TCC Mangá Aramantis

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE ARTES
BACHARELADO EM DESIGN
MICHAEL STARLLONE DE ARAÚJO ARQUILINO

ARAMANTIS, O PRÓLOGO: APLICANDO MÉTODOS DO DESIGN NA


PRODUÇÃO DE UM MANGÁ AUTORAL

NATAL/RN
2020
MICHAEL STARLLONE DE ARAÚJO ARQUILINO

ARAMANTIS, O PRÓLOGO: APLICANDO MÉTODOS DO DESIGN NA


PRODUÇÃO DE UM MANGÁ AUTORAL

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Centro de Ciências
Humanas Letras e Artes da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como
requisito para obtenção do título de
Bacharel em Design pela referida IES.
ORIENTADOR(A): Prof. Dr. Marcos
Alberto Andruchak

NATAL/RN
2020
MICHAEL STARLLONE DE ARAÚJO ARQUILINO

ARAMANTIS, O PRÓLOGO: APLICANDO MÉTODOS DO DESIGN NA


PRODUÇÃO DE UM MANGÁ AUTORAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Ciências Humanas Letras


e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para obtenção
do título de Bacharel em Design pela referida IES.
Aprovado em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________

ORIENTADOR(A): Dr. Marcos Alberto


Andruchak

_________________________________
PROF.: Dr. Rodrigo Montandon Born

_________________________________
PROF.: Me. José Veríssimo de Sousa
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por tudo que contribuíram para que eu chegasse até aqui.

Aos meus amigos, por terem me apoiaram o bastante para que eu desse início a este
projeto.

À Ingred Aurélia, por toda motivação que me transmite com seu carinho.

À equipe de professores que me auxiliaram, pela paciência e responsabilidade.

A Jesus Cristo, o designer do universo, por infinitas razões.


RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso objetivou produzir o prólogo de um mangá autoral


do gênero fantasia medieval intitulado “Aramantis”. Alguns dos processos para essa
produção foram analisar os principais conceitos de histórias em quadrinhos, fantasia
e mangás, bem como estudar as metodologias adequadas e produzir uma história
com os elementos desses gêneros. Para tanto, foi utilizado como método a pesquisa
bibliográfica, através do estudo do referencial teórico sobre as metodologias de
criação de histórias em quadrinhos de modo geral como os conceitos de McCloud
(2008) e Eisner (2005), assim como, especificamente para as técnicas e elementos
do gênero mangá por Toriyama (1984), além de técnicas metodológicas do nicho do
design gráfico. A partir desse estudo foi possível perceber a importância do design
como ferramenta de comunicação visual dentro de um meio específico, de modo a
unir a liberdade artística com a formalidade dos conceitos bases para criação desse
projeto. A abordagem sobre o gênero fantasia permitiu tomar consciência das
inúmeras possibilidades criativas que ele viabiliza e que tornaram-se possíveis aplica-
las nesta proposta, assim como motiva e desafia a produção de novos capítulos. Por
fim, o estudo realizado possibilitou traduzir ideias de um enredo fictício para a
plataforma das histórias em quadrinhos, assim como perceber a importâncias dos
métodos para todo processo criativo e de produção de uma forma geral. Desse modo
pôde auxiliar para que o mangá propiciasse uma leitura mais dinâmica, clara e com
presente ergonomia informacional.

Palavras-Chave: Processo Criativo. Design. Quadrinhos. Mangá. Fantasia.


ABSTRACT

This college completion work aimed to produce the prologue of an authorial manga
from the medieval fantasy genre entitled “Aramantis”. Some of the processes for this
production were to analyze the main concepts of comics, fantasy and manga, as well
as study the appropriate methodologies and produce a story with the elements of these
genres. To this end, bibliographic research was used as a method, through the study
of the theoretical framework on the methodologies of creating comic books in general,
such as the concepts of McCloud (2008) and Eisner (2005), as well as, specifically for
the techniques and elements of the manga genre by Toriyama (1984), as well as
methodological techniques from the niche of graphic design. From this study it was
possible to perceive the importance of design as a visual communication tool within a
specific medium, in order to unite artistic freedom with the formality of the basic
concepts for creating this project. The approach on the fantasy genre allowed to
become aware of the innumerable creative possibilities that it makes possible and that
became possible in this proposal, as well as motivates and challenges the production
of new chapters. Finally, the study made it possible to translate ideas from a fictional
plot to the comic book platform, as well as to realize the importance of methods for the
whole creative and production process in general. In this way, it was possible to help
the manga provide a more dynamic, clear reading and with present informational
ergonomics.

Keywords: Creative process. Design. Comics. Manga. Fantasy.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Exemplo HQ-Superman ............................................................................. 13


Figura 2- Mangá Saint Seiya ..................................................................................... 14
Figura 3- Rolos Chojugiga, manifestação de narrativa japonesa .............................. 16
Figura 4- Capa Mangá Astro Boy .............................................................................. 17
Figura 5- Capa Mangá Hunter x Hunter .................................................................... 21
Figura 6- Revista Shounen Jump. ............................................................................. 22
Figura 7- John Ronald Reuel Tolkien e seu cachimbo .............................................. 23
Figura 8- Dragão Smaug do filme “O Hobbit” ............................................................ 24
Figura 9- Cavaleiro Medieval..................................................................................... 25
Figura 10: Cena Mangá Berserk. .............................................................................. 27
Figura 11- Capa Record of Lodoss War n° 2. ........................................................... 28
Figura 12- Cena Mangá Nanatsu no Taizai. .............................................................. 29
Figura 13: Cena Mangá Holy Avenger. ..................................................................... 30
Figura 14- Cena Quadrinho Pantera Negra............................................................... 34
Figura 15- Fluxo de leitura......................................................................................... 35
Figura 16- Exemplo de quadros de formas oblíquas. ................................................ 36
Figura 17- Alguns tipos de balões dos quadrinhos. ................................................... 39
Figura 18- O rosto humano: do realismo ao cartum. ................................................. 40
Figura 19- Exemplo de personagem com vergonha. ................................................. 42
Figura 20- Exemplo de gota de suor no personagem. .............................................. 43
Figura 21- Exemplo de personagem com raiva. ........................................................ 43
Figura 22- Exemplo de personagem com nariz sangrando. ...................................... 44
Figura 23- Exemplo de personagem deformado. ...................................................... 50
Figura 24- Exemplo de vilão de mangás. .................................................................. 51
Figura 25- Tipografia Comic Sans ............................................................................. 46
Figura 26- Exemplo Onomatopeia no mangá. ........................................................... 47
Figura 27- Pontos focais dos requadros. ................................................................... 48
Figura 28- Transição de Quadros Segundo McCloud ............................................... 49
Figura 29- Transição no Mangá Hunter x Hunter ...................................................... 50
Figura 30- Página do roteiro feita à mão ................................................................... 62
Figura 31- Brainstorm Reduzido................................................................................ 56
Figura 32: Foto de Referência e Estudos do Personagem Briann Sinned. ............... 57
Figura 33- Estudos do Personagem Luther. .............................................................. 58
Figura 34- Duas páginas do storyboard e ferramentas usadas para sua criação. .... 59
Figura 35- Exemplo do cenário(à esquerda), exemplo do personagem(centro) e
personagem inserido no cenário(à direita). ............................................................... 60
Figura 36- Modelo para desenho(à esquerda) e desenho feito pelo modelo(à direita).
.................................................................................................................................. 61
Figura 37- Uso do pincel digital macio para representar magia no pergaminho. ...... 62
Figura 38- Exemplo de desenho não acabado (à esquerda) e desenho finalizado (à
direita) ....................................................................................................................... 63
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 QUADRINHOS E MANGÁS ................................................................................... 12
2.1 DEFINIÇÃO DE HISTÓRIA EM QUADRINHOS .................................................. 12
2.2 DEFINIÇÃO DE MANGÁ ..................................................................................... 14
2.2.1 Breve História dos Mangás ........................................................................... 15
2.2.2 História dos mangás no Brasil ...................................................................... 17
2.2.3 O gênero shounen .......................................................................................... 20
2.3 FICÇÃO FANTÁSTICA ........................................................................................ 23
2.3.1 J.R.R. Tolkien .................................................................................................. 23
2.3.2 Fantasia Medieval ........................................................................................... 25
2.4 FANTASIA MEDIEVAL NOS MANGÁS................................................................ 29
2.4.1 Berserk ............................................................................................................ 29
2.4.2 The Record of Lodos War .............................................................................. 27
2.4.3 Nanatsu no Taizai ........................................................................................... 29
2.4.4 Holy Avenger .................................................................................................. 29
3 ELEMENTOS GRÁFICOS DA LINGUAGEM MANGÁ E O DESIGN .................... 31
3.1 REQUADRO........................................................................................................ 34
3.2 USO DA COR ...................................................................................................... 37
3.3 BALÕES .............................................................................................................. 38
3.4 ILUSTRAÇÕES, TRAÇOS E METÁFORAS VISUAIS......................................... 40
3.4.1 Rubor Facial.................................................................................................... 41
3.4.2 Gotas de Suor ................................................................................................. 42
3.4.3 Expressando a Raiva ..................................................................................... 43
3.4.4 Sangue no Nariz ............................................................................................. 43
3.4.5 A Superdeformação........................................................................................ 49
3.4.6 A Expressão nos Olhos ................................................................................. 45
3.7 TIPOGRAFIA ....................................................................................................... 46
3.8 DIAGRAMAÇÃO ................................................................................................. 47
4. PROJETO: PRODUÇÃO DE UM MANGÁ ........................................................... 51
4.1 METODOLOGIA .................................................................................................. 51
4.1.1 Geração da Ideia ............................................................................................. 51
4.1.2 O Roteiro ......................................................................................................... 52
4.1.3 Desenvolvendo e Desenhando Personagens .............................................. 52
4.1.4 Storyboard ...................................................................................................... 59
4.1.5 Desenho: Primeira Parte ................................................................................ 59
4.1.6 Desenho: Arte Final ........................................................................................ 59
4.2 TEMA .................................................................................................................. 53
5 ARAMANTIS: A PRODUÇÃO ................................................................................ 54
5.1 ROTEIRO ............................................................................................................ 54
5.2 DESENHO E DESENVOLVIMENTO DOS PERSONAGENS.............................. 56
5.3 STORYBOARD ................................................................................................... 58
5.4 DESENHO: PRIMEIRA PARTE ........................................................................... 59
5.5 DESENHO: ARTE FINAL .................................................................................... 61
5.6 EDITORAÇÃO ..................................................................................................... 63
6 MANGÁ CONCLUÍDO ........................................................................................... 64
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 92
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 94
11

1 INTRODUÇÃO
Este projeto aborda o conceito de história em quadrinhos japonesas, os
mangás, inserido no contexto do gênero fantasia, com ênfase nos aspectos e
características culturais do período medieval. O objeto de pesquisa foi estudado em
uma sequência que aborda desde as histórias em quadrinhos em geral até o
direcionamento específico para o gênero nipônico. Todo processo teve como intuito a
compreensão desse tipo de linguagem visual e a acentuação dos aspectos
diretamente ligados aos projetos gráficos em geral, em suma, o design gráfico. As
etapas do projeto tiveram como objetivo deixar evidentes os pontos principais que
caracterizam os quadrinhos ocidentais para que o leitor os associe com clareza e
perceba as diferenças existentes entre eles e os mangás, que serão acentuados
posteriormente, focando também no conceito de ficção fantástica.
Atualmente a fantasia invade a maioria das plataformas narrativas, como o
cinema e a televisão, por exemplo. Segundo a página Momentum Saga (2012) o
gênero pode ser considerado um dos mais populares em seus diversos subgêneros e
atrai principalmente o público jovem. Desta forma, são inseridos diversos contextos e
críticas sociais adaptados aos enredos. Assim, este trabalho tem como um dos
principais objetivos explorar a fantasia na linguagem japonesa, de modo a mostrar
como ela pode se complementar com as características dos quadrinhos orientais. A
principal motivação da criação de um mangá autoral foi introduzir por meio de um
prólogo, que será trabalhado neste TCC, uma saga que vai adaptar e referenciar
diversas culturas e questões políticas de todo o mundo dentro de um novo planeta em
uma narrativa no estilo japonês. Assim, o público poderá observar por vários ângulos
a multiculturalidade inserida em uma narrativa cheia de aventuras e magia. Entretanto,
este trabalho mostrará eventos que antecedem a história principal do mangá que,
apesar de ser um prólogo, é de grande importância para introduzir a história quando
se considera a percepção do leitor.
Em meio a estes fundamentos citados anteriormente, o Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) busca produzir a primeira parte de uma série de mangá que trabalhe
a fantasia medieval. Para que o objetivo seja alcançado, várias ferramentas e métodos
do design gráfico podem ser utilizados visto que o projeto aborda uma linguagem
inteiramente visual. Segundo Cruz, Horn e Santos (2011), o designer contemporâneo
utilizou as linguagens usadas nos quadrinhos em diversos aspectos de seu trabalho.
12

Portanto, o mangá pode ser utilizado pelo designer como um modo de transmissão de
ideias, sentimentos, mensagens e seus contextos variados.
A primeira etapa deste projeto aborda, já nos dois primeiros capítulos, o
referencial teórico que foi dividido em duas partes. A primeira parte trabalha as
definições de quadrinhos de forma geral e também como se define os mangás.
Estuda-se uma breve história dos quadrinhos orientais no Brasil e no mundo, além de
fazer menção a um dos gêneros que caracteriza a história em quadrinhos autoral
produzida neste projeto e intitulada de “Aramantis”. Nesta parte, também foi abordado
o gênero fantasia e o recorte para fantasia medieval, concluindo-se com exemplos de
mangás que têm como parte da temática este gênero. Complementando o referencial
teórico, tem-se uma segunda parte que é direcionada à linguagem dos quadrinhos e
mangás, suas correlações com Design Gráfico e suas diferenças mais consideráveis.
Os capítulos 4 e 5 foram direcionados à parte principal do projeto: o
desenvolvimento do mangá Aramantis. Foram trabalhados os processos
metodológicos e técnicas de execução com o objetivo de introduzir uma história que
tem uma proposta de ter em torno de 100 capítulos e será cheia de aspectos aquém
da realidade, de modo que haja entendimento dos aspectos fantásticos específicos
que compõem aquele mundo fictício. Por último, foram descritas as etapas de
produção do mangá, considerando a temática, e, em seguida, foi feito o roteiro até a
finalização do projeto na parte da editoração.

