Modernidade, Pós-Modernidade, Ou Capitalismo
Modernidade, Pós-Modernidade, Ou Capitalismo
Modernidade, Pós-Modernidade, Ou Capitalismo
Discenso
Revista de graduação do PET-DIREITO-UFSC
Florianópolis, 2010.
Conselho Editorial
Profa. Dra. Jeanine Nicolazzi Philippi, Prof.ª Dr.ª Vera Regina Pereira de Andrade,
Adailton Pires Costa, Ana Carolina Ceriotti, Ana Paula Borges Martins, Carolina
Duarte Zambonato, Elysa Tomazi, Felipe Dutra Demetri, Guilherme Felix Coimbra
Cardoso, Helena Kleine Oliveira, Lorena Paula José Duarte, Lucas Gonzaga Censi,
Marcel Soares de Souza, Marja Laurindo, Pedro Eduardo Zini Davoglio, Rafael Ca-
taneo Becker, Rodrigo Alessandro Sartoti, Ricardo Sant’Ana Felix dos Santos, Victor
Cavallini, Victor Porto Cândido
Centro de Ciências Jurídicas
Diretora: Prof.ª Dr.ª Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira
Vice-diretor: Prof. Dr. Ubaldo Cesar Balthazar
Programa de Educação Tutorial (PET/DIREITO/UFSC)
Tutora: Profa. Dra. Jeanine Nicolazzi Philippi
Bolsistas: Ana Carolina Ceriotti, Ana Paula Borges Martins, Carolina Duarte Zambo-
nato, Elysa Tomazi, Felipe Dutra Demetri, Guilherme Felix Coimbra Cardoso, He-
lena Kleine Oliveira, Lucas Gonzaga Censi, Marcel Soares de Souza, Marja Lau-
rindo, Pedro Eduardo Zini Davoglio, Rafael Cataneo Becker, Rodrigo Alessandro
Sartoti, Victor Cavallini, Victor Porto Cândido
Projeto Gráfico
Karina Silveira
Diagramação e Tratamento de Imagem
Guilherme Ataide Costa
Capa
Marcel Soares de Souza, com imagem de Carlos Latuff
Autores das imagens de abertura das seções
Luke Kopycinski (Opinião), Jill Stanton (Debate), Thomas Moglu (Dossiê), Sarah
Ferrick (Artigos), Deema Bayrakdar (Cultura e Arte), Alex Chiu (Espaço Público)
* Material obtido em: http://carbonmade.com/
Revisão
Bolsistas do PET-DIREITO-UFSC
Endereço
Campus Universitário Trindade, Centro de Ciências Jurídicas, Sala 108
Florianópolis, Santa Catarina, Brasil
CEP: 88036-970 - Telefone: (48) 3721-6522
http://petdireito.blogspot.com/ - [email protected]
D611 Discenso : Revista de graduação do PET-DIREITO-UFSC. – v.1,
n.2 ( 2010 ) – . – Florianópolis : Fundação Boiteux, 2010.
v.
Anual
ISSN: 1984-1698
1. Direito – Estudo e ensino. 2. Direito – Filosofia. 3. Direito –
História e crítica. I. Universidade Federal de Santa Catarina.
Centro de Ciências Jurídicas. Programa de Educação Tutorial.
Revista Discenso.
CDU:34
Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071
Sumário
Apresentação...........................................................................9
Opinião..................................................................................11
Entrevista com Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig
Por: Eduardo Granzotto Mello, Marcel Soares de Souza e
Moisés Alves Soares..........................................................................13
Entrevista com Prof. Dr. Eduardo Carlos Bianca Bittar
Por: Marcel Soares de Souza e Moisés Alves Soares........................25
Debate....................................................................................35
Modernidade, pós-modernidade, ou capitalismo?
Por: Ellen Meiksins Wood. ..............................................................37
Rascunho de uma crítica à utopia liberal
(ou do quê o moribundo Lenin ainda tem a nos dizer)
Por: Fernando José Caldeira Bastos Neto. ......................................59
Em Busca da Totalidade Perdida:
O Direito e a Crítica do Relativismo Pós-Moderno
Por: Mozart Silvano Pereira............................................................73
Para uma crítica do conceito pós-modernista de verdade
Por: Pedro Eduardo Zini Davoglio.................................................95
Dossiê...................................................................................109
O saber hegemônico, a ocultação do real e o desperdício de
experiência na obra de Boaventura
Por: Ana Carolina Ceriotti...............................................................111
Boaventura e a Questão da Classe Social
Por: Carolina Duarte Zambonato.................................................123
Um diálogo sobre as Factory Acts
Por: Helena Kleine Oliveira. .........................................................139
Ciência, crise e crítica: o conhecimento pós-moderno na obra de
Boaventura de Sousa Santos
Por: Rafael Cataneo Becker...........................................................155
Epistemologias críticas, ecologia de saberes e o compromisso
ético-político com a libertação
Por: Ricardo Sant’Ana Felix dos Santos. .......................................173
Artigos.................................................................................201
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do julgamento de
Dimitri Karamazov da obra Os Irmãos Karamazovi de Dostoiévski
Por: Alexandre Pereira Hubert e Rodrigo Alessandro Sartoti......203
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
Por: Elysa Tomazi..........................................................................219
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
Por: Gislaine de Paula. ..................................................................245
A utopia necessária de bloch
Por: Guilherme Coimbra Felix Cardoso........................................265
Constitucionalismo intercultural: possibilidades para a
emancipação indígena na América latina
Por: Guilherme Ricken..................................................................281
Uma análise Pachukaniana do conceito de Direito de
Roberto Lyra Filho
Por: Helena Kleine Oliveira............................................................307
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
Por: Lucas Gonzaga Censi.............................................................335
O Pluralismo Jurídico na América Latina:
O atual reconhecimento Constitucional da legalidade e
jurisdição indígena e seus limites
Por: Marina Corrêa de Almeida. ..................................................361
Direito como suposta ciência jurídica: Análise de uma
ontologia de cristalização do sujeito
Por: Marja Mangili Laurindo. ......................................................379
Notas sobre a constituição do complexo jurídico na Ontologia
do Ser Social de György Lukács
Por: Marcel Soares de Souza. ........................................................395
Cultura e Arte......................................................................415
Mahler e Freud: o encontro e os encontros .............................417
Por: Felipe Dutra Demetri
Simplicidade
Por: Marco Antônio Vargas Sandi. ...............................................423
Angústia, abertura e revolta: A Queda de Albert Camus e o
conceito de inautenticidade em Martin Heidegger
Por: Marja Mangili Laurindo. ......................................................427
Almoço, sábado
Por: Rafael Cataneo Becker...........................................................437
Mais uma resposta a Caetano
Por: Victor Porto Cândido. ...........................................................439
Espaço Público....................................................................441
Recepção aos Calouros
Por: Alunos do PET Direito UFSC................................................443
Reforma dos Universitários
Por: Karla Patrícia Costa de Moura. ............................................447
Uma reflexão socrática sobre a Universidade
Por: Elysa Tomazi..........................................................................453
Plantação de Falácias.
Por: Marcel Soares de Souza e Victor Porto Cândido...................459
Saindo da Torre de Marfim: um relato do 31º ENED
Por: Rodrigo Sartoti. .....................................................................471
Poesia.............................................................................................475
CABO DE GUERRA...................................................................477
Paródia (Deixa a vida me levar - Zeca Pagodinho).................479
Paródia do Hino Nacional Brasileiro, feita na atividade com o
PET Direito no dia 27/08/2010..................................................481
Apresentação
Conselho Editorial
Opinia
Opiniao
Entrevista com os professores
Celso Luiz Ludwig
Universidade Federal do Paraná
14 • Revista Discenso
Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig
Opinião • 15
Entrevista
16 • Revista Discenso
Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig
Opinião • 17
Entrevista
18 • Revista Discenso
Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig
Opinião • 19
Entrevista
20 • Revista Discenso
Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig
Opinião • 21
Entrevista
22 • Revista Discenso
Prof. Dr. Celso Luiz Ludwig
Opinião • 23
Entrevista
24 • Revista Discenso
Entrevista com
Prof. Dr. Eduardo Carlos Bianca Bittar (USP)
Opinião • 27
Entrevista
28 • Revista Discenso
Prof. Dr. Eduardo Carlos Bianca Bittar
Opinião • 29
Entrevista
Opinião • 31
Entrevista
dir da organização política. Para que isto seja possível, não é nos
quadros de uma teoria tradicional do direito se conseguirão ener-
gias utópicas suficientes para a auto-superação. A teoria tradicio-
nal opera basicamente com a tarefa metodológica da descrição, e,
por isso, assume sem problematizar a premissa de sua operação
que organiza a ação social. A teoria tradicional opera de modo
a intervir sobre a premissa, de modo a tornar possível a recons-
trução da experiência jurídica, sem requere, necessariamente, a
abolição do direito. Precisamos fazê-lo funcionar ao modo de um
relógio, cujos ponteiros precisam ser rearrumados para rumarem
não para a direita, mas para a esquerda; com isso, não prescindi-
mos do relógio, e nem de suas engrenagens.
Nesse sentido, a teoria crítica fornece Kritik Bildung e fornece,
por isso, equipamento para a formação necessária para abastecer
estes ideais. No mais, a atualidade de uma teoria se vincula à sua
capacidade de discutir dilemas humanos. Perguntaria: superamos
os dilemas humanos gerados no interior da vida moderna? Não.
Enquanto houver um faminto no mundo, não estaremos sacia-
dos de pensar e desenvolver preocupações reflexivas voltadas para
a auto-compreensão da vida social moderna. Por isso, continua
sendo relevante pensar à sombra da frondosa árvore do conheci-
mento geradas pelas diversas perspectivas e galhadas abertas pela
Escola de Frankfurt.
32 • Revista Discenso
Prof. Dr. Eduardo Carlos Bianca Bittar
Opinião • 33
Debate
O direito e o debate da
pós-modernidade
Debate
Modernidade, pós-modernidade, ou capitalismo?
Ellen Meiksins Wood
Da modernidade à pós-modernidade
Eu gostaria de tomar em consideração o que está envolvido
na divisão da história do capitalismo nessas duas fases principais,
modernidade e pós-modernidade. Então, darei mais atenção ao
que me parece desde já errado com o próprio conceito de moder-
nidade. Se esse conceito não se puder sustentar, algo muito dife-
rente não deve suceder com o conceito de pós-modernidade. Meu
objetivo principal é refletir se essa divisão ajuda ou dificulta nossa
compreensão acerca do capitalismo.
Seria melhor que, de início, eu me posicionasse de maneira
bastante clara: certamente é importante analisar as intermináveis
mudanças no capitalismo. Mas dividir significa mais do que ape-
nas mapear o processo de mudança. Propor uma divisão entre
períodos é mexer em algo que é essencial ao definir uma forma
social como o capitalismo. Mudanças de época têm a ver com
transformações básicas em alguns elementos constitutivos do sis-
38 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
3 Veja-se, nesse sentido, o artigo “Five Theses on Actually Existing Marxism”, de Fredric Jame-
son, publicado na Monthly Review 47, n. 11, mai. 1996; e “The Condition of postmodernity”
(Oxford and Cambridge Mass., 1990), de David Harvey.
4 No original, French Regulation School, ou, mais precisamente, théorie de la régulation (N. T.).
5 Para uma teoria do “capitalismo desorganizado”, veja S. Lash e J. Urry, “The End of Organized
Capitalism” (Madison, WI: University of Wisconsin Press, 1987).
Debate • 39
Modernidade, pós-modernidade, ou capitalismo?
40 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
6 Desenvolvi alguns argumentos nesse particular em “From Opportunity to Imperative: The His-
tory of the Market”, Monthly Review, v. 46, n. 3, jul./ago. 1994.
42 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
44 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
tamente – e aqui vou citar uma das acusações mais amenas – “na
raiz dos desastres que atormentaram a humanidade no decorrer
deste século”7, desde as guerras mundiais e o imperialismo até a
destruição ecológica. Não há espaço aqui para abordar todas as
alegações desprovidas de sentido que se jorram atualmente sobre
o Iluminismo. Assim, vou fazer apenas um apontamento simples:
a confusão da “modernidade” com o capitalismo encoraja-nos a
jogar fora o bebê junto com a água do banho, ou, mais precisa-
mente, guardar a água do banho e jogar fora o bebê.
Os pós-modernistas nos estão convidando a abandonar tudo
o que há de melhor no projeto do Iluminismo – especialmente seu
comprometimento com uma emancipação humana universal – e
pedindo a nós que culpemos esses valores pelos efeitos destrutivos
que deveríamos estar atribuindo ao capitalismo. Teóricos marxis-
tas da pós-modernidade como Harvey e Jameson geralmente não
caem nessa armadilha, mas sua divisão histórica não nos ajuda
muito a evitá-la. O que quero sugerir aqui é que poderia ser útil
separar o projeto iluminista daqueles aspectos da nossa condição
atual que indubitavelmente pertencem não ao “projeto da mo-
dernidade”, mas ao capitalismo. Isso poderia, a propósito, ser útil
não apenas na luta contra o pós-modernismo anti-iluminista, mas
também contra o triunfalismo capitalista (embora ambos acabem
sendo coincidentes). De todo modo, a maneira óbvia de se come-
çar é olhando para a questão historicamente.
Minha defesa, para situá-la sem muitos rodeios, é de que mui-
to do projeto iluminista pertence a uma sociedade não-capitalista;
não apenas pré-capitalista, mas não-capitalista. Muitas caracte-
rísticas do Iluminismo, em outras palavras, estão enraizadas em
relações sociais de propriedade não-capitalista. Elas pertencem a
uma forma social que é, penso eu, não apenas um ponto no meio
da história para o capitalismo, mas uma rota alternativa para além
do feudalismo.
7 BURBACH, Roger. For a Zapatista Style Postmodernist Perspective. Monthly Review, s. l., v. 47,
n. 10, mar. 1996.
Debate • 45
Modernidade, pós-modernidade, ou capitalismo?
46 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
8 Discuti alguns dos pontos desse parágrafo com uma maior extensão em The Pristine Culture of
Capitalism: a historical essay on old regimes and modern states (Londres: Verso, 1991).
9 BERMAN, Marshall. All that is solid melts into air: the experience of modernity. New York:
Penguin Books, 1988.
48 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
10 Ibid., p. 18.
Debate • 49
Modernidade, pós-modernidade, ou capitalismo?
50 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
Debate • 51
Modernidade, pós-modernidade, ou capitalismo?
52 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
54 • Revista Discenso
Ellen Meiksins Wood
11 HOBSBAWM, Eric. The age of extremes: a history of the world, 1914-1991. New York: Panthe-
on, 1994.
Debate • 55
Modernidade, pós-modernidade, ou capitalismo?
Debate • 57
Rascunho de uma crítica à utopia liberal
(ou do quê o moribundo Lenin ainda
tem a nos dizer)
Debate • 61
Rascunho de uma crítica à utopia liberal (ou do quê o moribundo
lenin ainda tem a nos dizer)
precisos. É o que explica Žižek, com relação aos jovens – mas não
apenas eles, frise-se – de nosso tempo que aliviam suas angús-
tias pequeno-burguesas com uma espécie de militância um tanto
quanto característica:
3 Não surpreende, por conseguinte, a íntima solidariedade entre marxismo e psicanálise. Não
deve ter sido mera coincidência que o infame Livro Negro do Comunismo, cujo objetivo é
listar todos os “crimes comunistas”, tenha recebido como estranha continuação o Livro Negro
da Psicanálise, onde se denuncia “erros teóricos” e “fraudes clínicas” da psicanálise.
Debate • 63
Rascunho de uma crítica à utopia liberal (ou do quê o moribundo
lenin ainda tem a nos dizer)
“O fim da história será uma ocasião muito triste. A luta pelo reco-
nhecimento a disposição de arriscar a própria vida por um objetivo
puramente abstrato, a luta ideológica mundial que gerou ousadia,
coragem, imaginação e idealismo será substituída pelo cálculo eco-
nômico, pela solução interminável de problemas técnicos, pelas pre-
ocupações ambientais e pela satisfação de exigências sofisticadas
dos consumidores. No período pós-histórico não haverá nem arte
nem filosofia: apenas o trabalho eterno de zelador do museu do es-
pírito humano.” (FUKUYAMA apud CALLINICOS, 1992, p. 22)
4 Extorsão segundo a qual todo e qualquer projeto emancipatório global levar-nos-á à catástrofe
totalitária.
5 Penso na maravilhosa canção Disparada, de Geraldo Vandré, magistralmente interpretada por
Jair Rodrigues. Nessa obra, um camponês boiadeiro vai aos poucos tomando consciência de si
e de seu papel como trabalhador - “as visões se clareando” - até tornar-se cavaleiro “num reino
64 • Revista Discenso
Fernando José Caldeira Bastos Neto
que não tem rei”. Se tal perspectiva no campo da arte não tem representação nos dias de hoje,
não basta responsabilizar uma determinada geração “conservadora” ou “vendida” de artistas: o
fato é que algo objetivamente mudou.
6 Há algo mais “pós-moderno” do que Sindicatos de trabalhadores que captam mais-valia na
bolsa-de-valores para própria manutenção financeira?
Debate • 65
Rascunho de uma crítica à utopia liberal (ou do quê o moribundo
lenin ainda tem a nos dizer)
66 • Revista Discenso
Fernando José Caldeira Bastos Neto
Não temos dúvidas: nada disso faz sentido à luz da razão cética
ou pós-moderna. De um lado, qualquer perspectiva que extrapole
7 Progressive liberals today often complain that they would like to join a “revolution” (a more
radical emancipatory political movement), but no matter how desperately they search for it,
they just “don’t see it” (they don’t see anywhere in the social space a political agent with a will
and strength to seriously engage in such activity). While there is a moment of truth in it, one
should nonetheless also add that the very attitude of these liberals is in itself part of a problem:
if one just waits to “see” a revolutionary movement, it will, of course, never arise, and one will
never see it. What Hegel says about the curtain that separates appearances from true reality
(behind the veil of appearance there is nothing, only what the subject who looks there put it
there), holds also for a revolutionary process: “seeing” and “desire” are here inextricably linked,
i.e., the revolutionary potential is not there to discover as an objective social fact, one “sees it”
only insofar as one “desires” it (engages oneself in the movement). No wonder Mensheviks and
those who opposed Lenin’s call for a revolutionary takeover in the summer of 1917 “didn’t see”
the conditions for it as “ripe” and opposed it as “premature” - they simply did not WANT the
revolution. (Another version of this skeptical argument about “seeing” is that liberals claim how
capitalism is today so global and allencompassing that they cannot “see” any serious alternative
to it, that they cannot imagine a feasible “outside” to it. The reply to this is that, insofar as this
is true, they do not see at all, tout court: the task is not to see the outside, but to see in the first
place (to grasp the nature of today’s capitalism) - the Marxist wager is that, when we “see” this,
we see enough, inclusive of how to get out...)
68 • Revista Discenso
Fernando José Caldeira Bastos Neto
Debate • 69
Rascunho de uma crítica à utopia liberal (ou do quê o moribundo
lenin ainda tem a nos dizer)
70 • Revista Discenso
Fernando José Caldeira Bastos Neto
6.Refêrencias Bibliograficas
BADIOU, Alain. O Século. Aparecida: Idéias e Letras, 2007.
CALLINICOS, Alex. A Vingança da História - O marxismo e as
Revoluções do Leste Europeu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
ŽIŽEK, Slavoj. A visão em paralaxe. São Paulo: Boitempo, 2008.
ŽIŽEK, Slavoj. Às Portas da Revolução - Escritos de Lenin de
1917. São Paulo: Boitempo, 2005.
ŽIŽEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do Real!. São Paulo: Boi-
tempo, 2008.
