Disser Ta Ç Ão Emily
Disser Ta Ç Ão Emily
Disser Ta Ç Ão Emily
Feira de Santana, BA
2014
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Feira de Santana, BA
2014
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___________________________________________________
Prof. Dr. Clóvis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira
(Orientador – UEFS)
____________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Eduardo Torres Cancela
(Membro – UNEB)
____________________________________________________
Prof. Dra. Ione Celeste Jesus de Sousa
(Membro – UEFS)
4
AGRADECIMENTOS
Reservo especialíssimos agradecimentos aos meus colegas de mestrado, muito obrigada pelo
carinho com o qual fui recebida por vocês, com especial agradecimento: a Camila, pelo abrigo
tão generosamente cedido e pela amizade solidamente construída; Agradeço muitíssimo a
Carlos Alberto, Carl, meu amigo querido, não sendo possível enumerar aqui todos os
agradecimentos que devo a você; a Lucas Adriel “Piritiba city”, obrigada pela amizade e
apoio; a querida Simone, obrigada pela força sempre, pois sua coragem é inspiradora; a
Rennan, obrigada pelo carinho e amizade.
Gostaria de agradecer em especial a minha amiga Derlande pela leitura generosa e cuidadosa
dos meus textos, por isso obrigada pelo apoio e torcida. A Cristiano Pessatti o meu
agradecimento pela leitura atenta, dicas e sugestões, muitíssimo obrigada. Um agradecimento
especial ainda a minha prima Joseane, que estando também em um processo de escrita
pudemos compartilhar as angústias e ansiedades.
Da mesma maneira gostaria de agradecer as minhas tias Edna e Arlete pelo incentivo sempre;
a minha madrinha Maria e o meu padrinho Aníbal, meu agradecimento pela ajuda durante a
pesquisa, na localização dos narradores e pelo carinho sempre; Aos meus irmãos Wesley e
5
Adriano, obrigada por salvarem sua irmã sempre que o computador apresentava problemas,
obrigada sobretudo por permanecermos juntos mesmo nos dias mais difíceis; Aos meus pais a
gratidão eterna pelo carinho e cuidado e a Maria Cecíllia, a flor que fez nossos dias mais
bonitos.
Obrigada a toda a minha família e amigos que me apoiaram ao longo dessa jornada, dando-me
apoio e segurança necessários para que esse trabalho pudesse ser concluído.
6
RESUMO
A presente dissertação propõe uma leitura dos aspectos sociais, políticos, históricos de
Jacobina e região, para compreender de que forma a seca desestruturou a vida dos sertanejos,
impondo o colapso do sistema produtivo rural, obrigando, principalmente, a população mais
carente a recorrer a diversas táticas de sobrevivência, dentre elas a adequação da dieta
alimentar, sendo necessária a utilização de sementes e raízes silvestres, para saciar a fome,
além da emigração e a garimpagem nas serras de Jacobina. Analisa ainda, de que forma se
configurou as relações entre os poderes locais com as esferas estaduais e federais, e estes com
a população, a fim de perceber de que forma a população foi assistida durante o período de
escassez. Os governantes, baseados nos ideais de modernidade e trabalho, buscaram
arregimentar recursos para a construção de grandes obras, por meios das quais os sertanejos
eram usados como mão de obra barata. Ao mesmo tempo em que a população mais carente
era penalizada pelas consequências da seca, os políticos locais se apropriavam dos recursos
destinados aos sertanejos para benefício próprio, demonstrando que nem todos estavam tão
suscetíveis à seca. A partir da analise da imprensa local e regional, trabalhamos com os
jornais O Lidador, Correio de Bonfim e Correio do Sertão, buscamos compreender de que
maneira as notícias sobre a seca foram veiculadas, reforçando a imagem do sertanejo
enquanto “vítima da natureza” em determinados momentos conforme os interesses do
periódico e políticos locais, a fim de angariar recursos. Através da História Oral dialogamos
com narradores que dividiram conosco suas lembranças sobre os momentos de penúria
impostos pela seca e as táticas adotadas para enfrentá-la.
ABSTRACT
The present work aims to analyze the consequences of the 1932 drought over the population
of Jacobina and the region around, understanding how the drought disrupted the life of the
country people, imposing the rural productive system collapse, forcing, mainly the most
deprived population to resort to several ways of survival, among those ways , the feeding diet
adaptation, it been necessary the use of seeds and wild roots to satisfy their hungry, besides
the immigration and mining in the hills of Jacobina. Besides, this work analyses how the local
power relations were built with the federal and estate sphere, and these with the population,
with the aim of perceive how the population was assisted during the shortage period. The
government, based on ideas of modernity and work, sought to enlist resources for the
construction of large works, by means of which, the country people were used as cheap
manpower. At the same time the poorest population was penalized by the consequences of the
drought, local politicians appropriated the resources intended for the country people for their
own benefit, showing that all were not as susceptible to drought. From the analysis of the
local and regional press, work with the newspapers O Lidador, Correio de Bonfim e Correio
do Sertão, we aimed to comprehend the way that the news about the drought were
transmitted, reinforcing the country people image as “victim of the nature”, in certain
moments as the interest of the periodicals looking for to get funds. Through the História Oral
we dialogued with narrators that shared with us their remembering about the times of need
imposed by the drought and tactics adopted to confront it.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 10
CAPÍTULO 1:
“O SOL É O INIMIGO QUE É FORÇOSO EVITAR, ILUDIR OU
COMBATER”.......................................................................................................... 19
1.1 SERTÕES NO PLURAL: SINGULARIDADES DE UM
MUNDO............................................................................................................ 19
1.2 RELIGIOSIDADE SERTANEJA: AMANHECER ESPERANÇA,
ADORMECER PACIÊNCIA.................................................................................... 27
1.2.1 “A natureza tem por esporte anunciar, generosamente, as suas
intenções”.................................................................................................................. 30
1.2.2 O inferno é uma seca eterna.......................................................................... 35
1.2.3 Faz por ti que te ajudarei: a fé dando o ritmo da vida................................ 38
1.3 BARRIGA SECA NUM DÁ SONO: ADAPTAÇÃO DA DIETA
ALIMENTAR............................................................................................................ 40
CAPÍTULO 2:
“HÁ UMA MISÉRIA MAIOR QUE MORRER DE FOME NO DESERTO,
É NÃO TER O QUE COMER NA TERRA DE CANAÔ.................................. 54
2.1 OBRAS PÚBLICAS: O SOCORRO DE QUEM?.............................................. 54
2.2 CRIMES, DIREITOS E TRABALHO................................................................ 65
2.3 ISOLAMENTO E POBREZA............................................................................. 78
2.4 “PARECE QUE NESSE TEMPO NÃO HAVIA GOVERNO”......................... 82
CAPÍTULO 3:
“QUEM ESPERA TEMPO RUIM É LAJEDO”................................................ 90
3.1 OS CAMINHOS DA FOME............................................................................... 100
3.2 QUANDO A FOME É VISTA............................................................................ 112
3.3 TROPEIRISMO: LIBERDADE PARA COMBATER A FOME....................... 119
3.4 O GARIMPO ENQUANTO ALTERNATIVA PARA FUGIR DA
SECA......................................................................................................................... 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 126
9
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 128
10
INTRODUÇÃO
“O tempo está bonito” diz-se do tempo quando vai chover. A beleza para os sertanejos
ganha aspectos bastante particulares, esta diretamente ligada à transformação operada pela
caatinga quando cai a primeira chuva no chão ressequido, “[...] cada árvore tinha um vestido
novo para a festa da ressurreição” 1. Em uma paisagem cinérea o verde veste o que há de mais
belo. Para outros lugares do país, tempo bom é sinal que não vai chover, representado por um
dia ensolarado. Para o sertanejo, o sol tem tamanha importância para a paisagem que tem
direito a ser personagem em suas narrativas: “O sol que é pra dar o beijo da fecundidade dava
um beijo de morte, longo, cáustico, como um cautério monstruoso” 2. O inferno para o
sertanejo seria uma seca eterna.
A irregularidade das chuvas nos sertões nordestinos e os problemas decorrentes delas
são conhecidos desde o período colonial, causando grandes prejuízos para a população,
especialmente a mais carente. Na Bahia, estado nordestino com grande parte de seu território
situado no semiárido3, esse fenômeno é particularmente relevante. A seca de 1932, por
exemplo, foi uma das mais severas que se tem notícia na região e marcou profundamente a
memória da população que sofreu suas consequências, assim como, as gerações posteriores.
O fenômeno da seca faz parte do cotidiano sertanejo para além dos momentos em que
esta se faz presente, ele acaba por ser responsável pela organização da vida sertaneja, como
analisa Martins 4 “[...] já que as pessoas encaminham seus afazeres de acordo com a seca ou
com o verde”. Sendo necessário, por parte dessa população, o desenvolvimento de uma série
de saberes que foram surgindo através do contato com a natureza, na tentativa de prever a
chegada da chuva, assim como, diversas táticas que permitissem a sobrevivência durante os
períodos de escassez, a exemplo da adaptação da dieta alimentar, migração ou ainda garimpo
nas serras de Jacobina. A possibilidade de compreender as relações que se estabeleceram na
região no período, assim como, a luta constante dos sertanejos pela própria sobrevivência
motivou o interesse pelo tema. “O caráter de excepcionalidade da seca oferece oportunidades
1
ALMEIDA, José Américo de. A Bagaceira. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 120.
2
Ibidem, p. 26.
3
A Bahia tem cerca de 320.211 Km², ou 57,08% de seu território inserido no Polígono das Secas. Ver:
BARBOSA, Diva Vinhas Nascimento. Os impactos da seca de 1993 no semi-árido Baiano: Caso de Irecê.
Salvador: SEI, 2000. No presente trabalho utilizaremos a noção de sertão, em substituição a de semiárido.
4
MARTINS, Daiane Dantas. Um flagelo no sertão baiano: cotidiano, migração e sobrevivência na seca de 1932
(Vila de Canabrava do Gonçalo/Xique-Xique). 2010. 132 f. Dissertação (Mestrado em História Regional e
Local) - Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2010, p. 121.
11
8
MENEZES, Adriano Antonio Lima. “Imprensa Verde-Amarela no Piemonte da Chapada Diamantina na década
de 1930”. In: MENEZES, Adriano Antonio Lima; OLIVEIRA, Valter Gomes Santos de. Culturas Urbanas na
Bahia: estudos sobre Jacobina e região. EDUNEB, Salvador, 2009.
9
CUNHA, Aloisio Santos. Descaminhos do trem: As ferrovias na Bahia e o caso do trem da Grota. . 2011.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011. p. 103.
10
O Lidador surgiu na cidade de Mundo Novo, mas em sete de setembro de 1933 foi inaugurado na cidade de
Jacobina, sendo transferido da cidade natal de seu proprietário para esta última a convite de Francisco Rocha
Pires, influente político da cidade. O jornal foi transferido devido a desavenças entre seu fundador Nemézio
Lima e o interventor da cidade nomeado por Juracy Magalhães.
11
MENEZES, Adriano Antonio Lima. “A imprensa sertaneja: um busca de identidade cultural no Piemonte da
Chapada Diamantina”. In: Anuário de Pesquisa da UNEB, Salvador, ed. 1, 2010.
12
MENEZES, Adriano Antonio Lima. “Imprensa Verde-Amarela no Piemonte da Chapada Diamantina na
década de 1930”. In: MENEZES, Adriano Antonio Lima; OLIVEIRA, Valter Gomes Santos de. Culturas
Urbanas na Bahia: estudos sobre Jacobina e região. EDUNEB, Salvador, 2009. p. 85.
13
Porém, há muito tempo aceitamos que os documentos não falam por si só, é necessário
situá-los, de onde falam, seus interesses e estratégias. Com a imprensa não é diferente, é
preciso pensá-la na sua historicidade, não perdendo de vista suas articulações com o meio que
a produziu.
13
CRUZ, Heloisa de faria; PEIXOTO, Maria do Rosario da C. “Na oficina do historiador: conversas sobre
historia e imprensa”. Projeto História, São Paulo, nº 35. p. 1-411, dezembro/2007, p. 258.
14
SOUZA, Jacó dos Santos. “Falas da escravidão e da liberdade: imprensa abolicionista e conflitos de rua no
Recôncavo baiano- Cachoeira, 18887-1888”. IV Encontro de Estadual de História-ANPUH, Vitória da
Conquista, 2008.
15
THOMSON, Alistair; FRISCH, Michael; HAMILTON, Paula.“Os debates sobre memória e história: alguns
aspectos internacionais”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e Abusos da História
oral. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 75.
16
THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 44.
14
A memória seja ela, coletiva ou individual, é sempre seletiva. Ela não nos surge de
modo aleatório, ela é construída, nos lembramos daquilo que queremos lembrar, dos
acontecimentos que nos sentimos participantes. Ainda segundo Bosi,
Podemos inferir que para os sertanejos sobreviventes das agruras da seca, de 1932,
rememorar as dificuldades enfrentadas no período de estiagem apresenta-se como uma forma
de ensinamento para os mais jovens, sendo motivo de orgulho por ter sobrevivido às
dificuldades impostas ou ainda como um elo ou identidade.
O flagelo da seca desestruturava a vida dos sertanejos, inclusive as relações sociais
pelas quais eram baseadas em relações de reciprocidade. A História Social Inglesa permitiu
que um novo olhar fosse lançado sobre as “minorias”. A contribuição dessa corrente
historiográfica possibilitou que as relações estabelecidas durante a seca, de 1932, na região de
Jacobina não fossem entendidas de forma que as “minorias” fossem manipuladas pelos
governantes e dirigentes ou que suas ações fossem apenas resultados de desespero.
17
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Cia. da Letras, 1994, p. 419.
18
Ibidem, p. 424.
19
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 2000, p. 15.
20
Ver THOMPSON, E. P. “A economia moral da multidão inglesa no século XVIII”. In: Costumes em comum.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 150.
15
neles existem uma relação direta entre fome e revolta. Perceber que crises sociais no
abastecimento ou preços altos são aspectos importantes a serem considerados, mas não são os
únicos, como analisa Neves,
Com experiência e cultura estamos num ponto de junção de outro tipo. As pessoas
não experimentam suas experiências apenas como ideias ou como instinto
proletário. Elas também experimentam suas experiências com sentimento e lidam
com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de
parentesco, e reciprocidades, como valores ou na arte ou nas convicções religiosas.
Essa metade da cultura pode ser descrita como consciência efetiva e moral.23
21
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 2000, p. 15.
22
Ibidem.
23
THOMPSON, E.P. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 189.
16
24
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p. 99.
25
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p. 101.
26
Ibidem.
27
Ibidem.
28
Ibidem.
29
Ibidem.
17
30
MEINERZ, Andréia. Concepção de experiência em Walter Benjamin. 2008. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008, p. 37.
31
Ibidem, p. 43.
32
BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio d’Água Editores, 1992, p.
37.
18
prever ou não a chegada das chuvas entre outros. Possibilitava também o convívio com forças
inexplicáveis, recorrendo ao apelo de soluções mágicas e míticas enraizadas em seu universo
religioso, fazendo uma reinterpretação das expressões da fé. Através de uma espécie de filtro,
as crenças e os ritos sofriam mudanças e se revestiam de novos conteúdos de acordo com as
experiências cotidianas, apresentando assim, particularidades em relação ao catolicismo
oficial.
O segundo capítulo tem por título “Há uma miséria maior que morrer de fome no
deserto, é não ter o que comer na terra de Canãa”, nele discutiremos como se configurou as
relações entre os diversos poderes local, estadual e federal e como a população de Jacobina
foi assistida durante os períodos de estiagens. Abordaremos também a maneira como a seca
foi usada como argumento para angariar recursos, estes eram destinados, geralmente, para a
construção de grandes obras que deveriam servir para dar emprego aos flagelados,
substituindo as doações de mantimentos que incentivaria o ócio. Com isso ocupando e
afastando os sertanejos dos centros urbanos, além de contribuir para o melhoramento das
cidades, utilizando-os como mão de obra barata.
Portanto, a maioria da população jacobinense não foi assistida durante a seca ou foi
precariamente, não porque estivessem no “deserto”, mas sim porque ainda que estivessem na
“Canãa” as verbas destinadas ao socorro dos flagelados tinham outros destinos previstos.
O último capítulo intitulado “Quem espera tempo ruim é lajedo” analisa-se de que
maneira a migração, enquanto último recurso, impôs para o indivíduo a necessidade de
abandonar sua terra natal e buscar melhores condições em outros lugares. A extração do ouro
nas serras de Jacobina mostrou-se como oportunidade e muitos foram os que acreditaram na
possibilidade de mudar de vida. Criou-se um imaginário providencialista em torno da
exploração do ouro e as dificuldades enfrentadas pelos efeitos da seca enfatizaram o garimpo
enquanto alternativa. Pelos caminhos do sertão, muitos foram aqueles que atravessaram
lonjuras para fugir da fome, para recriar laços e sociabilidades em outros lugares, afinal “A
terra, a gente faz aqui e lá”.
CAPÍTULO 1:
“O SOL É O INIMIGO QUE É FORÇOSO EVITAR, ILUDIR OU COMBATER”
19
33
Correio de Bonfim, 28 de junho de 1931, ed. 39, p. 01.
34
Essas obras demonstram como a expansão bandeirante teria sido realizada em regiões que estariam às margens
da civilização, sertão seria o lugar da rudeza e embrutecimento. Ver: ABREU, Capistrano de. Capítulos de
história colonial. 7. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves: Publifolha, 2000. RICARDO, Cassiano. Marcha para o
oeste: a influência da “Bandeira na formação social e política do Brasil”. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1970. VIANA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952.
35
AMADO, Janaina. “Região, Sertão, Nação”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, 1995, p. 145-
151.
36
AMADO, Janaina. “Região, Sertão, Nação”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, 1995, p. 145.
20
A história dos homens por essas lonjuras foi um cometimento de audácia e desafios
às forças adversas do meio ambiente. Numa luta desigual entre os recursos e
instrumentos culturais de que dispunha e a hostilidade ecológica de uma natureza
que negaceia e se retrai ante o esforço heroico por dominá-la.39
37
Ibidem, p. 148.
38
NEVES, Erivaldo Fagundes. “O sertão como recorte espacial e como imaginário cultural”. In: Politeia:
História e sociedade. Vitoria da Conquista, v. 3, n.1, p. 153-162, 2003, p. 155.
39
SILVA, Candido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no sertão da Bahia. São
Paulo: Ática, 1982, p. 5.
40
VASCONCELOS, Claudia Pereira. Ser-Tão baiano: o lugar da sertanidade na configuração da identidade
baiana, Salvador: EDUFBA, 2011, p. 37.
21
Esse recorte espacial passa a referir-se especialmente ao Polígono das Secas, que
associamos a imagens largamente veiculadas como sendo de solo pedregoso, “[...] desoladora
paisagem de miséria protagonizadas por retirantes vidas secas” e “[...] figuras de coronéis, e
jagunços, cangaceiros e beatos, fabianos e severinos”.43
De certa maneira, o homem que habita essa região passa a ser identificado com a
rudeza do meio em que vive. Embrutecido pelas condições do seu ambiente, veste-se de couro
para suportar a vegetação; aprende a fazer uso de raízes e sementes, não utilizadas na
alimentação, a não ser em condições extremas como as impostas pela seca. Existe nas
imagens que se construiu sobre o sertão uma série de estereótipos que passaram a designar a
região de forma pejorativa. “O estereótipo nasce de uma caracterização grosseira e
indiscriminada do grupo estranho, em que as multiplicidades e as diferenças individuais são
apagadas, em nome das semelhanças superficiais do grupo”.44
É preciso compreender que essas imagens não foram construídas apenas de fora para
dentro, mas esse discurso de “vítimas da natureza” também foi apropriado pelos grupos
dirigentes que haviam perdido espaço na política nacional, devido à decadência econômica do
estado, o poder de decisão. Sendo assim, passam a perceber nesse discurso uma maneira de
angariar recursos para “supostamente” ajudar os flagelados da seca, mas que acabavam por
beneficiá-los diretamente. “[...] nós também estamos no poder, por isso devemos suspeitar que
41
SOARES, Valter Guimarães. Cartografia da saudade: Eurico Alves e a invenção da Bahia sertaneja. Salvador:
EDUFBA. Feira de Santana: UEFS Editora, 2009, p. 41.
42
Ibidem, p. 46.
43
Ibidem.
44
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. 2. ed. Recife. São
Paulo: Cortez, 2001, p. 20.
22
somos agentes de nossa própria discriminação, omissão ou exploração. Elas não são impostas
de fora, elas passam por nós”. 45
Os líderes políticos e econômicos, que passaram a se sentir gradativamente
distanciados do centro do poder, começaram a fazer uso desse discurso de vitimização, assim
segundo Albuquerque Jr:
Entre essas “obras Canônicas” está Os Sertões, livro que tornou famosa a afirmação de
que “O sertanejo é antes de tudo um forte”. O Jornal O Lidador apresenta essa imagem do
sertanejo enquanto forte, no entanto demonstra de que maneira os dirigentes se aproveitaram
dessa “fortitude” dos sertanejos de Jacobina.
[...] Em nenhum outro logar do paiz o produtor é perseguido como no nosso Estado.
“O sertanejo é antes de tudo um forte”. Tendo sempre na mentalidade este
enunciado de Euclides da Cunha, os nossos dirigentes não trepidam em avaliar até
onde chega essa fortitude. Tornou-o um escravo, dando-lhe um feitor que de vez em
quando reveza o posto [...]. A decadência só contrasta com o progresso da capital.
Enquanto o interior definha, a capital engrandece. Enquanto a miséria campeia no
45
Ibidem, p. 21.
46
Ibidem, p. 58.
47
VASCONCELOS, Claudia Pereira. Ser-Tão baiano: o lugar da sertanidade na configuração da identidade
baiana. Salvador: EDUFBA, 2011, p. 29.
23
Os vários discursos acerca do sertão e do sertanejo, ainda que este seja um “forte”,
devem ser compreendidos partindo do ponto de quem fala e com quais interesses. O governo,
aqui visto como um “feitor”, faz do sertanejo um “escravo” devido aos pesados tributos que
estes eram obrigados a pagar, já tão castigados pela seca e pelo banditismo, “os grandes males
do sertão”. No entanto, essas imagens evocadas têm uma razão de ser, buscam chamar a
atenção dos governos estaduais e federais, a fim de que estes olhem para os sertões com o
mesmo interesse que admiram a “city”.
O jornal ressalta na reportagem o contraste entre o luxo da city e a miséria do sertão.
Outro traço bastante destacado na “identidade sertaneja” é a ideia de que estes são
trabalhadores, valentes e leais, no entanto eles são vítimas do meio em que vivem.
O sertanejo é forte, o que o torna fraco é o meio em que vive, dessa maneira
justificaria os pedidos de ajuda “Enquanto a miséria campeia no sertão o luxo invade a City.
O município de Jacobina se empobrece a olhos vistos” 50. Ser forte no sertão está ligado à
necessidade de que os sertanejos precisam ser “fortes” para enfrentar as dificuldades que o
meio lhe impõe, ou mais claramente sobreviver à seca, havendo, portanto uma “simbiose”
entre homem-natureza, em que o primeiro apresentaria as características da terra em que
habita.
Essa crença em “ser antes de tudo um forte” tem servido também como uma maneira
em que os governantes têm se utilizado para naturalizar essas questões e fazer com que estas
permaneçam nas bases que se encontram. Para os governantes, o ser forte deveria ser
apresentado enquanto passividade e a população sertaneja deveria suportar todas as
dificuldades resignadamente51. Fomentar a ideia de que o homem do sertão é forte, buscando
transformar essa “fortitude” em um traço da identidade sertaneja, serve como um elemento
para “mascarar” as relações de exploração que os sertanejos sofriam e sofrem.
48
O Lidador, 10 de agosto de 1934, n. 49, p. 4.
49
GOMES, Alfredo Macedo. O imaginário Social da seca. Recife: Massangana, 1998. p. 177.
50
O Lidador, 10 de agosto de 1934, n. 49, p. 4.
51
GOMES, Alfredo Macedo. O imaginário Social da seca. Recife: Massangana, 1998, p. 177.
24
Então ser forte para enfrentar a seca e não a exploração, a má distribuição de terra, a
falta de educação e a saúde. “Do ponto de vista concreto, o ser forte expressa a luta diária e
histórica pela sobrevivência reprodutiva do trabalhador sertanejo, em contexto social e
econômico perverso e injusto”52. Sertão tem sido um termo ambivalente e contraditório. Visto
como o cerne da identidade nacional por um lado e responsável pelo entrave no
desenvolvimento do Brasil, por outro.53
A região Sudeste foi “escolhida” como aquela que representaria o ideal de civilização
e desenvolvimento que o país deveria ter, portanto essa região que passaria a representar o
nacional; já as outras regiões, denominadas de sertão, sinônimo de atraso e barbárie, passaram
a ser vistas como um empecilho ao desenvolvimento do país.
De fato sem escola e sem leis respeitadas, não pode haver civilização. E esses
infelizes sertanejos, entregues ao léo da sorte, alheios ao que se passa além do seu
torrao natal, castigados de seccas e perseguições, que mentalidade podem ter para
aprender os influxos da civilização? Nesse meio árido a vida absorve aos poucos os
individuos embrutecendo-os e impellindo-os para os embates da força bruta. Demos
escolas e justiça ao sertão e teremos paz constructora. Do contrario, viveremos
sobressaltados com os Lampiões, quando não registramos hecatombes como a de
Canudos [sic]54.
