Quilombos, Cabixis e Caburés Índios e Negros em Mato

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 24

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA

25ª Reunião Brasileira de Antropologia

GT 48 – Saberes coloniais sobre os indígenas em exame: relatos


de viagens, mapas, censos e iconografias

Quilombos, Cabixis e Caburés: índios e negros em Mato


Grosso no século XVIII.

Maria Fátima Roberto Machado


Deptoº de Antropologia – UFMT

Goiânia, junho de 2006

1
Quilombos, cabixis e caburés: índios e negros em Mato Grosso.

Maria Fátima R. Machado


Deptº de Antropologia (UFMT)

RESUMO: Por ordem do governador e capitão general da capitania de Mato Grosso, João de Albuquerque de
Mello Pereira e Cáceres, foi realizada em 1795 uma diligência para destruir vários quilombos nas águas do
Guaporé, na fronteira com a Bolívia. O diário dessa diligência é um relato minucioso dos acontecimentos e uma
oportunidade rara para a abordagem das relações históricas entre os índios e os negros em Mato Grosso, que
tem passado ao largo dos interesses dos historiadores, apesar das várias transcrições existentes. O objetivo deste
trabalho é, a partir desse relato, fazer uma reflexão antropológica acerca das categorias caburés e cabixis
utilizadas para designar os descendentes de negros e índios, especialmente Paresi e Nambiquara, que formaram
em parte a tradicional população matogrossense.

Introdução

Em março de 1795, o capitão general e governador da Capitania de Mato Grosso,


João d’Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, mandou chamar o Juiz Presidente e o
vereador mais velho da Câmara da então capital Vila Bela para tratar da decadência das
minas e das perdas e danos causados aos moradores pelas fugas de muitos escravos, que
“tranquillamente” aquilombavam-se nas escarpas da extensa Serra dos Parecis. Eles
“derramavam-se” pelas vizinhanças dos arraiais e nas águas das nascentes do Guaporé,
principalmente nos rios Galera, Sararé, Pindaituba e Piolho, então denominado de São João,
além de outros, dos quais tinha constantes notícias. Sendo a obrigação das câmaras socorrer
às necessidades públicas, a fuga de escravos e a falta de terras minerais exigiam a formação
de uma bandeira que explorasse os sertões, convocando os moradores para uma contribuição
voluntária, comprometendo a Fazenda Real com a munição e a quinta parte da gente
empregada nessa diligência.
A bandeira saiu em 7 de maio de 1795, descendo o Guaporé, composta por 45
pessoas, incluindo um soldado Dragão e seis Pedestres, comandada pelo Alferes de Dragão
Francisco Pedro de Mello, hábil oficial comandante da povoação de Casalvasco.
Embarcaram no porto da capital em 7 de maio e se recolheram de volta no dia 18 de
novembro daquele ano. Uma cópia do diário das diligências foi enviada à corte em 30 de
dezembro de 1795, juntamente com uma cópia da diligência feita na mesma região entre
agosto e setembro de 1794 pelo Tenente-Coronel Engenheiro Ricardo Franco d’Almeida
Serra.
Em marcha, por terra, até o dia 20 de maio, chegaram à confluência de dois braços do
rio, examinando o menor, que depois de meio dia de jornada provou não dar navegação para
as canoas. Em 22, navegaram pelo braço direito, com muitas barreiras, e descarregaram as
canoas, que retornaram para Vila Bela em 23. Por terra, acompanhando a margem esquerda,
cortaram e escavaram corixos, marchando até 5 de junho, encontrando pouco ou nenhum
ouro.

2
No mesmo dia, atravessaram o rio com a água na altura do peito e, na margem direita,
depois de andar meia légua, do alto de um morro, viram-se na Serra dos Parecis, confirmando
a suspeita de dois dias antes, pelas repetidas cachoeiras que formava o rio e pelas colinas que
revelavam a inclinação do terreno. Um “preto forro”, um camarada capturado anteriormente
no quilombo do Rio Piolho, indicou o sul como direção a seguir. Em terreno áspero, de alta e
fechada mataria, com muitos corixos, depois de 7 léguas, chegaram, no dia 15 de junho à
margem daquele rio, que atravessaram no dia seguinte, depois de feita uma pinguela. No dia
16 notaram rastros de gente e sinais de fogos, marchando devagar, acompanhando os rastros,
até o dia 18.
No dia 19, depois de andar meia légua, capturaram dois índios, um negro e um
“caboré”, mestiço de índio e negro. Um índio fugiu e, ao correr, foi perseguido. Com uma
curta carreira, foram dar no seu quilombo: “a gente delle logo se poz em fugida, mas apezar
disso foram seguidos e neste dia ficaram prezos alem dos três negros, 32 pessoas mais entre
homens, mulheres, rapazes e raparigas, dos quaes huns eram Índios, outros Caborés; faltando
ainda segundo as informações que deram mais três negros e 16 pessoas”.
Na tarde do dia seguinte, três escoltas entraram no mato e capturaram mais 12
fugitivos. Até o dia 5 de agosto examinaram o terreno, com mostras de ouro, vendo muitos
sinais de índios e fogos. Todos os corixos no entorno do quilombo foram socavados, dentre
eles o de São Pedro e o de Sant’Anna ao Sul do quilombo. Enfim recolhida, “ a gente toda do
quilombo, montava a cincoenta e quatro pessoas como consta da relação junta, e tendo-se
feito farinha de milho que ali se acharam, não só para os dias em que se demorou a Bandeira,
mas ainda para 20 dias de marcha, deixaram aquele lugar”.
Informou o comandante em seu diário que o quilombo do Piolho, que emprestava o
nome do rio onde estava situado, já havia sido atacado e destruído em 1770 pelo Sargento-
Mór João Leme do Prado, quando apreendeu “numerosa escravatura”, restando ainda ali
muitos escondidos pelos matos, que se estabeleceram novamente nas cercanias do lugar.
Desses escravos novamente aquilombados, “morreram muitos, huns de velhice e outros ás
mãos do gentio Cabixês, com quem tinham continuada guerra, afim de lhes furtarem as
mulheres, das quaes houveram os filhos Caborés”.
Dos escravos antigos, só seis ainda viviam: “eram os regentes, padres, médicos, pais e
avós” do pequeno povo que formava o novo quilombo, “situado em hum bellissimo terreno
muito superior, tanto na qualidade das terras, como nas altas e frondosas matarias”, nas
margens dos rios Galera, Sararé e Guaporé, abundantes de caça e de pesca. A bandeira
encontrou no quilombo “grandes plantações de milho, feijão, favas, mandiocas, manduim
[amendoim], batatas, caraz e outras raízes, assim como muitas bananas, ananazes, abobras
[abóboras], fumo, galinhas e algodão de que faziam panos grossos e fortíssimos com que se
cobriam”.
Depois de reconhecidas as vertentes do Rio Piolho, a bandeira partiu rumo ao
Sudoeste em 6 de agosto, com 100 pessoas, acrescidos os capturados no quilombo, cortando
cabeceiras de muitos corixos e ribeirões, pelo alto do terreno, paralelo às serras. Em vagarosa
marcha, devido às mulheres e crianças, socavando ao percorrer as vinte léguas, no dia 27,
cruzando um braço do Rio Galera e chegando mais próximo de outro maior, ao Norte do
Arraial de São Vicente, mandaram pedir socorro, escrevendo o comandante ao capitão
general, dando contas da diligência e das explorações, informando encontrar, do quilombo

