Mecânica de Voo Espacial
Mecânica de Voo Espacial
Mecânica de Voo Espacial
Aulas 1 e 2
1 Introdução
Tópicos da aula:
Referência da aula [1]: TEWARI, A. Atmospheric and Space Flight Dynamics: Modelling
and simulation with MATLAB and Simulink. Boston: Birkhauser, 2007. Seção 4.4.
• Voo orbital;
• Voo de transferência.
O voo orbital pode ser caracterizado, genericamente, como o movimento sob a ação da força
na atmosfera planetária, tendo por objetivo inserir algum veículo em voo orbital.
Para se tratar o voo de transferência, é desejável conhecer o voo orbital, visto que o primeiro
deve gerar, ao seu nal, as condições que garantam o segundo. Por tal razão, o curso pelo
O voo orbital será dividido em duas partes: 1 e 2. A parte 1 trata de assuntos mais
2 desenvolve assuntos mais aplicados e adiciona perturbações, abordando temas tais como:
1
• Revisão de motor foguete e aplicações da equação de foguete;
por tal razão, não serão tratados detalhes construtivos de foguetes. Ao invés disso, serão
lembrados os tipos básicos de foguete, com o intuito de avaliar as características que impactam
na mecânica de voo. A equação de foguete de Tsiolkovsky será desenvolvida, sendo esta uma
solução bastante aproximada, mas muito útil para estudos analíticos e projeto conceitual. As
Newton será desenvolvida para corpos de massa variável e aplicada a tais referenciais, modelos
de veículo lançador de múltiplos estágios especíco será desenvolvido, levantando suas caracte-
As missões simuladas envolverão voo de sondagem e voo de inserção orbital. Para torná-los
possíveis, condições iniciais e de contorno devem ser estabelecidas adequadamente. Por isso,
a presença de vento e somente a mecânica de translação será adotada, assumindo-se que uma
A forma mais lógica de dividir o curso é tratando-se, primeiro, de mecânica orbital e, após
encerrar esse assunto, desenvolver o tema de voo de transferência. No entanto, por motivos
práticos, primeiro será abordada a parte 1 da mecânica orbital, vindo na sequência o voo de
de voo de transferência que será apresentado aos alunos. Para que estes tenham mais tempo
Esta mudança de ordem no conteúdo não afeta o entendimento, visto que o conteúdo de
2
solução analítica, primeiramente, é apresentado o problema de N corpos geral e as integrais do
movimento.
Neste sentido, a seguir, primeiro é feita uma revisão acerca de energia e quantidade de
desenvolvidas.
De acordo com a primeira lei de Newton: quando uma partícula encontra-se sobre a ação de força
Mas, mesmo quando a soma das forças externas é não nula, outros parâmetros do movimento
podem ser conservados. Isso é o que ocorre, por exemplo, com a energia total ou quantidade
Para discutir a conservação da energia, relembre a denição de trabalho realizado por uma
Z R2
W12 = f · dR (1)
R1
Onde W12 é o trabalho entre dois pontos segundo um certo caminho, f é a força que executa
especiais, essa integral se torna independente do caminho, com o trabalho sendo uma função
somente dos pontos inicial e nal. Quando isso ocorre, a integral sobre um caminho fechado é
I
f · dR = 0 (2)
As forças que obedecem a equação 2 são denidas como forças conservativas. Estas forças
compõem campos vetoriais conservativos, os quais são gerados pelo gradiente de uma função
∂Φ
f = ∇Φ = (3)
∂R
3
comum expressar a força por unidade de massa g, ao invés da força em si, como o gradiente da
∂Φ
g = ∇Φ = (4)
∂R
f = mg = m∇Φ (5)
1
Do princípio do trabalho-energia, o trabalho total sobre uma partícula entre dois pontos é
1
W12 = m v22 − v12 = T2 − T1
(6)
2
1
Ti = mvi2 (7)
2
segunda lei de Newton, esta velocidade deve ser medida em relação a um referencial inercial.
ção 6, a variação de energia cinética nestes caminhos é nula. Ou seja, a energia cinética se
conserva em caminhos fechados sobre os quais agem somente forças conservativas. Embora essa
observação pareça interessante, uma regra de conservação mais geral pode ser enunciada para
Z R2
∂Φ
W12 = m · dR = m (Φ2 − Φ1 ) (8)
R1 ∂R
quantidade mΦi entre tais pontos. Esta quantidade é denida como o negativo da energia
4
Assim:
−(V2 − V1 ) = T2 − T1 (11)
Ou seja, em um campo conservativo, a variação da energia cinética entre dois pontos é igual
T2 + V2 = T1 + V1 (12)
E =T +V (13)
tridimensional de uma partícula, caso ela esteja sujeita à ação de um campo conservativo, é
pode desprezar a ação de forças dissipativas, tais como arrasto atmosférico, é possível determinar
cinéticas individuais:
N
1X
T = mi vi2 (14)
2 i=1
referencial inercial.