O jornal Correio de Bonfim, um veículo de comunicação que tinha como proposta ser
“[...] um orgam independente”55, descreve e reforça essa imagem estereotipada do sertanejo,
dando ênfase às ideias recorrentes no período, buscando explicar o sertão a partir de
elementos epistemológicos do meio e da raça. “Nesse meio árido a vida absorve aos poucos
os indivíduos embrutecendo-os e impellindo-os para os embates da força bruta” 56. Através da
análise do meio e da raça, é que seria possível explicar os aspectos psicológicos que
permitiam o surgimento de “anomalias sociais” como Lampião e Conselheiro. “A partir do
paradigma naturalista, a importância do meio combinado à raça, justificava, categoricamente,
os porquês do comportamento do brasileiro”.57
Esses tipos sociais surgiriam devido ao atraso do sertão, sendo esta área do país que
estaria impedindo o desenvolvimento do Brasil. Com a “revolução de 30”, e os novos ideais
pregados pelos dirigentes do país, práticas consideradas “incivilizadas” e “atrasadas”
52
Ibidem, p. 169.
53
VASCONCELOS, Claudia Pereira. Ser-Tão baiano: O lugar da sertanidade na configuração da identidade
baiana. Salvador: EDUFBA, 2011.
54
Correio do Bonfim, 22 de março de 1931, ed. 25. p. 5.
55
Ibidem.
56
Ibidem.
57
VASCONCELOS, Claudia Pereira. Entre representações e estereótipos: O sertão na construção da
brasilidade. In: FREIRE, Alberto. (Org.). Cultura dos Sertões. Salvador: EDUFBA, 2014, p. 217.
25
deveriam ser combatidas. Existe nas reportagens feitas pelo jornal Correio de Bonfim, uma
associação da imagem do sertanejo a vocábulos depreciativos, ligando-o sempre a ideias de
atraso e embrutecimento.
O periódico tinha como principal público-alvo as autoridades políticas e econômicas
da região. Visava a defesa de interesses dessas categorias citadas, na maioria grandes
proprietários de terras. O jornal destinava amplo espaço, em praticamente todas as edições na
primeira página, para atacar o banditismo no Nordeste, demonstrando grande preocupação
com este fenômeno social.
Segundo Gramsci, a imprensa não vai apenas satisfazer necessidades, mas criar
necessidades58. Os jornais buscam organizar determinada visão de mundo, por exemplo, a
palavra cangaço ganha um sentido que ao ouvi-las o indivíduo aciona uma série de imagens,
sentimentos e sensações relacionados a ela como violência, brutalidade e crueldade. Dessa
maneira, não podemos achar que os veículos de comunicação buscavam apenas registrar os
acontecimentos, mas estes deveriam ser entendidos enquanto aparelhos de hegemonia, que
tinham como objetivo principal influenciar a opinião pública, buscando modelar formas de
agir e pensar, definindo papéis sociais, generalizando interpretações que se pretendiam
universais.59
O Correio de Bonfim buscou apontar os perigos do abandono do Sertão sem o auxílio
dos governos estaduais e federais. A gente profundamente marcada pelo meio, se tornaria
perigosa sem o “apadrinhamento” das camadas civilizadas e desenvolvidas da sociedade,
estas que naturalmente estariam imbuídas de um espírito salvacionista. O medo de que
surgisse outro como Lampião ou Conselheiro foi na verdade o que motivou tantas e tão
repetidas reportagens sobre “[...] uma série innenarrável de martyrios” cometidas por
Lampião e seu bando.
Os bandos de cangaceiros que percorriam o Nordeste podiam fragilizar ou fortalecer o
poder dos coronéis. Em algumas situações eles se associaram aos coronéis, o que representava
proteção para ambos, no entanto esses acordos não eram regra e a presença do cangaço podia
ameaçar o poder dos grandes proprietários e políticos locais.
Nessa fazenda Lampião requintou os seus processos de barbaridade! são factos que
nos recusamos a narrar, tal sua monstruosidade impressionante. [...] Continua a
chegar as noticias dos horrores praticados pelos monstros humanos do bando de
58
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A.
1982.
59
CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosario da C. “Na oficina do historiador: conversas sobre
historia e imprensa”. In: Projeto Historia. São Paulo, nº 35. p. 1-411, dez. 2007, p. 258.
26
As ações dos cangaceiros eram descritas com detalhes, buscando demonstrar para a
população como Lampião e seu grupo eram cruéis e perversos, tirando a vida de inocentes,
invadindo propriedades, roubando e violentando donzelas. Não faz parte dos objetivos do
trabalho discutir se Lampião e seu bando eram mocinhos ou vilões, mas sim perceber a fala
como instituidora de um real. Esse lugar é o lugar de quem escreve, um lugar que dá
legitimidade. Além do mais, é importante perceber que havia por parte da imprensa a
tendência a alterar a frequência de determinadas reportagens, conforme as necessidades
políticas.
A seca aparece associada ao banditismo como “os males do sertão”, resultado da
combinação entre o meio e raça. Em muitos momentos seca e sertão foram tomadas como
sinônimos. Ainda que sertão possa indicar uma infinidade de sentidos, alguns elementos
foram ressaltados. Dentre eles, talvez a seca tenha sido o que ganhou maior ênfase, havendo
quase uma sobreposição de sentidos. Penetrar nos sertões seria adentrar a região das secas,
“Sensação que forçava a alteração nos padrões de civilidade”61. Os discursos recorrentes na
época por grandes escritores como Euclides da Cunha e também apresentados nas reportagens
como as do Jornal Correio de Bonfim, apresentam os sertanejos como seres completamente
diferentes dos homens desenvolvidos e civilizados do Sul. O sertanejo seria resultado da
mestiçagem, que teria como produto uma sub-raça indolente e incapaz de se organizar
socialmente.
No clássico Vidas Secas Graciliano Ramos construiu através do herói da trama,
Fabiano, a figura do que seria o homem do sertão. Um homem “bruto”, embrutecido pelo
ambiente em que vive e a aridez do clima que tornaria também, os homens “secos”. Os
personagens são apresentados animalizados, se comportam de maneira áspera e rude,
resultado da luta constante pela sobrevivência. Fabiano nos momentos em que deveria
reivindicar seus direitos, “gagueja” e não consegue se expressar com clareza, “Era um bruto
sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se”.62
60
Correio de Bonfim, 12 de Abril de 1931, ed. 28, p. 06.
61
FERREIRA, Angela Lúcia; DANTAS, George Alexandre F; FARIAS, Hélio Takashi M. “Adentrando Sertões:
considerações sobre a delimitação do território das secas”. In: Scripta Nova: Revista Electrónica de Geografía y
Ciencias Sociales. Barcelona, v. 10, n. 218 (64), 01 ago, 2006. Disponível em <http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-
218-62.htm>. Acesso em: 10 fev 2013.
62
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. São Paulo: Record, 1986, p. 36.
27
Primavera.
Entrou a primavera. Fogem no céo, para o norte, os últimos nevoeiros flácidos de
um inverno sem chuvas. Começam a desabrochar, como rosas, lindas manhãs
coradas; e a luz vesperal tem a suavidade macia das piedosas orações consoladoras.
Mas nunca o sertão viu despontar Primavera mais triste! Os campos ressequidos
têm, apenas a amenizar-lhes o aspecto acabrunhador, a floração heróica dos
umbuzeiros, e, ao luar dessas noites quentes, de longe em longe, os flocos de neve
da flor de “barriguda” a caírem branqueando em torno a arvore singular. Andam
pelo espaço gemidos aguniados das victimas desse monstro sanguinário que a
fatalidade atirou sobre as terras infelizes, e as preces dos que ficaram a implorar a
misericórdia de Deus. É uma primavera triste esta!Nem as alegrias da natureza, que
desperta para a vida, podem ser saudadas pelas almas amarguradas dos
sertanejos...por toda a parte, o lucto chora a desolação geme na paisagem quieta,
onde o olhar apagado das lagoas mortas parece querer também implorar do infinito o
milagre da paz que se foi...66
63
Ibidem, p. 18.
64
Ibidem, p. 95-96.
65
O uso de “Sinha” ao invés de “Sinhá” se justifica por que em Alagoas a palavra sinhá é usada para mulheres
de classe dominante e sinhá para as pobres, casadas e dignas de respeito. Ver: REBELLO, Ilma da Silva. “As
classes populares e as duras cavalgadas da vida: uma leitura de Vidas Secas de Graciliano Ramos. In:
SOLETRAS, ano V, n 10, São Gonçalo: UERJ, jul/dez. 2005.
66
Correio do Bonfim, 1 de outubro de 1931, ed. 01, p. 01.
28
Esperar parece ser a sina do sertanejo, que ansiosamente aguarda os sinais de chuva.
Em dezembro, cheio de esperança, espera pela barra de natal; dezembro passou e sua
expectativa foi frustrada. Acreditou mais uma vez, tentou prevê a chegada da chuva através
das pedras de sal e estas também não lhe deram boas notícias, mas acredita que em março,
mês de São José, trará o anúncio de um ano bom. No entanto, de forma bastante pesarosa e
melancólica o Jornal Correio de Bonfim anuncia o advento da primavera do ano de 1931,
primavera que não apresentou os sinais que indicariam a chegada da tão esperada chuva,
sinais observados com tanto empenho pelos sertanejos da região e assim a esperança foi
morrendo junto com a plantação.
A primavera passou e com ela não se foi o sol causticante. Com o verão, ele se
apresentou mais forte e impiedoso. Até a natureza parece fazer coro e se juntar aos sertanejos
nas suas orações. Nessas primeiras notícias sobre a seca, os sertanejos atingidos diretamente
por seus efeitos eram vistos pelos jornais como agentes passivos, que apenas se deixavam
sofrer os desmandos de uma natureza cruel, de um meio inóspito a pedir misericórdia a Deus,
para que este pudesse amenizar-lhes o sofrimento. “Andam pelo espaço gemidos aguniados
das victimas desse monstro sanguinário que a fatalidade atirou sobre as terras infelizes, e as
preces dos que ficaram a implorar a misericórdia de Deus [sic]”. A ideia de seca enquanto
castigo divino era uma ideia recorrente. “A seca não é outra coisa que a justiça divina
decretada”67. O homem deveria, portanto, suportar resignado por saber que é pecador.
A seca foi significada no imaginário sertanejo como vontade de Deus, não gratuita,
mas motivada pela condição de pecador e pela natureza e gravidade dos pecados.
Autodenominando-se pecadores, os sujeitos admitem de forma inconteste merecer
algum tipo de castigo.68
67
GOMES, Alfredo Macedo. O imaginário Social da Seca. Recife: Massangana, 1998. p. 65.
68
Ibidem, p. 111.
69
SILVA JUNIOR, Agenor Soares e. “Homo Religiosus na formação do semi-arido cearense”. In: Revista
Homem, Espaço e Tempo, set-out. 2009, p. 125.
29
O heroísmo tem nos sertões, para todo o sempre perdidas, tragédias espantosas. Não
há revivê-las ou episodiá-las. Surgem de má luta que ninguém descreve – a
insurreição da terra contra o homem. A princípio este reza, olhos postos a altura. O
seu primeiro amparo é a fé religiosa. Sobraçando os santos milagreiros, cruzes
alçadas, andores erguidos, bandeiras do Divino ruflando, lá se vão, descampados em
fora, famílias inteiras – não já os fortes e sadios senão os próprios velhos
combalidos e enfermos claudicantes, carregando aos ombros as pedras dos
caminhos, mudando os santos de uns para outros lugares. Ecoam largos dias,
monótonas, pelos ermos, por onde passam as lentas procissões propiciatórias, as
ladainhas tristes. Rebrilham longas noites nas chapadas, pervagantes, as velas dos
penitentes... Mas os céus persistem sinistramente claros; o sol fulmina a terra;
progride o espasmo assombrador da seca. O matuto considera a prole apavorada;
contempla entristecido os bois sucumbidos, que se agrupam sobre as fundagens das
ipueiras, ou, ao longe, em grupos erradios e lentos, pescoços dobrados, acaroados
com o chão, em mugidos prantivos “farejando a água”; - e sem que lhe amorteça a
crença, sem duvidar da Providencia que o esmaga.70
Já houve quem tivesse a idéia feliz de dizer que o sertanejo é um homem de pouca
sorte. De facto. Mas elle, em compensação, não sabemos se pela bravura da raça ou
verdadeira ignorância dos seus direitos, calmo, sorridente, analphabeto, opilado,
famintos de unhas grandes, cabellos crescidos, mãos callosas e pés descalços, assiste
impassível e esperançoso o desenrolar de sua pouca sorte [sic]. 72
70
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo-SP: Martin Claret, 2003, p. 133.
71
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo-SP: Martin Claret, 2003.
72
Correio do sertão, 24 de janeiro de 1932, p. 01.
30
73
CAMPOS, Roberta B. Carneiro. “Sofrimento, misericórdia e caridade em Juazeiro do Norte: uma visão
antropológica das emoções na construção da sociabilidade”. Ci & Tróp. Recife, v. 30 n. 2, p. 253-266. Jul-dez.
2002.
74
SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e migrações: Bahia1950-
1980. São Paulo: Annablume, 1998, p. 93.
75
Jornal Correio do Sertão, 31 de janeiro de 1932, n. 728. p. 01.
76
Correio de Bonfim, 03 de maio de 1931. ed. 31, p. 01.
31
O fenômeno da seca e suas consequências marcam a vida dos sertanejos para além do
momento em que esta se faz presente. Isso se evidencia na tentativa, por parte dessa
população, de prever as possibilidades de ocorrência da seca, através da observação da
natureza. “Embora as secas não necessitem de previsão, pois são quase certas e o temor de
que ocorram, sem que esteja preparado para tanto, leva o sertanejo a observar seus prenúncios
com a mesma ansiedade com que observa os prenúncios de chuva”.79
Estando, pois, as previsões da Diretoria de Meteorologia do Rio de Janeiro incorretas,
a Bahia e o Brasil viram repetir o mesmo quadro de destruição causado pelas secas, fenômeno
tão conhecido dos sertanejos. “E, na verdade, para os sertanejos tais experiências valem mais
que toda a ciência experimental dos doutores, porque são tradições orais que vêm de outras
eras, legadas por seus maiores, homens bem”.80
O saber dos sertanejos, desenvolvido ao longo do tempo, através do contato direto
com a natureza é a maneira usada por eles para tentar antever se no próximo ano haveria bom
77
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 106.
78
GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas na Bahia do século XIX (Sociedade e Política). 2000. 169f.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2000, p. 76.
79
OLIVEIRA, Maria Vanilda Moraes. “Prevendo o tempo em Tanquinho, Bahia”. In: Sitientibus: série Ciências
Biológicas. v. 06, 2006, p. 122.
80
MAGALHÃES, J. “Previsões folclóricas das sêcas e dos invernos no Nordeste brasileiro”. In: Fortaleza:
Imprensa Universitária do Ceará, 1963, p. 254.
32
Ha minha fia, naquele tempo as coisas era boa, era bom. Ói, hoje prepara varias
vez pra dar uma chuva, naquele tempo o verão tava assim tinindo, com pouca,
começava a ventar do Norte, lá vai, com pouca aparecia uma torrezinha e um
relampinho. (...) O povo ficava todo alegre, e lá vai, lá vai é tirar lama de tanque,
tirar resto de laminha na lata, que tava mole ainda. Amanha você já via o torreado, o
relâmpago já clareando, e hoje não, acabou todos os sinais. De primeiro, se o
mandacaru fulorou no seco, já tinha a musica de Luiz Gonzaga, era tiro e queda,
pois bom, hoje nada vale, se você visse um sapo bezerro cantar na beira da fonte,
podia botar a vazia na goteira, hoje ele canta coitado que só falta morrer [...]. Os
sinais de primeiro valia, mas hoje não vale não. Bem que o povo dizia que quando o
povo quisesse saber mais que Deus, Ele mudaria os tempo, e mudou mesmo [sic]. 83
81
BOAVENTURA, Eurico Alves. A paisagem urbana e o homem: memórias de Feira de Santana. Feira de
Santana: UEFS Editora, 2006, p. 203.
82
OLIVEIRA, Maria Vanilda Moraes. “Prevendo o tempo em Tanquinho, Bahia”. In: Sitientibus: série Ciências
Biológicas. v. 06, 2006, p. 123.
83
Vitanor Moreira dos Santos, entrevista realizada no dia 07 de novembro de 2012.
84
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras
Escolhidas. 5. ed. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 205.
33
experiências de seus ouvintes85. Essa arte de narrar, no entanto, está em vias de extinção em
uma sociedade cada vez mais voltada para a técnica instrumental e utilitária. As histórias e
ensinamentos que eram narradas, como forma de experiência permitia voltar sobre aquilo que
foi vivido, compreendendo as marcas que formaram o nosso modo de pensar, agir e sentir.
“Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma informação
ou relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele”.86
As experiências vividas cotidianamente pelos agricultores permitem saber o melhor
período para cada atividade, como por exemplo, o momento de limpar os reservatórios para
que pudessem armazenar a água das chuvas, o tempo de plantar e colher. O agricultor
argumenta que no passado os sinais eram infalíveis, hoje, no entanto, eles não funcionam
mais, e segundo ele o motivo seria a mudança dos tempos por Deus, uma vez que o homem
estaria se tornando presunçoso, reforçando mais uma vez que o ser humano deveria ser
submisso a Deus para que este pudesse se compadecer de seu sofrimento na terra e pudesse
auxiliá-los.
Não podemos deixar de perceber certo saudosismo nas lembranças das pessoas,
saudades de uma época em que podiam se basear e projetar suas atividades nos sinais da
natureza, um mundo em que eles se reconheciam e se identificavam. Para Ricoeur
esquecimento está ligado à ideia de apagamento de rastros. Dito de outra forma, seria o
esquecimento causado pela ausência de materialidade, dos rastros desse mundo rural. Ainda
segundo Ricoeur, as lembranças são ativadas por gestos habituais, esses sinais visíveis e com
significado principalmente para a população da zona rural.87
Essa população rural passou a residir nas cidades, e com as transformações que se
operou, com o advento da energia elétrica e a rapidez dos novos transportes, ofuscou uma
série de saberes a respeito do mundo rural. Dessa maneira, narrativas são silenciadas e
personagens esquecidas. Ricoeur analisa que o perigo maior seria a proibição “[...] aos atores
sociais de seu poder de narrar a si mesmos”.88
Jacobina, durante as primeiras décadas do século XX, era uma cidade com fortes
ligações com o mundo rural, sua população predominantemente estava concentrada no campo.
Esse predomínio do mundo rural marcou profundamente a formação de Jacobina, uma vez
85
Ibidem.
86
Ibidem.
87
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alan François. Campinas: EDUNICAMP,
2007.
88
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alan François. Campinas: EDUNICAMP,
2007, p. 455.
34
que seus habitantes tinham seus costumes pautados na vida no campo, com suas histórias,
religiosidades e sociabilidades. A labuta diária dessas pessoas contava com o auxílio de seus
saberes, produzidos nos experimentos cotidianos, na lida com a natureza.
Costumes e saberes entraram em conflito e disputavam espaço e legitimidade com os
saberes citadinos. O que para muitos passou a ser carrancismo 89 pode ser entendido e
ressignificado como resistência baseada na tradição e a não aceitação das transformações
sofridas pela sociedade na contemporaneidade. “Ah minha fia, naquele tempo as coisas era
boa, era bom”90. Esse saudosismo observado na fala dos narradores pode estar relacionado à
ambiguidade que a “civilização” traz e os benefícios materiais que esta proporciona teria um
lado nocivo, a destruição da tradição. Por isso, o elogio ao passado, no sentido de ser um
tempo onde os valores eram preservados.
Benjamin analisa as transformações que o mundo sofreu durante a época moderna,
especialmente após a Segunda Guerra, com os processos de urbanização, mercantilização e o
avanço da tecnologia, que como consequência, torna-se cada vez mais rara a experiência de
contar e ouvir histórias. Era o declínio da narrativa, que funcionava como meio de
transmissão de lições de vida e formação moral. Houve uma desqualificação desses saberes e
essas pessoas perderam a legitimidade enquanto testemunhas, que viram esses sinais se
realizarem ao longo do tempo.
Esse “código da sabedoria popular” perdeu a importância por ser considerado “coisa
dos mais velhos”, diante muitas vezes de conflitos de gerações, na qual outras instituições
passaram a ser responsáveis pelas previsões, partindo de seus lugares legitimados
socialmente. Como analisa Benjamin, numa sociedade em que as pessoas não se interessam
mais pelo que não pode ser abreviado, a narrativa torna-se antiquada. “Mas, se ‘dar
conselhos’ parece hoje algo de antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser
comunicáveis”91. Benjamin denuncia que, não há mais espaço nessas sociedades para as
tradições transmitidas de pai para filho, o tempo agora é o da informação e da efemeridade
das coisas.
A transmissão da experiência conferia autoridade aos mais velhos, os segredos e
saberes acerca da natureza eram passados de geração para geração, assim os mais jovens
89
Carrancismo pode ser compreendido como a característica da pessoa ligada ao passado, que não se dobra ante
opiniões contrárias, inflexível, sisudo. Ver: MARTINS, Flávio Dantas. Agrocaatinga: formação da propriedade
fundiária, organização social e estrutura econômica em Morro do Chapéu e Xique-Xique (1840-1920). 2012.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2012, p. 34.
90
Vitanor Moreira dos Santos entrevista realizada no dia 07 de novembro de 2012.
91
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras
Escolhidas. 5. ed. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 200.
35
Para essa população, em geral, as eras boas compreendem os anos com terminações 4
e 5, e essas conclusões baseiam-se na repetição continuada de fases boas. Os anos que
terminam em 2 e 3 são anos que não apresentam esperança de bom inverno. Já os anos com as
terminações 6, 7, 8 e 9 são anos neutros, transitórios.94
92
Segundo os informantes o termo “era” é entendido como referencia ao tempo, tomando o último algarismo
como definidor da era, por exemplo, o ano de 1932 é definido como era de 2.
93
Lindolfo José Ferreira, entrevista concedida a autora em 27 de novembro de 2011.
94
GOMES, Alfredo Macedo. O imaginário Social da Seca. Recife: Massangana, 1998, p. 143.
95
SILVA, Candido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no sertão da Bahia. São
Paulo: Ática, 1982, p. 33.
96
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida a autora em 29 de novembro de 2011.
36
A própria ideia sobre Deus passava a ser ressignificada pelo homem do sertão
estabelecendo relações entre as intempéries climáticas, a fome, a morte, a um Deus
castigador, lembrança do Jeová calamitoso dos Hebreus. Essa divindade seria uma
potência da terra seca. Se os sertanejos responsabilizavam Deus pelas leis ferozes,
maldições e castigos eternos, recorriam a Jesus como providência mediadora,
encarregado de amansar a dureza das leis naturais e de distribuir o bem e a
felicidade.97
A ameaça da seca e suas terríveis consequências era uma constante na vida dos
sertanejos e a possibilidade de que o inverno não fosse bom, causava insegurança e medo,
fazendo com que essas pessoas se sentissem pequenas e impotentes diante da força da
natureza. A seca era entendida como um castigo pelos pecados cometidos pela população e as
dificuldades impostas deveriam ser percebidas enquanto punição, dessa maneira a
religiosidade sertaneja era calcada em uma “perspectiva penitencial”. “A seca enquanto
decorrência de metafísicos, constituindo-se em expressão de um ‘castigo divino’ destinado a
purgar os pecados cometidos ou sendo fruto de um ‘esquecimento’ do Senhor em relação às
necessidades dos grupos vitimados”.98
Para os sertanejos o inferno seria uma seca eterna. A seca enquanto castigo deveria
servir para purgar os pecados aqui na terra, para que pudessem gozar da felicidade eterna, sem
as privações que as secas impõem “[...] mortificando a vida, pra viver na morte”. Seria
representado por polos opostos, inferno representando a seca, o que a população dessa região
conhecia de mais triste e penoso, e o céu imaginado seria o bom inverno, com fartura e
abundância.
“Um grande desanimo se reflecte nas coisas e nas creaturas, [...] na galharia ressequida
das árvores e no mugir tristissimo do gado em torno das cacimbas sem água. Que maldição
terrível teria descido na região [...] para tanto sofrimentto e tanta dor ?” 100. O jornal Correio
de Bonfim aborda a questão da seca enquanto castigo divino, e busca entender qual teria sido
97
SILVA JUNIOR, Agenor Soares e. “Homo Religiosus na formação do semi-arido cearense”. In: Revista
Homem, Espaço e Tempo, set/out de 2009.
98
ARAUJO, Maria Lia Corrêa de. “Seca: fenômeno de muitas faces”. Cad. Est. Soc. Recife. v. 16, n. 1, jan- jun.
2000, p. 11.
99
SILVA, Candido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no sertão da Bahia. São
Paulo: Ática, 1982, p 48.
100
Correio de Bonfim, 28 de junho de 31, ed. 39, p. 1.
37
o pecado cometido pela população da região para que merecesse tamanha punição. Ao
analisar dessa maneira, um fenômeno que nesse período, meados do ano de 31, ainda não
causavam grandes prejuízos a outras camadas da população que não fosse aquelas diretamente
ligadas à lavoura, isentava o poder público de qualquer responsabilidade, sendo castigo dos
céus, nada se podia fazer.
