Os Miseráveis - Terceira Temporada

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Casa de Artes Tiago de Pinho apresenta:

Os Miseráveis
Direção: Bel Lobato e Tiago de Pinho
Direção Musical: Lídia Marçal e Giovanna Marçal
Adaptação: Danilo Monteiro
PRIMEIRO ATO - CENA UM
Jean Valjean está em cena com os Prisioneiros. Javert anda por entre eles.

OLHAI (LOOK DOWN)

CORO: JAVERT:
Olhai, Olhai Que venha o número
Pro chão, olhai pro chão Dois três seis um dois
Olhai, olhai É a sua vez
A eterna escuridão Chegou a sua vez
Sabe o que é isso?
PRIMEIRO PRISIONEIRO:
No céu o sol VALJEAN:
Não há de arrefecer Sim, sou livre enfim

CORO: JAVERT:
Olhai, olhai Não, vais carregar
Não há o que escolher Um passaporte amarelo
És um ladrão
SEGUNDO PRISIONEIRO:
Não fiz, não fui VALJEAN:
Oh! Deus! Eu não errei! Eu só roubei um pão

CORO: JAVERT:
Olhai, olhai Roubaste mais
Que Deus aqui é a Lei
TERCEIRO PRISIONEIRO: VALJEAN:
Depois daqui Eu tive que fazer
Me espera uma mulher Era o bebê de minha irmã
Que estava à morte
CORO:
Olhai, olhai JAVERT:
Ninguém vos vai querer Tu que vais morrer
Se não seguir os trâmites da Lei
QUARTO PRISIONEIRO:
Hei de voltar VALJEAN:
E me vingar São dezenove anos nisso aqui
Sem perdão Escravo da Lei

CORO: JAVERT:
Olhai, olhai Cinco porque roubou
Pro chão, olhai pro chão O resto por tentar fugir
Dois três seis um dois
QUINTO PRISIONEIRO:
Oh Deus, meu Deus VALJEAN:
Parai meu coração Meu nome é Jean Valjean

CORO: JAVERT:
Olhai, olhai Eu sou Javert
Pro chão que encontrareis Jamais te esquecerás!
Pisai, pisai Por toda vida
Na cova em que estareis Dois três seis um dois
CORO: Pisai, pisai
Olhai, olhai Na cova em que estareis
Pro chão que encontrareis

Prisioneiros e Javert se retiram de cena.

SOLILÓQUIO (VALJEAN’S SOLILOQUY)

VALJEAN E ódio é tudo o que me vê


Eis o que eu sou
Meu Deus eu sou o que sou Só vingança e rancor
Que animal me tornei Nesse meu coração
Que grande mal me tomou Dessa vida eu só levo
E já é tarde demais e não dá pra voltar Essa amarga lição
E nada restou, só meu ódio a gritar
Os gritos em vão, ninguém vai ouvir Mas as coisas que ele diz
Desse lugar de onde eu nunca vou sair Despertam algo que eu não quis
Ele me fala em liberdade
Se havia mais que isso aqui Vergonha vem então me atormentar
Há vinte anos eu já perdi Que alma julga que eu terei?
Levaram de mim o sol da manhã Eu já nem sei
Levaram meu nome e mataram Valjean Que sonhos hão de me assaltar?
Me atirando naquela prisão Como é viver dentro da lei?
Por um simples pedaço de pão
Eu procuro, mas não vi
Mas então, porque será E a noite que já vem
Deixei tocar meu coração? Os meus olhos o que verão?
Por esse homem que me chama Meus pecados e nada além
De irmão, e me deu comida e cama? Eis que agora eu irei
E me entregou nas mãos de Deus Escapar de Jean Valjean
Será por quê Jean Valjean que diga adeus
Só tenho ódio em meu olhar À nova história que já vem

Valjean rasga seu passaporte amarelo e sai de cena.

CENA DOIS – POBRES MISERÁVEIS


Entra em cena o núcleo dos Pobres, Prostitutas, Marinheiros, junto das Costureiras e
Fantine.

AO FINAL DESSE DIA (AT THE END OF THE DAY)

OS POBRES: E a camisa que vestes


Ao final desse dia Não vai te esquentar
És um dia mais velho Ninguém sabe, ninguém viu
E não há outra vida Ninguém ouve as crianças chorando
Pro pobre viver E o inverno que já preveniu
É uma guerra, é lutar Vem pra matar
E ninguém quer perder a partida É a morte chegando
Mais um dia sob o sol Ao final desse dia
Quando acabar A esperança te espera
Menos um nessa vida E o sol da manhã
Ao final desse dia Já querendo raiar
É um dia mais frio Como as ondas a quebrar
Como a fúria dos ventos soprando E a conta, quem vai pagar?
Tem a fome a galopar Quando o dia acabar
Tem as somas que vão somando

Pobres, Marinheiros e Prostitutas se retiram de cena. Entrada do Capataz.


CAPATAZ: Não quero ver corpo mole aqui dentro. Produzam ou vão todas para a rua
morrer de fome.
COSTUREIRA 1: Como se ganhássemos o bastante...
COSTUREIRA 2: Mal dá para comprar o pão.
CAPATAZ: Estão reclamando? É isso? Pois se está ruim aqui, pode entregar sua vaga
agora mesmo! Tem uma fila imensa esperando alguma de vocês vacilar, lá fora. Agora calem a
boca e continuem o serviço!
COSTUREIRA 3: Eu tenho nojo desse homem. Fede a esgoto e fica pior quando está
bêbado!
COSTUREIRA 4: Está de mau humor porque deve ter levado mais um fora de Fantine.
COSTUREIRA 5: E onde está o patrão que nunca está aqui para ver os abusos desse
Capataz?
COSTUREIRA 6: Ele é o Prefeito! Um homem ocupado demais pra se preocupar com
os problemas da ralé como nós. E por falar na diaba, olha quem vem ali...
Fantine entra em cena carregando um fardo de tecido.
COSTUREIRA 4: Eu tenho algo pra contar sobre Fantine...
COSTUREIRA 1: O quê?
COSTUREIRA 4: Tão dizendo por aí que ela esconde um grande segredo de todo
mundo. Parece que a menina tem um filho!
COSTUREIRA 2: Mãe solteira! Tão jovem! Quem diria...
COSTUREIRA 4: E parece que ela manda todo o dinheiro que ganha aqui pra manter a
criança.
COSTUREIRA 3: E eu sempre vejo ela escrevendo cartas e mais cartas e...
COSTUREIRA 5: Falem baixo, ela está vindo!
Fantine passa pelas Costureiras e deixa cair uma carta.
COSTUREIRA 3: E mais cartas! (Ela apanha a carta do chão) Vamos ver o que
temos aqui... “Cara Fantine, sua filha encontra-se muito doente. Precisamos de mais dinheiro
para os remédios. É preciso que se apresse”. Por um acaso isso é seu Fantine?
FANTINE: Me devolva, isso não é da sua conta! (Costureira 3 faz Fantine tropeçar)
COSTUREIRA 6: (venenosa) Isso é muito grave! Uma mãe solteira entre nós...
Imagina o que o Capataz vai dizer quando souber!
FANTINE: Não vão dizer nada a ele e a ninguém! Cuidem da vida de vocês! Nenhuma
tem alguma moral sequer para falar qualquer coisa sobre mim. Imagina, por exemplo, se o seu
marido soubesse que você anda dormindo com o leiteiro!
COSTUREIRA 6: Sua imunda! Jamais ouse a falar o que seja de mim!
As duas iniciam uma briga. Todas as costureiras tentam apartar. Valjean entra em
cena.
VALJEAN: Mas o que está acontecendo aqui? Isto é uma fábrica e não um circo! Se
recomponham, vamos! E você! (para o Capataz) Achei que sua função era cuidar da ordem
deste lugar.
CAPATAZ: Eu farei isso, senhor prefeito, me perdoe.
Valjean se dirige para fora da cena, encontrando-se com Fantine na saída. Os dois se
encaram brevemente.
CAPATAZ: Embora eu já imagine a resposta, eu pergunto: quem começou isso?
COSTUREIRA 1: Fantine, obviamente.
COSTUREIRA 2: Uma descontrolada.
COSTUREIRA 3: Ela tem uma filha! E esconde-a em algum lugar.
COSTUREIRA 4: E ela sustenta a criança. Agora como ela faz isso, não sabemos. Ou
com quem ela faz isso (rindo desdenhosa).
COSTUREIRA 5: Uma péssima influência para todas as outras.
FANTINE: É verdade, sim! Eu tive uma filha! O pai me abandonou quando ela era
apenas um bebê, e nos deixou sem nada. E eu a entreguei para um casal cuidar dela por mim, e
eu mando uma quantia em dinheiro para eles todo mês. E foi esse o motivo da confusão.
COSTUREIRA 6: Manter ela aqui só vai trazer problemas. E para todas nós!
COSTUREIRA 4: Nós somos mães de família, mulheres dignas, e essa daí é apenas
uma mulher da vida.
COSTUREIRA 2: Está mais do que na hora de você colocar esta mulher no olho da
rua, pra que nós não paguemos pela sua conduta imoral.
CAPATAZ: Eu devia imaginar que por trás desse rostinho de porcelana havia uma
cadela no cio. De manhã se faz de santa, mas à noite é uma meretriz,
COSTUREIRA 6: Ela zomba da sua autoridade pelas costas! E dizem que ela dorme
com vários homens na cidade!... Até o leiteiro!
CAPATAZ: É, menina... parece que sua hora chegou. Vamos! Rua! (COLOCAR
FINAL DA MÚSICA AQUI)
Capataz pega Fantine pelos braços e sai a arrastando. Fantine se debate desesperada.
As Costureiras dão gargalhadas da situação.
FANTINE: Não, senhor! Pelo amor de Deus, não faça isso! Eu faço qualquer coisa! Eu
tenho uma filha! Eu preciso manter a minha filha! NÃO!
Capataz e as Costureiras saem de cena. Entram em cena as Prostitutas, os Marinheiros
e o Cafetão.
LINDAS LADIES (LOVELY LADIES)

MARINHEIRO 1: E tu precisa, eu sei


Sinto cheiro, cheiro de mulher É só dizer
Vou jogar a âncora no porto e me perder
FANTINE:
MARINHEIRO 2: É só o que tenho…
Lindas Ladies, sinto pelo ar
Cheio dessa fome de quem veio lá do mar VELHA:
Problema seu!
MARINHEIRO 3:
Marinheiro quer se alimentar! FANTINE:
Ao menos dez!
MULHERES:
Lindas Ladies, quem que vai querer? VELHA:
Somos todas frutas, tá na hora de colher É cinco só!
Lindas Ladies, prontas pra levar Meu bem, a vida
Seja pela proa, Pela popa, é só pegar É mesmo um nó!
Pega e paga: preço a combinar!
MULHERES:
VELHA SENHORA: Lindas Ladies, pela escuridão
Vem cá, meu bem Prontas pra qualquer, que seja a sua
Que coisa linda que tens pretensão
Me deixa ver…
PROSTITUTA 1:
FANTINE: Meia hora, muita sarração!
Madame, eu posso vender! Quem quiser a noite toda, paga a condução

VELHA SENHORA: TODAS:


Por três tostões Rapidinha – tá na promoção!