2 QUADRINHOS E MANGÁS
Nesta primeira parte do referencial teórico, será abordado os conceitos que
definem os quadrinhos ocidentais e orientais. Dos quadrinhos japoneses será
trabalhado suas origens, história, seus significados, gêneros e como eles se estendem
pelo mundo. Aqui também será estudado o gênero de ficção fantástica e seu
subgênero, ou seja, a fantasia medieval.

2.1. DEFINIÇÃO DE HISTÓRIA EM QUADRINHOS


A história em quadrinhos pode ser definida como uma série de figuras e textos
representadas, boa parte, em elementos geométricos, comumente quadros, mas que
variam em diversas formas que transmitem uma narrativa em sequência, ou seja, uma
“arte sequencial”. Eisner (1989) aponta que este gênero é uma forma artística e
13

literária que lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras para narrar uma
história ou dramatizar uma ideia.
Porém, existe um certo contraponto a essa definição de Eisner, principalmente
quando ele coloca as HQs como “literatura” e “arte sequencial”. O autor Scott
McCloud(1995) afirma que essas características apontadas por Eisner são muito
superficiais para definir de forma mais precisa e delimitada do que elas se tratam, pois
as animações, novela e cinema podem também ser definidas como “arte
sequencial”. McCloud(1995) aponta as HQs como imagens pictóricas e outras
justapostas em sequência deliberada, destinadas a transmitir informações e/ou a
produzir uma resposta no espectador.
Portanto, pode-se dizer que Histórias em Quadrinhos são imagens compostas
por componentes visuais diagramados, com enunciados e/ou pinturas digitais ou
manuais com o intuito de transmitir informações e/ou produzir reações para aqueles
que têm o contato visual com eles. Geralmente, a narrativa possui personagens que
transmitem muitos desses quesitos mencionados. Conforme pode-se observar na
Figura 1.

Figura 1- Exemplo HQ-Superman

Fonte: Disponível em: https://robertosadovski.blogosfera.uol.com.br/2013/07/18/as-20-


melhores-historias-em-quadrinhos-do-superman. Acesso em: 17 out. 2019.
14

Na Figura 1, é possível observar dois personagens interagindo entre si. Cada


cena é colocada em um quadro e as suas falas são inseridas em textos dentro de
“balões”, que em maioria possui a cor branca com o texto preto. Observa-se também
as expressões faciais e corporais dos personagens desenhados, que é uma forma de
passar informações ao leitor, como citado na definição anteriormente.
Estas questões são de grande importância para introduzir uma análise às
histórias em quadrinhos. No decorrer deste projeto, será explicado com muito mais
detalhes como se caracteriza a linguagem desse tipo de arte sequencial.

2.2 DEFINIÇÃO DE MANGÁ


Os mangás são as histórias em quadrinhos de origem japonesa. Diferente dos
quadrinhos ocidentais, são comumente lidos de trás para frente e de cima para baixo,
além de que, na maioria das vezes, com exceção da capa, todas as imagens do miolo
são em preto e branco (fig. 2). (SATO, 2007).

Figura 2- Mangá Saint Seiya

Fonte: Disponível em: http://mangareader.info/manga/saint-seiya/1 Acesso em: 17 out. 2019.


15

Os mangás, em grande maioria, possuem outras características que os diferem


das HQs tradicionais. Os seus personagens costumam ter olhos maiores, expressões
faciais mais explícitas, entre outros fatores que são possíveis verificar na figura 2, por
exemplo. Entretanto, esse gênero vai muito além disso. Apesar de ter sua origem e
vínculo à cultura japonesa, existem muitas referências ocidentais, sobretudo
estadunidenses, como é afirmado por Gravett (2006):

Com o mangá, os japoneses mostraram a mesma facilidade que


tiveram com o automóvel ou o chip de computador. Eles tomaram os
fundamentos dos quadrinhos americanos – as relações entre imagem,
cena e palavra – e, fundindo-os a seu amor tradicional pela arte
popular de entretenimento, os ―niponizaram de forma a criar um
veículo narrativo com suas próprias características. (p.14)

Isto posto, é possível comentar que os mangás possuem uma linguagem com
traços de sua cultura e história. A liberdade artística dos mangakás1, pode abranger-
se em várias características totalmente inéditas, como o traço e a diagramação, por
exemplo. Estas características serão abordadas neste projeto na segunda parte do
referencial teórico.

2.2.1 Breve História dos Mangás


Não é possível dizer com precisão qual foi a primeira manifestação artística de
desenho dos japoneses, mas, ao observar templos budistas, pode-se perceber várias
imagens de animais gravados nas paredes que foram desenhados durante a
construção desses templos. Esses fatos ocorreram, possivelmente, por volta dos
séculos VI e VII, momento em que havia grande influência do budismo chinês.
Porém, existiu um primeiro momento que foi considerado o mais preciso no
qual os japoneses manifestaram uma narrativa em desenhos. O Evento ocorreu
apenas no século XII. Trata-se do Chojugiga, desenhado pelo Monge Kakuyu Toba.
Essa narrativa era cômica e seus personagens eram animais humanizados e
“conscientes”, conforme se observa na figura 3.

1 Nome dado aos desenhistas e escritores de mangás.


16

Figura 3 - Rolos Chojugiga: manifestação de narrativa japonesa.

Fonte: Disponível em: http://www.marciorgotland.com/2014/02/historia-do-desenho-


japao.html. Acesso em: 17 out. 2019.

Apesar de ter um formato diferente do que viemos a chamar de mangá, essa é


a primeira narrativa japonesa que possui uma lógica semelhante aos quadrinhos
nipônicos, pois, apesar das cenas não estarem dentro de quadros simultâneos, elas
seguiam a ideia de continuidade narrativa, uma vez que, ao rolar os papéis, a história
transcorria.
Com o decorrer dos séculos e com a intensificação da globalização, oriente e
ocidente estavam mais próximos e suas culturas foram difundidas. Com isso, a
influência dos ocidentais era cada vez mais eminente na arte japonesa, e, como
consequência, também ocorreu na estruturação de narrativas e no surgimento dos
quadrinhos orientais. Assim, começaram a surgir as primeiras ideias com a utilização
de balões e de quadros sequenciais.
O termo “mangá” veio do artista plástico Katsushika Hokusai (1760-1849), em
um tempo no qual se tinha poucas ideias do que seria histórias em quadrinhos.
Segundo Sato (2007), o especialista na técnica das ukiyo-e, que são imagens
pictóricas impressas em blocos de madeira talhadas à mão, fez uso desse nome para
titular uma coleção de pinturas caricatas sobre os costumes e hábitos da sociedade.
No século XX, no período pós-guerra, os mangakás, começaram a crescer no
mercado, conforme destaca Sholdt (2012):
No fim da guerra, as maiores e mais renomadas editoras de Tókio
estavam desorganizadas e as histórias em quadrinhos de capa dura
comuns eram muito caros para maioria das crianças. Vendo o
momento oportuno, dezenas de pequenas empresas surgiram
principalmente no centro de negócios rival de Osaka, publicando os
‘livros vermelhos’: quadrinhos baratos feitos com capas com tinta
vermelha, impressos em um papel grosseiro e vendidos nas ruas.
(p.62)
17

Com isto, na década de 1940, mangakás como Osamu Tesuka começaram a


publicar suas obras e servir de influência para outros vários renomados no século XXI.
Astro Boy (fig. 4) foi um dos primeiros mangás semelhantes a muitos shounens que
existem atualmente.

Figura 4 - Capa Mangá Astro Boy

Fonte: Disponível em: https://anigamers.com/2010/03/review-astro-boy-vol3-manga.html.


Acesso em: 18 out. 2019.

Assim, a cultura de ler mangá se difundiu pelo mundo, seja pelo contato direto
com as revistas, ou por intermédio de adaptações animadas pela televisão. Segundo
Ikoma (1970) a partir de então, o Brasil se tornou um dos maiores consumidores dos
quadrinhos do gênero.
A seguir será abordada a história dos mangás e como eles cresceram pela
América Latina e pelo Brasil.

2.2.2 História dos mangás no Brasil


O Brasil, há muito tempo, é um dos países do continente americano que
consomem mais mangás. Isto se deu devido à grande imigração de japoneses para o
país no decorrer dos tempos. Imigrações estas que começaram por volta do século
XIX e se intensificaram no século XX. O Brasil foi um dos poucos países a aceitar a
imigração japonesa nessas épocas e, com isso, os imigrantes passaram a vir para
18

estas terras com seus parentes encontrarem os que já estavam aqui. Desta forma, o
território brasileiro tornou-se o que mais recebeu imigrantes japoneses se comparado
aos demais países do continente sul-americano.
Por volta da década de 1970, personagens japoneses já faziam sucesso na TV
Brasileira. Pode-se citar como exemplo Fantomas, nos anos 1970 e 1980, Princesa
Safire, Jaspion, na antiga Rede Manchete e Candy Candy, na Rede Record, ambos
por volta de 1980.
Uma boa parte dos desenhistas descendentes dos japoneses se interessou
pelo gênero mangá em toda sua profundidade e seus estilos de traços. Muitos deles
possuem uma boa reputação no cenário do quadrinho brasileiro, como é o caso de
Júlio Shimamoto que ajudou nos clássicos brasileiros do gênero ao lado de figuras
como Colonese, Nico Rosso e Gedeone, isso na década de 1950. Outro grande nome
deste gênero é Fernando Ikoma que publica o livro A técnica universal das histórias
em quadrinhos, uma obra que ensina várias técnicas de desenhos e coloca em ênfase
páginas específicas para falar da “técnica japonesa” no final da década de 1960 e
início de 70.