ŽIŽEK, Slavoj. In Defense of Lost Causes. London: Verso, 2009.
ŽIŽEK, Slavoj. Living in the End Times. London: Verso, 2010.
Debate • 71
Em Busca da Totalidade Perdida: O Direito e a
Crítica do Relativismo Pós-Moderno
Resumo: O presente trabalho busca abrir espaço para uma epistemologia crítica
do direito a partir do resgate da categoria metodológica da totalidade, presente
na tradição do materialismo histórico-dialético – principalmente nos escritos do
filósofo Georg Lukács –, e a contraposição desta categoria ao relativismo episte-
mológico característico das teorias pós-modernas, que rejeita qualquer noção de
razão ou verdade e freqüentemente conduz à defesa do irracionalismo.
Palavras-chave: Pós-modernidade; Relativismo; Totalidade; Direito.
Abstract: This paper seeks to open space for a critical epistemology of law from
the rescue of methodological category of totality, part of tradition of historical
and dialectical materialism - especially in the writings of the philosopher Georg
Lukacs – and the opposition of this category to the epistemological relativism cha-
racteristic of postmodern theories, which rejects any notion of reason or truth and
often leads to the defense of irrationalism.
Keywords: Postmodernity; Relativism; Totality; Law.
74 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
5 BELL, Daniel apud EVANGELISTA, João Emanuel. Teoria social pós-moderna: introdução
crítica. Porto Alegre: Sulina, 2007, p.99.
6 EVANGELISTA, João Emanuel. Teoria social e pós-modernismo: a resposta do marxismo aos
enigmas teóricos contemporâneos. Revista Cronos, Natal, v.7, n.2, p.272.
Debate • 75
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
7 BORON, Atilio A. Filosofia política marxista. São Paulo: Cortez, 2003, p.51.
76 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
Debate • 77
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
13 Vale ressaltar que o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos também se denomina
pós-moderno. No entanto, ele o faz com um sentido diverso daquele pós-modernismo que
tratamos aqui. Nesse sentido, ele realiza algumas distinções entre os pós-modernos: ele pró-
prio teria uma posição “de oposição” enquanto os outros sustentariam posições “celebratórias”.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.
11ª ed. São Paulo: Cortez, 2006, p.35. Sendo assim, nesse texto, quando se fala de pós-moderni-
dade, se está referindo estritamente às posições “celebratórias”.
14 A pensadora norte-america Ellen Wood explica a capitulação pós-moderna seguindo o racio-
cínio destes teóricos: “se não podemos realmente mudar ou mesmo compreender o sistema (ou
sequer pensar nele como sistema), e se não temos, e nem podemos ter, um posto de observação
de onde criticar o sistema, muito menos de onde se opor a ele – se não podemos e nem temos
nada disso, o melhor é relaxarmos e aproveitarmos”. WOOD, Ellen Meiksins. O que é a agenda
“pós-moderna”?. In:WOOD, Ellen; FOSTER, John Bellamy (Orgs.). Em defesa da história: mar-
xismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p.15-16.
15 VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia e circunstâncias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002, p.417.
16 LYOTARD apud KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias
sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p.112.
78 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
17 PAULO NETTO, José. Georg Lukács: um exílio na pós-modernidade. In: PINASSI, Maria Or-
landa; LESSA; Sérgio (Orgs.). Lukács e a atualidade do marxismo. São Paulo: Boitempo, 2002,
p.93. A respeito, são notáveis as palavras de Atilio Borón: “foi precisamente Marx o primeiro a
minar irremediavelmente as bases do credo iluminista ao instalar a suspeita contra o otimismo
da Ilustração, desnudando a natureza histórico-social da mencionada trilogia [Verdade, Razão
e Ciência] e propondo uma nova epistemologia que rejeitava o absolutismo racionalista sem,
por isso, cair nas armadilhas do relativismo”. BORON, Atilio. op cit, p.49.
18 EVANGELISTA, op. cit., p.273.
80 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
Debate • 81
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
82 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
Antinomias do pós-modernismo
Como apontado acima, a agenda pós-moderna providenciou
críticas válidas e cabíveis à racionalidade iluminista e positivista,
desvendado as deficiências e expondo as limitações destas duas
grandes tradições do pensamento moderno. As fantasias ilumi-
nistas acerca do progresso das ciências e a crença cega na Razão e
na Verdade, embora já tivessem sido censuradas teoricamente an-
teriormente, receberam uma nova saraivada de reprovações com
os escritos dos teóricos pós-modernos. Contudo, o pós-moder-
nismo parece ter respondido aos exageros do absolutismo racio-
nalista com uma nova série de exageros intelectuais como a sua
pregação veemente do relativismo, a recusa enérgica de qualquer
Debate • 83
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
21 Cf. ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1985.
84 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
Debate • 85
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
23 LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o barão de Müchhausen: marxismo e posi-
tivismo na sociologia do conhecimento. 9ªed. São Paulo: Cortez, 2007, p.83.
86 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
Debate • 87
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
27 KONDER, Leandro. O que é dialética. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, s/d, p.36-37.
88 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
28 Para Georg Lukács a “concepção dialética da totalidade, que parece se distanciar em larga medi-
da da realidade imediata e construí-la de maneira ‘não-científica’, na verdade é o único método
capaz de compreender e reproduzir a realidade no plano do pensamento. A totalidade concreta é,
portanto, a categoria fundamental da realidade” (grifo nosso). LUKÁCS, Georg. História e consci-
ência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.78-79.
29 ALMEIDA, Silvio Luiz de. O direito no jovem Lukács: A filosofia do direito em História e cons-
ciência de classe. São Paulo: Alfa-Omega, 2006, p. 29.
30 LÖWY, Michael; NAÏR, Sami. Lucien Goldmann, ou A dialética da totalidade. São Paulo: Boi-
tempo, 2008, p.37.
31 MARX, Karl apud BORON, op. cit., p.56.
32 KONDER, Leandro. Op. Cit., p.39. No mesmo sentido estão as palavras de Löwy e Naïr: “A
ação humana é um eterno processo de transformação da totalidade: por isso, para apreender a
Debate • 89
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
realidade, o homem procede por totalizações relativas sem jamais alcançar a objetividade pura
e cristalina”
33 LUKÁCS, Georg. op. cit., p.107.
90 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
34 idem, p.147.
35 LÖWY, op. cit., p.130.
36 LUKACS apud LÖWY, p.130.
Debate • 91
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
92 • Revista Discenso
Mozart Silvano Pereira
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O direito no jovem Lukács: A filosofia
do direito em História e consciência de classe. São Paulo: Alfa-
Omega, 2006
ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar, 1999.
BENSAÏD, Daniel. Os irredutíveis: teoremas da resistência para o
tempo presente. São Paulo: Boitempo, 2008.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aven-
tura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BORON, Atilio A. Filosofia política marxista. São Paulo: Cortez,
2003.
DELLA FONTE, Sandra Soares. As fontes heideggerianas do
pensamento pós-moderno. Tese (Doutorado em Educação).
Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2006.
EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar, 1998.
EVANGELISTA, João Emanuel. Teoria social pós-moderna: in-
trodução crítica. Porto Alegre: Sulina, 2007.
________, Teoria social e pós-modernismo: a resposta do mar-
xismo aos enigmas teóricos contemporâneos. Revista Cronos,
Natal, v. 7, 2007.
________, Crise do marxismo e irracionalismo pós-moderno.
3ªed. São Paulo: Cortez, 2002.
________, Elementos para uma crítica da cultura pós-moder-
na. Revista Novos Rumos, São Paulo, nº 34, 2001.
KONDER, Leandro. O que é dialética. 2ª ed. São Paulo: Brasilien-
se, s/d.
KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna:
Debate • 93
Em busca da totalidade perdida:
O direito e a crítica do relativismo pós-moderno
94 • Revista Discenso
Para uma crítica do conceito pós-modernista
de verdade
Introdução
Surgiram na modernidade dois grandes projetos políticos que
disputaram a hegemonia global durante todo o século XX. Essas
duas correntes de pensamento, o liberalismo e o marxismo, guar-
dam, entre suas profundas diferenças, elementos epistemológicos
que os identificam e que os assemelham. Essas características são
a racionalidade, a universalidade e a idéia de que o ser humano por
seu próprio esforço pode transformar a sociedade e seu modo de
Para uma crítica do conceito pós-modernista de verdade
viver, emancipar-se.
Por racionalidade ou racionalismo entende-se a crença de
que o homem pode, através de sua razão, compreender e explicar
o mundo e que este pode ser também racionalmente transformado
e organizado.
A perspectiva da universalidade observa o mundo como um
todo, uma totalidade, onde as coisas são dotadas de um elemento
que as identifica entre si: de uma natureza, para os positivistas/li-
berais; ou de uma essência, para os marxistas1. A idéia de nature-
za nas Ciências Sociais funda o que conhecemos como metafísi-
ca, a idéia de que há nos homens e nas coisas um elemento eterno,
imutável, pré-humano ou a priori que os une. Para o marxismo,
esse elemento aglutinador, chamado essência, é proveniente da
ação humana no mundo, de sua reprodução vital, algo construído
socialmente e variável historicamente.
Já a emancipação é a idéia de que o homem pode libertar-
se dos grilhões que o aprisionam e seguir rumo a uma liberdade
plena, transformar a própria realidade e progredir para uma socie-
dade de paz.
Ocorre que, por uma crise desses princípios, especialmente
pela ausência da concretização desse último e, mais especifica-
mente, pela completa inversão desses valores – o que culminou
em guerras em escalas mundiais e regimes extremamente autori-
tários –, o projeto iluminista caiu em descrédito ao tempo em que
uma nova forma de encarar o mundo emergiu.
Essa forma de pensamento, genericamente chamada de pós-
modernismo e influenciada por uma gama muito heterogênea de
intelectuais, é uma reação à concepção metafísica do mundo e ao
determinismo histórico empreendido por alguns autores modernos.
Pensamento animado também pelas reelaborações intelectu-
ais da experiência nazista, a crítica à sociedade de massa e as
96 • Revista Discenso
teorias do totalitarismo promovidas especialmente pela primeira
Escola de Frankfurt.
Desse caldeirão resulta um pensamento irracionalista, frag-
mentário e relativista que louva o capitalismo como única reali-
dade possível, assassina a história e imputa ao projeto iluminista
todas as catástrofes do século XX. O mundo é concebido como
um amontoado de acontecimentos sem nenhuma coerência endó-
gena, onde toda a experiência humana tem seu significado con-
creto relativizado. Desse modo, perde-se completamente a noção
de verdade, imobilizando a instituição de um regime “totalitário”,
porém, paradoxalmente, também toda forma de fixar critérios
para uma interpretação coerente da realidade.
Esse mesmo relativismo radical que mata a concepção meta-
física do sujeito, mata consigo toda concepção de sujeito que não
esteja inserida em seu princípio, ironicamente também metafísi-
co, de que a diferença e o plural o constituem. Seguindo a mesma
lógica do capitalismo, essa elaboração fluida é sua representação
ideológica mais pura, concebendo como real o abstrato indiví-
duo capitalista e o social como a relação casual e indeterminada
– baseada numa opção livre de determinantes sociais – entre uma
massa desses indivíduos, ao mesmo tempo que nega a ciência,
principal mecanismo humano para a compreensão objetiva de sua
realidade e para situar-se conscientemente no mundo.
Debate • 97
Para uma crítica do conceito pós-modernista de verdade
A concepção de ciência
Para o pensamento pós-modernista em geral, a ciência é um
discurso a serviço do poder que goza de alguns mecanismos de le-
gitimação. Classifico-os em interno – método – e externo – meta-
narrativas2. Trata-se o método de uma descrição de procedimentos
que devem ser cumpridos para que dado conhecimento configure-
se como integrante de um paradigma que, por sua vez, descreve
o referido procedimento e sustenta-se pela adesão de cientistas a
ele. Assim, o que determina que um paradigma seja dominante (e
outro não) é a quantidade de cientistas3 que a ele aderem, ou em
outras palavras, sua hegemonia política, contagem de poder.
O elemento externo, a metanarrativa, consiste num relato da
filosofia – como teoria especulativa sobre o conhecimento – que
dá sentido à existência da ciência, legitimando os conhecimentos
que ela produz. Para Lyotard, por exemplo, os sentidos de exis-
tência da ciência dados pelas metanarrativas são a emancipação
2 Quanto a isso o prefixo “meta” é pouco esclarecedor, posto que a filosofia não é tratada como
uma ciência pelo pensamento pós-moderno, fato pelo qual a classifico como elemento de legi-
timação externo.
3 Status que também é concedido no interior do paradigma e da comunidade científica.
98 • Revista Discenso
humana em alguma de suas variáveis e a descoberta da verdade
– que será tratada de modo mais detalhado em outro ponto.
O fato de essa emancipação nunca ter vindo, e contrariamente
a isso, o fracasso dos grandes projetos de sociedade idealizados
pela teoria social moderna, dizem pensadores como Lyotard, ge-
rou uma época de total descrença nas metanarrativas. No entanto,
a ciência continua existindo, e aí reside um ponto curioso. É o
próprio Lyotard quem nos explica que, com a morte dos metar-
relatos, a ciência passa a cumprir um papel de reprodução e au-
mento da eficácia do sistema. Disso pode-se inferir, então, que
a ciência modifica de alguma forma a realidade humana; nesse
caso, fazendo com que o sistema capitalista funcione de maneira
aprimorada. Se o capitalismo é o modo de produção da vida pre-
dominante em nossa sociedade e seu projeto político, hegemôni-
co, é compreensível que a tecnologia, como produção científica,
esteja orientada a cumprir seus princípios. E parece-me que aí
está a resposta para nossa curiosidade: a ciência é útil ao capita-
lismo, que se apropria dela, e a manutenção do sistema passa a
ser o tema de uma nova metanarrativa, o princípio que anima e
legitima a existência da ciência, bem como poderia ser o aumen-
to de conforto nos nossos lares ou a estabilidade econômica das
nações. Assim, nessa lógica, a metanarrativa não cessa de existir,
mas, ao contrário, modifica-se deixando claro que, no lugar de
transformar a sociedade, o objetivo do projeto político hegemô-
nico da contemporaneidade é ficarmos parados. É óbvio que a
crença num futuro melhor para a humanidade não poderia animar
a existência da ciência, pois não anima mais nenhuma esfera do
social. Logo, a essência dessa mudança deve ser procurada nos
fatores que geram politicamente a ideologia e a práxis – ou não-
práxis – do imobilismo social.
Parece-me, no entanto, que o conceito de metanarrativa não
é inteiramente adequado para tratar dos projetos políticos da mo-
dernidade, porque não é nesse sentido que foram concebidos, sen-
do essa segmentação artificial.
O que se chama metanarrativa, em qualquer dos sentidos to-
Debate • 99
Para uma crítica do conceito pós-modernista de verdade
O real
Mesmo que fôssemos incapazes de interpretar com um míni-
mo de clareza o mundo que nos rodeia, seria inegável sua existên-
cia, fato a partir do qual se pode concluir que a realidade, como
dado objetivo, existe. A verdade em sua manifestação mais pura
seria, então, uma interpretação completamente objetiva da reali-
dade, um retrato perfeitamente fiel do real.
Sendo produtos da ação prática do homem, a história e as re-
lações sociais – objeto das ciências humanas – são verificáveis ob-
jetivamente no mundo concreto. O atentado de 11 de setembro
concretamente aconteceu e igualmente concreta é nossa atitude
de ir a um supermercado, por exemplo, e comprar um pão. A es-
ses fatos podem aferir-se milhões de interpretações. Pode-se dizer
que foi o próprio presidente dos EUA quem arquitetou o atentado,
que o terrorismo é o problema central da humanidade hoje e que
pessoas que praticam esse tipo de ato não merecem as mesmas
garantias legais que se espera sejam dadas a todos os seres huma-
nos. O mesmo ocorre quanto à compra do dito pão, que pode ser
interpretada como um contrato de compra e venda verbal, como
a satisfação de uma necessidade, como a conversão do valor-tra-
balho em seu equivalente em dinheiro. Porém, nenhuma dessas
formas de encarar a realidade pode alterar o que de fato se deu em
Nova Iorque em 2001 ou na esquina de casa na semana passada.
É dizer, a fatos passados cabem mil interpretações, mas nenhu-
ma revisão concreta. Nada pode mudar o que aconteceu; pode-se
atribuir-lhe significados, alguns podem fazer mais sentido do que
Debate • 101
Para uma crítica do conceito pós-modernista de verdade
Interpretação e verdade
Ocorre que, para a filosofia pós-moderna, esse mundo real não
é acessível ao homem, principal fato pelo qual há a necessidade de
um elemento de legitimação externo à ciência para dar coerência
ao raciocínio. A concepção do social como fragmentário e a idéia
de que não há nada que determine o comportamento humano,
nenhuma essência ou natureza no social – o que constitui os prin-
cipais elementos epistemológicos da visão pós-moderna que se
levantam contra a metafísica do sujeito e o determinismo histórico
– fazem com que seja inútil procurar por uma verdade. Os fatos,
então, só podem ser compreendidos isoladamente, porque não há
nada que os conecte; a história não tem essência, não tem sentido,
não há fatores de determinação externos ao indivíduo. O mundo
não pode ser compreendido em sua totalidade: pode-se apenas,
dizem, apreender parcelas do mundo, existem apenas interpreta-
ções, sem nenhum critério que determine uma como melhor do
que a outra. O real como totalidade é, para os pós-modernos, uma
manipulação do pensamento, um ato “totalitário”, etnocêntrico e
racista porque impõe uma visão única de mundo, uma única in-
terpretação ao que é uma pluralidade.
Sobre isso, a mim parece que os pós-modernos, ao se levan-
tarem contra a metafísica e o positivismo, acabam criando outra
espécie de pensamento atemporal, uma metafísica da diferença.
Dizer que o mundo é em si uma pluralidade é negar de antemão
qualquer possibilidade de unidade, e se, como nos diz Guatarri, “a
diferença pré-existe ao sujeito”, não posso compreender como o
pensamento pós-moderno não seja também essencialista.
Em oposição a isso, levantamos o seguinte: quando olhamos
para uma montanha, sabemos que ela existe, e se houver dúvida,
basta jogar-nos do alto dela para comprovarmos inequivocamen-
Conclusão
Assim, a inviabilidade de uma apreensão puramente objetiva
dos fenômenos não afasta o conceito de verdade, antes faz com
que ele seja melhor compreendido e que o homem perceba as li-
mitações que lhe são impostas por sua linguagem e esquemas in-
terpretativos. Ao mesmo tempo, essa compreensão afasta alguns
argumentos irracionalistas que vão desde a responsabilidade do
Debate • 105
Para uma crítica do conceito pós-modernista de verdade
Debate • 107
Dossie
Dossie
Olhares sobre a Obra de
Boaventura de Sousa Santos
O saber hegemônico, a ocultação do real e o
desperdício de experiência na obra de Boaventura
Ana Carolina Ceriotti
Resumo: Esse texto tem como objetivo tratar das idéias do autor Boaven-
tura de Souza Santos, partindo de seus conceitos básicos e evoluindo a
partir de uma argumentação que contrapõe o conhecimento hegemônico
ao conhecimento alternativo e que propõe ao leitor reflexões acerca do que
é hoje aceito e considerado como verdade.
Palavras-chave: hegemonia; epistemologia; saber; pós-modernidade.
Abstract: With this text I want to talk about the ideas of author Boaven-
tura de Souza Santos, starting from basic concepts and evolving from an
argumentation which oppose the hegemonic and alternative knowled-
ge. Finally, I intend to propose the reader’s reflections about what is now
accepted and considered as the “truth” and the “right”.’
