Terapia Nutricional de Pacientes Na UTI - Scielo

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Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas

Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences


vol. 38, n. 1, jan./mar., 2002

Aspectos atuais na terapia nutricional de pacientes na


Unidade de Terapia Intensiva (UTI)

Maria Izabel Lamounier de Vasconcelos1, Julio Tirapegui2*


1
Hospital Alemão Oswaldo Cruz, 2Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da Universidade de São Paulo

Unitermos:
O tratamento do paciente gravemente enfermo tem despertado
• Nutrição enteral
bastante interesse nos últimos anos. A terapia nutricional tem um • Avaliação nutricional
papel fundamental para estes pacientes, visando: prevenir a • Dieta imunoestimulante
desnutrição calórico-protéica e avaliar e determinar as
necessidades nutricionais de forma mais adequada possível.
*Correspondência:
Inúmeras dietas estão disponíveis, no entanto, as dietas
J. Tirapegui
Depto. de Alimentos e Nutrição imunoestimulantes com arginina, ácido graxo ômega-3,
Experimental nucleotídeos e glutamina estão sendo muito utilizadas, com o
FCF-USP
Av. Prof. Lineu Prestes, 580
esforço de diminuir as complicações infecciosas, mas suas
05508-900 – São Paulo - SP vantagens terapêuticas ainda estão sendo debatidas.
E mail: [email protected]

INTRODUÇÃO nitrogenado negativo e desnutrição protéico-calórica


(Waitzberg, 1998). Esforços têm sido feitos nos últimos
O tratamento atual do paciente gravemente enfermo anos para desenvolver métodos nutricionais eficientes não
é o resultado de avanços obtidos em diversas áreas de cui- apenas em termos de acesso e formas de administração,
dados hospitalares. Nas últimas duas décadas, a terapia mas também de formulação de dietas mais adequadas para
nutricional administrada pela via enteral tem ganho con- cada condição clínica.
siderável atenção. Suas características favoráveis, tais A nutrição enteral tem, recentemente, ganho nova
como, baixa taxa de complicações, facilidade na adminis- popularidade. Diversas publicações descrevem a impor-
tração e baixo custo, tornaram-se bem conhecidas. tância da manutenção da integridade da mucosa intestinal
Segundo Waitzberg (1998), a nutrição enteral con- pela infusão de nutrientes, como também a manutenção da
siste na administração, por meio de sondas ou estomias di- homeostase e competência imunológica. Em adição, a
gestivas, de uma dieta líquida contendo macro e utilização do trato gastrintestinal, no período pós-operató-
micronutrientes para pacientes com trato digestivo rio imediato, tem-se associado a diminuição na taxa me-
funcionante, mas que não querem, não podem ou não de- tabólica e melhora do balanço nitrogenado (Shikora,
vem se alimentar pela boca, posto que o acesso da nutri- 1994). Em todas as eventualidades, a utilização da nutri-
ção enteral se dá pela via digestiva. Esse tipo de suporte ção enteral garantirá pelo menos igual, e possivelmente,
terapêutico está contra-indicado nas situações em que o melhor desfecho em relação a NPT, nos cuidados dos pa-
trato gastrintestinal não se encontra íntegro ou cientes hospitalizados, requerendo terapia nutricional
funcionante, como por exemplo, no íleo adinâmico, em (Shikora, 1994).
obstruções intestinais e hemorragias digestivas altas. No Para a melhora da resposta imune, a prevenção de
entanto, a nutrição enteral pode ser de extrema valia em atrofia intestinal, evitando a translocação bacteriana, e a
doentes graves, com tubo digestivo funcionante e que diminuição da resposta inflamatória tem-se recomendado
apresentam funções metabólicas modificadas, balanço o uso de nutrição enteral preferentemente à nutrição
24 M. I. L. de Vasconcelos, J. Tirapegui

