Paulo Kroeff. Logoterapia Infantil Estudo de Caso.

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LOGOS & EXISTÊNCIA 1

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LOGOTERAPIA E ANÁLISE EXISTENCIAL 1 (2), 173-178, 2012

LOGOTERAPIA E SUPERAÇÃO DE EVENTO


TRAUMÁTICO EM UMA CRIANÇA
LOGOTHERAPY AND OVERCOMING TRAUMATIC
EVENT IN A CHILD
Paulo Kroeff
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

São apresentadas neste artigo algumas proposições centrais da logoterapia, como a preocupação com o sentido da
vida e sua realização através de valores, além das características humanas como o auto-distanciamento e a auto-
transcendência e seu uso em um atendimento psicoterápico de uma criança para superar um evento
traumático. É apresentado um resumo das sessões de logoterapia e os resultados obtidos.

Palavras-chave: Logoterapia; Sentido de Vida; Psicoterapia; Superação de evento traumático em criança.

ABSTRACT

This paper presents some central propositions of Logotherapy, such as the concern for the meaning of life and its
realization through values, as well as human characteristics such as self-distancing and self-transcendence, and its
use in the psychotherapy of a child to overcome a traumatic event. A summary of the Logotherapy session
and the obtained results are presented.

Keywords: Logotherapy; Meaning of Life; Psychotherapy; the overcoming a traumatic event of a child.
INTRODUÇÃO terapêuticas." (Lukas, s/d, p. 85). Ressaltando essa
disposição da Logoterapia para combinar-se com