Keywords: hegemony; epistemology; knowledge; postmodernity
1. Introdução
Inicio a exposição com a frase que Boaventura de Souza Santos
afirma ao longo de seu artigo: “Filosofia à venda, douta ignorância
e a aposta de Pascal”. É a partir de sua obra que sigo, pretenden-
do tratar de idéias como: sociologia das ausências, sociologia das
emergências, douta ignorância, razão indolente, dentre outros.
É importante citar que o texto é dividido em vários subtítulos
que, por sua vez, não visam separar os temas, mas, pelo contrário,
servir de base para os seguintes, visto que os conceitos aqui trata-
dos encontram-se relacionados e sustentados uns nos outros.
Indispensável também se faz alertá-los do fato de que estas
linhas não têm como objetivo se transformarem em síntese de
justificativas insatisfatórias ou esclarecer tão complexas idéias em
poucas frases. E sim, ao contrário, partindo dos temas tratados por
Boaventura, trazer reflexões e suscitar ao leitor mais indagações.
Dou-me, portanto por satisfeita se, partindo desse texto, consiga
proporcionar o referencial teórico mínimo para que o leitor, por
si, procure respostas às suas inquietações.
Dossiê • 113
O saber hegemônico, a ocultação do real e o desperdício de experiência
na obra de boaventura
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O saber hegemônico, a ocultação do real e o desperdício de experiência
na obra de boaventura
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O saber hegemônico, a ocultação do real e o desperdício de experiência
na obra de boaventura
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O saber hegemônico, a ocultação do real e o desperdício de experiência
na obra de boaventura
8. Referências Bibliográficas
8.1 Bibliografia Básica
SANTOS, Boaventura de Souza. Filosofia à venda, a douta ig-
norância e a aposta de Pascal. In: Revista Critica de Ciências
Sociais. N° 80. Março de 2008, p. 11 a 43.
__________________________ Para além do pensamento abis-
sal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Revista
Critica de Ciências Sociais. N° 78. Outubro de 2007, p. 3 a 46.
__________________________ Para uma sociologia das au-
sências e uma sociologia das emergências. In: Revista Critica
de Ciências Sociais. N° 63. Outubro de 2002, p. 237 a 280.
A identidade na modernidade.
Em seu livro Pela Mão de Alice, Boaventura de Sousa Santos
afirma que a identidade, inserida no paradigma da modernidade,
constituiu-se enquanto “identidade descontextualizada”. Por estar
ligada umbilicalmente à identidade, a modernidade se funda jun-
to a ela.
A primeira forma moderna de identidade é a subjetividade.
“O colapso da cosmovisão teocrática medieval trouxe consigo a
questão da autoria do mundo e o indivíduo constituiu a primeira
resposta.” (SANTOS, 1995, p. 136) Do humanismo renascentista,
fundante do paradigma da individualidade como subjetividade,
interceptam-se, em tensões mútuas, múltiplas linhas de construção
da subjetividade moderna. Boaventura destaca duas tensões em
especial: subjetividade individual versus subjetividade coletiva; e
concepção contextual versus concepção abstrata de subjetividade.
A primeira tensão surge do colapso da communitas medieval,
cujo vazio resultante “vai ser conflitualmente e nunca plenamente
preenchido pelo Estado Moderno, cuja soberania é afirmada por
todas as teorias da soberania posteriores ao tratado de Vestefália”
(SANTOS, 1995, p. 137). A segunda tensão decorre da teorização
abstrata, falsamente universal, despacializada e destemporalizada
da subjetividade, expressa na obra de Descartes, em contraponto
ao desbravamento concreto da subjetividade, expresso nas obras
de Montaigne e Shakespeare.
Dossiê • 125
Boaventura e a Questão da Classe Social
2 Bensaid aponta: “Evidentemente, esses textos da juventude não poderiam ser confundidos com
o conceito de classe elaborado no Capital. Contudo, eles excluem definitivamente uma repre-
sentação da classe como grande sujeito, assim como sua redução a uma simples rede interindi-
vidual.” (BENSAÏD, 1999, p. 149).
Dossiê • 129
Boaventura e a Questão da Classe Social
3 IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. 1ª Ed. São Paulo: Expressão Popu-
lar, 2007.
4 Observações de um resenhista russo à obra de Marx citado por ele próprio no posfácio da 2ª
edição de O capital, vol. I, livro primeito, p. 14.
5 A dialética de Marx não se reduz ao movimento de captar o fenômeno, mas se expressa no
movimento próprio dos conceitos, “de forma que eles se referem a momentos de aproximação e
aprofundamento da análise que parte da aparência até a essência, da essência menos profunda
até a mais profunda, por vezes de volta à aparência carregando os conteúdos conquistados até
então.” (IASI, 2007, p. 106)
Dossiê • 131
Boaventura e a Questão da Classe Social
Classe e emancipação
Sob o argumento de que a classe proletária “não logrou vingar
nenhuma alternativa concreta ao capitalismo e ao projeto da moder-
nidade”, Boaventura questiona “a previsão de Marx” acerca da “evo-
lução das classes nas sociedades capitalistas”, colocando em xeque a
“primazia transformadora das classes” (SANTOS, 1995, p. 40).
Nesta senda, Bensaïd nos diz: “Se o proletariado é a classe po-
tencialmente emancipadora, essa virtualidade não se realiza au-
tomaticamente.” (BENSAÏD, 1999, p.166). Imputar este mecani-
cismo determinista à classe social significa negar os obstáculos
– próprios à relação de produção e à reificação das relações sociais
- ao desenvolvimento da consciência de classe sob a égide do ca-
pitalismo. Se não há linearidade sob o reino do capital, tampouco
o haveria à luta de classes. Some, ainda, a instabilidade dos efeitos
políticos logrados pela classe proletária, traduzida em vitórias e
fracassos ao longo do processo histórico-político do proletariado.
Objeto e sujeito, ser e essência acham-se unidos no devir da clas-
se. Na dinâmica das relações de classe, a subjetividade da consci-
ência não pode emancipar-se arbitrariamente da estrutura, tanto
quanto a objetividade do ser não pode destacar-se passivamente
da consciência. Essa problemática opõe-se a toda concepção me-
cânica da passagem necessária do em-si ao para-si, do inconsciente
Dossiê • 133
Boaventura e a Questão da Classe Social
Dossiê • 135
Boaventura e a Questão da Classe Social
Conclusão
Pensar na classe social em tempos de profundo conformismo,
generalizada apatia política e desprezo da academia pelo pensa-
mento crítico, significa antes de tudo pensar um projeto emanci-
pador de resistência ao capitalismo. E não restam dúvidas de que
Boaventura compartilhe dessa pretensão transformadora.
Porém não encontramos na sua concepção de classe social a
justa medida entre aquilo que almeja e os instrumentos analíticos
que nos oferece.
Diria José Paulo Netto, em análise do texto “Tudo que é sóli-
do se desfaz no ar: o marxismo também?”, que Sousa Santos nos
oferece uma análise incompetente de Marx, prestando desserviço
à investigação ao reforçar preconceitos em face da teoria marxia-
na. Ousamos acrescentar que ao mesmo tempo presta serviço às
teorias pós-modernas correntes – embora se considere um pós-
moderno de oposição – ao esfacelar as classes - e a luta de classes,
enquanto contradição fundamental – na multiplicidade das resis-
tências particulares.
Com isso, não pretendemos o atrevimento imaturo de negar
ou mesmo reduzir a complexidade de sua obra como um todo,
mas tão-somente praticar o exercício – essencial, diga-se de passa-
gem - da dúvida, da abertura ao questionamento, na busca por um
conhecimento clarificador capaz de melhor nos orientar à trans-
formação da complexa e miserável realidade que nos cerca.
Dossiê • 137
Boaventura e a Questão da Classe Social
Referências Bibliográficas
BENSAÏD, Daniel. Marx, o intempestivo: grandezas e misérias
de uma aventura crítica (séculos XIX e XX). Tradução Luiz
Cavalcanti de Menezes Guerra. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 1999.
______. Os irredutíveis: teoremas da resistência para o tempo
presente. Tradução Wanda Caldeira Brant. São Paulo: Boitem-
po, 2008.
CARCANHOLO, Marcelo Dias e BARUCO, Grasiela Cristina da
Cunha. As aventuras de Karl Marx contra a pulverização pós-
moderna das resistências ao capital. Margem Esquerda – en-
saios marxistas nº 13. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.
IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. 1ª
Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
NETTO, José Paulo. De como não ler Marx ou o Marx de Sousa
Santos disponível em: http://www.odiario.info/?p=871
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o
político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.
______. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência, 6ª Ed. São Paulo: Cortez, 2007.
WOOD, Ellen; FOSTER, John Bellamy (Orgs.). Em defesa da
história: marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1999.
Resumo: Trata-se aqui do debate e das polêmicas que dizem respeito ao marxis-
mo e o pós-modernismo e, mais especificamente, a questão de direito e de poder
(aqui materializadas em torno das factory acts, surgidas na Inglaterra do séc.
XIX) na obra de Boaventura de Sousa Santos e Karl Marx.
Palavras-chave: Direito, Poder, pós-modernismo, marxismo
Abstract: This work aims to demonstrate the debate and controversies among
marxism and postmodernism and, more specifically, the discussion about rights
and power (here materialized around the factory acts, which arose in England
in the century. XIX) in the work of Boaventura de Sousa Santos and Karl Marx.
Keywords: Law, Power, Postmodernity, Marxism
1. Introdução
O presente trabalho foi pensado e escrito para integrar o “Dos-
siê” sobre Boaventura de Sousa Santos da Revista Discenso – e esse
fato diz muito sobre a estrutura e conteúdo do texto. O texto é
dividido em três momentos essenciais, o primeiro, formado por
dois capítulos, trata de uma exposição do pensamento de Boaven-
tura (mais propriamente dos pontos atinentes à questão do direito
e do poder e, especificamente, no que o autor diz das leis fabris
surgidas na Inglaterra do séc. XIX); o segundo momento trata
dos estudos de Marx sobre essas mesmas leis fabris e o terceiro
momento consiste em apontamentos da autora sobre essa mesma
questão.
Um diálogo sobre as Factory Acts
1 Diz Boaventura: “Tendo em vista,uma vez mais, que uma concepção de direito tão ampla como
esta pode redundar na trivialização total do direito – se o direito está em toda a parte, não está
em parte alguma – defendo que, de entre a enorme variedade de ordens jurídicas circulando na
sociedade, seis são particularmente relevantes por, estando ancoradas nos seis conjuntos estru-
turais de relações sociais, serem, ao mesmo tempo, constituídas por eles e constitutivas deles.”
(Boaventura, 2007, p.290-291)
Dossiê • 141
Um diálogo sobre as Factory Acts
2 Segundo Boaventura, Marx faz análise das factory acts no cap.10 do Livro d’O Capital. No en-
tanto, o referido capítulo trata da Mais-valia relativa, sem fazer nenhuma menção direta às leis
em questão. Assim, pelos temas tratados por Boaventura, nos parece que, em verdade, ele está
a referir-se principalmente às análises feitas por Marx nos capítulos VIII e XIII.
Dossiê • 143
Um diálogo sobre as Factory Acts
4 E nos parece que é esse capítulo o qual Boaventura refere-se, majoritariamente, quando estuda
as Factory Acts.
Dossiê • 145
Um diálogo sobre as Factory Acts
Dossiê • 147
Um diálogo sobre as Factory Acts
5 Mas não só por isso, Marx lembra que o trabalhador exige uma jornada de trabalho não exces-
siva pois isso feriria a lei da troca de mercadorias. Não seria possível, pois que o trabalhador
trabalhasse o equivalente a três jornadas enquanto recebia apenas uma. Diz Marx: “a natu-
reza específica da mercadoria vendida [força de trabalho] impõe um limite de consumo pelo
comprador, e o trabalhador afirma seu direito, como vendedor, quando quer limitar a jornada
de trabalho a determinada magnitude normal. Ocorre assim, uma antinomia, direito contra
direito, ambos baseados na lei da troca de mercadorias. Entre direitos iguais e opostos decide
a força. Assim, a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta, na história da produção
capitalista, como luta pela limitação da jornada de trabalho, um embate que se trava entre a
classe capitalista e a classe trabalhadora” (Marx, 1987, p. 265)
6 Embora o presente trabalho não seja o espaço para trazer todo esse debate, vale lembrar que
com base na lei orgânica do capital e dentro de certos limites postos pelo próprio sistema, quan-
to mais aumenta a exploração do proletário, mais a qualidade de vida dele pode melhorar.
7 Parte da aparência (concreto real, os fenômenos tal qual os vemos em um primeiro momen-
to), depois busca compreender como essa aparência é a expressão de uma essência (essência
essa que não conseguimos ver), agora, então, retorna para a aparência, mas não uma aparência
idêntica a primeira, posto que essa última é a aparência pensada -a essência é apropriada pela
aparência através do pensamento.
8 Para mais, ver José Paulo Neto.
Dossiê • 151
Um diálogo sobre as Factory Acts
6. Conclusão
Com certeza o debate e as polêmicas que dizem respeito ao
marxismo e o pós-modernismo e, mais especificamente, a questão
de direito e de poder (aqui materializadas em torno das factory
acts) no âmbito das duas correntes não se esgotam aqui. Foram
esses os apontamentos que, no entanto, o espaço nos permitiu.
Mas, ainda que o espaço permitido pela edição esteja no fi-
nal, a autora entende necessário fazer um último apontamento:
a crítica feita à construção teórica de Boaventura não implica em
desrespeito à seus estudos acadêmicos e pesquisas e, ainda me-
nos, implica em questionamento da sua figura pública enquanto
ativista e defensor de diversas questões emancipatórias - , esse fato
é sempre bom lembrar, já que a Academia parece ou ter disso es-
quecido ou disso usar como desculpa para entrar no marasmo de
debates que hoje vivemos.
7. Referências Bibliográficas
Santos, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: con-
tra o desperdício da experiência. 6ed. SP: Cortez, 2007.
Santos, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o polí-
tico na pós-modernidade. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2006.
Marx, Karl. A questão Judaica. Tradução de Artur Morão. In:
<www.lusosofia.net/textos/marx_questao_judaica.pdf> Aces-
so em 30 de agosto de 2010
Marx, Karl. O Capital – crítica da economia política. Livro 1 – o
processo de produção do capital. SP: Editora Bertrand Brasil –
DIFEL, 1987.
Marx, Karl. Introdução a Crítica da Economia Política.
Pachukanis, E.B. Teoria Geral do Direito e Marxismo. SP: Edito-
ra Acadêmica, 1988. Tradução:Silvio Donizete Chagas
Paulo Neto, José. Marx de Sousa Santos. In: < http://www.odi-
ario.info/index.php?p=871> Acesso em 30 de agosto de 2010.
Dossiê • 153
Ciência, crise e crítica: o conhecimento pós-
moderno na obra de Boaventura de Sousa Santos
1. Primeiras palavras
Procurando enfocar a discussão sobre ciência travada por Bo-
aventura de Sousa Santos, este trabalho se debruça sobre quatro
produções do autor: Da sociologia da ciência à política científica
(1978), Um discurso sobre as ciências (1987), Introdução a uma
ciência pós-moderna (1989) e, subsidiariamente, A crítica da razão
indolente (2000). Compete-lhe cumprir três metas, quais sejam,
evidenciar a complementaridade entre os textos; expor a estrutura
comum de que são compostos; e elucidar o sentido geral do pen-
Dossiê • 157
Elementos para uma crítica pós-moderna da ciência
Dossiê • 159
Elementos para uma crítica pós-moderna da ciência
Dossiê • 161
Elementos para uma crítica pós-moderna da ciência
5 Entre os pensadores que se dedicaram a tal tipo de análise, Boaventura destaca: Ernst Mach,
Duhem, Poincaré, Einstein, Heisenberg, Gödel, Bohr, V. Bertalanffy, V. Weizäcker, Wigner,
Thom, Bateson, Monod, Piaget, Prigogine, Koyré, Bachelard, Kuhn e Feyerabend.
Dossiê • 165
Elementos para uma crítica pós-moderna da ciência
6 Pelo termo epistemologia pode-se entender uma porção de coisas. Alguns a vinculam à filoso-
fia; outros, à ciência. Por vezes, equipara-se à filosofia da ciência ou à teoria do conhecimento;
em outras, separa-se radicalmente destas. É também possível que faça incursões na história
ou na sociologia da ciência. Ainda, no que toca ao seu objeto, existem correntes preocupadas
somente com a normatividade formal da ciência, enquanto outras se debruçam sobre a prática
científica e a sua respectiva imersão em condições sociais. De todo modo, o que apreendemos
da breve compilação que Boaventura leva a cabo sobre a definição de epistemologia consiste no
seguinte: ela promove sempre uma qualificação do conhecimento, adjetivando-o – ou negando
adjetivá-lo – de fundamentado, válido ou científico.
7 Enquanto a epistemologia mostra-se como reflexão dominante, dando destaque ao discurso
familiar (compreensível, comensurável, normal), sob a relação eu-coisa, a hermenêutica, atra-
vés da visão crítica de Boaventura, debruça-se sobre o discurso estranho (incompreensível,
incomensurável, anormal) por meio da relação eu-tu.
Dossiê • 167
Elementos para uma crítica pós-moderna da ciência
8 Como adendo, interessante salientar que Boaventura aproxima tais separações da distinção efe-
tuada por Kuhn entre ciência normal e ciência revolucionária.
5. Palavras Finais
Terminado o resumo, retomamos a proposta inicial deste tra-
balho iniciando pela complementaridade dos textos – primeira
meta –. Há, de fato, um diálogo entre as obras. Da sociologia da
ciência à política científica centra-se em argumentos sociológicos;
Um discurso sobre as ciências, em argumentos teóricos; e Intro-
dução a uma ciência pós-moderna vale-se dessas duas obras para
elucidar a crise de degenerescência da ciência e, em seguida, reco-
mendar o apelo hermenêutico. Que não se tome esse esquema, no
entanto, em um sentido de divisão do pensamento em comparti-
mentos. Muito pelo contrário, tal separação quer evidenciar, tão-
somente, o conteúdo principal dos textos – em termos de concen-
tração, não de exclusão –. Todos eles evocam tanto linhas teóricas
quanto sociológicas. Por exemplo, em Da sociologia da ciência à
política científica, retoma-se com cuidado fragmentos da teoria de
Kuhn e requer-se o abandono da distinção entre teoria da ciência
e sociologia da ciência; e em Um discurso sobre as ciências faz-se
referência ao processo de industrialização e expõe-se com clareza
que o paradigma de um conhecimento prudente para uma vida
decente é simultaneamente científico e social (o que assumiria
maiores dimensões em A crítica da razão indolente).
Em seguida, passamos à estrutura comum dos textos – segun-
da meta –. Boaventura percorre neles um trilho semelhante: con-
figura uma conjuntura, coleta elementos de sua deterioração e su-
gere os indícios de novas possibilidades. Assim, tem-se a sociologia
mertoniana, a industrialização que engendrou a crise do aparato
científico nos anos 1960 e, na outra margem, a proposta da nova
sociologia crítica da ciência; depois, tem-se o paradigma científico
moderno, a crise patente pelas inovações teóricas e, ancorando-se
Dossiê • 169
Elementos para uma crítica pós-moderna da ciência
6. Referências Bibliográficas
SANTOS, Boaventura de Sousa. Da sociologia da ciência à polí-
tica científica (1978). In: Revista Crítica de Ciências Sociais, n.
1, p. 11-56, jun. 1978.
___________________________. Um discurso sobre as ciên-
cias (1987). São Paulo: Cortez, 2009.
___________________________. Introdução a uma ciência
pós-moderna (1989). Rio de Janeiro: Graal, 1989.