3
até aquela paragem do Galera, rastros e ranchos abandonados de “pretos fugidos”,
provavelmente pelas notícias sobre a bandeira, que mandou queimar.
Depois de alguns dias de descanso e espera, atravessaram o Galera, caminharam seis
léguas ao Sul e, chegando ao arraial, no dia 18 de setembro, entregou o comandante a gente
do quilombo ao paisano Geraldo Urtiz de Camargo, para a condução a Vila Bela.
No dia 19 de setembro, saiu o dito paisano com os quilombolas para a capital,
chegando no dia 27, com todos os 54 capturados, assim relacionados:
Relação dos pretos, Índios e Caborés de que se compunha o Quilombo do Piolho em
que se deu no dia 19 de Junho de 1795:
Negros 6
Índios 8
Índias 19
Caborés 10
Caborés fêmeas 11
----
TOTAL 54

Quando o paisano e os quilombolas chegaram a Vila Bela, teve o capitão general João
de Albuquerque uma grande surpresa:
“(...) vendo sua Excellencia que todos os Caborés e Indios de maior idade
sabiam alguma doutrina Christã que aprenderam com os negros, e que se
instruíram suficientemente e com gosto nesta capital onde se lhe acabou de
ensinar, e ainda alguns Índios adultos, pois todos fallavam Portuguez com a
mesma intelligencia dos pretos de que aprenderam; e como todos estavam
promptos para receber o baptismo, foi pessoalmente assestir a este sacramento
sendo padrinho d’alguns, assim como d’outros as principaes pessoas desta
Villa, cuja funcção se celebrou no dia 6 d’Outubro, recebendo este sacramento
todos os de menor idade e alguns maiores que estavam mais instruídos na
Religião.”
No dia 7 de outubro, todos os 54 capturados foram levados de volta ao local do antigo
quilombo, “em muitas canoas, em que levavam além de mantimentos para muitos meses,
vários grãos e sementes para plantarem com ferramentas correspondentes, assim como
porcos, patos e galinhas para creação”, com a esperança de que aquele estabelecimento
tivesse no futuro “próspera e pública utilidade”.
Depois de entregar os capturados do Rio Piolho ao paisano Geraldo Urtiz, o Alferes
de Dragões Francisco Pedro de Mello deu continuidade à sua diligência, capturando outras
dezenas de escravos em vários quilombos.
Os 54 índios e caborés, que batizados e “acariciados”, que foram fundar a nova
Aldeia Carlota, prometeram, nas palavras de Francisco Pedro de Mello, “expontaneamente
não só reduzirem á nossa amizade e communicação outras Aldeãs de Índios Cabixês
vezinhos daquelle lugar, mas a virem a esta Villa tanto a commerciar como a trazerem boas
mostras d’ouro que faça conta para atrahir aquele importante lugar alguns colonos
portugueses (...)”.

4
FONTE: “RONDONIA” – E. ROQUETTE-PINTO. Biblioteca Pedagógica Brasileira
Série V - Brasiliana - Vol. XXXIX. Companhia Editora Nacional, 3ª Edição, SP,1935

5
A propósito do Diário

O “Diário da Diligência que por ordem do Illustrissimo e Excellentissimo João


d’Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, Governador e Capitão General da
Capitania de Mato Grosso, se fez no anno de 1795, a fim de se destruírem vários
Quilombos, e buscar alguns logares em que houvesse ouro” é certamente uma das mais
importantes e completas fontes documentais sobre a escravidão em Mato Grosso no final do
século XVIII. Apesar de constantemente citado pelos historiadores, na perspectiva dos
antropólogos ele está ainda longe de ter esgotada toda a sua potencialidade para elucidar
importantes questões relacionadas aos povos indígenas, em particular os grupos Nambiquara
e Paresi, abrindo novas possibilidades interpretativas acerca das suas relações com a
população negra que ocupou seus territórios durante a escravidão.
Foi o célebre etnólogo Roquette-Pinto, do Museu Nacional, quem primeiro
transcreveu esse documento, na primeira edição do seu clássico “Rondônia” (1916), que
resultou de suas pesquisas entre os índios Paresi e Nambiquara que conviviam com as linhas
telegráficas implantadas em seus territórios pelo Marechal Rondon, nas primeiras décadas do
século XX. Era grande o seu fascínio pelos “selvagens”, em especial os Nambiquara da Serra
do Norte, uma “civilização fossil no coração da América do Sul”, surpreendida por Rondon
“em plena idade lítica” e entregue aos estudiosos.
Roquette-Pinto transcreveu o documento encontrado no acervo do Conselho
Ultramarino (Correspondência do Governador de Mato-Grosso, 1777-1805. Códice 246, pág.
165), localizado por ele no Arquivo do Instituto Histórico (certamente, o Instituto Histórico e
Geográfico do Brasil, no Rio de Janeiro). Antecede o documento, uma carta do capitão
general João d’Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres a Luiz Pinto Souza Coutinho (por
engano, primeiramente, a Martinho de Mello), introduzindo o diário e um importante mapa
anexo (reproduzido aqui), dando conta também dos reconhecimentos geográficos da região
dos rios Galera, Sararé, Guaporé e Juruena, por uma diligência do tenente coronel engenheiro
Ricardo Franco de Almeida Serra. 1 Nessa carta, o governador introduziu as informações
constantes no Diário sobre a população do quilombo do Piolho e suas deliberações a respeito
dela.
Já nos dias atuais, no bojo da “nova” abordagem historiográfica surgida a partir dos
anos de 1970, o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso também publicou, em 2001,
uma transcrição do Diário da Diligência, sem a carta do governador, iniciando diretamente os
relatos em 7 de maio de 1795.
Na apresentação do documento, a historiadora e presidente do IHGMT, Elizabeth
Madureira Siqueira, recorreu ao trabalho de John Monteiro 2 para lembrar que, no Brasil
colônia, o trabalho compulsório era marcado pela escravidão não só dos negros vindos da
África e seus descendentes, mas também dos índios – os negros da terra – preados no sertão

1
Este trabalho utiliza a 3ª edição de “Rondônia”, de 1935 (Brasiliana, Série V, vol. XXXIX).

2
Monteiro, J. M. Negros da Terra. Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo, S.Paulo, Companhia das
Letras, 1994.