FANTINE: PROSTITUTA 2:
Mas três é pouco demais Mas vejam bem
Que lindos cachos que tens
VELHA SENHORA: Mas é demais
Por cinco então
E tem um preço, eu sei Linda Lady, junte-se aos amigos
Eu dou a mais Linda Lady!

FANTINE: PROSTITUTA:
Me larga, deixa-me em paz Nessa vida tudo é algoz
Não és mais do que qualquer de nós
PROSTITUTA 2: Se essa vida te afundou no lamaçal
Que preço, então? Ganhe a vida
Dez francos eu te darei
É só dizer PROSTITUTA 2:
Vendendo o seu mingau
FANTINE:
São dez a mais… PROSTITUTA 1:
Venda tudo
PROSTITUTA 2: Tudo o que tiver
É só dizer
PROSTITUTA2:
FANTINE: Venda tudo
O que fazer? São dez a mais Venda-se mulher
Que vão enfim salvar Cosette
MULHERES:
PROSTITUTA 3: Velhos, moços, venha o que vier
Tão cansada , já não posso mais Ratos e lagartos, só não vem quem não
Dói-me tanto o ventre, e as feridas são quiser
demais Pobres, ricos, chefes da nação
Quando tira a calça
CAFETÃO: Todo mundo tem bundão
Fica fria, finja, meu amor Tem dinheiro, eu nunca digo não!
Que outras fazem fila pra sofrer da sua dor
Lindas Ladies
PROSTITUTA 4: Prontas pra levar
Faço em dobro Todos fazem fila
Seja como for Mas nenhum vai demorar
CAFETÃO: FANTINE:
Aquela tal , de onde apareceu? Vamos, venha, nobre capitão
PROSTITUTA 5: Venha com a certeza de que eu
Ela é a tal que o cabelo vendeu Nunca digo não
Vida fácil
PROSTITUTA 5: Cama pra deitar
Um filho tem e é preciso manter Ninguém faz idéia que
Há um ódio a me queimar
CAFETÃO: Eis o meu cadáver
Se desgraçou! Eu devia saber Venham todos chafurdar

Prostitutas levam um marinheiro cada e saem de cena lentamente. Marinheiro 2 se deita com
Fantine. Após o ato, ele a deixa sozinha em cena.

O SONHO QUE EU SONHEI (I DREAMED A DREAM)

FANTINE: E de tantas canções


Já houve um tempo de homens bons E de tantas lembranças
De palavras gentis E tanto mais
E de vozes mansas Que já não há
Já houve um tempo de outros tons
Eu tinha um sonho pra viver Foi num verão que ele surgiu
Um sonho cheio de esperança Me oferecendo a primavera
De que um amor não vai morrer E prometeu e não cumpriu
E Deus perdoa e não se cansa Pois foi embora e eu fiquei

Eu era forte e sem temor E hoje eu sonho que ele vem


E os sonhos eram de verdade E nos seus braços eu me entrego
Não tinham preço nem valor Mas sei que é sonho e nada além
Canções e sons pela cidade Dos velhos sonhos que eu carrego

Mas a noite então caiu Eu tinha um sonho pra viver


E na noite tantas feras Mas eis que a vida foi mais forte
Me rasgaram o coração E de repente eu acordei
E tudo aquilo que eu sonhei
Mataram tudo
O que eu sonhei

CENA TRÊS – A MORTE DE FANTINE


Capataz entra em cena e vê Fantine jogada ao chão.
CAPATAZ: (lascivo) Então é verdade. Fantine é de fato uma mulher da vida... quem
diria...
FANTINE: Não ouse a chegar perto de mim. (Se levanta assustada)
CAPATAZ: Não se preocupe, eu irei pagar por isso! (Vai se aproximando de Fantine)
FANTINE: Nem se me desse todo o dinheiro do mundo, seu asqueroso!
CAPATAZ: Pois vai ser minha por bem ou por mau, tá me ouvindo?
FANTINE: Não! Me solta! Me larga!
Capataz agarra Fantine pelos braços e ela morde seu rosto com fora. Capataz grita de
dor e a larga.
CAPATAZ: Cadela imunda! (seu rosto está sangrando) Você vai pagar muito caro por
isso, sua infeliz... POLÍCIA! POLÍCIA! (ele segura Fantine pelos braços).
FANTINE: (desesperando-se) Pelo amor de Deus, não faça isso! Eu preciso manter a
minha filha!
CAPATAZ: POLÍCIA! Deveria ter pensado nisso antes! Agora você vai se ferrar ainda
mais!
Javert entra em cena, acompanhado de DOIS OFICIAIS.
JAVERT: Mas que gritaria é esta?
CAPATAZ: Eu estava passando e esta prostituta tentou me roubar e me feriu! Olhe
isto!
FANTINE: Senhor, por favor, eu...
JAVERT: Pelo visto, os nossos avisos não estão surtindo efeito sobre vocês! Levem a
mulher. E você, homem, se nada lhe foi roubado pode seguir seu caminho.
Capataz sai de cena. Os oficiais pegam Fantine pelos braços.
FANTINE: Eu lhe imploro, senhor! Ele que me atacou! Eu não sou uma ladra! Eu
tenho uma filha e eu preciso mantê-la viva! Me deixe ir, por favor!
JAVERT: Há vinte anos eu escuto essas histórias todo santo dia. E porque eu deveria
acreditar na sua?
Valjean entra em cena.
VALJEAN: Eu acredito.
JAVERT: Senhor Prefeito, eu...
VALJEAN: Ela é apenas uma jovem jogada à própria sorte, Javert. Não há nenhum
perigo nela.
JAVERT: Eu estou apenas cumprindo a lei, senhor.
VALJEAN: Pois eu ordeno que a solte e deixe-a ir.
Javert faz sinal para os Oficiais e eles soltam Fantine, e se afastam. Valjean se adianta
até a moça.
VALJEAN: Eu conheço você, não é?
FANTINE: Agradeço o seu ato de misericórdia, mas é por sua causa que eu vim parar
aqui.
VALJEAN: O quê?
FANTINE: Eu sou Fantine, senhor. Trabalhava na sua fábrica, mas fui expulsa de lá, e
o senhor nada fez para impedir. E vim parar aqui... “jogada à própria sorte”. E agora eu não
tenho como manter a minha filha.
VALJEAN: Eu não... eu não teria como saber. Me perdoe. Você está fraca... (aponta
para os Oficiais) Levem-na para o hospital. Isso sim é o correto a se fazer.
Oficiais levam Fantine. Javert se aproxima de Valjean.
JAVERT: Hoje eu prendi um homem, senhor Prefeito. Um fugitivo que me escapava
há mais de dez anos. Nunca eu havia falhado com a Lei antes. Mas eu finalmente o capturei.
Mas o curioso... é que de algum modo o seu rosto lembra o dele.
VALJEAN: E como sabe que eu não sou o fugitivo? E que aquele homem não é
inocente?
JAVERT: Eu o conheço bem. Dezenove anos na prisão... De qualquer forma, o homem
foi condenado. E vai ser enforcado ao amanhecer. A justiça tarda às vezes, mas nunca falha.
Boa noite, senhor Prefeito.
Javert sai de cena.

QUEM SOU EU (WHO AM I?)

VALJEAN: Um inocente em meu lugar


Ele acha que sou eu Caminha pra se acabar
O homem que prendeu
A chance que eu pedi Quem sou eu?
Agora é ele ou eu Pra me ocultar eternamente assim
E me esconder do homem que há em mim
Pra quê me preocupar? E até a morte me levar
Pra quê me intrometer? Meu nome nunca pronunciar
Tão longe eu já cheguei E mentir
Pra quê retroceder?
Como é que eu vou olhar alguém assim?
Se eu falar, será prisão Como é que eu vou poder olhar pra mim?
Se eu me calo, maldição Minh’alma eu pus nas mãos de Deus
Meus empregados, centenas de lares E que ele guie os passos meus
Dependem de mim E é só por Deus que estou aqui
Devo deixá-los Só Deus mostrou o que eu não vi
À sorte, à deriva
E traçar o meu fim? Quem sou eu?
Quem sou eu?
Se eu falar, será prisão Sou Jean Valjean!
Se eu me calo, maldição
Então, Javert, você errou
Quem sou eu? E este homem não pecou
Pra condenar assim um outro ser Quem sou eu?
E me furtar da culpa, e me esconder Dois, três, seis, um, dois!

Javert sai correndo atrás de Valjean na escuridão. Fantine está em cena ainda mais debilitada,
em uma cama de hospital. Ela começa a delirar e imaginar que sua filha Cosette está ali.
VEM PRA MIM (FANTINE’S DEATH)

FANTINE: O frio vem chegando, vem depressa


Vem já dormir, Cosette Pro meu leito
Cosette, está tão frio!
Você brincou demais Vem deitar, que o sol já vai embora
Já vai escurecer Vem pra mim, que a noite não demora
Vem comigo, e eu vou cantar baixinho
Vem pra mim, Cosette, anoitecendo Até você dormir, eu vou cantando de
Lá no céu, estrelas já surgindo mansinho…
Vem comigo, encosta no meu peito

Valjean entra em cena ofegante.


VALJEAN: Encontrei você.
FANTINE: (emocionada) Senhor, veja... as crianças brincando.
VALJEAN: Deite, fique quieta.
FANTINE: Minha Cosette... (voltando a realidade e se desesperando) Cosette! Eu
preciso encontrá-la, eu preciso ajudá-la!
VALJEAN: Não... apenas descanse. Fica em paz...
FANTINE: O que vai ser dela, meu Deus...
VALJEAN: Eu vou protegê-la. Ela ficará comigo e nada de ruim vai acontecer a ela,
isso eu prometo.
FANTINE: Faria isso por mim, senhor? És como um anjo! A-aqui... É onde vai
encontrá-la. (Fantine entrega um papel amassado de dentro das vestes para Valjean.
Enfraquecida, ela despenca)
VALJEAN: Que Deus receba esta alma, e que tenha misericórida... Feche os olhos,
Fantine...
FANTINE: (ofegante) Senhor, diga a Cosette... que... que eu a amo, e que irei encontrá-
la quando acordar...
[INSTRUMENTAL FANTINE’S DEATH] – Duas Mulheres retiram o corpo de
Fantine.
Fantine morre. Valjean ajeita seu corpo na cama, e se afasta, rezando. Javert aparece
atrás dele.

