SUAS Garantia Direitos Crianças Adolescentes Vitimas Testemunhas Violencia

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Parâmetros de atuação do Sistema

Único de Assistência Social (SUAS)


no sistema de garantia de direitos
da criança e do adolescente vítima
ou testemunha de violência
Ministério da Cidadania
Secretaria Especial de Desenvolvimento Social
Secretaria Nacional de Assistência Social

Parâmetros de atuação do Sistema


Único de Assistência Social (SUAS)
no sistema de garantia de direitos da
criança e do adolescente vítima ou
testemunha de violência

Brasília - DF
2020
EXPEDIENTE ELABORAÇÃO PÓS CONSULTA PÚBLICA

Todos os direitos reservados. É permitida Redação Final


a reprodução parcial ou total desta obra, Barbara Cesar Cavalcante
desde que citada a fonte. Juliana Maria Fernandes Pereira
Natália da Silva Pessoa
Elaboração, distribuição e informações:
Ministério da Cidadania Supervisão
Secretaria Especial de Desenvolvimento Luanna Shirley de Jesus Sousa
Social
Secretaria Nacional de Assistência Social Colaboração Técnica
Raquel Carvalho Pinheiro
Setor de Múltiplas Atividades Sul - SMAS, Viviane de Souza Ferro
Trecho 3, Lote 1 - Ed. The Union
Brasília - DF
www.cidadania.gov.br PARTICIPANTES DA CONSULTA PÚBLICA
Ouvidoria: 121
APAE - Ponta Grossa/PR
Conteúdo e equipe editorial: Associação dos Municípios do Oeste de
Santa Catarina - AMOSC
COORDENAÇÃO Centro dos Direitos Humanos de Nova
Secretaria Especial de Desenvolvimento Iguaçu/RJ
Social COMASV - Conselho Municipal de
Secretaria Nacional de Assistência Social Assistência Social de Vitória/ES
Conselho de Direitos da Criança e do
ELABORAÇÃO PARA CONSULTA PÚBLICA Adolescente - Cabeceira Grande/MG
Conselho Municipal dos Direitos da
Redação Juventude – Parnamirim/RN
Adrianna Figueiredo Soares Silva CRAS – Anagé/BA
Barbara Cesar Cavalcante CRAS - Antônio Gonçalves/BA
Luanna Shirley de Jesus Sousa CRAS - Barra do Chapéu/SP
Márcia Pádua Viana CRAS - Boa Esperança do Iguaçu/PR
Natália da Silva Pessoa CRAS - Campinas do Sul/RS
CRAS - Doutor Ricardo/RS
Supervisão CRAS – Guaratuba/PR
Luanna Shirley de Jesus Sousa CRAS – Guiratinga/MT
Márcia Pádua Viana CRAS – Jaguapitã/PR
CRAS – Maracaí/SP
Colaboração Técnica CRAS - Renascença/PR
Andréia Meneguci Barcelos CRAS - Santa Cruz da Esperança/SP
Deusina Lopes da Cruz CRAS - São Bento/RN
Késsia Oliveira da Silva CRAS – Segredo/RS
Maria de Jesus Bonfim de Carvalho CRAS - Sucupira do Norte/MA
Marina Ramos Vasconcelos Rada CRAS - Telêmaco Borba/PR
Raquel Carvalho Pinheiro CRAS Barro Vermelho - Gravataí/RS
Viviane de Souza Ferro CRAS João Domenich – Rinópolis/SP
CRAS Vila Praiana - Lauro de Freitas/BA
CRAS Zaira Sossai Moris – Oriente/SP
CREAS – Arapongas/PR
CREAS – Autazes/AM Humanos - São João/PR
CREAS – Bela Vista do Paraíso/PR Secretaria do Trabalho e Assistência Social -
CREAS – Chuí/RS Porto Alegre/RS
CREAS – Confresa/MT Secretaria do Trabalho, Habitação e
CREAS - Eldorado do Sul/RS Assistência Social (SETHAS) – Iguatu/CE
CREAS – Guaxupé/MG Secretaria Municipal Da Criança E
CREAS – Ibitinga/SP Assistência Social/SEMCAS - São Luis/MA
CREAS – Jacareí/SP Secretaria Municipal de Assistência Social -
CREAS – Manaquiri/AM Santa Tereza do Oeste/PR
CREAS – Mandaguari/PR Secretaria Municipal de Assistência Social –
CREAS – Mococa/SP Arraias/TO
CREAS – Monte Alegre de Minas/MG Secretaria Municipal de Assistência Social –
CREAS - Pastos Bons/MA Atalaia/PR
CREAS - Pereira Barreto/SP Secretaria Municipal de Assistência Social –
CREAS – Pinhalzinho/SC Babaçulândia/TO
CREAS – Pompéu/MG Secretaria Municipal de Assistência Social –
CREAS - Riachão do Jacuípe/BA Cascavel/PR
CREAS – Rondonópolis/MT Secretaria Municipal de Assistência Social -
CREAS - São João da Boa Vista/SP Fazenda Rio Grande/PR
CREAS – Sertaneja/PR Secretaria Municipal de Assistência Social
Divisão de Assistência e Desenvolvimento – Irati/PR
Social – Quintana/SP Secretaria Municipal de Assistência Social –
Fundação de Assistência Social (FAS) - Jardinópolis/SC
Caxias do Sul/RS Secretaria Municipal de Assistência Social -
Instituto Herdeiros do Futuro/SP Laranjeiras do Sul/PR
Movimento Todos contra a Pedofilia da Secretaria Municipal de Assistência Social –
região de São João da Boa Vista/SP Londrina/PR
MPPR – Curitiba/PR Secretaria Municipal de Assistência Social -
Prefeitura Municipal de Atalaia/PR Nova Prata do Iguaçu/PR
Prefeitura Municipal de Bauru/SP Secretaria Municipal de Assistência Social –
Prefeitura Municipal de Carpina/PE Santarém/PA
Prefeitura Municipal de Gramado/RS Secretaria Municipal de Assistência Social -
Prefeitura Municipal de Unaí/MG São José da Boa Vista/PR
Prefeitura Municipal de Zacarias/SP Secretaria Municipal de Assistência Social –
Prefeitura Santa Cruz da Esperança/SP Vitória/ES
REAME – Cariacica/ES Secretaria Municipal de Assistência Social e
Secretaria de Assistência Social – Colatina/ES Direitos Humanos - Rio de Janeiro/RJ
Secretaria de Assistência Social – Matinhos/PR Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Secretaria de Assistência Social - Munhoz Social – Patos/PB
de Mello/PR SEDES - Brasília/DF
Secretaria de Desenvolvimento Social - SEDHAST – Campo Grande/MS
São Paulo/SP SMADS – Suzano/SP
Secretaria de Desenvolvimento Social e SNPG/DDPDH/CGCTVI – Brasília/DF
Habitação – Agudo/RS
Secretaria de Desenvolvimento Social/ Colaboração:
SEDES – João Pessoa/PB Câmara Técnica do Fórum Nacional de
Secretaria de Promoção e Desenvolvimento Gestores Estaduais de Assistência Social.
Social – Alegrete/RS
Secretaria de Promoção Social e Direitos
Lista de abreviatiras e siglas

CRAS Centro de Referência de Assistência Social


CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DSEI Distrito Sanitário Especial Indígena
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FUNAI Fundação Nacional do Índio
LIBRAS Língua Brasileira de Sinais
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
NOB-RH/SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS
PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias
e Indivíduos
PAIF Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PNEP/SUAS Política Nacional de Educação Permanente do SUAS
SCFV Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
SGD Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente
SNAS Secretaria Nacional de Assistência Social
SUAS Sistema Único de Assistência Social
Sumário
Apresentação 10

Introdução 12

Princípios 14

Sistema Único de Assistência Social e o atendimento a


crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência 16

Revelação espontânea 22

Identificação de sinais de violência ou suspeita pelo (a) profissional 27

Escuta especializada no SUAS 28

Ambiente da Escuta 31

Escuta Especializada e Depoimento Especial 31

Compartilhamento de informações 33

Educação Permanente 35

Gestão e Governança do SUAS no Sistema de Garantia de Direitos


de Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência 36

Regulação e Normatização no SUAS 37

Glossário 38

Referências 40

9
Apresentação
As orientações a seguir têm como objetivo orientar e apoiar Estados,
Municípios e Distrito Federal no que diz respeito à implementação da Lei nº 13.431,
de 4 de abril de 2017 - regulamentada pelo Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de
2018 - que detalhou as finalidades do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e
do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência (SGD) e as ações para garantir o
trabalho intersetorial de forma integrada e coordenada.

A Lei nº 13.431/2017 reforça o compromisso do Brasil com a proteção às


crianças e aos adolescentes, aprimorando dispositivos do Estatuto da Criança e
do Adolescente para assegurar-lhes acolhida cuidadosa e respeito à dignidade nas
situações em que forem vítimas ou testemunhas de violência. Reforça o compromisso
do país, ainda, na coordenação de esforços e na sinergia entre os diferentes atores que
integram o SGD para a adoção de melhores medidas, procedimentos e práticas para a
garantia do superior interesse de crianças e adolescentes.

A política de Assistência Social tem um papel importante, desenvolvido


por intermédio das ofertas da Proteção Social Básica (PSB) e da Proteção Social
Especial (PSE) do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), na prevenção e no
atendimento a famílias e indivíduos que sofreram violência ou outras violações de
direitos – inclusive crianças e adolescentes - visando a superação destas situações
e o restabelecimento de condições de vida em contextos familiares e comunitários
favorecedores do desenvolvimento humano. A Lei nº 13.431/2017 e o Decreto nº
9.603/2018 reforçaram o papel da política de Assistência Social como política de
proteção social e a importância do trabalho articulado e em rede pelos diferentes
atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou
Testemunha de Violência para a proteção à integridade física e psíquica e aos direitos
das crianças e dos adolescentes que tenham vivenciados estas situações.

O documento é fruto de uma agenda de trabalho realizada com diversos atores


e tem como principal objetivo esclarecer o papel da política de Assistência Social no
SGD, sobretudo no que diz respeito à acolhida e escuta, no contexto do atendimento
prestado no SUAS, de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
Destina-se, portanto, a gestores e profissionais que atuem na PSB e na PSE do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), além dos demais atores que compõem o SGD.