6
pelos bandeirantes paulistas, que tinham no tráfico interno da mão-de-obra indígena a sua
sustentação. Até bem pouco tempo, disse Siqueira, o quilombo dos Palmares, em Alagoas,
era o único conhecido e veiculado na historiografia e, apenas no ano comemorativo do
centenário da abolição, em 1998, tornaram-se mais conhecidas as obras de brasileiros e
brasilianistas sobre a escravidão, através de novas publicações e simpósios, tornando esse
tema importante, de modo irreversível, para a compreensão da cultura, do caráter e das
relações da sociedade brasileira. Mato Grosso participou desse debate através de um
levantamento das fontes sobre a escravidão e esse documento – o Diário da Diligência –
revela a sua importância por aclarar questões que enriquecem a análise do movimento de
resistência escrava.
Siqueira é divulgadora de outros documentos fundamentais acerca da história de
Mato Grosso, nos séculos XVIII e XIX, inclusive dos próprios quilombos, em particular o
que existiu na região de Chapada de Guimarães (Santana da Chapada ou ainda Lugar de
Guimarães). Em sua publicação de 2002 3 , explorou dados extraídos de relatórios policiais da
Província sobre o quilombo de Cansanção, na margem direita do Rio Manso, ao pé da Serra
Azul, na estrada de Paranatinga, que se abastecia de munições e provisões nos quilombos da
região de Diamantino, em troca de ouro e diamante extraídos na serra do Roncador.
A transcrição do Diário da Diligência publicada pelo IHGMT apresenta como
particularidade, em relação à transcrição de Roquette-Pinto, o fato de incorporar, no corpo do
próprio relato, uma listagem dos nomes de cada um dos 54 quilombolas capturados no
quilombo do Piolho, com suas respectivas idades, especificando os negros, os índios, as
índias, as “caborés fêmeas” e os “caborés machos”.
Essa importante relação de nomes e idades consta também de uma terceira
transcrição do mesmo Diário, com diferenças na compreensão das grafias, feita pela também
historiadora Marlene G. Araújo, em uma publicação organizada por Carlos Alberto Rosa e
Nauk Maria de Jesus 4 , no âmbito do Mestrado em História (ICHS) da UFMT. A transcrição
do IHGMT não faz qualquer referência à localização do documento quanto ao arquivo
histórico de origem, enquanto que Araújo situa como fonte o Arquivo Público de Mato
Grosso (Fundo Governadoria; Grupo- Séc. do Governo; Local: Vila Bela – 05 a 10-1795;
Quilombo do Piolho, Lata 1795A, APMT). A pesquisadora Marlene Araújo conseguiu ainda
recuperar e transcrever uma parte rasurada do documento original (“dando a entender que
não era isso que deveria ser escrito”), referente à localização de ouro “de bom toque” em
córregos da região do Rio Sararé.
A soma total da população do quilombo coincide, portanto, com a apresentada na
transcrição de Roquette-Pinto. Eram 54, assim distribuídos: 6 negros, 8 índios, 19 índias, 10
“caburés machos” e 11 “caburés fêmeas”. 5
Os dados são surpreendentes em vários aspectos. Quase 90% da população do
quilombo eram de indígenas e caburés, homens e mulheres; não havia sequer uma mulher

3
Siqueira, E. M. História de Mato Grosso. Da ancestralidade aos dias atuais, Ed. Entrelinhas, Cuiabá, 2002.
4
Rosa, C. A. & Jesus, N. M. de (org.). A terra da conquista. História de Mato Grosso Colonial. Ed. Adriana,
Cuiabá, 2003.
5
Adotei o procedimento de cotejar as duas transcrições, do IGHMT e a de Marlene Araújo, de modo a torná-las
complementares, contornando problemas de digitação e de entendimento das grafias . Por exemplo: na
transcrição de Araújo, embora a soma total de índios seja 8, na listagem são apresentados apenas 7 nomes,
enquanto a listagem do IHGMT encontra-se completa.

7
negra e dos negros, o equivalente a 66% tinha 70 anos ou mais. As mulheres, indígenas e
caburés, compunham quase 56% da população. Os índios mais velhos tinham 40 anos e,
dentre os e as caburés, os mais velhos tinham 18 anos, tendo nascido portanto em 1777,
depois da primeira destruição do quilombo, em 1770, no governo de Luiz Pinto de Souza
Coutinho, a quem sucedeu Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, irmão de João
de Albuquerque. Os e as caburés eram, em sua maioria crianças, o que pode indicar que a
população vivia em franca recuperação. Seria razoável concluir que, desconsiderando a sua
história anterior, o quilombo do Piolho era mais uma aldeia indígena – renomeado Aldeia
Carlota (em homenagem à princesa), do que propriamente um quilombo, embora assim tenha
se consolidado na historiografia mato-grossense.

O quilombo do Piolho e os pretos de Vila Bela


Antes de ser abatido pelas forças de Luiz Pinto de Souza Coutinho em 1770, o
quilombo do Piolho, conhecido também como quilombo do Quariterê (ou Quariteté, tendo
por referência um outro nome do mesmo rio) foi, segundo os pesquisadores matogrossenses,
o maior e mais significativo da região de Vila Bela (na Chapada e no vale do Guaporé), não
só pela sua população mas também pela organização social e fartura das suas roças, tendo
sido encontradas ali até mesmo duas tendas de ferreiro.
6
Em sua tese de doutorado, a antropóloga Maria de Lourdes Bandeira assim
destacou sua importância:
Há muitas referências a esse quilombo na documentação e literatura
sobre a região. Formou-se às margens do Rio Quariterê ou Piolho, afluente da
margem ocidental do Guaporé. Foi abatido pela primeira vez em 1770,
quando o capitão-general João Costa Pinto armou contra ele poderosa
bandeira. Esse quilombo era formado de escravos fugidos das minas do Mato
Grosso [Vila Bela], de pretos livres e de índios.
Na organização política residia a especificidade do quilombo
Quariterê, que nisso se distinguia de Palmares e dos quilombos do Ambrósio e
de Campo Grande. A forma de governo adotada foi a realeza. Havia rei, mas à
época da primeira destruição era governado por uma preta viúva, a Rainha
Teresa [de Benguela], assistida por uma espécie de parlamentar, com capitão-
mor e conselheiro.A alcunha do conselheiro da rainha, José Piolho,
transformou-se em uma das designações do quilombo. Nos quilombos de
Alagoas e de Minas Gerais, a chefia era masculina e não assumia o caráter de
reinado formal, como no quilombo de Vila Bela. (Bandeira, 1988:118).
Na sua rigidez disciplinadora, a rainha ficou conhecida por aplicar duros castigos aos
desertores, como enforcamentos, fraturas das pernas e enterramento vivo. Como em
Palmares, na religião havia um sincretismo entre cristianismo e valores religiosos africanos.
Quando abatido pela primeira vez, sua população era de 79 negros, homens e mulheres, e 30
índios, levados a ferros para Vila Bela, morrendo e fugindo muitos.
A rainha Teresa ficou de tal modo chocada e inconformada com a
destruição do quilombo que enlouqueceu. Taunay (1891:150) diz que “quando
6
Bandeira, M. de L. Território Negro em Espaço Branco, Ed. Brasiliense, SP, 1988.