O CONFRONTO (THE CONFRONTATION)

JAVERT: Tantos anos eu atrás


Valjean, então E agora eu peguei
Agora somos nós
Prefeito, eu sei VALJEAN e JAVERT:
Seu tempo terminou Mas creia em mim, pode crer
(Eu jamais irei mudar)
VALJEAN: Há um juramento e eu vou cumprir
Antes que vá me condenar, Javert (Tu jamais irás mudar)
Antes de tudo desabar em mim Não sou mais o que já fui
Escute bem, há algo que é só meu (Não, dessa vez é o fim)
Eu prometi a essa pobre mulher Já não sou mais quem rouba um pão
Que vou salvar, eu juro que vou (Agora é só a lei)
Que vou cuidar da filha que ficou
Três dias só… E eu vou voltar Minha história já mudou
Três dias só… (Sem conversa, nem pensar)
E eu não vou morrer assim
JAVERT: (Dessa vez é o fim)
Você enlouqueceu! Sem consertar um erro tão cruel…
São tantos anos a fugir
(Eis que a história reverteu (Que foi pária igual você)
Jean Valjean não é ninguém) Eu cumpro o meu papel
Ouça o que eu direi, Javert (Tinha nada pra perder)
(Não me fale em salvação)
Sou mais forte que você VALJEAN:
(E no preço a se pagar) Um juramento eu vou fazer
Toda força que há em mim JAVERT:
(Quem nasceu em meio aos cães) Não há lugar pra se esconder
Meu sangue ainda é meu! VALJEAN:
(Faça tudo pra mudar) Essa criança vai vingar
JAVERT:
Ouça o que eu direi, Javert E onde quer que você vá
(Ninguém sabe de Javert) VALJEAN:
Eu farei o que eu puder Essa criança vai crescer
(Que nasceu numa prisão) VALJEAN e JAVERT:
Se é preciso te matar E sempre lá eu hei de estar!

Valjean consegue escapar de Javert e foge. BLACK

CENA QUATRO – OS THENARDIER

Cenário de bar antigo. Mesas e cadeiras, barris e copos de cerveja. Entram em cena o
ensemble dos burgueses, prostitutas, marinheiros e o SR. E A SRA. THENARDIER. Bagunça e
desordem.

SEU ANFITRIÃO (MASTER OF THE HOUSE)

THENARDIER: Seu anfitrião


Amigos meus Chefe de vocês
Meus putos beberrões Que não poupa esforço
Bagaços meus, inúteis falastrões Pra ‘agradá’ o freguês!
Bastardos cães Sabe divertir
No balcão, seu canil Sabe acompanhar
Olhos fixos no barril Mais que tudo, sabe a hora de parar
Após vomitar Pronto pra qualquer parada
Não se esqueçam de pagar Sempre pra qualquer favor
Mas é melhor saber que
Entra M’sieur Tudo tem um preço, meu senhor
Vem se sentar
Peço atenção Seu anfitrião
Pra me apresentar Chefe do quartel
Sou o patrão Pronto pra esquecer
Dou meu suor Seu troco no chapéu
Não poupo a mão Água no licor
Pra dar o melhor Óleo no balcão
Escorrega o cotovelo
Outro como eu E abre a mão!
Tu não conheceu Todo mundo é meu compadre
Um cara tão capaz Todo mundo é amigão!
Que só faz o seu… Mas claro que eu também preciso
Então no fim eu meto a mão
THENARDIER e CORO:
Seu anfitrião THENARDIER e CORO:
Sempre a controlar Seu anfitrião
Sempre vigiando Sempre a controlar
Pra não se estrepar Sempre vigiando
Pronto pra servir Pra não se estrepar
Sempre ao seu dispor Pronto pra servir
Pároco e filósofo e até doutor Sempre ao seu dispor
Todo mundo é camarada Pároco e filósofo e até doutor!
Todo mundo é como irmão Todo mundo é camarada
Todo mundo é bom freguês!
THENARDIER:
Mas é melhor cuidar do bolso THENARDIER:
Pois eu tenho comichão Bando de panacas
Ai! Por que não morrem de uma vez!
Entra M’sieur
Vem se sentar MADAME THENARDIER:
Tire o chapéu E eu que sonhei
Vem relaxar Com um príncipe galã
Mas isso aqui Pois olha o sapo
Pesa demais E eu agora sou a rã
Pode deixar
Que eu guardo lá atrás “Seu anfitrião”
Olha o que ele faz
O melhor pernil Pároco e filósofo
Já vem vindo aí E que merda mais?
Ninguém jamais serviu Cérebro de cú
Como eu sirvo aqui Corpo de leitão
Diz que é bom de cama
Santa refeição Mas só é bundão
Dá pra acreditar
Que esse picadinho O destino foi carrasco
É mesmo de babar? E me deu esse animal
Pombo por faisão Eu queria ter um lar
Gato por filé Mas hoje eu vivo num curral
Dentro da salsicha
Eu já nem sei quem é! THENARDIER e CORO:
Fora os quartos lá de cima Seu anfitrião
Disponíveis pra casal
Preço camarada MADAME:
Mais as taxazinhas no final… Seu afanador

Taxa pra deitar THENARDIER e CORO:


Extra pra roncar Pároco e filósofo
Dez por cento que é
Pro rato não entrar MADAME:
Banho a combinar Enganador!
Taxa pro sabão
Pra fazer espuma THENARDIER e CORO:
Tá na promoção Pronto pra servir
E no fim, lá vem a conta Sempre ao seu dispor
Meio quilo de papel
Quanto mais eu somo MADAME:
Muito mais eu tomo Bêbado, hipócrita e
Deus, mas essa conta é um troféu! Bajulador!
THENARDIER e CORO: MADAME:
Todo mundo faça um brinde Todo mundo vai peidar
Pra patroa e o patrão!
TODOS:
THENARDIER: Todo mundo vai brindar, sim
Todo mundo vai brindar Ao nosso anfitrião

O ensemble vai saindo de cena, fazendo arruaça, embriagados. Os Thenardier contam


o quanto conseguiram afanar. Valjean entra em cena.
VALJEAN: Boa noite, com sua licença!
SR. THENARDIER: Que susto homem! Nós já fechamos por hoje!
VALJEAN: Por um acaso, vocês são o Sr. e a Sra. Thenardier?
SR. THENARDIER: Você é algum tipo de policial?
VALJEAN: Decididamente não...
SR. THENARDIER: Ah, ufa, então somos nós sim! O que deseja?
VALJEAN: Vim à pedido de Fantine.
SRA. THENARDIER: Veio nos entregar o dinheiro? Finalmente! Fazia três meses que
essa mulher não mandava nada e...
VALJEAN: Ela morreu, senhora.
SRA. THENARDIER: O quê?
VALJEAN: Em meus braços.
SR. THENARDIER: Não me diga... tão jovem... mas enfim, entre aqui senhor, aceite
um conhaque e me diga... o que nós temos a ver... com isso?
VALJEAN: Vocês cuidam da filha da moça, certo?
SR. THENARDIER: Ah, sim, a doce e amada Colette.
SRA. THENARDIER: É Cosette!
SR. THENARDIER: Isso. Cuidamos dela sim.
VALJEAN: E onde ela está? Eu vim buscá-la. Foi o último pedido de Fantine. Que eu
cuidasse da menina a partir de hoje.
Os Thenardier se encaram, confusos.
SR. THENARDIER: (fingindo passar mal) Oh, mas você aparece aqui, e joga essa
bomba em cima de nós! Nós que cuidamos da pequena Roxette...
SRA THENARDIER: É Cosette!
SR. THENARDIER: Cosette! Sim! Ela é o nosso tesouro! A alegria da casa! E de
repente, o senhor chega aqui e diz que vai tirá-la de nós assim, sem mais nem menos...
VALJEAN: Estou apenas cumprindo os desejos de sua mãe. Foi por minha culpa que...
Enfim, o que importa é que essa criança terá um novo pai de hoje em diante.
SRA. THENARDIER: Ora, meu senhor, sabe como é... Poderíamos até lhe entregar
Cosette, mas... Foram muitos gastos, sabe? A menina vivia doente, dia sim, dia não. Muito ouro
que a gente gastou com essa menina. E além do mais, nós também temos uma filha, a Eponine.
São tempos de crise, o senhor imagina...
Valjean encara a Thenardier de cima a baixo e tira do bolso um saco com moedas.
VALJEAN: Isto aqui cobre os gastos?
SR. THENARDIER: Certo, certo... Você parece ser um homem digno, mas entenda...
como é que nós vamos saber das suas reais intenções com a nossa menininha? Nunca me
perdoaria se algo acontecesse com a pequena Cochette...
SRA. THENARDIER: É COSETTE!
Valjean entrega mais ouro para o Thenardier que fica com os olhos brilhando.
VALJEAN: Ah, isso muda um pouco as coisas, não? Escutem bem: vamos tornar as
coisas mais fáceis? Eu sou um bom homem sim. E tudo o que eu quero é redenção. Consertar
meus erros! E para isso eu preciso levar Cosette comigo! Então eu agradeceria muito que a
entregassem a mim, sem mais rodeios. E nunca mais me verão na frente de vocês outra vez.
SR. THENARDIER: Bem, pedindo assim com jeitinho... Iremos levá-lo até a menina.
(Thenardier vai conduzindo Valjean) Mas não repare, ela deve estar com alguns hematomas
aqui, uns arranhões ali, mas é porque é muito levada! Vive brincando na terra, uma loucura só...
SRA. THENARDIER: (sorrindo cínica) Er... marido? Eu vou na frente, tudo bem? Eu
vou ver se ela não está lá no quintal capinand... digo... brincando com os bichinhos. COSETTE?
Ô COSETTE!
Os três saem de cena.
Em seguida, temos um céu estrelado. Javert entra em cena.

ESTRELAS (STARS)
JAVERT: Como um velho pastor
Lá dentro das trevas Como um velho pastor
Um homem que foge
Órfão da graça E não se soltam do céu
Órfão de Deus E nunca vão se soltar
Girando e girando
Deus que me escute E voltando outra vez
Não hei de cansar Para o mesmo lugar!
A buscá-lo nos breus
A buscá-lo nos breus Pois quem cair
O inferno verá
Na escuridão ele vai Terá, o horror!
Enquanto eu sigo o senhor
Quem caminha do lado dos justos E assim há de ser
Terá o seu valor Assim foi escrito
Nas estrelas e páginas
E quem cair Que quem for fraco
O inferno verá E sair da luz
Terá, o horror! Irá pagar

Ah! As estrelas são Deus me dê forças


São incontáveis Hei de buscá-lo
Enchem as trevas Como um troféu!
De ordem e cor Eu não vou ceder
Eu juro, na lei
E sentinelas são Das estrelas no céu!
Mudas e sós

FIM DO PRIMEIRO ATO

SEGUNDO ATO
CENA CINCO – DEZ ANOS DEPOIS
Entram em cena o ensemble dos pobres e burgueses. Os REVOLUCIONÁRIOS,
MARIUS, ENJOLRAS, EPONINE, GAVROCHE e os THENARDIER.

