AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli De. Política Criminal e Encarceramento No Brasil Nos Governos Lula e Dilma
AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli De. Política Criminal e Encarceramento No Brasil Nos Governos Lula e Dilma
AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli De. Política Criminal e Encarceramento No Brasil Nos Governos Lula e Dilma
19940
** Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs, Porto Alegre,
RS, Brasil), professor da Pucrs em Porto Alegre, RS, e pesquisador do Instituto de Estudos
Comparados em Administração Institucional de Conflitos <[email protected]>.
** Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(Pucrs) e em Cultura de Paz, Conflictos, Educación y Derechos Humanos pela Universidad de
Granada (España) <[email protected]>.
Abstract: This paper is divided into three parts, attempting to correlate the analysis
of penal policies implemented since the arrival of the Workers Party to the federal
government in 2003 and the impact of these policies, especially those linked to
legislative changes in criminal matters, on rates of incarceration. Based on the
understanding that the period opened, in Brazil and other countries in South America,
with the rise to power of parties linked to the left political tradition is characterized by
an attempt to establish a counterpoint to the previous period, marked by privatization
and reduction in public spending on social policy, producing results in the reduction
of social inequality and implementing distributive or compensatory policies, our
purpose is to identify the main aspects that marked this period in the drafting and
implementation of the so called criminal policies. In a second step, we analyzed the
data on incarceration in Brazil during this period, which is marked by the uninterrupted
growth in the number of provisional and definitive prisoners, and we try to point out
the main causes of this situation largely contradictory to the programmatic definitions
of the federal government. Finally, we try to point out the main problems and obstacles
to a reversal of this incarceration growth trend, as well as the implementation of a
new model of crime prevention, taking into account the limits of the political project
implemented in these 12 years to the area of public safety and its possible consequences.
Keywords: Criminal policy. Imprisonment. Public security.
Gráfico 1. Taxas de homicídio por 100 mil habitantes no Brasil – 1980 a 2012
1 Sobre a percepção social sobre o sistema de justiça, vide as recentes pesquisas trimestrais da
Fundação Getúlio Vargas, que criou o ICJ – Índice de Confiança na Justiça <http://direitosp.
fgv.br/en/publicacoes/icj-brasil>.
R. G. Azevedo, A. C. Cifali – Política criminal e encarceramento no Brasil ... 109
2 Para uma análise das políticas de segurança pública após a ditadura militar, vide Mingardi
(1992); Soares (2000); Adorno (1999 e 2003) e Sá e Silva (201).
110 Civitas, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 105-127, jan.-mar. 2015
Fonte: Pnad-IBGE.
Fonte: Depen-MJ
Fonte: Depen-MJ
Fonte: Depen-MJ.
3 Para uma análise do impacto da nova lei de cautelares sobre as decisões judiciais em matéria
de prisão preventiva, vide a pesquisa realizada pelo Instituto Sou da Paz, “O Impacto da Lei
de Cautelares nas Prisões em Flagrante na Cidade de São Paulo”, 2014 <www.soudapaz.org/
upload/pdf/lei_das_cautelares_2014_digital.pdf>.
R. G. Azevedo, A. C. Cifali – Política criminal e encarceramento no Brasil ... 117
David Garland afirma que a maior parte das medidas penais recentemente
adotadas pelos governos ocidentais atestam uma lógica instrumental e um modo
de ação significativo, que buscam traduzir o sentimento público, punir para o
próprio bem do apenado, insistir nos objetivos punitivos, de modo que “cada
medida opera em dois registros diferentes, um registro punitivo que segrega
os símbolos de condenação e de sofrimento para entregar sua mensagem, e
um registro instrumental mais adequado aos objetivos de proteção do público
e gestão do risco” (Garland, 1999, p. 60).
Em matéria de reformas legais no âmbito da justiça criminal brasileira,
estes dois modelos encontram-se presentes e abrigam duas lógicas distintas:
igualdade e hierarquia. Tal dualidade aponta para as contradições existentes
na própria sociedade, refletindo a seletividade e a discricionariedade na
elaboração e na aplicação da justiça penal, o que, à sua vez, impede a demanda
de universalização de uma cidadania igualitária. De qualquer modo, o Direito
Penal torna-se o meio preferencial de resolução dos conflitos sociais e de
gerenciamento de condutas no espaço público.
O sistema de segurança pública brasileiro em vigor, desenvolvido a
partir da Constituição Federal de 1988, estabeleceu como compromisso legal
a segurança individual e coletiva. Sem embargo, as políticas de segurança
pública têm sido utilizadas como paliativo a situações de emergência,
sendo desprovidas de perenidade e consistência. Muitas leis de caráter mais
punitivo são propostas e aprovadas rapidamente em um contexto de forte
demanda da opinião pública, como por exemplo, no caso da equiparação da
falsificação de remédios aos crimes hediondos, assim como a aprovação do
Regime Disciplinar Diferenciado4 e as rebeliões comandadas pelo PCC em
São Paulo.
A partir dessa percepção, verifica-se que o passado recente das políticas
públicas de segurança na sociedade brasileira restringe-se a uma “série de
intervenções espasmódicas, meramente reativas, voltadas para a solução
imediata de crises que assolam a ordem pública” (Carvalho e Fátima e Silva,
2011, p. 62). A falta de articulação entre a elaboração de leis, decretos, portarias
e as ações em segurança pública no contexto social acaba por apresentar um
quadro de resultados insatisfatórios e inconsistentes. Orientando-se pela maior
conveniência imediata, o governo ignora as consequências de longo prazo
(Elbert, 2009, 149).
5 Sobre o impacto da Lei dos Crimes Hediondos nas taxas de criminalidade e na administração
carcerária, vide o relatório de pesquisa do Ilanud (2005) <www.ilanud.org.br/modelos/
download.php?arquivo=/upload/pdf/hediondos.pdf>.
120 Civitas, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 105-127, jan.-mar. 2015
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Autor correspondente:
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo
Av. Ipiranga, 6681
90619-900, Porto Alegre, RS