Transformar o fenômeno da seca em um problema apenas hídrico e natural era negar
que a situação de penúria em que vivia essa população dizia muito mais respeito a uma
estrutura social, política e econômica excludente e concentradora. Portanto, desviava-se o
foco dos problemas sociais, que eram apenas agravados pela seca, para transformá-los em
algo natural e intransponível. A situação de pobreza estava presente antes da seca, e não se
acabava com o fim dela, pois a população enfrentava dificuldades cotidianas de baixo de
chuva ou de sol.
Carlos Alberto Steil, ao trabalhar com a experiência da romaria em Bom Jesus da
Lapa, aponta o fato de que a partir dos séculos XVI e XVII houve um novo impulso em
relação ao culto aos santos, pois estes passaram a ser incorporados ao sistema e práticas do
catolicismo universal, permitindo que se tornassem uma maneira de estender a presença da
igreja, libertando as devoções dos espaços restritos do templo 101. A religiosidade no sertão
perpassa todos os estágios da vida, como por exemplo, as festas profundamente ligadas aos
aspectos religiosos, assim como o trabalho.
Os santos deveriam interceder a favor dos sertanejos junto a Deus. Em março, São
José; e no mês de junho, São Pedro e São João, tinham por tarefa auxiliar os sertanejos para
que tivessem um ano de fartura. Faziam-se orações, procissões e promessas, pessoais ou
coletivas para afastar a possibilidade de seca. As secas eram entendidas enquanto um
desequilíbrio entre as ações dos homens que estavam em falta com os santos e os céus. As
rezas, romarias, novenas e festejos eram compreendidos como uma maneira de reestabelecer
esse equilíbrio e dessa maneira os santos fariam a ressacralização desses espaços.
101
STEIL, Carlos Alberto. O sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da
Lapa - Ba. Petropólis, Vozes, 1996.
102
SILVA JUNIOR, Agenor Soares e. “Homo Religiosus na formação do semi-arido cearense”. In: Revista
Homem, Espaço e Tempo, set-out. 2009, p. 138.
38
O dia de São José, dia 19 de março é a esperança última do sertanejo, se chover nesse
dia, o inverno também será de chuva e o milho plantado nesse dia estará maduro para ser
colhido no São João.
As festas religiosas e os festejos para os santos eram diretamente ligados aos períodos
de colheitas. A população sertaneja dependia do tempo favorável para que pudessem oferecer
os dízimos, pagar as promessas aos santos e participar dos festejos. “[...] o tempo e o modo da
festa articulam-se diretamente ao tempo do trabalho” 104. É uma religiosidade pragmática, em
que é possível perceber, por exemplo, a solidariedade em forma de adjuntório, boi roubado,
quebras e tiras de licuri. O trabalho possui múltiplas dimensões, reunindo elementos técnicos,
festivos, com rituais religiosos e mágicos. A maioria dos festejos sertanejos está intimamente
ligada ao trabalho. O meio ambiente se apresenta na constituição dos hábitos, dos costumes e
valores.
Nesses momentos, assim como em toda a vida sertaneja, o trabalho está intimamente
ligado à religiosidade e à festa. Podemos perceber nas práticas da religiosidade sertaneja que
não há sacrifícios de animais, uma vez que a situação de penúria vivida por essa população
não permitia que estes pudessem oferecer víveres como sacrifícios. Os próprios sertanejos já
eram transformados em vítimas, na sua labuta diária pela sobrevivência, dessa maneira as
dificuldades diárias impostas a eles influenciavam também as formas da religiosidade local,
“[...] seu corpo e o espirito- foram convertidos na simbólica diária da oferenda possível” 105.
Os sacrifícios eram feitos usando o próprio corpo em longas e dolorosas caminhadas, ou
romarias para pagar promessas.
103
MAGALHÃES, J. “Previsões folclóricas das sêcas e dos invernos no Nordeste brasileiro”. In: Fortaleza:
Imprensa Universitária do Ceará, 1963, p. 255.
104
SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e migrações - Bahia
1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998, p. 63.
105
GOMES, Alfredo Macedo. O imaginário Social da Seca. Recife: Massangana, 1998, p. 135.
39
O catolicismo popular, enquanto uma religiosidade que deriva de uma “matriz erudita”
assim como de uma tradição popular, resulta de influência de várias outras religiosidades e
acaba por se afastar desse catolicismo oficial. Muito desse “código de sabedoria popular”,
festejos e promessas eram considerados pela Igreja enquanto “folclore dos subalternos”107.
Não podemos achar que a submissão dos homens e mulheres do sertão diante das leis
da natureza e de Deus era simplesmente passividade. A confiança de que Deus vai prover e
ajudar nos momentos de dificuldade não significa que estes não estivessem atentos às
obrigações dos governantes aqui na terra. Era muito mais a ideia de confiar na justiça e
generosidade divina, superior a dos homens, uma vez que sofriam a exploração do homem
pelo homem e eram esquecidos pelos governantes.
Há uma grande distância entre aceitar os desastres ecológicos por falta de defesas
culturais proporcionadas e submeter-se às injustiças e violências como vontade
divina. Aqui também não alvitra o povo uma saída racional para os impasses, mas
sua sabedoria destila uma desconfiança crítica em relação ao poder político.108
Esses saberes populares podem ser entendidos como brechas de autonomia dessa
população diante do lugar de subalternidade que lhes confere. Muitas vezes tendo os
conflitos sociais expressos em seus símbolos podendo servir de base para
movimentos sociais em momentos de crise.110
106
SILVA, Candido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no sertão da Bahia. São
Paulo: Ática, 1982, p. 39.
107
ZALUAR, Alba. Homens de Deus: um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular. Rio de Janeiro,
Zahar Editores, 1983, p. 9.
108
SILVA, Candido da Costa e. Roteiro da vida e da morte: um estudo do catolicismo no sertão da Bahia. São
Paulo: Ática, 1982, p. 61.
109
ZALUAR, Alba. Homens de Deus: um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular. Rio de Janeiro,
Zahar Editores, 1983.
110
Ibidem.
40
Não podemos esquecer que muitos dos movimentos sociais que mais repercutiram no
Nordeste foram movimentos que tinham como base o catolicismo “rústico” ou popular. No
entanto, sob o olhar preconceituoso que buscava delimitar o sagrado dentro de determinados
limites definidos pela igreja, a religiosidade sertaneja foi vista como crendices, assim como os
movimentos sociais do sertão foram entendidos como “fanatismo”.
Rui Facó aborda em seu livro Cangaceiros e Fanáticos as causas de movimentos
sociais como o Cangaço e o surgimento de líderes religiosos que foram entendidos enquanto
“fanáticos”, tendo como causas uma base “perfeitamente material”. Busca na origem de
personagens como Lampião, Corisco e tantos outros, a miséria, o analfabetismo e a
exploração sofrida como as causas para o surgimento destes. Para o autor, esses movimentos
foram uma resposta à miséria em que viviam, tendo como expressão a religião ou as armas111.
O que se convencionou chamar de fanatismo expressava a rebeldia e a insubmissão da
população sertaneja. Adjetivar de modo pejorativo esses movimentos é ignorar que essa
população encontrou na religiosidade o elemento impulsionador, o instrumento de luta pela
libertação e melhoria de vida.
Fazem parte desta dieta forçada dos flagelados pela seca inúmeras substancias bem
pouco propicias à alimentação, das quais os habitantes de outras zonas do país nunca
ouviram falar que fossem alimentos. Substancias de valor estranho, algumas toxicas,
outras irritantes, poucas possuindo qualidades outras além da de enganar por mais
algumas horas a fome devoradora, enchendo o saco do estomago com um pouco de
celulose.115
114
GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas na Bahia do século XIX (Sociedade e Política). 2000. 169f.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado da Bahia,
Salvador, 2000, p. 45.
115
CASTRO, Josué de. Geografia da fome: dilema brasileiro, pão ou aço. Rio de Janeiro: Antares, 1984, p. 219.
42
Concordamos com Castro que a amplitude dos efeitos da seca é enorme, no entanto ela
não atingiu da mesma maneira a todas as camadas da população, ela recai de forma mais
perversa sobre a população carente. Palestino nos oferece uma descrição da situação em que
muitas famílias da região de Jacobina se encontravam diante dos efeitos da seca de 1932:
“Quem não comeu o bró sofreu, muitos, muita gente saiu daqui pro sul 117, que é onde tinha
farinha e morreu no caminho. Vi contar muitos que pedia e o povo num dava, morria de fome.
Entonce, a gente se valeu com o bró”.118
Segundo o Jornal O Correio do Sertão “Aqui, Por exemplo, em Morro do Chapéo, a
situação tocou o auge: a fome estendeu seus tentáculos por innumeros lares, já tendo se
registrado até diversos casos de fallecimento pela citada fome [si])” 119. Nem sempre as
estratégias adotadas pela população, como a adaptação da dieta alimentar, eram suficientes.
Estando essa população sem recursos para manter a segurança alimentar, muitos não resistiam
e acabavam falecendo.
“O bró de urucurizeiro, tristemente, já esta sendo usado, como alimento pela pobresa
necessitada em muitas vila e povoados [sic]”120. A farinha de mandioca era a base da
alimentação, principalmente da população com menos recursos. Quando em tempo de
estiagem e diminuição da oferta, foi necessário por parte da população faminta recorrer ao uso
de outras plantas e raízes para a fabricação de farinha. Conforme aborda Martins, “A ausência
desse alimento, devido a escassez de chuva seria, portanto, a principal causadora da fome, e
em consequência, do sofrimento”.121
A importância da farinha de mandioca na alimentação da população da região,
também é salientada pelo jornal Correio do Sertão, ao dizer que “Os gêneros, especialmente a
farinha, que é o pão do pobre, continua cada vez mais subindo de preço” 122. Havia, inclusive
segundo a autora, uma parcela da população, com melhores condições financeiras, que
produziam uma espécie de farinha com diversas matérias primas, a exemplo do palmito.
116
Ibidem, p. 175.
117
O Sul que o depoente se refere é o Sul da Bahia.
118
Palestino Amâncio de Araújo, entrevista concedida à autora, no dia 28 de setembro de 2011.
119
Jornal Correio do Sertão, 18 de dezembro de 1932, n. 774. p. 01.
120
Jornal Correio do Sertão, 29 de maio de 1932, n. 745. p. 02.
121
MARTINS, Daiane Dantas. Um flagelo no sertão baiano: cotidiano, migração e sobrevivência na seca de
1932 (Vila de Canabrava do Gonçalo/Xique-Xique). 2010.132f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós
Graduação em história Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Santo Antonio de Jesus, 2010, p.
424.
122
Jornal Correio do Sertão, 12 de junho de 1932, n. 747. p. 01.
43
Segundo Martins, “É provável que essa farinha de palmito já fosse feita com a finalidade de
ser doada aos flagelados [...]”.123
Percebe-se que a maioria dos grupos de “flagelados” eram compostos por não
proprietários, reunindo-se assim vários tipos de trabalhadores rurais, como meeiros e
trabalhadores assalariados temporários, sobre os quais recaíam os efeitos mais devastadores
da seca. Nesse caso, a fome era a principal consequência da estiagem, pois em anos normais
essa camada populacional apenas conseguia o básico para a subsistência das famílias e não
armazenavam alimentos ou recursos para enfrentar os “anos difíceis”, a seca agrava o estado
de miséria que estavam submetidos esses sertanejos e é essa situação de pobreza que dá o tom
de horror da seca.
Em regiões como a de Jacobina, no período de 1932, a base da pirâmide social era
composta por pessoas ligadas a atividades agrícolas bastante vulneráveis aos efeitos do clima
e essa camada sofria os impactos mais severos provocados pela estiagem, por estarem
expostos à vulnerabilidade das lavouras que dependiam totalmente das chuvas.
A perda da safra colocou essa parcela da população em situação de indigência, porque
em sua maioria eram pequenos proprietários ou trabalhavam em terras alheias. Mas o
trabalhador, homem do sertão, tem orgulho das mãos calosas, portanto a seca seria o elemento
empobrecedor do homem do campo. Além de se depararem com a falta de água, eles não
tinham recursos para comprar os gêneros de primeira necessidade, provocando,
simultaneamente, a redução na oferta de alimentos, a consequente alta dos preços e o
desemprego, numa região onde era grande a instabilidade ocupacional dos trabalhos
assalariados temporários.
Ao analisar a seca de 1932, na região de Canabrava do Gonçalo, Martins aponta que
os sertanejos nos tempos de escassez necessitavam de reorganização das atividades diárias
para obtenção de alimentos que permitissem a sobrevivência, principalmente para as famílias
com maiores dificuldades econômicas. Ainda segundo a autora, as famílias “[...] tiveram que
recorrer a raízes e frutos silvestres, não aproveitados na ausência da seca, inclusive pelas
características nocivas à saúde apresentadas por alguns destes alimentos”124. A mucunã, por
exemplo, leguminosa que apresentava propriedades nocivas a saúde, portanto só era utilizada
quando todos os meios para conseguir alimentação falharam. Lindolfo assim nos fala das
agruras sofridas no período pela camada mais pobre,
123
MARTINS, Daiane Dantas. Um flagelo no sertão baiano: cotidiano, migração e sobrevivência na seca de
1932 (Vila de Canabrava do Gonçalo/Xique-Xique). 2010.132f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós
Graduação em história Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Santo Antonio de Jesus, 2010, p.
427.
124
Ibidem.
44
Trinta e dois foi de acabar tudo, acabou, um pingo de feijão não tinha, farinha não
tinha e quem não quisesse morrer comia bró, quem podia tirar o bró, comia bró
(pausa) é assim. E farinha um caroço não tinha em terra nenhuma, lugar nenhum, no
sul tinha, no sul tinha farinha, mas quando uma pessoa pegava um animal que ia
buscar no caminho morria, botava lá um saco de farinha no caminho viajava, não
chegava aqui não [sic].125
Compadre Manué tomou o mundo, quando foi um dia, um dia de sábado, um dia de
sábado que era a feira de São José, quando tava tudo assim, óiano pro mundo assim
sem ter um litro de farinha nem um litro de feijão, (...) e aí o povo disse mas o que é
que se vai fazer, o povo ficou tudo doido, o que é que se vai fazer? O que é que se
vai fazer? quando foi na base de duas horas, naquele tempo o povo carregava as
coisas e botava a cia126 nos burros viu, com pouca hora Mané Varge D`agua entrou
carregado de feijão, carregado de feijão, montou, meteu oito burro arriado, bom
derrubou aquelas caixa, derrubou aquelas caixa juntou mais gente, ninguém sabe de
onde veio tanta gente, e ficou ali aberano ali, ai ele, ele disse vou botar aqui encostar
os burro ali, encostou, foi encostar os burro, chegou disse ói, caçou aquelas pessoa
que ele tinha fé e disse vá medindo aí que eu vou recebendo o dinheiro, preciso
receber o dinheiro, pra comprar em outra terra traveis, aí ele ficou recebeno aquele
dinheiro e o povo desfazeno, ói dentro de uma hora de relógio cabou tudinho,
tudinho tudinho ele levou só o dinheiro [sic]127.
Lindolfo nos conta nas suas lembranças de menino que tinha apenas doze anos, o que
marcou sua memória. Aqueles que conseguiam chegar à região de Jacobina com gêneros
alimentícios conseguiam vendê-los rapidamente, como aponta o depoimento acima,
demonstrando a escassez total destes alimentos. Não podemos esquecer, no entanto que
aqueles que não possuíam dinheiro algum para comprar esses gêneros, só lhes restavam a
flora silvestre para amenizar a fome.
No momento em que o Lindolfo aponta no seu depoimento que “[...] caçou aquelas
pessoa que ele tinha fé e disse vá medindo aí que eu vou recebendo o dinheiro, preciso
125
Lindolfo José Ferreira, entrevista concedida à autora, em 27 de novembro de 2011.
126
Cinta ou faixa usada para prender a sela nos animais.
127
Lindolfo José Ferreira, entrevista concedida à autora, em 27 de novembro de 2011.
45
receber o dinheiro, pra comprar em outra terra traveis”, ele deixa claro que havia o risco de
saques por parte da população que ficou ali “aberano”. Uma vez que é possível inferir que boa
parte da população não podia comprar os alimentos que eram a base da alimentação local.
[...] agora a farinha foi com dificulidade pra plantar a mandioca e ela criar e dar a
farinha. O mais vinha do sul, quem tinha dois ou três burros ia buscar no Sul. A
pessoa que ia comprar um prato128 de farinha, que o pobre só comprava um, dois ,
a feira era no São José, o tropeiro tava com a agúia de arrochar o burro na mão,
quem tinha o direito de meter a mão pra panhar? Se metesse a mão óia, pau! Batia
na mão. Eu ia comprar pros pequeno que tinha e nóis comeno o bró e assim por
diante [sic].129
O narrador nos mostra também a dificuldade para obter farinha, já que a mandioca
demora cerca de dois anos para ficar no ponto para ser colhida e transformada em farinha. Ele
salienta ainda que “A pessoa que ia comprar um prato de farinha, que o pobre só comprava
um, dois”, portanto a camada mais pobre da população apenas comprava pequenas
quantidades, muitas vezes para alimentar as crianças. Dizia ainda que “[...] ia comprar pros
pequeno que tinha e nóis comeno o bró”. O senhor Palestino comprava para seus irmãos
menores, que eram mais sensíveis a alimentação exótica de plantas e raízes.
Assim como Lindolfo, o depoimento de Palestino aponta a necessidade de que o
tropeiro estivesse munido com uma agulha utilizada para lidar com cavalos e burros, porém
nas feiras enquanto vendia os gêneros alimentícios também servia para punir possíveis
tentativas de pequenos saques de punhados de farinha, pois “[...] tropeiro tava com a agúia de
arrochar o burro na mão, quem tinha o direito de meter a mão pra panhar? Se metesse a mão
óia, pau! Batia na mão”.130
Ai esse Quirino tinha três burro, era os caminhão de hoje, ele ia no Gandú131,
chamava o sul era de Gandú e trazia esses três burro, me lembro dos nome era Passo
preto, Andorinha e Mazona trazia carregado, uma de milho, um de feijão e um de
farinha, num trazia os sacos cheio não, uns sacos veio de couro oxe. Chegava na rua
do São José botava uns litrinho de pau, uma banda de um litro e outro meio litro,
quem tinha dinheiro pra comprar dois ou três litro comprava, quem não tinha
comprava meio, comprava litro e meio quem comia era as crianças, ói os meninos
cresceram as barrigas ficou deste tamanho [sic].132
128
É a unidade de medida que corresponde a cinco litros, o recipiente é feito de madeira e é usado para medir
gêneros alimentícios como feijão, milho e farinha.
129
Palestino Amâncio de Araújo, entrevista concedida à autora, no dia 28 de setembro de 2011.
130
Ibidem.
131
O Gandú a que a depoente se refere é a atual região do Sul da Bahia.
132
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
46
Os gêneros alimentícios que chegavam através dos tropeiros eram vendidos nas feiras
da região. A narradora indicou que o transporte que era feito no lombo de animais “[...] era os
caminhão de hoje”, pois a falta de transporte dificultava a chegada rápida e em quantidade
suficiente dos alimentos, o que os tornavam mais caros, dificultando ainda mais a aquisição
destes por parte da população mais carente.
Para essa população talvez prevalecesse a ideia de que eles eram “[...] a outra face do
país que não produz para enriquecer e, sim para sobreviver” 133. A produção dos pequenos
lavradores, trabalhadores temporários e meeiros era o plantio para a alimentação da família,
apenas o excedente era comercializado nas feiras da região para aquisição de bens que não
eram produzidos por eles, como combustíveis e ferramentas. Esse auto-abastecimento
tornava-se necessário devido ao isolamento das estradas e ao transporte de diversos gêneros
serem feito em lombos de animais, demorando dias para chegar ao destino.
Quando Dejulina fala que “[...] quem comia era as criança [sic]”, demonstra que
possivelmente a sua família não tenha conseguido comprar essa pequena quantidade destinada
às crianças, denunciando novamente as condições de vida em que a maior parte da população
de Jacobina vivia. Dizia ainda que “[...] lá em casa nóis era doze, vivia do que a roça dava e
do macaco134 quando achava”. Nos conta a história de um de seus irmãos que veio a falecer,
relatando que “[...] foi de manhã ele manheceu dizendo que tava com a cabeça doendo e
vomitando, só durou vinte e quatro hora, morreu, era loirinho, Manuel, foi batizado em casa
[...] acho que era aquelas comida”.
Luiz lembra que “[...] é muitos, muitos na seca de 32 trazia na cabeça de a pé, trazia
um mói de farinha na cabeça, comprava oito ou dez pratos, amarrava bem marradinho
marrava na cabeça tocava de lá pra cá” e aponta ainda que “[...] a farinha a gente trazia, era
pouca gente que comia a farinha naquele tempo de 32” 135. Demonstrando que a farinha de
mandioca tornou-se um artigo raro e caro, portanto poucas pessoas tinham acesso a ela
durante a seca.
Diante desse quadro em que a agricultura estava em colapso, a carestia e a fome
campeavam por Jacobina e região, sementes e raízes silvestres, que não eram utilizadas
normalmente, passaram a ser usadas como alimento para as pessoas e os animais.
133
MARTINS, Flávio Dantas. Agrocaatinga: formação da propriedade fundiária, organização social e estrutura
econômica em Morro do Chapéu e Xique-Xique (1840-1920). 2012. 194f. –Programa de Pós Graduação em
História- Mestrado, Universidade Estadual da Bahia, Feira de Santana, 2012.
134
Trabalhar de macaco significa vender sua força de trabalho, a diária por exemplo para os proprietários e
fazendeiros. Ser macaqueiro corresponde a ser um trabalhador temporário, como analisa OLIVEIRA (2009) a
associação com o símio, que vive pulando de galho em galho, está ligada a instabilidade que vive o trabalhador
rural que não possui propriedades.
135
Luiz Maciel Sobrinho, entrevista concedida à autora, em 19 de fevereiro de 2012.
47
Entre as famílias que compõem a flora xerófita destacam-se as cactáceas, tais como
as palmatorias, os mandacarus, os xique-xique e os faicheiros. Plantas dum valor
inestimável na época das secas, ajudando a gente e o gado a escapar aos seus rigores
mortíferos.136
Dentre essas espécies, uma das mais importantes para os sertanejos foi o licuri,
segundo Oliveira “O licuri (Syagrus caronata) é uma palmeira nativa do semiárido, de frutos
comestíveis, cuja medula fornece fécula e cujas sementes produzem óleo”. O caule do
ouricurizeiro ou licurizeiro foi utilizado por boa parte da população, especialmente a mais
carente, como alimento. A utilização do bró foi comum, usado como o último recurso diante
da total escassez imposta pela estiagem. Palestino relembra como era o processo para retirar o
bró do licurizeiro:
O bró tinha que derrubar o licurizeiro, o licurizeiro baixo, tirar a ingarra daqui pra
baixo, era limpo daqui pra baixo a madeira, depois a ingarra, até dentro da ingarra.
Primeiro se derrubava o licurizeiro, (...) vinha tirar aqui, descascava dois licurizeiro
e botava no animal, levava pra bater lá, descascava o licurizeiro, cabá cortava as
tora, rachava com a cuia da enxada,fazia uma cuia com a enxada, rachava, botava
numa esteira por que lá tinha lagedo, botava numa esteira no tempo batia com cêpo,
sacudia caia a massa, tinha licurizeiro de ser como melhor do que farinha, era
tapioca pura, alvinho, ali cozinhava o cuscuz [sic].138
Dejulina também nos falou como era o processo para transformar o palmito do
licurizeiro em alimento. A alimentação do jacobinense, que diariamente não era tão farta nos
períodos de seca, passava por uma drástica redução. Quando chegava a esse estágio, os
sertanejos a caracterizava como “necessidade”. O que significava que esta já havia
ultrapassado os níveis tolerados das carências diárias e chegava a um nível critico.
136
CASTRO, Josué de. Geografia da fome: dilema brasileiro, pão ou aço. Rio de janeiro: Edições Antares,1984,
p.180.
137
OLIVEIRA, Joseane Bispo. Trabalho e sociabilidade no sertão da Bahia: as “quebras” e “tiras” do licuri.
2009. 135 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências Humanas, Universidade do Estado da Bahia,
Santo Antonio de Jesus, 2009, p.15.
138
Palestino Amâncio de Araújo, entrevista concedida à autora, no dia 28 de setembro de 2011.
48
[...] batia aquele bró, batia, batia, assim lá em casa onde eu moro tem um lagedinho,
(...) chamava o lagedo do bró, estendia aquele bró, num vê uma serragem de pau,
uma serragem de madeira, bem vermeia? era aquela .Quando tava seco ia pro pilão,
ia pro pilão, quando acabava cessava numa arupemba, fazia ou o cuscuz ou beiju,
agora ia comer aquele cuscuz ou beiju de bró, num vê moía um bucadinho de uma
areia bem vermeia e fazer? era assim, era sorto, tinha um fedor assim marguento
num sei cuma era [sic]139.
Bró, nós comemomuito o bró, eu eu já era grandinho, eu ia mais meu pai, meu pai,
meu pai nóis furava os licurizeiro, aqui acolá nóis achava um que prestava, que tinha
madeira, na canela do licurizeiro era uns não era todos não. Batia pra fazer o cuscuz,
eu ainda vi fazer o cuscuz de bró, eu ví, fazer cuscuz de bró em 1932 pra entrar em
33 [sic].140
Os narradores deixam claro que a utilização do bró foi feita apenas em momentos de
extrema necessidade, que o mesmo tinha um péssimo gosto, como enfatiza Dejulina: “[...]
num vê moía um bucadinho de uma areia bem vermeia e fazer? Era assim, era sorto, tinha um
fedor assim marguento, num sei cuma era”. Na memória dessa população o licuri e,
consequentemente, o bró ficaram marcados, talvez porque remetessem diretamente às
dificuldades que enfrentaram nesse período. Mas, é fundamental percebermos que para essa
população o licuri foi e é ainda hoje um produto de muita importância.