5
a energia cinética do sistema pode ser escrita como:
N
1X
T = mi (v0 + ui ) · (v0 + ui )
2 i=1
N N N
1X 1X X
= mi v02 + mi u2i + mi v0 · ui
2 i=1 2 i=1 i=1
N N N
1 X 1X d X
= v02 mi + mi u2i + v0 · mi ri (15)
2 i=1 2 i=1 dt i=1
de massa. Mas, é preciso lembrar que as posições ri foram denidas com respeito ao centro de
massa. Assim, r0 é a posição do centro de massa com respeito a ele próprio, o que é zero. Logo,
Assim, a energia cinética do sistema de partículas é dada pela soma da energia cinética do
centro de massa, mais a energia cinética das partículas em relação ao centro de massa:
N
1 1X
T = mv02 + mi u2i (16)
2 2 i=1
somente rotação com respeito ao centro de massa, em tal caso, a energia cinética é a soma da
1 1
T = mv02 + ω · Iω (17)
2 2
onde I é a matriz de inércia com respeito ao centro de massa e ω é o vetor velocidade angular.
N N N
X 1X X
V = Vie + Vij (18)
i=1
2 i=1 j=1,j6=i
PN PN
Para abreviar a notação, a partir deste momento, a sintaxe j=1,j6=i será substituída por j6=i ,
devendo car o entendimento de que o somatório se estende para todos os valores j = 1, 2, . . . N ,
excluindo-se o elemento associado a i = j.
Na equação 18, Vie é a energia potencial associada às forças conservativas externas, enquanto
Vij é a energia potencial da força conservativa da partícula j sobre a partícula i.
Feitas essas denições, a energia total de um sistema de partículas é dada da mesma forma
6
o sistema de partículas são conservativas, a energia total é constante.
H = r × mv (19)
Onde r é o vetor posição da partícula com respeito ao ponto o, o qual não precisa ser
estacionário.
M=r×f (20)
A segunda lei de Newton para a rotação de uma partícula associa a derivada da quantidade
de movimento angular com o momento da força resultante f que age sobre a partícula:
d
M =r × f = r × mv
dt
d dr
M =m r × v − m × v (21)
dt dt
segundo termo da equação 21 torna-se nulo, resultando na relação entre momento e derivada
dH
M= (22)
dt
A quantidade de movimento angular está associada com o movimento curvilíneo pelo se-
guinte fato: se o movimento é retilíneo, é possível escolher um ponto xo o tal que r seja
bastante utilizada. Pela equação 22, quando o momento que age sobre uma partícula é nulo, a
outras palavras:
mento resultante sobre uma partícula é zero, a quantidade de movimento angular é conservada
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4 Problema de N Corpos
A razão de apresentar a revisão acima é a sua aplicação no entendimento do sistema gravitaci-
onal de N corpos.
ao longo da História.
que possam ser considerados partículas. Assume-se que a força gravitacional é a única forma
de interação entre os corpos e que o sistema é isolado, de modo que forças externas ao conjunto
Esta formulação é muito importante para estudar sistemas planetários, tais como o sistema
N corpos não possui solução analítica. Mas, ele provê as bases para o desenvolvimento de casos
mais simples e muito úteis, tais como o problema de 2 corpos e o problema de 3 corpos restrito,
sendo que o primeiro possui solução analítica e o segundo apresenta soluções aproximadas.
• Os corpos estão sucientemente afastados tal que podem ser considerados partículas de
massa pontual;
Denições:
Pela lei da atração gravitacional, a força sobre a partícula i e exercida pela partícula j é:
Gmi mj
fij = 3
(rj − ri ) (23)
rij
N
X Gmi mj
fi = 3
(rj − ri ) (24)
j6=i
rij
8
Segunda lei de Newton aplicada à partícula i:
N
d2 ri X Gmi mj
mi 2 = 3
(rj − ri ) (25)
dt j6=i
rij
partículas do sistema, sendo cada equação de segunda ordem relativa a um vetor de três com-
ponentes:
N
d2 r1 X Gmj
= 3
(rj − r1 )
dt2 j=2
r1j
N
d2 r2 X Gmj
= 3
(rj − r2 )
dt2 j6=2
r2j
.
.
.
N −1
d2 rN X Gmj
= 3
(rj − rN ) (26)
dt2 j=1
rN j
Como a força gravitacional é conservativa, de acordo com a equação 5, a força que age sobre a
∂Φi
fi = mi (27)
∂ri
Sendo que Φi é o potencial gravitacional sobre a partícula i devido à ação das massas j =
1, 2, . . . N, j 6= i.