___________________________. A crítica da razão indolente:
contra o desperdício da experiência (2000). São Paulo: Cortez,
2007.
Abstract: This work deals with the contribution of the Portuguese sociologist Bo-
aventura de Souza Santos, talking about the criticism of positivist epistemology
and studying the knowledge’s sociology within the paradigmatic crisis observed
in the unfulfilled promises of modernity. His theory of knowledge and ecological
protection of counter-hegemonic social movements that struggle for an alternative
to global capitalism, point theoretically to an analysis of the dynamics observed in
times of neoliberal colonization cognitive - reinforcing the values of social justice
and democratic repair.”
Keywords: Epistemology criticism; counter-hegemonic movements, intercul-
tural, critical to modern/colonial/Eurocentric/Western/capitalist science; pa-
radigm transition;
2 O capital necessita de um exterior para a lógica de realização de sua mais-valia; expansão des-
comedida para o escoamento dos produtos e o estabelecimento de trocas com sociedades não-
capitalistas para que efetivamente se consolide. Num segundo momento, o capital internaliza o
exterior – capitalizando as sociedades previamente não-capitalistas, num esquema imperialista
que tende à monopolização e colonização de todas as possíveis relações políticas e econômicas
entre os indivíduos (recursos materiais e a subseqüente proletarização das relações de produção
e trabalho). (Hardt e Negri, 2006, p. 242-248)
Dossiê • 175
Epistemologias críticas, ecologia de saberes e o compromisso ético-
político com a libertação
3 Para Negri e Hardt (2006), Descartes ativou o dispositivo transcendental para a mediação entre
sujeito de conhecimento e objeto a conhecer através da razão que consubstanciaria um logos
de autoridade divina voluntarista. Foi o principal responsável pela démarche do humanismo
revolucionário originado no giro antropológico renascentista. O cogito cartesiano traduz o pen-
samento humano monoliticamente e re-significa o conhecimento como “filtro dos fenômenos”
(consciência humana); a partir daí, sempre haverá uma necessidade de validação através da
“reflexão do intelecto”; “[…] e o mundo ético é incomunica[bilizado] a não ser pelo esquema-
tismo da razão”. Relativiza-se a experiência e descartam-se as esferas do imediato e do absoluto
como epifenômeno. (p.96). Aqui cumpre-se observar uma aproximação convergente da análise
foucaultiana sobre a mediação do conhecimento a partir de Nietzche: em A Verdade e as for-
mas jurídicas (2001), Foucault traz a crítica de Nietzsche (principalmente nos textos de Gaia
Ciência), à noção cartesiana de conhecimento como um dado natural, pré-existente e contíguo
corporeamente ao desejo de saber - preocupado que estava em afrontar o embrutecimento (est)
ético-político hiper-racionalista do mundo moderno: “[…] o conhecimento é uma invenção
e não tem origem.”; “[…] as condições de experiência e as condições de objeto de experiência
são totalmente heterogêneas.” (p.17) E ainda: “ Nietzsche pensa - ao contrário [de Kant] - que
entre conhecimento e mundo a conhecer há tanta diferença quanto entre conhecimento e na-
tureza humana. Temos, então, uma natureza humana, um mundo, e algo entre os dois que se
chama o conhecimento, não havendo entre eles nenhuma afinidade, semelhança ou mesmo
elos de natureza. O conhecimento não tem relações de afinidade com o mundo a conhecer
[…]”. O conhecimento seria fundado numa ruptura artificial da experiência humana, em que
Dossiê • 177
Epistemologias críticas, ecologia de saberes e o compromisso ético-
político com a libertação
péia nos contava sobre ela própria, um conto relatado num dialeto
transcendental. (HARDT; NEGRI, 2006, p.98)
4 O plano de imanência seria aquele responsável pelo poder criativo da multidão, no terreno
da política, de dentro para fora; a produção da vida mesma cuja libertação se almeja, fora das
amarras em que se encontram os indivíduos engessados pelas relações de submissão e subor-
dinação, cuja ferramenta política fundamenta-se na colonização das formas de reprodução da
existência dos e entre os seres humanos. Este terreno, segundo Hardt e Negri, se dá de imediato,
fora de medida (incomensurável). (HARDT; NEGRI, 2006, p. 376)
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Epistemologias críticas, ecologia de saberes e o compromisso ético-
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político com a libertação
5 Veja-se, e.g., o exemplo trazido por Lander ao reafirmar a sua posição esclarecida quanto ao
particular universo eurocêntrico translocado e aspirante à universalidade – e não apenas uma
cultura entre tantas outras, demonstrando a deturpação da imagem que tem de si mesma –, ao
citar Bruno Latour, que aponta a “verdade” como sendo o “controle da natureza”, o que distin-
gue a sociedade européia das outras sociedades: “Por que se vê o Ocidente a si mesmo desta
forma? Por que deveria ser o Ocidente e só o Ocidente não uma cultura? Para compreender
a Grande Divisão, aquela que se dá entre humanos e não-humanos… De fato, a primeira é a
exportação da segunda. Nós ocidentais não podemos ser uma cultura mais entre outras, já que
nós também dominamos a natureza. Nós não dominamos uma imagem, ou uma representação
simbólica da natureza, como fazem outras sociedades, mas a Natureza, tal como ela é, ou pelo
menos tal como ela é conhecida pelas ciências – que permanecem no fundo, não estudadas,
não estudáveis, milagrosamente identificadas com a Natureza mesma” […] “Assim, a Grande
Divisão Interna dá conta da Grande Divisão Externa: nós somos os únicos que diferenciamos
absolutamente entre Natureza e Cultura, entre Ciência e Sociedade, enquanto que a nossos
olhos todos os demais, sejam chineses, ameríndios, azandes ou baruias, não podem realmente
separar o que é conhecimento do que é sociedade, o que é signo do que é coisa, o que vem da
natureza daquilo que sua cultura requer. Façam o que fizerem, não importa se é adaptado,
regulado ou funcional, eles sempre permanecem cegos no interior desta confusão. São prisio-
neiros tanto do social quanto da linguagem. Nós façamos o que fizermos, não importa o quão
criminosos ou imperialista possamos ser, escapamos da prisão do social e da linguagem para
ter acesso às coisas mesmas através de uma porta de saída providencial, a do conhecimento
científico. A separação interna entre humanos e não-humanos define uma segunda separação –
externa desta vez – através da qual os modernos puseram-se a si mesmos num plano diferente
dos pré-modernos” (LATOUR apud LANDER, 2005, p. 35-36).
Dossiê • 191
Epistemologias críticas, ecologia de saberes e o compromisso ético-
político com a libertação
sua área de formação (Ciências Biológicas), introduziram o debate de gênero em sua análise
da história do pensamento científico e da consciência – evidentemente por se situarem na ex-
terioridade a partir da qual estabelecem seus lugares de fala e enunciação, a afirmação de sua
alteridade sentida na pele a hostilidade de um espaço onde sempre predominaram homens; um
universo científico machista e “uma ciência sexista”, que reproduz os valores hegemônicos e
seus preconceitos (SANTOS, 2005, p. 97).
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político com a libertação
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Epistemologias críticas, ecologia de saberes e o compromisso ético-
político com a libertação
Referências Bibliográficas
CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Ciências sociais, violência epistê-
mica e o problema da “invenção do outro”. In: LANDER, Edgar-
do (org.). A colonialidade do saber. Eurocentrismo e Ciências
Sociais: Perspectivas Latino-americanas. Buenos Aires: CLAC-
SO, 2005.
9 Texto extraído de uma sinopse do livro “Para uma filosofia política crítica” (DUSSEL, Hacia
uma filosofia política crítica. Bilbao: Desclée. Coleção Palimpsesto: direitos humanos e desen-
volvimento, organização de Juan Antonio Senent, tradução livre).
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Epistemologias críticas, ecologia de saberes e o compromisso ético-
político com a libertação
Dossiê • 199
Artigo
Sobre Direito e mais além
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do julgamento de Dimitri
Karamazov da obra Os Irmãos Karamazovi de Dostoiévski
Alexandre Pereira Hubert e Rodrigo Alessandro Sartoti
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
Elysa Tomazi
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
Gislaine de Paula
A utopia necessária de Bloch
Guilherme Coimbra Felix Cardoso
Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a
emancipação indígena na América Latina
Artigos
Guilherme Ricken
Uma análise Pachukaniana do conceito de Direito de Roberto
Lyra Filho
Helena Kleine Oliveira
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
Lucas Gonzaga Censi
O Pluralismo Jurídico na América Latina: O atual reconhecimento
Constitucional da legalidade e jurisdição indígena e seus limites
Marina Corrêa de Almeida
Direito como suposta ciência jurídica: Análise de uma ontologia
de cristalização do sujeito
Marja Mangili Laurindo
Notas sobre a constituição do complexo jurídico na Ontologia do
Ser Social de György Lukács
Marcel Soares de Souza
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do jul-
gamento de Dimitri Karamazov da obra Os
Irmãos Karamazovi de Dostoiévski
Resumo: O presente artigo traz uma análise crítica da instituição do júri através
do estudo cruzado entre Direito e Literatura, tendo como pano de fundo a obra
Irmãos Karamazovi, do autor russo Fiodor Dostoiévski. Começa-se pela introdu-
ção do marco teórico adotado, que é especificado como o estudo do “Direito na
Literatura”. Após, apresenta-se uma breve análise histórica do instituto do júri e,
em seguida, introduzir-se-á o romance em um bosquejo de definição da persona-
lidade de cada um dos principais personagens, estando em destaque Dimítri Ka-
ramazov, o filho acusado de parricídio, levado ao júri ao qual nos reportaremos.
No final, será trabalhada a decisão a que chegou o corpo de sentença, buscando
estabelecer possíveis relações entre a função social exercida pela mesma.
Palavras-chave: Direito e Literatura; Irmãos Karamazovi; Júri.
Abstract: This article presents a critical analysis of the institution of the jury, with
the cross study between Law and Literature, taking the great Brothers Karama-
zov, by Russian author Fyodor Dostoyevsky, as its background. It begins by intro-
ducing the theoretical framework adopted, which is specified as “Law in Literature”
study. Then, a brief historical analysis of the jury institution is presented, with the
introduction of the novel through a sketch of each of the main characters’ personality
– specially Dimitri Karamazov, the son accused of parricide, taken to the jury which
is to be reported to. Finally, the decision reached by the ruling body is analysed, so
to establish the possible relations of the social function performed by the veredict.
Keywords: Law and Literature; Brothers Karamazov; Jury.
1. Introdução
O artigo que apresentaremos busca trabalhar, através dos ins-
trumentos de análise que alguns dos teóricos do estudo do direito
através da literatura – “O Direito na literatura” – nos proporcionam,
críticas à Instituição do Júri com base no Livro “Um erro Judiciário”,
do romance “Irmãos Karamazóvi” de Fiodor Dostoiévski.
Para tal, começaremos por expor em linhas gerais a corrente
de estudos chamada “Direito e Literatura”, subdividindo-a confor-
me seu objeto de análise.
Em seguida, será apresentada uma breve análise histórica da
instituição do júri, com suas origens mais remotas e a sua chegada
ao Brasil.
Após, introduziremos o romance delineando os principais
personagens, para então chegarmos à situação do júri a que é le-
vado Dimítri Karamázov, acusado de parricídio.
No júri trabalharemos a exposição de Dostoiévski do ambien-
te do mesmo, não deixando de mencionar a posição social de cada
um dos membros do conselho de sentença, bem como a reação
que cada uma das estratégias, seja da defesa, seja da acusação,
conseguia produzir nos presentes ao grande espetáculo nacional
em que havia se tornado o caso do pai assassinado pelo filho.
Apresentaremos em nosso trabalho também o posicionamen-
to de defensores e críticos da instituição do júri, sendo que para
tal trazemos, do primeiro lado, Lenio Streck e, do outro, Nelson
Hungria.
Ao fim, tentaremos delinear a natureza da decisão do corpo
de jurados no caso específico do Karamazov, sem, no entanto, que
se caia em falsas ilusões quanto à diferença entre uma sentença
técnica ou popular.
2. O “direito na literatura”
A proposta de aproximação entre o estudo do Direito e da
Literatura começou a ganhar importância acadêmica no espaço
204 • Revista Discenso
Alexandre Pereira Hubert e Rodrigo Alessandro Sartoti
3 SILVA, Joana Aguiar e. Direito e Literatura: potencial pedagógico de um estudo disciplinar. In:
Revista do CEJ, n. 1. Coimbra: Almedina, 2º semestre/2004.
4 TALAVERA, apud. TRINDADE; GUBERT, op. cit. p. 50.
5 OST, François. Contar a lei. Trad. de Paulo Neves. São Leopoldo: Unisinos, 2005, p. 14-15.
6 OLIVO, Luis Carlos Callier de. O Estudo do Direito através da literatura. Tubarão: Editorial
Studium, 2005, p. 20.
Artigos • 207
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do julgamento de dimitri
karamazov da obra os irmãos karamazovi de dostoiévski
praça pública e era composto por cidadãos, que eram homens li-
vres, traduzindo, desta maneira, o princípio da justiça popular.
Ainda segundo Streck, tal modelo serviu de inspiração para a ins-
tituição do júri inglês. Na sua versão romana, o júri era composto
por um pretor, que tomava o nome de quaesetio, e dos jurados, ju-
dices juratio. Estes eram escolhidos entre os senadores, cavaleiros
e tribunos do tesouro.
A Lei Pompéia exigiu que os jurados tivessem condição de renda,
aptidão e mais de trinta anos. O Tribunal funcionava publicamente
no Fórum, onde, no dia do julgamento, os jurados eram sorteados,
sendo facultado ao acusador e ao acusado o direito de recusá-los
sem qualquer motivação até esgotar-se a lista.9
9 SCHIMITT, Ricardo Augusto. Princípios Gerais Constitucionais. Salvador: Jus PODIVM, 2007.
10 SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal Parte Geral. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2000.
Artigos • 209
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do julgamento de dimitri
karamazov da obra os irmãos karamazovi de dostoiévski
11 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasilei-
ro, volume 1: parte geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
12 SCHIMITT, Ricardo Augusto. Princípios Gerais Constitucionais. Salvador: Jus PODIVM,
2007.
13 Ibidem.
Artigos • 211
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do julgamento de dimitri
karamazov da obra os irmãos karamazovi de dostoiévski
14 DOSTOIÉVSKI, Fiodor M. Os Irmãos Karamázovi. São Paulo: Editora Abril, 1971, p. 459.
15 Ibid. p. 459-460.
16 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. Volume I.
Tomo I. 5ª edição. RJ: Forense, 1977, p. 57 (nota de rodapé).
Artigos • 213
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do julgamento de dimitri
karamazov da obra os irmãos karamazovi de dostoiévski
17 Ibidem.
18 STRECK, Lenio L. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1993, p. 44.
Artigos • 215
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do julgamento de dimitri
karamazov da obra os irmãos karamazovi de dostoiévski
5. A sentença
O derradeiro capítulo do júri traz, no entanto, um título desa-
nimador: “Os mujiques mantiveram-se firmes”. Ocorre que, mes-
mo em dissonância com a beleza e a eloquência da tese defensiva,
o réu foi considerado culpado sem qualquer atenuante, o que es-
pantou agressivamente o ambiente da plateia:
Ninguém esperava por isso, todos contavam pelo menos com a in-
dulgência do júri. O silêncio continuava, como se o auditório esti-
vesse petrificado, tanto os partidários da condenação como os da
absolvição. Mas foram apenas os primeiros minutos, aos quais suce-
deu um terrível tumulto. Entre o público masculino, muitos estavam
encantados. Outros chegavam mesmo a esfregar as mãos, sem dis-
simular sua alegria Os descontentes tinham o ar acabrunhado, er-
guiam os ombros, cochichavam como se ainda não se dessem con-
ta. Mas as nossas damas, meu Deus! Pensei que elas iam fazer um
motim. A princípio, não quiseram acreditar em seus ouvidos. De re-
pente, ruidosas exclamações ecoaram: “O que é isso? Por que isso?”.
Deixavam seus lugares. Certamente, imaginavam que se podia, no
6. Considerações finais
Observando as várias modificações que o tribunal do júri so-
freu em sua experiência histórica brasileira, notamos uma ampla
variação de objetivos implícitos na sua utilização.
Todavia, é evidente a inexistência de um caráter puramente
democrático em tal instituição ao longo da sua evolução histórica,
tendo a composição do corpo de sentença critérios subjetivos e
notadamente elitistas, que ainda perduram na sua versão atual.
Basta observar que, principalmente nos grandes centros, temos
uma classe média que julga aqueles que são criminalizados: as ca-
madas mais pobres e periféricas da nossa sociedade.
Na obra em tela, o júri, a sua maneira, cumpriu uma função de
vingador público, saciando a “sede de vingança do povo” – muito
semelhante à que é produzida atualmente pela mídia – baseando
sua decisão na má-fama e nos traços da personalidade do réu. Jul-
gou antes pelas suas convicções acerca do certo e errado nas con-
dutas sociais e morais. Sua decisão mereceu o título de um “erro
judiciário”, conforme cunhado pelo autor.
Não nos parece adequado, entretanto, afirmar com certeza que
diverso teria sido o posicionamento de um juiz togado.
Artigos • 217
Uma crítica ao tribunal do júri a partir do julgamento de dimitri
karamazov da obra os irmãos karamazovi de dostoiévski
7. Refêrencias Bibliográficas
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
38. ed., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.
DOSTOIÉVSKI, Fiodor M. Os irmãos Karamázovi. São Paulo:
Editora Abril, 1971.
OST, François. Contar a lei. Trad. de Paulo Neves. São Leopoldo:
Unisinos, 2005, p. 14-15.
HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários
ao código penal. Volume I. Tomo I. 5ª edição. RJ: Forense, 1977.
OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. O estudo do direito através da
literatura. Tubarão: Studium, 2005.
SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal parte geral. Rio de Janei-
ro: Lumem Júris, 2000.
SCHIMITT, Ricardo Augusto. Princípios gerais constitucionais.
Salvador: Jus PODIVM, 2007.
SILVA, Joana Aguiar e. Direito e literatura: potencial pedagógico
de um estudo disciplinar. In: Revista do CEJ, n. 1. Coimbra: Al-
medina, 2º semestre/2004.
STRECK, Lenio L. Tribunal do júri: símbolos e rituais. Porto Ale-
gre: Livraria do Advogado, 1993.
TRINDADE, André K.; GUBERT, Roberta M., NETO, Alfredo C.
Direito e literatura: Reflexões teóricas. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2008.
Elysa Tomazi1
2. Saber-poder
Vasta foi a pesquisa de Foucault, principalmente na fase gene-
alógica, no sentido de questionar quais efeitos podem surgir do
cruzamento entre o saber e o poder. Nessa análise, porém, Fou-
cault alerta que é necessário se renunciar à idéia de um sujeito
constituinte na história para se focar na constituição histórica des-
se sujeito, ou seja, é preciso buscar “uma forma de história que dê
conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios
de objeto, etc., sem ter que se referir a um sujeito” (FOUCAULT,
2008, p.7). Essa é a base da genealogia, a qual visa permitir uma
visão de como o poder é capaz de produzir efeitos de verdade.
Para Foucault, a verdade existe dentro do poder – “somos
igualmente submetidos à verdade, no sentido de que a verdade é
a norma” (FOUCAULT, 1999, p.29); ela é produzida por meio de
um discurso científico e de instituições previamente estabelecidas
pelo poder. A verdade é, então, objeto de difusão e consumo e
Artigos • 221
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
já que, por meio dele, a instituição judiciária busca construir uma verdade que seja adequada a
seus objetivos. Daí deriva que o inquérito é uma forma de “saber-poder”, ou seja, um poder que
autentica a verdade.