Uma das técnicas mais evoluídas, porém, pouco difundidas no Brasil


é a técnica japonesa para estórias em quadrinhos. Ao contrário do que
existe no Brasil, a mão de obra naquele país é abundante, havendo
muita concorrência entre os artistas, o que um nível técnico muito bom
para os desenhistas. (...) as mais variadas tendências e os estilos
originalíssimos deixam os japoneses numa categoria tão grande
quanto ao dos europeus e americanos. (IKOMA,1970, p.137)

Durante a década de 1960, a Editora Edrel, de São Paulo, passa a produzir


HQs com histórias variadas já abordando temáticas relacionadas a ninjas e samurais.
Na década seguinte, é feito o primeiro projeto de pesquisa sobre mangá no Brasil
publicado na revista Quadreca, órgão laboratorial da cadeira de Histórias em
Quadrinhos da ECA/USP: “O fantástico e desconhecido mundo das HQ japonesas” e
que fez a seguinte justificativa:

A ideia de se estudar as histórias em quadrinhos japonesas surgiu no


segundo semestre de 1974 na cadeira de Histórias em Quadrinhos
ministrada na Escola de Comunicações e Artes da USP. O que
pretendemos com nosso trabalho é incorporá-lo a essa galeria de
publicações, lidando com um assunto não muito investigado no Brasil.
(LUYTEN, 1978, p. 02)
19

Nessa época, foi criada a primeira mangateca, um acervo de de mangás


localizado no Museu de Imprensa Júlio de Mesquita Filho. A partir deste momento,
nasce a Associação dos Amigos do Mangá. No ano de 1984, esta associação uniu-se
com a comissão de exposição de quadrinhos da Sociedade Brasileira de Cultura
Japonesa e nasceu a ABRADEMI (Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e
Ilustrações. Neste mesmo ano, circulou o primeiro informativo sobre mangá no Brasil:
Informativo Abrademi, em paralelo com a revista Quadrix. Já no início de 1985, surgiu
a primeita fanzine: Clube do mangá (publicação da Abrademi), cuja editora era Júlia
Takeda.
Isto posto, é possível observar que a expansão do mangá e da cultura japonesa
surge de pessoas e associações que se dedicam a este gênero. Existe uma outra
“nação” dentro desta que vivemos, na qual pessoas vivenciam uma outra cultura,
vestem-se com outras roupas e até falam diferente, a diferença é que é na sua própria
nação. A globalização da cultura pop japonesa criou, no Brasil, os “otakus”. O termo
é utilizado para pessoas que gostam de anime, mangá, tokusatsu, cosplay e mais
algumas outras coisas da cultura japonesa, aponta Duarte (2004)
Na década de 1990, pela primeira vez, a TV brasileira passa a apresentar uma
animação japonesa baseada em um mangá. O Anime Saint Seiya, conhecido aqui
como “Os Cavaleiros do Zodíaco”, chegou aqui no ano de 1994 e era transmitido pela
antiga Rede Manchete. O anime se tornou uma febre, tendo em vista o grande número
de crianças e adultos que assistiam os Cavaleiros, conforme confirmam os blogueiros
César Filho e Jonathan Liarth:

A série Os Cavaleiros do Zodíaco virou rapidinho assunto na escola.


O cair da tarde era ‘sagrado’ e o horário era obrigatório para parar tudo
e assistir aos novos heróis da telinha. Para se ter uma ideia, era
comum gravar a exibição da manhã, assistir à tarde e ver o mesmo
episódio à noite em tempo real. (FILHO e LIATH, 2014, p.n.p.)

Como consequência do sucesso dessas animações, os mangás de Saint Seiya


e outros também passaram a se expandir cada vez mais aqui, dando destaque as
editoras Conrad e/ou JBC. Assim, o país tornou-se um dos maiores consumidores
desse produto. Foi-se a época em que apenas os maiores sucessos da cultura popular
japonesa estavam presentes aqui. Lippe (2016) lembra que, atualmente, mangás e
animes vivem seu auge no Brasil com uma quantidade muito maior de lançamentos e
produtos para todos os gostos.
20

Para se ter uma ideia da dimensão de como essa cultura se expandiu no Brasil,
basta observar o que é produzido pela indústria e pela mídia, especialmente para esse
público. Apenas para os “otakus” brasileiros existem várias revistas especializadas,
títulos de mangás lançados, bandas que só tocam trilha sonora de desenhos nipônicos
em português ou em japonês, acessórios cds, dvds, livros, roupas e fantasias, grandes
eventos que reúnem até dezenas de milhares de pessoas e um canal de televisão
somente com conteúdo pop do Japão. Todavia, são nas redes sociais que os otakus
mostram como se identificam naqueles universos e seu amor pela cultura pop
japonesa, lembra Duarte (2006).
Uma das obras que ganhou mais destaque, nos últimos anos, no mercado de
quadrinhos brasileiro, foi a Turma da Mônica Jovem. Esta série possui um estilo
diferente com relação aos quadrinhos anteriores do quadrinista Maurício de Souza.
Neste trabalho, ele aborda a adolescência dos seus personagens. A protagonista e
seus amigos vivem uma rotina comum de jovens do século XXI e em mundo bem mais
globalizado por onde eles saem mais para passear, passam a se apaixonar, entre
outras situações que comumente caracterizam essa fase da vida. Além disso, é
possível observar a linguagem mangá presente nesse novo projeto, como, por
exemplo, os traços e as expressões.
Com isto, é possível comentar que os mangás no Brasil possuem um público
considerável e uma cultura já construída e em constante crescimento, mas com um
público que não é composto apenas por jovens e adolescentes. Os otakus de várias
idades estão presentes nessa vertente de fãs da cultura pop e um projeto de mangá
deve pensar e dar importância a este público-alvo.

2.2.3 O gênero shounen


A indústria nipônica de mangás possui quatro gêneros2 principais de suas
histórias em quadrinhos e que são direcionados a públicos distintos, diferenciando-os
por sexo e idade, principalmente. Alguns são mais direcionados a críticas sociais,
sentimentos, romances e outros mais a aventuras e comicidade, mas esse
direcionamento não é uma regra obrigatória, pois

2Os gêneros principais são: shounen, direcionado a garotos do sexo masculino; seinen, para homens
adultos; shojo, para meninas; josei, para mulheres adultas.
21

[...] todos podem ler e se divertir com qualquer gênero, mas como
regra geral, os mangás femininos enfatizam as emoções e os
relacionamentos, enquanto os mangás masculinos dão destaque para
ação e humor. (CHINEN, 2015, p. 22)

O shounen é o gênero de mangá que se encaixou melhor para ser trabalhado


na narrativa de Aramantis. Ele é também o mais popular e atinge aproximadamente
40% de todo mercado dos mangás. Este gênero é direcionado aos jovens do sexo
masculino; entretanto consegue atingir com amplitude pessoas de todos gêneros e
idades. Os principais temas tratados são os valores relacionados à amizade,
esperança, perseverança, humor etc. Geralmente os seus protagonistas possuem
objetivos que os fazem passar por várias aventuras dentro das histórias, para, assim,
poderem alcançá-los na conclusão da narrativa.
Para conferir se um mangá é shounen, Chinen (2015) cita alguns pontos
específicos. Apesar de não ser uma regra é comum que os protagonistas sejam
crianças ou adolescentes, sendo a maioria do sexo masculino, geralmente têm
sobrancelhas grossas, cabelos pontudos, uma extrema coragem e um enorme foco
nos seus objetivos. Apresentam-se também sempre confiantes e carregados de
pensamentos e comportamentos ligados à lealdade, heroísmo, honra, busca de poder,
determinação e trabalho e equipe; valores de grande importância na cultura nipônica.

Figura 5 - Capa Mangá Hunter x Hunter

Fonte: Disponível em: <https://sucodemanga.com.br/hunter-x-hunter-entrara-em-hiato-de-


novo/. Acesso em: 30 out. 2019.
22

Dentre os mangás de mais sucesso deste gênero, pode-se citar: Dragon Ball,
Astro Boy, Saint Seiya, Naruto, One Piece, Full Metal Alchemist e Hunter x Hunter. A
maior parte desses mangás possui publicações semanais ou mensais, em editoras
como Kodansha, Shogakukan e Sueisha. O shounen possui uma revista especializada
que faz muito sucesso no Japão, a Shounen Jump. Esta revista foi responsável pelo
lançamento da maioria dos mangás do gênero, tendo exemplares cheios de conteúdo
e com 400 páginas em média, cada.

Figura 6 - Revista Shounen Jump.

Fonte: Disponível em: https://www.otakupt.com/manga/weekly-shonen-jump-36-37-2019/.


Acesso em: 30 out. 2019.

Uma das principais características deste gênero é o humor. A grande maioria


dos escritores presam em colocar o alívio cômico em suas obras como mais um
elemento para um público que busca diversão na leitura.
Uma técnica muito usada para atribuir humor ao mangá é focar na
personalidade dos personagens. Os personagens de um grupo devem ter
personalidades diferentes e até mesmo mudanças de personalidades em meio a
situações específicas. A oposição de personalidades pode deixar a história mais
23

interessante e divertida, por exemplo, um personagem com defeitos marcantes pode


enriquecer a narrativa e fazê-la fluir de modo que esses defeitos colidam com os
defeitos ou qualidades de outro personagem. Essa colisão pode promover humor à
narrativa, de acordo com Toriyama e Sakuma (1984).

2.3 FICÇÃO FANTÁSTICA


A ficção fantástica se difere da científica, pois seus elementos vão além do
natural, uma vez que o sobrenatural é a principal característica desse gênero pelo fato
dele transcender a realidade dos homens. Para exemplificar, faz-se uso da principal
vertente da fantasia que se chama de Contos de Fadas, tendo em vista que

o reino dos contos de fadas é amplo, profundo e alto, cheio de muitas


coisas: lá se encontram todos os tipos de aves e outros animais;
oceanos sem praias e estrelas sem conta; uma beleza que é
encantamento e um perigo sempre presente; alegria e sofrimento
afiados como espadas. (TOLKIEN, 2013, p. 03)

2.3.1 J.R.R. Tolkien


É sempre oportuno, ao falar de ficção desse gênero, mencionar as
contribuições de John Ronald Reuel Tolkien, que é um escritor inglês considerado o
pai da fantasia moderna e criador de O Senhor dos Anéis e O Hobbit, obras de grande
renome.
Figura 7- John Ronald Reuel Tolkien e seu cachimbo.

Fonte: Disponível em: <http://tolkienbrasil.com/2013/09/02/quarenta-anos-apos-j-r-r-


tolkien/>. Acesso em: 30 out. 2019.

Tolkien era um filólogo e professor da Universidade de Oxford fascinado por


línguas. Antes mesmo de ingressar na universidade, já havia criado sus própria língua
completa com muitas inspirações no finlandês. Após um certo tempo, o professor
percebeu que suas línguas precisavam de uma razão a mais para existir, assim como
24

um objetivo. A partir deste momento, decidiu criar histórias fantásticas. Em suma, ele
criou um mundo onde habitava vários povos, raças, cheio de culturas, diversas línguas
e conhecido como “Terra-Média” cuja história se dividiu em diversos livros
caracterizados por narrativas amplamente detalhistas. Acerca da ligação da obra de
Tolkien e seu amor pela linguagem mundial, o biógrafo Michael White cita:

O estudo da língua é, na verdade, o estudo de uma cultura. Não deixa


de ser curioso que, apesar de Tolkien ser professor de inglês antigo e
conhecer intimamente as regras da língua, assim como a estrutura e
os detalhes de talvez uma dúzia de línguas diferentes, seu
conhecimento de francês e espanhol fosse apenas um pouco acima
da média. Isto porque o interesse de Tolkien estava na relação entre
língua e cultura. (WHITE, 2016, p. 83)

Nas obras de Tolkien, pode-se encontrar vários elementos do gênero fantástico


inserido neste mundo fictício cheio de culturas. A magia permeia seus enredos
inspirados em mitologias cujo mundo é composto por diversos seres fantásticos como:
dragões (fig. 8), quimeras, elfos, anões, necromantes, grifos, ogros, orcs, trolls,
gigantes, animais enormes e/ou falantes, entre outros seres místicos.

Figura 8 - Dragão Smaug do filme “O Hobbit”

Fonte: Disponível em: http://lotr.wikia.com/wiki/Smaug. Acesso em: 30 out. 2019.

Tolkien é a inspiração direta ou indireta de boa parte dos escritores de literatura,


cinema ou qualquer obra de ficção fantástica da atualidade. Ele é um dos autores mais
relevantes quando se trata de estudos sobre fantasia.
25

Portanto, pode-se dizer que a fantasia vai além de tudo que chamamos de real,
pois todas as coisas podem ser distorcidas com relação à realidade, já que as
entidades metafísicas podem se tornar físicas. Para o mundo fantástico, nada é
impossível e as possibilidades dependem do quanto o autor quer emergir em sua
imaginação. Eis o fundamento principal desse gênero.

2.3.2 Fantasia Medieval


A fantasia medieval nada mais é do que a fusão entre elementos fantásticos e
características da Idade Média. A presença de cavaleiros com armaduras (fig. 9);
espadas e tabardos, simbolizando suas famílias; reinos e deuses; caçadores usando
arcos longos; sacerdotes com suas batinas; grande quantidade de mercados nas ruas;
templos e castelos enormes; grandes fazendas e vários conceitos hierárquicos são
constantes neste sub-gênero.
Outros aspectos que são observados da fantasia medieval são homens com
couraças de aço que podem montar cavalos voadores e enfrentar dragões; bruxas
que passam a realmente praticar bruxaria; os cães podem ter vínculos mais próximos
da linguagem comum com os seus donos; as aventuras sempre são mais perigosas e
os mistérios são constantes; os sacerdotes podem passar a ter poderes divinos; os
templários podem evocar a luz sagrada como uma arma e rios de sangue de guerras
podem ser comuns. Ou seja, as possibilidades são imensuráveis dessa fusão de um
tempo histórico com um gênero. De acordo com Reis (2015), a fusão entre fantasia e
história/cultura medieval dá origem ao gênero (ou subgênero) fantasia medieval.

Figura 9 - Cavaleiro Medieval.