OLHAI (REPRISE) (LOOK DOWN/PARIS)


São ratos de convés
MENDIGOS: Olhai, olhai
Olhai pra ver, mendigo aos vossos pés Que todos são irmãos
Olhai, por Deus, e tende compaixão
Olhai pra ver
GAVROCHE:
Oi, como vai, eu sou Gavroche TODOS:
Eis o meu povo, eis o meu chão Fome e solidão
Nada pra ver além do pó Ilhas de terror
Nenhum refresco pra visão Tudo por um magro pão
Eis minha escola, minhas páginas Em nome do senhor
Eis os barracos Saint Michelle
Sobre as migalhas, bocas ávidas SOLO:
Brigam por ossos, sob o céu Por amor do senhor!
Pobres são
Livres são TODOS:
Sigam-me, sigam-me! Do senhor
Do senhor
MENDIGOS: Do senhor
Olhai, por Deus, e tende compaixão
Olhai, olhai, que todos são irmãos MARIUS:
Lamarque doente pra morrer
MENDIGOS: Eis o que acabo de escutar
Isso não tem fim
Nunca vem a paz ENJOLRAS:
Algo tem que acontecer O povo vai se levantar
Que já não dá mais Chegou a hora de vencer!
Já não dá, já não dá, já não dá Iremos juntos levar a nação
Já não dá, já não dá, já não dá… Ao som da nossa salvação
.
MARIUS: TODOS:
Cadê os líderes daqui Vive la France!
Cadê quem faz andar o show? Vive la France!
Vive la France!
ENJOLRAS: Vive la France!
É só um homem, só Lamarque
Fala com a voz de quem calou

Revolucionários interagem entre si.


ENJOLRAS: Reunião ao anoitecer, no Café ABC! Ouviram? Temos muito a fazer,
muito a decidir!
Pobres pedem esmolas, os burgueses os ignoram. Os Thenardier apontam para a
chegada de Valjean e Cosette, que trazem uma mala de viagem.
SR. THENARDIER: Mulher! Olha aquilo ali! Parecem ser estrangeiros, e nobres! É a
nossa deixa!
EPONINE: Pai, não! Na frente das pessoas não...
SR. THENARDIER: Cale a boca, Eponine! Ou é isso ou ficamos sem nada pra jantar!
Vai mulher, faz o teu show!
Sra. Thenardier se adianta para Valjean e Cosette.
SRA. THENARDIER: Ah, por favor! Alguém ajude uma mãe sozinha! Alguém ajude
um bebê faminto! (imita choro de bebê) Alguém tenha misericórdia!
COSETTE: Papai, vamos ajudá-los...
VALJEAN: Se ajudarmos, teremos que ajudar a todos aqueles.
COSETTE: Mas ela tem um bebê!
VALJEAN: Certo... Espere um instante.
Valljean dá um saquinho de moedas para Thenardier. Enquanto isso, Cosette avista
Marius ajudando aos pobres. Os olhares dos dois se encontram.
SRA THENARDIER: Mas só isso? (imita choro de bebê) Oh, meu pobre filho, vai
morrer de fome...
Valjean entrega mais saquinhos de moedas.
SRA. THENARDIER: Uau! Muito obrigado, monsenhor, és muito.... mas peraí um
instante... (Thenardier levanta deixando cair o bebê falso) Amor! AMOR! Olhe só o que eu
encontrei aqui!
SR. THENARDIER: Mas eu reconheceria essa cara onde quer que eu fosse!
SRA. THENARDIER: É o homem que nos levou Cosette! Olha a desgraçada ali!
Como cresceu a fedelha!
VALJEAN: Eu... não sei do que estão falando, não os conheço. Fiquem bem, adeus.
Thenardier segura Valjean pelo braço e avista sua marca de prisioneiro.
SR. THENARDIER: Pra quê tanta pressa, senhor? Temos pendências a resolve... mas
o que é isso aqui?
VALJEAN: Me solte!
SR. THENARDIER: Uma marca de prisioneiro! Mas olhem só! Eu também tenho uma
meu rapaz... ou será que você é... um fugitivo?
Agitação do ensemble ao presenciar a discussão. Eponine se adianta.
EPONINE: Pelo amor de Deus, pai! Pára de chamar atenção! O Inspetor Javert está
vindo!
VALJEAN: (desesperado) Javert? Não! Saiam da frente! Saiam! Cosette! Rápido!
Cosette se apressa a correr, mas esbarra em Marius, e os dois se olham muito de perto.
Valjean dá de cara com Javert. Ele se vira imediatamente para o outro lado e puxa Cosette
pelos braços.
JAVERT: Não há porquê correr, senhor! A polícia chegou! O que está acontecendo
aqui?... Ah, mais uma vez o “Barão de Thenard”. Mais uma vez envolvido em arruaça na
cidade! Eu só quero um motivo para lhe por atrás das grades novamente...
SR. THENARDIER: Pois vai prender o homem errado! Aquele homem que fugiu ali?
É um fugitivo! Ele tem a marca no braço! E ele fugiu ao ouvir o seu nome!
JAVERT: Isso é um truque? Um fugitivo que fugiu ao ouvir... meu nome... Um
fugitivo que fugiu... Mas, não, não pode ser ele, a não ser que... E ele escapou das minhas mãos
mais uma vez! Mas isso não ficará assim, eu vou encontrá-lo! Vamos! Todos voltem aos seus
afazeres! Circulando!
EPONINE: Eu não acredito que ela voltou! Meu Deus, olha o que a vida fez dela! E
olha só o que a vida fez de mim...
SR. THENARDIER: Eponine! Faça algo de útil na vida e vá encontrar aquele homem!
Descubra onde ele mora! Ele vai me pagar muito caro por isso! E só apareça na minha frente
quando descobrir, ouviu bem?
Os Thenardier saem de cena. Eponine encontra Marius.
MARIUS: Ei, Eponine!
EPONINE: Marius... Me desculpa pela cena que você viu agora... Meus pais, sabe
como são...
MARIUS: Você não tem culpa disso. Sei que é diferente deles. Assim como eu sou
diferente dos meus.
EPONINE: Ouvi dizer que você saiu de casa e brigou com a família inteira.
MARIUS: É. Você sabe bem que nós discordamos em vários pontos. Perdi minha
herança, e tudo o que eu tinha, mas jamais vou abrir mão do que eu acredito.
EPONINE: Quem me dera... eu ter algo para acreditar... Você está diferente, está
mais... alegre, eufórico.
MARIUS: Por um acaso, eu ouvi o seu pai dizer que conhecia aquela moça, que estava
com o senhor.
EPONINE: A insossa? Sim, meus pais criaram ela quando era criança. Era filha de uma
zé-ninguém, como nós somos agora. Mas porquê quer saber?
MARIUS: Eu preciso encontrá-la! Eu preciso vê-la! Eponine, eu nunca tinha sentido
algo assim ao olhar para alguém. Você acredita nisso?
EPONINE: (contristada) Eu posso... imaginar... como seja.
MARIUS: Você pode fazer isso por mim?
EPONINE: Fazer o quê?
MARIUS: Me levar até onde ela se encontra! Mas por favor, não fale nada para o seu
pai! Ele pode fazer mal a eles.
EPONINE: Claro, Marius, eu o farei.
MARIUS: Você é uma excelente amiga. Olhe, tome! Para o seu jantar. (Marius oferece
uma bolsa de moedas para Eponine).
EPONINE: Eu não quero o seu ouro, Marius...

Eponine sai de cena por um lado. Marius pelo outro.

CENA SEIS – AS CORES DA REVOLUÇÃO

Café ABC. Os revolucionários estão reunidos, empolgados. Há livros e mapas em cima


das mesas, bandeiras da França e cervejas.
COURFEYRAC: Em Notre Dame tudo indica que a luta já começou!
FEUILLY: Um sinal é tudo o que nós precisamos pra começar a agir!
COMFEBERRE: Por Deus, pra quê planejar tanto? Essa guerra já está ganha!
JEHAN: Enviei cartas para todos os colegiados. Todos os homens hão de nos apoiar!
GRANTAIRE: E nós vamos vencer!
ENJOLRAS: Rapazes!

VERMELHO E NEGRO (RED AND BLACK)

ENJOLRAS: O Marius encontrou o amor


Já vem aí Seus olhos dizem “ooh” e “ahh”
Em nossas veias, o sangue a ferver Deixemos tudo pra amanhã
Mas calma aí Pois aparece o Don Juan
Não há por que enlouquecer e a vida agora é ó-pe-ra!
Uma grande batalha espera por nós
São tão fortes e tantos grandes demais ENJOLRAS:
É tão fácil sonhar, que os partimos em dois É preciso escolher
Mas os guardas e as armas são mais Cada qual seu lugar
Só um sinal E saber e fazer
É só o que queremos E entender: Não é ópera, não!
E vamos partir Já pensaram talvez
Ao grande final Que há um preço à pagar?
Marius chegou! Um brinquedo cruel
Que pode machucar
JOLY: As cores já não são
Que cara tens? As mesmas pra se olhar…
Será que viste assombração?
Há vermelho pra lutar!
GRANTAIRE: Não à negra escuridão!
Um vinho vai te apaziguar Há vermelho amanhecer!
Não, a negra noite, não!
MARIUS:
Assombração, será talvez? MARIUS:
Confesso que ela me assombrou Você deve entender
Apareceu, depois sumiu! essa tal sensação
Esse frio e calor que
GRANTAIRE: Nos toma e nos leva a tremer
Valei-me Deus Você deve entender
Por onde eu for Esse novo sentir
Pode o mundo mudar
e tudo se inverter Mas não há tempo pra sonhar
A treva encher de luz Não dá pra contemplar o amor
Ao som e à fúria do tambor
A luz escurecer! A vida agora é só lutar
Há vermelho em meu olhar!
Não, é negro não a ter! ESTUDANTES:
Há vermelho a desejar! Há vermelho no rancor!
Não, é negro não poder! Não, à negra escuridão!
Há vermelho amanhecer!
ENJOLRAS: Não, a negra noite, não!
Marius, é preciso crescer
Eu sei que é forte o que sentiu

ENJOLRAS: Muito bem, Courfeyrac, revise as armas! Feully, Jehan, vocês vão
garantir que nossa mensagem chegue nos quatro cantos de Paris, e Grantaire, pelo amor de
Deus, pare de beber! Esse é um momento sério!
GRANTAIRE: É uma estratégia, meu querido. Vão sentir o meu bafo de conhaque e
vão cair mortos!
Gavroche entra em cena correndo.
GAVROCHE: Escutem todos! General Lamarque morreu!