Artigos • 223
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
4. Sociedade da normalização
Em continuidade ao estudo empreendido, analisar-se-á, a par-
tir dos mecanismos de poder descritos por Foucault, como fun-
ciona e se articula essa sociedade normalizadora e quais os refle-
xos e imbricações desta com o âmbito do Direito.
Artigos • 225
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
4.1.2 As disciplinas
As disciplinas, conforme foi pontuado inicialmente, se fun-
dam na tomada do corpo como alvo da ação política - o corpo
como máquina -, o qual deve ser de todo adestrado, melhorado
de maneira que se torne útil e dócil ao sistema. A esse poder dis-
ciplinar Foucault chamou “anátomo-política do corpo humano”
(FOUCAULT, 1997, p.131).
A vasta pesquisa do autor apontou para diversos mecanismos
e instituições disciplinares atuantes na sociedade, entre eles a me-
dicina, a psicologia, a psiquiatria, o próprio direito, e a escola, a
prisão, o hospital, as fábricas, todos eles atuando sobre o corpo.
Tais instituições atuam no corpo dos indivíduos por meio do que
Foucault chamou de “inclusão por exclusão” (FOUCAULT, 1996,
p.114) – se antes do século XIX o poder era exercido sobre grupos,
ou seja, a pertença ao grupo resultava na vigilância do indivíduo,
depois desse século a própria instituição na qual se encontra o
indivíduo é que vai ser responsável por constituir grupos a se-
rem vigiados. Segundo Foucault, “é a estrutura de vigilância que,
chamando para si os indivíduos, integrando-os, vai constituí-los
secundariamente enquanto grupo” (FOUCAULT, 1997, p.113).
Nesse contexto, as instituições, denominadas de instituições
de seqüestro, colocam em prática a normalização - atuam por
meio de comparações, no sentido de que somente aquele que está
de acordo com a norma ditada pelo padrão disciplinar é conside-
rado normal. Disso resulta a dicotomia entre indivíduos normais
e anormais, sendo que estes últimos, para que consigam, assim
como os normais, desempenhar um papel útil na sociedade, são
conduzidos a múltiplos processos de normalização. Além disso,
há que se atentar que tais instituições caracterizam um aparelho
de controle que não é somente estatal, pelo contrário, cada vez
mais o estatal e o extra-estatal se confundem e atuam conjunta-
mente.
Segundo Alves da Fonseca, a disciplina em Foucault funciona
por meio de certos requisitos: determinação de espaços para cada
Artigos • 231
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
4 Foucault pontua que com a emergência da população como problema de governo, a economia
política pôde se firmar como uma ciência. Uma ciência que é resultado da relação entre popu-
lação, território e riqueza e que será instrumento de intervenção do governo tanto no campo da
economia quanto da população. In: FOUCAULT, 2008b, p.141
5 O filósofo francês contrapõe ao Estado do governo o Estado de justiça, típico da época feudal
e caracterizada pelo domínio da lei, e ao Estado administrativo dos séculos XV e XVI, no qual
predominavam os regulamentos e as disciplinas. In: FOUCAULT, 2008b, p.145.
6 Esse artigo não trabalhará em pormenores a questão da governamentalidade, pois o objetivo é
Artigos • 233
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
leitura de Kelsen nos leva a apreender que existe uma relação im-
portante entre lei e norma, pois para o jurista austríaco a norma,
quando aplicável ao caso concreto, se deduz da lei 7. Diante dessa
questão, a normatividade, reconhecida por Foucault como sendo
inerente a um sistema legal, não pode ser confundida com o que
ele chama de normalização. Nesse sentido,
se é verdade que a lei se refere a uma norma, a lei tem portanto por
papel e por função [...] codificar uma norma, efetuar em relação à
norma uma codificação, ao passo que o problema que procuro iden-
tificar é mostrar como, a partir e abaixo, nas margens e talvez até
mesmo na contramão de um sistema da lei se desenvolvem técnicas
de normalização (FOUCAULT, 2008b, p.74).
7 Kelsen nos diz que uma sentença judicial, por exemplo, é uma norma – “uma norma individu-
al, limitada na sua validade a um caso concreto, diferente do que sucede com a norma geral,
designada como ‘lei’ ” (p.21). Nesse sentido, a sentença se encontra “dentro da moldura que a
lei representa – não significa que ela é a norma individual, mas apenas uma das normas indi-
viduais que podem ser produzidas dentro da norma geral” (p.391). In: KELSEN, Hans. Teoria
pura do direito.
Artigos • 239
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
7. Considerações finais
Ao longo do presente estudo, apreende-se que a questão do
Direito é uma constante em todo o debate de Foucault que esse ar-
tigo se propôs a apresentar. Em se tratando do exercício de poder
e controle durante os séculos, o Direito sempre esteve presente,
seja como principal vetor destes, seja como aliado a formas diver-
sas de poder que emergiam na sociedade.
Nesse contexto, Foucault associa o direito a uma forma de sa-
ber-poder específica: a teoria da soberania. Destarte, o exercício
do direito, através de suas leis e instituições, remete a questões
típicas da soberania, a exemplo da relação dual soberano-súditos:
enquanto o soberano exerce o poder em um território definido e
sobre um grupo de súditos específico, estes devem obediência às
leis daquele, sob pena de terem suas vidas expostas ao direito de
vida e morte atribuído ao soberano8.
8 O exercício do direito se baseia, de fato, nessa relação, uma vez que as leis de um Estado se
aplicam somente no seu próprio território e, portanto, sobre seus habitantes. Assim, a trans-
gressão da lei sempre implica algum tipo de sanção, seja ela a prisão, a perda de direitos, etc.
Essa sanção remete, portanto, ao direito de morte, o qual é entendido por Foucault não só como
assassínio direto, mas também com o fato de “expor à morte, de multiplicar para alguns o risco
de morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a expulsão, a rejeição, etc.” (FOUCAULT,
1999, p.306).
Artigos • 241
O Direito sob a perspectiva de Michel Foucault
8. Referências Bibliográficas
DA FONSECA, Márcio Alves. Michel Foucault e o direito.
São Paulo: Max Limonad, 2002.
FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade I: A vontade
de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J.A
Guilhon Albuquerque. 12ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1997.
______. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Edu-
ardo Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de
Janeiro: Nau, 1996.
______. Em defesa da sociedade: curso no Collège de Fran-
ce (1975-1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
______. Microfísica do poder. Organização e tradução de
Roberto Machado. 26ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 2008a.
______. Segurança, território e população: curso no Collè-
ge de France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São
Paulo: Martins Fontes, 2008b.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João
Baptista Machado. 7ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Artigos • 243
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem
Jurídica1
Gislaine de Paula1
Abstract: The Brazilian law has passed through peculiars practices of flexibili-
zation. This study was developed in order to analyze the possible causes and ele-
ments which permeate the juridical culture that has been presented in Brazil. It
involves investigations in the following fields of study: Social Anthropology, Bra-
zilian History, Law Theory and Philosophy of Right. It is sought to investigate the
Brazilian culture’s configuration where is highlighted the jeitinho and the society’s
structure that is constructed based on friendly and companionship webs, in which
the relationships are valued instead of the impersonal and universal laws. Then,
it is tried to establish an analogy between the flexibilization of the legal order and
the Brazilian’s jeitinho.
Key-words: Brazilian culture; jeitinho; flexibilization of the Legal Order
1. Introdução
Esta pesquisa tem por objetivo destacar alguns elementos es-
senciais da cultura brasileira. Dessa forma, primeiramente, pro-
cura-se o aporte histórico a fim de determinar nossas “heranças”,
tendo em vista a colonização portuguesa e o modo como se forma
a cultura jurídica e social do Brasil.
Fazem parte desse legado o jeitinho, um modo “criativo” e
muito particular de lidar com problemas e situações difíceis, e a
divisão da sociedade em códigos éticos dúbios; um que enaltece
as relações de amizade e compadrio e outro que individualiza e
expõe às leis impessoais e universais. Tenta-se, também, localizar
a falta de eficácia de muitas das leis formais no país.
Neste sentido, é preciso atentar às práticas do Poder Judiciário,
que toma lugar privilegiado em um contexto no qual, em muitos
casos, vige o desvio da lei. Esta pesquisa busca, em certa medida,
demonstrar de que forma se dão as práticas jurídicas flexibilizadas
e em que nível a cultura popular brasileira também exerce a fun-
ção de legitimá-las.
2. Histórica Herança
A chegada dos portugueses ao Brasil, a partir do século XVI,
atraiu para este “Novo Mundo” a exploração e, posteriormente, a
colonização por parte da metrópole lusitana. Os ibéricos aventu-
reiros que por estas terras passavam vinham em busca de riquezas
fáceis ou vinham na condição de exilados de Portugal. Para satis-
fação de suas ambições empregaram o trabalho escravo indígena,
primeiramente, e, logo após, o escravismo africano.
Junto à colonização, ressalte-se, não houve apenas a explora-
ção mineral e rural do Brasil, aportaram também no país a legisla-
ção e boa parte da cultura institucional portuguesa. Segundo Kei-
th Rosenn2, a prática brasileira quanto à aplicação do direito vem,
2 ROSENN, Keith S. O jeito na cultura jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
3 Ibidem p. 17.
4 Ibidem P. 36.
5 NEQUETE apud ROSENN, Keith S., 1998. P. 34.
Artigos • 247
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
10 WOLKMER, 2005. p. 66
11 ROSENN, 1998. P. 32
12 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. P.
81-82
Artigos • 249
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
Artigos • 251
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
3. Jeitinho
A cultura que hoje permeia a sociedade brasileira possui cer-
ta “historicidade” e foi exatamente isto que se tentou demonstrar
com o tópico acima. Há uma simbiose entre o campo pessoal e as
relações impessoais, que de certa forma pode ser retratada tam-
bém como dificuldade de se estabelecer fronteiras precisas entre o
que é público e o que é privado. É possível, por este viés, estabele-
cer uma analogia entre passado e presente.
Dito isto, importa agora discutir como se mostra esta “heran-
ça” atualmente. Para tanto, recorreu-se à obra de Roberto Da-
Matta. Consoante DaMatta23, há no Brasil códigos sociais com-
plementares, mas diferentes entre si, os quais revelam modos
distintos de pensar e se relacionar. Há o código da casa, espaço da
família, das relações de parentesco e amizade, guiado pela lealda-
de e pelo compadrio. E há, por outro lado, o código da rua, que
se baseia em leis universais e impessoais, na burocracia ancorada
na sociedade, expõe um formalismo jurídico-formal que chega a
ser absurdo.
24 Ibidem, p. 57-59.
25 ROSSEN, 1998. P. 43
26 DAMATTA, 1997. p.84 grifo no original.
27 BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 43.
Artigos • 253
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
28 Idem, p. 43.
29 Ibidem.
30 Ibidem, p. 32-33.
31 DAMATTA, 1997. P 70-72.
32 SOUZA, Mériti de. A experiência da lei e a lei da experiência: ensaios sobre práticas sociais e
subjetividades no Brasil. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: FAPESP, 1999.
33 Ibidem, p. 68
34 bidem, p. 74.
35 Ibidem, p. 123.
36 ROSENN, p. 54.
37 SOUZA, 1999. P. 135.
38 DAMATTA, 1997. P 81.
Artigos • 255
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
4. A Prática (para)Legal
Esta relação singular que o brasileiro tem com a lei, ou seja, a
utilização do instituto do jeito está presente em todos os âmbitos
sociais. Neste sentido, pode-se, entender a torção da lei como o
emprego de uma exceção. A lei é válida, mas, para o caso escolhi-
do, ela não se aplica. Pela necessidade, então, um caso particular
pode fugir à obrigação de observância da lei. O estado de exce-
ção aparece para preencher uma lacuna fictícia no ordenamento
– impossibilidade de resolver como aprouver um caso particular
– criada pela necessidade, a qual não é interna à lei, mas se refere
à possibilidade de sua aplicação à realidade39.
O que caracteriza o estado de exceção é um estar fora, e ao
mesmo tempo pertencer40. Ora, o que mais caracteriza o jeito é
exatamente este deslizamento entre o legal e o ilegal, o estar no
ordenamento jurídico e, ao mesmo tempo, não estar; por isso, é
considerado para-legal.
No estado de exceção acontece o isolamento da “força da lei”
em relação à lei. Assim, a norma está em vigor, mas não se aplica
– já que não tem força – e, por outro lado, atos que não têm valor
de lei, adquirem sua força. O estado de exceção, portanto, é um
espaço de anomia onde o que está em jogo é uma força de lei, sem
lei; e, por isso, Agamben escreve força de lei. No estado de exceção
ocorre a abertura de um espaço em que norma e aplicação estão
separados e uma pura força de lei realiza uma norma cuja aplica-
39 Neste sentido: AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004 p. 46-48
40 AGAMBEN, 2004. P. 57.
Artigos • 257
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
44 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do prag-
matismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006. P.128-129.
45 Ibidem, p. 45.
46 Ibidem, p. 49-51.
47 Idem, p. 60.
48 Ibidem, p. 253.
49 Ibidem, p. 60.
50 STF – Agravo Regimental 3.034-2, Paraíba – Relator Min. Sepúlveda Pertence.
Artigos • 259
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
51 STF – Mandado de Segurança 26.690-2, Distrito Federal – Relator Min. Eros Grau.
52 Ibidem.
53 Ibidem.
5. Conclusões
Na pesquisa apresentada tentou-se demonstrar alguns elemen-
tos culturais brasileiros que chamam a atenção quando se preten-
de tratar da cultura jurídica do país e da subjetividade brasileira.
Este escrito aventurou-se a evidenciar a construção histórica de
práticas como o jeitinho, e a caracterização de uma sociedade di-
vidida entre códigos éticos dúbios, decorrência de uma organiza-
ção que tem por base as relações pessoais.
Ensaiou-se uma ligação entre o jeito, categoria popular de ação,
utilizada por todos – ou quase todos –, e algumas das práticas do
poder judiciário. Defende-se aqui que a linha teórica que possibi-
lita esta conexão entre jeito e o plano jurídico, ou seja, aquilo que
vela esta cínica união, é o pós-positivismo do Brasil.
Ao afirmar que o jeitinho é prática comum em todos os âm-
bitos sociais não se tem a ingênua ideia de que não existem de-
Artigos • 261
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
56 GOLDENBERG, Ricardo. No círculo cínico, ou, Caro Lacan, por que negar a
psicanálise aos canalhas? Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, p. 68.
6. Refêrencias Bibliograficas
ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1988.
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo,
2004.
BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Campus,
1992.
CRISTIANI, Claudio Valentim. O direito no Brasil colonial. In:
WOLKMER, Antonio Carlos (org). Fundamentos de história
do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
DAMATTA, Roberto. A casa & a rua. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico: introdução a uma te-
oria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São
Paulo: Método, 2006.
GOLDENBERG, Ricardo. No círculo cínico, ou, Caro Lacan,
por que negar a psicanálise aos canalhas? Rio de Janeiro: Re-
lume Dumará, 2002.
GUYOMARD, Patrick. A Lei e as leis. In: ALTOÉ, Sônia. A Lei e
as leis – Direito e Psicanálise. Rio de Janeiro: Revinter, 2007.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo. Rio de Ja-
neiro: Civilização Brasileira, 2000.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fon-
tes, 1998.
MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer
preço. Rio de
Janeiro: Companhia de Freud, 2003.
ROSENN, Keith S. O jeito na cultura jurídica brasileira. Rio de
Artigos • 263
Brasil, Jeitinho e Flexibilização da Ordem Jurídica
1. Introdução
Há um descrédito em relação à utopia herdado dos séculos
XIX e XX. As perversões totalitárias em suas diversas vertentes –
nazismo, stalinismo, fascismo –, os grandes planejamentos econô-
micos, políticos e sociais que não deram certo, as grandes guerras
que buscavam novas humanidades, tudo isso foi responsável por
considerar a utopia até mesmo a pior das projeções humanas. A
filosofia no século XIX e XX, de modo geral, abandonava a utopia
a uma espécie de metafísica de fantasias.
É contra a corrente desse pensamento, que se levantou Ernst
Bloch. Judeu alemão, nascido pobre, exilado ao tempo de Hitler,
perseguido na Alemanha Oriental pelos stalinistas, viveu 92 anos
de atividade intelectual e política com olhos voltados ao futuro.
Quando faleceu, no final da década de 70, havia conseguido res-
tituir para até então combalida idéia de utopia uma dignidade fi-
losófica ímpar.
Os temas principais da sua filosofia do direito, direito natu-
ral e dignidade humana, quando lidos apressadamente, permitem
até identificá-los com algum passadismo jusfilosófico. Muito pelo
contrário. Bloch critica o método jusnaturalista, e sua constru-
ção jurídica é, na verdade, uma dialética da dignidade. Talvez por
isso, poucos tenham atentado, até o presente, para sua imersão
profunda nos limites do discurso jurídico tradicional e para sua
postulação radical de uma sociedade sem domínio.
Hoje, uma filosofia jurídica que trate da utopia se revela uma
reflexão incômoda, mas necessária. Embora os tempos presentes
se anunciem como impossibilidade, há multidões de injustiçados,
explorados, angustiados, indignados e mesmo livres esperançosos
cujas energias acumuladas reclamam a possibilidade. A dialética
do amanhã novo saído das lutas de hoje ainda é um projeto de
muitos. Por estes, pensamentos como os de Bloch fazem sentido.
Artigos • 267
A utopia necessária de Bloch
Artigos • 269
A utopia necessária de Bloch
3.2 Conceituação
Para entender o pensamento de Marx, necessário se faz a con-
ceituação de ícones chaves em seu pensamento: um, as forças pro-
dutivas e outro, as relações sociais de produção.
A ação dos indivíduos sobre a natureza é expressa no conceito
de forças produtivas – o qual busca apreender o modo como aque-
les obtêm, em determinados momentos, os bens que necessitam e,
para isto, em que grau desenvolveram sua tecnologia, processos e
modos de cooperação, a divisão do trabalho, habilidades e conhe-
cimentos utilizados na produção, a qualidade dos instrumentos e
as matérias-primas de que dispõem. Esse conceito pretende, pois,
exprimir o grau de domínio humano sobre a natureza.
O conceito de relações sociais de produção refere-se às formas
estabelecidas de distribuição dos meios de produção e do produto,
e o tipo de divisão social do trabalho numa dada sociedade e em
um período histórico determinado. Ele expressa o modo como os
homens se organizam entre si para produzir e as diversas manei-
ras pelas quais os membros da sociedade produzem e repartem o
bolo.
O conjunto das forças produtivas e das relações sociais de pro-
dução de uma sociedade forma sua base ou estrutura que, por sua
vez, é o fundamento sobre o qual se constituem as instituições
Artigos • 271
A utopia necessária de Bloch
Artigos • 273
A utopia necessária de Bloch
Artigos • 275
A utopia necessária de Bloch
5. Conclusão
Pelos corredores do curso de direito da UFSC podem-se per-
ceber algumas características bem peculiares do pós-modernismo
contemporâneo. Nas primeiras fases do curso, todos os alunos es-
tão otimistas quanto às suas carreiras e ao futuro, mas, conforme
o tempo vai passando, o desânimo do pós-modernismo vai se fa-
zendo presente, dia após dia. Alguns chegam a largar ou trancar o
curso, outros persistem unicamente em busca do diploma.
Dá-se o que eu chamaria de síndrome do pessimismo platôni-
co. Platão em sua obra tinha ao começo, uma visão bastante oti-
mista com relação ao direito. Contudo essa visão mudou comple-
tamente depois que o filósofo viu seu mestre Sócrates condenado
a beber cicuta. Formalmente foi condenado pelo direito. Depois
de tal fato nada dentro do direito poderia ensejar uma boa inter-
pretação ao filósofo Platão.