10
A expectativa é que este documento respalde e facilite a atuação de
profissionais do SUAS – gestores e trabalhadores – e também elucide aos demais
atores da rede as possibilidades e limites de atuação da política de Assistência Social
no atendimento e acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de
violência e suas famílias. É de fundamental importância a clareza das competências
de cada órgão integrante do SGD, considerando as diferentes atribuições das políticas
que integram a rede de proteção e os órgãos responsáveis pela investigação e
responsabilização.

O objetivo último é, sem dúvida, qualificar as práticas voltadas à proteção


de crianças e adolescentes, para que possam crescer e se desenvolver a salvo de
qualquer forma de violência.

Lelo Coimbra
Secretário especial do Desenvolvimento Social

Mariana de Sousa Machado Neris


Secretária Nacional de Assistência Social

Maria Yvelônia dos S.A. Barbosa


Diretora do Departamento de Proteção Social Especial

11
Introdução
A violência contra crianças e adolescentes é uma preocupante realidade em
nosso país. Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, no ano de
2018 as principais denúncias de violações de direitos humanos recebidas foram de
situações envolvendo crianças e adolescentes, representando média de 209 denúncias
por dia e 55,28% do total das denúncias realizadas aos canais1.

Agravando mais esse cenário, ocorre, com acentuada frequência, a revitimização2


dessas crianças e adolescentes durante o atendimento ofertado pelas instâncias
públicas governamentais e da sociedade civil que constituem o Sistema de Garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente – SGD3. Aspectos como o despreparo de alguns
profissionais para lidar com essas situações, a falta de fluxos instituídos formalmente
para compartilhamento de informações, a dificuldade de estabelecer ações articuladas
entre os órgãos do SGD, a limitação de recursos (financeiros, estruturais, materiais e
humanos), dentre outras questões, contribuem para expor crianças e adolescentes à
exaustiva repetição do relato sobre a violação sofrida e, ainda, para a morosidade e
descontinuidade do atendimento e a baixa qualidade das ofertas.

Na perspectiva de modificar essa realidade e efetivar a proteção integral de


crianças e adolescentes, em abril de 2017 foi promulgada a Lei nº 13.431, que entrou
em vigor no ano seguinte. Esta lei normatizou o Sistema de Garantia de Direitos da
Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência, criou mecanismos
para prevenir e coibir a violência e estabeleceu medidas de assistência e proteção à
criança e ao adolescente em situação de violência, definindo, ainda, os princípios para
a escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com foco na
eliminação de procedimentos revitimizantes.

A Lei nº 13.431/2017 foi regulamentada pelo Decreto nº 9.603, de 10 de


dezembro de 2018, que detalhou as finalidades do Sistema de Garantia de Direitos
da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência e as ações para
garantir o trabalho intersetorial de forma integrada e coordenada. O principal objetivo

1 A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos (MMFDH) recebe denúncias sobre violações de direitos humanos por meio de diferentes
canais. O canal mais conhecido e também o principal receptor de denúncias é o Disque 100. As denúncias
também são recebidas pelo Clique 100 – Denúncia WEB, pela Ouvidoria Online, pelo Aplicativo Proteja
Brasil, e por canais presenciais.
2 De acordo com o Decreto nº 9.603/2018, a revitimização é o discurso ou a prática institucional que
submeta crianças e adolescentes a procedimentos desnecessários, repetitivos, invasivos, que levem
as vítimas ou testemunhas a reviver a situação de violência ou outras situações que gerem sofrimento,
estigmatização ou exposição de sua imagem.
3 O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGD) é um sistema de articulação
e integração de instituições e instâncias do poder público na aplicação de mecanismos de promoção,
defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos níveis federal,
estadual, distrital e municipal. Foi instituído pela Resolução nº 113, de 19 de abril de 2006, do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que dispõe sobre os parâmetros para a
institucionalização e fortalecimento do SGD.

12
desta lei é, justamente, evitar a revitimização da criança e do adolescente decorrentes
de procedimentos desnecessários, repetitivos e invasivos, que levem as vítimas
ou testemunhas a reviver a situação de violência ou outras situações que gerem
sofrimento, estigmatização ou exposição de sua imagem.

As duas normativas anteriormente referidas inovaram por estabelecer mecanismos


e princípios de integração das políticas de atendimento a crianças e adolescentes,
reforçando a relação de corresponsabilidade entre as políticas públicas no que tange
à garantia da proteção integral, considerando a sua condição peculiar de sujeitos
em desenvolvimento. Essas normativas demarcaram, sobretudo, a diferenciação
necessária das atribuições das instâncias do SGD, ao definir procedimentos distintos a
serem observados no atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas
de violência:

I. a escuta especializada, realizada por órgãos da rede de proteção, como os


serviços da saúde, da educação, da assistência social, dos direitos humanos
e da segurança pública; e

II. o depoimento especial, realizado pelos órgãos investigativos de segurança


pública e pelo Sistema de Justiça.

Após a aprovação da Lei nº 13.431/2017, o Governo Federal deu início a uma


agenda de trabalho intersetorial, articulando diversos atores para dialogar e elaborar
propostas de parâmetros e fluxos para o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e
do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência. A principal ação, nesse sentido, foi
a celebração do Pacto Nacional pela Implementação da Lei nº 13.431/2017, assinado
em 13 de junho de 2019 por representantes do SGD. O Pacto tem como objeto a
conjugação de esforços intersetoriais para, mediante atuação integrada entre os
pactuantes, estabelecer mecanismos para a concretização do Sistema de Garantia de
Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência. O Ministério
da Cidadania compõe a agenda de trabalho intersetorial e integra o Pacto Nacional pela
Implementação da Lei nº 13.431/2017, por meio da Secretaria Nacional de Assistência
Social – SNAS, que é responsável pela coordenação, em âmbito nacional, do Sistema
Único de Assistência Social – SUAS.

Diante da necessidade de disponibilizar orientações técnicas para a atuação da


rede socioassistencial no atendimento e acompanhamento de crianças e adolescentes
em situação de violência, a SNAS realizou, durante o ano de 2019, discussões4 com

4 As discussões foram realizadas em diferentes momentos e espaços, como reuniões técnicas no âmbito da
SNAS, reuniões da Comissão Intergestores Tripartite – CIT, oficinas nos encontros regionais do CONGEMAS
(Norte, Nordeste e Sul), videoconferência com representantes do Fórum Nacional de Secretários (as) de Estado
da Assistência Social – FONSEAS e do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social –
CONGEMAS, roda de conversa com trabalhadoras e trabalhadores da Proteção Social Básica e Especial do
Distrito Federal e de municípios circunvizinhos (Cidade Ocidental/GO, Valparaíso/GO, Planaltina/GO e Cabeceira
Grande/MG), workshop no Seminário do Pacto Nacional pela Primeira Infância – Região Sudeste.

13
diferentes atores do SUAS que subsidiaram a elaboração do presente documento, o qual
apresenta parâmetros a serem adotados pela rede socioassistencial no atendimento
à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência e suas famílias, em
cumprimento à Lei nº 13.431/2017 e ao Decreto nº 9.603/2018. A versão preliminar
deste material foi colocada em consulta pública em agosto de 2019 e, a partir das
contribuições realizadas por profissionais do SUAS e de outras áreas, apresentamos o
documento Parâmetros de Atuação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no
Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de
Violência, pactuado na 174ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite –
CIT, ocorrida no dia 13 de novembro de 2019.

Princípios
Os parâmetros constantes no presente documento orientam-se por princípios
previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/1990 e alterações posteriores), na Lei
Orgânica de Assistência Social - LOAS (Lei nº 8.742/1993 e atualizações), na Política
Nacional de Assistência Social - PNAS (Resolução CNAS nº 145/2004), na Lei nº
13.431/2017 e no Decreto nº 9.603/2018, sem prejuízo das disposições constantes
em outras normativas nacionais e internacionais de proteção, garantia e defesa de
direitos de crianças e adolescentes.

Assim, são princípios a serem observados no atendimento à criança e ao


adolescente vítima ou testemunha de violência e suas famílias:

I. Crianças e adolescentes devem ser respeitados na sua condição de sujeitos


de direitos e destinatários do direito à proteção integral e prioritária;5

II. Crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes


à pessoa humana, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade,
sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de
desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social,
região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as
famílias ou a comunidade em que vivem;6

III. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público


assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos da criança e do
adolescente;7

5 ECA, Art. 100, Incisos I e II.


6 ECA, Art. 3º.
7 ECA, Art. 4º.

14
IV. A promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser
realizada observando, sempre, o respeito à intimidade, o direito à imagem e
à vida privada;8

V. Toda criança e adolescente têm direito a ser criado e educado no seio de sua
família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento
integral;9

VI. O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias


e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para a reintegração
familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta,10
observado o disposto no Art.130 do ECA; 

VII. As intervenções devem atender prioritariamente ao superior interesse e


direitos da criança do adolescente11 e ser precoces, ou seja, efetuadas logo
que a situação de risco pessoal ou social seja conhecida;12

VIII. Crianças e adolescentes têm o direito de serem ouvidas e expressar seus


desejos, vontades e opiniões, assim como permanecer em silêncio;13

IX. A criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento


e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável (eis) devem ser
informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção
e da forma como esta se processa;14

X. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-


se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;15

XI. A Assistência Social, por meio da oferta de serviços, programas, projetos


e benefícios socioassistenciais, visa à proteção social, à prevenção e à
redução de violações de direitos, seus agravamentos ou reincidências;16

8 ECA, Art. 100, Inciso V.


9 ECA, Art. 19.
10 ECA, Art. 100, § 1°.
11 ECA, Art. 100, Inciso IV.
12 ECA, Art. 100, Inciso VI.
13 Lei nº 13.431/2017, Art. 5º, Inciso VI.
14 ECA, Art. 100, Inciso XI.
15 ECA, Art. 86.
16 ECA, Art. 87.

15
Sistema Único de Assistência Social e o atendimento
a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência
  A Assistência Social é organizada em um sistema descentralizado e
participativo denominado Sistema Único de Assistência Social (SUAS), conforme
estabelece a Lei nº 8.742/1993 (LOAS) e a Resolução CNAS nº 145/2004, que aprova
a Política Nacional de Assistência Social (PNAS). O SUAS, implantado em 2005, é
um sistema constituído nacionalmente com comando único, caracterizado pela
corresponsabilidade dos entes na gestão e no cofinanciamento e controle social
exercido pelos Conselhos de Assistência Social das diferentes esferas.