ENJOLRAS: E os tambores irão com mais fúria dobrar


Lamarque morreu! Pois já chegou
Lamarque nos diz que a hora chegou Nosso tempo é agora, a hora chegou
Morreu por nós Vamos todos pra ruas com armas nas mãos
A morte é agora um sinal! Com a certeza do sim
É o dia do não, é preciso gritar Todos vão se juntar
Eis o nome, Lamarque é o nome a dizer Quando o grito soar!

Os revolucionários, liderados por Enjolras começam a marchar para a dianteira do


palco, convocando o povo a se reunir a eles. Courfeyrac distribui armas para os outros.
Enjolras carrega a bandeira da França.

OUÇAM TODOS A CANTAR (DO YOU HEAR THE PEOPLE SING)

ENJOLRAS: CORO:
Ouçam todos a cantar Ouçam todos a cantar
Eis nossa fúria na canção Eis nossa fúria na canção
Eis os acordes de um povo Eis os acordes de um povo
Contra toda escravidão! Contra toda escravidão
Corações a disparar Corações a disparar
Como os tambores em furor Como os tambores em furor
Há uma vida a despertar Há uma vida a despertar
Em um novo amor! Em um novo amor!

GRANTAIRE: ENJOLRAS:
Cada vez aumenta mais Nossas mãos num gesto só
A multidão atrás de nós Vão a bandeira costurar
Ninguém aguenta mais, Quanto sangue e quanto pó
Seremos todos uma voz! Quando a bandeira desfraldar
O sangue dos bravos
COURFEYRAC: Regando os canteiros e o mar!
Cantemos então
A canção de uma luta feroz! CORO:
Ouçam todos a cantar
Eis nossa fúria na canção Corações a disparar
Eis os acordes de um povo Como os tambores em furor
Contra toda escravidão Há uma vida a despertar
Em um novo amor!

CENA SETE – SÓ MAIS UM


O povo e os revolucionários saem marchando e dando gritos de guerra em apoio à
revolução. Ao mesmo tempo entra Cosette em cena. O portão da casa é levado ao meio do
palco.

EU VIVI (IN MY LIFE)

COSETTE: De um lugar
Será que a vida começou enfim, em mim? Que um dia eu sonhei pra mim
Não há ninguém pra me dizer que o amor é Um lugar
assim! Que é tão longe daqui
O que há com você, Cosette? Longe de mim
Você sempre viveu em si Ele sabe de mim?
Há tanto que aprender Nada dele eu sei.
Há tanto mais do que eu vi Saberá que eu vivi?
Eu vivi Sonhará o que eu sonhei?
Entre tantas perguntas Eu vivi
Respostas de sim e de não Pela vida esperando vencer
Eu vivi Pra chegar só aqui
Em silêncio ouvindo ao longe Vem pra mim
O som de uma certa canção Eis-me aqui

Valjean entra em cena.


VALJEAN: Falando sozinha, Cosette?
COSETTE: Eu estava pensando, papai. Pensando em como eu pouco sei sobre minha
própria vida. Pensando nas coisas que você nunca me contou. E o porquê de jamais ter me
contado.
VALJEAN: A quê você se refere?
COSETTE: Minha mãe, por exemplo. Quem era ela? O que aconteceu com ela? E
porquê eu fui parar na casa daqueles bandidos? Porque você demorou tanto para vir me buscar?
Permitiu que eles passassem anos me maltratando? É uma parte da minha vida que eu não
consigo entender!
VALJEAN: Você saberá quando Deus achar que é o momento certo.
COSETTE: Você sempre diz a mesma coisa! Eu não sou mais aquela menina indefesa
que você encontrou no bosque, papai! Eu cresci! Eu tenho o direito de saber a minha história!
VALJEAN: Você não entenderia, Cosette. Sem mais palavras sobre esse assunto. Eu
posso garantir que há coisas na vida que são melhores quando esquecidas.
COSETTE: E você, as esqueceu? Tenho certeza que não.
VALJEAN: Não se demore muito aqui fora. Já está tarde e a cidade é perigosa.
Valjean sai de cena. Cosette se volta para o muro e passa a observar o lado de fora,
pensativa. Marius entra em cena pelo outro lado, seguida por Eponine. Ele avista Cosette.

MARIUS: Tudo em volta deixou de existir


Eu vivi Ela agora é meu norte e farol!
Pra chegar esse dia em que ela Eponine, nada paga
Entrou como um sol Esse seu favor
Eu a vi Foi você que me deu afinal
A chave do amor MARIUS & EPONINE:
E eu me sinto voar, eu me sinto feliz! Eu vivi
EPONINE: Pra chegar só aqui
São facadas em mim Eu vivi
Tudo mais que ele diz!
Eu vivi MARIUS:
Uma vida inteira e nunca Esperei
Senti nada assim
Ele está… Todo em mim! EPONINE:
Eu sonhei!

Marius encontra Cosette no portão, e os dois trocam olhares apaixonados. Eponine fica
a observar tudo.

NO MEU CORAÇÃO (A HEART FULL OF LOVE)

MARIUS: MARIUS:
No meu coração Meu mundo agora é todo seu
Só cabe você Cosette, Cosette
Eu faço tudo sem porquê
Meu Deus, não sei COSETTE:
Nem mesmo o seu nome, não sei É como um sonho acontecer
Oh, por favor
Diz pra mim MARIUS:
Por favor É sonhar

COSETTE: COSETTE:
No meu coração É viver…
O sol já nasceu
MARIUS:
MARIUS: No meu coração
Meu nome é Marius Pontmercy
(EPONINE), COSETTE & MARIUS:
COSETTE: (Ele nunca vai sonhar)
Cosette, o meu Só cabe você

MARIUS: (EPONINE) & MARIUS:


Cosette, eu não sei o que dizer (Já nem há porquê sonhar)
Um só olhar eu compreendi
COSETTE:
Então não diz COSETTE & (EPONINE):
E eu também
MARIUS: (As palavras que ele diz)
Louco estou
COSETTE: (EPONINE) & MARIUS:
Eu feliz… (Não pra mim)
Hoje eu sei
MARIUS: (Não pra mim)
No meu coração (Não por mim)

COSETTE & MARIUS: COSETTE:


O sol já nasceu Como eu sei

(EPONINE), MARIUS & COSETTE:


(No seu coração)
Não é sonho, não mais Não é sonho, é real!
(Pra ele nada sou)

Cosette e Marius se beijam. Eponine se levanta, triste e começa a sair de cena quando
entram em cena Sr. e Sra. Thenardier e quatro homens do núcleo dos pobres.
SR. THENARDIER: Venham homens! Ali está, a casa do tal Jean Valjean! Esse filho
da mãe nos deu uma merreca pra tirar a Cosette da gente...
SRA. THENARDIER: Sendo que é podre de rico! Olhem só essa casa! Deve ter de
tudo do bom e do melhor aí dentro...
SR. THENARDIER: Então, vamos fazer o que combinamos. Você e você, cuidem de
apagar o homem, enquanto eu e minha mulher fazemos a limpa na casa, e você e você fiquem a
vigiar aqui fora!
HOMEM1: Negativo! Queremos entrar também! Vocês pensam que somos idiotas?
Vão ficar com os tesouros apenas pra vocês!
HOMEM2: Vem vindo alguém aí!
EPONINE: Não tem nada nessa casa, só um velho e sua filha. Eu acabei de revirar
tudo. Não tem nada de valor aí dentro.
SR. THENARDIER: Ah, sim. E eu vou confiar na sua palavra mesmo, né, sua ratinha
mentirosa! Saia da minha frente e volte já pra casa, e não ouse a estragar os meus planos mais
uma vez!
EPONINE: Já disse que não tem nada pra roubar aqui!
SRA. THENARDIER: Saia da frente, fedelha!
EPONINE: Se tentarem invadir, eu vou gritar!
SR. THENARDIER: Grite. Faça isso e eu vou fazer você se arrepender de ter nascido!
Francamente, nem parece que é nossa filha!
Thenardier avança em direção ao portão. Eponine dá um grito estridente.
SR. THENARDIER: Sua imbecil! Vamos! Vamos! Corram! Plano B! Vamos todos
para o centro de Paris! Estão todos indo para lá!
Os homens e a Thenardier saem de cena correndo.
COSETTE: Que gritos foram esses?
MARIUS: Era a voz de Eponine!
VALJEAN: (fora de cena) Cosette! Cosette!
COSETTE: Meu pai está vindo! Saia!
MARIUS: Eu a verei de novo?
COSETTE: Que assim seja! Agora vá!
Marius atravessa o portão. Valjean entra em cena.
VALJEAN: Por Deus, Cosette! Você está bem? Eu ouvi gritos!
COSETTE: Fui eu, papai! Eu vi alguém se aproximando da casa e gritei! E ele correu
assustado. Mas está tudo bem!
VALJEAN: Alguém se aproximando? Mas... será que... Será que Javert enfim nos
encontrou? Ele deve ter revirado a cidade inteira... Cosette, não podemos mais nos demorar um
dia sequer aqui.
COSETTE: Mas quem é Javert?
VALJEAN: Escute! Vá arrumar suas coisas e partiremos ao amanhecer, está me
ouvindo? Agora entre, e não saia mais de seu quarto. É arriscado!
COSETTE: Partir? Mas papai!
VALJEAN: Agora, Cosette!
Cosette sai de cena. Marius e Eponine estão do outro lado do portão. Marius ouviu
tudo escondido.
MARIUS: Ela vai... partir...
Marius começa a sair de cena, mas Eponine o segue.
EPONINE: Marius! Onde você vai?
MARIUS: Você ouviu o homem, Cosette irá partir e eu não a verei mais...
EPONINE: Você não está pensando em ir para o centro, não é?
MARIUS: Estão esperando por mim.
EPONINE: Mas você pode morrer!
MARIUS: Então, melhor que seja assim.
EPONINE: Pois eu irei com você.
MARIUS: Não. Você vai pra sua casa. És jovem demais.
EPONINE: Temos a mesma idade...
MARIUS: Você não vem, Eponine!
Marius segue caminho. Eponine fica para trás.