parenteral total (NPT), uma vez que o uso da via enteral grave (Kinney, 1995). Na década de 70, a NPT foi consi-
produz menor incidência de complicações, atenua a res- derada a terapia nutricional de “padrão ouro”. Pode ser ad-
posta inflamatória e previne a atrofia intestinal, e, conse- ministrada com segurança e tem sido parte dos cuidados
qüentemente, a translocação de bactérias do lúme intesti- dos pacientes desnutridos e criticamente enfermos
nal (Echenique, Correia, 1998). (Shikora, 1994).
Também, tem-se estudado a utilização de diferentes As preocupações centrais da UTI são o manejo do
substratos como os aminoácidos glutamina e arginina, os suporte respiratório, incluindo ventilação mecânica; su-
ácidos graxos ômega-3, assim como os nucleotídeos. O porte cardiovascular; apoio renal, metabólico e dos distúr-
objetivo é melhorar a resposta imune e atenuar a respos- bios com obstrução sangüínea e controle de complicações
ta inflamatória, com a intuito de aliviar a sobrevida do infecciosas (Morlion, Puchstein, 1998). Entretanto, a te-
paciente, diminuindo complicações e reduzindo a perma- rapia nutricional faz parte de forma integral e crucial do
nência de pacientes na unidade de terapia intensiva e tam- cuidado do paciente em terapia intensiva. Numerosos
bém a internação hospitalar. experimentos e estudos clínicos sugerem que a nutrição
Avaliar a eficácia clínica da terapia nutricional é enteral – a mais fisiológica forma de nutrição clínica –
particularmente difícil em pacientes de terapia intensiva. confere múltiplos benefícios sobre o paciente criticamente
Isto se dá pela dificuldade de se agrupar número enfermo (Moore et al., 1992; Matarese, 1994; Bower et
satisfatório de pacientes com o mesmo diagnóstico, obser- al., 1995; Giner et al., 1996; Suchner et al., 1996;
vando a gravidade da doença e o estado nutricional. Igual Kaminski, 1997; Echenique, Correia, 1998; Morlion,
desafio oferece a condução clínica, em face a múltiplas Puchstein, 1998).
terapias que são alteradas de acordo com as mudanças nas As alterações do estado nutricional podem surgir
condições clínicas (Klein et al., 1997). Não obstante, os como conseqüência do inadequado aporte de nutrientes
potenciais benefícios para esta população de alto risco (por exemplo: desnutrição), ou como resultado de uma
justificam os esforços empenhados em se aprimorar o seu alteração do seu metabolismo (por exemplo: sepse). Em
atendimento nutricional. qualquer um dos casos segue-se a redução da massa cor-
O valor teórico da terapia nutricional, em pacientes poral magra e a subseqüente perda de estrutura e função
críticos, é fornecer substratos que vão ao encontro das ne- dos órgãos e tecidos que a compõem. Em ambos os casos,
cessidades dos diferentes nutrientes e, desta forma, prote- a meta é prevenir que a desnutrição chegue a se converter
ger os órgãos vitais e amenizar a utilização do músculo em um co-fator importante na disfunção orgânica e na
esquelético e outros nutrientes de reservas como morbidade e mortalidade (Shronts, 1997). Isto é possível
substratos energéticos (Klein et al., 1997). quando se ofertam os nutrientes, ajustando-os em quanti-
dade e qualidade para as exigências do hipermetabolismo,
PAPEL DA DESNUTRIÇÃO NO PACIENTE especialmente o catabolismo protéico, observado nessas
CRÍTICO circunstâncias.
A adequada terapia nutricional para pacientes criti-
Apesar do notável avanço ocorrido nos últimos 30 camente enfermos depende da compreensão da fisio-
anos, os cuidados aos pacientes críticos continuam sendo patologia das respostas metabólicas às grandes cirurgias,
o maior desafio para todos os profissionais que atuam na traumas, doenças infecciosas e eventos similares, que se
Unidade de Terapia Intensiva (UTI). caracterizam por intenso estresse. A terapia nutricional,
A crescente atenção ao choque e à insuficiência cir- seja enteral ou parenteral, deve ser adaptada às exigênci-
culatória levou à formação de bancos de sangue durante a as do metabolismo frente ao estresse, com o propósito de
II Guerra Mundial, tal como a insuficiência renal gerou o evitar a utilização inadequada dos nutrientes e os efeitos
desenvolvimento da hemodiálise na década seguinte. A colaterais respectivos.
década de 1960 assistiu a introdução das unidades de te- A resolução-RCD número 63, da Agência Nacional
rapia intensiva com constantes melhoras na monitorização de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, de 06/07/00,
dos pacientes. Paralelamente, o crescente reconhecimento define a Nutrição Enteral como: “alimento para fins espe-
dos riscos da perda de peso do doente grave levou a esfor- ciais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma iso-
ços para fornecer nutrição intravenosa e, no final, à intro- lada ou combinada, de composição definida ou estimada,
dução da nutrição parenteral total. A NPT comprovou-se especialmente formulada e elaborada para uso por sondas
mais do que uma nova e importante terapia. Foi, na verda- ou via oral, industrializada ou não, utilizada exclusiva ou
de, poderoso instrumento de pesquisa para aprofundar os parcialmente para substituir ou completar a alimentação
conhecimentos sobre a resposta metabólica do paciente oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas ne-
Aspectos atuais na terapia nutricional de pacientes na Unidade de Terapia Intensiva 25