Objetivos da Política de Assistência Social


(LOAS – Lei nº 8.742/1993)

Proteção Social: visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção


da incidência de riscos.

Vigilância Socioassistencial: visa analisar territorialmente a capacidade


protetiva das famílias e a ocorrência de vulnerabilidades, ameaças,
vitimizações e danos.

Defesa de Direitos: visa garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto


das provisões socioassistenciais.

Constituem diretrizes estruturantes das ofertas do SUAS:

I. Matricialidade sociofamiliar: centralidade da família como núcleo


fundamental para o desenvolvimento dos programas, serviços, projetos e benefícios
da Política de Assistência Social, considerando que as famílias – independentemente
dos seus arranjos e configurações, que variam conforme o contexto social, histórico,
cultural e econômico – constituem espaço de proteção, socialização e de referência
para seus membros, ao mesmo tempo em que podem representar espaço de
ocorrências de violências e violações de direitos. De acordo com a PNAS, estamos
diante de uma família quando encontramos um conjunto de pessoas que se acham
unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade (BRASIL, MDS,
2004, p. 41).

16
A família, independentemente dos formatos ou modelos que assume, é
mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando
continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como
geradora de modalidades comunitárias de vida. Todavia, não se pode
desconsiderar que ela se caracteriza como um espaço contraditório,
cuja dinâmica cotidiana de convivência é marcada por conflitos e
geralmente, também, por desigualdades (BRASIL, MDS, 2004, p. 41)

[as famílias são] dialeticamente condicionadas às transformações


societárias contemporâneas, ou seja, às transformações econômicas e
sociais, de hábitos e costumes e ao avanço da ciência e da tecnologia
(BRASIL, MDS, 2004, p. 41).

II. Território: o território é o espaço geográfico, histórico e


cultural onde se constroem modos de vida e relações familiares e
comunitárias; onde emergem situações de vulnerabilidades, riscos
e violação de direitos; e onde recursos para o enfrentamento e
superação destas situações podem ser mobilizados e acessados
(MDS, 2016). O território é a base da organização do SUAS. Assim,
as ofertas da Política de Assistência Social são estruturadas na
perspectiva da descentralização, com a capilarização do atendimento
direto ao cidadão nos territórios dos municípios. Por essa lógica, o
município pode ser considerado um território com múltiplos espaços
que expressam diversas demandas e configurações sociais. Nessa
direção, ainda, constitui objeto de atuação do SUAS a comunidade
que reúne um conjunto de famílias que vivem e compartilham a
realidade de um dado território.

Considerando as diretrizes da matricialidade sociofamiliar e do território, as


situações de violência contra crianças e adolescentes não podem ser analisadas sem
considerar seu contexto de vida familiar – onde emerge a proteção e/ou violação de
direitos – e o território onde estão inseridos a criança, o adolescente e sua família.

A capacidade protetiva das famílias está diretamente relacionada a aspectos


intrafamiliares – como história, transgeracionalidade e relações estabelecidas
entre seus membros – e extrafamiliares – como redes de apoio e pertencimento,
contextos socioculturais, históricos e econômicos em que estão inseridas, acesso
a direitos e recursos das políticas públicas disponíveis no território onde vivem.
Estes elementos são essenciais para a compreensão contextualizada das situações
de violência e violação de direitos de crianças e de adolescentes e a garantia de
seu superior interesse. Estas situações são multideterminadas, se apresentam
com diferentes configurações, podem implicar violência praticada por agressor
que não pertence ao núcleo familiar e/ou violência intrafamiliar e demandam a
adoção de procedimentos caso a caso para assegurar a proteção das crianças e
dos adolescentes – pois há situações em que é possível assegurar esta proteção no
próprio contexto familiar e situações em que isso não é possível.

17
Considerando o objetivo da Assistência Social, previsto na LOAS, de prover
Proteção Social, as ofertas do SUAS17 são organizadas em 2 (dois) níveis de proteção:
Básica e Especial, orientados para promover a proteção social a famílias e indivíduos
em situação de vulnerabilidade ou risco social e pessoal.

A Proteção Social Básica visa proteger e promover o acesso de famílias e


indivíduos a direitos e prevenir situações de risco social, violências e violação de direitos
ou agravos de vulnerabilidades.

A Proteção Social Especial, por sua vez, destina-se ao atendimento a indivíduos


e famílias em situação de risco pessoal e social, incluindo violência e outras situações
de violações de direitos. As ofertas no âmbito da PSE destinam-se à preservação da
integridade, à reparação de danos decorrentes de violações de direitos, à superação de
padrões violadores, e, também ao fortalecimento das famílias no desempenho da sua
função protetiva e de suas condições de autonomia.

Assim, as ofertas do SUAS potencializam os recursos individuais, familiares e


comunitários para a superação de vulnerabilidades, das situações de risco pessoal e
social, bem como atuam na prevenção da reincidência ou agravamento das situações de
violência, situação de rua, vivência de trabalho infantil, discriminações – por orientação
sexual, raça/cor e etnia – e outros.

O Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, como unidade de referência


e gestão da Proteção Social Básica no território, é a unidade pública estatal que oferta o
Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF, que tem, dentre seus objetivos,
o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e a prevenção de situações de
risco pessoal e social, como a violência. O PAIF organiza e executa o trabalho social com
famílias nos territórios de abrangência de cada CRAS, bem como realiza atendimento sob
demanda e acompanhamento familiar às situações de vulnerabilidades mais complexas
ou com trajetórias de agravos, mediado por um plano de acompanhamento acordado
e planejado com a família. O PAIF atua com as famílias por meio de ações individuais
(acolhida e atendimentos particularizados a pessoas e famílias, encaminhamentos
à rede), visitas domiciliares (conforme indicação da equipe técnica), ações coletivas
(acolhidas coletivas, oficinas com famílias), ações comunitárias (grupos temáticos ou
de coletivização de demandas, rodas de conversas, encontros, palestras, campanhas
educativas ou temáticas, eventos comunitários), busca ativa, entre outras estratégias/
metodologias, em acordo com o contexto familiar, territorial e especificidades regionais.

Integra a Proteção Social Básica, ainda, o Serviço de Convivência e Fortalecimento


de Vínculos – SCFV, que atua de modo complementar ao trabalho social com famílias

17 As ofertas do SUAS reúnem serviços, programas, projetos e benefícios. A oferta de serviços no SUAS
é padronizada pela Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, aprovada pela Resolução
nº 109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social. No documento foram estabelecidos a
denominação dos serviços, usuários, objetivos, período de funcionamento e a unidade de oferta de cada
serviço, dentre outras especificações a serem observadas.

18
realizado pelo PAIF e pelo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a
Famílias e Indivíduos – PAEFI18. O SCFV é organizado em grupos, segundo os ciclos
de vida dos participantes19. Possui caráter preventivo e proativo, sendo ofertado de
modo a garantir as seguranças de acolhida e de convívio familiar e comunitário,
além de estimular o desenvolvimento de competências pessoais e relacionais dos
usuários, com vistas ao fortalecimento de sua autonomia. Caracteriza-se por ser
uma oferta continuada, sistemática e planejada, em acordo com o território e o ciclo
de vida, sendo um serviço com grande potencial para o fortalecimento de vínculos:
participantes entre si e destes com orientador, bem como dos participantes com a
família e a comunidade.

No que tange à Proteção Social Especial, o Centro de Referência Especializado


de Assistência Social – CREAS, é a unidade pública estatal, de abrangência municipal
ou regional, que atua enquanto lócus de referência nos territórios para a oferta do
Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI.

O atendimento ofertado pelo PAEFI compreende a realização do trabalho


social por meio do acompanhamento especializado de famílias e indivíduos em
situação de risco pessoal e social, de violência ou demais formas de violação de
direitos. Esse acompanhamento deve ser adequado às demandas e especificidades
de cada situação, sendo imprescindível a construção, em conjunto com a família
atendida, do Plano Individual e/ou Familiar de Atendimento, o qual orientará as ações
a serem desenvolvidas. O PAEFI desenvolve sua atuação por meio de atendimentos
individuais, familiares e em grupo. Do ponto de vista metodológico, ainda, “o trabalho
social no CREAS compreende três principais dimensões: Acolhida, Acompanhamento
Especializado e Articulação em Rede” (Brasil, 2011, p. 59)20.

O CREAS também pode ofertar ou referenciar o Serviço Especializado em


Abordagem Social, que objetiva identificar situações de risco e violação de direito
nos logradouros públicos, tais como situação de rua, vivência de trabalho infantil e
exploração sexual. Esse serviço visa, ainda, a oferta de atendimento no próprio contexto
do espaço público e a realização de encaminhamentos que possam contribuir para a
proteção de indivíduos e famílias. Para seu desenvolvimento são necessárias ações
de conhecimento dos territórios, escuta qualificada, construção de vínculo da equipe

18 Este serviço será detalhado a seguir no documento.


19 Crianças até 6 anos; Crianças e adolescentes de 6 a 15 anos; Adolescentes de 15 a 17 anos; Jovens de 18
a 29 anos; Adultos de 30 a 59; e Pessoas idosas.
20 Segundo a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, constitui Trabalho Essencial ao PAEFI:
“acolhida; escuta qualificada; estudo social; orientação e encaminhamentos para a rede de serviços locais;
registro dos atendimentos; elaboração de relatórios; orientação sociofamiliar; orientação jurídico-social;
identificação e mobilização da família extensa ou ampliada, bem como das redes sociais de apoio;
fortalecimento da convivência familiar, comunitária e social; visita domiciliar e institucional; estudo de
caso interdisciplinar e interinstitucional; informação, comunicação e defesa de direitos; articulação com a
rede de serviços socioassistenciais; articulação com os serviços das demais políticas públicas setoriais;
articulação interinstitucional com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; articulação
e mobilização do Sistema de Justiça, articulação com lideranças étnicas, identitárias, comunitárias e
organizações da sociedade civil; entre outras atividades” (Brasil, 2009, p. 30).

19
técnica com os (as) usuários (as), orientação sobre direitos e a rede de serviços,
encaminhamentos, entre outras. O Serviço Especializado em Abordagem Social deve
ser ofertado de forma continuada e programada, a partir de diagnóstico socioterritorial.