Fonte: Disponível em:https://br.pinterest.com/pin/131941464067284895/?lp=true. Acesso


em: 30 out. 2019.
26

Dessa forma, é possível observar que neste gênero os elementos do medievo


se fundem com a fantasia. O misticismo na crença, que é uma característica forte na
Idade Média, torna-se real e as forças místicas saem do campo dos pensamentos e
avançam à realidade em uma época fictícia semelhante ao período medieval. Esta
energia e tudo que a engloba assemelham-se com estas crenças são citadas pelo
escritor italiano Umberto Eco, quando comenta sobre o medievo:

Na origem desta paixão pela luz estavam as ascendências teológicas


de remota fonte platônica e neoplatônica (o Bem como sol das ideias,
a simples beleza de uma cor dada por uma forma que domina a
escuridão da matéria, a visão da divindade como lume, fogo, fonte
luminosa). Os teólogos fazem da luz um princípio metafísico e nestes
séculos se desenvolve, sob influência árabe, a ótica, com as reflexões
sobre as maravilhas dos arco-íris e os milagres dos espelhos. (ECO,
2010, p.11)

A importância de comentar esse gênero é, sobretudo, pelas forças metafísicas


que ele costuma abordar. No caso do mangá Aramantis, haverá uma principal força
etérea chamada “erugin” que será explicada em um próximo capítulo. Esta visão é
semelhante à ideia estudada sobre as crenças medievais comentadas pelo italiano
Umberto Eco no trecho acima.

2.4 FANTASIA MEDIEVAL NOS MANGÁS


Com inspiração direta e/ou indireta nas obras de Tolkien, a fantasia medieval
também está presente nos quadrinhos japoneses, geralmente adaptados no gênero
shounen. Dentre vários mangás deste gênero, pode-se dar destaque a alguns que
serão mencionados no capítulo a seguir para que seja possível ter noção da temática
que eles abordam e usá-los como soma à inspiração.

2.4.1 Berserk
Criado em 1988 pelo mangaká Kentaro Miura, a narrativa se passa em
um mundo de fantasia inspirado na Europa medieval. A história tem como
protagonista o solitário Guts, um ex-mercenário e agora um cavaleiro com uma
maldição que o força a vagar sem descanso para sobreviver e procurar sua vingança.
One-shot de Berserk é lançado em 1988, porém sua narrativa atual começou a ter os
seus capítulos publicados no ano seguinte, na antiga revista Monthly Animal House,
27

que foi substituída em 1992 pela revista semestral Young Animal, onde o mangá
continua a ser lançado. (THE BERSERK ENCYCLOPEDIA, 2016)

Figura 10 - Cena Mangá Berserk.

Fonte: Disponível em: <https://www.pinterest.ie/pin/686024955712394207/> Acesso em: 12


nov. 2019.

2.4.2 The Record of Lodos War


Record of Lodoss War é um mangá inspirado em replays de RPGs de fantasia
medieval que foi criado em 1986 pelo Group SNE e publicado em capítulos na revista
japonesa Comptiq. Nos RPGs, também chamados de Role-Playing Games, jogadores
usam a imaginação para imergirem em um mundo novo e tomar decisões. Neste, com
o auxílio de uso de dados e de um mestre que comanda seus rumos, eles fazem uma
jornada com aventuras de diversas naturezas.
Replays são narrativas inspiradas diretamente nas transcrições das sessões
de RPG e têm o objetivo de atrair o interesse dos leitores e transmitir os
acontecimentos das missões. Eles mostraram ter uma grande popularidade até para
quem não joga RPG, mas são fãs de ficção (incluindo fantasia). Semelhante as light
novels, muitos personagens e partidas de replays tornaram-se populares como
personagens de animes e mangás.
28

Figura 11 - Capa Record of Lodoss War n° 2.

Fonte: Disponível em: <http://www.comiccollectorlive.com/item/bc469942-320a-41d5-a73c-


80e01af67de5/Record-of-Lodoss-War-The-Lady-of-Pharis-2> Acesso em: 12 nov. 2019.

A história se passa primeiramente em um continente chamado Alecrast onde


há muitos anos houve uma terrível batalha entre dois deuses, Pharis (Deus da Luz) e
Falaris (Deus da Escuridão). Este combate parecia interminável, tendo em vista que
iniciou com apenas dois deuses, mas foi arrastando com ele outros. Todavia, restaram
apenas duas deusas que entraram em combate: Kardis (Deusa da Destruição) e Marfa
(Deusa da Criação). Kardis, que era do time de Falaris, foi derrotada e amaldiçoou
Alecrast, mas, para evitar que a maldição se tomasse conta de tudo no continente,
Marfa, que era do lado do bem, separou um fragmento amaldiçoado, transformando-
o numa ilha, um continente isolado que se chamou "Lodoss", como lembram Camp e
Davis (2007)
29

2.4.3 Nanatsu no Taizai


Nanatsu no Taizai também conhecido como “Os Sete Pecados Capitais” ou “Os
Sete Grandes Pecados” é um mangá japonês criado por Nabaka Suzuki. O mangá foi
serializado pela revista Weekly Shōnen Magazine e, já nos seus primeiros anos de
lançamento, superou 10 milhões de cópias vendidas. No Brasil, ele é publicado pela
editora JBC desde 2015, onde fez muito sucesso.

Figura 12 - Cena Mangá Nanatsu no Taizai.

Fonte: Disponível em: < http://animesnamidia.blogspot.com/2016/07/Nanatsu-no-Taizai-184-


Escanor-vs-Estarossa.html> Acesso em: 12 nov. 2019.

A narrativa de Nanatsu no Taizai se passa em uma região chamada Britânia,


que se assemelha à Europa Medieval. Nesta região, existe um grupo de cavaleiros
composto por sete membros chamados de Os Sete Pecados Capitais. Estes
cavaleiros eram considerados os mais fortes do reino; entretanto se separaram após
serem acusados de trair um reino chamado Liones. Dez anos depois, um grupo de
cavaleiros desse reino se une para dar um golpe de estado no rei. Em consequência
disso, a atual princesa do Reino sai em uma jornada em busca dos Sete Pecados para
pedir auxílio e recuperar o reino, aponta Suzuki (2012).
2.4.4 Holy Avenger
Holy Avenger é um mangá brasileiro que foi criado por Marcelo
Cassaro, Rogério Saladino e JM Trevisan e ilustrado por Érica Awano. A narrativa
contou com 42 edições publicadas mensalmente entre os anos de 1999 e 2003. O
30

enredo fala de uma jornada do aspirante a ladrão Sandro Galtran e da meio


dríade Lisandra, em um lugar chamado Arton, um mundo de fantasia medieval com
elfos, anões, deuses e magia. O mangá culminou com a criação do cenário
de RPG Tormenta e gerou diversas edições especiais relacionadas ao seu universo.
Foi bicampeã do Troféu HQ Mix na categoria "revista seriada" em 2001 e 2002, e, em
2007, alcançou o sexto lugar na primeira edição do Prêmio Internacional de Mangá,
realizado no Japão.

Figura 13 - Cena Mangá Holy Avenger.

Fonte: Disponível em: <http://www.mundohq.com.br/historias-em-


quadrinhos/publicacao/72/holy.html> Acesso em: 12 nov. 2019.

A narrativa começa com Lisandra, uma jovem garota criada na floresta e que
busca pedir ajuda ao famigerado ladrão Galtran. Ela pretende ir em busca de um dos
Rubis da Virtude, para, assim, ter o poder necessário e ressuscitar um herói Paladino
que havia sido morto tempos atrás. Como consequência de um alvoroço em uma
cidade, ela conhece o filho de Galtran, Sandro, que busca seguir os passos do pai e
a ajuda a conquistar o primeiro rubi. Logo depois, Sandro descobre que existe um
outro Rubi da Virtude com uma maga elfa chamada Niele. Após achar que o primeiro
era falso, decide roubá-lo da elfa; entretanto, depois de uma confusão, os dois acabam
31

iniciando uma amizade e partem atrás de Lisandra. Sandro passa por inúmeras
desventuras com Niele provocadas pela saga para encontrar cada vez mais rubis.
Porém, mesmo assim, Lisandra continua sua jornada junto com eles.
Os mangás citados anteriormente são muito importantes como referência para
o processo criativo na construção da ideia para uma narrativa de fantasia medieval. É
importante frisar a liberdade dos autores em usarem a imaginação quando se trabalha
nesse gênero, pois fica evidente em suas obras como eles se desprendem da
realidade sem precisar se preocupar muito com ideias cotidianas sobre ela ou
conceitos meramente naturalistas.

3 ELEMENTOS GRÁFICOS DA LINGUAGEM MANGÁ E O DESIGN


O uso de elementos visuais de diversos tipos é a principal forma para a
execução de um projeto gráfico. Nos mangás, o uso de figuras e textos faz com que
as mensagens ali contidas sejam transmitidas ao leitor. Dessa forma, as metodologias
usadas pelos designers se assemelham aos dos quadrinistas. Esses elementos são
usados de diversas formas para que o objetivo seja executado e para que o público
compreenda a mensagem da melhor forma. “O Design, como comunicador de
conceitos e ideias, frequentemente utiliza a linguagem dos quadrinhos em muitos de
seus trabalhos” (CRUZ; HORN; SANTOS, 2011, p.1). Isto posto, pode-se comentar
que o processo criativo do design gráfico se assemelha às etapas de criação de um
mangá.
Para reforçar essa ideia, é importante destacar que tudo que um designer
gráfico produz se enquadra direta ou indiretamente nos meios de comunicação, assim
como às histórias em quadrinhos. Por mais que em teoria a narrativa possua um reino
fantástico e atraente e um enredo bem construído, se não existir uma boa e bem
projetada comunicação visual, os objetivos não alcançarão o público-alvo.
Um mangá precisa transmitir as informações nele inseridas de forma clara
utilizando vários recursos e metodologias do design. É necessário pensar em
formatos, diagramação, tipografia, fatores iconográficos, além de vários outros
recursos projetuais.
Atuando como ferramenta de comunicação, pode-se identificar uns pontos
sobre o Design citados por Rand (2015, p. 77): “[...] poderosa ferramenta estratégica
a que podem recorrer as empresas a fim de conquistar uma vantagem competitiva.”
Considerando esses fatores, é possível salientar que, no decorrer de um projeto de
32

design ou de uma HQ, deve existir uma considerável atenção a este público e todas
as questões metodológicas devem ser pensadas e enquadradas para ele, isso a cada
passo do desenvolvimento do projeto. Sobre tal questão Eisner (2005, p. 51) comenta:

Para quem você está contando sua história? A resposta a essa


pergunta precede o próprio ato de contar uma história porque é uma
preocupação fundamental da transmissão. O perfil do leitor - sua
experiência e características culturais - tem de ser levado em conta
antes que o narrador possa contar a história com sucesso.

A análise do público alvo também é considerada um fator importante em um


projeto de design gráfico. Verificar o perfil de quem vai ter contato com um logotipo,
por exemplo, é uma das primeiras etapas para sua criação. Wheeler (2008) lembra
que este servirá como base para criação de brainstorms, mapa mentais, processo
criativo até a arte final. Pode-se destacar, portanto, que um projeto gráfico tem como
um dos principais objetivos focar naqueles que receberão a mensagem. Este fator é
de grande importância nos trabalhos mais comuns do designer e em sua atuação na
criação de um mangá.
Outro ponto importante que associa os projetos de design com os de
quadrinhos são as próprias técnicas que buscam esclarecer as mensagens que
devem ser transmitidas para o público estudado na fase anterior. Samara (2010, p. 6)
comenta que o design “[...] busca simplesmente esclarecer a mensagem e transformá-
la em uma experiência emocional.” Com isto é possível observar que o design tem
uma boa aproximação com o conceito de narrar uma história, pois, conforme lembra
Eisner (2010), quando se pensa no âmbito das emoções, o leitor passa a se envolver
melhor com a narrativa
Quando se pensa em diagramação, organização e dinâmica dos quadros em
cada página, por exemplo, está se pensando de forma projetual como no design.
Semelhante a isso, McCloud (2005) comenta que organizar os elementos visuais de
forma orquestrada nos quadrinhos é de grande importância no trabalho do quadrinista,
para que ele possa direcionar a interação do leitor com a narrativa.
É importante mencionar que, para ler quadrinhos ocidentais, o leitor, de certa
forma, precisa entender uma linguagem específica como: compreender para que
serve um balão de fala, um balão de pensamento e uma onomatopeia. Esta mesma
exigência por parte do gênero HQ percebe-se no mangá, uma vez que, como lembra
Chinen (2011), para se aprofundar na leitura de um mangá, é necessário compreender
33

a abrangência de sua linguagem que se difere em muitos pontos dos métodos


ocidentais.
Observando esta questão, para criar um mangá voltado inicialmente para o
público do ocidente, deve-se pensar em adaptar esta linguagem para tal leitor, de
modo que ela não perca as principais características do gênero nipônico. Neste
trabalho, será mostrado um modo de leitura ocidental (da esquerda para direita) no
qual serão mantidos a maioria dos outros elementos de linguagem que caracterizam
um mangá. Contudo, criar um mundo fantástico dentro de um projeto de design pode
acarretar em problemas, pois os diversos fatores técnicos das metodologias podem
entrar em colapso com a obra fictícia e privá-la de todo seu misticismo e naturalidade,
por isso deve existir um equilíbrio entre as regras metodológicas e o livre-arbítrio
artístico.
Dessa forma, pode-se destacar três pontos principais em que o design gráfico
pode contribuir para um projeto de quadrinhos, além de suas variações, eles são:
tipografia, layout e imagem, conforme apontam (AMBROSI; HARRIS, 2012). Estes
pontos serão trabalhados com mais detalhes nas próximas etapas.
Em resumo, os mangás, assim como os quadrinhos ocidentais, são compostos
por textos e imagens que também podem ser definidos como mensagens linguísticas
e pictóricas, respectivamente. Esses elementos podem ser usados de diversas
maneiras, de modo que a mensagem seja compreendida pelo leitor através de uma
experiência visual semelhante entre ele e o quadrinista. Para complementar essa ideia
Eisner (2010) comenta:

Portanto, para que sua mensagem seja compreendida, o artista


sequencial deverá ter uma compreensão da experiência de vida do
leitor. É preciso que desenvolva uma interação, por que o artista está
evocando imagens armazenadas na mente de ambas as partes. O
êxito ou fracasso desse método de comunicação depende da
facilidade com que o leitor reconhece o significado e o impacto
emocional da imagem. (p. 7)

A união dos elementos de uma história em quadrinhos direciona o leitor a


compreender a mensagem através de sua capacidade de interpretação, quando
considera-se o visual e o verbal. Os aspectos literários e artísticos agem
reciprocamente, dessa forma, sua leitura torna-se tanto uma ação de percepção
estética, quanto de um esforço intelectual (EISNER, 2010). Com isto, é possível
34

analisar cada elemento que compõe as histórias e quadrinhos em geral e no caso em


questão, os mangás.

3.1 REQUADRO
O requadro é o nome dado ao quadro onde o autor organiza as ações das
histórias em quadrinhos. Ele serve como meio de controle para leitura como um
delimitador de tempo, transmissor de ideias e sentimentos, suporte estrutural e entre
outras funções (fig. 14). Sobre esse elemento Eisner (2010) comenta:

Na narrativa visual, a tarefa do escritor/artista é registrar um fluxo


contínuo de experiências e mostra-lo tal como pode ser visto pelos
olhos do leitor. Isso é feito arbitrariamente, dividindo-se o fluxo
ininterrupto em segmentos de cenas “congeladas”, encerrados num
quadrinho. (p. 40)

Figura 14 - Cena Quadrinho Pantera Negra.

Fonte: Disponível em: <https://www.marvel616.com/2018/02/maratona-616-top-10-


historias.html> Acesso em: 15 nov. 2019.

Nas histórias em quadrinhos, pode-se observar que existem dois “quadrinhos”:


um é a página que forma um grande quadrinho; e os outros são os quadrinhos
menores que esta página pode ter e onde ocorre a ação narrativa. Ambos são as
ferramentas que controlam a leitura e o fluxo da arte sequencial.
No ocidente, o leitor aprende a ler as páginas da esquerda para direita e da
parte superior até a inferior. Os quadrinhos divididos nas páginas se organizam a partir
desse conceito (fig. 15). No caso dos mangás, ocorre o inverso; as páginas são lidas
35

da direita para esquerda, e a maior parte das traduções para o mundo mantém essa
configuração.

Figura 15 - Fluxo de leitura.

Fonte: (EISNER, 2010, p. 42)

O formato e o número de requadros podem permitir uma certa indicação no de


tempo de uma ação, assim como também o espaço que fica entre um requadro e
outro. Um maior número de requadros por páginas, com espaços estreitos entre eles,
direciona a uma sequência de tempo mais rápida; requadros maiores, ou com espaços
mais vastos, transmitem uma passagem de tempo mais vagarosa, lembra Eisner
(2010).
Os requadros possuem uma função principal que é emoldurar objetos e ações;
entretanto, além dessa utilidade, ele pode ser inserido como elemento da linguagem
“não verbal” da história em quadrinhos. Quando se observa um requadro com forma
retangular e completamente alinhado, na maioria das vezes dá a entender que as
ações contidas no requadro ocorrem no tempo presente. Com isso, é possível
perceber que os quadrinhos possuem uma certa mudança de tempo ou um
deslocamento cronológico, também chamados de flashbacks.
Essa mudança é geralmente indicada por intermédio da alteração do traçado
no requadro que geralmente são sinuosos e ondulados e que são os mais comuns
indicadores de passado, assim como emoções e ideias de som podem ser
transmitidos por formas diversas nos requadros. Segundo Eisner (2010), mesmo que
36

não exista uma regra para representar o tempo por meio de cada quadrinho o “caráter”
de cada quadro cria uma espécie de hieróglifo.
Em comparação aos quadrinhos ocidentais, os mangás possuem bem menos
quadros em cada página. Enquanto os quadrinhos comuns possuem em média nove
quadros por página, os japoneses possuem de cinco a seis, no máximo, às vezes
chegando a apenas dois ou um. Dessa forma, é possível perceber que os mangás
possuem um fluxo mais rápido para leitura. Outro ponto importante lembrado por
Chinen (2015) é que os quadrinhos nipônicos têm com mais frequência seus
quadrados com formas oblíquas ou circulares (fig. 16), e o uso de closes nos
personagens é mais comum, além de darem mais ênfase à figura humana em cada
quadro.
Figura 16 - Exemplo de quadros de formas oblíquas.

Fonte: Disponível em: < https://www.rightstufanime.com/Naruto-Manga-Volume-46> Acesso


em: 18 nov. 2019.

Outra característica do mangás é o seu percurso de leitura. Enquanto os


quadrinhos ocidentais são lidos da esquerda para direita, tanto com relação à página
quanto à revista, os orientais são lidos da direita para esquerda dos dois modos, além
da leitura das palavras ser de cima para baixo. Tanto a ordem dos quadros quanto a
dos balões seguem esse padrão. A maioria dos mangás que vêm para o Brasil são
traduzidos mantendo o método de leitura nipônico; entretanto, alguns são adaptados
ao modo ocidental, que será o caso do mangá trabalhado neste projeto. Apesar de
que esse tipo escolha faça o quadrinho perder uma característica considerável do
37

mangá, ele passa a ganhar em um fator considerando a ideia de ergonomia


informacional, já que facilita a leitura do público-alvo que é ocidental, isso sem mexer
com as demais características comuns do gênero nipônico.

3.2 USO DA COR


As histórias em quadrinhos se dividem, na questão de cor, em coloridas e em
preto e branco. O estudo da cor é de grande ajuda para todos meios visuais, e as
HQs não são exceção. Nos primeiros quadrinhos, o uso de cores era bastante
exclusivo, pois os investimentos na área eram baixos e a tecnologia era bastante
limitada, sendo utilizado na impressão um sistema que reduzia o custo de produção.
O uso da cor é de uma importância considerável para os quadrinhos, já que
passa a transmitir um maior caráter icônico. As cores começaram a fazer os
personagens serem mais reconhecidos, ou seja, passaram a fazer parte da identidade
deles, principalmente em suas repetitivas vestimentas, uma vez que a roupa do
personagem permitia um fácil reconhecimento pelo simples fato de se repetir.
O leitor passou, assim, a fixar mais rápido os personagens em sua cabeça, um
exemplo disso é o comportamento visual que as pessoas têm com a presença do azul
e amarelo no uniforme do Superman. A cor também tem o poder de tornar o leitor
mais lúcido com relação às formas dos objetos, diferente de imagens em preto e
branco, além de permitirem que as figuras expressem melhor os sentimentos e os
estados de espírito da narrativa. Já nas HQs em preto e branco, a narrativa é mostrada
de forma mais direta, de tal maneira que o significado vai além da forma. Na ausência
de cores, o artista passa a recorrer às diversas técnicas para conseguir transmitir
ideias como textura e profundidade, principalmente as linhas (hachuras) e pontos
(pontilhismo), assegura Mccloud (1995).
Diferente dos quadrinhos ocidentais, a grande maioria dos mangás são feitos
em preto e branco, sendo apenas a capa e as primeiras páginas coloridas. Eles são
produzidos já com a premissa de que devem ter, no mercado de leitura, os menores
preços possíveis. Na grande maioria das vezes, são impressos em papel jornal e,
apesar de existirem vários colecionadores, para muitos, é algo descartável que pode
ser encontrado abandonados em lugares aleatórios no Japão. Chinen (2015) lembra
que, para dar uma variedade às histórias, algumas editoras usam papel tingido ou
usam tinta colorida na impressão, sendo que geralmente são usadas uma única cor
em cada volume. (2015)
38

3.3 BALÕES
Com a presença de mídias como o cinema e a televisão, acostumamo-nos com
narrativas contadas com som e imagem. Usamos a audição e visão
concomitantemente para que aquelas informações sejam compreendidas em sua
totalidade e, assim, oferecendo-nos experiências de alto nível. Todavia, conforme
aponta Mccloud (2008), quem quer usar os quadrinhos como mídia narrativa tem de
trabalhar apenas com foco na visão para transmitir a informação e, como citado
anteriormente, essas informações são representadas por textos e imagens.
A principal função dos balões é representar através do texto dentro deles as
falas dos personagens; texto esse que é associado ao diálogo. Os formatos figurados
dos balões também podem estar relacionados à expressão que o conteúdo nele
inserido quer transmitir. Para isso, eles podem ser ilustrados em vários formatos (Fig.
17) e, desta forma, passam a ter diversas funções na narrativa: o diálogo comum dos
personagens, em tom normal, é ilustrado por um balão de linhas simples e estáveis;
contornos instáveis e com saliências pontiagudas representam gritos ou sons fortes;
os balões de pensamentos geralmente possuem contornos ondulados, que lembram
desenhos de nuvens; entre outras ilustrações.
O balão também costuma ter presente em seu desenho um tipo de “rabicho”,
que geralmente está direcionado ao personagem que está falando o conteúdo
presente no balão. A ordem de leitura dos balões deve ter a mesma direção da dos
quadrinhos, ou seja, nos quadrinhos ocidentais, da esquerda para direita, e, nos
mangás, geralmente, da direita para esquerda.
39

Figura 17 - Alguns tipos de balões dos quadrinhos.

Fonte: Disponível em: < http://neams35.blogspot.com/2014/08/historia-em-quadrinhos-


compreensao-e.html> Acesso em: 18 nov. 2019.

Quando se estuda os balões nos mangás, é possível observar algumas


características que quase não vemos nos quadrinhos ocidentais. Nas HQs do
ocidente, na maioria das vezes, os balões indicam personagens falantes com rabichos
bem expostos e visíveis; já nos quadrinhos nipônicos quase não é possível vê-los e,
muitas vezes, eles nem sequer aparecem.
Os formatos diferenciados dos balões são uma característica mais comum
ainda nos mangás. Por exemplo, o balão de um personagem pode ter o formato bem
mais oval, enquanto o do seu interlocutor pode ter uma forma totalmente geométrica
chegando a ser retangular. Além disso, podem haver diversos balões seguidos sem
nenhum tipo de palavra, mas com muitos objetivos inseridos, como, por exemplo,
elementos expressivos e um conjunto de reticências em um balão só para enfatizar
um silêncio duradouro. O balão de pensamento é raramente usado, isso por que
muitas vezes o pensamento apenas flutua sobre o personagem. Porém, é muito
comum ver palavras sem nenhum balão próximas a quem está falando, além de
40

também nos depararmos com alguns balões de fundos com cores diferentes,
principalmente balões pretos com palavras brancas.

3.4 ILUSTRAÇÕES, TRAÇOS E METÁFORAS VISUAIS


Uma das principais características dos mangás é o estilo cartunizado 3 dos
personagens. Para a produção do mangá Aramantis, foram usados rostos de pessoas
reais transformando-os em cartuns adaptados ao estilo dos personagens dos
quadrinhos japoneses. Processos parecidos podem ser encontrados em várias
histórias em quadrinhos do mundo; afinal, o mundo real é a maior referência para
criação de um mundo fictício.
Quando se transforma uma figura realista em um desenho mais cartunizado
(Fig. 18), não é somente feita uma diminuição de detalhes, mas também deixando as
características que realmente importam para que a mensagem seja transmitida ao
leitor. Essa transformação também pode permitir que o espectador se identifique com
mais facilidade com as figuras, pois quanto mais a imagem foge dos detalhes reais,
mais ela se afasta da representação de algo específico, e, assim, ela passa a
representar uma maior quantidade de pessoas.
Um grande fator que faz o leitor se envolver com a narrativa é o nível em que
ele se encontra nos personagens dentro de uma história. Para Mccloud (1995), é
basicamente o poder de identificação do cartum que facilita sua disseminação na
cultura popular pelo mundo.