Artigos • 277
A utopia necessária de Bloch
ta jurídica.
Não nos iludamos, Bloch não propõe a Revolução através do
direito. Muito pelo contrário, ele se vale de alguns princípios que
estão inseridos no conteúdo do direito como combustível para a
utopia concreta. Bloch propõe claramente aqui, a superação do
direito, reconhecendo neste, assim como Pachukanis, um fenô-
meno específico da sociedade burguesa, que não existiu antes do
capitalismo nem existirá após a sua abolição.
Para entender os planos de Bloch para o direito, necessário
se faz entender como Pachukanis entende o fenômeno jurídico.
Os marxistas consideram que o Direito é um conjunto de regras
impostas pelo Estado, que constrange os indivíduos a aceitá-las
servindo, assim, aos interesses da classe dominante. Nessa pers-
pectiva o Estado constitui uma “ditadura de classe”, que impõe as
normas jurídicas de forma coativa para garantir a dominação de
classe.
Pachukanis não se satisfaz com essa resposta genérica. Con-
sidera necessário analisar as peculiaridades do direito das socie-
dades capitalistas que o diferenciam de todas as demais. O direito
capitalista garante a igualdade e a liberdade de todos, ou seja, é
constituído por normas abstratas, que valem para todos e consa-
gram a “autonomia da vontade”.
Esses dois princípios explicam-se pela estrutura do sistema
capitalista. Como as mercadorias são trocadas igual por igual, no
capitalismo todos devem ser iguais para poder trocar as merca-
dorias igual por igual. Além disso, no capitalismo, o trabalhador
explorado não é constrangido a trabalhar, como acontecia nas
sociedades escravocratas e feudais. No capitalismo o trabalhador
não possui os meios de produção, pertencentes aos capitalistas, e
por isso deve procurar com a própria iniciativa os patrões explo-
radores, pedindo emprego. Por isso, o direito garante a liberdade
de todos.
Trata-se, porém, de uma liberdade e de uma igualdade pura-
mente formais, quase ilusórias. Na prática, o sistema capitalista
Artigos • 279
A utopia necessária de Bloch
6. Referências Bibliográficas
MASCARO, Alysson Leandro. Utopia e Direito, Ernst Bloch e a
Ontologia Jurídica da Utopia. São Paulo: Quartier Latin do Bra-
sil, 2008.
QUINTANEIRO, Tânia. Um Toque de Clássicos. Belo Horizonte:
UFMG, 2003.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Di-
reito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
PACHUKANIS, Evgeny Bronislavovich. Teoria Geral do Direito
e Marxismo. São Paulo: Acadêmica, 1988.
Guilherme Ricken 1
Abstract: This paper aims to discuss the elements of the “intercultural” constitu-
tionalism, a new legal and political movement put into practice in Latin America.
Through the analysis of the Ecuadorian Constitution of 2008 and the Bolivian
Constitution of 2009, we intend to show the legal possibilities for achieving eman-
cipatory practices concerning indigenous peoples, particularly those related to the
indigenous autonomy and jurisdiction.
Keywords: Latin America’s constitutionalism; interculturalism; plurinationali-
ty; indigenous peoples.
1. Introdução
Os Estados nacionais latino-americanos, assim como muitos
outros dentre aqueles situados nas demais partes da periferia do
capitalismo mundial, consolidaram suas bases políticas, jurídicas,
econômicas, sociais e epistêmicas sob o mito da homogeneidade
étnico-cultural. A independência desses países, interrompendo a
dominação – a de caráter oficial – exercida pelas potências euro-
péias, mostrou-se insuficiente para romper com o pensamento e
a prática colonialistas, mantendo, assim, relações desiguais de po-
der responsáveis por perpetuar a hierarquização, a inferiorização
e a subalternização do “outro”2.
Nesse desenvolvimento histórico, os povos indígenas, dotados
de cosmovisões alheias à racionalidade ocidental, foram alguns
dos maiores prejudicados. Aos índios foi legado o papel de meros
coadjuvantes no processo colonizador – isso quando não lhes era
reservada a exclusão pura e simples. Dessa forma, os descenden-
tes dos habitantes originários do sub-continente latino-america-
no encontram hoje sociedades incompatíveis com seus modos de
vida, além de confrontarem tentativas – abertas ou não – de silen-
ciamento de suas características culturais.
É de se constatar, contudo, que as atitudes tomadas pelas na-
ções indígenas não tiveram por marca a passividade. Ao contrá-
rio, tais grupos levaram adiante as lutas pela reivindicação de di-
reitos que consideravam seus, mas que lhes haviam sido negados
ao longo de séculos de espoliação. Assim, o movimento indígena
pôde lograr êxitos em relação a diversas de suas aspirações, mas
nunca pôde alcançar metas tão ambiciosas quanto a transforma-
ção e a refuncionalização da estrutura do Estado em sua totalida-
de, o que perpassa, indubitavelmente, pela questão das relações
interculturais.
No campo jurídico, certas novidades em relação ao trato com
2 “O ‘outro’ é o ‘aquém’ ou o ‘além’, nunca o ‘igual’ ao ‘eu’”. Cf. ROCHA, Everardo. O que é etno-
centrismo? 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 6.
2. O constitucionalismo intercultural
O Estado, do modo como é concebido atualmente, surgiu na
esteira da transição do Medievo para a Idade Moderna. Sua afir-
mação, entretanto, ocorreu usualmente de forma vertical e hie-
rarquizada, abarcando no interior das fronteiras então estabele-
cidas agrupamentos populacionais que apresentavam acentuadas
discrepâncias culturais entre si. Mesmo o advento da imprensa e a
massificação das redes de ensino tendo contribuído para a disse-
minação dos vernáculos nacionais, criando uma identidade cultu-
ral baseada em critérios linguísticos, ainda assim era comum en-
contrar, nos exíguos países da Europa moderna, diferenças entre
3 Aprovada pela Assembléia Constituinte em julho de 2008, foi também aprovada em referendo
popular em setembro de mesmo ano.
4 Aprovada pela Assembléia Constituinte em dezembro de 2007, foi, igualmente, referendada em
consulta popular em janeiro de 2009.
Artigos • 283
Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
Artigos • 285
Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
3. A autonomia indígena
Ao contrário dos movimentos nacionalistas do século XIX,
que buscaram, tanto na Europa como na América, a formação
de territórios independentes para os grupos étnicos descontentes
com as posições subalternas a eles reservadas em suas regiões, os
grupos indígenas, em sua maioria, não possuem anseios secessio-
nistas, desejando usualmente o reconhecimento de uma determi-
nada autonomia. Entretanto, a busca por autonomia tem percor-
rido caminhos diferentes na América Latina, tanto em função dos
entraves particulares encontrados em cada um dos Estados como
das vontades singulares dos diversos grupos indígenas.
Caracterizados enquanto minorias nacionais, os indígenas
aparecem como nações próprias dentro do Estado-nação14. Além
disso, as minorias indígenas apresentam uma característica em
comum, qual seja, “justamente o desejo de continuar sendo so-
ciedades distintas da cultura majoritária da qual formam parte;
Artigos • 287
Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
15 Idem.
16 BOLÍVIA. Constituição (07 fevereiro 2009). Constitución Política del Estado. Disponível em:
<http://www.presidencia.gob.bo/download/constitucion.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2009. Tradu-
ção nossa.
17 Idem. Tradução nossa.
3.1 Autogoverno
O autogoverno é o poder de gestão e administração dos pró-
prios assuntos. Os povos indígenas, embora, em sua maioria, es-
tejam cientes da cultura e do modo de vida ocidentalizado e, em
menor escala, estejam inseridos nesse mesmo modo de vida, não
deixaram de conservar elementos de autogoverno em suas pró-
prias comunidades. Apesar disso, a autonomia configura-se como
algo mais complexo e profundo, que depende das relações entre
os indígenas e os demais membros da sociedade nacional, para
que esta se proponha não a simplesmente reconhecer práticas já
existentes entre os povos autóctones, mas sim a modificar as ins-
tituições políticas tradicionais de modo a permitir a efetivação de
um autogoverno nas nações indígenas. No regime de autonomia,
os povos, com um autogoverno legítimo, participam tanto do jogo
de poder característico da política nacional como da partilha da
receita tributária do Estado, recebendo uma determinada quantia
em dinheiro para manterem suas atividades18.
Na Bolívia, o governo das autonomias indígenas será exerci-
do sob a tutela das próprias leis e costumes das nações por elas
abrangidas. Contudo, mesmo que a forma de organização social
e a resolução de conflitos sejam delimitadas pelo estatuto da co-
munidade, há de se ressaltar que os autogovernos indígenas ficam
sujeitos à Constituição do Estado19.
No Equador, os legisladores não reconheceram explicitamen-
te o direito coletivo ao autogoverno, nos termos desejados pelo
Artigos • 289
Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
3.2 Território
O território, por sua vez, é o âmbito no qual a coletividade
indígena exercerá seu autogoverno. Em relação ao sentido que
os povos indígenas dão ao território, cabe lembrar que ele não é
simplesmente uma ferramenta de reprodução da vida material do
grupo: o território é um recurso sociocultural, estando conectado
a um sistema de crenças mitológicas, conhecimentos tradicionais
e dependência da natureza22. Sem ele, não há como esperar que a
comunidade continue existindo, pois alterações concernentes ao
modo de relação com a terra implicariam em modificações pro-
fundas na própria dinâmica cultural do agrupamento indígena.
Além disso, a existência de um território implica diretamente
também na questão jurisdicional, uma vez que caberia aos povos
indígenas a manutenção do sistema de resolução de conflitos, fun-
damentado a partir das normas do grupo étnico23.
20 EQUADOR. Constituição (24 julho 2008). Constitución del Ecuador. Disponível em: <http://
www.asambleanacional.gov.ec/documentos/constitucion_de_bolsillo.pdf>. Acesso em: 25 abr.
2009. Tradução nossa.
21 Idem.
22 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Antropologia e diferença: quilombolas e indígenas
na luta pelo reconhecimento do seu lugar no Brasil dos (des)iguais. In: COLAÇO, Thais Luzia
(Org.). Elementos de Antropologia Jurídica. São José: Conceito Editorial, 2008. p. 143-148.
23 Zaffaroni, todavia, faz a ressalva de que a normatividade indígena não pode desrespeitar os Di-
reitos Humanos, tais como prever penas que envolvam açoitamento e outras violências físicas
e morais. Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Parte general del anteproyecto de reforma al
código penal de Bolívia: conforme a las resoluciones adoptadas en las reuniones de Santa Cruz
de la Sierra (2008) y Buenos Aires (2008 y 2009). Com los ensayos introductorios inéditos del
prof. Eugenio Raúl Zaffaroni. Disponível em: <http://portal.uclm.es/portal/page/portal/IDP/
BOLIVIA/Bolivia%20Anteproyecto%20Parte%20General%20version%20final.pdf>. Acesso
em: 11 ago. 2009.
24 BOLÍVIA, op. cit.
25 EQUADOR, op. cit.
Artigos • 291
Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
26 Idem.
27 SÁNCHEZ, op. cit., p. 74.
Artigos • 293
Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
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Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
4. A jurisdição indígena
O exercício da jurisdição surge, no pensamento monista-po-
sitivista preponderante na seara jurídica ocidental, como um dos
dogmas do protagonismo estatal no campo das relações intersub-
jetivas. Conforme as concepções tradicionais, cabe ao Estado, em
seu território, o monopólio da produção normativa, não sendo
aceito qualquer concorrente no que concerne à criação e execu-
ção do Direito, bem como à manutenção do aparato jurisdicional,
ocorrendo, em caso contrário, violação da soberania estatal.
38 Idem.
39 WILHELMI, op. cit., p. 149.
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Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
42 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico. In: BARRETTO, Vicente de Paulo (Coord.).
Dicionário de Filosofia de Direito. São Leopoldo: Unisinos, 2006. p. 637-640. Grifos do autor.
43 No primeiro grupo aparecem Brasil, Argentina, Chile, Panamá e Costa Rica. No segundo, Pa-
raguai e Guatemala. No último, México, Colômbia, Venezuela, Peru, Equador e Bolívia. Cf.
ALMEIDA, op. cit., p. 33. A autora ressalva que, no Brasil, os sistemas jurídicos dos povos indí-
genas são reconhecidos pelo Estatuto do Índio (lei n° 6.001/73), embora de maneira restrita.
44 BOLÍVIA, op. cit.
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Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
cionais. (...)49
5. Considerações finais
Os marcos fundadores dos Estados nacionais da América La-
tina, baseados em matrizes político-jurídicas coloniais eurocên-
tricas, continham premissas que, costumeiramente, não eram
verificadas no mundo real. Uma dessas premissas era a da homo-
geneidade étnico-cultural, a qual prometia conformar, dentro de
um mesmo território, uma população que compartilhasse de uma
mesma herança em matéria de costumes, crenças, mitologias e
carga genética. Todavia, o que se viu foram países formados por
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Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
6. Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Marina Corrêa de. O pluralismo jurídico na Amé-
rica Latina: uma teoria para a descolonização do Direito de-
monstrada na experiência indígena. 2009. 134 f. Monografia
(Bacharelado) - Curso de Direito, Departamento de Direito,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
BOLÍVIA. Constituição (07 fevereiro 2009). Constitución Políti-
ca del Estado. Disponível em: <http://www.presidencia.gob.bo/
download/constitucion.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2009.
BRITO, Antonio José Guimarães. Estado Nacional, etnicidade e
autodeterminação. In: COLAÇO, Thais Luzia (Org.). Elemen-
tos de Antropologia Jurídica. São José: Conceito Editorial,
2008. p. 59-73.
CARVALHO, Lucas Borges de. Direito e barbárie na conquista da
América indígena. Seqüência: revista do curso de pós-gradu-
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2004.
COSTA, Adailton Pires. Questão nacional e ideologia: o ressur-
gimento das identidades nacionais no séc. XXI. In: TAVARES,
Elaine (Org.). Anais das 4. Jornadas Bolivarianas – Nações e
nacionalismos na América Latina. Florianópolis, Instituto de
Estudos Latino-Americanos, 2008. Disponível em: <http://
www.iela.ufsc.br/cd2008/artigos/JornadasBolivarianas_Ques-
tao_nacional_e_ideologia_2008.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2009.
EQUADOR. Constituição (24 julho 2008). Constitución del Ecu-
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Constitucionalismo intercultural: Possibilidades para a emancipação
indígena na América Latina
Abstract: This work aims to demonstrate that both R. Lyra Filho and Pachukanis
intend to analyse law dialetically and have got a strong marxist influence. Howe-
ver their definition of law is extremelly different. That is not because they have
different sights form the same object but because they identifie different objects
as law.
1. Introdução
O presente trabalho trata de utilizar como aporte teórico a
obra “Teoria Geral do Direito e Marxismo” de E. Pachukanis para
lançar um olhar sobre os conceitos de Roberto Lyra Filho e nasce
do desejo de aproximar a obra dos dois autores. Como veremos
ao longo do artigo, esse empreendimento tem limites teóricos in-
transponíveis, muito embora um leitor desavisado possa acreditar
possível um diálogo extenso entre a obra dos dois autores. Afinal,
ambos os autores pretendem uma análise dialética do Direito, não
identificam o Direito com a Lei e nem mesmo o Direito com o Es-
tado. É bem possível que, senão um diálogo, o encontro das duas
obras propicia um debate intenso, debate esse que apresentaremos
aqui.
Para que seja possível aproximarmos e confrontarmos os dois
autores é proveitoso, antes, apresentarmos separadamente o con-
ceito de direito com que trabalha cada autor. Portanto, o artigo
será estruturado com os seguintes pontos: 1)Pachukanis e o direi-
to como fenômeno burguês; 2)Lyra Filho e o Direito como Justiça
Social; 3)Pachukanis e Roberto Lyra Filho: duas posições inconci-
liáveis?; 4)A importância histórica do aporte teórico lyriano; exis-
tindo, por fim, a conclusão.
É fato de que a obra dos dois autores não é de fácil acesso, sen-
do ainda mais escassa a existência de comentadores propriamente
ditos – fatos esses que não impossibilitaram o desenvolvimento da
pesquisa, muito embora tenham demandado algum tempo mais
em sebos e bibliotecas.
É importante ressaltar que, no que toca Pachukanis, a autora
utilizou como ponto principal, como já foi dito, a obra “Teoria Ge-
ral do Direito e Marxismo” e isso não se deu por acaso: a obra do
autor sofreu severas mudanças teóricas ao longo de sua vida, mu-
danças essas atribuídas a tentativa do autor de adequar sua obra às
concepções stalinistas de socialismo. Informa a autora, desde já,
que trabalhará com o “jovem pachukanis”, leia-se pré-1930.
2 “Enquanto marxista não me obriguei a construir uma teoria da jurisprudência pura e sequer
poderia, como marxista, fixar-me semelhante tarefa. [...]. Este objetivo era o de dar uma inter-
pretação sociológica da forma jurídica e das categorias específicas que a exprimem” (Pachuka-
nis, p.66)
3 Este conjunto de fenômenos apreende: 1) consolidação da propriedade privada; 2) fim da ser-
vidão e das relações de domínio; 3) existência de toda propriedade enquanto propriedade mo-
biliária; 4) preponderância das relações obrigacionais; 5) poder político como particular forma
de poder (divisão relações publicasXprivadas e direito publicoXprivado).
4 Pachukanis critica as teorias sociológicas e psicológicas do Direito, pois elas buscam explicar
o direito como um fenômeno real mas esquecem da forma jurídica, não equacionando o pro-
blema da forma correta – e a muitos marxistas bastou inserir nessa perspectiva a luta de classes
para que achassem que, então, tratavam de uma teoria verdadeiramente marxista
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Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
5 “A forma mais desenvolvida permite-nos compreender os estágios anteriores onde ela surge
unicamente na forma embrionária. A evolução histórica posterior põe a descoberto, simultane-
amente, as virtualidades que já se podiam divisar num passado longínquo” (Pachukanis, p.35)
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Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
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Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
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Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
6 E de agora em diante, quando nos referirmos à troca estaremos nos referindo à forma troca
própria da sociedade capitalista.
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Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
7 “Outra dificuldade consiste em que o jurista, traçando com mais ou menos sucesso um limite
empírico entre as instituições do direito público e do direito privado, depara novamente, dentro
dos limites de cada um destes dois domínios, com o mesmo problema que parecia estar já resol-
vido, mas desta vez a partir de uma outra problemática abstrata. O problema surge nesse mo-
mento como uma contradição entre o direito subjetivo e o direito objetivo. Os direitos públicos
subjetivos representam novamente os mesmos direitos privados (e por conseguinte também os
mesmos interesses privados) ressurgidos e somente um pouco modificados, eu se comprimem
numa esfera onde deveria prevalecer o interesse geral impessoal estabelecido pelas normas do
direito objetivo” (Pachukanis, p.63)
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Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
8 A única ressalva que faz é em relação às sociedades primitivas, nas quais não teria existido Direito.
9 Onde estaria o Direito,por exemplo, na Grécia Antiga ou em Roma, durante as invasões Bárba-
ras, para onde apontaria o vetor da liberdade, nesse caso? Cabe a quem julgar isso?
10 Diz o autor que a pluralidade de ordenamentos é própria de uma sociedade dividida em classes
e que, por assim ser a sociedade do nosso espaço e do nosso tempo -ainda que o discurso oficial
não o diga - plurais são os nossos ordenamentos. O próprio direito oficial – direito “positivo”
– já pressupõe a existência de outros Direitos que não o positivo, caso contrário o adjetivo não
seria necessário.