A abordagem social constitui-se em processo de trabalho planejado de


aproximação, escuta qualificada e construção de vínculo de confiança
com pessoas e famílias em situação de risco pessoal e social nos
espaços públicos para atender, acompanhar e mediar acesso à rede de
proteção social. (Brasil, 2013, p. 7)

O CREAS é a principal unidade da Proteção Social Especial de Média


Complexidade, mas esse nível de Proteção possui ainda outras duas unidades de
referência: o Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua
– Centro POP, que oferta o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua,
voltado para o atendimento de adultos em situação de rua, mas que atende crianças
acompanhadas dos pais ou responsáveis legais; e o Centro-Dia de Referência para
Pessoas com Deficiência e Pessoas Idosas, sendo que existem unidades específicas
para o atendimento de crianças com deficiência que estão em situação de dependência
de cuidados e suas famílias.

Para as situações de abandono, ausência de referências familiares, rompimento


dos vínculos familiares ou necessidade de afastamento provisório do convívio
familiar, compete ao SUAS a oferta dos Serviços de Acolhimento21, que integram a
Proteção Social Especial de Alta Complexidade. No caso de crianças e adolescentes,
o afastamento do convívio com a família exige a aplicação de medida protetiva de
acolhimento pela autoridade competente22. Estes serviços funcionam como moradia
provisória e excepcional até que a criança ou adolescente possa retornar ao convívio
com a família de origem, extensa ou ampliada, ou, em último caso, seja colocada
em família substituta por meio da adoção. O atendimento qualificado a crianças e
adolescentes nesses serviços exige estudo diagnóstico que fundamente a necessidade
do acolhimento; Plano Individual de Atendimento (PIA); acompanhamento da família
de origem e extensa; mobilização da família extensa ou ampliada, bem como das redes
sociais de apoio; participação na vida comunitária; promoção de atividades cotidianas
para o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, como acesso à escola,
serviços de saúde, lazer, cultura, dentre outros, com vistas à garantia da convivência
familiar e comunitária e ao desenvolvimento da autonomia.

21 Serviço de Acolhimento Institucional (Abrigo institucional; Casa-Lar; Casa de Passagem; Residência


Inclusiva); Serviço de Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora.
22 De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a determinação do afastamento da criança ou
adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária (Art. 101, § 2º), salvo
acolhimentos de caráter excepcional e de urgência, os quais devem ser comunicados em até 24 (vinte e
quatro) horas ao Juiz da Infância e da Juventude (Art. 93).

20
O conjunto dos serviços socioassistenciais deve primar, ainda, pela
garantia de acesso e qualificação do atendimento às especificidades da população.
Nesse sentido, destaca-se a necessidade de romper barreiras de acessibilidade
comunicacional e espacial a fim de garantir o acesso às pessoas com deficiência
e proteção social desse público. Para isso, devem-se utilizar recursos de tecnologia
assistiva23, como metodologias específicas de atendimento, intérprete de LIBRAS,
comunicação alternativa, entre outras, para proporcionar a plena acessibilidade no
atendimento realizado.

Também é necessário adotar procedimentos específicos para o atendimento


culturalmente adequado de crianças e jovens indígenas ou pertencentes aos demais
povos e comunidades tradicionais24. Nesses casos, é imprescindível a articulação
com a Coordenação Regional da FUNAI25 e com o DSEI26 para intermediar a relação
com o povo indígena de origem da criança ou adolescente e, quando for o caso,
contribuir para romper as barreiras linguísticas. Da mesma forma, é indispensável
a consulta às lideranças e aos povos indígenas ou outros povos e comunidades
tradicionais para planejar o desenvolvimento do trabalho socioassistencial e definir os
encaminhamentos a serem realizados.

As crianças e os adolescentes e suas famílias podem ser atendidas por mais de


um serviço socioassistencial ao mesmo tempo, em quaisquer dos níveis de proteção,
pois os serviços podem ser complementares para atingir os objetivos propostos
dentro do espoco da Política de Assistência Social. Nessa perspectiva, os serviços
socioassistenciais são orientados, ainda, a atuar de forma integrada e articulada,
com referência e contrarreferência, o que requer a realização de ações em conjunto,
tais como: diagnóstico, planejamento, estudos e reuniões periódicos, atuação nos
territórios e em rede, troca de informações e dados, estudos de caso, construção dos
Planos e/ou prontuários, atividades em grupo, atividades comunitárias, campanhas,
dentre outras, sempre observando o cuidado com informações que exijam sigilo.

Reforça-se que a proteção integral de crianças e adolescentes no âmbito do SUAS


constitui responsabilidade de todos os entes federados, incluindo o planejamento e a

23 De acordo com a Lei nº 13.146/2015, considera-se tecnologia assistiva: produtos, equipamentos,


dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a
funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade
reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
24 De acordo com o Decreto nº 6.040/2007, povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição. São identificados como povos ou comunidades tradicionais: Povos Indígenas, Quilombolas,
Seringueiros, Castanheiros, Quebradeiras de coco-de-babaçu, Comunidades de Fundo de Pasto,
Faxinalenses, Pescadores Artesanais, Marisqueiras, Ribeirinhos, Varjeiros, Caiçaras, Praieiros, Sertanejos,
Jangadeiros, Ciganos, Açorianos, Campeiros, Varzanteiros, Pantaneiros, Geraizeiros, Veredeiros,
Caatingueiros, Retireiros do Araguaia, entre outros.
25 Fundação Nacional do Índio.
26 Distrito Sanitário Especial Indígena.

21
provisão da oferta de serviços e benefícios nos territórios. Compete às trabalhadoras
e aos trabalhadores do SUAS as responsabilidades éticas e técnicas no trabalho
interdisciplinar, tanto no âmbito da gestão quanto no do atendimento pelas equipes
de referência dos serviços normatizadas na NOB-RH/SUAS (Resolução CNAS nº
269/2006) e nas Resoluções CNAS nº 17/2011 e nº 09/2014, que ratificam as equipes
de referência definidas pela NOB-RH/SUAS e reconhecem os profissionais de nível
superior, ensino médio e ensino fundamental que atuam no SUAS.

Diante das situações de violência e violação de direitos contra crianças


e adolescentes, vítimas ou testemunhas, o SUAS disponibiliza todo o
seu arcabouço de ofertas, tanto aquelas voltadas à prevenção, por meio
dos serviços da Proteção Social Básica, quanto aquelas voltadas ao
atendimento e acompanhamento das situações mais grave, por meio
dos serviços da Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade.

Com base na Lei nº 13.431/2017, o SUAS tem por objetivo realizar o atendimento
e/ou acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência e suas famílias,
com vistas a evitar a continuidade e repetição da violência, fornecer suporte para
superação das consequências da violação sofrida e prevenir agravos, limitando-se ao
cumprimento da sua finalidade de proteção socioassistencial.

Revelação espontânea
Quando a criança ou adolescente, em um contexto de atendimento já em
andamento no SUAS, revelar espontaneamente que vivenciou ou testemunhou
situação de violência para a (o) profissional do SUAS, os seguintes procedimentos
devem ser adotados:

I. Acolhida da revelação espontânea: A revelação espontânea pode


ocorrer para qualquer trabalhadora ou trabalhador do SUAS 27, pois
é realizada, geralmente, ao profissional com o qual a criança ou o
adolescente possui vínculo mais significativo e sente confiança.
Portanto, toda trabalhadora e todo trabalhador do SUAS deve estar
preparado para observar sinais e acolher a revelação espontânea da
criança e do adolescente que podem estar vivenciando situação de
violência. Nesses casos, todo esforço deve ser empreendido no sentido
de evitar a revitimização da criança ou do adolescente com escutas,
procedimentos e encaminhamentos inadequados ou desnecessários.

27 Inclusive para aqueles que não são os (as) responsáveis diretos pelo atendimento e acompanhamento
socioassistencial, o que inclui até mesmo os (as) profissionais que exercem funções de nível fundamental
de escolaridade.

22
Nos casos em que a criança ou o adolescente fizer a revelação
espontânea, é importante:

a) Se mostrar acessível e disponível para a escuta,


caso a criança ou adolescente demonstre querer se
manifestar sobre a situação, respeitando seu próprio
ritmo, vocabulário e sua forma de comunicação, sem
interpretação, avaliação e julgamento por parte de quem
escuta. É fundamental assegurar privacidade, bem como
evitar ansiedade ou curiosidade por informações e
detalhes que levem a criança ou o adolescente a se sentir
pressionado a contar algo.

b) Buscar identificar se a criança ou adolescente já se


manifestou sobre a situação com outra pessoa, as ações
de proteção adotadas, se for o caso, ou se há situação de
omissão/negligência; identificar possíveis responsáveis/
pessoa de referência que podem exercer a proteção
no âmbito familiar (família de origem ou extensa) e
comunitário. Para alcançar tais objetivos pode-se utilizar
a pergunta orientadora: Alguém mais sabe disso?28

 Caso a criança ou adolescente informe que já


realizou o relato para algum adulto (familiar,
profissional de outro serviço, etc.), deve-se priorizar
a coleta de informações junto a essa pessoa, de
modo a proteger a criança ou adolescente da
repetição do relato sobre a situação de violência
vivenciada. No entanto, isso não deve interromper
a acolhida da criança ou adolescente que fez a
revelação espontânea.

c) Proporcionar a acolhida e escuta do relato espontâneo,


estabelecendo ou reafirmando o vínculo para proceder ao
acompanhamento familiar. Para alcançar tais objetivos,
pode-se utilizar a pergunta orientadora: Você quer falar
sobre isso?

II. Escuta do livre relato: Quando a criança ou adolescente expressar interesse


em se manifestar sobre a situação de violência da qual foi vítima ou
testemunha (mesmo que já tenha relatado a situação a outra pessoa), a
escuta deve permitir o livre relato, respeitando o desejo do sujeito, e também

28 Considerar a necessidade de identificar pessoas adultas/responsáveis que já podem ter ciência da violência
sofrida pela criança ou adolescente (amigo (a), irmão ou irmã, professor (a), tia ou tio, vizinha (o) etc.).