cessidades nutricionais, em regime hospitalar, ambula- tavelmente resulta em perda de peso. A correlação entre a
torial ou domiciliar, visando à síntese ou manutenção dos extensão de perda de peso e os resultados terapêuticos tem
tecidos, órgãos ou sistemas.” sido descrita, desde 1936, por vários autores (Morlion,
Na realidade, hoje, dispomos de dietas que não só Puchstein, 1998). Prejuízos mensuráveis já podem ser atri-
satisfazem essa exigência, mas também fornecem nutrição buídos à perda de peso maior que 10%. A perda de peso
diferenciada para indivíduos de várias faixas etárias e si- superior a 30% está associada ao aumento significativo na
tuações clínicas (Waitzberg, 1998). Determinar as neces- morbidade e mortalidade. A terapia nutricional desempe-
sidades nutricionais requer, em princípio, o conhecimen- nha papel temporário, mas valioso, até que as demais in-
to de um conjunto de informações da história nutricional tervenções terapêuticas possam vir a desempenhar seus
do paciente, dos sinais clínicos de desnutrição, de medi- efeitos. Diferentemente das intervenções específicas, tais
das antropométricas e determinações laboratoriais como, antibioticoterapia, ou cirurgias, a terapia nutricional
hematológicas, séricas e urinárias. Esta avaliação permi- não oferece expectativa que produzirá relevantes efeitos
te o planejamento da alimentação mais eficiente, precisa clínicos (Morlion, Puchstein, 1998).
e segura (Waitzberg et al., 1998).
As vias de acesso em nutrição enteral podem estar O USO E O DESUSO DA VIA DIGESTIVA
dispostas no estômago, duodeno ou jejuno, conforme as
facilidades técnicas, as rotinas de administração, bem Até algumas décadas atrás, a utilização do trato
como alterações orgânicas e/ou funcionais a serem gastrintestinal era considerado irrelevante para pacientes
corrigidas. Na dependência da localização em que for em UTI, uma vez que o intestino era visto como mero sí-
administrada, a dieta enteral deverá apresentar caracterís- tio de digestão e absorção dos nutrientes. Como resultado,
ticas específicas de osmolaridade, pH e conteúdo dos di- a nutrição enteral foi substituída pela nutrição parenteral,
ferentes nutrientes indispensável ao paciente. A técnica de a qual, com o advento de substratos sintéticos, como
administração pode ser contínua ou intermitente, em bolo aminoácidos cristalinos e emulsões lipídicas, tornou-se
ou gravitacional e, também, varia de acordo com a posi- bem estabelecida ao término da década de 1960 (Morlion,
ção da sonda/estomia no estômago e intestino delgado Puchstein, 1998). O processo digestivo era tido como ina-
(Waitzberg, 1998). tivo em pacientes criticamente enfermos.
Basicamente, uma dieta enteral deve ser balancea- Durante as duas últimas décadas, entretanto, o papel
da em proteínas, lipídeos, carboidratos, eletrólitos, vitami- do trato gastrintestinal em várias condições fisiopa-
nas e minerais (Nobrega et al., 1993). tológicas tem sido bem reconhecido. Em 1988, Wilmore,
Sepse é causa freqüente de morbidade e mortalidade entre outros autores, postularam “a hipótese que a
em pacientes críticos. Pode resultar em insuficiência de múl- Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) é
tiplos órgãos, acarretando a morte dos pacientes. Uma das originada no intestino”. Essa hipótese aponta o papel da
causas da sepse, em pacientes críticos, é a bacteremia que translocação bacteriana no desenvolvimento da SIRS,
poderá estar relacionada com o trato gastrintestinal, sendo sepse, choque e falência de múltiplos órgãos. Na luz des-
este a fonte de infecção. Nesta caso, as bactérias atravessam sa percepção, a restauração e o suporte da mucosa intes-
a barreira da mucosa intestinal e invadem os linfonodos e tinal, como barreira, têm significância particular. Tanto o
outros órgãos, num processo denominado translocação duodeno como o jejuno são dinamicamente órgãos ativos,
bacteriana (Nirigiotis, Andrassy, 1994). cuja função depende da presença dos nutrientes no espa-
O intestino contém grande quantidade de bactérias ço intraluminal (Morlion, Puchstein, 1998). A presença
e endotoxinas. É sobejamente conhecido que sob circuns- dos nutrientes é o maior estímulo para manutenção da
tâncias normais a mucosa intestinal previne a translocação função e integridade da mucosa intestinal. A completa
bacteriana. No entanto, a agressão e o dano da mucosa ausência de alimentação oral e/ou enteral e a utilização da
intestinal permitirão que a bactéria colonize os tecidos e nutrição parenteral resultam no comprometimento e na
leve à infecção e ao hipermetabolismo com conseqüente atrofia das microvilosidades da mucosa intestinal. A uti-
perda de nutrientes (Nirigiotis, Andrassy, 1994). lização da nutrição enteral tem vantagens comprovadas
Assim sendo, o principal objetivo da terapia em evitar a incidência de complicações sépticas e técnicas
nutricional para os pacientes na UTI é prevenir a desnutri- relacionadas com o cateter venoso central, tanto quanto
ção, visando aos menores índices de morbidade e morta- em reduzir custos e manutenção da função e integridade
lidade. Como mencionado anteriormente, a desnutrição da mucosa intestinal (Moore et al., 1992; Bower et al.,
em pacientes criticamente enfermos, associada ao 1995; Suchner et al., 1996; Shronts, 1997; Trice et al.,
hipermetabolismo e catabolismo aumentado, quase inevi- 1997).
26 M. I. L. de Vasconcelos, J. Tirapegui