SÓ MAIS UM (ONE DAY MORE)

VALJEAN: ENJOLRAS:
Só mais um! Pelo sol da liberdade
Um outro dia, um destino a mais
A estrada torta onde eu não sigo em paz MARIUS:
Pois hão de vir atrás de mim Ou irei com meus irmãos?
Atrás da marca de Caim
Só mais um ENJOLRAS:
Nossas tropas vão crescer
MARIUS:
Como eu cheguei até aqui? MARIUS:
Como eu irei sem teus abraços? Meu destino em minhas mãos

VAJEAN: ENJOLRAS:
Só mais um É preciso decidir

MARIUS & COSETTE: CORO:


Eu já não sei viver sem ti Lutar por nós
Eu só respiro entre os teus braços Gritar, vencer

EPONINE: VALJEAN:
Mais um dia e eu tão só Só mais um…
JAVERT:
MARIUS & COSETTE: Mais um dia de revoltas
Vou te ver mais uma vez? E vão todos se queimar
Estudantes e os seus livros
EPONINE: Vão com sangue se molhar
Mais um dia e eu sem ele
VALJEAN:
MARIUS & COSETTE: Só mais um…
Eu nasci pra te encontrar
THENARDIERS:
EPONINE: Olha aquele ali
Minha vida é como um nó Pega aquele lá
MARIUS & COSETTE: Tira a sorte grande
Eu prometo te esperar Quem souber jogar
Puxa por aqui
EPONINE: Tira pra levar
E ele nunca vai saber Lá pr’onde eles vão
Ninguém vai precisar
ENJOLRAS:
Mais um dia pra vencer POVO:
Mais um dia, um novo tempo
MARIUS: (As bandeiras desfraldar)
Vou atrás do meu amor? Todo homem vai ser rei
(Todo homem vai ser rei)
Há um novo firmamento
(Há um mundo a conquistar) MARIUS & COSETTE, (JAVERT) &
Ouçam todos a cantar [THENARDIERS]:
Eu já não sei viver sem ti
MARIUS: (Mais um dia, revolta)
Eu vou seguir [Olha aquele ali, pega aquele lá]
Eu vou lutar! (E vão todos se queimar)
[Tira a sorte grande, quem souber jogar]
VALJEAN: Eu só respiro entre os teus braços
Só mais um… (Estudantes e os seus livros)

MARIUS & COSETTE, (JAVERT) & VALJEAN:


[EPONINE]: Só mais um dia pra viver
Como eu cheguei até aqui? Só mais um dia pra perder
(Eu irei bem, bem junto a eles, eu irei onde
eles vão) TODOS:
[Mais um dia tão, tão só] Só mais um dia pra saber
Como eu irei sem teus abraços? Da nossa guerra ou nossa paz
(Pra saber os seus segredos e os planos que Mais um sol
farão) Só mais um
Só um mais!
VALJEAN:
Só mais um…

CENA OITO – A BARRICADA


Agitação no centro do palco.
ENJOLRAS: VAMOS ERGUER AS BARRICADAS!
Revolucionários e o povo erguem as barricadas.
FEUILLY: Já sabem que estamos nas ruas!
JOLY: Acabamos de saber que estão mandando tropas até nós!
GRANTAIRE: E eles vão atacar em plena madrugada?
JEHAN: Melhor pra nós. Eles não terão uma boa pontaria no escuro, mas nós temos
como nos proteger.
BAHOREL: E parece que vai chover...
Javert entra em cena (sem as vestes de oficial)
JAVERT: Rapazes! Eu posso ajudar! Eu tenho informações, eu já servi no passado. Sei
como eles agem.
COURFEYRAC: (Apontando a arma para Javert) Não se mexa!
ENJOLRAS: Courfeyrac, não!
COURFEYRAC: Como você sabe que podemos confiar nele? E se for um espião?
JAVERT: Não sou um espião. Sou um ex-soldado disposto a ajudar. E eu digo: eles
não vão atacar vocês hoje. Vão esperar pelo amanhecer, quando todos estiverem cansados...
famintos... Ficarão a noite toda aqui à postos, e nada vai acontecer.
GRANTAIRE: Ele é sensato...
ENJOLRAS: Pode se juntar a nós. Precisamos de homens experientes do nosso lado!
Gavroche aparece por entre as barricadas.
GAVROCHE: Não confiem neste homem!
GRANTAIRE: Gavroche! O que você está fazendo aqui?
GAVROCHE: Sei que sou só um menino, mas sei muito bem do que estou falando!
Esse aí é o Inspetor Javert! Ele é um Oficial!
O povo se agita, e todos apontam suas armas para Javert.
BOSSUET: Atirem no traidor espião!
JEHAN: Obrigado pela ajuda, garotinho! Você é definitivamente um de nós!
ENJOLRAS: NÃO! NÃO ATIREM. Podemos fazê-lo de refém quando precisarmos.
Prendam-no lá atrás. Deixem-no vivo.
FEUILLY: Bem pensado, Enjolras! Você realmente sabe o que está fazendo.
ENJOLRAS: Eu espero realmente saber. (Enjolras avista Eponine, que está vestida de
homem) Ei, garoto, o que faz aqui? Eponine? É você?
MARIUS: Eponine! O que veio fazer aqui?
EPONINE: Pensei em ver você antes de... tudo. Eu quero ajudar! O que eu posso fazer
pra ajudar?
MARIUS: Você precisa sair daqui o mais rápido! Não é seguro!
EPONINE: Você está se preocupando comigo...
MARIUS: Se você quiser ajudar... Há algo que você pode fazer. Espere. (Marius pega
uma carta de seu bolso). Sei que provavelmente não a verei mais, então você poderia entregar
isto nas mãos de Cosette? Antes do amanhecer. Pode fazer isso por mim?
EPONINE: Eu... posso. Claro...
MARIUS: Obrigado, de coração, Eponine... O que eu faria sem você... (Marius dá um
beijo na testa de Eponine).

Eponine sai de perto da barricada e começa a ler a carta de Marius. As barricadas


desaparecem na escuridão, e temos só Eponine em cena.

SO PRA MIM (ON MY OWN)

EPONINE: De estrelas, como rios


E eis então mais uma vez Faz escuro
Que eu estou aqui sozinha Mas tudo brilha tanto
Nem um amigo pra falar Que eu vejo nosso amor
Nenhuma voz além da minha Em cada curva do caminho
Já vai anoitecer Mas eu sei que é tudo só em mim
E ele vai aparecer Só pra mim é que eu confesso esse amor
À noite eu ando por aí Só eu sei como é amar assim
Quando a cidade está dormindo Pois sonhei e amei por nós
Eu penso nele e sou feliz Eu amo até nascer o dia
E de repente estou sorrindo Vem o sol
O mundo vai dormir E ele vai embora
Eu vou sonhar, eu vou sentir Sem ele, o mundo é só o mundo
Só pra mim As árvores e as ruas envelhecem num
Eu finjo que ele chega segundo
São pra mim Eu amo e vão passando os dias
As flores que ele trouxe Aprendi a só viver fingindo
Invento que estou entre os seus braços Em volta, o mundo vai girando
E se eu fechar os olhos E eu giro em volta dele
Ele vem guiar meus passos Nesse amor que não tem fim!
Já choveu, e as ruas refletindo Eu amo, o amo, eu amo
Vão se encher Mas sei que é só pra mim…

Eponine encontra Valjean.