23
o seu silêncio, com o mínimo de interferência possível no relato espontâneo.
É importante que o profissional se mostre acessível e disponível para a
escuta; não realize perguntas que possam constranger ou reprimir a criança
ou o adolescente ou induzir respostas. Recomenda-se que sejam evitadas
perguntas cujas respostas não agreguem informações necessárias para a
proteção da criança e do adolescente e para a realização de encaminhamentos
subsequentes para os órgãos do SGD – como o encaminhamento para
provisão de cuidados urgentes no âmbito da saúde, por exemplo. Também
não se deve colocar em dúvida o relato e nem submeter a criança ou
adolescente a julgamentos morais e/ou discriminatórios29.

OBS.: No caso da revelação ocorrer perante trabalhadora ou


trabalhador do SUAS que não é responsável direto pelo atendimento
e acompanhamento socioassistencial (por exemplo, profissionais
de serviços gerais), preferencialmente, a escuta deve ser realizada
em conjunto com quem acolheu a revelação espontânea e um (uma)
profissional da equipe de referência responsável direto pelo atendimento
e acompanhamento socioassistencial, de nível médio ou superior. No
entanto, tal situação pressupõe que seja possível atender à demanda
imediatamente e que haja o consentimento da criança ou adolescente
em relação à participação de outro (a) profissional na escuta de
seu relato; caso contrário, o (a) profissional que acolheu a revelação
espontânea deve escutar o relato e posteriormente acionar o (a)
profissional responsável direto pelo atendimento e acompanhamento
socioassistencial.

III. Informação à criança e ao adolescente sobre possíveis desdobramentos


da revelação: A criança e o adolescente devem sempre ser informados,
em linguagem adequada à sua capacidade de compreensão, sobre
os desdobramentos da revelação. Tais desdobramentos podem
incluir os encaminhamentos aos demais órgãos da rede de proteção
e responsabilização e repercussões relacionadas (próximos passos,
repercussões da revelação, direitos assegurados, etc.); a continuidade do
atendimento no serviço do SUAS; a inclusão em outros serviços da política

29 Assim, não devem ser feitas perguntas do tipo: “Foi [nome da pessoa/grau de parentesco] que fez isso
com você?” (não direcionar um nome, para não induzir respostas); “Como ou o que exatamente o(a)
[nome/parentesco] fez?”; “O que você sentiu quando isso aconteceu?”; “O que você acha que vai acontecer
quando sua família/outras pessoas descobrir (em)?”; “Você sabe que isso é muito sério e pode prejudicar
muitas pessoas?”; “Você nunca tentou fazer nada para que isso não acontecesse?”.
As situações de violência contra adolescentes, especialmente situações de violência sexual contra
adolescentes do sexo feminino, tendem a ser ainda mais estigmatizadas, pois parte-se do pressuposto
que nessa fase da vida a adolescente já tem plenas condições de compreender e de se proteger de
determinadas situações de violência, ou mesmo que esta seria “culpada” por ter sofrido violência ou
julgada “por comportamento tido como inadequado” ou por “usar vestimenta inapropriada”. Nessas
situações é imprescindível à/ao profissional assumir postura ética e orientada para a proteção integral,
para não revitimizar a/o adolescente e não culpabilizar a vítima.

24
de assistência social, saúde, etc. Também deve-se buscar abordar com a
criança e o adolescente a possibilidade de comunicar a situação a familiar/
responsável ou pessoa com vínculo significativo com o qual possa contar
para assegurar sua proteção. Estas informações à criança e ao adolescente
têm como objetivo assegurar-lhes o direito à participação e informação sobre
procedimentos que lhe dizem respeito, para que tenham a consciência de que
houve uma violação de seus direitos, que precisam ser protegidos e que o (a)
profissional do SUAS deve realizar encaminhamentos e procedimentos para
assegurar sua proteção. Objetivam, ainda, preservar a relação de confiança,
evitando-se que as crianças e os adolescentes sejam surpreendidas com as
ações dos órgãos competentes e se sintam traídos ou em conflito ético para
com os (as) profissionais do SUAS.

IV. Identificação de demandas de cuidados imediatos ou urgentes: É necessário,


durante o momento de escuta do relato, identificar possíveis demandas de
cuidados que requerem encaminhamento urgente para serviços de saúde,
como situações de violência sexual ou lesões físicas, por exemplo.

OBS.: Caso o (a) profissional que tenha realizado essa identificação


não seja responsável direto pelo atendimento e acompanhamento
socioassistencial, deve-se comunicar imediatamente o (a) profissional
responsável pelo atendimento direto para que possa tomar as medidas
necessárias aos devidos encaminhamentos para os serviços de saúde.

V. Relato imediato para a equipe de referência: O (A) profissional do SUAS que


realizou a escuta da revelação espontânea e do livre relato deve acionar,
com brevidade, os (as) profissionais responsáveis diretos pelo atendimento
e acompanhamento socioassistencial, para que se possa avaliar as
medidas que devem ser tomadas para assegurar a proteção da criança e
do adolescente – que podem incluir encaminhamentos a órgãos da rede
de proteção e responsabilização, serviços de saúde, início do atendimento
e acompanhamento socioassistencial da criança ou adolescente e sua
família considerando a situação relatada, etc. Essa equipe procederá aos
encaminhamentos necessários, inclusive os casos que demandarem
encaminhamento urgente para os serviços de saúde.

a) As informações que o (a) profissional transmitirá à equipe


responsável pelo atendimento e acompanhamento
socioassistencial devem se ater ao mais próximo possível
à reprodução do relato da criança ou adolescente, sem
interpretações ou julgamentos por parte do (da) profissional.

b) O meio pelo qual o (a) profissional acionará a equipe


responsável direta pelo atendimento e acompanhamento
socioassistencial deve ser definido em âmbito local
- comunicação oral, relato escrito, reunião de equipe,

25
dentre outros procedimentos - e considerar a celeridade do
atendimento que estas situações exigem.

VI. Comunicação ao Conselho Tutelar: A equipe responsável direta pelo


atendimento e acompanhamento socioassistencial que tenha realizado a
escuta da revelação espontânea e do livre relato, ou tenha sido acionada por
outro (a) profissional que realizou essa escuta, deve comunicar a situação ao
Conselho Tutelar, o qual acionará os outros órgãos do Sistema de Garantia
de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência,
respeitando os fluxos estabelecidos localmente.

a) Em municípios que tenham centros integrados ou serviços


definidos para escuta especializada, a comunicação
com Conselho Tutelar poderá seguir fluxo diferenciado
a depender da pactuação regional e local, prezando-se
sempre pela não revitimização.

b) A comunicação deve ser acompanhada de relatório no


qual conste o registro dos procedimentos já adotados pela
unidade ou serviço socioassistencial e, quando houver,
o livre relato da criança ou adolescente e as informações
coletadas junto à família ou acompanhante, que possam
subsidiar a atuação da rede intersetorial sem que a vítima
ou testemunha de violência necessite repetir o relato sobre
os fatos vivenciados, evitando-se, assim, a revitimização da
criança ou adolescente.

VII. Encaminhamento para acompanhamento especializado no CREAS:


Preferencialmente, as crianças e adolescentes em situação de violência e
suas famílias serão encaminhadas para acompanhamento socioassistencial
especializado no PAEFI/CREAS. Observadas as demandas de cada caso, tal
acompanhamento deve ocorrer em articulação com os demais serviços,
programas, projetos e benefícios do SUAS, especialmente na relação
de referência e contra referência com o PAIF/CRAS, de acordo com as
demandas da família.

a) Nos municípios em que não houver CREAS, a criança ou


o adolescente e sua família devem ser encaminhados à
equipe ou ao técnico de referência da Proteção Social
Especial da Secretaria Municipal de Assistência Social ou
congênere.

Nos casos em que a situação de violência seja revelada por outra pessoa
que não a criança ou adolescente vítima ou testemunha (por exemplo: familiares

26
ou pessoas da comunidade), o (a) profissional do SUAS deve realizar a acolhida e
a escuta do relato e comunicar o fato ao Conselho Tutelar, que acionará os demais
órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Crianças e do Adolescente Vítima ou
Testemunha de Violência, respeitando o fluxo local estabelecido. O (a) profissional
deve ainda informar à pessoa que revelou a situação sobre os encaminhamentos que
serão realizados e a possibilidade de ter sua identidade preservada, garantindo-se o
sigilo profissional.

De acordo com a Lei e o Decreto que estabelecem e regulamentam o


Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente vítima ou
testemunha de violência, compõem esse sistema os órgãos de saúde,
assistência social, educação, direitos humanos, segurança pública e justiça.

Estes órgãos se dividem entre: órgãos da rede de proteção, considerando


as instituições relacionadas às políticas de saúde, assistência social,
direitos humanos e segurança pública, e órgãos de investigação e
responsabilização que estão no escopo da segurança pública e da justiça.

Identificação de sinais de violência ou suspeita pelo


(a) profissional
No decorrer do atendimento ou acompanhamento socioassistencial, em
qualquer unidade ou serviço do SUAS, pode ocorrer a identificação de sinais físicos
ou comportamentais que podem estar associados à ocorrência de violência contra
criança ou adolescente, sem que haja, necessariamente, a revelação espontânea
(verbal ou por meio de comunicação alternativa) para o (a) profissional do SUAS.
Assim, todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores da rede socioassistencial
devem estar qualificados e atentos para identificar essas situações, bem como realizar
a acolhida da revelação espontânea, de forma a evitar a revitimização ou omissão
diante de casos de violência contra crianças e adolescentes (e, mais grave, a repetição
da violência).

Os sinais de violência geralmente se revelam no corpo ou por meio de


comportamentos que podem ser observados em conversas informais ou atendimentos
sistemáticos nos serviços e programas. Alguns sinais que merecem atenção são: lesão,
hematoma ou marca pelo corpo; queixa de dores ou desconforto; mudança repentina
do comportamento (por exemplo: uma criança que é extrovertida e comunicativa
passar a ser mais retraída e calada); comportamento obsessivo, tiques, manias;

27
sonolência, cansaço constante ou indisposição frequente; tristeza e isolamento social;
baixa autoestima; agitação ou irritação extrema; perda da confiança nas pessoas; entre
outros. A presença destes sinais por si só não deve ser tomada como evidência de
que houve uma violência, sendo importante, todavia, que os (as) profissionais estejam
atentos a estes sinais e busquem mais elementos para compreendê-los.