Suchner e colaboradores (1996), entretanto, relata- to de vista metabólico-nutricional, é um estado hipermeta-


ram a superioridade significativa da nutrição parenteral bólico com gasto energético elevado, caracterizado por
sobre a enteral, como, por exemplo, em prover nutrientes hiperglicemia e resistência à insulina, aumento do
e, conseqüentemente, balanço nitrogenado mais favorá- catabolismo de proteínas e lipídeos, com conseqüente
vel. Já os adeptos da nutrição enteral lembram que a ma- balanço nitrogenado negativo. A síntese de glicose hepá-
nutenção do trato gastrintestinal é assegurada com a admi- tica está aumentada pela gliconeogênese e não é suprimida
nistração do suporte nutricional por via enteral, como tam- por infusão de glicose (Ruffier, 1997; Echenique, Correia,
bém, os pacientes pós-cirúrgicos têm diminuição na 1998). Também ocorre supressão da cetogênese. O au-
morbidade, manutenção da imunocompetência e melho- mento na produção de glicose se faz necessário para as
ra na cicatrização de feridas (Moore et al., 1992; Kudsk, células que se utilizam dela como fonte de energia. Como
1994; Trice et al., 1997). prova disso, podemos citar os neurônios, as células repa-
Trice e colaboradores (1997) ressaltam que a nutri- radoras das feridas, as dos processos inflamatórios e as do
ção parenteral leva a maiores complicações infecciosas e sistema imune (Echenique, Correia, 1998). Assim sendo,
o custo desta terapêutica é bem maior que o da nutrição a necessidade da terapia nutricional nesses pacientes é de
enteral. Portanto, aquela só deve ser utilizada em casos fato relevante, no fornecimento dos substratos energéticos
específicos, quando é realmente indicada. essenciais para a produção de proteínas na fase aguda e na
Assim sendo, o crescimento e a integridade da manutenção do sistema imune.
mucosa intestinal são mantidas por meio da nutrição Qualquer que seja a causa da desnutrição, o primeiro
enteral. Portanto, é preferível a nutrição enteral nos paci- passo para definir terapia nutricional e metabólica adequa-
entes cujo trato gastrintestinal está funcionante: “Quando da é a avaliação nutricional completa. Este diagnóstico do
o intestino funciona, use-o”, ou melhor, “Quando o intes- estado nutricional é processo dinâmico, devendo, portan-
tino funciona, use-o ou perca-o” (Shronts, 1997; Morlion, to, ser estabelecida análise inicial e contínua, de acordo
Puchstein, 1998). com o tempo de tratamento do paciente (Shronts, 1997).
A melhor forma de realizar uma avaliação nutri-
IMPACTO FISIOLÓGICO DA DEPLEÇÃO cional em um paciente crítico ainda não foi definida, de-
CALÓRICO-PROTÉICA vido às mudanças que ocorrem nos líquidos intra e
extracelulares e no metabolismo ao nível celular, em de-
A desnutrição hospitalar contribui definitivamente para corrência da resposta ao estresse (Echenique, Correia,
a elevação dos índices de morbi-mortalidade. Conforme di- 1998).
versos levantamentos publicados, de 30% a 40% dos pacien- As técnicas antropométricas são utilizadas princi-
tes internados em hospitais gerais apresentam algum grau de palmente para o diagnóstico do estado nutricional. No
desnutrição (Correia et al., 1998). No Brasil, a freqüência de entanto, fornecem poucas informações sobre transtornos
desnutrição hospitalar também tem sido relatada como sen- funcionais e metabólicos. Os métodos laboratoriais, como
do alta, principalmente nas enfermarias de cirurgia do apare- auxiliares na avaliação nutricional, surgem na medida em
lho digestivo. O estudo mais recente na nossa área é o Inqu- que se evidenciam alterações bioquímicas precoces, ante-
érito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar riores às lesões celulares ou orgânicas. Os parâmetros
(IBRANUTRI), que foi um estudo transversal, multicêntrico, séricos bioquímicos são primariamente proteínas utiliza-
envolvendo 12 estados brasileiros e o Distrito Federal, com das no planejamento do programa de estabilização do es-
amostra de 4.000 doentes. Este nos revelou que 43,5% dos tado nutricional dos pacientes, determinando se há risco
pacientes eram nutridos, 39,1% potencialmente ou modera- de complicações e monitorando a terapia nutricional.
damente desnutridos e 17,4% gravemente desnutridos (Cor-
reia et al., 1998). OS COMPARTIMENTOS CORPORAIS NO
A desnutrição é comum também no paciente crítico. DOENTE GRAVE
Estudo recente de Giner e colaboradores (1996) revela que
a desnutrição em paciente criticamente enfermo tem sido O estudo da composição corpórea é relevante na
descrita em 43% em pacientes de UTI. A incidência de avaliação e controle de doentes agudos ou cronicamente
complicações e a permanência hospitalar são significati- desnutridos. Pode-se admitir que a composição corpórea
vamente maiores nos pacientes desnutridos. representa a distribuição corporal dos nutrientes ingeridos
Segundo Ruffier (1997), a desnutrição freqüente- e que está intimamente relacionada às funções bioquími-
mente acompanha o diagnóstico principal que gerou a cas, metabólicas e mecânicas do organismo. Parte da com-
internação na UTI. O resultado desse somatório, do pon- posição corpórea de uma população normal e saudável é
Aspectos atuais na terapia nutricional de pacientes na Unidade de Terapia Intensiva 27