O
que se apresenta a seguir são algumas outras linhas psicoterapêuticas, Guilhermo Pareja
considerações sobre Logoterapia e sua Herrera, psicólogo peruano radicado no México, em
adaptação para o atendimento uma palestra, disse que quem lhe havia ensinado
psicológico de uma criança que estava tendo o que fazer havia sido Frankl; mas quem lhe
dificuldades para superar um episódio de violência ensinara como fazer havia sido Carl Rogers
que sofrera. Buscou-se neste atendimento seguir (SOBRAL, 1985). Em seus escritos, Frankl
uma orientação Logoterápica, apesar de se valer praticamente somente apresenta casos
também de técnicas de outra escola. de pessoas adultas, referindo formas de
Como é sabido por quem está atuar mais adequadas a esta faixa etária e às
familiarizado com a Logoterapia de Viktor E. temáticas do vazio existencial e da busca de
Frankl, atuar segundo esta orientação sentido. Muitos terapeutas relatam
psicoterapêutica implica em considerar que a vida adaptações da Logoterapia para o trabalho com
sempre tem sentido, mesmo nas circunstâncias crianças, dentre os quais Lukas (s/d; 1986) e Riveros
mais difíceis, que o ser humano tem como de Carbone (1984). É o que se procurou fazer no
motivação básica alcançar sentidos e que os mesmos caso que se relata a seguir, com intervenções
são atingidos pela realização de valores. Pressupõe- simples,
se que o ser humano é livre e, portanto, mas que se mostraram bastante efetivas.
responsável, mesmo que sua liberdade sofra
limitações. Afirma-se que o ser humano apresenta
O ATENDIMENTO PSICOLÓGICO
duas características essenciais: é auto-transcendente,
ou seja, em sua busca de sentido, está orientado para Uma mãe buscou atendimento psicológico
algo ou alguém fora de si mesmo, já que o sentido para o filho, um menino de 10 anos, que havia
está no mundo, e que é capaz de auto- sido assaltado por dois jovens adolescentes, não
distanciamento, uma capacidade que lhe permite não muito maiores que ele, no caminho para a escola.
ser engolfado completamente pelas circunstâncias de Sob a ameaça de uma faca, ele tivera que entregar-
sua existência, permitindo-lhe tomar posição ante lhes seu tênis. A partir deste episódio de
estas circunstâncias e suas interferências em sua violência, este menino começou a apresentar
busca por realizar sentidos (Frankl, 1991). resistência e, por fim, recusa em ir à escola. Não
Sabemos que somente em "casos de neurose queria mais sair de casa, nem para ir à escolinha
noogênica, a logoterapia é uma terapia específica” de futebol, nem para brincar com os amigos,
(Frankl, 1970, p. 99) e que ao se lidar com atividades que antes apreciava bastante. Mostrava-
neuroses psicogênicas ou outros desajustamentos se triste, temeroso, desinteressado de qualquer
“a logoterapia não pode ser oposta à psicoterapia atividade, a não ser assistir televisão. Surgiram
mas representa, ela mesma, uma dentre as escolas também dificuldades para dormir.
de psicoterapia." (Frankl, 1970, p. 99). Exatamente No atendimento psicológico desta criança,
por Frankl reconhecer que a Logoterapia não é uma frase de Frankl foi decisiva para a atuação do
uma panacéia, que é grande a complexidade e terapeuta: “uma intervenção logoterápica [...] visa
diversidade das situações terapêuticas, e que há superar o sentimento de falta de sentido pondo em
uma riqueza técnica em cada escola terapêutica, não ação processos de busca" (Frankl, 1976, p. 8).
há "objeção em combiná-la com outros métodos." Refletiu-se sobre o que, em termos de sentido e de
(Frankl, 1970, p. 110). Frankl afirma, inclusive, que processos de busca, estava ocorrendo com esta
"deve-se dar grande importância a um ecletismo” criança. Parecia evidente que ela não tinha
(Frankl, 1976, p. XIII), chegando até a declarar problemas com a questão do sentido da vida. Mesmo
que “seria inconcebível não atuar ecleticamente na que disto não falasse, - seria raro encontrar esta
psicoterapia" (Frankl, 1978, p. 200). Também esta é temática na fala espontânea de uma criança –,
a posição de Elisabeth Lukas, ao declarar que "o antes do episódio de violência, este menino
bom da logoterapia é que suas formas de apresentava o que podemos considerar “sentidos”
tratamento, inerentes ao sistema, podem em sua vida: tinha uma família bem estruturada,
combinar- se perfeitamente com outras com quem mantinha um bom relacionamento,
modalidades dava-se bem com seus amigos, frequentava a
escola, tendo nela
um bom desempenho, e tinha uma atividade extra- Além de proporcionar conhecimento, tinha-se
escolar que apreciava especialmente, uma presente, também, a função catártica sempre
“escolinha” de futebol. Podem-se classificar estes reconhecida na psicoterapia, ao simplesmente se
seus interesses e vivências como manifestações, em conversar livremente sobre um evento traumático.
sua faixa etária, de valores vivenciais e criativos. Não Outro benefício deste procedimento era o de se
havia uma falta de sentido a ser superada. O que começar a operar um auto-distanciamento do evento
havia era um bloqueio – representado por seu traumático, que é o primeiro passo no esquema
medo e sua sensação de impotência frente a ele - proposto por Elisabeth Lukas para aplicar a
quanto à possibilidade de continuar realizando os Logoterapia, o qual é dividido em quatro fases,
sentidos que até aqui lhe tinham sido importantes. conforme indicado abaixo:
Como não queria mais sair de casa, por temor de
que o episódio de violência se repetisse, a escola, o Primeira fase: Despertar e fomentar a capacidade de
futebol e os amigos estavam fora de seu alcance. O auto-distanciamento; Segunda fase: Mudança de
relacionamento com os pais e outros familiares atitude (passagem de uma atitude psico-
variou de manifestações de apoio e conforto, no higiênicamente enfermiça para uma atitude sã);
Terceira fase: Redução dos sintomas e sustentação de
início, para as de impaciência e reclamações,
uma nova estabilidade; Quarta fase: Ampliação geral
posteriormente, por sua dificuldade em superar o da orientação de sentido mediante a sensibilização
evento traumático e retomar as atividades regulares para novas possibilidades de sentido. (Lukas, s/d, p.
de sua vida. Compreensivelmente, seu estado de 138)
espírito era péssimo, mostrava-se apático e
desanimado e não queria fazer nada. Repetindo, Em um segundo momento, ampliando a
talvez, o que ouvira dos pais, reconhecia que tinha capacidade de auto-distanciamento desta criança,
que superar aquela situação, mas o medo e uma para tirar do medo seu caráter de grandiosidade e
enorme sensação de impotência ante o evento onipotência, considerou-se que este medo deveria
traumático, convencera-o de que nada podia ser ser concretizado de alguma forma, para poder atuar
feito. Estava paralisado. A frase de Frankl, sobre ele. Para obter esta concretização, no nível de
mencionada acima, além de referir-se ao sentido, uma criança, decidiu-se trabalhar com adaptações de
continha outro importante elemento de orientação: técnicas gestálticas propostas por Oaklander (1988).
se não havia, nesta criança, falta de sentido a ser Seguia-se a orientação de Frankl de que na
superada, havia sim um obstáculo impedindo a psicoterapia “o essencial é improvisar e
continuidade da realização de seus valores criativos e individualizar” (Frankl, 1978, p. 200). Pediu-se ao