Uma vez identificado que estes sinais podem corresponder a situações de


violência – ainda que não haja a confirmação do fato e seja uma suspeita fundamentada
– o (a) profissional deverá comunicar a situação ao Conselho Tutelar, o qual acionará
os outros órgãos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência, de acordo com o fluxo estabelecido
em âmbito local.

Esses casos não devem interromper o acompanhamento socioassistencial


realizado com a criança, o adolescente e sua família. Pelo contrário, devem ser
considerados para a adequação da continuidade do acompanhamento pelos serviços
do SUAS, inclusive como parte do processo de elaboração e revisão do Plano de
Acompanhamento Familiar.

Escuta especializada no SUAS


A Lei nº 13.431/2017, em seu art. 7º, estabelece que a “Escuta especializada é o
procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente
perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para
o cumprimento de sua finalidade”. Já o Decreto nº 9.603/2018, em seu art. 19, detalha
melhor sobre a escuta especializada, definindo-a como o “procedimento realizado
pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência
social, da segurança pública e dos direitos humanos, com o objetivo de assegurar
o acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência, para a superação
das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o
cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados”.

A referida Lei nomeia os atores que fazem esta escuta, de acordo com o escopo
de cada um, e diferencia esse procedimento do Depoimento Especial, cuja finalidade é
a produção de provas para o processo de investigação e responsabilização. No SUAS, a
escuta especializada a que se refere a Lei nº 13.431/2017 e o Decreto nº 9.603/2018
poderá ser realizada no âmbito dos serviços, em razão de uma revelação espontânea
ou livre relato em um contexto de atendimento já em andamento. Nas localidades
onde houver centros específicos ou integrados para escuta especializada, nos termos
do art. 16 da Lei nº 13.431/2017, recomenda-se a elaboração de fluxos e orientações
locais para o referenciamento deste procedimento a estes centros.

A escuta especializada no SUAS tem analogia com a escuta qualificada já

28
desenvolvida por profissionais que atuam nas unidades e serviços socioassistenciais,
possuindo um caráter protetivo para a criança e o (a) adolescente. A legislação,
ao normatizar mecanismos e princípios para o atendimento da criança e do (da)
adolescente vítima ou testemunha de violência, busca qualificar e aprimorar o SGD.
Não é necessário, portanto, que sejam compostas novas equipes para a realização da
escuta qualificada.

A escuta qualificada prevista na Política Nacional de Assistência Social e


demais normativas do SUAS está presente no desenvolvimento de todos os serviços
socioassistenciais, sendo atribuição de todas e todos profissionais que compõem as
equipes responsáveis diretas pelo atendimento e acompanhamento socioassistencial
e deve estar fundamentada em pressupostos éticos e respaldada pelo sigilo
profissional.

A escuta é qualificada porque os (as) profissionais da assistência social


devem exercitar ao longo de sua atuação a habilidade de escutar com atenção e
respeito e de compreender de maneira ampliada as demandas, as necessidades
e as potencialidades dos indivíduos e das famílias atendidos, demonstrando para
com eles compromisso e responsabilidade diante da situação vivenciada. Para além
de um procedimento metodológico, a escuta qualificada é um processo contínuo e
transversal ao trabalho social com famílias e indivíduos que possibilita conhecer a
família e seu contexto, constituindo-se, assim, como elemento distintivo para atuação
do SUAS no enfrentamento e prevenção das situações de vulnerabilidade, de risco, de
violação de direitos e de violência.

Nessa perspectiva, a escuta qualificada no SUAS é parte do trabalho social


realizado nos serviços, programas e projetos do SUAS e deve ser orientada pelos
objetivos da Assistência Social previstos na LOAS30.

A escuta qualificada visa à compreensão das vulnerabilidades e riscos sociais,


assim como identificação de potencialidades e recursos para assegurar a proteção a
crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Os (as) profissionais da
Assistência Social realizam a escuta visando promover a acolhida e a compreensão
das possibilidades de prevenção, proteção e enfrentamento da situação de violência
e demais formas de violação de direitos, por meio de encaminhamentos à rede de
proteção e responsabilização, acesso às ofertas socioassistenciais e de outras
políticas, e a informação e mediação para o acesso a direitos, visando a proteção da
criança, adolescente e suas famílias.

É preciso considerar que as crianças ou adolescentes e suas famílias podem

30 Objetivos da Assistência Social, nos termos do Art. 2º da Lei n° 8.742/1993: I – a proteção social,
que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos; II – a vigilância
socioassistencial, que visa analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e a ocorrência
de vulnerabilidades, ameaças, vitimizações e danos; e III – a defesa de direitos, que visa garantir o pleno
acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais.

29
estar em situação de extrema fragilidade emocional e relacional, o que afeta sua
forma de se expressar. Assim, a escuta qualificada se fundamenta na capacidade dos
(das) profissionais de apreender para além do que foi dito; de analisar e compreender
as entrelinhas das falas e discursos; e de se atentar para comportamentos e sinais
que possam evidenciar a vivência de situações de violência e demais violações de
direitos. Nesse processo é preciso levar em consideração:

a) a fragilidade emocional e social das usuárias e dos usuários;

b) o agravamento das situações de risco;

c) o surgimento de novos riscos;

d) os entrelaçamentos de inúmeras violências que podem estar


presentes nestas situações; e

e) o desconhecimento dos meios para a sua proteção e/ou a descrença


ou desconfiança inicial dos(das) usuários(as) nas instituições.

O processo de escuta qualificada no SUAS implica, ainda, o necessário


reconhecimento da multidimensionalidade das situações de vulnerabilidade, risco,
violência e demais formas de violações de direitos, compreendendo que fatores
pessoais, sociais, estruturais, comunitários, econômicos, culturais e territoriais
compõem estas situações. Isso é fundamental para que as situações de violência
contra crianças e adolescentes possam ser retiradas da invisibilidade e não sejam
tratadas de forma banalizada, avocando a responsabilidade e intervenção de diferentes
atores para seu enfrentamento.

É importante destacar que o sigilo e a privacidade da criança ou adolescente


vítima ou testemunha de violência e de suas famílias devem ser preservados ao
longo de todo esse processo. Por isso os procedimentos para registro e os fluxos
para compartilhamento das informações devem ser definidos e articulados com todos
os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes Vítimas
ou Testemunhas de Violência, a fim de que cada órgão se implique no processo
de corresponsabilidade para a proteção integral dessas crianças e adolescentes e
respeite a horizontalidade na relação entre os órgãos.

Nos casos em que a revelação espontânea ou o livre relato sobre a situação


de violência tenha ocorrido em outro serviço da rede socioassistencial ou de outras
políticas públicas, o serviço em questão deve compartilhar com os órgãos da Assistência
Social as informações já obtidas, evitando-se que a criança ou adolescente necessite
repetir o relato sobre a violência sofrida ou testemunhada. Nessa perspectiva, caso
seja necessário, o profissional do SUAS deve buscar identificar – com a família ou
responsável pela criança ou adolescente, ou mesmo com a criança ou adolescente
– se o relato sobre a situação de violência já foi realizado em algum outro serviço da
rede de proteção.

30
A proteção em face da revitimização não significa que a criança ou o adolescente
não receberá o devido atendimento socioassistencial, mas que ela não será requisitada
a se manifestar novamente sobre a situação de violência vivida ou testemunhada. No
entanto, caso a criança ou adolescente expresse desejo em se manifestar sobre a
situação, a escuta deve ser realizada, considerados os princípios estabelecidos. É
importante compreender que o relato e a escuta podem ter um caráter terapêutico
para algumas pessoas e essa vontade deve ser respeitada e acolhida. A reparação do
sofrimento gerado pela situação de violência vivida implica, muitas vezes, que a criança
e o adolescente possam falar sobre isso. Contudo, nesses casos, é importante avaliar
a necessidade de encaminhamento para o devido acompanhamento psicoterapêutico
na rede de saúde.

Ambiente da Escuta
Sempre que possível, deve-se oportunizar o processo de escuta qualificada no
atendimento socioassistencial em ambiente acolhedor, que proporcione privacidade
e sigilo. Todavia é importante ressaltar que a revelação espontânea ou o livre relato
sobre a violência vivida ou testemunhada pode emergir ao longo de um atendimento
ou acompanhamento realizado em serviço socioassistencial em diferentes contextos
– como o domicílio do usuário, espaços de atendimento coletivo ou individual
em unidades socioassistenciais, e até mesmo no espaço público. Portanto, não
é necessário criar novos espaços no SUAS para acolher revelações espontâneas
ou livre relato sobre situações de violência vividas ou presenciadas pela criança ou
adolescente, mas preparar os (as) profissionais para que as revelações ou relatos
possam ser acolhidos em diferentes contextos de atendimento.

A revelação espontânea ou livre relato pode emergir, ainda, de forma processual,


podendo, nestes casos, o (a) profissional recorrer à utilização de espaços nas unidades
socioassistenciais com ambiente que garanta maiores condições de privacidade,
sigilo e acessibilidade necessárias para atender às finalidades do atendimento e
acompanhamento socioassistencial.

Escuta Especializada e Depoimento Especial


Conforme previsto na Lei nº 13.431/2017 e no Decreto nº 9.603/2018,
diferentemente da escuta especializada, que não tem o escopo de produzir prova,
o depoimento especial é o procedimento de oitiva que visa à produção de provas
para o processo de investigação e responsabilização, realizado, exclusivamente,
perante autoridade policial ou judiciária. O depoimento especial deve ser regido, ainda,

31
por protocolo de oitiva, e ser realizado em sala adequada e equipada especificamente
para este procedimento.

É fundamental a clareza das competências de cada órgão integrante do SGD,


considerando, especialmente, as diferenças entre a rede de proteção e os órgãos de
investigação e responsabilização. Assim como é imprescindível ter clareza quanto aos
objetivos e finalidades dos procedimentos de escuta especializada e de depoimento
especial, com respeito às atribuições de cada ator na realização destes.