Com a transformação da paisagem que ocorria com a prolongada escassez, o licuri
sempre foi um grande aliado do sertanejo, servindo como alimento ou ainda complementando
a renda deles que fabricavam com o licuri artesanatos e comercializavam o coquilho.
Praticamente todas as partes da palmeira eram aproveitáveis, as folhas serviam para a
cobertura das casas e também eram utilizadas para confecção de chapéus, esteiras, peneiras e
capangas, como salienta Dejulina,
Eu cansei de ver casa, uma casa com uma porta de paia, a porta era de paia, pegava
as paia de licurizeiro e trançava óia, umas nas outras cuma quem tá fazendo esteira,
fazia aquelas portas, nos pezinhos com uma vara e dobrava as pontas em cima em
dobradinha, tudo isso eu vi [sic] 141.
139
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
140
Luiz Maciel Sobrinho, entrevista concedida à autora, em 19 de fevereiro de 2012.
141
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
49
produzem apenas bens materiais, mas principalmente uma visão de mundo particular, que se
manifesta no código de saberes populares, técnicas, crenças, culinária, artesanatos. A
narrativa de Dejulina nos mostra de que maneira essa visão de mundo, que foi construída por
meio das dificuldades impostas pela situação de pobreza, permitia-os fazer uso do que a
natureza dispunha, para satisfazer suas necessidades, como cobrir as casas com palhas de
licurizeiro. Ou ainda, a maneira como preparam as vísceras de animais, por saber que
estragavam rápido, e transformaram em um dos principais pratos da culinária nordestina, a
buchada ou o sarapatel, para só depois comer a carne salgada que poderia ser conservada por
mais tempo.
Para além do licuri outras plantas e raízes eram usadas em momentos de estiagem,
como o chique-chique e a palma, mostrados na reportagem do Jornal Correio do Sertão:
Dejulina salienta que não foi apenas o bró que a população da região utilizou,
Outros era batata de imbu, metia o pé rancava o bichinho pela raiz cavano aquela
batata, o bró era ruim mas a batata era pior, por que secava ficava que nem uma
prana de cangaia, [...] ficava aquela lama, tu botava ela numa agua quente agora ela
ficava assim por cima nadano, nadano [sic]143.
[...] entonce a comida da seca era essas, o bró, o mucunã, batata de imbu vixe! foi o
mais ruim que houve. Os imbuzeiro [...] debaixo dos imbuzeiros era tudo cavado do
povo cavar, tirar a batata, mas a comida era ruim, era ruim, ruim a massa seca,
moiava com caldo de carne e ainda assim não se podia comer direito, mas de
qualquer maneira enchia o bucho né? [sic].144
A mucunã também foi muito utilizada pelos sertanejos, mas havia uma série de
dúvidas e receios a respeito da mucunã. Havia a crença, por parte da população, que ela era
venenosa, por acreditar que a mucunã possuía características nocivas à saúde. Havia alguns
procedimentos para a sua utilização e segundo Palestino para que se pudesse comer a mucunã
era preciso alguns cuidados: “[...] era lavado em nove água, se fosse na lua nova ainda
embebedava gente. Ainda tinha gente que não guentava ele, embebedava pra ficar ai largado,
142
Jornal Correio do Sertão, 18 de dezembro de 1932, n. 745. p. 01.
143
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
144
Palestino Amâncio de Araújo, entrevista concedida à autora, no dia 28 de setembro de 2011.
50
era lavado em nove água”. A mucunã era usada para fazer uma espécie de cuscuz e para
comê-lo havia ainda uma época específica. Conta Palestino que “[...] comia, lavava na água,
uma liga danada, fazia o cuscuz, pra cortar dava trabalho, tinha de comer ele frio, na estação
de lua nova não comia, lavava o tanto que lavasse” 145.
Dentro do conjunto de saberes que foram sendo formulados, a partir da convivência
com a natureza e as necessidades que faziam parte do cotidiano dessa população, os sertanejos
criaram maneiras para que a mucunã pudesse ser usada como alimento, fazendo com que
fosse retirado o seu veneno. Mas, segundo Castro a mucunã não é venenosa, pelo contrário, é
rica em vários nutrientes importantes: “Trata-se, pois, de um alimento vegetal [...] rico em
proteínas, dos mais ricos do mundo, quase idêntico a soja (com 38%) e altamente energético
por seu conteúdo de hidrocarbonetos”.146
Dessa maneira, podemos perceber que a utilização dessas raízes e frutos silvestres era
feita nos momentos de escassez pela camada da população mais carente, indicativo de que a
seca não atingia a todos com a mesma intensidade. Lindolfo, por exemplo, se encontrava em
uma situação financeira um pouco melhor do que boa parte da população, apesar de sua mãe
ser viúva e ter oito filhos, ele nos conta que eles tinham um rebanho de ovinos considerável.
Por que nóis mesmo lá em casa num murrimo e também comia muito carne, que a
criação, a criação era de matar três por semana, que era carne, era criação, era
criação que tava nagrejano, foi sumindo, sumindo, sumindo. Ói em 32, um dia
mamãe disse: hoje é pra prender as criação de Lindolfo pra saber quantas tem, as
ôveia, ai os meninos de tarde foi juntar, de tarde foi juntar as ôveia tinha dormido
num dormidor [...], que era ôveia, era ôveia mesmo. Ai eles chegaram, eles
arrudiaram, ela disse: pega, tinha dois curral, bota as de Lindolfo pra um canto e as
outras pra outro, ai os meninos pegaram aqueles [...] correno e pegano ainda contou
setenta e duas cabeça minha, só minha, setenta e duas cabeça de ôveia, quando
acabou a seca ficou as duas. (risos) As duas contadas, as duas contadas nesses dois
dedos ai. A seca comeu tudo, comeu, esparramou, morria e e e esparramou tudo
ficou duas pode jurar isso na verdade como a isso que lhe digo e foi assim minha fia
[sic].147
Podemos considerar que Lindolfo e sua família estavam no grupo dos que possuíam
suas próprias terras, portanto eram os produtores. Ainda que a seca tenha atingido a sua
família de forma bastante intensa, como ele mesmo ressalta: “[...] ainda contou setenta e duas
cabeça minha, só minha, setenta e duas cabeça de ôveia, quando acabou a seca ficou as duas”,
assim é possível perceber que a família conseguiu administrar os efeitos da seca de forma
145
Ibidem.
146
CASTRO, Josué de. Geografia da fome: dilema brasileiro, pão ou aço. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1984.
147
Lindolfo José Ferreira, entrevista concedida à autora, em 27 de novembro de 2011.
51
mais tranquila. Ele e sua família não comeram o bró, “[...] é, o bró, eu mesmo não comi o bró.
Eu não comi e o meu povo também, morria de fome mas não comia, mas passava fome”.148
É inegável o prejuízo causado pela seca, seja por que as criações de ovelhas morreram
de fome, foi roubada ou ainda porque foi o último recurso utilizado pela família como
maneira de se manter, mas o que queremos demonstrar é que essas famílias possuíam
melhores condições para enfrentar a seca. Não comendo o bró, por exemplo, mesmo que
sendo pouquíssimos os recursos disponíveis, ainda havia a opção de se utilizar de seu
rebanho, diferentemente da população que, não sendo proprietária, vendia sua força de
trabalho aos fazendeiros da região, o que é chamado ainda hoje de “trabalhar de macaco”. O
trabalho era extremamente desgastante e os trabalhadores faziam a roçagem, capinavam,
plantavam e colhiam, no entanto a remuneração recebida era baixíssima, o que os impediam
de manter de forma digna suas famílias.
Para além da fome, essa população enfrentava ainda dificuldades para conseguir água
para os seres humanos e os animais. Todos os depoentes abordam as dificuldades enfrentadas
para conseguirem água. Lindolfo lembra que,
A seca de 32 minha fia só de fala ela por que é o jeito, mais ói, foi uma seca, não
tinha um pingo d’água, passou três anos sem nada, sem um pingo d’água, se num
tinha chuva [...] quatro horas ia pro rio panhar água [risos] quando chegava no rio
panhava um pote de água saia bebendo com ele até em casa [sic].149
É possível supor que essa água deveria em muitas situações ser de péssima qualidade,
o que piorava e muito a saúde da população já fragilizada devido à má alimentação. A falta de
água piorava as condições de higiene dessas pessoas, o que contribuía para o surgimento de
várias doenças que atacavam os corpos já bastante debilitados. Palestino nos conta que para
obter água, quando chovia em algum lugar, retiravam a água das folhas do gravatá:
Água era a coisa mais difícil, dava um sereno de chuva, os gravatá era tudo limpo
arrumadinho assim [...] assim e a chuva era assim uma aqui outra ali, uma
manguinha de chuva, enchia os gravatá e agora pegava numa bacia pra beber, pra
dar água a um bichinho.150
Dejulina nos conta também as dificuldades que enfrentou para conseguir água:
148
Ibidem.
149
Lindolfo José Ferreira, entrevista concedida à autora, em 27 de novembro de 2011.
150
Palestino Amâncio de Araújo, entrevista concedida à autora, no dia 28 de setembro de 2011.
52
[...] viva Deus, secou o rio, secou todo rio secou, nos lugar tinha aquele poço, num
tem uns lugar que tem aqueles poço grande que sempre fica mais fundo [...] de baixo
de um pé de pau onde secou aquela água, ficava meio moiado o povo picava o pau
cavava pra fazer uma cacimba, todo mundo [...].151
151
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
152
Jornal O Lidador, de 04 de maio de 1934, n. 35, p. 01.
153
Jornal O Lidador, 04 de maio de 1934, n. 35, p. 1.
53
que não estavam imunes às consequências da seca, mas possuíam recursos para melhor
enfrentar os efeitos da estiagem.
Para muitos “Fabianos” errantes do sertão, sem terra e submetidos à exploração dos
grandes proprietários; enfrentando as carências materiais e de direito à cidadania; a seca
representada pelo mando do patrão e abandono por parte do Estado, condenaram essa parcela
da população à “vida secas”.
CAPÍTULO 2:
“HÁ UMA MISÉRIA MAIOR QUE MORRER DE FOME NO DESERTO, É NÃO
TER O QUE COMER NA TERRA DE CANÃA”
O presente tópico tem por objetivo discutir de que maneira a seca foi usada como
argumento para angariar recursos dos poderes estaduais e federais. As ações eram
notadamente direcionadas para o combate aos efeitos da seca e não as suas causas, sendo esta
considerada apenas enquanto falta d’água, indicando assim que a solução para o fenômeno
seria a construção de açudes, poços e estradas. Essas obras deveriam servir para dar emprego
aos flagelados, substituindo as doações de mantimentos, que incentivaria o ócio, ocupando e
54
afastando os sertanejos dos centros urbanos, além de contribuir para a melhora das cidades,
utilizando os sertanejos como mão de obra barata.
Segundo Albuquerque, o nordeste é uma invenção, ou seja, um constructo imagético-
discursivo154. O mesmo tipo de análise pode ser aplicado ao semiárido brasileiro, pois a partir
de algumas de suas características, como a caatinga ressequida, carcaças de boi, retirantes
sujos e maltrapilhos, a mídia brasileira constrói seu discurso sobre essa região, definindo-a
enquanto uma realidade imutável, pensamento que passa a ser internalizado por toda a
sociedade.
É necessário desenvolver questionamentos sobre os porquês de um fenômeno tão
recorrente na região ainda ser a causa de inúmeros prejuízos sociais. A investigação sobre o
processo de construção dessa imagem de sofrimento foi apropriada e politicamente utilizada
pelos dirigentes locais, a fim de angariar recursos financeiros para interesses pessoais.
Seguindo essa linha de raciocínio, ironiza Castro, ao dizer que “A culpa da miséria era dos
155
céus e não dos homens” , elucidando a ideia de que os problemas que afligem o Nordeste
são consequências apenas de fatores climáticos e não responsabilidade de seus dirigentes
políticos.
Segundo Gonçalves, até década de 50 do século XIX, a seca não despertava grandes
apreensões naqueles que não estavam diretamente ligados aos seus efeitos. Por outro lado,
uma vasta literatura aponta a seca de 1877, como o momento em que ela surge enquanto
problema nacional, preocupando os poderes públicos.156
No entanto, não é possível entendermos a seca somente a partir de seus aspectos
climáticos, mas também se faz necessário pensá-la como objeto de discursos e práticas. De
acordo com Albuquerque Jr, é importante perceber de que forma o período de 1877 se
instaura como um contexto de desestruturação e conflitos, em que a seca teve condição de
surgir enquanto problema nacional.
Inicia-se uma série de discursos e estratégias que consistiam em propagar de forma
indutiva que os sertanejos eram seres sofridos, algo como “vítimas da natureza”, sendo este
fenômeno a explicação para todos os problemas enfrentados pela população da região, cuja
154
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 2001.
155
CASTRO, Iná Elias de. O mito da necessidade: discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1992, p. 59.
156
GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas na Bahia do século XIX (Sociedade e Política). 2000. 169f.
Dissertação (Mestrado) –Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador.
2000.
55
solução perpassava pelos interesses da elite 157. Como afirma Castro, “[...] a questão nordestina
é uma falsa questão e deve ser deslocada da região para o espaço político historicamente
ocupado por suas elites”158. Essa seca tornou-se um marco inicial das políticas assistencialistas
voltadas para o seu enfrentamento na região.
O ano de 1877 merece destaque por ter sido o momento em que o Estado assumiu uma
postura paternalista em períodos de seca no Nordeste, pois até então o governo não havia
assumido esse papel de responsável por auxiliar a população mais carente em períodos de
escassez, essa função era realizada pelos líderes locais.
As consequências dessa seca foram visíveis em todos os recantos da sociedade, e a
caridade não conseguia mais amenizar a situação crescente de inúmeros flagelados. Vários
foram os motivos que fizeram com que o Estado prestasse socorro à população mais afetada,
desencadeando assim uma mudança na forma como a população carente percebia os
mecanismos de assistência governamental, que passaram de medidas paliativas a uma
obrigação governo.
De acordo com Villa, “Foi no período regencial que pela primeira vez o poder central
aprovou verbas para enfrentar as consequências de uma seca”160. Desde então, muitas foram
às ações empreendidas pelos governantes na tentativa de amenizar esse problema, chegando
até a ideia de importar camelos da África, “Mas as reflexões sobre as formas de combater as
secas acabaram tendo uma curiosa contribuição vinda da Argélia: a importação de
camelos”.161
Ações como estas demonstram que o governo tomou diversas atitudes na tentativa de
minimizar os efeitos das secas, porém essas medidas foram insuficientes, já que não atingiram
157
ALBUQUERQUE JUNIOR. Durval Muniz. Falas de astúcia e de angústia: a seca no imaginário nordestino -
de problema à solução (1877-1922). 1998. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) - Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 1998.
158
CASTRO, Iná Elias de. O mito da necessidade: discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1992, p. 19.
159
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 50.
160
VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão: História das Secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São
Paulo: Ática, 2000, p. 22.
161
Ibidem, p. 24.
56
as reais causas dos problemas, que não eram climáticas, mas sim relacionadas, sobretudo, com
a estrutura socioeconômica e política da região.
A seca é um fenômeno recorrente em regiões de clima semiárido e desde o Império o
governo põe em prática medidas que intencionam a redução dos efeitos das estiagens. No
entanto, elas sempre se limitaram a ações paliativas, uma vez que esse problema
proporcionava troca de favores e a manutenção do poder dos grupos dirigentes locais, por isso
apenas agravava uma situação de pobreza já existente, como é possível perceber no seguinte
relatório da Fundação Joaquim Nabuco,
O IOCS foi criado no ano de 1909, na chamada “Era de Ouro” da Primeira República,
em que grandes obras de infraestrutura estavam sendo construídas. Os recursos destinados ao
órgão estavam muito abaixo do previsto e as obras da Inspetoria não entusiasmavam os
políticos locais, que temiam a modernização do sertão e a erradicação da miséria, esta que
constituía seu principal capital político. Em 1945, o então Instituto Federal de Obras Contra as
Secas (IFOCS), que em 1919 rebatizou o antigo IOCS, tornou-se Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas (DNOCS).
A seca era entendida no meio técnico como a deficiência na distribuição de água,
apenas como a falta ou irregularidade das chuvas. Logo, a solução para este problema
perpassava pela construção de açudes, poços artesianos e fontes. Essas ações, notadamente,
eram direcionadas apenas aos efeitos da seca, não resolvendo as reais causas do fenômeno,
que eram muito menos climáticas e muito mais ligadas ao sistema fundiário e político dos
sertões. Com a IOCS, posteriormente IFOCS, foi difundida a noção de “combate às secas”,
regularizando e institucionalizando o trabalho de obras contra as secas, delimitando inclusive
através de suas ações o território que seria “a região das secas”.163
Para compreender de que forma ocorreram as relações nos momentos de escassez,
entre os diversos âmbitos do governo (estadual, federal e local) e a população, é necessário
refletirmos sobre o contexto político e econômico vivenciado não só na Bahia, como também
162
DUARTE, Renato Santos. Do desastre natural à calamidade pública: a seca de 1998/1999. Fortaleza: Banco
do Nordeste; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2002.
163
FARIAS, Helio Takashi M. de. Contra as secas: A engenharia e as origens de um planejamento territorial no
nordeste brasileiro (1877-1938). 2008. 169f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós graduação em
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte, 2008, p. 92.
57
no Brasil. Com a quebra da bolsa de Nova York em 1929 e a estreita ligação do processo
produtivo brasileiro com o mercado internacional, a produção açucareira foi ao declínio e os
estados do nordeste perderam gradualmente relevância no cenário nacional.
[...] Com a ascensão do café como principal produto de exportação do Brasil, São
Paulo e Minas Gerais passaram a ocupar os lugares de maior importância no cenário
político e econômico do país. A Bahia, no entanto, tornou-se um estado
secundário.164
Ainda segundo a autora, “Enfim, será este estado que, em 1930, observa sem intervir,
o desenvolvimento dos planos revolucionários, mantendo seu posicionamento conservador até
quando é possível”165. No entanto, “O apoio que os revolucionários de 30 receberam no
Nordeste não foi ocasional, mas produto do descaso do governo Federal para com a região,
especialmente a partir de 1922”166. O engajamento no processo revolucionário poderia
representar a obtenção de recursos que eram negados, segundo os dirigentes locais, pelos
governantes da República Velha. Portanto, esperava-se que o governo Provisório alterasse a
maneira como estava estabelecida a política com a região. A seca deveria ser a primeira
questão a ser tratada.
Com a “[...] revolução de outubro de 1930”, foi designado como interventor da Bahia,
o Ten. Juracy Magalhães, que encontrou o estado em péssimas condições econômicas. “O
governo do estado encontra-se em dívidas com bancos internacionais. Sendo “[...] assim, as
consequências da queda nas exportações de forma brusca, a partir de 1930, tiveram efeitos
catastróficos na economia estadual”.167
Nessas condições, o interventor tomou diversas medidas a fim de reorganizar a
economia do estado, dentre elas a cobrança de impostos que causou muitos problemas,
principalmente no que se refere à taxa de cem réis por quilo de carne verde. A cobrança desse
imposto deu margem às críticas dos opositores e como mostra o jornal O Lidador, até os
aliados do governo pediram que fosse revisto
164
PINHO, Ana Luiza Araujo Caribé de Araujo. De forasteiro a unanimidade: interventoria de Juracy
Magalhães na Bahia (1931-1934). 2010. Dissertação (Mestrado) – Faculdade Getúlio Vargas, Rio de Janeiro,
2010, p. 21.
165
Ibidem, p. 21.
166
VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão: História das Secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São
Paulo: Ática, 2000, p. 142.
167
PINHO, Ana Luiza Araujo Caribé de Araujo. De forasteiro a unanimidade: interventoria de Juracy
Magalhães na Bahia (1931-1934). 2010. Dissertação (Mestrado) – Faculdade Getúlio Vargas, Rio de Janeiro,
2010, p. 53.
58
“[...] e o povo, que vendeu para se alimentar os seus últimos recursos, [...] sente-se
ainda desanimado e pobre e não poderá [...] contribuir com tão pesado tributo sobre
a carne, sem que a fome volte ao seu lar, de vez já se habituou a reduzir a metade,
nas suas refeições, o primeiro alimento que é a carne.168”
Essa estratégia de Juracy de utilizar o dinheiro do jogo do bicho para financiar obras
sociais, foi uma grande estratégia política que lhe possibilitava uma aproximação
com uma parcela diferente da população, as classes mais baixas da sociedade baiana,
que seriam as mais beneficiadas por tais medidas.170
As obras públicas tinham como principal objetivo auxiliar a população carente nos
momentos de escassez gerados pela seca, no entanto, apesar do sofrimento do povo ter sido a
razão principal das políticas de combate às secas, seu atendimento era precário, oportunizava
ao mesmo tempo a apropriação da imagem e desse fenômeno como forma de arregimentarem
recursos públicos e continuarem no poder.
A seca rendia votos através das políticas empreendidas para o seu combate. “As elites
proprietárias e políticas, apropriando-se do discurso da seca, escamoteavam as várias causas
da miséria humana no Estado e ainda beneficiavam-se dos recursos federais enviados para
socorrer os ‘flagelados’”.174
Os políticos locais usavam como instrumento de pressão a miséria de milhares de
flagelados para assegurar a obtenção de recursos que beneficiariam suas propriedades ou
serviriam como barganha eleitoral. “Era justamente assentado no poder privado dos
proprietários de terras que o Estado se fazia presente no ambiente conflitivo dos sertões” 175.
Esses grupos políticos passaram a viver do desvio desses recursos, dando origem a práticas
corruptas que ficaram conhecidas como “a indústria da seca”.
2010, p. 64.
174
ARAUJO, Raimundo Alves de; SILVEIRA, Edvanir Maia da. “A cidade e a seca : o campo de concentração
de 1932 e as transformações urbanas em Ipu-CE”. In: Revista da casa de Geografia de Sobral, Sobral, v. 8/9, n.
1, 2006/2007, p. 104. Disponível em: <http:www.uvanet.br/rcgs>. Acesso em: jul 2011.
175
ARAUJO, Raimundo Alves de; SILVEIRA, Edvanir Maia da. “A cidade e a seca : o campo de concentração
de 1932 e as transformações urbanas em Ipu-CE”. In: Revista da casa de Geografia de Sobral, Sobral, v. 8/9, n.
1, 2006/2007, p. 100. Disponível em: <http:www.uvanet.br/rcgs>. Acesso em: 15 jul 2011.
176
Ibidem, p. 104.
60
Acresce que cessaria a razão de ser dos soccorros, pois na região já não existiriam
mais famintos, transformada em uberrima Canahan a Gleba que a aridez tornara
safara inhabitavel. Porque não se tem curado, até agora da solução do magno
problema si não por açudagens que não o resolvem, ainda que úteis o sejam,
como tem sido, mas a áreas circunscriptas nos Estados em que foram
construídas?Por que? Respondamos: por que os governos se empenham em adornar
as capitaes, as cidades litorianas com obras, as veses meramente simptuarias;
quando não dissipam o produto das rendas desviando-o para fins menos nobres
[sic].177
O jornal denuncia que essas obras nem sempre serviam para a população mais carente,
muitas vezes os horrores da seca serviam para fortificar interesses regionais, servindo como
formas de angariar votos, ou beneficiar os políticos e seus partidários. Quando esses recursos
não eram desviados completamente, apontando que por mais que se tenha feito açudagens na
região, não havia solução, pois esses benefícios ficavam restritos aos proprietários das
fazendas e não beneficiavam a população mais carente.
“O objetivo é evidenciar a distância entre as propostas apresentadas nos planos de
desenvolvimento regional e a realidade constituída ao longo dos anos nos sertões ressequidos
[...]”178. Dessa maneira, é possível perceber que os políticos locais obtiveram respostas
favoráveis as suas demandas, usando essa imagem de “vítimas da natureza”, enquanto
estratégia, cujas benesses foram usufruídas por poucos. Os “Aproveitadores procuravam
meios de enriquecer as custas dos recursos destinados aos socorros, utilizando-se da singeleza
e da fragilidade dos métodos de controle e fiscalização”179.
Presume-se que, em Jacobina e região, essas práticas também aconteciam. No entanto,
a imprensa local se calou quanto a denúncias de possíveis desvios do dinheiro destinado ao
socorro dos flagelados da seca, talvez pelo fato de que essa imprensa que se dizia “imparcial”
apoiava determinados grupos políticos, o que a envolvia em uma série de interesses escusos,
que a tornava parcial, não podendo atacar seus correligionários.
Se o sertão, excellencia, (referindo-me a esta zona) tivesse sido attendido pelo vosso
antecessor, com a vigésima parte dessa quantia, não teríamos registrado a morte de
centenas sertanejos, victimados pela fome e pela miséria, não estaríamos ainda
soffrendo os reveses da inclemência de 1932, em que o sertanejo teimava em ficar
em suas terras e o Sol também teimava, como quem diz:aqui estou garimpando de
cima. Emperrado de dia e de noite, por que nunca se viu luá mais parecida com o
sol.186
Segundo a denúncia, não havia por parte do poder do Estado a mesma preocupação
com as catástrofes da natureza que atingiam o interior. O periódico O Lidador buscou através
dessas notícias construir, estrategicamente, com base no discurso de “vítimas da natureza”, a
ideia deque a cidade de Jacobina e o interior da Bahia sofriam com o descaso, abandonados
pelo governo do estado e governo federal. Diante dessa situação, a população tomou a
iniciativa de ajudar os flagelados.