vivenciais. Era necessário encontrar meios de superar menino que desenhasse a situação do assalto, com
este obstáculo que se interpunha a seus sentidos de detalhes. Enquanto ele ia desenhando, ia-se
vida, “pondo em ação processos de busca”, como dizia conversando. O menino contava o que estava
Frankl. fazendo, representando o que tinha ocorrido, e
Antes de tentar colocar este jovem paciente como ele tinha se sentido. Ao final de seu desenho,
em processo de busca era preciso motivá-lo a isto, que representava ele sentado, tirando os tênis e os
eliminando a sua sensação de absoluta impotência jovens assaltantes de pé, conversou-se sobre aquela
em que se encontrava, sentindo-se incapaz de situação, comentando que ele havia feito o que era
qualquer ação. Pode-se dizer que não havia auto- considerado correto: não reagir, entregando o que
distanciamento, e sem ele, como diz Elisabeth Lukas havia sido exigido, evitando assim danos maiores.
“o paciente está ancorado no quadro de seu Comentou-se que no momento do assalto, ele não
transtorno psíquico" (Lukas, s/d, p. 138). O medo pudera fazer nada, mas agora ele podia, com o
dominava toda sua mente. Considerou-se que este desenho que representava o assalto. O que ele
medo tinha que ser melhor esmiuçado e gostaria de fazer? Ele olhava em expectativa. Fez-se a
concretizado, para ser melhor trabalhado. pergunta: “O que a gente faz quando não gosta de
Conversou-se muito detalhadamente sobre o que um desenho?”. Ele seguia olhando, parecendo
tinha acontecido – o episódio do assalto e roubo -, aguardar uma sugestão. Foi-lhe proposto que
para conhecer melhor com o que se estava lidando expressasse seu desagrado, riscando o desenho. Ele
e os significados que lhe estavam sendo agarrou o lápis e todo o desenho foi riscado
atribuídos. rapidamente, com traços grossos, impulsivos. “Que
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mais a gente pode fazer, com um desenho do qual tendo problemas o tempo todo, continuava sempre
não se gosta”, lhe foi perguntado. “Rasgar?”, ele tentando resolvê-los, para chegar a conseguir o que
perguntou em resposta. “Rasgar”, repetiu-se, ela queria, que era voltar para casa. Alice, na
aprovando sua sugestão, sendo acrescentado: “e história, tivera sucesso. Ele também se propunha a
jogar fora”. Num instante, o desenho estava todo vencer. Iria se esforçar até que seu problema estivesse
rasgado, amassado numa bola de papel, sendo resolvido. Contou que já tinha voltado para a escola,
jogado longe. O menino sorriu, pela primeira vez, e retomaria o futebol. Também relatou que quando
com o que havia feito. Era evidente a expressão de chegara a hora de ir para a cama, naquele dia da
alívio em seu rosto. Voltou-se a conversar sobre o sessão, lembrou-se do que fizera com o desenho, não
assalto ocorrido e sobre o que havia ocorrido na tendo dificuldades para adormecer, nem neste dia,
sessão. Falou-se que o assalto tivera como nem nos seguintes. Já recomeçara a brincar com seus
consequência a perda de um tênis, e isso ele não amigos. Seus evidentes progressos foram elogiados
pudera evitar e a somente isso é que sua perda pelo terapeuta. O resto da sessão se passou
deveria ser reduzida. Não se devia deixar que os conversando sobre o que o menino já retomara de
assaltantes levassem dele também a sua escola, os sua vida – escola, amigos, sono – e seu pretendido
seus amigos, o futebol. O tênis, ele não pudera retorno ao futebol.
evitar que fosse roubado, mas o resto ele podia. Na sessão seguinte, ele relatou o retorno ao
Podia fazer como fizera com o desenho: riscar, futebol, continuando com o restante de suas
rasgar, amassar, jogar fora. Ele movia a cabeça, atividades normalizadas. Mostrava-se tranquilo,
afirmativamente. Com estas intervenções, começava- verbalizando sua satisfação por ter superado suas
se a migrar para a segunda fase proposta no esquema dificuldades. Em sessão com a mãe e o menino,
de tratamento de Lukas, que é a mudança de chegou-se à conclusão de que não havia mais
atitude, buscando provocar o que Lukas apresenta necessidade de seguir o atendimento. Combinou-se,
como “uma sacudida na ideia que uma pessoa tem que se houvesse necessidade, o terapeuta seria
de si mesma” pois “se considera impossível uma contatado. Em sessão de acompanhamento, algumas
ajuda, a ajuda é impossível” (Lukas, s/d, p. 138). semanas depois, confirmou-se que tudo havia
Delimitava-se, assim, a área de impotência: não voltado ao normal, não havendo mais sequelas do
resistir à perda do tênis. Mas estimulava-se a que ele evento traumático.
resistisse a perder outras coisas: isso ele podia fazer.
A sessão terminou com duas recomendações:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. se ele tivesse dificuldade para dormir,
como havia ocorrido em dias anteriores, que se Resumindo o que foi relatado no
lembrasse do que pudera fazer na sessão, com o atendimento desta criança, considerando as fases do
desenho. Estava-se, assim, estimulando potência em esquema de tratamento proposto por Lukas,
vez de impotência e, também, a busca da redução de mencionado anteriormente, pode-se dizer que:
sintomas; 1. Criou-se uma brecha entre o paciente e
2. deveria assistir na televisão o vídeo que seus sintomas, através do auto-distanciamento,
lhe estava sendo entregue – um vídeo com proporcionado pela conversa e o desenho. Foi a
episódios da história de “Alice no país das primeira fase;
maravilhas”, de Lewis Carol. Sugeriu-se que ali se 2. Estimulou-se uma nova atitude de
poderia aprender várias possibilidades de soluções aceitação do inevitável (o roubo), mas de
que talvez lhe ajudassem nas dificuldades que ele abandono da passividade e da impotência,
vinha enfrentando. O objetivo era colocá-lo naquilo mostrando que ele podia fazer algo, evitando que
que Frankl chamava, de “processos de busca”. sua perda fosse maior do que o tênis (ele podia
Na sessão seguinte, o menino chegou com seguir com sua vida, seus estudos, seus amigos,
uma expressão no rosto em que não havia sinais de seu futebol). Foi a segunda fase;
tensão nem apatia, e comunicou satisfeito, 3. Os sintomas desapareceram (medo de sair
surpreendendo ao terapeuta, que já havia de casa; sensação de impotência; abandono de
encontrado a solução para seu problema. E explicou: atividades; dificuldades para dormir). Foi a terceira
tinha que fazer como a Alice no filme, que mesmo fase;
4. Afastado o bloqueio paralisante do medo, procedimentos terapêuticos foram surgindo à
as atividades e vivências que representavam sentidos medida que a sessão se desenrolava. Considera-se
importantes em sua vida (família e amigos; escola; que o menino demonstrou uma grande capacidade
futebol) voltaram a estar plenamente disponíveis. de superação e maturidade, aproveitando em seu
Foi a quarta fase. benefício, rapidamente, as sugestões que surgiam das
atividades propostas pelo terapeuta.
No atendimento psicológico desta criança, Do ponto de vista do terapeuta, este
pode-se dizer que as propostas de trabalho foram atendimento representou uma confirmação de frase
surgindo intuitivamente. Com exceção do vídeo de Elisabeth Lukas: nós "os psicoterapeutas temos
com a história de Alice, que foi propositadamente que improvisar, experimentar, investigar: na
planejado para colocar este menino em “processos logoterapia não há padrões fixos." (Lukas, s/d, p.
de busca”, retirando-o de sua passividade, os 210)
Referências