A rede socioassistencial não deve ter seu papel institucional confundido com o
de outras políticas ou órgãos do Sistema de Garantia de Direitos e, por conseguinte, as
funções de sua equipe com as de equipes interprofissionais de outros atores. Também
não deve assumir a atribuição de investigação para verificação e/ou confirmação da
ocorrência de violência ou para a responsabilização de autores e autoras de violência,
tendo em vista que seu papel institucional é definido pelo escopo de competências
do SUAS31. Nessa perspectiva, ressalta-se que as trabalhadoras e os trabalhadores
do SUAS não realizam e não participam do procedimento de depoimento especial,
assim como a escuta realizada na rede socioassistencial não tem a função de
interrogar vítimas ou testemunhas e de produzir provas. Nesse sentido destaca-se
que não compete aos profissionais do SUAS produzir provas, realizar laudos, perícias
e pareceres em relação às violências. Nesse sentido, não compete à Assistência
Social executar ações que se caracterizem como de investigação, com finalidade de
produzir provas e responsabilização. Entretanto, situações demandadas pelo Sistema
de Justiça que não estejam sob acompanhamento social deverão ser inseridas no
atendimento e acompanhamento dos serviços socioassistenciais.

No entanto, visando assegurar a proteção integral de crianças e adolescentes e a


não revitimização, é fundamental que entre os órgãos do SGD haja compartilhamento
das informações obtidas junto às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência, aos membros da família e a outros sujeitos de sua rede socioafetiva, e que
podem contribuir com a continuidade do acompanhamento na rede de serviços. Esse
compartilhamento de informações deve se dar por meio de relatórios, em conformidade
com o fluxo estabelecido localmente, preservando, assim, o sigilo das informações.
Tais relatórios, quando elaborados por profissionais do SUAS para compartilhar
com outros órgãos do SGD, podem conter informações sobre os atendimentos e
acompanhamento realizados às famílias, às crianças e aos adolescentes, as ações
desenvolvidas e os encaminhamentos realizados, além do relato sobre a situação
de violência, quando houver, sempre resguardando o sigilo profissional dos (das)
profissionais do SUAS.

31 Em 2016, a Secretaria Nacional de Assistência Nacional publicou a Nota Técnica nº 02/2016/SNAS/MDS


que trata sobre a relação entre o SUAS e os órgãos do Sistema de Justiça. Neste documento, é descrita a
natureza do trabalho social desenvolvido pelos profissionais das equipes de referência no âmbito do SUAS,
de modo a reconhecer e afirmar seu escopo de atuação e subsidiar o diálogo na relação interinstitucional,
presente nos territórios, com os órgãos do Sistema de Justiça, tais como Poder Judiciário, Ministério
Público e Defensoria Pública, definindo as possibilidades, desafios e limites dessa relação.

32
Compartilhamento de informações
A fim de evitar a revitimização de crianças e adolescentes, os órgãos do
SGD devem compartilhar entre si, de forma integrada, por meio de relatórios e em
conformidade com o fluxo estabelecido em âmbito local, as informações sobre a
situação de violência relatadas espontaneamente no atendimento e que podem
contribuir para a continuidade do acompanhamento das vítimas ou testemunhas de
violência e suas famílias. Tais informações devem ser registradas de maneira objetiva,
sem interpretações por parte do (da) profissional, aproximando-se o máximo possível
do relato realizado pela criança ou adolescente em situação de violência, pela sua
família ou por outras pessoas da sua rede comunitária.

Os (as) profissionais do SUAS devem participar do compartilhamento de


informações com o SGD por meio de relatórios específicos para esta finalidade,
organizados pelo coordenador (a) do serviço em conjunto com o (a) técnico (a) de
referência. Estes relatórios podem conter informações sobre a situação de violência,
quando houver esse relato, e sobre o acompanhamento socioassistencial realizado
com a criança ou adolescente e sua família.

No trabalho em rede, para atender os interesses de crianças e adolescentes,


além do compartilhamento de informações por meio de relatórios, as informações
poderão ser compartilhadas em reuniões interinstitucionais, audiências concentradas
e outros dispositivos que visam o cumprimento da legislação.

Todo esse processo deve assegurar a reserva no compartilhamento


destas informações aos órgãos do SGD que efetivamente precisem ter acesso às
mesmas, resguardando-se, assim, a privacidade da criança e do adolescente e sua
família e o respeito às questões relativas à ética e sigilo profissional. Ressalta-
se que entre os serviços com responsabilidade de atuação na situação, o sigilo
é transferido e compartilhado, mas não quebrado. Ou seja, o compartilhamento de
informações essenciais para o prosseguimento do atendimento em outros órgãos
do Sistema de Garantia de Direitos não deve ser entendido como a quebra do sigilo,
mas como a transferência deste aos demais órgãos responsáveis pelo atendimento
de crianças e adolescentes em situação de violência e suas famílias, como forma de
evitar a revitimização e assegurar direitos das crianças ou adolescentes vítimas ou
testemunhas de violência32.

32 Nos termos do Art 9º, § 2º, do Decreto nº 9.603/2018 “Os serviços deverão compartilhar entre si, de
forma integrada, as informações coletadas junto às vítimas, aos membros da família e a outros sujeitos
de sua rede afetiva, por meio de relatórios, em conformidade com o fluxo estabelecido, preservado o
sigilo das informações”.

33
Em casos de extrapolação ao compartilhamento das informações no âmbito
dos órgãos que efetivamente precisam das mesmas para a proteção à
criança e ao adolescente, os (as) profissionais podem incorrer no previsto no
Art. 154 do Código Penal Brasileiro.

Além disso, algumas categorias profissionais, como de assistentes sociais,


psicólogos (as) e advogados (as), por exemplo – têm códigos de ética
próprios que normatizam sobre a responsabilidade do sigilo profissional e as
sanções no caso de desrespeitá-la.

No processo de discussão e elaboração dos fluxos intersetoriais deve-se buscar


a definição de fluxos de encaminhamento e compartilhamento de informações entre
a rede de proteção e os órgãos de responsabilização. Essa estratégia visa contribuir
para o adequado compartilhamento destas informações, com respeito a questões
de privacidade, ética e sigilo e, ainda, a horizontalidade no compartilhamento de
informações entre órgãos corresponsáveis componentes do Sistema de Garantia de
Direitos. De igual modo deve-se priorizar a constituição de grupos intersetoriais para
discussão e estudo de caso em conjunto, na perspectiva de contribuir de forma mais
coletiva e qualificada em detrimento da participação de profissionais da rede como
testemunha nos processos judiciais.

A requisição de que profissionais do SUAS testemunhem em processos de


investigação e responsabilização das situações de violência envolvendo
crianças ou adolescentes e suas famílias acompanhados na rede
socioassistencial pode trazer significativos prejuízos à continuidade do
acompanhamento realizado pelas equipes do SUAS, pois pode incorrer na
quebra dos vínculos de confiança entre os indivíduos e famílias atendidos e
profissionais.

34
Educação Permanente
Para ofertar um atendimento socioassistencial qualificado às crianças e
adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e suas famílias, é importante que
o órgão gestor da política de Assistência Social promova ou possibilite a participação
de todos (as) os (as) profissionais do SUAS em ações de educação permanente, de
acordo com a Política Nacional de Educação Permanente do SUAS – PNEP/SUAS33.
É necessária a capacitação sobre temas e metodologias específicas para: a escuta
qualificada da revelação espontânea e do livre relato; a identificação de sinais de
violência; o atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência e suas
famílias; a diversidade dos públicos atendidos; as especificidades e complexidade
das situações de violência e violações de direitos; articulação intersetorial e trabalho
em rede, entre outros. Destaca-se a importância do órgão gestor de Assistência
Social proporcionar ações de qualificação de metodologias de atendimento e
acompanhamento socioassistencial específicas para a garantia da proteção social à
crianças e adolescentes com deficiência e crianças e jovens indígenas ou pertencentes
a outros povos e comunidades tradicionais.

Além do processo formal de educação permanente, é importante ter espaços


para supervisão, apoio técnico, troca de informações e estudos de caso entre os (as)
profissionais dos serviços e da rede. Esses espaços podem contribuir para a qualificação
do atendimento e proposição de metodologias; para oportunizar discussões sobre
as dificuldades encontradas e mecanismos para sua superação; compartilhamento
de experiências para suscitar novas ideias e aprimorar as ações já desenvolvidas;
realização de análises mais coletivas e definição de procedimentos mais adequados a
cada caso, visando a proteção da criança e do adolescente e a garantia de seu superior
interesse. Esses recursos são importantes para melhor instrumentalizar e respaldar os
(as) profissionais do SUAS diante de situações tão complexas, frente às quais podem
se sentir despreparados para realizar o trabalho com as famílias e os indivíduos e os
encaminhamentos necessários.

33 Conforme estabelece a PNEP/SUAS, a Educação Permanente é “o processo contínuo de atualização


e renovação de conceitos, práticas e atitudes profissionais das equipes de trabalho e diferentes
agrupamentos, a partir do movimento histórico, da afirmação de valores e princípios e do contato com
novos aportes teóricos, metodológicos, científicos e tecnológicos disponíveis. Processo esse mediado
pela problematização e reflexão quanto às experiências, saberes, práticas e valores pré-existentes e que
orientam a ação desses sujeitos no contexto organizacional ou da própria vida em sociedade” (PNEP/
SUAS, 2013, p. 34).

35
Gestão e Governança do SUAS no Sistema de Garantia
de Direitos de Crianças e Adolescentes Vítimas ou
Testemunhas de Violência
Na relação com os demais órgãos que compõem o Sistema de Garantia de
Direitos de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, é necessário
que os processos de articulação das ações sejam coordenados pelo órgão gestor da
Assistência Social, e não por meio de ações particularizadas e individuais dos (das)
profissionais atuantes nos serviços socioassistenciais. Isso é fundamental para a
institucionalização dessa relação e do funcionamento efetivo do Sistema através da
integração das redes setoriais. Assim, é papel do órgão gestor assegurar a participação
da política de Assistência Social nas comissões intersetoriais locais instituídas para a
articulação das ações, na elaboração e pactuação de fluxos de atendimento do Sistema
de Garantia de Direitos, no planejamento e na oferta de capacitações intersetoriais
para a rede, dentre outras atividades.

Para possibilitar a qualificação do atendimento de crianças e adolescentes


vítimas ou testemunhas de violência, na perspectiva da proteção integral, é
fundamental que as gestões municipais, estaduais e distrital promovam espaços
permanentes de articulação e diálogo entre profissionais, de conhecimento dos papeis
e responsabilidades de cada ator envolvido, com vistas à adoção de ações articuladas
e coordenadas, por meio do delineamento de estratégias locais de articulação para o
atendimento em rede.