EPONINE: Senhor?
VALJEAN: Quem está aí? Quem é você garoto? Como posso ajudá-lo?
EPONINE: Eu tenho uma carta para entregar... à sua filha.
VALJEAN: Uma carta para Cosette?
EPONINE: É de um jovem, que a este momento se encontra nas barricadas no centro
de Paris. Esperando o seu fim. Por favor, entregue em suas mãos.
VALJEAN: Assim o farei...
Eponine se afasta de Valjean, e Valjean lê a carta.
Voltamos à barricada. Temos o som de trombetas de oficiais.
OFICIAL: (apenas voz) Povo de Paris! Sabemos que pretendem lutar! Mas alertamos
que vocês não têm a mínima chance de sobreviver lutando contra o exército da França! Não
queremos manchar as ruas com sangue francês! Portanto, esse é o nosso último aviso! Voltem
para suas casas e todos permanecerão em segurança!
COURFEYRAC: E continuar vendo nosso povo morrer de fome? Nunca!
BOSSUET: Aqui ficaremos até o último soldado cair morto!
COMFEBERRE: E esperaremos o tempo que for!
ENJOLRAS: Não conseguirão nos fazer recuar!
JEHAN: Eles estão com medo, porque sabem que nós somos muitos! E muitos ainda
virão se juntar a nós e vamos encher essas ruas!
ENJOLRAS: Tivemos respostas, Feuilly?
FEUILLY: Ainda não, mas é uma questão de tempo para que os outros venham se
juntar a nós!
Eponine retorna a cena.
MARIUS: Você voltou!
EPONINE: E vim para ficar. Vou lutar.
MARIUS: Não posso deixar. Eu não poderia ver você morrer, Eponine! Você pode
ficar com as outras mulheres, como enfermeira!
EPONINE: Eu estou fazendo isso por mim, Marius. Eu quero que ao menos uma vez
na minha vida eu sinta que fiz algo de importante. E eu não vou voltar para casa, e se eu tiver
que morrer... que seja ao seu lado.
GRANTAIRE: Dêem uma arma à garota. Aposto que ela deve saber atirar melhor que
muitos de nós.
Courfeyrac entrega uma arma para Eponine. Começamos a ouvir barulhos de tiros.
Agitação. Mulheres correm para se esconder. Homens começam a revidar os tiros e usar as
barricadas para se esconder. Eponine é atingida por tiros e cai ao chão. Os tiros cessam, e
Marius corre para acudir Eponine.
MARIUS: Eponine, não! Ajudem! Ajudem! Eponine, não! Você não pode morrer. Está
sangrando demais... (Marius põe Eponine em seu colo e tenta estancar o sangue)
EPONINE: Não se p-reocupe, M-marius... eu não est-tou sentindo nenhuma d-dor...
MARIUS: Eu disse que você não deveria ter vindo!
EPONINE: E eu não p-poderia deixar você aq-qui pra morrer... Está chovendo... Eu tô
sentind-do a c-chuva...
MARIUS: Eu não vou deixar você morrer!
EPONINE: Não há m-mais o que f-fazer. Eu estou morrend-do... Só p-prometa que vai
ficar c-comigo até o fim.
MARIUS: Eu ficarei do seu lado. Eu estou aqui!
Marius beija Eponine, que sorri.
Eponine morre. Marius chora sobre o seu corpo.
ENJOLRAS: A primeira a morrer entre nós.
BAHOREL: Sua coragem jamais será esquecida.
MARIUS: Esta era Eponine. Ela viveu uma vida desgraçada pela pobreza e pela
miséria, mas carregava com ela a alma mais limpa e pura que eu já conheci.
ENJOLRAS: Rapazes, levem-na daqui.
Bossuet e Jehan levam o corpo de Eponine. Valjean entra em cena. Todos apontam as
armas para ele.
COURFEYRAC: Nem mais um passo!
VALJEAN: Não atirem! Eu sou só um voluntário! Eu vim para lutar!
ENJOLRAS: O último que disse isso não passava de um verme espião! O Inspetor
Javert! E agora ele está bem ali, esperando pela hora do seu fim!
VALJEAN:Javert? Ele está aqui? Você é Marius?
ENJOLRAS: Porquê o interesse em saber quem sou eu?
VALJEAN: Eu estou totalmente desarmado, homem! Não sou um oficial, eu garanto!
(Valjean mostra sua marca de prisioneiro).
ENJOLRAS: Abaixe a arma, Courfeyrac. Ele não é um espião. Obrigado pela ajuda,
homem. Estamos em um momento crítico.
VALJEAN: Não é preciso agradecer. Mas tenho algo a pedir. Entreguem-me o tal do
Javert. Eu terei o prazer de cuidar pessoalmente dele.
JOLY: Não podemos confiar nele!
ENJOLRAS: Basta. Tome. Se tentar ferir algum de nós, dezenas de armas se apontarão
pra você. Javert é seu.
Os Revolucionários se afastam. Valjean caminha até onde Javert se encontra,
amarrado.
VALJEAN: Mais uma vez nos encontramos.
JAVERT: Tem sua chance de se livrar de mim. Ande, atire de uma vez.
VALJEAN: Eu não vou matar você. Isso não me ajudaria em nada. (Valjean liberta
Javert). Tudo o que eu quero é que você deixe a minha vida e a vida de minha filha em paz.
JAVERT: Não! Você não vai comprar a sua liberdade! ATIRA!
VALJEAN: Você não entende, não é? Você está aqui, desarmado e sozinho, e eu estou
salvando você!
JAVERT: Você não passa de um ladrão! É isso o que você é!
VALJEAN: E sou exatamente igual a você. O que nos diferencia são as circunstâncias.
Você jamais conheceu a minha realidade, Javert. Tudo o que você conhece é a Lei. A sua Lei.
Mas a sua Lei, de nada valeu para mim, quando eu estava a morrer de fome. Agora vá, fuja! E
se ainda assim quiser acertar as contas quando isso aqui acabar, saberá onde me encontrar.
Valjean atira no chão. Javert sai correndo de cena. Os Revolucionários retornam e
cumprimentam Valjean.
GRANTAIRE: Vamos mesmo esperar aqui para morrer um por um? Pra quê? Pra
entrar para a história? Tantos já fizeram a mesma coisa que nós, e ninguém sabe quem são!
Muitos vão vir depois da gente e vão ser igualmente esquecidos! Vale à pena morrer por nada?
ENJOLRAS: Grantaire, vá beber em outro lugar!
GRANTAIRE: Eu vou ficar aqui!
ENJOLRAS: Pra fazer o quê, já que você não acredita em nada?
GRANTAIRE: Você se acha imortal. Mas não é. Olhe isso, você sangra também! E eu
não posso deixar você morrer.
ENJOLRAS: Eu vou morrer por algo que eu acredito. Você não é capaz de entender
isso porque é desprovido de...
GRANTAIRE: Eu acredito em você!... Eu... eu amo você.
ENJOLRAS: Não, Grantaire. Você não é capaz de amar. Não é capaz de crer em algo!
De lutar por algo! De morrer por algo! Você é um homem vazio que vai morrer vazio!
Grantaire fica observando Enjolras se afastar. Os revolucionários vão até Enjolras
para acalmá-lo.
JEHAN: Você não pode culpar Grantaire por não querer morrer em vão. Ninguém mais
vem nos ajudar, meu amigo. Precisamos aceitar esse fato. Eu ficarei aqui até o final. Mas não
podemos obrigar ninguém a ficar e morrer.
COURFEYRAC: Também ficarei aqui.
BOSSUET: Essa pode ser nossa última noite, vivos...
JOLY: Fomos guiados até aqui. Não há mais nada que possamos fazer, além de
esperar.
Enjolras caminha até Grantaire.
ENJOLRAS: Perdão pelo que eu disse. Nós crescemos juntos e... eu também amo
você. E eu também acredito em você.
Os dois se abraçam.
Homens e mulheres começam a trazer garrafas e copos de bebidas. Há um clima de
melancolia, tristeza e de despedida entre todos.
VEM BEBER (DRINK WITH ME)
FEUILLY: Ao que foi (Ao que foi)
Vem beber ao que passou E já (E já)
Vem cantar o que eu cantei Não é (Não é)

JEHAN: MULHERES:
Faço um brinde aos lábios Amizade é um sol que
Que eu já beijei Nunca morreu

JOLY: HOMENS & MULHERES:


Mais um gole aos seios Companheiro é quem
Que eu afaguei Jamais se esqueceu

FEUILLY, JEHAN & JOLY: HOMENS & (MULHERES):


Vem beber então a nós Vem beber (Vem beber)
A mim (A mim)
GRANTAIRE: A nós (A nós)
Vem beber ao que passou
E apagar o que marcou MARIUS:
Vai o mundo se esquecer de você? Pouco importa eu morrer
Quando a morte se abraçar com você? Se ela vai além no mar
Quem dá mais por quem ficou? Sem Cosette, a vida
É nada pra mim
HOMENS & (MULHERES): Se eu morrer, Cosette
Vem beber (Vem beber) Não chore por mim
Ao que (Ao que) Vai chorar
Passou (Passou) Por mim, Cosette?

Enjolras caminha até Marius.


ENJOLRAS: Marius, apenas descanse. Amanhã... será um longo dia. Atenção, todos:
Ninguém mais será obrigado a ficar. Mulheres, homens, pais... podem retornar para a segurança
de suas casas. Ninguém morrerá em vão.
Todos os homens e mulheres saem de cena, restando apenas os Revolucionários, que
trocam olhares apreensivos.
Valjean fica a olhar Marius com emoção nos olhos.

A VIVER (BRING HIM HOME)

VALJEAN:
Deus do céu Os dias vão
Vais-me ouvir? Um por um
Vais olhar Mais um verão
Este jovem por mim? Passou por mim
E velho estou
Dai-lhe o sol Estou no fim
Dai-lhe a luz
E mostrai Dai a paz
Ensinai Que ele quer
A viver Ele é bom
A viver Ele pode aprender
A viver Sois o sol
Sois o mar
Ele é o filho que eu sonhei Onde eu vou
Que Deus jamais me concedeu Descansar
Se eu morrer, vou morrer Pra viver
Dai-lhe o sol pra viver Pra viver

CENA NOVE – A BATALHA FINAL


Outro dia.
ENJOLRAS: Acordem! Já amanheceu. Estou ouvindo uma movimentação. Já devem
estar marchando até aqui.
OFICIAL: (Apenas voz) Homens nas trincheiras! Paris está dormindo! Ninguém foi ao
seu favor! Rendam-se e serão poupados! Lutem e serão mortos um a um, sem pena. Não terão a
mínima chance. É o último aviso.
COURFEYRAC: Muito bem, estamos sem munição.
BOSSUET: Aqueles vermes fizeram a gente gastar nossa munição de propósito durante
a noite!
JOLY: Não temos muito tempo até as tropas chegarem aqui, precisamos de munição!
FEUILLY: Para além das barricadas deve haver mais!
GRANTAIRE: Eu cuidarei disso.
ENJOLRAS: Não. Você não.
VALJEAN: Eu irei. Sou apenas um homem velho, eu irei.
GAVROCHE: Vocês precisam de alguém veloz e pequeno.
Gavroche atravessa a barricada com facilidade. Todos gritam para impedi-lo.
JEHAN: Gavroche, não!
Gavroche recolhe a munição cantarolando.
GAVROCHE: Eu sou pequeno, sou
Mas sei como fazer
Meus dentes são pequenos
Mais eu sei morder
Não chute um pobre cão
Se grande ele não é
Os dentes do filhote
Vão rasgar seu pé
E ele cresce e não esquece
Nunca o seu chu…
Gavroche leva um tiro e cai morto. Os revolucionários gritam de revolta.
OFICIAL: (apenas voz) Nós alertamos! Nenhum homem, mulher ou criança serão
poupados!
COMFEBERRE: Não iremos ceder! Vamos ficar até o fim!
JEHAH: Vamos morrer, mas matamos também!
ENJOLRAS: Muitos virão, e um dia a liberdade vencerá! Morreremos no coração de
Paris, e nele permaneceremos, e nossos nomes serão lembrados! VIVA A FRANÇA!
TODOS: VIVA A FRANÇA!
Sequência de tiros. Os revolucionários caem mortos, um a um. Marius é atingido, mas
Valjean o retira da batalha e os dois desaparecem na escuridão. Sobram apenas Grantaire e
Enjolras, que se dão as mãos, antes de serem mortos, juntos.

A luz diminui drasticamente. Os corpos dos revolucionários segue estirados pelo palco.
Entra em cena o Sr. Thenardier, que começa a furtar os cadáveres. Ele avista Valjean
arrastando o corpo de Marius, mas ele foge ao avistar o Inspetor Javert se aproximando.
Thenardier sai de cena. Javert encontra Valjean em cena.

VALJEAN: O rapaz é bom


Então, Javert E precisa de um doutor
Faltava só você aqui
O bom soldado apareceu, enfim
JAVERT: VALJEAN:
Eu avisei, você ouviu Sem tempo pra perder
Pois eu voltei
VALJEAN & (JAVERT):
VALJEAN: Olhai, Javert
Mais uma hora só O pobre está no fim
Então sou teu Por Deus, Javert
E vais me dar a lei (Leve-o, Valjean)
JAVERT: Confiai agora em mim
Lá vem você (Não fale nada mais)
Mais uma vez
Com seu discurso JAVERT:
Eu fico à espera
23612

Valjean sai de cena, levando Marius.

O SUICÍDIO DE JAVERT (JAVERT’S SUCIDE)

JAVERT: Por que não fez?