Frankl, Viktor E. (1970). The will to meaning. New York : The New American Library.
Frankl, Viktor E. (1976). Psicoterapia - Uma casuística para médicos. São Paulo: E.P.U.
Frankl, Viktor E. (1978). Fundamentos antropológicos da psicoterapia (O Homem Incondicionado ; "Homo
Patiens"). Rio de Janeiro : Zahar.
Frankl, Viktor E. (1991). Em busca do Sentido - Um Psicólogo no Campo de Concentração. São Leopoldo:
Sinodal; Petrópolis: Vozes.
Pareja Herrera, G. (1985). Palestra na SOBRAL – Porto Alegre.
Lukas, Elisabeth (s/d). Tu vida tiene sentido - Logoterapia y salud mental. Mexico: Colección
Claves. Lukas, Elisabeth (1986). Meaning in suffering. Berkeley : Institute of Logotherapy Press.
Oaklander, Violet (1988). Descobrindo crianças – A Abordagem guestáltica com crianças e adolescentes. São Paulo:
Summus.
Riveros de Carbone, Jovita (1984). Maurice and Mr. Sleep. The International Forum For Logotherapy, 7, 55-56.

Recebido em:
13/02/2013 Aceito em:
15/02/2013

Sobre o autor

Paulo Kroeff. Psicólogo, especialista em terapia de casal e família. Mestre em Educação. Doutor em Psicologia.
Professor do Curso de Especialização da Clínica de Atendimento Psicológico, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre – RS – Brasil. e-mail: [email protected]

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