Figura 18 - O rosto humano do realismo ao cartum.

Fonte: (MCCLOUD, 1995, p. 35)

3Quando uma imagem realista passar por um processo de cartunização, tornando-se minimalista, com
características de desenhos animados e formas caricatas.
41

O homem tem a tendência natural de enxergar a si mesmo em lugares e


situações que muitas vezes não se relacionam com ele, acrescenta emoções onde
não existem e modela o mundo a sua imagem. A partir do momento em que o ser
humano observa uma fotografia ou desenho realista de um rosto, ele passa a ver a
imagem de outra pessoa; porém, quando ele vê um desenho cartunizado, aquela
neutralidade faz com que ele possa ver a si mesmo. Um exemplo seria um
personagem loiro com traços realistas cuja quantidade de detalhes dá vazão para o
leitor observar características que se diferem das suas; já no caso de um personagem
loiro com traços minimalistas, ele pode se identificar simplesmente por ser loiro, se for
o caso.
Em contraste com os personagens, os cenários são bem mais detalhados nos
quadrinhos, pois neles não há necessidade da representação humana. O gênero da
história em quadrinhos pode ter grande influência no traço do desenho. Um exemplo
são as HQs estadunidenses de super-heróis que dão ênfase a características heróicas
nos personagens, geralmente mostrando uma quantidade de músculos nas figuras
masculinas e um corpo com muitas curvas nas figuras femininas. Nos mangás,
encontramos expressões exageradas e características com extrema estilização,
aponta Mccloud (1995).
Os mangás possuem uma maneira peculiar de mostrar as expressões de seus
personagens. Em comparação com os quadrinhos ocidentais, as HQs japonesas
usam algumas metáforas, ou seja, representações visuais que dão ênfase a
sentimentos, comportamentos e sensações, e a maioria é facilmente interpretada;
entretanto outras metáforas necessitam de uma experiência do leitor para serem
compreendidas. Baseando-se nos estudos de Chinen (2015) e Lopes (2010) é
possível pontuar algumas dessas metáforas que serão descritas a seguir.

3.4.1 Rubor Facial


Deixar os personagens com o rosto corado ou ruborizado (fig. 19) é uma
característica eminente nos mangás para passar um efeito cômico. As áreas abaixo
dos olhos, nariz e bochechas dos personagens aparecem com hachuras, a forma dos
olhos se altera e a boca fica franzida. Há várias razões que fazem com que os
personagens apareçam com essas alterações, assim como para expressar vergonha,
incômodo, surpresa ou terem passado por algo constrangedor.
42

Figura 19 - Exemplo de personagem com vergonha.

Fonte: Disponível em: <http://naruto-kiubby.blogspot.com/> Acesso em: 23 nov. 2019.

3.4.2 Gotas de Suor


Podendo ser usadas também em situações de vergonha e nervosismo, as
gotas de suor surgem escorrendo pelo rosto dos personagens (fig. 20) ou ao redor de
sua cabeça. Quanto maior o nível do sentimento de vergonha ou de nervosismo,
maiores e/ou mais numerosas serão as gotas que podem ser encontradas em todo
corpo deles, de modo que enfatizem a intensidade daquele sentimento.
43

Figura 20 - Exemplo de gota de suor no personagem.

Fonte: Disponível em: <https://pt.wikihow.com/Ler-Mang%C3%A1s> Acesso em: 18 nov.


2019.

3.4.3 Expressando a Raiva


Nos mangás, a raiva costuma ser caracterizada com excesso nas expressões
dos personagens, de modo que a distorção chega a ser extrema. As figuras humanas
podem se encher de veias, a íris dos olhos pode desaparecer, uma sombra negra
pode cobrir seus corpos, entre outras distorções. Além disso, a raiva pode ser
expressada com um sentido mais cômico, para a qual também são usadas distorções,
como por exemplo, o rosto do personagem ser representado apenas por um formato
semelhante a um “X”.

Figura 21 - Exemplo de personagem com raiva.

Fonte: Disponível em: <https://www.ebay.com/itm/STICKERS-AUTOCOLLANT-


TRANSPARENT-POSTER-A4-MANGA-BERSERK-GUTS-GATTSU-RAGE-/272136955193>
Acesso em: 19 nov. 2019.

3.4.4 Sangue no Nariz


Um recurso muito usando nos mangás para mostrar que o personagem está
excitado é o nariz sangrando (fig. 22). Acontece principalmente no momento em que
o personagem dá de cara com aquilo que o excita. Muitas das vezes apenas uma
pequena quantidade de sangue escorre do nariz, já em outras sai um jato de sangue,
44

podendo arremessar o personagem para trás, isso, claro, podendo ser proporcional
ao grau de excitação.

Figura 22 - Exemplo de personagem com nariz sangrando

.
Fonte: Disponível em: <https://www.quora.com/Why-is-Jiraiya-the-only-one-who-never-had-
a-nosebleed-during-one-of-Narutos-funny-sexy-jutsu> Acesso em: 19 nov. 2019.

3.4.5 A Superdeformação
Também chamado de chibi, o efeito de superdeformação geralmente acontece
quando o personagem passa por um tipo de emoção muito forte, principalmente medo,
raiva, súplica, decepção, paixão etc. O termo chibi, que quer dizer criança, e a
deformação que ocorre no personagem, geralmente lembram traços infantis e são
bem mais cartunizados (fig. 23) que o comum. Apenas algumas características dos
personagens como o cabelo são preservadas para que ele seja reconhecido. Estes
efeitos podem ser considerados os mais expressivos nos quadrinhos no estilo
japonês, já que conseguem representar emoções extravagantes de maneira
minimalista.

Figura 23 - Exemplo de personagem deformado.

Fonte: Disponível em: <


https://myanimelist.net/featured/1819/The_Many_Expressions_of_Anime_Faces> Acesso
em: 19 nov. 2019.
45

3.4.6 A Expressão nos Olhos


Os olhos grandes e bem expressivos é uma característica muito comum nos
mangás. Para os desenhistas de mangá, os olhos têm um poder tão grande de
expressar que servem como uma espécie de código para eles. Por exemplo, olhos
grandes e redondos expressam inocência pureza e jovialidade; olhos médios e
ovulados representam uma boa pessoa, porém com algo sombrio em seu passado;
olhos estreitos e semicerrados, geralmente representam o mal, muito comum nos
vilões (fig. 24). Já os heróis e heroínas geralmente possuem a íris do olho maiores, o
que não se percebe nos vilões, uma vez que estes costumam ter a íris pequena ou
inexistente.
Figura 24- Exemplo de vilão de mangás.

Fonte: Disponível em: < https://www.tumblr.com/search/hisoka%20caps> Acesso em: 19


nov. 2019.

Portanto, é possível observar a existência de uma “linguagem visual japonesa”


presente nos mangás, e dentro deste tipo de projeto gráfico de comunicação
encontramos contextos sociais e culturais. Existem certos padrões evidentes nos
mangás que vêm da cabeça do escritor, geralmente desenhados por meio de um
sistema reconhecível. Um exemplo seria os olhos grandes dos personagens,
característicos de uma metodologia muito esquematizada. De certa forma, isso acaba
voltando a atenção para um certo padrão de estilo que predomina a linguagem mangá,
algo comum que só pode ser encontrado neste gênero de quadrinhos, aponta Cohn
(2007).
46

3.7 TIPOGRAFIA
O texto possui uma importância fundamental nas HQs por preencherem os
espaços. De acordo com Mccloud (2008), ele é a voz e o pensamento dos
personagens e faz com que eles possam mostrar seus cinco sentidos, além de
transformar efeitos sonoros em imagens, permitindo que o leitor possa ouvir com os
olhos.
Nas HQs, o texto é trabalhado com uma certa hierarquia que se trata de um
método não verbal de suma importância para certas interpretações. A presença do
negrito e/ou contorno em palavras específicas tem a função de dar ênfase a algo e
podem servir como um guia para o fluxo da leitura.
Se a palavra se apresenta com maior destaque que as demais figuras, trata-se
de um indicador que aquele elemento é mais importante que o desenho. Desta forma,
percebe-se que os variados sentimentos nos quadrinhos podem ser mostrados no
formato das letras das palavras: a letra com aspecto trêmulo pode indicar pavor;
palavras com letras grandes podem querer transmitir a ideia de que o personagem
está gritando ou falando mais alto; e segue-se dessa forma.
Outro método bastante utilizado por alguns desenhistas de quadrinhos, como
Eisner (2010), é a forma como as letras são colocadas nos títulos das histórias, que
podem ser utilizados como elemento gráfico e serem inseridos de alguma forma nos
desenhos, como placas, fachadas, grafites em paredes, etc. Além disso, aponta
Mccloud (2008), muitos quadrinistas desenham seus textos à mão para que estes
mantenham uma harmonia com o desenho, dando às palavras mais personalidade e
informalidade ou usam fontes digitais como a Comic Sans (fig. 25) que simulam o texto
manuscrito.
Figura 25 - Tipografia Comic Sans

Fonte: Disponível em: < https://br.pinterest.com/pin/296885800433113495/?lp=true> Acesso


em: 11dez. 2019.
47

Nos Quadrinhos, os sons são representados pelas onomatopeias, elemento


específico que tem uma grande importância na composição das histórias, entrando
como ferramentas visuais que tornam cada quadrinho mais dinâmico. Diferente das
HQs ocidentais, em que os efeitos sonoros por esse meio servem para enfatizar algo,
os efeitos deste recurso no mangá são bem mais comuns e ajudam a dar profundidade
à narrativa. As onomatopeias ocidentais comumente se limitam a algumas palavras
de uso comum, já nos mangás utilizam-se milhares de palavras para representar os
sons.
Os japoneses possuem efeitos sonoros escritos para quase todo tipo de ação,
como “BA”, que representa um impacto repentino, o “PIKU”, que expressa o ato de
piscar e o “SU”, que representa o som de soluço, entre vários outros. Além disso,
conforme Chinen (2015), as onomatopeias nos mangás também podem representar
o mais puro silêncio e muitas vezes expressar um estado de espírito.

Figura 26 - Exemplo Onomatopeia no mangá.

Fonte: <https://www.japanpowered.com/anime-articles/manga-sound-effect-guide> Acesso


em: 11 dez. 2019.

3.8 DIAGRAMAÇÃO
Em um projeto de criação de um mangá, deve existir uma metodologia que se
assemelhe aos conceitos do Design Gráfico, pois na diagramação do material essa
metodologia tem grande importância para que a narrativa possa se comunicar com o
leitor da melhor maneira possível. Em cada página, as figuras e as palavras devem ter
48

uma certa organização para que não venham a se colidir negativamente na mente do
leitor.
Todos os quadrinhos e as cenas neles inseridas devem ser bem distribuídos
como se cada quadro se apresentasse como um palco de um espetáculo com o
objetivo de que essa distribuição mostre um objetivo evidente. Nas páginas ou em
cada requadro, nada deve ser colocado sem um propósito e os elementos da narrativa
mais importantes devem ser inseridos no local onde possam chamar mais atenção.
Os quadros de cada página são formas geométricas que possuem um “ponto
focal” que é o lugar onde provavelmente o leitor irá olhar antes de tudo, para depois
continuar e observar o restante da cena. Os quadrinhos possuem seus pontos focais
que variam de quadrinho a quadrinho; já o balão pode tomar a maior parte de um
requadro, pois, quando isso acontece, o espaço que sobra pode se tornar um “ponto
focal”. Estes tais pontos (Fig. 27) ficam localizados entre uma diagonal traçada dentro
de cada quadro e outras retas perpendiculares que conectam a diagonal aos vértices
posicionados na parte exterior.
Segundo Eisner (2010), cada ponto pode ser observado como uma área, sendo
cada elemento ou ação classificados pela análise do seu valor à narrativa,
classificação esta, feita pelo quadrinista, considerando-as como ferramentas que
auxiliam no fluxo da narrativa.

Figura 27 - Pontos focais dos requadros.