constituída por tecido adiposo, que equivale de 10 a 25% ta calórica levará à continuidade de perda de peso, má ci-
do peso corpóreo para o sexo masculino e de 18 a 30% catrização, sepse, perda protéica e, em última análise, à
para o sexo feminino. Teoricamente a porção restante da falência de órgãos e morte. A super-alimentação, embora
composição corpórea, que não é gordura, constitui a massa menos freqüente, pode levar a problemas como
corpórea magra (MCM), composta de 75 a 85% do peso hiperglicemia, intolerância gastrintestinal e sobrecarga de
corpóreo (Mattar, 1997; Coppini et al., 1998). volume (Neto, 1993; Shikora, 1994; Waitzberg et al.,
Na prática da UTI, dificilmente os dados menciona- 1995; Shronts, 1997; Echenique, Correia, 1998). Segun-
dos são apurados com a mesma exatidão, por se tratar de um do Mainous e Deitch (1994), os efeitos da desnutrição
paciente crítico sujeito a inúmeras alterações dos valores incluem prejuízo na função imune, perda muscular e de-
pré-determinados para os distintos compartimentos corpo- mora na cicatrização de feridas. No passado, era comum
rais. O mais relevante, segundo Ruffier (1998), é agrupar os pacientes receberem mais que 4000 calorias por dia,
dados de forma a se caracterizar o paciente como desnutrido com o esforço de se evitar tais complicações.
grave ou não e se evitar a síndrome de hiperalimentação do Atualmente, sabe-se que a hiperalimentação é mais
desnutrido, que é uma prática habitual nos casos de estado prejudicial que a subnutrição. Estudos recentes, como de
nutricional grave do paciente. A terapia nutricional, nessa Valdés e colaboradores (1997) e Hannigan (1994), demons-
condição, deve ser instituída precoce e cautelosamente, traram que o excesso da ingestão de glicose passa a ser uti-
minimizando desde o início a resposta catabólica. lizado como substrato para o crescimento bacteriano e eleva
Atualmente, existe muita controvérsia quanto à de- a produção de CO2, que conduz à insuficiência respiratória.
finição do melhor método de estimar as necessidades Ocasiona, também, a esteatose hepática e prejuízo na fun-
calóricas, principalmente no paciente crítico. Sabe-se que ção dos neutrófilos. O excesso do consumo de proteínas au-
se deve manter o equilíbrio entre a necessidade e o gasto menta a eliminação do nitrogênio urinário, o qual pode
energético, uma vez que o objetivo primordial da terapia complicar a função renal. Em pacientes com falência hepá-
nutricional é prover nutrientes de acordo com as necessi- tica pode ocorrer o desenvolvimento da encefalopatia, de-
dades. Existem dois métodos amplamente recomendados vido ao acúmulo de outros resíduos nitrogenados. O exces-