8
foi preza, esta negra Amazona parecia furiosa. E foi tal a paixão que tomou
em a ver conduzir para esta Vila que morreu enfurecida”. Os vexames e a
grande violência que se abateram sobre a Rainha e seu povo, com o objetivo
expresso da subjugação humilhante, foram demais para Teresa que encontrou
na loucura uma forma de reação, recusando-se a se entregar e a curvar-se à
autoridade dos brancos. Os quilombolas sofreram castigos cruéis em praça
pública, expostos à curiosidade do povo, e foram marcados a ferro com a letra
F, conforme determinação de alvará régio. Traumatizada pela ruína e
aniquilamento de seu quilombo, num dos acessos de furor, expressão de
revolta, a Rainha matou-se. O suicídio foi o gesto supremo de rebelião da
Rainha à dominação dos brancos. (Bandeira, 1988:119-120).
Pela sua importância, pelo seu pioneirismo, a tese de Maria de Lourdes Bandeira
tornou-se uma referência obrigatória para os novos pesquisadores interessados e envolvidos
com o reconhecimento de territórios negros no Brasil contemporâneo.
Em Mato Grosso, as reivindicações em torno das terras de quilombo cresceram em
visibilidade nas últimas décadas, em parte favorecidas pela expressão histórica e cultural da
população negra da cidade de Vila Bela. Uma cidade construída pelos portugueses em
meados do século XVIII, com centenas de moradias, que passou a ter como únicos habitantes
uma comunidade de negros e que assim permaneceu até por volta de 1950-1960, quando os
novos migrantes, oriundos do sul do Brasil, descendentes principalmente de colonizadores
alemães e italianos, ocuparam a região e fundaram um núcleo urbano separado, voltado para
a agroindústria de exportação, nas margens do centro de arquitetura colonial.
Essa caracterização de Vila Bela configura o que nós poderíamos chamar de seu
“mito de origem” e podemos ver a velha cidade colonial acentuando hoje essa sua
particularidade, entendida como expressão da resistência da comunidade negra, que tomou
posse de um território branco. Como um grande quilombo às avessas, instalado nas antigas
moradias do colonizador, do seu próprio senhor. Isolada, sobrevivente, adaptada às agruras
do sertão, a população ocupou a cidade e fez florescer a sua própria cultura, resultado das
influências africanas e portuguesas
Na tese de Maria de Lourdes, ao procurar reproduzir a perspectiva da comunidade de
Vila Bela, questões relacionadas diretamente com a escravidão foram consideradas
secundárias. Era provavelmente de origem banto a maioria dos ex-escravos de Vila Bela,
vindos da Guiné e de Angola, segundo informações genéricas de Peter Fry e Carlos Vogt
(1983) 7 , com dados esparsos de Nina Rodrigues. Mas a autora descartou refletir nessa
direção, por não vê-la como frutífera e por ver racismo nos estudos evolucionistas de Nina
Rodrigues que, ao abordar a temática dos africanos no Brasil, “postulou a hierarquização das
raças africanas, ressaltando a superioridade dos sudaneses sobre os demais estoques da
população negra traficada para o Brasil” (Bandeira, 1988:15).
De modo amplo, através de dados esparsos, podemos concluir que, comparada com a
população de outras capitanias, a população de escravos de Mato Grosso era em geral mais
masculina do que feminina, não jovem e de origem africana diversa, pois era comprada no
7
Em 1981, realizei juntamente com Virginia Valadão e Vincent Carelli uma primeira pesquisa de campo em
Vila Bela, a convite de Carlos Vogt, para identificar a possibilidade de expressões de origem africana entre
aquela população, tendo coletado informações através do ritual da festa do Congo, além de entrevistas sobre as
relações com os povos indígenas da região.

9
Rio de Janeiro, na Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e no Pará quando, no período
pombalino, seu comércio pelo rio Madeira foi um monopólio da Companhia do Grão Pará e
Maranhão, de onde chegavam “escravos da Guiné e Angola” (Bandeira, 1988:72). Em
documentos como os do Núcleo de Documentação (NDIHR) da UFMT explorados pela
autora, há unicamente referências genéricas a escravos procedentes do “Congo-Benguela,
Ussa, Nagô e Africana”.
Pelos dados do governador Rolim de Moura, de 1752, logo no início da administração
da capitania (desmembrada da capitania de São Paulo) havia uma população total de 1.175
escravos. Já em 1780, o governador Luiz d’Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres
registrou que três quartos dos habitantes da capitania eram negros, mulatos e outros mestiços
“das muitas diferentes espécies”, sendo a mais considerável parte as que tinham “aliança com
os ditos Negros de África, sujeitos ao cativeiro” (Bandeira,1988:51). Em Vila Bela, nos seus
arraiais de mineração, no Forte Príncipe da Beira e nas missões de índios da fronteira com a
Bolívia havia, ainda segundo Luiz d’Albuquerque, uma população total de 5.994 habitantes.
Os relatos orais dos informantes mais idosos parecem indicar a Maria de Lourdes
Bandeira que entre 1860 e 1960 Vila Bela foi um território exclusivo da população negra,
mesmo que os dados históricos não evidenciem claramente isso. Ao incorporar essa
compreensão da comunidade, ela incluiu como autoclassificação dos negros não só a cor da
pele - que pode ser também “clara” - mas também a textura dos cabelos. “Por esse critério” –
ela diz – “os indivíduos de pele clara e cabelos encarapinhados são pretos” (Bandeira,
1988:69). E ainda: “É essencial ter presente que a comunidade começou a se constituir em
torno de 1860. Se ainda havia, por ventura, indivíduos brancos, eles ou ‘empreteceram’ como
membros da comunidade, ou lhe eram marginais. Sua presença, após 1860, nem reverteu o
processo de formação da comunidade de pretos nem interferiu no seu curso, uma vez que o
igualitarismo eleito pelos pretos como princípios constitutivos de sua comunidade é
concretamente a negação absoluta do modelo de sociedade dos brancos. Os brancos ali
existentes, portanto, não passavam de indivíduos brancos de uma coletividade negra em
formação” (Bandeira, 1988:69-70).
Ao adentrar no emaranhado quase indecifrável, no verdadeiro cipoal de classificações
identitárias presentes no processo histórico da constituição social da comunidade de Vila
Bela, vemos o fundamental: a cor de cada um depende do olhar de quem olha, de onde,
quando se olha e para quê. Em 1827, por exemplo, Hercules Florence, que visitou a cidade
durante a Expedição Langsdorf (1825-1829), conseguiu ver ali apenas uma família de cor
branca, não mais do que cinco pessoas: dona Matilde, o marido e suas filhas. O “resto” era
constituído de “alguns centos de caburés”, como eram denominados os descendentes de
negros e índios, particularmente índias “cabixis” capturadas nas aldeias da região. As
designações “cabixi” e “caburé” nos dão uma pista da sociedade que resultou da memorável
debandada dos brancos ainda no século XVIII.

