos, em especial aprofundar a discussão sobre sua validade epistemo-
a noção de self. Num capítulo de mais substância (cap. lógica. Apresenta-se também a testagem psicométri-
7), Kenneth Gergen trata da fragilidade ontológica dos ca baseada num modelo behaviorista, a pesquisa tipo
discursos sobre o self e, não obstante, o papel central survey e sua base introspectiva e o modelo alternativo
que os mesmos desempenham na constituição de insti- baseado em uma comunicação cooperativa. Os autores
tuições sociais e na condução da vida diária. Indicam-se discutem ainda tipos de instrumentos, aspectos for-
os problemas decorrentes da introspecção e da obser- mais na elaboração das questões e demais fatores que
vação externa como fontes de conhecimento e escolhe- influenciam a aplicação de técnicas que tem como base
-se o fenômeno das doenças ou déficits mentais como a interrogação direta.
exemplo para ilustrar o que ele chama de “colonização Os capítulos 11, 12 e 13 discutem o papel dos
cultural” da sociedade ocidental por parte da ciência instrumentos na fronteira disciplinar entre psicologia
psicológica. Sob um referencial foucaultiano, o autor se e as neurociências. O primeiro deles, escrito por um
excede em alguns aspectos, mas acerta ao identificar que neurologista (Hans-Jochen Heinze), um neuropsicólo-
a disputa por poder no campo do conhecimento não go (Thomas F. Münte) e um biólogo (Gerhard Roth),
envolve somente argumentações teóricas ou resultados apresenta a discussão acerca das relações entre os estados
de pesquisa, mas sim o que ele chama de “instrumentos afetivo emocionais e o cérebro, estudadas através das
de colonização”, como o controle do conteúdo de peri- modernas técnicas de neuroimagem. No capítulo 12,
ódicos, de fundos de pesquisa e políticas de nomeação, Rainer Bösel discute os potenciais e limites dos mesmos
entre outros. métodos no estudo dos processos cognitivos e, por fim,
Aprofundando as questões ontológicas, o capí- Michael Hagner (cap. 13) encerra este tópico fazendo
tulo de T. Sturm (cap. 8) é um dos melhores do livro e um histórico sobre os esforços em torno da expectativa
desvela como os psicólogos comprometem-se com vi- de acesso à mente, os desenvolvimentos técnicos que
sões ontológicas quando definem seus conceitos, ainda permitiram a observação do cérebro e a incerteza acerca

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do conhecimento sobre a primeira que, não obstante, e níveis de profundidade variados no tratamento dos as-
permanece. Exceto por este último, estão presentes nos suntos, o esforço para superar a dissociação entre as diver-
outros capítulos premissas até certo ponto comuns ao sas áreas interessadas ou afetadas pelos conhecimentos psi
discurso das neurociências, tais como as que se expres- e compreender suas relações já é suficiente para situá-lo
sam nas afirmações de que, ainda que exista algo nos como uma importante fonte para discussões nas pautas
estados afetivos e processos cognitivos além das bases dos psicólogos e faz lembrar as palavras de Sturm que
neurais, ambos seriam igualmente visualizáveis pelas ecoam pelo livro: “But things may change”.
técnicas de neuroimagem, e a de que a explicação com-
pleta de tais estados mentais requer apenas mais desen-
volvimento metodológico e experimental.
Criticando a distinção popperiana entre contexto
da descoberta e contexto de justificação e a consideração
do primeiro como irrelevante para a análise lógica do
conhecimento científico, Thomas Sturm e Gerd Gige-
renzer (cap. 14) apontam a importância e o potencial
explicativo dos processos de criação ou desenvolvimen-
to na avaliação crítica de uma teoria. Propondo uma
heurística que tem por base o papel dos instrumentos na
criação de metáforas capazes de se constituírem como
conceitos psicológicos, os autores discutem a complexa
relação entre instrumentos, teorias e dados investigados
e as possibilidades e problemas de duas dentre as mais
populares metáforas da chamada revolução cognitiva: a
da cognição vista como uma estatística intuitiva e a da
mente como um computador.
Encerrando o livro, o capítulo de James H.
Capshew (cap. 15) retoma uma questão já apontada
anteriormente: a condição singular ocasionada pela
coincidência do psicólogo com seu objeto de estu-
do. Descrevendo as influências das consequências das
guerras mundiais, em especial as da segunda, no de-
senvolvimento da psicologia norte-americana, o autor
apresenta como o discurso auto reflexivo, em que o
psicólogo se questiona acerca de suas construções te-
óricas e intervenções práticas, pode servir como uma
chave para interpretar a proliferação das aplicações
psicológicas e tecnologias de administração do self,
além de situar-se como um valor epistemológico e um
objetivo teórico explícito.
O livro tem o mérito de, em vários capítulos, pro-
porcionar uma perspectiva histórica e um aprofunda-
mento teórico favorável ao entendimento de questões fi-
losóficas de difícil trato para grande parte dos psicólogos,
sem contudo apresentá-las como um assunto empoeirado
de antigos manuais. Cada capítulo procura atrelar a dis-
cussão teórica a exemplos, seja da pesquisa ou da prática
profissional e, embora a colaboração com autores oriun-
dos de áreas distintas dê ao livro um caráter heterogêneo

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Psicologia em Pesquisa | UFJF | 4(02) | 172 | julho-dezembro de 2010

Nominata

RELAÇÃO DE PARECERISTAS – VOLUME 4 (2010)

Adriana Benevides Soares – Universidade Estadual do Rio de Janeiro


Alcina Maria Testa Braz da Silva – Universidade Salgado de Oliveira
Almir Tristão Boechat – Universidade Federal de Juiz de Fora
Altemir José Gonçalves Barbosa – Universidade Federal de Juiz de Fora
Ana Paula Cupertino – University of Kansas (EUA)
Carlos Eduardo Lopes – Universidade Estadual de Maringá
Carolina Laurenti – Universidade Estadual de Maringá
Cristiane Faiad de Moura – Universidade Salgado de Oliveira
Fernanda Ferreira de Oliveira – Universidade Federal de Ouro Preto
Francis Ricardo dos Reis Justi – Universidade Federal de Alagoas
Francisco Antônio Coelho Júnior – Universidade de Brasília
Francisco Teixeira Portugal – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fraulein Vidigal de Paula – Universidade de São Paulo
Gustavo Arja Castañon – Universidade Federal de Juiz de Fora
José Antônio Damásio Abib – Universidade Federal de São Carlos
Juliana Perucchi – Universidade Federal de Juiz de Fora
Lelio Moura Lourenço – Universidade Federal de Juiz de Fora
Luciana Mourão Cerqueira e Silva – Universidade Salgado de Oliveira
Luciene Alves Miguez Naiff – Universidade Salgado de Oliveira
Makilin Nunes Baptista – Universidade São Francisco
Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Maria Cristina Ferreira – Universidade Salgado de Oliveira
Maria Elisa Caputo Ferreira – Universidade Federal de Juiz de Fora
Marisa Cosenza Rodrigues – Universidade Federal de Juiz de Fora
Regina Glória Andrade – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Ricardo Kamisaki – Universidade Federal de Juiz de Fora
Simone Cagnin – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Vera Lopes Besset – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Vitor Geraldi Haase – Universidade Federal de Minas Gerais

Nominata 172
INFORMAÇÕES GRÁFICAS

Formato
A4 - 21 x 29,7 cm

Mancha gráfica
18,5 x 26 cm

Tipologia
Adobe Garamond Pro

Projeto gráfico / Editoração / Revisão


Studio Editora UFJF
Marcella Avila
Thais Vandanezi
Mariana Marcon

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