O potencial gravitacional individualizado devido a ação da massa mj sobre mi é dado por:
Gmj
Φij = (28)
rij
Pois:
9
∂Φij 1
fij = mi = −Gmi mj 3 rij (30)
∂ri rij
N N N N
1 XX 1 X X Gmj
V =− mi Φij = − (32)
2 i=1 j6=i 2 i=1 j6=i rij
1
Ti = mi vi2 (33)
2
Onde:
dri
vi = kvi k = k k (34)
dt
A energia cinética do sistema de partículas, de acordo com a equação 14, é a soma das ener-
gias cinéticas das partículas individuais, com as velocidades medidas com respeito ao referencial
inercial:
N N
X X 1
T = Ti = mi vi2 (35)
i=1 i=1
2
N N N
1X 1 X X Gmj
E =T +V = mi vi2 − (36)
2 i=1 2 i=1 j6=i rij
N N N
1X 1 X X Gmj
E= mi vi2 − = constante (37)
2 i=1 2 i=1 j6=i rij
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Este tipo de propriedade é muito importante em problemas complexos como este, pois,
quando a ordem do sistema de equações diferenciais é reduzida, sua solução analítica pode se
tal como na equação 37 (um vínculo entre as variáveis de estado) é equivalente a resolver uma
integral de uma variável de estado. Por isso, sempre que uma propriedade como esta é obtida, a
Hi = ri × mi vi (38)
N
X N
X
H= Hi = mi ri × vi (39)
i=1 i=1
Como foi assumido que as forças externas que agem sobre o sistema são nulas, somente as
forças internas geram momento, mas, pela lei da ação e reação de Newton, estes cancelam-se
dH
=0 (40)
dt
H = constante (41)
Ou:
N
X
mi ri × vi = constante (42)
i=1
O vínculo promovido pela relação de conservação da equação 42 dene uma outra integral
do movimento , que é a quantidade de movimento angular H do sistema.
movimento angular reduz a ordem do sistema de equações diferenciais. Mas, nesse caso, a
redução é de três unidades no grau do sistema de equações, o que equivale a integrar três
variáveis de estado.
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Assim, juntando as integrais do movimento E e H, o sistema de equações diferenciais tem
Massa
P i = m i vi (43)
N
X N
X
P= Pi = mi vi (44)
i=1 i=1
Como foi assumido que a força externa resultante sobre o sistema de partículas é nula, dado
linear é nula:
dP
=0 (45)
dt
A quantidade de movimento linear total pode ser escrita como a quantidade de movimento
P = mv0 (46)
PN
Onde m é a massa total do sistema (m = i=1 mi ) e v0 é a velocidade do centro de massa.
v0 = constante (48)
N
1 X
v0 = mi vi = constante (49)
m i=1
Então, a equação 49 estabelece outro vínculo entre as incógnitas do problema. Ela é uma
equação vetorial que gera um sistema de três equações algébricas, o qual reduz a ordem do
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sistema de equações diferenciais em 3 unidades. Por tal razão, a velocidade do centro de massa
dr0
= v0 (50)
dt
r0 = c + v0 t (51)
Onde cé uma constante vetorial, a posição inicial do centro de massa no referencial inercial
em t = 0.
Pela equação 51, o centro de massa do sistema apresenta uma trajetória retilínea no referen-
2
cial inercial . Esta equação é outra relação algébrica que dene um vínculo entre as variáveis
de estado do problema de N -corpos. Uma forma de evidenciar isso é pela própria denição de
N
1 X
r0 = mi ri = c + v0 t (52)
m i=1
Assim, a equação 52 também gera 3 equações algébricas que vinculam as variáveis de estado,
inercial, em t = 0, for escolhida no centro de massa, então c = 0. Além disso, como não há
diferença entre o repouso absoluto e uma velocidade inercial constante, é totalmente lícito
inercial.
sistema de equações diferencias passa a ser restringido por 10 equações algébricas, o que reduz
corpos será tratado. Em tal ocasião, vericar-se-á que é possível obter mais 2 integrais do
movimento . Assim, o problema de 2 corpos possui solução analítica! No entanto, isso só é
válido para este caso, qualquer situação com 3 ou mais corpos não possui solução analítica, a
2 Notadamente, esta armação não é rigorosamente verdadeira. Por exemplo, o centro de massa do sistema
solar orbita em torno do centro de massa da galáxia. Mas, o movimento retilíneo uniforme do centro de massa
do sistema solar é uma aproximação que apresenta bons resultados, enquanto as hipóteses simplicadoras do
problema de N corpos forem satisfatórias.
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Referências
[1] A. TEWARI. Atmospheric and Space Flight Dynamics: Modelling and simulation with
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