Mais uma vez A minha hora já chegou
Esse demônio que vem Mais vivo estou… No inferno estou!
Me perseguir outra vez É preciso pensar
E dar-me o troco também Se a verdade ele diz
Quando ele pôde vingar Deve ser perdoado
E decretar o meu fim Seu destino infeliz?
Pra se livrar E hoje eu ando a duvidar
Do seu passado e de mim Logo eu que nunca duvidei
Um gesto só Meu duro coração balança
Só um golpe fatal Meu mundo caiu, e tudo é sombra
Mas ele quis que eu vivesse afinal Ele é o mal ou é o bem?
Não vou viver pela mão de um ladrão O sim ou o não?
Não vou dever minha vida ao mal Se hoje a vida me salvou
Eu sou a lei e a lei não tem dó Desatinou-me o coração
Eu vou cuspir a palavra fina; Eu me afundo em confusão
Sobre toda a piedade que houver Céu de chumbo sobre mim
Pois vai ser Valjean ou Javert! No vazio, olhos meus
Como é possível conceber Os princípios não têm fim
O seu domínio sobre mim Desse mundo vou sair
Um homem que eu vivi caçando É o mundo Jean Valjean
A vida me dá, me deixa vivo Já não há lugar pra mim
A minha morte em suas mãos Já não há um amanhã…

Javert atira em sua cabeça e cai morto. Entram em cenas as viúvas e começam a
recolher os corpos pelo chão.

NADA (TURNING)

MULHERES: Não sabiam


Fim da luta Nem como atirar
Diga quem sobrou Só queriam ver
Jovens das trincheiras Um mundo novo despertar
Nenhum deles retornou Morrem todos, nada vai mudar…
Nada muda Nada nada nada nada nada
Nada vai mudar Pra fazer!
Todo ano é mais
Uma outra boca pra criar Nada, nada, nada outra vez
Horas viram dias e os dias viram mês
Velha história,
E pra que sofrer? Nada muda, nunca vai mudar
E pra que rezar Tudo sempre volta ao ponto
Se nada vai acontecer? De recomeçar
Tudo volta e vai recomeçar…

Viúvas se retiram de cena. Revolucionários vão para o fundo do palco. As barricadas


se abrem, revelando o cenário do Café ABC vazio. Marius está em cena, em uma mesa.

MESAS E CADEIRAS (EMPTY CHAIRS AN EMPTY TABLES)

MARIUS: Seus últimos momentos


Há uma dor que segue muda Nas trincheiras quando o sol nasceu
Gosto amargo que não sai
Tantas mesas e cadeiras Meus amigos, me perdoem
E ninguém se senta mais Todos mortos, e eu aqui
Há uma dor que segue muda
Era aqui que se encontravam Gosto amargo que eu bebi
Foi aqui que começou São fantasmas na janela
O amanhã que procuravam Mais fantasmas pelo chão
E o amanhã jamais chegou Tantas mesas e cadeiras
E ninguém se senta, não
Dessa mesa lá no canto
Viram o mundo renascer Meus amigos, não se apaga
Tantas vozes levantaram Essa dor nos olhos seus
E ainda posso ouvir Nessas mesas e cadeiras
Já não há amigos meus
Seus gritos bravos e as canções

CENA DEZ – FINAL

Marius e Cosette estão em cena.


COSETTE: Você sofreu muitas perdas, eu sei. Eu nem consigo imaginar o quanto dói
perder tantos amigos em um mesmo dia. Mas Deus lhe deu a oportunidade de recomeçar.
MARIUS: Eu não entendo como aconteceu. Como eu vim parar aqui. Eu lembro de ter
caído, de repente acordei aqui. E a guerra havia acabado... e estavam todos mortos.
COSETTE: Um dia você vai encontrar as respostas para todas essas perguntas.
MARIUS: Na verdade, tudo o que eu quero nesse momento é aproveitar cada segundo
ao seu lado. Poderíamos jamais ter tido outro momento juntos, e agora, temos uma vida inteira...
COSETTE: Eu sempre me senti muito sozinha. Mas agora eu sinto como se eu
estivesse completa, finalmente.
Os dois se beijam. Valjean observa a cena.
VALJEAN: Gostaria de dar uma palavra com Marius, se me permitir, Cosette.
COSETTE: Sim, papai. (Cosette dá um beijo na bochecha de Valjean e sai de cena).
MARIUS: Sr. Valjean! Foi uma honra poder estar em sua casa, a sua filha...
VALJEAN: Há algo que eu preciso lhe contar, meu filho.
MARIUS: Sente-se, senhor Valjean!
VALJEAN: Há muitos anos, um homem na sua necessidade, roubou um pão, para
matar a fome de sua irmã. Este homem foi pego, e passou anos na prisão. Mas ele conseguiu
fugir. Quando ele finalmente se viu livre, ele se viu mais uma vez perdido em seus erros. Uma
mulher morreu injustamente por sua causa. Esse homem tinha uma grande dívida com a jovem
moça. E ele prometeu que cuidaria de sua filha pequena. Só assim, ele encontraria o perdão por
um erro tão grave. E este homem...
MARIUS: É o senhor... Mas...
VALJEAN: Jamais contei isso à Cosette. Acredito que ela não... precisa saber disso.
Cosette não tinha ninguém. Eu fui tudo na sua vida, por muitos anos. Mas agora ela têm a você,
e eu sinto que enfim, minha dívida foi paga, então chegou o meu momento de partir.
MARIUS: Partir? Mas meu senhor! Cosette jamais iria entender...
VALJEAN: Você não contará nada a ela do que lhe revelei.
MARIUS: Não contarei.
VALJEAN: E diga a ela que... eu precisei partir. E que eu não iria suportar a despedida.
MARIUS: Sim, senhor... Mas... para onde o senhor irá?
VALJEAN: Voltarei para onde minha história de fato começou, meu filho. Adeus.
Valjean sai de cena.
Marius permanece em cena.
Passagem de tempo de cinco anos.
Cosette entra em cena quando entram em cena e se dirige a Marius

COSETTE: Sonhei com papai esta noite. Eu não entendo até hoje porque ele partiu,
mas Marius, eu sinto que ele não está bem. No meu sonho, ele estava em algum lugar que eu me
lembro vagamente, mas não sei... Ele estava muito doente. Eu preciso encontrá-lo, Marius...
Você tem certeza de que não sabe onde ele possa ter ido? Passou-se tanto tempo...
MARIUS: Eu não saberia dizer. Eu já lhe contei tudo o que ele me disse quando partiu.
Mas não se preocupe, tenho certeza que Deus está olhando por ele.
(Sr. e Sra. Thenardier entram em cena.)
SR. THENARDIER: Mas é claro que não poderíamos deixar de cumprimentar esse
mais novo e belo casal de noivos. Mas não sei, meu senhor, mas lhe acho familiar. Onde será
que nos encontramos? Será que nos esbarramos em algum chá? Ou num jantar na presença do
rei?
MARIUS: Não, Barão de Thenard. Jamais frequentei tão nobre lugar. Saiam daqui. Eu
conheço vocês. Eram aqueles que infernizavam a vida da pobre Cosette. Eponine não poderia
ter tido piores pessoas como pais. Vocês não irão me enganar.
SRA. THENARDIER: Eu falei que isso não daria certo. Vamos, mostre logo o que
tem pra mostrar.
SR. THENARDIER: Então... é uma pena lhe incomodar em um dia assim, mas...
quinhentos francos e eu falo algo que descobri sobre ele... Jean Valjean.
MARIUS: Pois então contem!
SRA. THENARDIER: Mas certamente irá pagar os quinhentos francos, não é?
SR. THENARDIER: Eu me lembro bem. Jean Valjean, eu o vi carregando alguém.
Levava um cadáver pela escuridão, em seus ombros. Isso eu vi, isso eu sei. E do morto, eu tirei
isto.
MARIUS: Mas como assim? Isto é meu! Quando achou isso?
SR. THENARDIER: Foi na noite dos tiros. Eu fui me esconder e...
MARIUS: Então foi assim que eu sobrevivi naquela noite. Valjean me salvou. Tomem
isto e desapareçam daqui.
COSETTE: Marius, o convento! O convento onde papai e eu nos escondemos do
inspetor Javert anos atrás, eu ainda era uma criança! É lá que ele está, eu tenho certeza, foi esse
o lugar que eu vi no sonho! Vamos encontrá-lo, Marius, por favor!
(Marius e Cosette saem de cena apressados)

Marius e Cosette saem de cena correndo. Os Thenardier também. O palco fica vazio. Valjean
entra em cena, anos envelhecido e já bastante fraco.
EPÍLOGO (FINALE)
VALJEAN: Pra viver
Na sombra só eu espero Junto a ti
E conto as horas pra dormir Junto a ti
Sonhei um sonho em que Cosette FANTINE & (VALJEAN):
Se faz chorar porque eu morri M’sieur, cansado estás
Sozinho eu fico a rezar (Estou pronto, Fantine)
Que Deus os possa iluminar M’sieur, deixai teus fardos
São meus filhos, oh, Deus, (É a hora do fim)
Em vossas mãos, convosco estão Criaste o meu bebê
Deus do céu, vem buscar (Ela é tudo pra mim)
Esse seu servidor E vais estar com Deus
Onde estás?
Eu irei te encontrar

Cosette e Marius entram em cena correndo até Valjean:


COSETTE: Papai! Papai! É você! Eu não consigo entender, porquê você partiu?
Tantos anos sem notícias...
VALJEAN: Minha Cosette, você me encontrou... Você não entenderia...
MARIUS: Cosette, seu pai. Foi ele! Ele que me tirou das barricadas e me levou até
você! Ele fez isso por você, por mim, por nós! E eu nunca esquecerei disso, meu senhor, tens a
minha eterna gratidão, e és como um pai pra mim!
VALJEAN: Sinto que minha partida está chegando... Deus trouxe vocês até a mim,
para que eu pudesse me despedir pela última vez...
Amar o semelhante
COSETTE: É como estar bem junto a Deus
Vais viver, papai, tu vais viver
Fique aqui, não vim dizer adeus TODOS:
Ouça o povo a cantar
VALJEAN: Dentro da noite o seu refrão
Sim, Cosette, me peça pra ficar Eis a canção de todo um povo
Vou fazer, vou tentar Que atravessa a escuridão
Eis aqui, meu último segredo Como a chama que acendeu
Hás de ler, enquanto estou dormindo E que jamais vai se apagar
É a história daqueles que te amaram Sombras da noite vão sumir
Tua mãe morreu por ti Quando o sol raiar
E te deixou aos meus cuidados Vão viver em liberdade
Pelos pátios do senhor
FANTINE: Caminhar por entre as flores
Vem pra mim, pois nada mais importa Sem as facas do terror
Toda dor ficou atrás da porta Correntes quebradas
Deus do céu, olhai-o com piedade E todos terão seu valor
VALJEAN: Todos juntos numa voz
Perdoa meus pecados Em nossa marcha nesse chão
E me leva em tua glória E bem pra lá de todos nós
Um novo mundo em construção
VALJEAN, FANTINE & EPONINE: Ouça o povo a cantar
Pela mão, levai-me aos teus domínios Junto aos tambores em furor
Por amor, o amor que nunca morre Há uma vida a despertar
A verdade que paira sobre tudo E um novo amor!

FIM

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