para estimar as necessidades calóricas dos adultos. Um é so da ingestão de gordura, por sua vez, ocasionará o preju-
a equação de Harris-Benedict e o outro é a análise dos ízo da função dos neutrófilos, linfócitos, função pulmonar,
gases inspirados e expirados pela calorimetria indireta. o bloqueio do sistema reticuloendotelial, com perda das
Colhem-se amostras dos gases expirados no reservatório funções dos macrófagos e aumento da produção de
acoplado ao paciente e a partir daí são determinadas as prostaglandinas E2. Assim sendo, os autores concluem que
frações expiradas de O2 e de CO2, em sensores específicos a hiperalimentação pode resultar em graves problemas na
ou aparelhos para gasometria arterial, preparados e com função do sistema imune (Elisa, 1995; Kaminski, 1997).
sensibilidade para esses tipos de medidas. Assim, são Em resumo, para pacientes de UTI, preconiza-se
medidos o volume do oxigênio (VO2) e o volume do gás ingestão, em condições basais, de 20–25 kcal/kg do
carbônico (VCO2), que serão finalmente transformados peso atual/dia; para aqueles que não estão na UTI,
em Gasto Energético de Repouso (GER) em kcal/dia 30 kcal/kg do peso atual/dia (Lebow, 1994; Waitzberg, et
(Neto, 1993; Shikora, 1994; Waitzberg et al., 1995; al., 1995).
Shronts, 1997; Echenique, Correia, 1998).
Um dos melhores métodos para determinar as ne- UTILIZAÇÃO DE OUTROS NUTRIENTES
cessidades calóricas é a medida pela calorimetria indire-
ta. Foi determinado que a média dos pacientes requer Pacientes críticos têm alto risco de desenvolver
23 kcal/Kg de peso/dia para atender a suas necessidades complicações infecciosas. A integridade da mucosa
basais. A necessidade energética da maioria dos pacientes gastrintestinal é freqüentemente prejudicada, predispon-
hipermetabólicos (sepse, queimados) aumenta para valo- do à translocação da flora entérica, toxinas e macromolé-
res de 40-50 kcal/kg de peso/dia (Neto, 1993; Shikora, culas para a circulação sangüínea. Desta forma, a nutrição
1994; Waitzberg et al., 1995; Shronts, 1997; Echenique, enteral precoce é considerada a rota fisiológica recomen-
Correia, 1998). dada. Apesar do fornecimento adequado de calorias, as
fórmulas padrão parecem não manter a função imune em
PERIGOS DA PRESCRIÇÃO INAPROPRIADA níveis adequados. Assim sendo, esforços foram realizados
para mudar a dieta padrão, para uma terapia nutricional-
A determinação das necessidades calóricas ideais farmacológica. De acordo com um novo conceito, que
não pode ser super-enfatizada, uma vez que a baixa ofer- vem sendo discutido e testado em vários estudos que en-
28 M. I. L. de Vasconcelos, J. Tirapegui