“Quem assistiu e compartilhou o sofrimento de 1932 parece que já esta secco e
mirrado, porém, ainda tem coração e lágrimas para sentir e chorar pelo infortúnio alheio”
[sic]187. Segundo O Correio do sertão, “Uma commissão composta das principaes figuras
representativas da nossa sociedade, sahiu em campo angariando donativos para serem
distribuídos entre os pobres” [sic]188. No entanto, essa preocupação em ajudar os flagelados
revelou, para além da caridade cristã, um receio de que essa população pudesse se rebelar.
186
Jornal O Lidador, 14 de Abril de 1935, n. 83, p. 01
187
Jornal Correio do sertão, 08 de janeiro de 1933, n. 777, p. 01.
188
Ibidem.
189
ARAUJO, Raimundo Alves de; SILVEIRA, Edvanir Maia da. “A cidade e a seca : o campo de concentração
de 1932 e as transformações urbanas em Ipu-CE”. In: Revista da casa de Geografia de Sobral, Sobral, v. 8/9, n.
1, 2006/2007, p. 100. Disponível em: <http:www.uvanet.br/rcgs>. Acesso em: 15 jul 2011.
63
Se a caridade nada pedia em troca, no caso dos socorros públicos oficiais, como
passou a ser chamado a política de atendimento as vítimas da seca, esta não se
revestia de uma caridade publica, pois passou a ser vista como política de
investimento, não apenas para execução de obras publicas, mas da transformação de
antigos pedintes e mendigos em trabalhadores.190
Com o phenomeno da grande secca que assolado o nordeste, mais uma vez se
verifica o movimento emigratório dos homens válidos, para outros lugares menos
ingratos, ficando em rumos das cidades a procissão faminta de velhos e mulheres e
crianças. É um nunca acabar esta lucta penosa, que se repete fatidicamente e
aggravada muito mais agora com essas hordas de bandidos a talar o sertão.
Despovoa-se a caatinga. E amanha quando as chuvas benfazejas prometterem searas
fartas, faltarão os braços para o arroteamento da terra e a producção ficará muito
aquém das possibilidades vitaes das zonas rurais. Ora com o salário miserável do
trabalhador actual 1$500 diários, poderíamos prender essa pobre gente no seu
habitat, dando-lhe trabalho em troca de gêneros de primeira necessidade. Ahí esta o
problema da pequena açudagem e das rodovias carroçáveis em toda a vasta região
flagellada. No Ministério da Viação, exclusive o serviço de obras contra as secas, ah
verbas atlântidas por fundo especial, para tal fim, com um activo de mais de dois mil
contos. Não seria bem lembrado um apello dos srs. Prefeitos deste e municípios
vizinhos, ao ilustríssimo titular da Viação, o grande ministro do norte, sr. dr. José
Américo, no sentido de se obter uma ordem de serviço para os nossos pobres
sertanejos que só deixam a sua terra para não morrerem de fome ? Não temos
estradas e o effeito das seccas é mais prejudicial somente, á falta d’água exparsas
pelo sertão. E quando o camponez voltasse a roça molhada pelas chuvas de Deus
alguma coisa de útil ficaria, lembrando a providencia dos homens do poder em ter
aproveitado economicamente essas forças que fogem agora para não mais voltarem,
talvez. Com barracões de gêneros alimentícios para fornecimento pelo custo, a
trabalhadores a 1$500, teríamos em poucos dias milhares de homens válidos
ganhando honestamente o sustento e produzindo trabalho útil a colectividade.
Queremos trabalho para o sertanejo, trabalho que enobrece, que eleva, que salva, e
não esmola que avilta, que deprime [sic].191
190
NUNES, Francivaldo Alves. Interesses e sentimentos caritativos nas ações de filantropia no Brasil (caso da
seca de 1877). In: Revista Brasileira de História e Ciências Sociais. Ano I, n. 1. Jul. 2009, p. 4.
191
Correio de Bonfim, 07 de fevereiro de 32, Ed. 20, p. 01.
64
Os governantes locais viram no fato der ter como Ministro da Viação e Obras Públicas
um nordestino, a oportunidade de se fazer ouvir. Ao longo de toda a reportagem os flagelados
aparecem em segundo plano, pois primeiro vem a necessidade de desenvolvimento da região.
As soluções apontadas pelo colunista não visam de fato o auxílio aos sertanejos, mas sim uma
maneira de aproveitar sua mão de obra barata em tempos de seca.
Os retirantes se apresentavam assim de modo paradoxal, de um lado era o motivo para
a solicitação dos recursos frente ao governo estadual e federal, afinal a seca é um tema que
emocionava e comovia. Por outro lado, mostravam-se enquanto oportunidade para que obras
tão desejadas pelos governantes e grupos abastados da cidade pudessem ser realizadas com os
recursos adquiridos para ajudar os retirantes, mas que, no entanto, seriam empregados em
obras das quais, em sua grande maioria, eles não poderiam usufruir.
Nesse sentido, a presença dos retirantes na capital mostra-se para a elite e o governo
como paradoxal. Se por um lado eles representavam um contraste ao padrão de
modernidade influenciado pelos costumes europeus, e que tinha na França seu
arquétipo. Por outro, eles possibilitaram ao governo edificar seu projeto de
modernização do centro, utilizando a mão de obra barata dos retirantes, e ainda
atraindo recursos do governo federal para o combate à seca. Portanto, as classes
dirigentes enxergavam os retirantes como uma possibilidade contraditória de lucro e
perturbação social.192
de tudo pronto/Tudo feito tudo arrumado/No bronze que foi lavrado/Só deu nome de
doutor/O do prefeito, o do secretariado/E o do grande encarregado/Seu nome não
encontrou [...]/Precisaria de uma placa que seria/Bem do tamanho da Bahia/Juazeiro
a Salvador/Pra que coubesse/O nome de quem merece/De quem vive
construindo\Homem, mulher e menino/Que é tudo trabalhador.193
Contudo, a seca desestruturava a vida dos sertanejos, inclusive suas relações sociais e
o empobrecimento geral da população revelava as restrições das relações com os grandes
proprietários, que não tendo mais como prestar os assistencialismos que a população carente
esperava, terminavam por não cumprir com suas obrigações nos “acordos” paternalistas que
mantinham com seus subalternos.
Com a desagregação dessas relações, a população passou a esperar ajuda do Estado,
que deveria intervir nos momentos de dificuldades econômicas, auxiliando a população. Findo
o vínculo paternalista, os sertanejos passaram a cobrar do Estado a ajuda necessária, cientes
de estarem reivindicando um direito, e dessa forma agindo politicamente.
Percebemos que, conforme afirma Frederico Castro Neves, em seu artigo Economia
Moral versus Moral Econômica, critica a historiografia, principalmente de matriz comunista,
que desconsiderava as manifestações populares que não correspondiam aos modelos de
organização operaria do século XIX: o partido, o sindicato. Dessa maneira, ele aponta que “É
como se todas as experiências anteriores dos trabalhadores constituíssem apenas uma “pré-
história”, que estivesse preparando as formas ‘reais’ e ‘históricas’ de constituição da classe e
de organização operária”.194
O rompimento das relações paternalistas entre grandes e pequenos proprietários de
terras foi consequência das dificuldades impostas pela seca, sendo essas relações baseadas na
reciprocidade, no momento em que os grandes e médios proprietários não puderam mais dar
assistência aos seus agregados durante os períodos de escassez, esses últimos se tornaram
livres da obediência e submissão.
A revolta do sertanejo, expressada através do roubo e da morte, se deu por essa falha
no pacto, em que os ricos deveriam auxiliar os pobres nos momentos de crise. Essa crítica não
era instintiva ou irracional, e sim a noção do desrespeito aos valores tradicionais, baseados no
“direito costumeiro”, o furto ou o saque ganhavam uma conotação de “legitimidade”, uma vez
193
Música “Trabalhadores do metrô”. Compositores: Raimundo Monte Santo - Walter Marques) interpretada por
Xangai (Eugenio Avelino). CD: Mutirão da vida, 1984.
194
NEVES, Frederico Castro. “Economia Moral versus Moral Econômica: ou o que é economicamente correto
para os pobres?”. In: Projeto Historia. São Paulo, 16 fev. 1998, p. 40
66
que furtar de quem construiu riqueza explorando os trabalhadores era de certa maneira justo,
assim, a concepção de crime era relativizada.
O termo Paternalismo é complexo e deve ser usado com cautela, porém pensar as
relações que se estabeleceram em Jacobina, Bahia, entendendo-as enquanto relações
paternalistas nos permitem perceber que havia vantagens mútuas entre os governantes e
grandes proprietários assim como entre estes e a população subalternizada. Assim sendo, a
partir dos costumes e valores tradicionais, os necessitados reivindicavam auxílio nos períodos
de escassez, dentro de um equilíbrio que deveria existir nessas relações, em que a exploração
e a resistência eram mascaradas “pelos ritos do paternalismo e da deferência”. A assistência
aos pobres era uma maneira de apaziguar essa população, assim como impedir possíveis
contestações por parte da camada menos favorecida que esperava essa ajuda referendada na
deferência que prestavam aos grandes proprietários.
As contribuições dessa nova historiografia195 consistem justamente em perceber essas
relações paternalistas para além de “[...] uma autodescrição da ideologia senhorial”, assim as
obras de Thompson nos mostram que havia solidariedades horizontais, assim como
antagonismos sociais. Portanto, segundo Challoub, citando Scott, diz que “[...] subordinação
não significa necessariamente passividade”196. Por esse raciocínio, muitas ações dos
governantes eram vistas como favores prestados aos pobres, vistas de baixo, eram entendidas
enquanto conquistas.
O sertanejo não deve ser percebido como aquele que só reage diante do instinto da
fome, pelo contrário foi sujeito ativo que construiu dentro das relações muitas vezes
conflituosas de seu cotidiano, diante de embates e acordos, um senso de justiça que o orientou
a reivindicar seus direitos. A ajuda prestada pelos governantes era geralmente em forma de
trabalho, uma maneira de justificar a distribuição dos socorros e de não alimentar a ociosidade
e a vadiagem. Segundo Neves,
O trabalho cumpre uma função moralizante explicita: a caridade, por si só, leva o
pobre a resignação e ao ócio, ao receber alimentos e outros benefícios sem contribuir
com o esforço de seu trabalho para com a sociedade que lhe sustenta neste momento
de crise.197
195
CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990. REIS, João; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no
Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os
significados da liberdade no sudeste escravista - Brasil séc. XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 1995.
196
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 47.
197
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 52.
67
O sertanejo é visto como alguém disposto a qualquer tipo de trabalho. Não gosta de
ter que pedir nada a ninguém. Quando o faz é no momento de muita necessidade,
como nas secas. Assim mesmo sente-se humilhado, preferindo ter trabalho para
fazer.198
Ainda sobre o tema, o jornal Correio do Sertão cita sobre a disposição dos sertanejos
em trabalhar, destacando que:
Por toda parte vemos pessôas em busca de trabalho a fim de obterem um pequeno
salário que lhes possa garantir de algum modo a subsistência, o que prova o esforço
que empregam para não irem de encontro à lei de Deus que condena o ladrão, o
assassino, o suicídio [...].199
A caridade deveria ser destinada aos que realmente mereciam, por isso precisou ser
organizada e regulada. “[...] a preocupação com a mendicância e com seus excessos - a
vagabundagem contumaz - levará a uma valorização do seu inverso: o trabalho”.200
Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil vivia um período de transformações,
pois muitas cidades buscavam se alinhar aos padrões de cidades civilizadas, com isso o
trabalho era valorizado enquanto fonte de riqueza e prosperidade, logo, práticas como a
jogatina, prostituição e embriaguez eram vistas como ataques diretos à moral, civilidade e ao
progresso. Esses comportamentos deveriam ser combatidos e pessoas que não possuíam
trabalho fixo eram consideradas vadias, devendo, pois, ser reincorporadas ao mundo do
trabalho.
Segundo Eduardo Antonio Bonzato, em seu artigo TRIPALIUM: O trabalho como
maldição, como crime e como punição, o trabalho pode ser interpretado de duas maneiras,
para alguns ele enobrece o homem e é parte fundamental da vida, para estes o seu primórdio
semântico vem da palavra latina lavoro. Para outros, o termo trabalho é oriundo de outra
palavra latina tripalium, um instrumento de tortura inquisitorial, tendo a conotação de
sofrimento. “Aí, o trabalho passou a significar a submissão de homens a outros homens e
passou a não fazer mais sentido para a vida”.201
198
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Falas de astúcia e de angústia: a seca no imaginário
nordestino - de problema à solução (1877-1922). 1998. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) -
Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1998, p. 128.
199
Jornal Correio do Sertão, 24 de Janeiro de 1932, n. 727, p. 01.
200
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 95.
201
BONZATTO, Eduardo Antônio. “TRIPALIUM: O trabalho como maldição, como crime e como punição”.
Disponível em:
<http://unifia.edu.br/revista_eletronica/revistas/direito_foco/artigos/ano2011/Direito_em_foco_Tripalium.pdf>.
68
Esses trabalhadores que cultivavam, tendo como base a produção familiar, plantavam
variado número de culturas que atendiam às necessidades fundamentais da própria família.
Buscavam certa diferenciação daqueles que possuíam apenas uma fonte de renda, o salário.
No entanto, os flagelados transformaram-se em mão de obra barata nos centros urbanos,
passando a viver de salários baixíssimos, com os quais não era possível assegurar a segurança
alimentar das famílias. Nas cidades, sob os ditames do mercado capitalista, novas
necessidades materiais surgiram, e se no campo era possível produzir a própria alimentação,
nas áreas urbanas esta população ficava cada vez mais subordinada e dependente dos
mercados, tornando-a cada vez mais vulneráveis.
As famílias que tinham como base a cultura campesina e cultivavam diversos gêneros,
ampliando ao máximo as possibilidades de atividades produtivas, quando se transformavam
em assalariados nas cidades, passavam a ter apenas uma fonte de renda.
Havia embates entre os flagelados da seca e as novas relações de trabalho
estabelecidas nos centros urbanos. A desobediência ou a recusa deles em relação a estes
trabalhos eram considerados pelos encarregados das obras ou governantes locais enquanto
indolência, no entanto, os trabalhadores rurais não recusavam os afazeres do campo, ainda
que estivessem sujeitos ao proprietário das terras. Restava-lhes certa autonomia, na qual o
ritmo do trabalho, as ferramentas utilizadas e o modo como este era desempenhado estavam
ligados aos conhecimentos adquiridos ao longo de gerações e não ditados pelo ritmo do
capitalismo.203
O que para muitos foi considerado como preguiça ou indolência estava muito mais
ligado à tentativa de preservação de sua autonomia no desenvolvimento de suas tarefas.
“Muitos vislumbraram nas secas - como o engenheiro André Rebouças - um momento
propício para disciplinar os trabalhadores rurais ao assalariamento, visto como a mais
moderna relação de trabalho”.204
Essa sociedade ainda carregava os resquícios de séculos de escravidão, nos quais o
trabalho braçal era associado à escravidão e por esse motivo desprestigiado. Para integrar a
mão de obra livre ao mercado trabalhista foi necessário um processo de transformação do
pensamento relacionado a essa atividade humana. Tornou-se cada vez mais imperioso
relacionar práticas como a vadiagem e a jogatina a atitudes degradantes.
203
CÂNDIDO, Tyrone Apollo Pontes. “Operários das secas: retirantes e trabalhadores de ofício em obras de
socorro público (Ceará - 1877-1919)”. In: Revista Mundos do Trabalho, vol. 3, n. 6, jul-dez. 2011, p. 176-193.
204
Ibidem, p. 190.
70
Essa ideia serviu para que houvesse uma exploração desmedida da mão de obra desses
flagelados, afinal eles não tinham outra opção. Esses serviços objetivavam ainda controlar os
“ímpetos revolucionários” dos flagelados. “Prefeitos do sertão temiam que o aumento do
número de flagelados e a ausência do trabalho permitissem o crescimento dos bandos de
cangaceiros, a exemplo do liderado por Virgulino Ferreira, o Lampião” 206. Dessa forma, o
trabalho tinha uma função pedagógica, enquanto elemento disciplinador do homem.
É preciso lembrar que era corrente a ideia do trabalho como fator de progresso para
o país, logo o ócio inerente aos costumes aqui referidos, representava a inversão do
mundo do trabalho provocada pela aproximação do mundo da criminalidade e
marginalidade e se contrapunha à noção de produtividade e progresso.208
Muitas vezes o importante era ocupar essa camada da população para que não
causassem distúrbios na cidade, pois o abandono do sertanejo por parte das autoridades
causava uma quebra no pacto paternalista, liberando-o de sua obediência e submissão,
causando uma desestruturação social.
205
JESUS, Zeneide Rios de. Eldorado Sertanejo: garimpos e garimpeiros nas serras de Jacobina. (1930-1940).
2005. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005, p. 54.
206
VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão: História das Secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São
Paulo: Ática, 2000, p. 151.
207
SILVA, Mayara Pláscido. Experiência de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). 2012.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2012, p. 17.
208
JESUS, Zeneide Rios de. Eldorado Sertanejo: garimpos e garimpeiros nas serras de Jacobina. (1930-1940).
2005. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005, p.72.
71
[...] impelindo para a prostituição donzelas quasi creanças que, obrigadas pela fome,
cansadas de mendigarem o pão, sem proveito apelam para as suas virgindades,
abandonando a flor do seu corpo a troco de uma migalha!!!Obrigando homens até
bem pouco tempo, honestos, tornarem-se ladrões e até assassinos para saciar a fome
dos filhinhos corda estremecida dos seus corações [sic].210
Autores que tem uma visão que restringe as grandes lutas, aos grandes momentos
organizados de reivindicação, o espaço de luta na história, talvez achem que os
motins ‘desorganizados’ da seca, os roubos os assassinatos, os subornos, os saques,
não são formas de luta dignas de constarem nas paginas da historia dos dominados, e
até que aceitem que realmente foi só o desespero pela fome que os causou: eles não
só teriam a barriga vazia, mas a cabeça também seriam simples animais agindo pelo
instinto de sobrevivência.211
209
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. Falas de astúcia e de angústia: a seca no imaginário nordestino -
de problema à solução (1877-1922). 1998. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) - Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, SP, 1998, p. 126.
210
Correio do sertão, 04 de setembro de 1932, n. 759, p. 01.
211
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. Falas de astúcia e de angústia: a seca no imaginário nordestino -
de problema à solução (1877-1922). 1998. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) - Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 1998, p. 151.
72
uma resposta a expectativas marcadas pelo costume, legitimando determinados usos e práticas
diante das dificuldades surgidas com a seca”212. Ainda, segundo a autora,
Dejulina relembra que alguns indivíduos diante das agruras impostas pela seca, ao
verem um filho com fome, invadiam as propriedades dos que ainda possuíam algum tipo
plantação e saqueavam. Assim ela nos conta que,
Quando Dejulina enfatiza “[...] pegava marrava no pescoço e levava pra delegacia ia
judiar”, ela deixa claro que essa sociedade baseada nos valores do trabalho e da defesa da
propriedade privada, buscava reprimir atos como o saque, mobilizando todos os seus meios de
coerção para controlar esse tipo de prática. “‘Judiar’ e ‘castigar’ são expressões que não
dissociam as ‘condições objetivas’ de certo tipo de subalternidade social, mas que,
principalmente indicam como elas são interpretadas pelos próprios trabalhadores”.215
A narradora deixa claro que a expressão judiar ganha o sentido de maltratar
injustamente, alguém que diante das dificuldades impostas e pelo descaso em que vive,
“pegou” um gênero alimentício para matar a sua fome ou de um familiar. Assim, ela continua
a dizer que [...] um cara fosse num chiqueiro de noite e pegasse um cabrito pra dar um caldo a
um por que tava caído no meio da casa, eles pegava amarrava a fuçura no pescoço, marrava o
couro, levava pra delegacia pra bater216. Quando a narradora deixa claro que o objeto do roubo
212
GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas na Bahia do século XIX (Sociedade e Política) 2000.169f.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2000, p. 47.
213
Ibidem, p. 151
214
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 20011.
215
SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e migrações: Bahia
1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998, p. 113.
216
SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e migrações: Bahia
1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998, p. 113.
73
deveria ser exposto no pescoço do acusado, é possível perceber que existe nessa prática uma
ideia de que a punição deveria ser pedagógica, exemplar.
E o “saque” acontecia, não porque os flagelados não acreditassem nas punições, mas
por que as penúrias sofridas gritavam mais alto. “Como é que se pode incutir medo num
homem que não sente fome apenas em seu estômago, mas também na barriga torturada dos
filhos? Não se pode assustar um homem assim [...]” 217. Não havia punição mais cruel do que
aquela já vivida pelos retirantes. Não era possível imputar em alguém o medo pela punição de
um crime, quando esta pessoa está vivenciando a dor da fome. Um conceito abstrato como o
de propriedade privada é muito vago, para na prática impedir que alguém a quem foi roubado
a dignidade, possa matar a sua fome e de familiares.
217
STEINBECK, John. As vinhas da ira. Rio de janeiro, BestBolso, 2008, p. 297.
218
BARREIRO, José Carlos. “Tradição, Cultura e Protesto Popular no Brasil, 1780-1880”. In: Projeto História,
São Paulo, n. 16, 1998, p. 23.
219
Ibidem, p. 11.
220
Ibidem, p. 21.
74
grandes fazendeiros foi construída através de sua própria exploração. Podemos perceber essa
noção na narrativa de Dejulina, uma vez que em momento algum ela usa a palavra “saque”,
“roubo” ou “furto”, demonstrando que não era considerado crime pela depoente. O fato de um
pai de família “pegar” um gênero alimentício na propriedade de outro, para ela era
justificável.
O saque era entendido como uma ação ilegal, mas legitimado diante da situação de
escassez. Para um trabalhador, para um pai de família, a decisão do saque leva a
questionamentos profundos dos seus princípios e valores sociais, pois do outro lado está o que
ele rejeita, o “ladrão”. Devido a esse conflito vivido no momento de penúria pela população, o
saque pode ser visto ainda enquanto instrumento de pressão com vistas o atendimento das
solicitações dos flagelados perante os governantes.221
Segundo a corrente que analisa as ações dos homens em tempos de escassez com base
na “visão espasmódica” criticada por Neves, o homem estando com fome se aproximaria dos
instintos animais, nos quais de maneira irracional lutaria pela sobrevivência, logo essa
população que estaria sob o efeito da fome, do desespero, não poderia ser responsabilizada
por suas ações. Esse tipo de “saque” já era esperado diante da situação imposta pela seca.
“Agindo pelo impulso da fome e do instinto de sobrevivência, o homem não pode ser
responsabilizado pelos seus atos”222. Não podemos esquecer, no entanto, que as ações dos
sertanejos não refletem apenas o desespero, mas sim a noção de que era obrigação dos
poderosos socorrer os necessitados nos momentos de dificuldade. É a quebra nesse pacto que
faz com que os sertanejos optem pelo saque e outras ações.
As obras públicas tinham por objetivo principal a ocupação dos flagelados da seca,
através das frentes de trabalho, pois estes deveriam contribuir com o seu esforço, para
obterem ajuda nos tempos difíceis. A oportunidade de ter acesso à ajuda prestada pelo
governo era dependente de uma disposição incondicional para trabalhar.
221
GOMES, Alfredo Macedo. O imaginário Social da seca. Recife: Massangana, 1998, p. 191.
222
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 113.
223
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 96.
75
Até o início dos anos 50, as ações se concentravam em grandes obras de engenharia,
especialmente a construção de açudes e estradas e a perfuração de poços baseadas na
concepção de que a escassez de água era a causa do que se denominava ‘problema
nordestino’.224
A imprensa fazia eco aos pedidos dos governantes locais ao solicitar verbas para a
construção de obras na cidade. Pelas publicações feitas no Jornal podemos inferir que muitas
dessas solicitações foram atendidas, demonstrando que os pedidos feitos em nome dos
flagelados e o uso da seca como forma de angariar recursos continuava sendo um discurso que
dava frutos.
respectivas, para quaes foi feita a remessa de cem contos de réis. Qualquer obra
publica na Bahia, especialmente no Nordeste, onde fica situado o novo açude, tem a
dupla vantagem: dotação do povo de uma obra de utilidade magnífica e dar trabalho
ao sertanejo que, neste momento trágico de secca e banditismo emigra para toda
parte, despovoando uma das mais ricas zonas do Estado [sic].227
Havia ainda a preocupação por parte dos grandes proprietários quando o assunto era
perder os trabalhadores da região, devido ao grande número de retirantes que migraram em
busca de melhores condições de vida e trabalho. Dessa maneira, essas obras serviriam ainda
como modo de prender esses trabalhadores, até que as chuvas retornassem e eles voltariam a
ser úteis aos fazendeiros da região.