Fonte: (EISNER, 2010, p. 164)

Como citado anteriormente, nos quadrinhos, a história é dividida em quadros,


em cada quadro vai acontecer uma espécie de ação que contribui para o fluxo da
49

narrativa. O que acontece em cada quadro deve ser pensado de maneira que ele se
conecte com o quadro seguinte e/ou com o anterior. Segundo Scott McCloud (1995),
as transições entre quadros podem ser divididas em seis categorias de acordo com
as “conclusões” ou “sarjetas” que caracterizam um certo ritmo em que as histórias se
distribuem dentro dos quadros. Isso por que, ainda segundo Mccloud (1995, p. 67),
“os quadros das histórias fragmentam o tempo e o espaço, oferecendo um ritmo
recortado de momentos dissociados. Mas a conclusão nos permite conectar esses
momentos e concluir mentalmente uma realidade contínua unificada.”
As categorias nomeadas por Mccloud (1995) para transição de quadros são:
movimento-a-movimento, ação-a-ação, aspecto-a-aspecto, tema-a-tema, cena-a-
cena e non sequitur. Na imagem abaixo (fig. 28), é possível observar essas
nomenclaturas da menos acelerada até a mais acelerada.

Figura 28 - Transição de Quadros Segundo McCloud

Fonte: Mccloud (1995)

No ritmo menos acelerado, temos a transição “Momento a Momento” que é


muito usada justamente para retardar a ação e causar suspense, pois tem o intuito de
transmitir as pequenas mudanças de movimento, podendo levar à necessidade de um
maior número de quadros. Na “Ação a Ação”, é prezada a eficiência. Aqui o quadrinista
pode escolher apenas o momento mais importante da ação para inserir no quadro,
assim ela pode ser resumida numa quantidade menor de quadros. No caso da
transição de “Aspecto a Aspecto”, sua eficiência para o fluxo da narrativa é tão boa
quanto a anterior, sendo que o telespectador passa a olhar pontos diferentes do
ambiente da mesma cena. A transição “Tema a Tema” é aquela que rompe uma
possível sequência nos quadros. Nela é necessária uma interpretação bem maior do
leitor. Os quadros vão apresentar o mesmo tema, mas não necessariamente no
mesmo tempo e espaço, já que deixam brechas bem maiores para quem está lendo.
50

Em um ritmo menos acelerado, temos a transição “Cena a Cena”, que


apresenta uma maior distância de tempo e espaço entre os quadros, ou seja,
geralmente ocorre uma grande transição temporal a cada cena. Na maioria das vezes,
há descrições do tipo “Anos depois...” ou “Enquanto isso...”. Um exemplo seria em um
quadro ilustrando uma índia grávida e, no seguinte, o bebê recém-nascido em seus
braços. Por último, a transição “Non Sequitur”, um tipo de transição que não possui
uma sequência lógica. Nesta etapa, os quadros são aleatórios uns com relação aos
outros e a transição é bem mais acelerada, tendo em vista que possui o efeito de
quando uma televisão está mudando canal rapidamente e repetidamente, compara
Mccloud (1995).
Dentre as transições citadas, a que ganha mais destaque nos mangás é a
transição “Aspecto a Aspecto” (Fig. 29). Os quadrinhos japoneses possuem uma
característica comum que leva a esse tipo de transição, pois muitos de seus quadros
não possuem sequer nenhuma palavra. Com isso, o leitor passa a construir cenas a
partir de informes gráficos divididos e inacabados, aponta Mccloud (2008).

Figura 29 - Transição no Mangá Hunter x Hunter

Fonte: (TOGASHI, 2014)

Com a riqueza de possibilidades artísticas permitidas ao desenhar um mangá,


é possível imergir na criatividade do autor. Para elaboração de uma narrativa com o
gênero fantasia, a linguagem nipônica de quadrinhos é uma das que mais permitem
se aprofundar neste tipo de história, isso por expressar com imagens todo possível
misticismo presente no enredo, usando técnicas que vão desde encontrar
profundidade em coisas simples até de dar ênfase a expressões por meio de
exageros, como os efeitos de “superdeformação” citados anterioemente.
51

4 PROJETO: PRODUÇÃO DE UM MANGÁ


O intuito principal deste projeto é produzir o prólogo de uma série de quadrinhos
no estilo mangá. Os conceitos estudados neste trabalho serviram como referencial
teórico para criação do mangá na parte final do TCC. Vários contextos foram
estudados, tanto aqueles que abordam história, como metodologias congruentes com
o Design Gráfico. Neste capítulo, será abordada a metodologia do projeto e a temática
do mangá, ou seja, do que se trata o mangá Aramantis.

4.1 METODOLOGIA
A metodologia usada para este trabalho foi desenvolvida com base nos
conceitos apresentados por McCloud (2008) e Eisner (2005). Ambos os estudos foram
adaptados a uma terceira metodologia voltada ao desenho de mangás, em específico
a desenvolvida por Toriyama (1984) em Mangaka, lições de Akira Toriyama. Portanto,
com a fusão e a identificação dos quesitos em que os autores entram em
concordância, foi possível dividir o projeto em partes diferentes com funções
específicas, conforme verifica-se a seguir.

4.1.1 Geração da Ideia


Nessa parte, o autor deve decidir do que se trata a narrativa em sua essência.
Nela será decido que caminhos pretende-se que o leitor siga ao ler o mangá, que
ideias serão expostas, se a narrativa será um reflexo de uma experiência que o autor
pretende que o público compreenda e reflita sobre tal, que gênero e se será ficção
científica, fantasia, terror, faroeste, humor etc.
Este gênero terá uma influência eminente para o desenvolvimento do
quadrinho, sendo ele refletido nos requadros, nos traços e no estilo em geral. Nessa
parte, também deve-se criar o universo em que a história vai acontecer. Exemplo disto
seria caso a narrativa fosse acontecer em um reino diferente da Terra ou em uma
época diferente, então teriam de ser definidas as regras específicas para essa
dimensão. Dessa forma, para que o tema e a essência sejam transmitidos de forma
precisa, é necessário trabalhar para o leitor. Analisar o público que vai ler o mangá
consiste em analisar as propriedades que os caracterizam, ou seja, cultura,
experiências, etc.
52

4.1.2 O Roteiro
Em seguida, quando a ideia e as regras são definidas, parte-se para o
desenvolvimento do roteiro. Essa parte servirá como uma orientação para quando o
passo seguinte for criar a parte visual. Aqui será descrito as informações de cada
página do quadrinho, como estará o desenho de cada quadro e as falas em geral.
Vários métodos são utilizados para facilitar a produção e a leitura do roteiro, como,
por exemplo, tabelas, planilhas, mapas mentais e brainstorms.

4.1.3 Desenvolvendo e Desenhando Personagens


Essa parte do projeto é uma das mais importantes, principalmente para dar uma
identidade ao traço do quadrinista, pois é onde será definida a aparência dos
personagens e suas características em geral: personalidade, roupas, altura,
expressões faciais e corporais etc. O processo de criação de personagens se
assemelha diretamente com o processo criativo um projeto de Design Gráfico.

4.1.4 Storyboard
Quando a mesma pessoa é responsável pelo roteiro e desenho, o storyboard é
uma ótima ferramenta para criar uma base mais visível de como será a parte final do
projeto. Ele é uma versão simplificada das páginas, feito com desenhos rápidos por
onde são definidos, antecipadamente, a posição dos personagens no cenário, o
número de quadros por página, os tipos de formas dos requadros, posicionamento
dos balões, posturas, fluxo da leitura, entre outros fatores das cenas.

4.1.5 Desenho: Primeira Parte


Após o desenvolvimento do Storyboard, parte-se para a primeira parte do
desenho. Usando as duas etapas anteriores como referência, o desenho poderá ser
feito com diversas ferramentas e técnicas que variam de acordo com o quadrinista,
podendo ser feito pelo meio manual ou digital com o uso de programas de computador.
As ilustrações devem ter uma harmonia com os quadros e balões, com posições bem
definidas e organizadas.

4.1.6 Desenho: Arte Final


Nessa parte, finaliza-se o desenho. Nela os desenhos vão ser aprimorados e é
quando serão adicionados neles efeitos de luz, sombra, profundidade e texturas. Se
53

for o caso, as cores também são adicionadas nessa etapa, ação que pode ser feita
por diversas ferramentas. Os desenhos muitas vezes são feitos com lápis grafite e
finalizados com nanquim, entre outros tipos de tintas, mas também podem ser
totalmente finalizados no meio digital, que pode reduzir o tempo produção
consideravelmente.

4.2 TEMA
Para construção do mangá Aramantis, o gênero escolhido foi a fantasia
medieval. A narrativa se passa em um planeta que possui características peculiares e
fantasiosas e cujas características populares, culturais e estéticas da história se
assemelham aos elementos do período medieval.
Aramantis é o nome do planeta em que acontece toda história. Esta
nomenclatura foi originada da junção do prefixo “ara”, mesmo prefixo da palavra
“aramaico”, originário do alfabeto místico que inspirou os feitiços utilizados pelos
povos. Somado a este prefixo, o nome se completa com o sufixo “mantis”, que é um
dos nomes dados ao inseto chamado “louva-a-deus”, uma vez que esse animal é tido
na cultura chinesa como um inseto que representa o “kung-fu” e a constante luta. Esta
ideia se assemelha ao fato de Aramantis está sempre em batalhas contra demônios e
com outras criaturas do universo cultural japonês.
Uma boa parte dos seres humanos e algumas criaturas de Aramantis possuem
uma energia em seu corpo chamada “Erugin”. Essa energia permite-lhes materializar
e se transformar em elementos da natureza ou ter um certo tipo de domínio sobre
aspectos da realidade. Os elementos são: fogo, água, terra (minerais não metálicos),
ar, relâmpago (ou trovão), seres vivos e metais. Os aspectos são: morte, espaço e
guerra, que possuem erugin das trevas, restauração, tempo e proteção, que possuem
erugin da luz. Além disso, há pessoas que não possuem nenhum erugin e que são
considerados inferiores por muitos dos reinos de Aramantis, características que
complementam o enredo.
Este trabalho focará na produção do prólogo dessa história, além da produção
de uma capa. É importante frisar que esta parte da narrativa antecede a narrativa
principal que foca no protagonista. Brann Sinned Nedved, o personagem principal na
história, vive em uma ilha que por alguma força misteriosa está fora do alcance do
restante dos reinos de Aramantis. Neste lugar, praticamente quase ninguém, incluindo
o próprio Brann, sabe da existência dos demais reinos e que as pessoas dos outros
54

lugares possuem poderes relacionados aos elementos e aos aspectos, justamente


pelo fato deles não terem esses poderes ou não saberem que têm. Para eles, histórias
parecidas são aceitas como lendas. Então, este prólogo narra exatamente como o
bebê Brann chegou a essa ilha onde ele cresceu até os quatorze anos de idade sem
saber sua origem. Já os capítulos futuros contarão a história das aventuras focadas
no protagonista.
Esse tipo de aventura é conhecida como “Jornada do Herói” ou “Monomito”. Ela
é um certo tipo de padrão de eventos presentes em histórias reconhecidos por Joseph
Campbel, um escritor estadunidense professor universitário. Segundo Campbel
(2008), muitas histórias e contos possuem uma certa semelhança, pois são nessas
narrativas nas quais um herói, que geralmente veio da baixa sociedade, entra em uma
jornada com diversas aventuras necessitando superar seus limites e alcançar
objetivos.
O mangá será direcionado para um público geral, sejam crianças, jovens ou
adultos, principalmente fãs de mangás shounen e fantasia. A faixa etária livre foi
escolhida, uma vez que o conteúdo contido na narrativa é de fácil entendimento e
interpretação, além de ter cenas leves.

5 ARAMANTIS: A PRODUÇÃO
Baseada na ordem da metodologia citada anteriormente, a etapa trabalhada
neste capítulo mostrará os processos de criação do mangá e como ele foi iniciado e
concluído.

5.1 ROTEIRO
Para iniciar o projeto, foi produzido primeiramente o roteiro. Todos os aspectos
de uma realidade que se diferem muito do real foram pensados, incluindo a
personalidade dos personagens e como eles vivem na lógica desse mundo, onde
ocorre a narrativa.
Pensando no primeiro capítulo como um prólogo da história que antecede o
enredo focado no protagonista, a primeira cena é focada no próprio personagem
principal, que tem um papel inicial de narrador e que explica brevemente e de forma
introdutória do que o Aramantis se trata. A cena passa a ideia de um diálogo do
personagem com o leitor, como se o protagonista estivesse em um momento futuro
com relação as demais cenas do dessa primeira parte. Com isso, é possível mostrar
55

quem é o foco principal da história que virá nos demais capítulos, além de introduzir
para o leitor o que é o mundo de Aramantis . Desta forma, introduzir-se-á as cenas
seguintes.

Figura 30 - Página do roteiro feita a mão

Fonte: o autor

Um dos métodos usados para criação do roteiro foi o brainstorm, que serviu
para unir informações importantes sobre o mangá e para estimular a criatividade em
cada cena. Pensando nos atributos do tema, o brainstorm ajudou a montar cada parte
do roteiro através da união de todos elementos, assim garantindo que a narrativa não
saísse dos requisitos pré-estabelecidos que caracterizam o mundo de Aramantis.
56

Figura 31 - Brainstorm Reduzido

Fonte: o autor

Baseada no brainstorm, a primeira versão do roteiro foi desenvolvida


considerando cada ponto ilustrado na figura 30. Cada cena foi dividida em blocos
maiores e cada quadro em blocos menores distribuídos dentro dos anteriores para
uma maior organização na produção do storyboard.