Também é crucial que o órgão gestor da Assistência Social participe, juntamente


com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos, da elaboração e definição
de fluxo e protocolo para compartilhamento de informações sobre as situações
atendidas, visando a não revitimização de crianças e adolescentes e o compromisso
de todos os órgãos envolvidos no respeito ao sigilo das informações, além de promover
espaços institucionais para troca de informações entre os (as) profissionais dos
órgãos do SGD. Além disso, é importante que na definição desses fluxos se respeite
a horizontalidade das relações entre os órgãos do SGD, especialmente no que tange
à relação do Sistema de Justiça com o SUAS. Por isso, é fundamental a participação
de todos os órgãos envolvidos na elaboração desses fluxos e protocolos. É papel do
órgão gestor local de Assistência Social primar pelo estabelecimento de relações com
os órgãos do Poder Judiciário de modo a criar mecanismos, fluxos, protocolos, troca
de informações, entre outros, que evitem a intimação de profissionais do SUAS como
testemunhas perante a Justiça.

No cotidiano de trabalho nas unidades socioassistenciais, também é


imprescindível que o (a) profissional responsável pela coordenação da unidade ou do
serviço assuma a corresponsabilidade na relação com a rede, juntamente com o (a)
profissional que está diretamente no atendimento e acompanhamento socioassistencial
à criança ou adolescente e sua família. Dessa forma, os relatórios técnicos a serem

36
compartilhados com o SGD devem ser acompanhados de documento de ciência
expressa da corresponsabilidade institucional pelo atendimento em andamento ou já
realizado, assinado pelo (a) coordenador (a) da unidade, do serviço ou da gestão.

Além disso, as requisições ou solicitações de informações advindas de outros


órgãos do Sistema de Garantia de Direitos devem, preferencialmente, ser direcionadas
ao órgão gestor da Assistência Social ou à coordenação da unidade ou serviço
socioassistencial, para posteriormente serem encaminhadas para a equipe ou
profissional de referência. Tal arranjo deve ser estabelecido localmente e socializado
para conhecimento das outras políticas setoriais, de modo a ser incorporado nos
fluxos intersetoriais a serem pactuados.

É responsabilidade dos órgãos gestores da Assistência Social promover a


realização de ações de educação permanente e/ou facilitar a participação dos
(das) profissionais em ações afins por meio de parcerias com entes (universidades,
institutos de pesquisa, organizações da sociedade civil, etc.) que as ofertam. Tal
demanda deve estar prevista no planejamento, oferta e implementação de ações de
formação e capacitação, com previsão de periodicidade e oferta de vagas que assegure
a capacitação de todos (as) os (as) profissionais do SUAS. É necessário que todas
essas ações estejam de acordo com a PNEP/SUAS. A rede socioassistencial deve,
ainda, participar do planejamento, oferta e implementação de ações intersetoriais de
capacitação no âmbito do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes
Vítimas ou Testemunhas de Violência, respeitadas a organização e a articulação local.

Regulação e Normatização no SUAS


Compete aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer normas
sobre o SGD da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, no âmbito
das respectivas competências (Lei nº 13.431/17, Art. 27). Nesse sentido, a regulação
e normatização no âmbito do SUAS, tendo em vista as realidades locais das redes e da
relação entre os órgãos de proteção e os órgãos de investigação e responsabilização,
bem como a legislação vigente, deverá contemplar:

I. Participação nos processos de discussão e pactuação interinstitucional de


fluxos e procedimentos para normatizações;

II. Pactuação na Comissão Intergestores Bipartite – CIB e deliberação nos


Conselhos de Assistência Social Estaduais, Municipais e Distrital, de fluxos
e protocolos que visem a integração operacional e a proteção integral de
crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência;

Regulamentação em Lei e/ou Decreto para definição de atribuições e fluxos


operacionais em âmbito estadual e do Distrito Federal.

37
Glossário

Acompanhamento O acompanhamento familiar pressupõe a construção de um


Plano de Acompanhamento Familiar que inclui a combinação
com a família ou com algum dos seus membros, de retornos
periódicos ou ida dos (das) profissionais ao domicílio,
para a inserção em ações individuais ou coletivas, assim
como a avaliação periódica com a família sobre o alcance
de aquisições e a superação gradativa das situações de
vulnerabilidades vivenciadas. O acompanhamento familiar
requer a participação das famílias de forma continuada
e planejada por certo tempo. A previsibilidade do tempo
necessário deve ser prevista no Plano. O acompanhamento
é um direito das famílias, mas, não pode ser imposto. É
importante que as famílias reconheçam sua importância,
seus objetivos e os compromissos.
Geralmente, direciona-se às famílias e indivíduos que estão
vivendo condições particulares de vulnerabilidade e riscos
sociais, propensas a desencadear situações ou agravos que
comprometam a qualidade de suas relações ou de vida de
seus membros.34
Atendimento Destina-se, de forma geral, a famílias que necessitam de
informações, orientações e a mediação do acesso a direitos
e serviços para que elas se fortaleçam como espaços
de cuidado, proteção e referência de convivência social.
Comumente são famílias cuja situação não apresenta a
iminência de agravos em relação a riscos sociais, violência
intrafamiliar ou violação de direitos. Implica, minimamente,
na oferta de acolhida e escuta de necessidades e
socialização de informações.
Identificação de Identificação de sinais físicos ou comportamentais da
sinais de violência ocorrência de violência, associada ou não à revelação
espontânea da criança ou adolescente para profissional
do SUAS sobre a vivência ou o testemunho de situação de
violência.

38
Livre relato Relato verbal ou por outros meios de se comunicar
(ex: LIBRAS) sobre a situação de violência vivida ou
testemunhada pela criança ou adolescente. É denominado
livre relato porque não deve ser provocado ou induzido
a ser realizado – respeitando o desejo da criança e do
adolescente de se manifestar ou não sobre a situação
de violência – e, quando ocorrer, deve haver o mínimo de
interferência por parte do (da) profissional – não sendo
objeto de questionamentos desnecessários, interrupções,
interpretações ou constrangimentos.
Plano de O Plano de Acompanhamento Individual ou Familiar é um
Acompanhamento instrumento construído de forma gradativa e participativa
Individual ou para guiar o trabalho social, bem como para delinear, junto
Familiar aos usuários, a construção de novas perspectivas de vida. O
plano deve traçar estratégias que serão adotadas no decorrer
do acompanhamento socioassistencial e os compromissos
de cada parte, em conformidade com as especificidades das
famílias e das situações atendidas.
Revelação Revelação verbal ou por outros meios de se comunicar
espontânea (ex: LIBRAS), que ocorre de forma espontânea por parte
da criança ou do adolescente para profissional do SUAS,
sobre a vivência ou o testemunho de situação de violência.
Nem sempre a revelação é explícita e literal, indicando a
necessidade de que os (as) profissionais estejam atentos à
manifestações que podem indicar a ocorrência de situação
de violência.
Situação de Refere-se a vivência de violência, tanto como vítima quanto
violência como testemunha.

34 Exemplos de situações que comumente ensejam a inserção no acompanhamento familiar: famílias


em descumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família (saúde e educação), famílias
com adolescentes gestantes, famílias com criança na primeira infância sem acesso a creche e a pré-
escola, famílias que vivenciam extrema pobreza, famílias com crianças e adolescentes com deficiência
que enfrentam barreiras no acesso à escola, famílias com crianças ou adolescentes com histórico de
trabalho infantil e/ou com membros egressos de trabalho escravo ou análogo, famílias com insegurança
nutricional, famílias com vivência de discriminação de quaisquer naturezas (ciclo de vida, orientação
sexual, origem étnico-racial ou de gênero), famílias com pessoas idosas ou pessoas com deficiência
beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada com iminência de riscos de isolamento social. A
Vigilância Socioassistencial local pode ajudar na identificação das situações que requerem um olhar mais
atento dos profissionais (ver mais situações no caderno volume 2 PAIF).

39
Referências
BRASIL. Balanço Geral 2011 a 2018. Dados sistematizados de denúncias de violações
de direitos humanos coletadas nos canais da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Ouvidoria Nacional de Direitos
Humanos. Brasília: 2019. Disponível em <https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-
cidadao/ouvidoria/balanco-disque-100> Acesso em 02 out. 2019.

______. Fundamentos ético-políticos e rumos teórico-metodológicos para fortalecer


o Trabalho Social com Famílias na Política Nacional de Assistência Social. Brasília,
MDS, 2016. Disponível em <https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/
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04 nov. 2019.

______. Decreto nº 9.603.  Regulamenta a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que


estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou
testemunha de violência. Brasília, 10 de dezembro de 2017. Disponível em <https://
presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/657507119/decreto-9603-18> Acesso em
04 nov. 2019.

______. Lei nº 8.069. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras


providências. Brasília, 13 de julho de 1990. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em 04 nov. 2019.

______. Lei nº 8.742.  Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras


providências. Brasília, 07 de dezembro de 1993. Disponível em <http://www.planalto.
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______. Lei nº 13.431.  Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do


adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de
julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Brasília, 04 de abril de 2017.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/
L13431.htm> Acesso em 04 nov. 2019.

______. Nota Técnica nº 02/2016/SNAS/MDS. Nota Técnica sobre a relação entre o


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Ministério dos Direitos Humanos, Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência
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40
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Acesso em 04 nov. 2019.

______. Política Nacional de Educação Permanente do SUAS. Ministério do


Desenvolvimento Social e Combate à Fome – 1ª ed. – Brasília: MDS, 2013. Disponível em
<https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/
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______. Relatoria da Roda de Conversa – Atendimento no SUAS à crianças e


adolescentes em situação de violência. Ministério da Cidadania, Secretaria Nacional
de Assistência Social. Brasília, 2019 (mimeo).

______. Resolução nº 33. Aprova a Norma Operacional Básica do Sistema Único de


Assistência Social - NOB/SUAS. Conselho Nacional de Assistência Social. Brasília, 12
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______. Resolução nº 109. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.


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Ferreira, Stela da Silva. NOB-RH Anotada e Comentada. Brasília, DF: MDS; Secretaria
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RIBEIRO, Maiara. Como reconhecer e agir ao suspeitar de violência contra


crianças. Portal Drauzio Varella, [s. d.]. Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.
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Acesso em 22 out. 2019.

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