E por fim – e em terceiro lugar – diz ela que o foco que tem
as relações sociais e políticas entre classes, grupos e Estados dife-
rentes como campo do Direito explicita as contradições entre lei e
justiça, e permite “abrir a consciência tanto quanto a prática para
a superação dessas contradições. Isso significa abrir o Direito para
a História e, nessa ação, para a política transformadora” (Chauí
p.26)
Para Lyra, a visão dialética alarga o foco do Direito, engloban-
do as pressões coletivas (até mesmo as normas não-estatais de
classe e grupos espoliados e oprimidos) existentes na sociedade
civil. Mais uma vez percebemos que, para ele, o verdadeiro Di-
reito – aquele que indica princípios e normas libertadores - não
pode ser restrito a produção legislativa. Uma teoria realmente dia-
lética seria capaz de acabar com a divisão estanque entre direito
positivo e direito natural, mantendo certos aspectos de cada um e
reenquadrando-os em uma visão superior. Nessa teoria, o Direito
“se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e
conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da
Justiça Social que nelas se desvenda. Por isso, é importante não
confundi-lo com as normas a que venha ser vazado, com nenhuma
das séries contraditórias de normas que aparecem na dialética social
”(Lyra Filho, 1982-A, p.88)
11 Afirmação com a qual a presente autora não concorda e que trataremos de analisar mais adiante.
Artigos • 323
Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
social e que
“a tarefa é criar uma ciência jurídica sem dogmas, analítica e crítica
ao mesmo tempo, no inextrincável enlace que reclama investigação
sociológica e abordagem de normas, com vistas à totalização numa
filosofia dialética do direito. Mas para não servir, a seu turno, de es-
cape idealista, essa posição deve,antes de tudo, voltar-se para o pro-
cesso conflitivo, esboçado na práxis social, e a conscientização dos
bloqueios estruturais impedindo o encontro de novas, mais justas
e racionais ordenações, a partir da infra-estrutura” (Lyra Filho, 1980,
p.42)
13 O fato de que o direito positivo serve à burguesia pode não ser óbvio para o jurista atual mas já
estava claro para a aristocracia feudal alemã quando do embate entre Savigny e Thibaut. Tendo
a formalização do direito a missão de acabar com os resquícios feudais, Thibaut defendia a
codificação do direito na Alemanha (seguindo os moldes franceses) e Savigny – defendendo o
modelo aristocrático-feudal – se opõe a esse projeto que considera, até mesmo, subversivo.
Artigos • 327
Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
14 Perceba-se, então, que enquanto um autor localiza o Direito em determinado período histórico,
o outro trata de torná-lo imanente à vida em sociedade.
Artigos • 329
Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
fora dela não tem sentido. No fundo, o conceito de justiça não con-
tém, essencialmente, nada de novo com relação ao conceito de
igualdade de todos os homens, anteriormente analisado. Eis a razão
por que é ridículo ver contido na idéia de justiça qualquer critério
autônomo e absoluto” (Pachukanis, p.112-113)
********
Expostas todas as contradições, chegamos ao ponto-chave do
artigo: a autora entende que os dois autores não possuem dife-
rentes visões do fenômeno jurídico (como se o Direito fosse um
objeto visto em paralaxe), mas, sim, identificam diferentes signifi-
cados com o mesmo significante. Vejamos.
Pachukanis recorta e nos expõe o momento histórico do direi-
to e sua forma. Enquanto Lyra Filho dá o nome de Direito à von-
tade por liberdade e a luta por igualdade. A autora se filia, como
o leitor deve ter percebido, à Teoria Pachukaniana. Mas não o faz
para desconstruir a Teoria Lyriana e deixá-la à mercê de toda e
qualquer crítica. Pelo contrário, trata-se de desconstruí-la para
depois reerguê-la de tal forma a mostrar o papel de luta que a
mesma desempenhou e desempenha.
Artigos • 331
Uma análise Pachukaniana do conceito de direito de Roberto Lyra Filho
6. Referências Bibliográficas
Lyra Filho, Roberto. Para um Direito sem Dogmas. Porto Alegre:
S. A. Fabris, 1980.
Lyra Filho, Roberto. Razões de Defesa do Direito. Brasília: Obrei-
ra, 1981.
Lyra Filho, Roberto. Problemas Atuais do Ensino Jurídico. Bra-
sília: Obreira, 1981.
Lyra Filho, Roberto. O que é Direito. São Paulo: Brasiliense, 1982 - A.
Lyra Filho, Roberto. Normas Jurídicas e Outras Normas Sociais,
in Direito & Avesso, Boletim da Nova Escola Jurídica Brasileira,
ano I, n.º 1, Brasília, Edições Nair, 1982 - B.
Lyra Filho, Roberto. Direito do Capital e Direito do Trabalho.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1982 - C.
Lyra Filho, Roberto. Karl, meu amigo: Diálogo com Marx sobre
o Direito. Porto Alegre, co-edição S. A. Fabris e Instituto dos
Advogados do Rio Grande do Sul, 1983.
Lyra Filho, Roberto. Pesquisa em que Direito? Brasília: Edições
Nair, 1984.
Lyra Filho, Roberto. Por que Estudar Direito, Hoje? Brasília:
Edições Nair, 1984.
Lyra Filho, Roberto. Desordem e Processo. Porto Alegre: S. A.
Fabris, 1986.
Naves, Márcio Bilharinho. Marxismo e Direito – um estudo so-
bre Pachukanis. São Paulo: Boitempo,2008.
Pachukanis, E.B. Teoria Geral do Direito e Marxismo. SP: Edito-
ra Acadêmica, 1988. Tradução:Silvio Donizete Chagas
Artigos • 333
Violência estrutural e direito:
Incidentes para além de Antares
Resumo: Esse artigo tem como objetivo analisar a obra Incidente em Antares
de forma tal que possibilite reflexões sobre a prática jurídica penal. Utilizando
conceitos e teorias da Criminologia Crítica, busca-se compreender o Direito como
instituto não dissociado de uma realidade social, mas, antes, como discurso e
prática de conservação das desigualdades existentes.
Palavras-chave: Criminologia Crítica. Teoria do Direito. Literatura. Ditadura.
Abstract: This article aims to analyze the book Incidente em Antares in such a
way that allows reflection on the criminal law practice. Using concepts and theo-
ries of Critical Criminology, we seek to understand how the Law is not divorced
from social reality, but rather as discourse and practice conservation of existing
inequalities.
Keywords: Critical Criminology; Theory of Law; Literature; Dictatorship.
1. Introdução
A Literatura se mostra, de forma geral, mais do que uma ati-
vidade criativa: é um espaço de vislumbre para a própria condi-
ção de ser humano. Dessa maneira, dialoga com nossos anseios,
angústias, desejos e valores. Há, entretanto, um tema complexo
não muito abordado em nossas leituras: a política. A Literatura
não pode deixar de construir personagens e tramas tão complexos
1 Graduando da quarta fase do Curso de Direito da UFSC. Integrante, e Bolsista PIBIC, do Grupo
de Pesquisa de Direito & Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina – Literato.
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
2. A obra
O narrador de Incidente em Antares é onisciente, o que signi-
fica dizer que não é uma obra em primeira pessoa, assim como,
também, não está focado somente a partir de um personagem.
Por ser formado de pequenas cenas, ao invés de capítulos, o livro
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Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
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Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
Artigos • 345
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
– Não.
– E você também sabia muito bem que eu não cometi nenhum cri-
me.
9 Depoimento do deputado federal Jair Bolsonaro, em 2008, como resposta a civis contrários à
tortura militar de 64.
10 Neste artigo foram utilizadas as obras Brasil Nunca Mais (19ª edição) e Combate nas Trevas (1ª
edição), de Jacob Gorender. Também contribuiu com dados o livro, organizado pela Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Direito à Memória e à Verdade.
Devemos ter em mente que, muito provavelmente, os valores reais são muito superiores aos
apresentados aqui, tendo em vista que as autoridades militares tiveram ampla possibilidade de
adulterar documentos analisados.
11 Como a tortura tem conseqüências complexas, estima-se que muitas vítimas não foram incluí-
das nestes dados por conta do medo de denunciar seus torturadores.
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Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
Artigos • 349
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
13 ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. 2ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1979; p.31. “A
perda, talvez inevitável em termos de realidade política, consumou-se, de qualquer modo, pelo
olvido, pelo lapso de memória que acometeu não apenas os herdeiros como, de certa forma, os
atores, (...). Isso porque a memória, que é apenas um dos modos do pensamento, embora dos
mais importantes, é impotente fora de um quadro de referência preestabelecido, e somente em
raríssimas ocasiões a mente humana é capaz de reter algo inteiramente desconexo.”
14 Poeta francês o qual teve importante participação no movimento surrealista na França; famoso
por integrar e escrever sobre a resistência de seu país durante a Segunda Guerra Mundial.
15 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima: Códigos da
Violência na Era da Globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; p.35.
Artigos • 351
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
16 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima: Códigos da
Violência na Era da Globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; p.39-45.
17 CPI organizada pela Câmara dos Deputados Federais. Disponível em: http://bd.camara.
gov.br/bd/handle/bdcamara/2701. Acessado em 11 de abril de 2010. Páginas 72-75.
18 PIERANGELI, José Henrique e ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de Direito Penal Brasi-
leiro V.1 – Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008; p.71.
Artigos • 353
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
Artigos • 355
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
5. Conclusão
O presente artigo buscou o uso do exagero, assim como o faz
Érico Veríssimo, para escancarar uma realidade tida por absurda
e inverossímil, pelo menos no âmbito do discurso. Aproximar o
Direito da Literatura, para muitos, é uma tarefa infrutífera e não
passa de mera perfumaria acadêmica ou, quando muito, um mero
exercício intelectual. Levantar questionamentos sobre a violência
do Estado Democrático de Direito contemporâneo através de uma
comparação com a Ditadura Militar, também para muitos, não é
só uma atividade absurda: é algo que beira o maldito ou o antide-
mocrático. Quem sabe para estes, acreditar que o Direito possa
ser usado como ferramenta de dominação seja tão absurdo quan-
to dar ouvidos a uma verdade subversiva proferida pela boca de
mortos-insepultos.
Não é o que nos mostra Antares. Não é o que nos mostra o
Brasil.
Artigos • 357
Violência estrutural e direito: Incidentes para além de Antares
6. Referências Bibliográficas
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x
Cidadania Mínima: Códigos da Violência na Era da Globaliza-
ção. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
.___. A Ilusão da Segurança Jurídica: do Controle da Violência
à Violência do Controle Penal. Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado, 1997.
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. 2ª edição. São
Paulo: Perspectiva, 1979.
BASTOS, Alcmeno. O jogo do real e do irreal em Incidente em
Antares, de Érico Veríssimo. Disponível em: http://www.alcmeno.
com/html/textos/. Acesso em 11 de abril de 2010.
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O Pluralismo Jurídico na América Latina:
O atual reconhecimento Constitucional da
legalidade e jurisdição indígena e seus limites
Resumo: Este Trabalho tem por objetivo demonstrar que a percepção da crise e
esgotamento do modelo jurídico liberal-individualista obriga a busca de novos
padrões normativos que possam melhor solucionar as demandas específicas ad-
vindas da produção e concentração do capital, das profundas contradições sociais
e da permanente crise institucional. Busca-se firmar o entendimento de que os
Estados latino-americanos, por sua formação colonial, possuem uma diversidade
étnica e cultural que acabou por produzir Nações com especificidades que neces-
sitam ser relevadas na formação de seus sistemas jurídicos, que acabaram por ser
reconhecidas tanto internacionalmente (OIT e ONU) como constitucionalmente
em alguns países latino-americanos. A partir de então, os Estados da América
Latina que reconheceram o pluralismo jurídico, representado pelo direito consue-
tudinário indígena, enfrentam um novo desafio: compatibilizar o direito oficial
estatal com o direito e jurisdição de seus povos originários.
Palavras-chave: Pluralismo Jurídico, Direitos Indígenas, Constituição
Abstract: This work aims to demonstrate that the perception of crisis and exhaus-
tion of the liberal-individualistic legal pattern obligates to seek new normative
standards that can better address the specific demands arising from the produc-
tion and concentration of capital, the deep social contradictions and the ongoing
institutional crisis. We seek to confirm the understanding that the Latin American
states, for its colonial formation, have an ethnic and cultural diversity that even-
tually produced Nations with specificities that need to be into prominence in the
formation of legal systems which were eventually recognized both internationally
(ILO and UN) as constitutionally in some Latin American countries. Since then,
the Latin American states which have recognized legal pluralism, represented by
indigenous customary law, they face a new challenge: to reconcile the official state
law with law and jurisdiction of their native peoples
Keywords: Legal pluralism, Indigenous Peoples Law, Constitution
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O Pluralismo Jurídico na América Latina: O atual reconhecimento
Constitucional da legalidade e jurisdição indígena e seus limites
pam (artigo 14, item 1), ou o direito a decidir suas próprias prio-
ridades no que se refere ao processo de desenvolvimento (artigo
7º, item 1)5.
O importante a ressaltar é que o Convênio 169, sobretudo em
seus artigos 8º, 9º e 10, possibilitou aos Estados estabelecer no-
vas relações entre o direito consuetudinário indígena e o sistema
jurídico estatal, estabelecendo a forma e os limites de reconhe-
cimento do direito e jurisdição indígena. Segundo Mallol6, este
reconhecimento se estabelece em três níveis: no reconhecimento
da originalidade, por quanto o direito indígena existe como sis-
tema jurídico original dos povos indígenas; no reconhecimento
da complementaridade, posto que o direito indígena convive com
o direito estatal e no reconhecimento das contradições, ao pres-
crever que o direito e a jurisdição indígena serão respeitados na
medida em que não resultem incompatíveis com os direitos hu-
manos.
Os limites estabelecidos para o direito e jurisdição indígenas
estão bem explícitos no artigo 8º, item 27:
Dichos pueblos deberán tener el derecho de conservar sus costum-
bres y instituiciones proprias, siempre que estas no sean incom-
patibles con los derechos fundamentales definidos por el sistema
jurídico nacional ni con los derechos humanos internacionalmente
reconocidos.
Artigos • 365
O Pluralismo Jurídico na América Latina: O atual reconhecimento
Constitucional da legalidade e jurisdição indígena e seus limites
10 Idem. p. 157
11 ASSIES, Willem e GUNDERMEN, Hans (eds). Movimientos Indígenas y Gobiernos Locales en
America Latina. San Pedro de Atacama: IIAM, 2007. p14.
12 CLAVERO, Bartolomé. Derechos Indígenas y Constituiciones latinoamericanas.In: BERRA-
ONDO, Miguel (coord). Pueblos Indígenas y derechos humanos. Universidad de Deusto: Ins-
tituto de Derechos Humanos. p.330.
Artigos • 367
O Pluralismo Jurídico na América Latina: O atual reconhecimento
Constitucional da legalidade e jurisdição indígena e seus limites
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O Pluralismo Jurídico na América Latina: O atual reconhecimento
Constitucional da legalidade e jurisdição indígena e seus limites
16 dem. p. 13
17 Idem. p.14
18 BELLO, Álvaro. Etnicidad y ciudadanía em América Latina: la acción colectiva de los pue-
blos indígenas. Santiago de Chile: CEPAL, 2004. p. 18
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O Pluralismo Jurídico na América Latina: O atual reconhecimento
Constitucional da legalidade e jurisdição indígena e seus limites
22 MALLOL, Op.cit.p.152
pueblos indígenas como para los vecinos con los cuales conviven.23
Artigos • 373
O Pluralismo Jurídico na América Latina: O atual reconhecimento
Constitucional da legalidade e jurisdição indígena e seus limites
26 Idem. p. 3
27 Sentença T- 496 de 1996. Disponível em: http://www.corteconstitucional.gov.co/
relatoria/1996/T-496-96.htm. Acessado em 25.10.09
28 Idem.
29 Idem.
30 MALLOL, Op.cit
31 Sentença T 496/96. Disponível em: http://www.corteconstitucional.gov.co/
relatoria/1996/T-496-96.htm. Acessado em 25.10.09
32 Idem. p. 135
Artigos • 375
O Pluralismo Jurídico na América Latina: O atual reconhecimento
Constitucional da legalidade e jurisdição indígena e seus limites
O último aspecto que não deverá ser esquecido por esta lei é
o do reconhecimento das decisões tomadas no seio da jurisdição
indígena sem que se estabeleçam novos requisitos que, na prática,
possam significar em desconhecimento da efetividade jurisdicio-
nal indígena ou que coloquem tal jurisdição em grau de instância
inferior. Por esta razão, o uso das palavras ratificação ou homolo-
gação deverão ser evitados por parte das instâncias oficiais33.
Mallol34 entende que as decisões indígenas, com o único fim
de que possam repercutir e ter eficácia fora da comunidade de
origem, podem ser reconhecidas pela jurisdição estatal, mediante
um mero trâmite formal, em que se comprovaria que a decisão em
concreto e transitada em julgado foi ditada por uma autoridade
indígena no exercício de sua função jurisdicional.
A vigência efetiva do reconhecimento da jurisdição especial
e dos direitos indígenas está inserta em um novo marco maior
que é o da construção de Estados Pluriculturais. Construção que
implica em um novo modelo de redistribuição de poder, de des-
centralização, de se redesenhar a relação do Estado com os po-
vos indígenas, de se implementar a consulta e participação cidadã
para o manejo da coisa pública, enfim, de um novo modelo de
democracia, a multicultural.
Referências Bibliográficas
ASSIES, Willem e GUNDERMEN, Hans (eds). Movimientos In-
dígenas y Gobiernos Locales en America Latina. San Pedro de
Atacama: IIAM, 2007
BELLO, Álvaro. Etnicidad y ciudadanía em América Latina: la
acción colectiva de los pueblos indígenas. Santiago de Chile:
CEPAL, 2004.
CLAVERO, Bartolomé. Derechos Indígenas y Constituiciones
33 FAJARDO, Raquel Y. In: GARCÍA, Manoel Calvo (coord). Op. cit. p. 246
34 MALLOL, Vicente C. 2004. p. 141
Artigos • 377
Direito como suposta ciência jurídica: Análise
de uma ontologia de cristalização do sujeito
Abstract: This article seeks to put into discussion the law as the result of ways of
being, that is not independent of factors that, in Heidegger’s ontology, are only
incidental: in reality it is a suposed science conditioned by man and consequen-
tly is at the mercy of its indeterminacy and counciousness of its time. Thus, it is
the coming-into-being as the true determinant. The law, therefore, can only serve
man and elevate it to their own condition when product of the revolt and the ra-
dicalization of the traditional questions.
Keywords: Coming-into-being; Freedom; Heidegger’s Ontology; Legal Posi-
tivism.
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cristalização do sujeito
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cristalização do sujeito
2 O termo pre-sença deve ser entendido como sinônimo de ser-aí, traduções distintas de Dasein.
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cristalização do sujeito
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cristalização do sujeito
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cristalização do sujeito
6. Referências Bibliográficas
AGUIAR, Roberto A. R. de. O que é Justiça: Uma abordagem
dialética. 2ª Ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1987.
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. 4ª Ed. Rio de Janeiro - São
Paulo: Editora Record, 2007.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 6ª Ed. Petrópolis: Vozes,
1997.
KELSEN, Hans. O que é Justiça? 1ª Ed. São Paulo: Editora Mar-
tins Fontes, 1997.
ZIZEK, Slavoj. Democracia Corrompida. Disponível na Inter-
net via http://slavoj-zizek.blogspot.com/2010/07/o-vizinho-de-
burka-slavoj-zizek.html, acessado no dia 25/08/2010.
ZIZEK, Slavoj. O que significa ser revolucionário hoje? Dispo-
nível na Internet via http://slavoj-zizek.blogspot.com/2010/01/
transcricao-do-debate-what-does-it-mean.html, acessado no
dia 25/08/2010.