Caburés e cabixis: negros e índios

Adrien Taunay, também participante da Expedição Langsdorf, pintou em Chapada de


Guimarães, em 1827, um ano antes da sua morte nas águas do Guaporé, em Vila Bela,
algumas aquarelas retratando os caburés. A seguir, são reproduzidas três delas, onde

10
podemos ver descendentes de uma mulher Paresi com um caburé, portanto mais
especificamente cabixi.

Em francês: Paulinha, nascida de uma Pareci e de um Em francês: Aninha, irmã da anterior.


caburé. O filho dela tem como pai um índio,
mas eu não pude saber a que tribo pertence.
Fonte: A Expedição Langsdorff em Mato Grosso. Moura, C. F. EdUFMT, 1984

Embora toda a extensa região de colonização portuguesa ao longo da fronteira, nas


águas do Rio Guaporé e seus tributários, fosse reconhecidamente habitada pelos inúmeros
grupos Nambiquara (falantes de uma língua isolada), que tinham como seus vizinhos mais
próximos a Sudeste os Paresi-Cozárini (aruaque) 8 , as expressões cabixi e caburé são
consideradas de origem tupi, o que não é impossível, por serem as águas do Juruena também
território dos Apiacá e Caiabi e pelo intenso uso da língua geral entre os colonizadores, além
da presença expressiva de índios das missões jesuíticas espanholas da Bolívia. Ainda hoje
não é difícil encontrar falantes do guarani entre os habitantes de Vila Bela.
Pelo dicionário Aurélio, caburé é o cafuzo, o caboclo, como também um “indivíduo
atarracado, achaparrado", “pessoa que só sai à noite”, “pessoa feia e de ar tristonho” ou ainda
designação de pequenas corujas e de “vaso de feitiço”, de barro, pequeno, bojudo no centro e
estreito na base.
Nina Rodrigues, em Os Africanos no Brasil, publicado em 1906 (2004), no capítulo
sobre as sobrevivências lingüísticas, percebeu que o prefixo ca (ou ka) em quimbundo ou “na
língua d’Angola” indicava justamente o diminutivo do singular, tal como nas palavras
espingarda (uta) e espingardinha (ka-uta) ou cobra (niok) e cobrinha (ka-niok). Na língua

8
O povo Paresi (que se autodenomina Haliti) é formado por grupos endogâmicos - Wáimare, Caxíniti e
Cozárini, além de outros já extintos - autosuficientes econômica e politicamente, habitantes do extenso divisor
das águas do Paraguai e do Amazonas, no noroeste matogrossense. Ver: Machado, 1994.

11
quimbundo 9 , o sufixo ixi indica naturalidade, terra, da terra. Também a expressão quilombo,
utilizada nos documentos portugueses de Vila Bela no século XVIII, tem origem no
quimbundo: kilombo significa acampamento fortificado, entre os M’bangala.
Parece ao menos plausível, diante das incertezas, levantar a hipótese de que as
expressões “caburé” e “cabixi” pudessem ser de origem banto, usadas no contexto das
relações étnicas, incorporadas pelos portugueses, designando identidades pejorativas,
atribuídas pelos negros aos Nambiquara e Paresi (em particular do grupo Cozárini, habitantes
das cabeceiras do Guaporé, Jauru e Cabaçal), que partilhavam limites de território e que
faziam incursões guerreiras entre si, praticando eles mesmos o rapto de mulheres e crianças.
A expressão “caburé” (ou “caboré”), que desapareceu dos relatos e dos documentos
históricos de Mato Grosso a partir do final do século XIX 10 , parece ter indicado uma
atribuição mais genérica para os mestiços de índios e negros, enquanto que “cabixi” (presente
ainda hoje) pode ter sido uma atribuição mais propriamente aplicada a esses dois povos
indígenas, com os quais os negros formavam os seus quilombos, inclusive “dialogando” com
as culturas indígenas, através igualmente do rapto de mulheres e crianças, como ficou
constatado no quilombo do Piolho e em outros. O uso do prefixo diminutivo ka pode ter tido
relação com a estatura dos índios, pois não passou despercebido dos pesquisadores
(Roquette-Pinto e Lévi-Strauss) que os Nambiquara e igualmente os Paresi tinham (e têm)
em média não mais do que 1,60m. 11 Em todo caso, mesmo pelos dicionários, é enfatizada a
característica negativa, pejorativa do “caburé”, como um sujeito “atarracado, achaparrado”
12
.
A mestiçagem entre índios e negros já era referida em carta de 1759 do primeiro
Governador da Capitania, Antonio Rolim de Moura, utilizando o termo “curiboca”. A
expressão “cabixi’ pode ser encontrada no relato de Alexandre Rodrigues Ferreira, que
registrou em sua Viagem Filosófica (1783-1792), com base nos Anais de Vila Bela, que nas
águas do Guaporé encontravam os sertanistas “vários lotes de Kabixis”, “gentios” que
serviam “aos outros” de escravos. Ele os distinguia dos “Paresis”, uma “Nação” populosa
também dominada pelos sertanistas, quando dela já eram encontrados apenas “raros”
indivíduos (Ferreira, 1974:28-29). Em 1734, Fernando Paes de Barros e seu irmão, Artur
Paes, bandeirantes preadores de índios, naturais de Sorocaba, capturavam índios Paresi
quando atingiram o Rio Galera e descobriram o ouro, tirando nas fraldas da serra (onde