Esse tipo de ação, diziam seus defensores, em geral alinhados à política liberal,
deveriam substituir as tradicionais doações de mantimentos, consideradas esmolas
que incentivariam o ócio, pelo trabalho assalariado, que a um só tempo serviria para
possibilitar melhoramentos físicos na província educaria os sertanejos para o
trabalho moderno dando-lhes a ‘dignidade’ que não teriam como meros pedintes
lhes mantendo ao mesmo tempo, ocupados e afastados dos centros urbanos já sem
condições de absorver a população.228
O jornal busca propagandear as ações do governo para o combate da seca, como se o
sertanejo fosse o motivo para a solicitação da verba. A construção da obra tinha como
principal argumento dar emprego ao flagelado, retirando-os das ruas para atuarem na
construção de obras que atestariam a modernização da cidade.
Seria de inconteste vantagem que ampliando taes serviços o Sr. José Américo
mandasse logo iniciar o serviço das rodovias previstas no plano geral, elaborado
para o presente exercício, na região nordestina, serviço que muito concorreria para a
solução do problema em que se empenha o Sr. Interventor. [sic].229
Ambas contribuíram, não obstante, para diminuir o isolamento da zona afetada pelas
secas, tendo sempre como meta possibilitar a circulação: de retirantes, de operários,
de mercadorias, de materiais construtivos, de água, de mantimentos, e circulação de
informação, que seriam responsáveis pela modernização técnica e cultural do
sertão.230
227
Correio de Bonfim,1 de Novembro de 1931, ed. 6, p. 6.
228
FARIAS, Helio Takashi M. de. Contra as secas: A engenharia e as origens de um planejamento territorial no
nordeste brasileiro (1877-1938). 2008. 169f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2008, p. 110.
229
Correio de Bonfim, 1 de Novembro de 1931, ED. 6, p. 6.
77
Aqui era lá uma pessoa ou outra que conhecia Jacobina, não conhecia Jacobina, pois
bom, não andava ninguém de Jacobina aqui, não, Jacobina nesse tempo, era, talvez
fosse do tamanho do Peixe, eu ainda alcancei Jacobina pequena, aquelas ruas ali da
Beira Rio era tudo mato , era tudo mato ali não tinha casa, aquela feirinha ali do
mercado véio ali, do lado da estação, perto do fórum, ali assim a areia cobria os pé
da gente, tudo cheio de pé de pau, o povo matava gado e dipindurava os quarto era
nos pé de pau pra cortar pra vender o povo, uma feirotazinha, agora Jacobina
cresceu muito daí pra cá, aí vem cresceno cresceno [sic].232
Manuel, morador da zona rural, observava que poucas pessoas conheciam a cidade de
Jacobina e que esta ainda apresentava características da forte ligação entre o mundo rural e o
urbano. Lembra que o centro da cidade era pequeno e comparava-o a um povoado do
município de Capim Grosso, perto da atual residência do narrador.
Na tentativa de demonstrar que a Jacobina das primeiras décadas do século XX ainda
não apresentava as características e o desenvolvimento pretendido pelos governantes e a
imprensa, ele lembra que as atuais ruas centrais eram cobertas de areia, busca demonstrar que
a feira era pequena, expressando assim o reduzido número de moradores da cidade.
230
FARIAS, Helio Takashi M. de. Contra as secas: A engenharia e as origens de um planejamento territorial no
nordeste brasileiro (1877-1938). 2008.169f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós graduação em
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2008, p. 133.
231
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 241.
232
Manuel Ferreira Cunha, entrevista concedida à autora, no dia 15 de maio de 2013.
78
Para além de apresentar os aspectos gerais que recorda da cidade, a fala de Manuel
demonstra a distância que havia entre a maioria da população que nesse período vivia na zona
rural do município e o centro administrativo e político da cidade.
Percebe-se que o discurso da seca, nesse período, foi utilizado para angariar recursos
que pudessem beneficiar a cidade com a construção de obras emergenciais, a um baixo custo.
Assim, os líderes políticos buscavam incluir o discurso da seca como forma de buscar por
recursos para a modernização da cidade.
A imprensa e boa parte dos líderes políticos jacobinenses concebiam a ideia de que
para alcançar esse padrão de modernidade, era necessário mudar os aspectos arquitetônicos
das construções, erguendo grandes obras com base nos padrões de “progresso” e “civilidade”,
porém os flagelados e a população pobre fugiam desse padrão, com suas práticas que
contrariavam o ideal de cidade moderna e civilizada.
Elucidando essa ideia, por exemplo, no Código de Posturas do Município, de 1933,
existem vários artigos que destacavam essa preocupação com as atitudes das camadas
subalternizadas que eram consideradas como sinônimos de atraso, como por exemplo, a
criação de animais soltos na cidade, além das reclamações em torno de práticas como banhos,
lavagem de roupas, animais e o despejo de cascalho nas águas dos rios da cidade.233
Entrou em cena também, o discurso que apontava outra solução: o emprego da mão-
de-obra ociosa na construção de obras públicas no espaço da própria cidade. Tal
medida casaria perfeitamente com os interesses da elite preocupada em construir
novos espaços para abrigar o centro da cidade de costumes considerados
ultrapassados, como a limpeza de animais abatidos em calçadas, a presença de
animais de montaria amarrados na praça, hábitos estes que comprometiam o ideal de
civilidade e progresso que tanto almejavam alcançar. 234
Com base nesse padrão de modernidade, esses dirigentes locais buscaram arregimentar
recursos para a construção de grandes obras. “Desse modo, a imagem de carência e abandono
tem um endereço certo e um retorno garantido de dividendos políticos e econômicos” 235.
Assim, observa-se no jornal Correio do Sertão, o anúncio da construção de uma rodovia
233
Código de Posturas de Jacobina, 30/12/1933.
234
MARTINS, Daiane Dantas. Um flagelo no sertão baiano: cotidiano, migração e sobrevivência na seca de
1932 (Vila de Canabrava do Gonçalo/Xique-Xique). 2010. 132f. Dissertação (Mestrado) –Programa de Pós
Graduação em História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2010, p. 97.
235
CASTRO, Iná Elias de. O mito da necessidade: discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1992, p. 212.
79
ligando Jacobina a Feira de Santana, esta com recursos destinados aos flagelados. Dizia a
notícia que “Veio o Cel. Francisco Rocha Pires, tratar especialmente, da construção de uma
estrada de rodagem de Jacobina a Feira de Sant’Anna” 236.
Outro jornal, O Lidador, também divulgava a construção de uma ponte sobre o rio
Itapicuru.
Pelo comboio de ontem chegou a esta cidade o Engenheiro Civil Jaime Furtado de
Simas, da Inspectoria de Obras Contra as Secas. [...] ao que estamos informados
vem fazer os estudos necessários à construcção de uma ponte de cimento sobre o rio
Itapicurú [sic].237
Segundo Neves,
Podemos perceber que os discursos dos periódicos revelam o embasamento nos ideais
do trabalho e do “progresso” que eram valores característicos do período em que estavam em
circulação,
Esses ideais ficaram claras nas solicitações feitas pelo Jornal Correio do Sertão:
“Peçamos aos nossos representantes a construção de açudes, estradas de rodagem, poços
artesianos, etc, qualquer serviço que proporcione aos sertanejos um serviço qualquer” 240. O
estudo das fontes pesquisadas confirma que a solicitação de recursos na construção de grandes
obras seriam a solução para os problemas causados pela seca. No entanto, ao mesmo tempo
esses retirantes tornavam-se indesejáveis e deveriam ser retirados do centro da cidade. O
jornal O Lidador não poupou críticas aos sertanejos quando estes não se adequavam aos
236
Jornal Correio do Sertão, 29 de maio de 1932, n. 745. p. 01.
237
Jornal O Lidador, 17 de fevereiro de 1935, n. 75. p. 01.
238
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 159.
239
JESUS, Zeneide Rios de. Eldorado Sertanejo: garimpos e garimpeiros nas serras de Jacobina (1930-1940).
2005. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005, p. 125.
240
Jornal Correio do sertão, 24 de janeiro de 1932, n. 727. p. 01.
80
padrões de trabalhador “apto” a contribuir com a pátria. O próprio nome do periódico sugere
labor, trabalho, deixando clara a concepção de seus idealizadores.
Esse ideal de modernidade foi característico do projeto de modernização do país
proposto por Getúlio Vargas.
É possível localizar ainda a qual grupo social este mais beneficiou, mesmo sabendo
que deu respostas às diferentes angústias dos diferentes grupos sociais, e que uns
tiveram mais astúcia na sua utilização que outros, visto que as diferentes posições
sociais dos discursantes vão intervir na sua repercussão prática ou na sua eficácia. 243
Para o governo estadual e federal, a seca se apresentava como oportunidade para que
essas esferas do poder se fizessem presente no interior do estado, através da distribuição de
recursos aos flagelados e da construção de grandes obras, que permitiriam o desenvolvimento
regional. Por conseguinte, esta seria uma forma de prestar contas à região, demonstrando
“preocupação” com a população local. Considera-se que a “ajuda” prestada às vítimas da
seca, era uma excelente forma de angariar votos e apoio político, sendo muitas vezes essa
temática utilizada como promessas políticas, ficando visível que havia uma relação direta
entre apoio político e, em contrapartida, liberação de recursos no combate às secas.
A imprensa local teve papel fundamental na divulgação dos benefícios recebidos pelo
município e através da ênfase dada a essas obras, bem como a outras benfeitorias, buscava-se
demonstrar apoio a determinados políticos, como mostra a reportagem do jornal O Lidador,
241
POMPONET, André Silva. “100 anos de DNOCS: Marchas e contramarchas da convivência com as secas”.
In: Conj. & Planej, Salvador, n. 162, p. 58-65, jan-mar. 2009, p. 60.
242
POMPONET, André Silva. “100 anos de DNOCS: Marchas e contramarchas da convivência com as secas”.
In: Conj. & Planej, Salvador, n. 162, p. 58-65, jan/mar. 2009, p. 60.
243
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Falas de astúcia e de angústia: a seca no imaginário
nordestino - de problema à solução (1877-1922). Dissertação (Mestrado em História do Brasil) - Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 1998, p. 14.
81
O Cel. Francisco Rocha Pires, elemento dos de mais prestigio político e social nos
grandes e progressistas municípios de Jacobina, Djalma Dutra e Saúde, é um desses
homens dynamicos, que não podem deixar de estar fazendo, sempre, um beneficio a
municipalidades que representam ao povo a que servem, para maior bem de sua
terra, para maior engrandecimento do Estado. [sic].244
A imprensa local utilizava as notícias veiculadas à seca para criticar grupos opositores,
cobrar recursos do Estado, ou ainda apoiar determinados grupos políticos. Dessa forma, é
necessário perceber de que modo a seca foi utilizada como pano de fundo para uma série de
jogos de interesse e articulações políticas. Nesse sentido, “O discurso da seca foi, portanto,
competentemente elaborado, divulgado e assimilado”.245
A tentativa por parte do poder público, apoiado pela imprensa e grandes proprietários,
de buscar junto ao governo estadual e federal verbas para a construção de grandes obras que
pudessem dotar a cidade de aspectos “modernos”, sugere a tentativa de apagar da cidade as
características rurais, encobrindo-as e erguendo uma nova memória para a cidade, agora com
ares de cidade civilizada e moderna.
244
Correio do sertão, de 29 de maio de 1932, n. 745. p. 01.
245
CASTRO, Iná Elias de. O mito da necessidade: discurso e prática do regionalismo nordestino. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1992, p. 60.
246
CHACON, Suely Salgueiro. O sertanejo no caminho das águas: políticas públicas, modernidade e
sustentabilidade no semi-árido. Fortaleza, Banco do Nordeste do Brasil, 2007, p. 160.
82
De vez que as lembranças indiferentes devem sua preservação, não ao seu próprio
conteúdo, mas a um vínculo associativo entre seu conteúdo e outro que esta
83
recalcado, elas podem fazer jus ao nome “lembranças encobridoras” com que foram
por mim designadas.247
Nada, nada, nada não, nenhuma ajuda. Hoje, hoje esse mundohoje ta um céu, você
num quer cumpara com o céu por que com o céu ninguém cumpará mas o mundo
hoje ta como que o Céu . Apois não, ninguém achava nada, nada, nada, nada no
mundo e era uma viúva coitada com oito filho, com oito filho [sic].248
O narrador compara o mundo atual com o céu, pois segundo ao comparar a maneira
como as pessoas vivem hoje, com as dificuldades enfrentadas em 1932, estaríamos vivendo
no paraíso, em oposição ao inferno enfrentado nos momentos de escassez e penúria. Essa
247
FREUD, Sigmund. Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901). v. IV, Imago: Rio de Janeiro, 2006, p.
59.
248
Lindolfo José Ferreira, entrevista concedida à autora, em 27 de novembro de 2011.
84
comparação toma como base os benefícios sociais oferecidos pelo governo, especialmente no
que diz respeito ao benefício da aposentadoria para o trabalhador rural.
Lindolfo diz que sua mãe era viúva e tinha oito filhos, o que para ele justificaria maior
atenção e, consequentemente, ajuda por parte do governo. Percebe-se, pois, que quando o
narrador salienta essa informação, faz questão de deixar claro que diante de situações como a
de sua família, era legítimo o recebimento de auxílios oferecidos pelos governantes, o que, no
entanto, não aconteceu segundo ele.
O quê minha fia pelo amor de Deus? Apois tudo isso eu falo hoje, hoje tem Fome
Zero, Bolsa Familia, tem aposento, tem vale gás, tem mais num sei o quê, ainda
hoje, todo dia eu assunto as coisa ai na radio de manha apois bem, naquele tempo fia
tu só achava uma ajuda, tu só achava uma ajuda se um cara ainda tivesse um resto de
farinha [...] se tu achasse uma mão de farinha [ sic].249
251
Palestino Amâncio de Araújo, entrevista concedida à autora, no dia 28 de setembro de 2011.
252
STEINBECK, John. As vinhas da ira. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008, p. 558.
253
NEVES, Frederico de Castro. “Getúlio e a Seca”. In: Revista Brasileira de Hisória. v. 21. n. 40. São Paulo,
2001, p. 108.
86
254
Ibidem, p. 113.
255
Ibidem, p.114.
256
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 98.
257
Ibidem, p. 109.
87
258
Ibidem, p.128.
259
Manuel Ferreira Cunha, entrevista concedida à autora, no dia 15 de maio de 2013.
88
pode ter para esses narradores o objetivo de ressignificar essas lembranças, mudando o
sentido das experiências vividas durante a seca, de modo que ele possa conviver com as
rememorações.
É possível inferir que para os narradores, os que dialogamos no presente trabalho, o
que permitiu a sobrevivência e a superação das dificuldades impostas pela seca, foi em grande
medida sistema de relações mútuas entre parentes e vizinhos. Táticas empregadas na busca
pela sobrevivência, como adaptação da dieta alimentar e tendo como última alternativa a
migração. Para estes, diferentemente do que a imprensa da região buscou apregoar, a ajuda do
governo não chegou até suas famílias.
Os muitos investimentos feitos para mitigar os efeitos da seca não alcançaram os reais
destinatários, sendo unânime entre os narradores a ideia de que “[...] naquele tempo não havia
governo”. É possível afirmar que “[...] a seca é um problema a não ser resolvido”, pois
percebemos que ao longo de séculos o problema da seca persiste, porque faltou e falta
vontade política para enfrentar as reais causas da seca. Atenuar os efeitos desta sempre se
mostrou mais lucrativo para os dirigentes e usá-la como argumento para conseguir verbas e,
consequentemente, poder político se mostrou ao longo do tempo mais atrativo para esses
grupos, para os quais a seca sempre representou inverno e bom tempo.
89
CAPÍTULO 3:
“QUEM ESPERA TEMPO RUIM É LAJEDO”
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai
Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Sinhô São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai.260
Como diz a música interpretada por Luiz Gonzaga, depois de muita expectativa de
esperar pela barra do Natal, de observar o comportamento de animais e fenômenos da
natureza, os sinais de chuva não apareceram, pelo contrário, quando todo o sistema produtivo
rural entrou em colapso, o sertanejo entende que é chegada a hora da “triste partida”. A seca
(na verdade muito mais as relações de posse e uso da terra, assim como de exploração da
população subalternizada que são exacerbadas em períodos de estiagem) já exigiu que se
fizesse uso de raízes e sementes silvestres para amenizar a fome, mas estas não eram
suficientes e também começam a escassear, assim como a fonte de trabalho. Conforme
relembra Manuel, “Deles que era trabalhador numa fazenda, do meio pra o fim o povo que
pagava despachava eles, eles trabalhava de graça pra só ganhar o de cumer, num queria? Pois
bom, tudo com fome”.261
260
A triste partida, composição de Patativa do Assaré, interpretada por Luiz Gonzaga.
261
Manuel Ferreira Cunha, entrevista concedida à autora, no dia 15 de maio de 2013.
90
O que o narrador aponta é que para a população que vivia de vender sua força de
trabalho para os fazendeiros da região, nos períodos de estiagens perdiam para além de suas
plantações, o seu trabalho e fonte de renda, diante de tal situação aceitavam trabalhar apenas
pela comida, mas ainda assim muitos não encontravam trabalho.
Nas lembranças de Vitanor são fortes as marcas que essa situação de penúria deixou,
ele relembra que,
Pra sobreviver iam pro Sul da Bahia conforme eu disse, aqueles que não podiam
davam um dia na foice, na foice que seja no machado por um prato de farinha ,
quando a coisa começou a apertar o povo disse que só queria por meio prato, um
prato de farinha significa cinco litros, são três quilos a dois e meio, trabalhava assim
pela comida, chegou o tempo de trabalhar pela comida e mesmo assim não achava
quem quisesse.262
os grandes proprietários não restou nada, não é dono de coisa alguma, ainda que ele tenha
cultivado as plantas e alimentado animais, nada lhe pertencia.
A produção literária não está fora de seu tempo e espaço social, podemos analisar
inúmeras questões, uma vez que os relatos que estão presentes nessas obras estão ligados à
sociedade na qual esse autor estava inserido, portanto, sua obra expressará os valores,
conflitos, códigos sociais e preconceitos do seu tempo.
A concentração de terra nas mãos de poucos proprietários obrigava o sertanejo a
desenvolver uma agropecuária de subsistência, na qual a produção era baixa e voltada apenas
para o consumo da família. Portanto, não havia excedentes que ele pudesse usar como
reservas para o próximo verão. A baixa produção está intimamente ligada à qualidade das
terras, menos rentáveis, pouco férteis e de tamanho reduzido, o que impossibilitava uma
produção capaz de manter a segurança alimentar das famílias.
Sonia Regina de Mendonça em seu trabalho O Ruralismo brasileiro, analisa o
ruralismo não apenas enquanto movimento ideológico, mas como um projeto engendrado por
agentes sociais concretos, político e economicamente situados em uma estrutura de classe que
busca a defesa dos interesses desses grupos ligados aos setores agrários do país. A autora
busca demonstrar como o patronato, através de agremiações específicas, buscava se inserir e
defender posições junto ao Estado, defendendo a agricultura enquanto “esteio da economia
brasileira”.
Dessa maneira, a solução para os problemas da agricultura brasileira estaria no
abandono de práticas arcaicas e a substituição delas por um modelo baseado na
modernização/racionalização da produção agrícola. A superação do atraso só seria possível
através de investimentos e financiamentos por parte do Estado.
Muitos sertanejos, diante da crise provocada pela seca, optaram por buscar em outras
localidades melhores condições de vida, acreditaram em promessas de uma vida promissora e
fugiram da seca para o sudeste. “Em todo o ano de 1932, por esse caminho, entraram 4.433
nordestinos, a maioria deles (3.546) vindos da Bahia”. E completa que “A partir de então
formou-se grande êxodo em direção às terras do Sul, que se transformou no Eldorado mítico
dos nordestinos expulsos do semi-árido”.268 Muitas famílias optaram por tentar a sorte em
outro lugar, como aponta o jornal Correio do Sertão ao dizer que “A zona das caatingas,
265
Ibidem.
266
ALMEIDA, José Américo de. A Bagaceira. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 22
267
FERREIRA, Angela L. A.; DANTAS, George A. F.. Os "indesejáveis" na cidade: as representações do
retirante da seca Natal (1890-1930). In: Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona. n. 94 (96), 1 ago. 2001. Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn-94-96.htm>.
Acesso em: 20 out 2013.
268
VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão: História das Secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São
Paulo: Ática, 2000, p. 156.
93
como se sabe, continua secca, muito secca, o que attesta a grande quantidade de emigrantes
que por aqui tem passado em busca de melhorias” [sic]269.
Dentre as inúmeras respostas que os sertanejos deram diante das dificuldades causadas
pela seca, uma delas foi a emigração. O jornal Correio do Sertão afirmava que “Tem sido
considerável a imigração dos habitantes do norte para o sul do Paiz, tangidos pela cruenta
phase dos rigores da seca” [sic]270. O jornal anuncia a saída de pessoas da região para o
Sudeste do país, o que provavelmente foi a escolha de um número considerável de
trabalhadores, no entanto as experiências dos narradores com quem dialogamos apresentam
uma singularidade em relação ao “retirar-se”, percebemos que a maioria das famílias optaram
por cidades mais próximas, especialmente a região do Sul da Bahia.
Dejulina recorda que as pessoas escolhiam o Sul da Bahia “iam embora pro Sul, hoje a
danação que o povo tem pra ir pra São Paulo, nesse tempo era pelo Sul, o povo num conhecia
São Paulo, era o Sul, a danação era o Sul”. A narradora apresenta o que segundo ela seria o
motivo para as pessoas não escolherem outras regiões, seria que “o povo não conhecia São
Paulo”, uma das dificuldades indicada na fala da narradora fosse o problema apresentado pela
falta de transporte, agravada pelo fato de que a maioria dessas pessoas não poderia pagar o
valor das passagens de trem para lugares distantes, porque boa parte de seu patrimônio já teria
sido vendido ou consumido na tentativa de sobreviver às dificuldades impostas pela seca.
Possivelmente o trem ajudou na locomoção de muitas pessoas, no entanto a população
subalternizada não possuía recursos para utilizar o trem como meio de transporte e dessa
maneira os altos preços do frete faziam com que burros e mulas continuassem sendo usados
como meio de transporte. É possível conjecturar ainda que a seca não atingia apenas a
população da região, a rede ferroviária também sofria com a queda na produção causada pela
estiagem.
Existem razões práticas para que algumas estações apresentem acentuada queda ou
acréscimo em suas receitas e a principal delas se liga a seca. Em toda a zona da
ferrovia eram os produtos agropecuários os mais importantes, os geradores de
riqueza, principalmente o gado, a mamona e o algodão.271
Em conformidade com a fala de Dejulina, São Paulo não era a primeira opção de
destino das pessoas da região de Jacobina e com isso podemos conjecturar algumas
explicações, como a falta de recursos para o pagamento de passagens de trem e dessa maneira
as pessoas tinham como destino lugares que fosse possível chegar a pé ou com o auxílio de
animais.
A escolha do Sul da Bahia presume-se que era feita com base na ideia de que era uma
região que apresentava um clima que não sofria os efeitos da seca, se apresentando como a
terra em que havia fartura. Manuel apresenta nas suas lembranças a imagem que boa parte dos
sertanejos tinha a respeito do Sul da Bahia nesse período. Segundo ele “[...] lá tinha tudo, a
farinha era barata, a banana tava aí perdeno, a jaca tava ai perdeno, a cana tudo, tudo quanto
era verdura [sic]”. Essa região se apresentava como a alternativa para escapar das penúrias
que essas pessoas viviam diante dos efeitos da seca, se apresentava como o lugar da bonança e
da fartura.
A fala de Manuel demonstra que ele fazia parte de uma sociedade em que havia
espaços coletivos, de uso comum. Para as comunidades tradicionais, com base em um
conjunto de direitos assegurados pelo “costume” concebidos e aceitos pelo grupo ao longo de
décadas, algumas áreas eram de uso comum. Uma vez que todos tinham acesso aos mesmos
recursos naturais, não havia porque colher mais do que as famílias precisavam e não havia a
comercialização do excedente. O discurso é significativo a esse respeito, segundo ele “[...]
todo mundo tinha, ninguém nem queria pegar na roça dos outros”.273
As dificuldades diárias para obtenção dos alimentos eram amenizadas pela
possibilidade de complementá-los com as frutas colhidas nessas “matinhas”274, a caça, a lenha,
a coleta do licuri que podia ser utilizado de diversas maneiras, entre outros. A seca inviabiliza
a coleta desses gêneros, o que dificulta ainda mais a vida dos sertanejos, pois além de perder
272
VILLA, Marco Antônio. Vida e Morte no Sertão: História das Secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São
Paulo: Ática, 2000, p. 85.
273
Manuel Ferreira Cunha, entrevista concedida à autora no dia 15 de maio de 2013.
274
Matinhas eram terras de uso comum da comunidade, baseados nos direitos costumeiros, nas quais as pessoas
colhiam frutos, os animais pastavam, de maneira coletiva em oposição a “terras de negócio”.
95
as atividades produtivas, perdem também os alimentos fornecidos por estes territórios de uso
comum.