volvem animais e seres humanos (Cerra, 1990; Kinsella, ABSTRACT


1990; Alexander, 1993; Ziegler et al., 1994), certos nutri-
entes, entre eles a L-arginina, L-glutamina, nucleotídeos News aspects of nutritional support in the critically
e os ácidos graxos poliinstarurados, administrados tanto ill at intensive care unit (ICU)
pela via enteral como parenteral, influenciam o sistema
imune, diminuindo a bacteremia e os índices de infecção. The treatment of critically-ill patients has aroused great
Proporcionam, ainda, redução significativa na morbidade interest during the last years. The nutrition support has an
destes pacientes, na diminuição do período de permanên- important role for these patients, seeking to prevent the
cia na UTI e de internação hospitalar e, conseqüentemen- protein-energy malnutrition and to evaluate and determi-
te, no custo do tratamento. O grupo de candidatos que ne the appropriate nutrient requeriments. Some diets are
podem se beneficiar dessas dietas imunomoduladas são, available, however, immune-stimulating diets wish
dentre outros, os pacientes operados, os de UTI e os que arginine, omega-3 fatty acids, nucleotides and glutamine
apresentam a função imune deprimida (Bower et al., 1995; have been used in an effort to decrease infectious
Kemen et al., 1995; Braga et al., 1996; Schilling et al., complications, but their therapeutic advantages are still
1996; Beale, Bryg, 1997; Gianotti et al., 1997; Senkal et being debated.
al., 1997; Soeters, 1997; Taylor et al., 1997; Atkinson et
al., 1998; Weimann et al., 1998; Galbán et al., 2000; UNITERMS: Enteral nutrition. Nutrition assessment.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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medições in vitro da função imune e investigações clíni-
cas nos diversos tipos de pacientes. Muitos dos estudos ALVERDY, J. C. Effects of glutamine supplemented diets on
têm demonstrado melhora em pelo menos algumas deter- immunology of gut. JPEN, J. Parenter. Enteral. Nutr.,
minações in vitro da função imune. A maioria, porém, tem v.14, p.109S-13S, 1990.
sugerido alguma melhora nos resultados clínicos, tais
como a incidência de infecção, a permanência hospitalar ATKINSON, S., SIEFFERT, E., BIHARI, D. A prospective,
e a incidência da falência múltipla dos órgãos. Por outro randomized, double-blind, controlled clinical trial of
lado, alguns trabalhos realizados mostraram que as dietas enteral immunonutrition in critically ill. Crit Care Med.,
capazes de aumentar a resposta imune foram comparadas v.26, p.1164-72, 1998..
com dietas controle, que continham significativamente
menor quantidade de proteína e nitrogênio. Assim sendo, BARBER, A. E., JONES, W. G., MINEL, J. P., FAHEY, T.
quando estas dietas não contêm quantidades similares de J., MOLDAWER, L. L., RAYHURN, J. L., FRECHER,
nitrogênio, torna-se difícil obter conclusões significativas E., KEOGH, C. V., SIHRES, G. T., LOWRY, S. F.
acerca dos benefícios para a imunidade e os resultados Glutamine or fiber supplementation of a defined formula
clínicos. Apesar de ainda não se conhecer intimamente o diet: impact on bacterial translocation, tissue
mecanismo de ação destes “imunonutrientes”, várias são composition, and response to endotoxin. JPEN, J.
as pesquisas que, ao fornecerem dietas enriquecidas com Parenter. Enteral. Nutr., v.14, p.335-43, 1990.
arginina, RNA, ácido graxo ômega-3 e a glutamina para
pacientes que sofreram alguma intervenção cirúrgica, BARTON, R. G. Son benéficas en los pacientes críticamente
obtiveram como resultado melhor evolução clínica, com enfermos las fórmulas enterales capaces de incrementar
menor incidência de complicações infecciosas (sistêmicas la respuesta inmune? Lectura Nutr., v.4, p.7-27, 1997.
e da ferida) e período mais breve de recuperação. As pes-
quisas clínicas continuam para tentar conseguir a dosagem BEALE, R. J., BRYG, D. J. Clinical effects of
exata e os alcances de sua aplicação terapêutica. Embora immunonutrition on intensive care patients: a meta-
seja proposta antiga, a terapia nutricional, utilizando for- analysis. Intensive Care Med., v.2, p.46-51 1997.
mulações específicas ou suplementos, está tendo, nos úl-
timos anos, rápida evolução na terapêutica dos pacientes
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Aspectos atuais na terapia nutricional de pacientes na Unidade de Terapia Intensiva 29

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