9
Pesquisa bibliográfica realizada no acervo do Real Gabinete Português de Leitura (RJ), em março de 2006.
Ver, dentre outros: Lições de Gramática de Quimbundo (Português e Banto). Dialecto Omumbuim,língua
indígena de Gabela, Amboim – Quanza, Sul de Angola – África Ocidental Portuguesa. Maia, Antonio da Silva,
Edição do Autor, 2ª Ed., Luanda, 1964.
10
O comerciante português Joaquim Ferreira Moutinho, em sua Noticia sobre a Província de Matto Grosso...,
publicada em 1869, ainda se referiu aos “caburés” entre os muitos mestiços aí encontrados.
11
David Price (1972) discordou de L. Strauss a esse respeito, por encontrar também entre os Nambiquara índios
com estatura maior, comparável à dele, de 1,80m. Porém não seria exagerado dizer que, de um modo geral, eles
ainda hoje são mais baixos do que altos.
12
Se, apenas por curiosidade, utilizarmos hoje os recursos dos meios digitais, acessando através da Internet um
serviço de buscas (a exemplo do Google) não encontraremos nenhuma referência ao termo “cabixi” mas
poderemos encontrar a expressão “caburé” em várias situações e em várias regiões do país (Pernambuco, Bahia,
litoral do Rio de Janeiro), além de ser o nome de um conhecido prêmio anual de concurso de publicidade, que
tem sempre um negro em sua propaganda. É verdade que isso não indica muita coisa além da possibilidade de
concluir que a expressão é mais genérica do que o termo “cabixi”, que parece mais particularmente referido a
Mato Grosso.

12
depois seria fundado o arraial de São Francisco Xavier) os primeiros três quartos de uma
oitava 13
Em 1797, em sua descrição geográfica da Província de Mato Grosso, Ricardo Franco
14
assim se referiu aos “Cabixis” e “Parecis”:
“(...) Nas montanhas, serras, matos e campos dos Parecis vivem muitas
nações de índios ainda não domados, de que os mais proximos a nós e
conhecidos são os seguintes: - Cabixis, nação que transita os campos dos
Parecis, vivem nas cabeceiras e matos dos rios Guaporé, Sararé, Galera,
Piolho e Branco, entre os quais se ocultam muitos escravos fugidos (...). -
Parecis, antiga nação dominante dos campos d’este nome, que habitavam as
origens dos seus principais rios que correm para o Tapajoz, e que as incursões,
captiveiros, e emigração causadas pelos portuguezes, quasi extinguiu,
devendo esta nação a sua ruína ao seu valor e pacifica conducta: o resto que
escapou se misturou com os cabixis e mambaras [Waimare] (...) –
Mambaré[a]s, com quem se misturam os cabixis n’um braço do Juruena (...).”
Já no século XIX, o Diretor Geral dos Índios da Província de Mato Grosso, Joaquim
Alves Ferreira, em sua célebre “Notícia sobre os Índios de Mato Grosso dada em ofício de 2
de dezembro de 1848 ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império” 15 ,
localizou nas Serras e Campos dos Parecis: os “Parecis”, com uma população de 250 índios;
os Maibarés, 400 índios; e os “Cabixis”, com um total de 500 índios. Ainda no mesmo
documento, ele se referiu aos “Nambiquara” (600 índios) e aos “Tapanhunas”, que
compunham a maior população, 800 índios, ambos localizados nos afluentes do Arinos.
É interessante observar que, em seu trabalho sobre a escravidão indígena (em São
Paulo, para onde eram levados muitos Paresi capturados), John Monteiro (1994:220)
diferenciou os escravos indígenas – os “negros da terra” – dos cativos negros (que
substituíram os indígenas no século XVIII), sendo estes denominados “gentio da Guiné”,
“peças da Angola” ou, “mais freqüentemente, tapanhunos – um termo tupi designativo de
escravo negro (...)”. Roquette-Pinto, em sua Carta Etnográfica, de 1934, situou índios
“Tapanhunas” nas águas do Arinos, assim como “Nhambikuaras”, entre o Arinos e o Rio do
Sangue (embora expressasse sua dúvida com uma interrogação). Também os chamados
Beiço-de-Pau (devido ao uso masculino do disco labial) foram denominados de “Tapayunas”
e atacavam os Paresi das cabeceiras do Arinos, nos primeiros tempos das linhas telegráficas
construídas pela Comissão Rondon, particularmente na estação de Ponte de Pedra, na
primeira metade do século XX 16 (Machado, 1994:194).
Grümberg 17 suspeitou serem Caiabi os índios habitantes da foz do Rio dos Peixes,
tributário do Juruena, e mencionados como Tapanhunas em depoimentos dos Apiacá (índios

13
Anais de Vila bela da Santíssima Trindade desde o descobrimento do Sertão do Mato Grosso no anno de
1734. IHGMT, Publicações Avulsas, nº 28, Cuiabá, 2001.
14
Extracto da descripção geographica da província de Matto Grosso feita em 1797, por Ricardo Franco de
Almeida Serra, sargento mór de Engenheiros. RIHGB, T.VI, 1844.
15
IHGMT, Publicações Avulsas, nº 33, 2001.
16
Os Beiço-de-Pau ou Tapayunas, vítimas das epidemias e da violência dos seringais, foram transferidos para o
Parque do Xingu em 1969.
17
Georg Grümberg. Beitrage zur Ethnographie der Kayabi Zentralbrasiliens. Archiv für Völkerkunder, Viena,
24, sem data (tradução em Travassos, 1993:449-450).