Abstract: This article intends to situate the complex of law in the Ontology of the
social being by György Lukács. From the way which takes the Hungarian philoso-
pher towards the elaboration of his ontology, some aspects of the complex of law
are characterized in the latest work of Lukács, like the relation between base and
superstructure, the relative autonomy of law and the connections between the
spheres of law and politics.
Keywords: Lukács, ontology, social being, law.
1. Introdução
Responsável pela elaboração de uma das mais originais con-
tribuições à tradição marxista, o filósofo húngaro György Lukács
(1885-1971) – como é nota comum na história do pensamento
marxista – jamais dedicou um trabalho especificamente ao trata-
mento da questão jurídica, apesar de ter obtido sua primeira gra-
duação em ciência jurídica e política e da convivência em Heidel-
berg com figuras como Weber, Jellinek, Kelsen, Lask e Radbruch.
(VARGA, 1980).
Entretanto, a partir da trajetória política e acadêmica de
Lukács, são-nos fornecidos elementos para uma compreensão do
fenômeno jurídico, sobretudo do ponto de vista metodológico,
em História e consciência de classe (1923), A destruição da razão
(1954) e, principalmente, em Para a ontologia do ser social – obra
de sua maturidade.
O presente trabalho pretende, de forma analítica, abordar al-
guns aspectos da caracterização do complexo jurídico a partir da
Ontologia do Ser Social.
A concepção madura de Lukács a respeito do direito, nesse
sentido, reveste-se de uma importância dupla.
Internamente àquilo que se denominou tradição marxista, a
compreensão de Lukács acerca da esfera jurídica – sem perder de
vista a prioridade do momento de produção material da vida –
fornece uma alternativa às concepções deterministas que vêem no
direito um mero reflexo superestrutural de relações econômicas
inerentes ao modo de produção capitalista, bem como à disso-
lução do sujeito e à desistoricização promovidas pelo marxismo
althusseriano.
Do ponto de vista da crítica do direito e das instituições bur-
guesas, a obra de Lukács é do mesmo modo implacável ao en-
frentar tanto o normativismo kelseniano quanto o decisionismo de
Carl Schmitt, e ao conceber o caráter alienado da regulação social
levada a cabo pelo direito, sem por isso resvalar em mecanicismos.
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Notas sobre a constituição do complexo jurídico na Ontologia do Ser
Social de György Lukács
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Social de György Lukács
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Social de György Lukács
4 Ao reconhecer no trabalho uma esfera de mediação ineliminável do ser social, enquanto inter-
câmbio orgânico entre homem e natureza, não se pode confundi-lo como as formas historica-
mente específicas que o trabalho assume no seio do modo de produção capitalista, associado à
produção da mais-valia. É o que afirma Marx em O Capital: “O trabalho, como criador de valo-
res-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as
formas de sociedade, - é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o
homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana”. (1985, p. 50). Válido remeter, aqui,
também à tese de doutorado do Professor Sérgio Lessa, Mundo dos homens (2002b, p. 27-47), a
respeito da distinção entre trabalho e trabalho abstrato (produtivo e improdutivo) e às relações
entre a centralidade ontológica da categoria trabalho, a centralidade quotidiana do emprego e a
centralidade política da classe trabalhadora.
Artigos • 403
Notas sobre a constituição do complexo jurídico na Ontologia do Ser
Social de György Lukács
5 “I could perhaps say that mediation is the process-like medium in which the interaction of
complexes takes place”. (VARGA, 1985, p.109)
6 “Il funzionamento del diritto poggia dunque sul metodo seguente: manipulare um turbine di
contraddizioni in modo tale che ne sorga un sistema soltanto unitario, ma anche capace di
regolare praticamente il contradditorio accadere sociale tendendo all’otimo, di muoversi ogni
volta con elasticitá fra poli antinomici (por esempio, nuda violzenza e convinta volontá confi-
nante con la morale), al fine de produrre – nel corso di continui spostamenti d’equilibrio entro
un dominio di classe in lenta o rapida trasformazione – ogni volta le decisioni e gli stimoli alla
prassi sociale piú favorevoli a quella societá”.
Artigos • 405
Notas sobre a constituição do complexo jurídico na Ontologia do Ser
Social de György Lukács
7 Tradução do autor. Trecho original: “This concrete dialectic has consequences. Firstly, the su-
perstructure is not the ‘creation’ of the base, consequently it cannot be maintained that one par-
ticular superstructure necessarily ‘corresponds’ to a particular base. Secondly, the relationship
of the base and the superstructure cannot be seen as a sort of value-hierarchy either. This does
not mean, of course, that the economic sphere is not a decisive (overriding) element in the
social total process. It only means that the problem of the ontological primacy itself can reaso-
nably be raised on the sole basis of the acknowledgement of the inseparable coexistence of base
and superstructure”.
8 Tradução do autor. Trecho original: “[...] giá da queste scarse e frammentarie indicazioni pos-
siamo trarre uma conseguenza di rilievo circa il funzionamento e la riproduzione dei complessi
sociale parziali: cioè, la necessita ontológica di una loro relativa autonomia e devoluta specifitá
non prevedibile e non adeguadamente afferabile in termini logici, ma razionale dal punto di
vista dell’ontologia della società.”
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Notas sobre a constituição do complexo jurídico na Ontologia do Ser
Social de György Lukács
12 Tradução do autor. Trecho original: “This reality conflicts with the lawyers ideology about the
autonomy of law and his logical application. The ideology in question is based in a false cons-
ciousness, yet from an ontological point of view it has a real task: namely, as a kind of profes-
sional ideology, it is expected to transmit and help to implement on the practice the rules of the
game, i.e., the declared principles of functioning or a given profession”.
4. Considerações finais
A abordagem ontológica proposta por Lukács, em termos
gerais, cumpre a importantíssima tarefa de se contrapor – sem,
para isso, escapar ao marxismo – a uma concepção teleológica da
história e a um rígido determinismo econômico unívoco que, se-
gundo Tertulian (1996, p. 60), atua “tirando a eficácia dos outros
complexos da vida social”.
Rompe-se, assim, com deformações de uma certa vulgata
marxista que, no plano teórico, operaram profundos empobreci-
mentos e, na história, fundamentaram experiências que vieram a
410 • Revista Discenso
Marcel Soares de Souza
Artigos • 411
Notas sobre a constituição do complexo jurídico na Ontologia do Ser
Social de György Lukács
5. Referências
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O direito no jovem Lukács. São Paulo:
Editora Alfa-Ômega, 2006.
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ociden-
tal. São Paulo: Brasiliense, 1989.
COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade
de poderes e outros ensaios. 3ª edição. São Paulo: Editora Cor-
tez, 2008.
EAGLETON, Terry. A ideologia e suas vicissitudes no marxismo
ocidental. In: ZIZEK, Slavoj (Org.). Um mapa da ideologia. Rio
de Janeiro: Contraponto, 2007.
KAMENKA, Eugene. Lukács and law. Australian Society of Le-
gal Philosophy Bulletin, n. 10, p. 255-263, 1986.
LESSA, Sérgio. Para uma ontologia do ser social. In: ANTUNES,
Ricardo; RÊGO, Walquiria Leão (Orgs.). Lukács: um Galileu
no século XX. 2ª edição. São Paulo: Boitempo Editorial, 1996.
__________. Lukács: direito e política. In: ________. ; PINASSI,
Maria Orlanda (Orgs.). Lukács e a atualidade do marxismo.
São Paulo: Boitempo Editorial, 2002a.
__________. Mundo dos homens: trabalho e ser social. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2002b.
LUKÁCS, György. El asalto a la razón: la trayectoria del irra-
cionalismo desde Schelling hasta Hitler. Barcelona: Ediciones
Grijalbo, 1972.
__________. Per l’ontologia dell’essere sociale I, II* e II** (a
cura di Alberto Scarponi). Roma: Editori Riuniti, 1976.
__________. História e consciência de classe: estudos sobre a
dialética marxista. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003.
MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1985.
Artigos • 413
Cultura
ultura e art
Escritos Livres
Mahler e Freud: o encontro e os encontros
Felipe Dutra Demetri
Simplicidade
Marco Antônio Vargas Sandi
Almoço, sábado
Rafael Cataneo Becker
4 Outro exemplo é a quarta sinfonia, onde a incômoda melodia inicial do primeiro movimento
trazida pela flauta, clarinete e percussão condiciona todo o resto da música.
Referências Bibliográficas
CSAMPAI, Attila. DIETMAR, Holland. Guia básico dos concertos:
música orquestral de 1700 até os nossos dias. Tradução de Reinaldo
Guarany. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
BARFORD, Philip. Mahler: Sinfonias e canções. [S.l:]; Zahar Mú-
sica, [195-?].
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a sexualidade. Rio de Ja-
neiro: Imago, 1996. Tradução: Jayme Salomão.
_____. Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise. Rio de
Janeiro: Imago, 1996. Tradução: Jayme Salomão.
LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da
psicanálise. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes. Tradução: Pedro
Tamen.
MAHLER recriado por completo. Portal do Governo do Estado
de São Paulo. Disponível em: <http://www.saopaulo.sp.gov.br/
spnoticias/lenoticia.php?id=208773>. Acesso em: 23 julho 2010.
MITCHELL, Donald. Mahler and Freud. Disponível em: < http://
mahlerarchives.net/archives/freud.pdf>. Acesso em: 23 de julho
de 2010.
fato, mostrar a eles como era fácil não viver em conflito com a polí-
tica, com a religião, com as diversas formas de ver Deus, ou com as
contas no final do mês. Sentia que a preocupação devia rondar as
coisas mais simples, essenciais. Essas que deviam destoar e chamar
a atenção dos adultos tão responsáveis e cheios de compromissos.
Nessa esperança, com 17 anos, saí de casa, tendo a ciência de
que o mundo não era assim tão complicado, sem temor de levar
minha vida e resolver os problemas de adultos. Sabia, ao contrá-
rio, que o mais dificultoso seria explorar o meu interior, encontrar
a sabedoria, aprender aquilo que não seria tão palpável. Sem dú-
vida, muito do que aquela criança percebeu é totalmente verdade:
a vida é simples, os adultos que problematizam.
Eu só não contava, entretanto, ingenuamente, em ficar adulto
e a ter, à flor da pele, os problemas de adulto, aqueles que antes só
observava. Dessa vez, tornei-me protagonista dos meus atos, e não
simples “analisador” dos problemas dos outros. Descobri, então,
que a seriedade crescia com a idade e, quando vemos, a rotina e a
“burocracia das atitudes” tomavam conta do cotidiano. Vi como
é fácil “endurecer”, tornar-se sério, e começar a achar tudo difícil.
Complicado é simplificar. Percebi ser muito confortável não fazer
loucura alguma.
Transforma-se em normalidade estar cercado de documentos,
de vencimentos, de datas, números, de expectativas de rendimen-
to, de metas a serem alcançadas, de prazos e prêmios. Torna-se
normal sonhar com a viagem somente no final do ano (e se tudo
correr bem). Passamos a encontrar beleza na família, no sossego,
estabilidade, marido e mulher, filhos, gatos, cachorros e plantas,
em suma, problemas domésticos.
Será que essa é a diversão de verdade?
Acredito que o excesso de lucidez e discernimento da “matu-
ridade” acaba por minar algumas das percepções essenciais. São
tantas atribulações, compromissos, convenções, que realmente
devemos tomar cuidado para não vivermos dentro deles, como
um pássaro num viveiro, que “pensa” ser a árvore artificial tudo
1. Descobrimento
Se por um lado a elucidação do ser se faz necessária para o en-
tendimento de sua existência, de outro a inserção do homem em
sua cotidianidade reconhecível é-lhe indispensável. É, portanto,
necessário que, ao invés do exílio da filosofia, se faça uma apro-
ximação àquilo que, em princípio, soaria parasitário à ontologia.
Parte-se, aqui, da leitura de A Queda, obra de Albert Camus,
dades ao ser-aí.
Pode-se dizer que a imersão do Dasein na impessoalidade leva
à queda. O golpe que sofreu a impessoalidade deu-se no momen-
to em que Clemence se viu responsável pela humanidade, como
agente da condição do próprio homem, insignificantemente per-
dido na indiferença juntamente com os outros “seres-aí”. Só dessa
maneira, através da angústia perante a indeterminação, é que se
pode contatar o mundo como mundo.
4. Referências Bibliográficas
CAMUS, Albert. A Queda. 4ª Ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Edi-
tora Record, 1956.
DOSTOIÉVSKI, Fiodor. Memórias do Subsolo, 1ª Ed. São Paulo: Edi-
tora 34, 2000
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 6ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos: (ou como filosofar
com o martelo). 2ª Ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.
PENHA, João da. O que é existencialismo. Coleção Primeiros Passos.
São Paulo: Brasiliense, 1982.
Almoço, sábado
“Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer
a paz, mas a espada – porquanto vim separar de seu pai o filho, de
sua mãe a filha, de sua sogra a nora; - e o homem terá por inimigos
os de sua própria casa.”
Mateus, cap. X, versículo 34 a 36.
2 PINTO, Álvaro Vieira. A questão da universidade. São Paulo: Cortez, 1986. p. 19.
3 TRAGTENBERG, Mauricio. Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo: Editora
UNESP, 2004. p. 14.
4 Idem. (TRAGTENBERG, 2004. p.14)
5 RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p. 6.
9 Justiça Federal. Ação Civil Pública n° 2008.72.00.006005-1/SC. Termo de audiência ( 14. janeiro
de 2010) - acordo entre o Ministério Público Federal e a UFSC.
Referências Bibliográficas
Justiça Federal. Ação Civil Pública n° 2008.72.00.006005-1/SC.
Termo de audiência (14. janeiro de 2010) - acordo entre o Mi-
nistério Público Federal e a UFSC.
PINTO, Álvaro Vieira. A questão da universidade. São Paulo:
Cortez, 1986.
RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. 2 Ed. RJ: Paz e Ter-
ra, 1975.
SGUISSARD, Valdemar. O banco mundial e a educação supe-
rior: revisando teses e posições?
TRAGTENBERG, Mauricio. Sobre educação, política e sindica-
lismo. São Paulo: Editora UNESP, 2004. p. 11-20.
UFSC. Resolução Normativa n° 03/CC de 05 de julho de 2010 -
aprova o valor das taxas acadêmicas.
Elysa Tomazi1
que o filósofo não deve se ocupar dos assuntos da pólis, como fez
Sócrates, pois estes põem em risco a existência da verdade. É den-
tro desse contexto que Arendt propõe o entendimento do Mito da
Caverna – quando o filósofo encontra a saída da caverna, na qual
as pessoas vêem refletidas imagens que representam suas próprias
opiniões, sua forma de ver o mundo, ele vê no céu aberto o mundo
das idéias. Porém, sua condição de mortal o impele a voltar, mas a
luz das idéias foi tão impactante que a escuridão da caverna agora
o assusta. Assim,
o motivo de os filósofos não saberem o que é bom para eles – e o
modo como se alienam dos assuntos práticos dos homens – é cap-
tado nessa metáfora: eles já não conseguem enxergar na escuridão
da caverna, perderam seu senso de orientação, aquilo que chamarí-
amos de senso comum (ARENDT, 2009a, p.74).
Referências Bibliográficas
ARENDT, Hannah. A promessa da política. 2ª edição. Rio de Ja-
neiro: Difel, 2009a.
ARENDT, Hannah. O que é a liberdade?. In: ARENDT, Hannah.
Entre o passado e o futuro. 6ª edição. São Paulo: Perspectiva,
2009b.
5 SILVA, Afonso José da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros,
1999. p. 48.
6 ibidem, p. 617.
E aqui aponto o melhor para nosso Estado e nosso povo: sem a ne-
cessidade de inchaço em órgãos públicos com o aparelhamento
através de mais uma estrutura administrativa cara e desnecessária,
com a manutenção de defensores públicos concursados.
7 A íntegra do manifesto assinado pelo conselheiro Walter Carlos Seyfferth está disponível em:
<http://www.oab-sc.org.br/controller?command-noticia.Detail#id=2757>.
10 “A defensoria dativa e o projeto de lei em trâmite na Assembleia que pretende criar uma defen-
soria pública outro assunto do encontro de hoje entre o presidente da OAB/SC, Paulo Borba, e o
procurador-Geral de Justiça de Santa Catarina, Gercino Gomes Neto. Borba mostrou a Gercino
os números da defensoria dativa em Santa Catarina, com destaque para a capilaridade do sis-
tema, que congrega cerca de sete mil advogados em todo o território catarinense.” Em: <http://
www.oab-sc.org.br/controller?command=noticia.Detail&id=2866>.
11 Outro, por certo, não foi o motivo por que a Força Nacional da Defensoria Pública aportou em
terras catarinenses para realizar, nos meses de agosto e setembro de 2010, um mutirão de execu-
ções penais junto aos presos da penitenciária localizada em São Pedro de Alcântara: “Cerca de
30 defensores públicos iniciaram, na segunda-feira (16/8), mutirão carcerário na Penitenciária
de São Pedro de Alcântara, região metropolitana de Florianópolis (SC). O mutirão vai até o dia
27 deste mês. A assistência jurídica da Força Nacional em Santa Catarina, que ainda não possui
Defensoria Pública, será feita em duas etapas. [...] De acordo com o coordenador nacional da
Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Padre Valdir João Silveira, a
realização do mutirão carcerário foi objeto de requerimento da Pastoral dirigido à Defensoria Pú-
blica da União em dezembro de 2009. O requerimento havia apontado a urgência de um mutirão
para minimizar a crise no sistema penitenciário catarinense e também atender a reivindicação
dos apenados por melhorias na Penitenciária de São Pedro de Alcântara.” Disponível em: <http://
www.conjur.com.br/2010-ago-17/defensoria-publica-faz-mutirao-carcerario-santa-catarina>.
12 FRANCO, João Alberto. A Notícia, Florianópolis, 5 dez. 2008. n. 250. p. 11. [Colaborou Alexan-
dre Morais da Rosa].
13 Em ordem, a Associação Nacional dos Defensores Públicos - ANDP, a Associação dos Juízes
para a Democracia - ADJ, o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário em Santa Catarina
- SINJUSC, a Associação Nacional dos Defensores Públicos da União - ANDPU e o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST. Juntamente com a Pastoral Carcerária, também
referida, formam um conjunto de organizações e movimentos sociais que apóiam a proposta de
criação da Defensoria Pública em SC.
Saber é pouco,
Como o estrangeiro
Controla o nosso dinheiro
Internacional, capital, social
Privatização do ensino brasileiro
O controle na mão do outro
Elite, poder, dinheiro
Internacionalização social brasileira.
1 Trabalho elaborado durante a atividade de recepção aos calouros promovida pelo PET-Direito-
UFSC.
2 Acadêmicos da 1a. fase do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
CABO DE GUERRA1
Eu sou o Povo
e sou muitos em um só.
Quantas mãos são necessárias
para desatar esse nó
ideológico?
Eu sou a Elite
e eu não tenho dó
vocês são muitos
mas eu sou o maior”
1 Trabalho elaborado durante a atividade de recepção aos calouros promovida pelo PET-Direito-
UFSC.
Paródia (Deixa a vida me levar - Zeca
Pagodinho)1
1 Trabalho elaborado durante a atividade de recepção aos calouros promovida pelo PET-Direito-
UFSC.
Paródia do Hino Nacional Brasileiro, feita na
atividade com o PET Direito no dia 27/08/2010.1
Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!
1 Trabalho elaborado durante a atividade de recepção aos calouros promovida pelo PET-Direito-
UFSC.
Recepção aos Calouros
Universidade amada.
Entre outras mil,
Ninguém te viu
Ó adorada,
Aos filhos desta sala tu mentiu,
E o que lucras,
Brasil?