5.2 DESENHO E DESENVOLVIMENTO DOS PERSONAGENS


Neste estágio, foi desenvolvida a parte visual dos personagens comumente
chamada de character design, e também foram inseridas algumas características
específicas de cada um. As características físicas da maioria dos personagens foram
inspiradas em pessoas do mundo real conhecidas do autor. Com isso, foi possível
criar uma certa variedade entre as aparências e as personalidades dos personagens
em destaque. Essa ideia deu-se a partir dos estudos de Akira Toriyama (1984), que
sugere como um modo de criar personagens o uso de amigos como referência,
usando suas fotos como inspiração e os colocando em um processo de cartunização.
Nesse processo, podem ser feitas várias mudanças e adaptações de idade,
dependendo da ideia de tempo que se passará na história. A partir dessa ideia, foram
feitos vários estudos por meio digital para criação do Briann Sinned. Extraindo
57

características consideradas importantes do modelo de referência, chegou-se a um


resultado: um homem com um corpo robusto, que usa barba e tem uma personalidade
humorada.
Figura 32 - Foto de Referência e Estudos do Personagem Briann Sinned.

Fonte: o autor

Além das características feitas como base no homem da imagem, foi pensada
também na vestimenta do personagem. Briann Sinned veste uma armadura inspirada
em algumas armaduras medievais, dando destaque ao símbolo que representa o
Reino do Fogo ao qual o personagem pertence. Ele é um líder militar de um dos países
do fogo e sua patente é chamada de “Vulcano”, que é equivalente a um marechal do
exército.
Para o principal antagonista dessa parte da história, foi feito um processo de
criação diferente. Características comuns em vilões de mangás foram adaptadas,
como as íris dos olhos pequenas, rosto afilado e o sorriso largo. Além disso, foi
pensada uma característica que marcasse o personagem, como um ícone principal
de sua aparência. No caso do antagonista Luther, foram duas marcas de nascença
em sua testa que lembram o formato de animais artrópodes quando estão se retraindo,
como um embuá, que é uma característica de sua família.
58

Figura 33 - Estudos do Personagem Luther.

Fonte: o autor

O figurino do Luther varia das primeiras cenas que ele aparece em relação às
últimas. Nas primeiras aparições, ele está com a roupa de trabalho: uma batina
comum como um capuz que é o uniforme básico do “Conselho do Fogo”. Nas últimas
cenas, ele aparece com sua roupa de usar no dia-a-dia: um moletom que cobre uma
camiseta de malha, uma calça longa, uma bota e bracelete protetor, como também
um sobretudo que vai até a altura da canela.
Para o processo de criação de cada personagem, buscou-se inspirações em
diversos mangás famosos. Cada característica física e de personalidade foi elaborada
considerando a influência do personagem na história, os possíveis conflitos e a
reflexão de cada personagem sobre eles. Outro ponto importante foi manter o caráter
cartunizado em todos eles. Pensando fugir do realismo em níveis variados,
aproximando-se um pouco mais dele em cenas específicas, principalmente quando
houve a necessidade de atribuí-lo uma profundidade ou um foco específico. Um
exemplo seria detalhar os olhos do personagem quando ele está olhando fixado para
algum lugar, assim este desenho poderia se aproximar mais do realismo.

5.3 STORYBOARD
Após a definição dos personagens, parte-se para o processo de criação do
storyboard que antecede a etapa dos desenhos principais. Esse processo é de grande
importância, pois nele as cenas são enquadradas e as posições e expressões dos
personagens são definidas. Nesta etapa, o autor deve agir de forma livre e trabalhar
59

sua criatividade, já que a qualidade dos desenhos não é importante, visto que devem
ser feitos de forma rápida a critério de testar os modelos ideais para cada quadro.
Para este procedimento, foi usado o roteiro como base e adaptado em
desenhos rápidos no módulo de arte sequencial. Foram usados para o desenho uma
lapiseira com ponta de 0.5 mm e uma borracha macia branca, usados sobre papel de
gramatura 140g/m².

Figura 34 - Duas páginas do storyboard e ferramentas usadas para sua criação.

Fonte: o autor

5.4 DESENHO: PRIMEIRA PARTE


Após a conclusão do storyboard, foi iniciada a primeira parte definitiva dos
desenhos que antecedem a parte de finalização. Esta etapa foi feita por meio de
software de ilustração 4e edição e pelo uso de uma mesa digitalizadora, ferramentas
que dão velocidade ao processo, visto que este é o momento mais demorado do
projeto.
Com o auxílio eficiente dos softwares, cada cena foi montada com seus
elementos sendo desenhados separadamente. Os personagens que estavam no
cenário eram desenhados separadamente e, depois, inseridos no ambiente da cena
que fora desenhando anteriormente. Dessa forma, é possível reaproveitar o cenário

4 Foram usados no processo softwares como Photoshop, Ilustrator e Indesign.


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quando ele estiver em um plano fixo para que não precise desenhá-lo novamente,
assim permitindo uma maior congruência quando se trata de um mesmo lugar e
deixando o processo mais veloz. Todos os desenhos tiveram como base o storyboard
que estabeleceu requisitos para sua feitura, além de alguns ajustes que foram
considerados durante o procedimento do desenho.

Figura 35 - Exemplo do cenário(à esquerda), exemplo do personagem(centro) e


personagem inserido no cenário(à direita).

Fonte: o autor

Como referência para os desenhos dos personagens nas cenas, foram usadas
as figuras que resultaram do processo de criação de personagens e softwares de
edição 3D, isso para servir de modelos de referência para as posições dos
personagens em cada cena, com o intuito de deixar suas estruturas estéticas iguais.
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Figura 36 - Modelo para desenho(à esquerda) e desenho feito pelo modelo(à direita).

Fonte: o autor

5.5 DESENHO: ARTE FINAL


Nesta etapa, os desenhos foram finalizados e passaram a ter mais detalhes,
transmitindo ideias de luz, sombra e profundidade; porém com mantimento dos
aspectos cartunizados. Para esse processo, utilizou-se softwares de pintura e edição
de imagens. Pinceis digitais de diversos tipos auxiliaram nos detalhes necessários
para dar um tom mais acabado às figuras. Estes pinceis permitem simular traços de
lápis e canetas com espessuras variadas, sendo possível fazer mais de uma linha de
uma vez e que auxiliam do processo da criação de hachuras, texturas, sombras etc.
Com o uso de pincéis macios, foi permitido fazer efeitos de iluminação e auxiliar
a construção do Erungin em forma de aura; isso em alguns momentos, pois, em
outros, serviu para efeitos que mostrassem algum tipo feitiço (fig. 36).
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Figura 37 - Uso do pincel digital macio para representar magia no pergaminho.

Fonte: o autor

Por meio do uso de pincéis digitais duros e/ou com pontas múltiplas, foi
permitido fazer as hachuras nas figuras, principalmente nos personagens. As
hachuras são muito usadas nos mangás para transmitir a ideia de volume, sombra e
luz. Vale ressaltar que a grande maioria dos mangakás não dispensam em hipótese
alguma o uso dessa técnica.
Como inspiração para essa arte final, foram usados principalmente mangás de
artistas como Masami Kurumada (1985-2018) e Masashi Kishimoto (1997-2018).
Tendo como base os tipos e frequência do uso das hachuras, a composição da
expressão dos personagens e entre outros aspectos, foi possível chegar a uma
identidade.
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Figura 38 - Exemplo de desenho não acabado (à esquerda) e desenho finalizado (à direita).

Fonte: o autor

5.6 EDITORAÇÃO
Após a conclusão da arte final, foi feita a editoração do mangá que se
caracteriza pela diagramação e organização das páginas e quadros e a adição dos
textos. Por meio de um software de diagramação, os quadros foram inseridos e
distribuídos nas páginas de acordo com as cenas que eles iam enquadrar. Em
seguida, foram inseridos os balões feitos em programas de ilustração e ajustados de
acordo com proposta do texto, permitindo uma variedade que se adaptasse à situação
e com a emoção a ser transmitida com a fala do personagem.
Por meio dos mesmos softwares, a numeração das páginas foi inserida e a
tipografia dos textos foi definida; neste caso, a tipografia Komika Hand, um tipo de
letra muito usada nos mangás e que se assemelha a escrita manual.
O software de diagramação, além de permitir uma boa organização das
páginas, facilitou no processo de pré-impressão, deixando todo conteúdo em um
padrão para ser diretamente impresso sem passar por outros processos. Por esse
meio, as folhas foram organizadas em páginas duplas nas dimensões de 13x20cm
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por página, que é o formato comum em boa parte das publicações de mangás no
Brasil.

6 MANGÁ CONCLUÍDO
Por fim, tem-se a capa e as páginas do mangá concluídas. Estas seguem um
padrão muito comum no gênero: parte externa colorida, que serve para identificar as
cores em geral de personagens, vestimentas e alguns elementos importantes, e as
demais laudas são em tons de cinza.
A capa possui elementos relevantes do conteúdo em si. Foi utilizada como cor
de fundo um tom que lembra a textura de pergaminhos antigos. Títulos e subtítulos
foram colocados em preto em contraste com o “papel”. Na capa, apresentam-se os
personagens mais importantes com destaque maior ao protagonista. Ambos dentro
de uma espécie de moldura que possui umas espécies de desenhos que representam
a “Língua Antiga” e o alfabeto do mundo de Aramantis.
Na parte inferior da página, por sua vez, encontram-se o nome do capítulo
(zero), enfatizando metaforicamente a ideia de prólogo, e, o nome do autor feitos em
caixa alta e com uma tipografia mais formal e séria, se comparada com as demais
escritas, já que estão mais alinhadas ao conteúdo como um elemento de identidade
deste. A seguir podem-se observar a capa e as demais páginas.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este TCC teve como um dos intuitos mostrar de forma básica do que se trata o
gênero mangá, dando ênfase a seus aspectos mais importantes e o que diferencia
sua linguagem das outras vertentes da arte sequencial. A riqueza e profundidade do
gênero de quadrinhos, no estilo japonês, permite trabalhá-lo em diversas áreas
importantes, incluindo seu uso na educação e principalmente sua conexão com o
Design Gráfico. Partindo desses pressupostos, foi permitido estudar as interligações
entre os mangás e o Design para que fosse possível chegar em ideias e soluções para
o andamento e a finalização do mangá Aramantis.
A fantasia foi um ponto de grande relevância nesse projeto, pois o tema dá ao
autor uma considerável liberdade artística que se correlaciona com as possibilidades
de teor mais expressivo dos mangás, que possuem certas características dos cartuns
mais cômicos. Portanto, com a fusão desses dois elementos, o processo criativo
passa a ser mais diverso e dinâmico.
Abordou-se também uma forma de mostrar que, dentro daquele mundo de
fantasias, existem ideias políticas, organizações militares, além de deixar clara a
existência de conselhos e patentes. Foi trabalhada também a ideia de um prólogo e
de uma introdução que antecede uma possível série de capítulos que estão em
produção. Aramantis: O prólogo, tem como um dos focos principais apresentar aquele
mundo, com o objetivo de fazer o leitor entender como aquele universo funciona, e, já
com as primeiras cenas, não passar a ideia de um único capítulo, e sim a de que terá
continuidade.
Tendo como intuito principal contar uma história por meio de figuras e palavras,
o design gráfico serviu de grande apoio na construção desse mangá, e, claro, acabou
sendo de grande importância na construção da narrativa. Por meio do design gráfico
e com o uso das muitas metodologias e técnicas voltadas para área de comunicação
visual, as imagens puderam ser bem trabalhadas e harmonizadas de acordo com o
texto e o fluxo da narrativa. Com isto, o design, principalmente no âmbito da
criatividade, contribuiu para construção de uma história que faça com que o leitor
interaja visualmente e entenda as mensagens que a narrativa tenta passar, isso por
meio de sentimentos representados por figuras.
Portanto, este projeto permitiu abranger a imaginação dentro de uma linguagem
específica e serviu como base e aprendizado para que possa ser usado nos capítulos
futuros de Aramantis. Por meio do estudo, foi possível compreender os principais
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conceitos da linguagem dos quadrinhos e dos mangás, além de poder trabalhar outros
métodos e com outras ferramentas de processo criativo que se enquadram nas
metodologias do Design Gráfico. Com isso, ficou mais perceptível o potencial dessas
metodologias, a amplitude e a versatilidade de suas aplicações, o que possibilita a
sua inserção em diversas áreas.
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