13
de língua tupi, na qual jhü significa a cor preta). Em suas palavras, esses Tapanhunas eram o
principal obstáculo à coleta de pedras para os machados dos Apiacá e, dentre outros grupos,
foram mencionados os “tapanhónaúhum”, que “pintavam três círculos pretos no rosto”.
Ainda segundo Grümberg, durante as primeiras décadas da expansão dos seringais, nas águas
do Arinos e do Juruena, havia muitos ataques de “tapanhunas”, identificados ocasionalmente
como “caiapós”. Não é impossível pensar, com base nesses dados esparsos, que os índios
tidos como Tapanhuna ou Tapayuna fossem os Caiapó meridionais, chamados também de
Beiço-de-Pau, que pressionados pela expansão das frentes de colonização nos séculos XVIII
e XIX migraram para as águas do norte, disputando territórios com outros grupos.
Roquette-Pinto (1935:50) considerou “bem provável” que os Tapanhunas fossem os
Nambiquara do Juruena, “de pele muito escura”, como também recusou-se a julgar “digna
de consideração” a opinião dos que os concebiam como “um mocambo de antigos escravos
fugidos às lavras de Mato-Grosso [Vila Bela], vivendo isolados nas matas do Arinos”. Isso
era uma “fantasia” como tantas outras, que “atravancavam” a etnografia no Brasil,
desesperando os dispostos a estudar “com sinceridade”. Para ele, “a existência de uma tribu
de negros [Tapuiuna, “bárbaro negro”] nunca passou de fato lendário, embora repedido por
autores de nota”, sendo o nome uma “alcunha pejorativa a índios escuros de algum tributário
da bacia do Juruena”.
Embora tenha sido um pioneiro na divulgação do Diário da Diligência, Roquette-
Pinto não incorporou o seu conteúdo enquanto informação etnográfica ao contemplar os
Nambiquara, adotando um comportamento metodológico bastante reproduzido ainda nos dias
atuais, inclusive por novos pesquisadores em Mato Grosso, quando buscam observar as
sociedades e culturas indígenas como se estivessem “isoladas”. Ao desenvolver o interesse
em estudar temáticas relacionadas aos povos indígenas, trabalham na perspectiva de um
“modelo” de sociedade estático, a-histórico, adotando-o como se fosse “a fórmula” do fazer
antropológico. Desse ponto de vista, as possibilidades do contato, das trocas culturais entre
índios ou, mais ainda, entre índios e negros, são complicadores na sua construção explicativa
ou interpretativa. É possível observar o mesmo comportamento entre pesquisadores que
estudam as comunidades negras, quando operam também estratégicas para tornar “invisível”
(ou secundária) a presença expressiva dos índios nos quilombos 18 .
Na dissertação Senhores da Memória: uma história do Nambiquara do cerrado,
defendida em 2.000 no mestrado em História da UFMT (publicada em 2002), Ana Maria

18
Em Os Quilombos e as Novas Etnias Alfredo W. de Almeida (2002:69-70) está atento a essa questão, que se
coloca nos movimentos atuais de reivindicação em torno das terras de quilombos, afirmando a importância de
levar em conta a autoidentificação dos grupos “remanescentes. Ele se refere a situações em que as terras de
índio e as terras de preto se sobrepõem, como no Maranhão e no Piauí, ou mesmo nos casos em que há relações
estreitas entre quilombolas e índios, como registrou em seu diário Darcy Ribeiro (1996), no relato de 1949
sobre os Urubus-Kaapor, mais especificamente os denominados “Urubus negros” das margens do Turiaçu,
escuros e de cabelos menos lisos, que atacavam os “negros mocambeiros”, inclusive raptando suas mulheres.
Lembra ainda que no Diretório dos Índios, de 1758, a política pombalina proibiu que os índios fossem
chamados de negros, inclusive que eles próprios assim se autodenominassem, para distinguí-los dos pretos da
costa da África.
Dentre outros, também Rodrigo Grünewald (1999) fornece elementos da presença de negros na formação da
comunidade indígena Atikum, na Serra do Umã, no sertão pernambucano.

14
Costa, ao descontextualizar historicamente as relações étnicas, desconhece a expressão
“cabixi” como indicadora de um identidade pejorativa atribuída aos Nambiquara e aos Paresi,
como se não fosse mais do que mera “imaginação” de suas fontes, que representariam uma
compreensão “errônea” a respeito dos índios. Curiosamente, ela recorre ao depoimento do
único índio Paresi que carrega em seu próprio nome o termo “ cabixi” (ao menos de quem se
tem notícia), Daniel Matenho Cabixi, que diz: “Eu tenho quase certeza absoluta que os
Cabixi talvez nunca existiram. Talvez existiram sim, na imaginação dos exploradores e dos
historiadores” (Costa, 2002:73).
É fundamental a informação de que Daniel Matenho Cabixi é um índio Paresi do
grupo Kozárini, que nasceu na região da Aldeia Queimada (Koterekô) e que foi adotado
ainda criança por um Paresi do grupo Waimare, quando seus pais faleceram em decorrência
de epidemias, em meados do século XX. Ao ser levado para um internato para crianças órfãs
no Utiariti (que havia sido uma estação telegráfica), os missionários jesuítas,
inadvertidamente, o batizaram e incorporaram em seu nome o estigma de ser um “cabixi”,
assim denominado pelos Waimare e Caxíniti 19 .
Sendo uma identidade pejorativa atribuída, não se pode esperar que alguém se assuma
de bom grado como sendo um “cabixi”. Sem que haja uma boa razão para isso, ninguém
estaria disposto a se reconhecer orgulhoso como um portador de um estigma. Dentre os meus
próprios informantes (Machado, 1994:91), em várias ocasiões isso se tornou manifesto,
quando respondiam às minhas insistentes indagações a respeito. Um deles, Caxíniti (grupo
que se assumia como sendo o “verdadeiro” Paresi), disse:
- Os cabixi? A senhora nunca viu? É uma parte que talvez não [lhe] explicaram
muito bem. Minha mãe me contava que os Paresi desde o começo foram poucos. Os índios
Paresi são uma tribo de índios mais... bons que os outros. Não fazem mal um ao outro, têm
coração bom, essas coisas. Agora: os cabixi são diferentes. Cabixi faz mal, mata os outros...
mataram muito nossa gente. Sangue ciumeiro, sangue jovem, essas coisas...

Os cabixis: Nambiquara e Paresi em situação histórica

Como sabemos, não existe uma autodenominação coletiva para os inúmeros grupos
Nambiquara, como existe entre os Paresi (de designação desconhecida), que se reconhecem
como Haliti, expressão que tem um sentido de “povo, nós, nossa gente”. Sua língua é isolada
e seu território já ocupou uma extensa região entre os tributários do Guaporé e do Juruena,
na Serra do Norte e na Chapada dos Parecis.
Nambiquara é uma identidade atribuída, encontrada em relatos do início do século
XVIII (presente nas notícias de Pires de Campos) que expressa, em tupi, orelha furada. Eles
eram também conhecidos como os Guainguacuré (ou Guaiguacuré), segundo Max Schmidt,
já no começo do século XX. Para Roquette-Pinto (1935:215), Uaikoakôrê era uma
designação dada pelos Paresi, significando “irmão do chão”, por dormirem diretamente sobre
o solo, sem o uso de esteiras ou redes.