Além da escassez desses alimentos causados pela seca, cada vez mais esses espaços
tornavam-se escassos, uma vez que a terra perde com o avanço das relações capitalistas e o
seu valor de uso passa a ser substituído pelo valor de troca. Portanto, a vida dessas pessoas era
dificultada tanto pela seca quanto pela cerca. John Steinbeck em sua obra As vinhas da ira
aborda esse sentimento de mudança sobre o que as relações no campo causa e as
transformações que impõem a vida das pessoas, ou seja, “[...] a satisfação que o trabalho
proporciona desaparece, tão eficiente que o deslumbramento também desaparece dos campos,
e com ele some-se a profunda compreensão e ligação do homem com a terra, bem como sua
ligação a ela”.275
O significado dado a terra era construído através do trabalho. As relações de
sociabilidades estabelecidas e o ritmo do trabalho marcado pela relação com o meio,
construíam esse significado, no qual a terra era para o trabalhador muito mais que apenas o
meio pelo qual este adquire o seu alimento e sua subsistência. O homem do campo construía
também uma visão de mundo própria, marcada por valores, costumes e saberes próprios dessa
relação direta,
O homem que é mais que sua composição química, caminhando na terra, desviando
o arado de uma pedra, abaixando a rabiça de seu arado para poupar um rebento,
calcando os joelhos na terra para comer sua singela refeição, esse homem que é mais
que o simples resultado de sua analise química.276
Da mesma maneira que o homem é muito mais que apenas a sua estrutura química,
dotado de sentimentos e valores, a terra é muito mais que apenas sua composição, a relação
estabelecida entre o homem e a terra não pode ser resumida apenas à produção, esta ganha
significado e importância para os trabalhadores conforme significa a possibilidade de
alimentar sua família, meio pelo qual nascem os frutos do trabalho, regados pelo suor de seu
rosto sol á sol. Através dessa relação entre homem/natureza é que é possível dar significado as
relações sociais, de solidariedade e ajuda mútua.
As dificuldades diárias eram atenuadas através das relações de solidariedades mútuas,
desde o simples empréstimos de ferramentas até a prática do adjuntório, “dijitório” boi
roubado e quebras e tiras de licuri. Por isso nas lembranças de Manuel a ideia de fartura
ligada a esses espaços comuns marcava a contraposição às “necessidades” impostas pela seca.
275
STEINBECK, John. As vinhas da ira. Rio de Janeiro, BestBolso, 2008, p. 143.
276
Ibidem.
96
O narrador conta que havia fartura, que a região de Jacobina não viveu apenas as
agruras da seca, havia os momentos de comunhão e festa, que eram intimamente ligados ao
trabalho. “Portanto, a sensação de viver bem, decorre de um ângulo, do fato de terem certa
facilidade de satisfazer às necessidades de alimentação, justificando a recorrência a expressão
naquele tempo tudo era fartura”277.
O trabalho camponês é sinônimo de sofrimento quando é cativo, quando é feito em
propriedades alheias. O trabalho ‘com o outro’ ou para o ‘outro’ é sempre gratificante,
trabalho-festa, ou trabalho-ritual, quando voluntário278. Com progressivo processo de
capitalização das terras, houve uma profunda mudança nas relações entre patrões e
trabalhadores rurais assalariados, diaristas ou meeiros. As parcerias não eram mais
interessantes para os fazendeiros, seja pela substituição da agricultura pelo pasto para
pecuária, seja pela seca que inviabilizava a plantação.
A cerca também modificou a maneira como os homens e mulheres se relacionavam
com a terra, transformando os significados atribuídos a esta pelos trabalhadores rurais, os
símbolos e valores, ainda que eles não detivessem a posse legal das mesmas. Brandão analisa
que com a diminuição desses espaços coletivos houve a redução de “[...] fontes naturais de
coleta de comida silvestre, de caça e de pesca, alimentos sempre tidos como de alguma
importância complementar na dieta da população de baixa renda”279.
Certo saudosismo presente na fala dos narradores talvez seja demonstrativo da ideia
que para eles havia maior facilidade em saciar a fome, ligado diretamente as relações de
solidariedade estabelecidas entre parentes e vizinhos, diferente das relações baseadas no
individualismo das relações capitalistas do presente. Dona Dejulina lembra que “Deu um
maracujá, os mato virou tudo em maracujá, o povo pegava e cunzinhava e comia, quem tinha
um leitinho comia com leite, eita meu Deus não tinha mesas melhor no mundo não”.280
Nas lembranças de Dejulina existe uma forte associação entre os espaços comuns,
denominados por ela de “matos” ou “matinhas” e a fartura. Dentre as muitas rememorações
sobre a seca e as dificuldades sofridas nesse período, vem à memória a lembrança de espaços
que marcam justamente o oposto dessas agruras. A narradora relembra que o alimento
277
SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e migrações: Bahia1950-
1980. São Paulo: Annablume, 1998, p. 38
278
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O trabalho como festa: algumas imagens e palavras sobre o trabalho
camponês acompanhado de canto e festa. In: GODOI, Emília Pietrafesa de; MENEZES, Marilda Aparecida de;
MARIN, Rosa Acevedo. (Org.). Diversidade do campesinato: expressões e categorias. v. l. Construções
identitárias e sociabilidades. São Paulo: Editora UNESP; Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e
Desenvolvimento Rural, 2009, p. 51.
279
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de
Janeiro: Graal, 1981, p. 60.
280
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
97
A subsistência das famílias era mantida com o auxílio dos gêneros encontrados nesses
territórios, podendo-se perceber na fala do narrador que as frutas colhidas nesses espaços
tinham papel fundamental na alimentação da família, além de práticas como a permuta de
alimentos, no entanto, com a seca e escassez desses frutos, dificultavam ainda mais a
sobrevivência dos sertanejos.
A seca desestabiliza o sistema produtivo rural, causando crise no abastecimento dessas
pessoas, justamente porque os trabalhadores que não conseguem produzir sentem-se
obrigados a comprar os gêneros alimentícios que compõem a base da alimentação, outrora
produzidos por eles e colhidos nesses mesmos espaços. Portanto, estes se viam obrigados a
adquirir nas feiras locais o que antes era cultivado em suas terras, porém, com a crise na
agricultura, o desemprego impossibilita a aquisição desses gêneros.
Quando os trabalhadores acreditavam não ser mais possível suportar as condições
impostas pelas relações de poder baseadas na opressão e na desigualdade, decidiam partir.
Essa decisão alterava uma série de questões do seu cotidiano, mudava inclusive a estrutura
familiar das pessoas. Nas narrativas da maioria dos trabalhadores foi possível analisar que os
deslocamentos das famílias da região de Jacobina apresentavam singularidades, o “retirar-se”
era parcial, partiam, em sua maioria os homens, dessa forma, as mulheres, as crianças, os
irmãos mais jovens e os pais com idade avançada ficavam.
Os homens jovens e mais fortes apresentavam maior facilidade para realizar as longas
caminhadas, assim como conseguiam trabalho mais facilmente, não sujeitando a família a
281
Palestino Amâncio de Araújo, entrevista concedida à autora, no dia 28 de setembro de 2011.
98
uma série de agruras que estariam expostos na andança. “Migrar é, em última instância, dizer
não à situação em que se vive, é pegar o destino com as próprias mãos, resgatar sonhos e
esperanças de vida melhor ou mesmo diferente”.282
“Retirar-se” deve ser entendido enquanto tática e resistência e a não aceitação das
condições impostas pela situação de exclusão social em que esses trabalhadores viviam em
seu lugar de origem. “A migração se fixa na ilusão de ser sempre provisória. Esta ilusão é
justificada e governada pelo trabalho, um dos objetivos maiores do movimento migratório” 283.
O fato de que muitos não se desfizeram dos poucos pertences que ainda restavam demonstra
que havia a intenção do retorno, logo que as primeiras chuvas caíssem. Partiam em busca de
trabalho que garantisse a sua sobrevivência e a dos que ficaram.
A grande maioria dos sertanejos, ao que parece, procurava trabalho. Com esse objetivo
percorreu os mais variados caminhos para a obtenção de maneiras de assegurar a
sobrevivência da família. A aceitação da migração guarda relação direta com o valor moral do
trabalho284. Muitos sertanejos eram resistentes ao ter que recorrer à caridade, pedir esmolas
era algo inaceitável para homens fortes e saudáveis, portanto, o sertanejo preferia “[...] um
salário mais reduzido a uma esmola abundante”.285
O trabalho para o homem do sertão é central em sua vida, não é apenas a maneira
como adquire alimentos, é principalmente uma visão de mundo. Para os homens e mulheres
do sertão que se vêem impedidos de trabalhar pelas consequências da seca, sejam eles o
desemprego ou o aniquilamento das lavouras, retiram-se em busca de melhores condições de
trabalho. A partir dessa importância atribuída ao trabalho é possível compreender a
dificuldade em aceitar esmolas.
“Eu mesmo saí daqui fui pra o Sul ganhar dinheiro” 286. Manuel ainda jovem optou por
buscar melhores condições de sobrevivência no Sul da Bahia, ele e mais três irmãos foram
para Mutuípe287, como ele mesmo aponta para “ganhar dinheiro” para ajudar os outros
membros da família que ficaram. “Da minha família foi três irmãos, foi eu e mais três
irmãos”. Na família de Manuel os homens jovens da família foram em busca de trabalho para
282
GUILLEN, Isabel Cristina Martins. “Seca e migração no Nordeste: reflexões sobre o processo de banalização
de seu processo histórico”. In: Trabalhos para Discussão. n. 111, 2001, ago. 2001, p. 2.
283
CARDEL, LígiaMaria Pires Soares.“O Indivíduo entre a lógica e a práxis da economia moral camponesa”.
VIII Congreso Latinoamericano de Sociología Rural, Porto de Galinhas, 2010, p. 17.
284
RIOS, Kênia Sousa. Isolamento e poder: Fortaleza e os Campos de Concentração na Seca de 1932. 1998.
Dissertação (Mestrado) - PUC-SP, São Paulo, 1998, p. 95.
285
Ibidem, p. 120.
286
Manuel Ferreira Cunha, entrevista concedida à autora, no dia 15 de maio de 2013.
287
O município de Mutuípe fica localizado a uma distância de 235Km por Rodovia de Salvador, tendo como
localização geográfica o Sudoeste da Bahia, portanto, o que era considerado Sul da Bahia pelos narradores não
era exatamente o Sul.
99
ajudar os demais familiares e questionado sobre os motivos que o fizeram “retirar-se”, ele
aponta que “É por que aqui tava tudo com fome, o povo tudo com fome, e eu já tava um
rapazote, então eu fui pra ganhar dinheiro lá pra recursar aqui, trazer pra o povo comer”.
Uma das características daqueles jovens que migram rumo à cidade é que os [...]
deslocamentos campo-cidade estão, muitas vezes, sustentados no próprio projeto da família
camponesa [...] os jovens que saem das casas dos pais são, muitas vezes, fundamentais para
que outros permaneçam na terra”288. Para que toda a família não precisasse abandonar as
terras e para que fosse possível permanecia do restante da família, alguns membros saiam para
trabalhar em outras regiões e auxiliar os que ficaram.
A necessidade e a fome desagregaram famílias, dispersou alguns membros, mas ela
continuava sendo o núcleo no qual todos se apoiavam. Foi com base nesses valores que
Manuel e seus irmãos partiram, pois cabia a eles jovens e fortes, naquele momento, ajudar a
família.
Para o sertanejo não restavam muitas saídas. Permanecer onde vivia, apesar de todos
os pesares, era a alternativa preferencial. O amor a terra sempre marcou sua vida.
Manter-se nela representava para aquele que nada tinha e mesmo para o pequeno
proprietário ter de submeter-se ao todo poderoso do local, geralmente um
latifundiário.289
A decisão de migrar alterava profundamente a vida do grupo familiar, essa decisão era
difícil e para muitos narradores são lembranças de momentos de angústia. Lindolfo quando
questionado se ele e sua família haviam migrado, ele afirma que “[...] ficou no mesmo lugar,
passano ruim mas ficou, não tinha pra onde ir,quando ia não podia vortar e o outro povo que
288
MARTINELLO, André Souza. Cotidiano em mudança: o rural brasileiro a partir da obra de Carlos Rodrigues
Brandão. 2010. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010, p. 115.
289
VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão: História das Secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São
Paulo: Ática, 2000, p. 84.
100
ia no caminho, quem guentasse ir chegava e quem não chegava morria por lá mesmo e se
acabava [sic]”.290
A fala do narrador demonstra as preocupações que existiam no momento da decisão de
partir ou não, se existiriam dificuldades enfrentadas na obtenção do alimento na terra natal,
havia por outro lado os perigos de uma longa jornada por terras desconhecidas,
provavelmente essas pessoas ouviram histórias de muitos que “não chegava e morria por lá
mesmo e se acabava”. Essas e outras questões perpassavam a cabeça na hora da decisão de
abandonar a terra natal. É possível também que a disposição de não partir, tomada pela
família Lindolfo, demonstre que de alguma maneira estes ainda possuíam algum recurso que
permitisse permanecer na terra natal, estivesse ligada ao fato de que sua família tinha
melhores condições de sobreviver aos efeitos da seca.
Para outras famílias, tomada a decisão de partir, era necessário organizar os
preparativos para a viagem e estes estavam diretamente ligados à posição social que a família
ocupava. Para os mais abastados era necessário vender a propriedade e rebanhos ou transferi-
los para outra região. Para os subalternizados a preparação consistia geralmente no abate dos
poucos animais que sobrou ou ainda no abandono daqueles que não foi possível vender. Era
necessário preparar os utensílios que seriam indispensáveis na viagem, além de alimentos que
se reduziam à base da alimentação do sertanejo, como carne do sol e farinha de mandioca. Os
últimos animais eram preservados para este fim, a carne era salgada com o objetivo de não
estragar e suportar os longos dias da viagem.
As condições da viagem também estavam ligadas às posses das famílias, aqueles que
possuíam mais recursos podiam contar com o apoio de cavalos e muares para vencer parte do
trajeto. Como lembra Vitanor, “O Sul da Bahia era o mesmo que São Paulo, sabe se lá o que é
ir pra o Sul da Bahia de pé? Quem tinha um animal tinha que largar no caminho por que
cansava, não tinha o que comer”291, a dificuldade para enfrentar a distância a pé fazia com que
o Sul da Bahia fosse comparado por Vitanor a São Paulo, devido às dificuldades e privações
do trajeto feito a pé, o que deixava essas pessoas vulneráveis a uma série de perigos que se
transformavam em momentos de sofrimento e penúria. A ajuda dos animais não era
suficiente, pois faltava alimento e água também para estes, sendo necessário abandoná-los no
caminho quando não suportavam mais a caminhada.
Manuel também nos conta como foi a sua viagem para o Sul da Bahia: “Eu mesmo saí
daqui fui pra o Sul ganhar dinheiro, pois bom, levei um burro [...] a gente saia daqui era três
290
Lindolfo José Ferreira, entrevista concedida à autora, em 27 de novembro de 2011.
291
Vitanor Moreira dos Santos em entrevista realizada no dia 07 de novembro de 2012.
101
quatro dia de viagem, os animais era lá um ou outro que guentava ir, burro, cavalo num
292
guenta, cabava morria” . É possível inferir que no caso de grupos que tinham mulheres e
crianças, os animais eram reservados para estes que não conseguiam acompanhar o ritmo dos
demais membros ou quando cansavam, os animais ajudavam a amenizar o sofrimento da
longa caminhada. Eram três ou quatro dias de viagem, expostos a todos os perigos, por isso
era necessário que os alimentos e a água que foram levados fossem suficientes, do contrário o
grupo estaria em perigo, dificilmente encontrariam uma maneira de se alimentar ou localizar
água.
Jorge Amado em seu romance Seara Vermelha mostra a importância do jumento
“Jeremias” para a família de Jerônimo, que era estimado como um ente da família,
Jerônimo costumava dizer que abaixo de Deus eles deviam ao jumento ainda
estarem vivos. Não era apenas Tonho que fazia atualmente parte do caminho no
lombo de Jeremias, montado na cangalha. Também Jucundina quando as pernas se
negavam a caminhar era encarapitada entre os caçuás e o jumento a conduzia.
Jerônimo chegou a estimá-lo como a qualquer um dos parentes que iam com ele. 293
No dia seguinte / Já tudo enfadado / E o carro embalado / Veloz a corrê / Meu Deus,
meu Deus / Tão triste, coitado / Falando saudoso / Com seu fio choroso / Iscrama a
dizer / Ai, ai, ai, ai. De pena e saudade / Papai sei que morro / Meu pobre cachorro /
Quem dá de comê? / Meu Deus, meu Deus / Já outro pergunta / Mãezinha, e meu
gato? / Com fome, sem trato / Mimi vai morrê / Ai, ai, ai, ai. E a linda pequena /
Tremendo de medo / “Mamãe, meus brinquedo / Meu pé de fulô?” / Meu Deus, meu
Deus / Meu pé de rosêra / Coitado, ele seca / E minha boneca / Também lá ficou /
Ai, ai, ai, ai. E assim vão dexando / Com choro e gemido / Do berço querido / Céu
lindo e azul / Meu Deus, meu Deus / O pai, pesaroso / Nos fio pensando / E o carro
rodando / Na estrada do Sul / Ai, ai, ai.294
A terra representada nos versos ganha sentido de casa, de lar. Tudo era íntimo, a
natureza ao redor fazia parte do cotidiano das famílias e marcava profundamente as relações
sociais estabelecidas. Dejulina relembra que diferente da maioria das famílias dos narradores,
dos que decidiram partir apenas alguns membros da família, seus vizinhos optaram por todos
da família irem embora.
292
Manuel Ferreira Cunha, entrevista concedida à autora, no dia 15 de maio de 2013.
293
AMADO, Jorge. Seara Vermelha. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 104.
294
A triste partida, composição de Patativa do Assaré interpretada por Luiz Gonzaga.
102
Viva Deus! Ai não aguentaram a fome, arrumaram a mariana, disse que iam embora,
iam embora pro Sul [...] e ai foi, tomem assim que ele fechou a casa saiu mais os fio,
cada um saiu, ele os fio e a véia, dona Zabé, a vó de Marica, cada um saiu com uma
trouxinha, se ninguém tinha nada, ninguém tinha nada minha fia, as casa num tinha
nada, óia as casa, tinha casa, o povo era tão pobre.295
São levas de retirantes que nos vêm chegando das terras causticadas de sol são os
abandonados filhos do sertão que, sem amparo de ninguem, resignados e abatidos
pelas leis fataes da natureza ingrata, fogem dos lares humildes e descem, da
condição de independência relativa em que vivia para esmolar a caridade publica
[sic]297.
Uma das imagens mais fortes que se construiu foi a imagem do retirante sertanejo
maltrapilho, faminto, enfrentando todo tipo de agruras sob um sol escaldante e solo ressecado
e seco. A construção da imagem do retirante sertanejo esfarrapado e com fome reduz-se a
explicações simplistas os diferentes significados que o “migrar” adquire para estes sujeitos,
iguala valores e sentimentos de pessoas que possuem relações particularizadas.
295
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
296
Ibidem.
297
Correio do Bonfim, 01 de fevereiro de 193, p. 01.
103
A vida dos trabalhadores rurais baseadas nas relações diretas com a natureza
transforma estes, na visão de alguns, em pessoas inaptas a compreender e praticar os códigos
citadinos, homogeneízam sentimentos complexos e práticas inventadas e reinventadas
cotidianamente. Essa construção transforma o homem do sertão em um ser “apolítico, apático,
submisso e incapaz de constituir-se como sujeito ativo de sua própria condição social” 298.
Dessa maneira, o sertanejo é transformado em sujeito “carente” que precisa ser ajudado,
socorrido tanto pela caridade pública quanto pelo Estado.
Nessas primeiras noticias sobre os retirantes, estes aparecem como desamparados,
vítimas de uma natureza ingrata e cruel, “resignados e abatidos”. A imagem desses homens e
mulheres vai se transformando conforme estes se avolumam nas cidades e passam a
representar uma ameaça aos citadinos. “As nossas ‘procissões da fome’ são andrajos cobrindo
criaturas esquálidas, são ondas vagarosas e sombrias, mudas como a dor dos que não sabem
gemer, impressionante como o protesto da alimaria que não sabe exprimir o sofrimento que
lhe atormenta”.299
O jornal Correio de Bonfim cumprindo o que considerava ser o seu papel, o de expor a
situação de pobreza que vivia a população sertaneja, colocando-se enquanto porta voz,
denuncia que “as procissões da fome” do sertão são compostas por seres “emudecidos” que
não sabe gemer. Caberia, portanto, ao jornal o papel de “gritar” aos quatro ventos a situação
de penúria vivida por estas pessoas. Esses homens e mulheres eram também comparados a
“alimaria que não sabe exprimir o sofrimento que lhe atormenta”, eram seres apolíticos, que
desconheciam os meios pelos quais podiam reivindicar seus direitos. A gente do sertão era
vista por Augusto Sena Gomes e seu jornal enquanto pessoas incivilizadas e inertes.
O reforço dessas ideias do sertanejo enquanto sujeito incapaz de lutar por seus direitos,
aquele que necessitava da tutela de outros, vitimizado, contribuiu na consolidação de
preconceitos e estereótipos acerca do homem do sertão. Os sertanejos, como foram mostrados
na reportagem, são homens e mulheres sem rosto ou nome, “ondas vagarosas e sombrias”, o
que é apresentado sob a noção de “retirante” ou “flagelado” eram na verdade grupos
heterogêneos, compostos por pessoas que apresentavam dentro das consequências da seca,
demandas específicas, visões de mundo percepções próprias, mas nesses primeiros sinais de
seca, aos periódicos interessava mostrá-los enquanto grupo homogêneo e tornar-se porta voz
de suas demandas. No entanto, essa postura dos jornais demonstra que a ajuda esperada dos
298
SANTANA, Charles D’Almeida. “Trabalhadores rurais do recôncavo baiano: memórias e linguagens”. Proj.
História, São Paulo, fev. 1998. p, 194.
299
Correio do Bonfim, 01 de fevereiro de 1931, p. 01.
104
governantes perpassava diretamente pelos interesses das classes que essa imprensa pretendia
defender.
Esse interesse fica claro na mesma reportagem, no qual o periódico reivindica a ajuda
do governo, mas esta deveria vir em forma de recursos para a construção da ferrovia.
Não! O nortista não quer migalhas: quer ganhar seu sustento sem a sacola do
mendigo [...]. Os créditos abertos pelo poder central para socorro financeiro de
alguns estados do Sul, podiam ser desviados alguns recursos afim de se dar trabalho
às verdadeiras ‘procissões da fome’ minorando as consequências do flagello das
seccas e fazendo obra de interesse nacional essa ferro-via!301
A ferrovia era vista pelos grandes proprietários e políticos locais enquanto solução
para os problemas do sertão. “Em comum depositaram na estrada de ferro o papel de tábua de
salvação do sertão. Ela seria o meio pelo qual a região se inseria na grande economia de
mercado” 302. As reportagens do Jornal Correio de Bonfim cujo proprietário era Augusto Sena
Gomes, fazia parte do grupo político dos Gonçalves, grandes proprietários de terra na região
de Senhor do Bonfim. Portanto, buscavam defender os interesses destes e “A via férrea era,
para as classes proprietárias, poderoso instrumento de reforço e ampliação de seu poder
política e econômico. Um instrumento modernizante a serviço da manutenção da elite agraria
no topo da pirâmide social e econômica”.303
Essas ferrovias construídas segundo os interesses políticos e econômicos desses
grupos não obedeciam a critérios de viabilidade econômica. “Foi devido a estes diversos
interesses que o sistema ferroviário brasileiro foi constituído de linhas soltas, muitas delas
completamente isoladas, sem se articular a outros meios de transporte” 304. Os interesses em
torno da construção da ferrovia estavam ligados à criação do jornal, uma vez que “[...] um
legítimo representante da modernidade, a ferrovia, chamava outro, a imprensa”305. O drama do
flagelo da seca foi utilizado enquanto maneira de arregimentar recursos para a região, sendo
300
ARAUJO, Maria Lia Corrêa de. “Seca: fenômeno de muitas faces”. Cad. Est. Soc. Recife. v. 16, n.1, p. 5-27,
jan-jun, 2000.
301
Correio do Bonfim, 01 de fevereiro de 1931, p. 01.
302
CUNHA, Aloísio Santos da. Descaminhos do trem: as ferrovias na Bahia e o caso do trem da
Grota (1912-1976). 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011, p. 80.
303
CUNHA, Aloísio Santos da. Descaminhos do trem: as ferrovias na Bahia e o caso do trem da Grota (1912-
1976). 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011, p. 87.
304
Ibidem, p.32.
305
Ibidem, p. 109.
105
há muito tempo um discurso que sensibiliza, tornou-se uma arma poderosa para a obtenção de
verbas federais.
O sofrimento não ficava para trás junto com a velha casa e as lembranças do lugar,
alguns seriam agravados na longa jornada até a nova moradia. Na memória dos narradores
ficaram marcas desse drama vivido durante o trajeto, são marcas não apenas do que eles
viveram, mas também das histórias que ouviram contar e que foram internalizadas como se as
tivesse vivido.
O fato de já terem sido contadas faz das historias mais que propriedade individual:
elas têm sido compartilhadas. Sua família se orgulha delas; então, elas são
propriedade familiar. Então elas também têm sido, provavelmente compartilhadas
com colegas de sua geração. Um ato de discurso oral, mais do que o discurso escrito,
é implicitamente social, por que requer um público.306
Muita gente mudou, muita gente largou menino, num, numa fazenda num guentava,
ir e ainda com uma criança no braço, será que é precisão? Chegava numa fazenda
debaixo de um varandado deixava, os donos da casa levantava tava, saia fora tava
aquela criança tomava aquele choque [sic].307
[...] o povo não aguentava a fome a fraqueza, deixava os fio quando passava na casa
de um fazendeiro, que via que tinha as coisa, tinha gado, tinha as coisa, deixava
aquela criança ali, era mesmo que ta panhanoe dano pra uma pessoa que podia pa
criar, só que tinha que aquelas criança perdia o contato com os pais e os pais tomem
deles, eles abandonaram é mesmo que uma oveia tempo de seca, oveia tempo de
306
PORTELLI, Alessandro. “O melhor limpa latas da cidade: A vida e os tempo de Valtèro Peppoloni,
trabalhador”. Ensaios de História Oral, Letra e Voz, p. 173.
307
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
106
seca num pare e num tem um pingo de leite, e abandona os fio lá, nem limpar elas
num limpa, se os arubu não matar e agente não pegar pra criar enjeitado, eles num
morre lá? Era a mesma coisa, era a mesma coisa. [sic].308
Dejulina em sua narrativa, mais que contar uma história, o narrar torna-se um ato
público, no qual se troca experiências vividas.
A narrativa, que durante tanto tempo floresce num meio de artesão, no campo, no
mar, e na cidade, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de
comunicação. Ela não esta interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada
como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador
para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa como o oleiro na
argila do vaso.309
Essa história nos ensina o que é a verdadeira narrativa. A informação só tem valor
no momento em que é nova. Ela só vive nesse momento, precisa entregar-se
inteiramente e sem perda de tempo tem que se explicar nele. Muito diferente é a
narrativa. Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo
ainda é capaz de se desenvolver. 311
Em contraposição a informação que já vem pronta, a narrativa guarda uma parte que
pertence ao ouvinte, cabe a sua reflexão. Enquanto a informação só tem valor enquanto é
nova, a narrativa pelo contrário quanto mais é narrada, mais é acrescentada pelas experiências
308
Ibidem.
309
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras
Escolhidas. v. I. 5. ed. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993, 205.
310
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
311
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras
Escolhidas. v. I. 5. ed. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993, 204.
107
do narrador ou dos ouvintes. A narrativa pode ser comparada ao marfim, polido pausadamente
através das camadas lentamente acumuladas, assim acontece com as histórias constituídas
pelas narrativas sucessivas.312
As lembranças e narrativas sobre a seca, contadas e recontadas por gerações têm um
fundo moral, pois estão baseadas em valores e saberes. São as experiências dessas pessoas,
vividas por cada um de maneira específica, mas cada vez que era recontada acrescenta as
experiências de quem ouve, acumula saberes, vai sendo polida como o marfim.
Pelo caminho os narradores presenciaram cenas de sofrimento de muitos a quem o
alimento acabou antes de chegar ao destino, e estes ficaram à beira da estrada contando
apenas com a caridade dos que transitavam por ali. Manuel nos relata algumas dessas
histórias,
A seca foi grande viu. Vi muitos que desceram pra o Sul onde tinha farinha, no Sul
tinha farinha barata, mas ninguém podia ir buscar, muitos que desceu com a família
312
Ibidem, p. 206.
313
Povoado do município de Capim Grosso.
314
Manuel Ferreira Cunha, entrevista concedida à autora, no dia 15 de maio de 2013.
108
morreu muita gente, pouca gente chegaram. Desceu um home sozinho, chegou numa
fazenda pediu um bocado, chorando de fome, nesse tempo ...[fazendeiro responde]
não tenho comida pra dar ninguém não! Viajou assim como na beira do tanque, caiu
e morreu, o fazendeiro pegou fez a mortaia, antigamente enterrava gente mortaiado,
fez a mortaia, contava o povo eu não sei, eu não vi. O fazendeiro mortalhou o
homem e enterrou, quando foi no outro dia de manha manheceu a mortalha em riba
da mesa, foi verdade. [sic].315
Com base nos valores da tradição católica, o grande dono das terras no sertão
tornava-se padrinho de muitos afilhados, mediante o compadrio. Dessa forma,
assumia o dever de proteger vários “moradores” ou empregados. Nas relações de
compadrio há, em certo sentido, uma aceitação da existência de ricos e pobres, fortes
e fracos, na medida em que o potentado é visto como aquele que tem obrigação de
proteger o despossuído. No sertão, é cultivada a ideia de queDeus fez o rico para
proteger o pobre. Em troca, o pobre deve obediência ao rico.316
316
RIOS, Kênia Sousa. Isolamento e poder: Fortaleza e os Campos de Concentração na Seca de 1932. 1998.
Dissertação (Mestrado) - PUC-SP, São Paulo, 1998, p. 81.
109
flagelado é sujeito histórico, que se baseia em uma complexa rede de valores alimentada por
costumes ligados ao “apadrinhamento”.317
Quando o povo passava com uma carga de tropeiro, naquela época era por que era a
burro, trazia cento e vinte quilo de coisa, seja de milho ou de feijão, e eles vinham
pedir uma cuia de comida, e eles tirava e dava, dava a um, dava a outro, já tinha
tropeiro que trazia um bogózinho no meio da cangalha pra ir dando, que quando
acabava, teve um velho como era Luiz da Varjota que descosturava e tirava no
cantinho do saco um pouquinho e dava, quando chegava na feira um monte dizia o
meu saco eu não descosturo por que ai já ta a quantia certa, mas quando ele chegava
na feira que retaliava, aquele que ele tirou não faltava não, dava a mesma medida! [
sic].318
317
Ibidem.
318
Vitanor Moreira dos Santos em entrevista realizada no dia 07 de novembro de 2012.
319
STEIL, Carlos Alberto. O sertão das romarias. Um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da
Lapa-Ba. Petropólis: Vozes, 1996, p. 72.
110
Podemos conjecturar que muitos retirantes que saíram da zona rural e buscaram nos
centros urbanos maneiras de aliviar os “martírios” causados pela seca, provavelmente
percorreram as áreas centrais da cidade, onde se concentravam as casas comerciais e as
residências dos mais abastados, certamente disputaram com outras tantas famílias as sombras
das possíveis árvores das praças e ruas. Essas famílias, esgotadas pela longa e extenuante
caminhada, utilizavam inclusive o estado de seus corpos, maltrapilhos e sujos para
sensibilizar os moradores da cidade, despertando a caridade destes para que pudessem
amenizar a fome.
A princípio, a caridade despertada alimentou por alguns dias aqueles que acabaram de
chegar, no entanto, conforme o número de flagelados crescia aumentava na mesma proporção
o sentimento de aversão, e os mesmos corpos sujos e magros que a princípio despertou a
caridade passam a despertar também o medo. E a necessidade da retirada destas famílias do
centro da cidade tornava-se urgente.
As cidades do interior que receberam estações e linhas para a passagem dos trens viu
nestes, sinais de progresso e desenvolvimento. Entretanto, os mesmos trilhos que eram
símbolos da modernidade chegando, podiam arrastar consigo aqueles que ficaram à margem
desse “desenvolvimento”, paradoxalmente estes mesmos trilhos podiam ajudar na locomoção
daqueles que não possuíam espaço nesse projeto. “O trânsito e a concentração de viajantes
nos pontos terminais das linhas ferroviária e portuária não traziam às cidades que os
320
CAMPOS, Roberta B. Carneiro. “Sofrimento, misericórdia e caridade em Juazeiro do Norte: uma visão
antropológica das emoções na construção da sociabilidade”. Ci & Tróp. Recife, v. 30, n. 2, p. 253-266. jul-dez,
2002. p. 261.
321
MENEZES, Marilda Aparecida. “Relações de solidariedade em comunidade de camponeses-trabalhadores
migrante”. Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v. 6, n. 1, p. 39-49, jan-dez, 1999, p. 44.
111
E Marta tomou o caminho do cabaré e da rua das prostitutas. [...] E era ela quem
sustentava a família. Jeronimo e Tonho pediam esmolas, mas os mendigos eram
muitos. Continuavam a viver sob a árvore, na promiscuidade de dezenas de outros
imigrantes, todos a espera do trem ou do passe.323
Pode se dizer que esta é a cidade preferida dos mendigos e loucos. Quasi todo o
Nordeste, quando a secca impiedosa caustica a zona infeliz, emigram dezenas de
miseráveis; e é em Bomfim, centro acolhedor que essa pobre gente vem suavizar os
martyrios soffridos. Por isso mesmo a cidade em certa épocha do ano, tem as ruas
povoados de pedintes, andrajosos, tristes, no acabrunhamento horrível damiséria. E
atraz dessas levas de maltrapilhos chegam de quando em vez loucos, uns furiosos,
outros pacíficos, homens, mulheres ... E Bomfim fica assim com aspecto repugnante
de hospital e hospício, sob a direção de ninguém [...]. Para loucos há
estabelecimentos na capital, providos dos meios que a sciencia preconiza, para os
mendigos entretanto, podemos fazer alguma coisa de prático, retirando das ruas
essas procissões de infortunados [sic].324
322
ESTRELA, Ely Sousa. Os sampauleiros: cotidiano e representações. São Paulo: Humanitas FFCH/USP;
Fapesb; Educ, 2003. p. 101.
323
AMADO, Jorge. Seara Vermelha. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 187.
324
Correio de Bonfim 18 de janeiro de 1931, p. 04.
112
325
CUNHA, Aloísio Santos da. Descaminhos do trem: as ferrovias na Bahia e o caso do trem da Grota (1912-
1976). 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011, p. 158.
326
RIOS, Kênia Sousa. Isolamento e poder: Fortaleza e os Campos de Concentração na Seca de 1932. 1998.
Dissertação (Mestrado) - PUC-SP, São Paulo, 1998, p. 77.
327
OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. Canções da cidade amanhecente: urbanização, memórias e
silenciamentos em Feira de Santana, 1920-1960. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Brasília,
Brasília, 2011, p. 34.
113
Não queremos com isso afirmar que a zona servida pela linha da Grota perdia menos
população que a zona de Bonfim em épocas de seca. A diferença é que, enquanto
estações como Jacobina e Barra de Mundo Novo drenavam a população de uma
zona relativamente limitada, em Bonfim se embarcava gente de uma área muito
maior, que excedia os limites da Bahia. Como a partir do final da Segunda Guerra o
movimento migratório dos nordestinos se intensificou, era natural que Bonfim,
como entroncamento ferroviário, aumentasse consideravelmente suas receitas com o
transporte de passageiros. Mais do que um sinal de progresso, o aumento das
receitas de sua estação indicava a falta de oportunidades de crescimento individual
no interior do nordeste.329
Ibidem.
328
CUNHA, Aloísio Santos da. Descaminhos do trem: as ferrovias na Bahia e o caso do trem da Grota (1912-
329
1976). 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011, p. 158.
114
A análise feita por Cunha corrobora com as lembranças dos narradores discutidas no
presente trabalho, nenhum dos narradores ou seus familiares utilizaram os trilhos para fugir da
seca. Isso pode ter ocorrido por diversos fatores, inclusive por não possuírem recursos para
pagar os fretes, ou por que as linhas da ferrovia não alcançavam os lugares que estes
desejavam chegar entre outros motivos, no entanto foi possível analisar que o retirar-se da
população jacobinense foi feito a pé ou no lombo de animais.
Senhor do Bonfim, devido a sua localização, possibilitava a retirada de muitos
flagelados que fugiam da seca através dos trilhos da ferrovia, pois nem todos tinham dinheiro
para pagar as passagens de trem, outros gastaram o pouco que possuíam no caminho. Para
muitas famílias o sonho de chegar a outras terras foi frustrado por falta de recursos,
engrossando as fileiras de pedintes nas ruas.
Não há talvez, duas estações como a de Bonfim, da ferrovia que nos serve, que na
hora da chegada dos trens, apresente espectáculo mais vergonhoso em matéria de
mendincancia. De cada canto sae um pedinte, cego, aleijado, alguns ostentando
chagas horríveis, um aspecto que causa indizível mal estar aos que vão a estação
naquelles dias. [...] o viajante chega e não pode apreciar o lindo panorama da cidade
serrana, por que chovem sacolas, mãos tremulas, vozes lamurientas, enfim um
assalto de criaturas esfomeadas! [...] o que nos falta é organização no modo de
praticar caridade. Fossem as auctoridades permitir a mendicância aos somente
verdadeiramente precisos e a nossa terra ficaria aliviada de talvezmais da metade
dos pedintes que enchem as ruas. É que muitas vezes através de farrapos
nauseabundos se oculta a preguiça e não raro a baixa e a especulação. [sic].330
330
Correio do Bonfim, 08 de fevereiro de 1931.
115
pessoas, como fonte de renda sendo comercializados nas feiras locais ou ainda para o
consumo da família. Mas não apenas isso era também, uma maneira de recriar o ambiente que
dava sustentação ao conjunto de valores e costumes que norteavam suas ações, diminuindo o
choque das mudanças causadas pela migração.
Podemos encarar ainda enquanto resistência, “A linguagem do poder se ‘urbaniza’,
mas a cidade se vê entregue a movimentos contraditórios, que se compensam e se combinam
fora do poder panóptico”335. Certeau propõe que o consumo da cidade não era feito conforme
o desejo de seus gestores havia o consumo desta por aqueles que não estavam incluídos no
projeto urbanístico pensado para o espaço urbano. Em contrapartida esses “excluídos”, os
pedintes, os flagelados, as prostitutas, usavam táticas para burlar esse projeto. A cidade
pensada por profissionais como engenheiros e gestores é uma cidade teórica, no entanto
sujeitos “ordinários” operam deslocamentos, desvios.
335
CERTEAU, Michel. A invenção do Cotidiano: Artes de fazer. v. 1. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 1994, p. 174.
336
SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e ventura camponesa: trabalho, cotidiano e migrações – Bahia
1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998, p. 136.
337
MENEZES, Adriano; OLIVEIRA Valter. (Org.). Cultura Urbana na Bahia: estudos sobre Jacobina e região.
EDUNEB, Salvador-Ba, 2009, p. 11.
338
O Lidador, Ed. 322, 24 de março de 1940, p. 1.
117
Os grupos de retirantes que perambulavam pelas ruas, muitas vezes eram beneficiados
pela caridade dos moradores da cidade. No entanto, com o aumento das doenças eles
passaram a ser considerados como responsáveis pela sua disseminação. Chalhoub ao
trabalhar com os cortiços, epidemias de febre amarela e o serviço de vacinação no Rio de
Janeiro no século XIX aborda que,
As classes não passaram a ser vistas como classes perigosas apenas por que
poderiam oferecer problemas para a organização do trabalho ou a manutenção da
ordem publica. Os pobres ofereciam também perigo de contágio.344
339
O Lidador, Ed. 133, 05 de abril de 1936.
340
JESUS, Zeneide Rios de. Eldorado Sertanejo: garimpos e garimpeiros nas serras de Jacobina. (1930-1940).
2005. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005, p. 138.
341
Ibidem, p. 126.
342
PINHO, Ana Luiza Araujo Caribé de Araujo. De forasteiro a unanimidade: interventoria de Juracy
Magalhães na Bahia (1931-1934). 2010. Dissertação (Mestrado) - Faculdade Getúlio Vargas, Rio de Janeiro,
2010, p. 72.
343
JESUS, Zeneide Rios de. Eldorado Sertanejo: garimpos e garimpeiros nas serras de Jacobina (1930-1940).
2005. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
344
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996, p. 29.
118
autor “Cólera, febre amarela, varíola começaram a atacar grupos de retirantes. A utilização de
água contaminada agravou ainda mais a proliferação de doenças” 345. O Jornal o Correio do
Sertão noticia quão dolorosa era a situação dos sertanejos:
É possível inferir que muitas vilas e cidades tenham surgido e se consolidado nos
pontos onde boiadeiros e tropeiros passavam para descansar e se alimentar. Dejulina aponta a
importância de animais, os quais desempenharam papel fundamental, pois eram os
“caminhões” daquele tempo, trazendo alimentos básicos de outras regiões do estado, além
disso, traziam novidades e notícias.
O tropeiro foi peça importante na ligação do interior com o litoral do Brasil. Ele era
comerciante, era emissário oficial, era correio, intermediário de negócios, portador
de bilhetes, recados, aviador de encomendas e receitas. Era um traço de união entre
os centros urbanos afastados. Os tropeiros deram continuidade ao desbravamento
das regiões afastadas do litoral, seguindo o caminho dos bandeirantes e sertanistas,
primeiros desbravadores das terras do interior do Brasil.350
Ai esse Quirino tinha três burro, era os caminhão de hoje, ele ia no Gandú, chamava
o sul era de gandú e trazia esses três burro, me lembro dos nome era passo preto,
andorinha e mazona trazia carregado, uma de milho, um de feijão e um de farinha,
num trazia os sacos cheio não, uns sacos veio de couro oxe.351
Além disso, Feira de Santana desde fins do século XIX tornou-se ponto de refúgio
para as populações assoladas pela seca [...]. Tal condição determinou a construção
de uma memória sobre a seca entre a população que, igualmente à atividade
pecuarista, adicionava a feição feirense à paisagem do sertão.352
350
PAES, Jurema Mascarenhas. Tropas e tropeiros na primeira metade do século XIX No alto sertão baiano.
2001. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001, p. 57.
351
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
120
Teve família de gente que desceu pra Feira de Santana. A farinha, quem tinha um
animal, tinha um homi lá que tinha quatro burrão, botava a cangaia nos burro, o saco
e tacava pra Feira de Santana, lá comprou os saco de farinha, era quase oito dia de
viage, ai agora repartia um prato pra um, um prato pra outro, um litrão pra outro até
acabar, pegava tornava vortar, era assim.353
[...] quando foi um dia, um dia de sábado, um dia , um dia de sábado que era a feira
de São José quando tava tudo assim, óiano pro mundo assim sem ter um litro de
farinha nem um litro de feijão, [...] aí o povo disse mas o que é que se vai fazer, o
povo ficou tudo doido, o que é que se vai fazer? O que é que se vai fazer ? [...]
naquele tempo o povo carregava as coisas e botava a cia nos burros viu, com pouco
hora Mané Varge D`água entrou carregado de feijão, montou, meteu oito burro
arriado, bom derrubou aquelas caixa, derrubou aquelas caixa juntou mais gente
( risos) ninguém sabe de onde veio tanta gente, e ficou ali aberano ali, ai ele, ele
disse vou botar aqui encostar os burro ali, encostou, foi encostar os burro, chegou
disse ói caçou aquelas pessoa que ele tinha fé e disse vá medindo aí que eu vou
recebendo o dinheiro, preciso receber o dinheiro, pra comprar em outra terra traveis,
aí ele ficou recebeno aquele dinheiro e o povo desfazeno, ói dentro de uma hora de
relógio cabou tudinho, tudinho tudinho ele levou só o dinheiro e a sacaria ficou
dessas artura.355
352
PACHECO, Larissa Penelu Bitencourt. Trabalho e costume de feirantes de alimentos: pequenos comerciantes
e regulamentações do mercado em Feira de Santana. 2009. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de
Feira de Santana. Feira de Santana, 2009.
353
Balbina Avelina da Silva, entrevista concedida à autora, no dia 05 de janeiro de 2013.
354
Manuel Ferreira Cunha, entrevista concedida à autora, no dia 15 de maio de 2013.
355
Lindolfo José Ferreira, entrevista concedida à autora, em 27 de novembro de 2011.
121
A descoberta de ouro nas serras de Jacobina por volta da segunda metade do século
XVII, e, intensificada no XVIII, ajudou a consolidar o povoamento da região. Desde a
descoberta do ouro, foi visto na sua exploração o caminho para o desenvolvimento e
crescimento econômico da cidade, atraindo pessoas de diversos lugares do estado e do país.
“A exploração do ouro na década de 1930 ganhou novo impulso, retornando-se o clima de
euforia e otimismo, mediado pelos discursos divulgados pela imprensa, que a representavam
como riqueza e prosperidade para todos, associando de maneira inequívoca ouro e
progresso”.358
O jornal O Lidador em suas matérias buscou propagandear a exploração do ouro nas
serras de Jacobina como o caminho para o progresso. “O ouro é a alavanca para o progresso”.
356
Luiz Maciel Sobrinho, entrevista concedida à autora, em 19 de fevereiro de 2012.
357
Ibidem.
358
FARIAS, Sara Oliveira. Enredos e tramas nas minas de ouro de Jacobina. Recife: Universitária da UFPE,
2008, p. 43.
122
O ouro foi o carro chefe para atrair pessoas para Jacobina, para a imprensa local o
ouro era bendito, responsável pelo desenvolvimento econômico da cidade, essas propagandas
atraiam pessoas cidades circunvizinhas, da zona rural ou até mesmo de outros estados. Com o
agravamento das consequências da seca a população da zona rural e dos povoados e cidades
vizinhas foram atraídas com maior facilidade para a extração do ouro.
JESUS, Zeneide Rios de “Trabalho e pobreza nas serras auríferas do sertão baiano” (1930-1940). Revista
360
É possível perceber dessa forma que muitas foram as respostas dos sertanejos as
dificuldades geradas pela seca e uma delas foi a garimpagem, portanto a seca tornou-se fator
impulsionador para que inúmeras pessoas se arriscassem nessa atividade.
Dejulina relembra que diante das dificuldades impostas pela seca, seu pai
acompanhado de dois irmãos foram buscar a sorte em um garimpo recém-descoberto.
Meu pai uma vez foi que disse que lá apareceu uma mina de ouro, conforme vao
aqui pra Carnaiba, e eles foram pra cavar, ele, o finado Joao e o finado Jacinto,os
dois, fizeram umas gamela redonda desse tamanho, de mulungu, marraram nas
corda, nas costas e viajaram, acho que oito dia de viajem , quando vinham de lá pra
cá, de mês em mês vinha em casa, tava trabalhando nesse garimpo, ai marrava um
bucadinho de milho, um bucadinho de farinha,umbucadinho de feijão, quando
chegava ou Deus que barriga cheia, os pé desse tamanho, passava mais de oito dias
sem dar uma passada, eu num sei como guentava não [sic].362
Na narrativa apresentada por ela percebemos que com a descoberta de novos garimpos
na região, estes se apresentavam enquanto alternativa para a população que não possuía mais
recursos para alimentar a família. Dejulina recorda que seu pai foi “cavar ouro” e com o que
recebia comprava gêneros alimentícios “bucadinho de milho, um bucadinho de farinha, um
bucadinho de feijão” que eram fundamentais para a sobrevivência da família, salienta que “ou
Deus que barriga cheia”. Demonstrando que as dificuldades diárias eram amenizadas com os
produtos adquiridos no trabalho do garimpo.
O jornal O Lidador propagandeava as facilidades para explorar o ouro e a
oportunidade que este oferecia para a mudança total na vida das pessoas, saindo da miséria e
alcançando a riqueza através da descoberta de filões.
361
JESUS, Zeneide Rios de “Trabalho e pobreza nas serras auríferas do sertão baiano” (1930-1940). In: Revista
Mundos do Trabalho, v.1, n. 1, jan-jun. 2009, p. 131.
362
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
363
JESUS, Zeneide Rios de “Trabalho e pobreza nas serras auríferas do sertão baiano.” (1930-1940). In: Revista
Mundos do Trabalho, vol. 1, n. 1, jan-jun. 2009, p. 32.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A seca teve e tem muitos significados que vão além da simples falta de chuva. Ela foi
e continua sendo o “inverno” de alguns e o “inferno” de muitos. Ao longo do presente
trabalho abordamos as várias táticas e experiências da população de Jacobina e região,
especialmente a população mais carente, para o enfrentamento das consequências da seca de
1932. Percebemos assim, que muitas foram as respostas da população as questões colocadas
pela estiagem.
364
Dejulina Francolina Ferreira, entrevista concedida à autora, em 29 de novembro de 2011.
125
produtivas, sendo impossível para estes permanecer nessas localidades e com isso tornava-se
forçoso retirar-se.
Quando todas as táticas empregadas falharam era necessário partir, buscar melhores
condições em outros lugares. O objetivo principal da migração era o trabalho, em sua maioria
os que partiram buscavam atividades que ajudassem a alimentar os que permaneceram.
Alguns trabalhadores como vimos, fizeram do retirar-se um meio de sobrevivência, o ir e o vir
pelas estradas em cima do lombo de um animal foi o responsável pelo abastecimento das
cidades e pela comunicação por entre as lonjuras do sertão. Pelos caminhos do sertão, muitos
tropeiros lutaram para combater a fome, carregando os mantimentos no lombo de animais
criaram espaços de sobrevivência diante da seca.
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Lindolfo José Ferreira: Trabalhador rural aposentado, nascido em 1922. Entrevista realizada
em sua casa, no dia 27 de novembro de 2011, tendo duração de 24 minutos.
Luiz Maciel Sobrinho: trabalhador rural aposentado, nascido em abril de 1919. Entrevista
realizada na casa do filho do narrador, no dia 19 de fevereiro de 2012, tendo duração de 25
minutos.
JORNAIS CONSULTADOS
135
O Lidador365
1933 – 08 de janeiro.
1934 – 16 de maço; 04 de maio.
1935 – 17 de fevereiro; 14 de abril.
1936 – 05 de abril.
1940 – 24 de março.
Correio do Sertão366
1932 - 24 e 31 de janeiro; 20 de março; 17 de abril; 29 de maio; 12 de junho; 04 de setembro;
18 de dezembro.
1933 - 08 e 15 de janeiro; 12 de fevereiro.
Correio de Bonfim
1931 – 18 de janeiro; 08 de fevereiro; 22 de março; 12 de abril; 03 de maio; 28 de junho; 25
de setembro; 01 de outubro.
1932 – 01 de outubro.
365
O Lidador (1933-1940). Material disponibilizado pelo Núcleo de Estudos Orais e Iconografia, da
Universidade do Estado da Bahia - CAMPUS IV - Jacobina-Ba. Mídia Digitalizada.
366
Correio do Sertão – Morro do Chapéu, Arquivo do Correio do Sertão, 1917-1946.