19
Em minha pesquisa para a tese de doutorado, tive oportunidade de conhecer Pedro Kezo e Emiliano
Kalomezoré, no P.I. Umutina (em Barra do Bugres), ambos Paresi-Waimaré, hoje falecidos, que me forneceram
esses dados, envolvidos diretamente com esses acontecimentos.

15
Ainda hoje os pesquisadores, em decorrência de problemas enfrentados com a língua
pouco conhecida, têm dificuldade para identificar os diferentes grupos, entre dezenas de
nomes, pois estão sempre referidos a um universo de relações étnicas que podem expressar
tanto autodesignações quanto designações entre os vários grupos ou ainda uma variedade de
identificações atribuídas pelos outros povos da região. Em um terreno sempre movediço,
raramente os dados decorrentes de abordagens etnográficas coincidem e os pesquisadores
correm riscos ao elaborar as suas próprias identificações. De um total de quase 30 grupos
locais relacionados por David Price nos anos de 1980 20 , informações colhidas atualmente
entre os próprios índios 21 indicam a existência dos seguintes grupos, assim distribuídos:
Aikutesu, Kwalisatesu, Namkutesu, Erahinkãtesu, Alakutesu, Yotusu, Alantesu, Hahaintesu
(Manairisu), Waikutesu, Katithaulu (Sararé), todos no Vale do Guaporé; Sawentê,
Yalakaloré, Lacondê (Yalakunté), Sabanê, Hinkatesu, Latundê, Siwaihsu (Manduca),
Nagarotê, Mamaindê, todos na Serra do Norte; Wakalitesu, Kithaulu, Halotesu e Sawantesu,
conhecidos como os Nambiquara do cerrado.
Não é possível saber ao certo quais grupos Nambiquara recebiam no século XVIII a
designação pejorativa “cabixi”, mas é possível afirmar sem vacilar que eles partilharam esse
estigma com os Paresi do grupo Kozárini, que habitavam a região da fronteira de Vila Bela,
com os quais trocavam mulheres e crianças, principalmente através das incursões guerreiras.
Roquette-Pinto não parecia ter alguma dúvida a esse respeito: os Kôkôzu (talvez os
Tapanhunas, “os mais escuros de todo o vale do Juruena”), chamavam de Uaintaçú o grupo
Nambiquara do Sudoeste e, em suas palavras:
São esses Uaintaçú ou Uáindzê, os mesmos
que, nas vizinhanças de Mato-Grosso [Vila Bela], no
Guaporé, recebem o nome de Kabixis; denominação
que por outro lado, tem sido aplicada pelos Parecis,
como título pejorativo, a certo grupo de sua mesma
tribu: o dos Kozárinis. (1935:215).

Para ir além das constatações de que índios e negros


conviviam nos quilombos, como ocorreu efetivamente no
quilombo do Piolho, o que é evidenciado pelos relatos
históricos merecedores de um investimento de pesquisa, de
riqueza comparável ao Diário da Diligência, é necessário
recorrer a um quadro conceitual antropológico que permita
superar os problemas colocados ou provocados pelas fontes,
que possibilitem uma releitura e uma nova interpretação dos
dados disponíveis. O que as informações do Diário podem nos
dizer efetivamente sobre as relações estabelecidas entre os grupos indígenas e os não-índios,
negros, portugueses e bandeirantes, naquele momento histórico? Como fazer com que os

20
Tawandndé, Lakondé, Taiaté, Yaludndé, Ta’wedndé, Latundé, Tocokiru, Mamaindê, Negarotê, Silwaihsu,
Hingutdsésú, Niyalhósú, Kitaunlhu, Juina (Kitaunnlhu), Salwedndésú, Halo’tesú, Wakalitdesú, Âigngùtdesú,
Nandesú, Kwalinsàdndésú, ‘Yó’dunsú, Erahi’daunsú, Âlàdndésú, Alakatdesú, Wáikatdesú, Wahsusu e
Katditaunlhu (Price, D. The Nambiquara, in: In the path of Polonoroeste: Endangered Peoples of Western
Brazil, Maybury-Lewis (e outros), s.d.)
21
Fornecidas pessoalmente por Aloir Pacini (Museu Rondon-UFMT), em outubro de 2005.

16
relatos e as pesquisas realizadas posteriormente participem de um “diálogo” com esses
dados, com vistas à produção de um conhecimento acerca desses povos?
Ao propor a noção de situação histórica, João Pacheco de Oliveira (1988) buscou
elaborar um instrumento alternativo de abordagem e de enquadramento teórico do contato
interétnico, a partir das contribuições da visão processualista de Max Gluckman, que
incorpora a historicidade do objeto de investigação, postura questionadora da naturalização
das sociedades, entendidas como entidades fechadas e homogêneas 22 . Ele concebe o
contato como um conjunto de relações entre atores sociais vinculados a diferentes grupos
étnicos, cuja unidade não é preconcebida, não é um pressuposto teórico mas sim “algo a ser
pesquisado e cuidadosamente definido pelo estudioso do contato, que deve buscar tal unidade
no processo concreto de interação social e nas percepções que dele têm os diferentes grupos
(étnicos e outros) envolvidos” (Pacheco de Oliveira, 1988:57). O contato interétnico é um
fato constitutivo, por presidir a organização interna e o estabelecimento da identidade do
grupo étnico (Barth). Os valores da tradição são ressignificados na situação de contato,
podendo refletir e incorporar padrões e símbolos de outras culturas.
Ao procurar compreender as relações estabelecidas entre o Marechal Rondon e os
índios Paresi dos grupos Waimare e Caxíniti, na instalação das linhas telegráficas em seu
território, no início do século XX, recorri (Machado, 1994) às reflexões de Pacheco de
Oliveira para discutir a questão da temporalidade da cultura, da relação entre cultura e
história em situações de mudança e de dominação. Procurei levar em conta a visão que os
próprios índios tinham do processo histórico no qual estavam inseridos, quando as
ressignificações culturais propiciaram e legitimaram o empreendimento militar que acabou
por levar à perda total dos seus territórios. Ao observar a instauração da dominação, além da
possibilidade do uso de meios coercitivos, Pacheco de Oliveira (1988:59) nos lembra a
importância metodológica de considerar a perspectiva dos índios, o que pressupõe estar
atento ao “estabelecimento de diferentes graus de compromisso com cada um dos diversos
atores, além de certa dose de legitimidade, proveniente de uma conexão positiva,
estabelecida pelo grupo étnico subordinado, entre essa dominação e seus próprios valores
últimos”.
Em sua conferência de 1997, no Museu Nacional, Pacheco de Oliveira (1998)
delineou quatro pontos de ruptura com os pressupostos dos estudos americanistas,
fundamentais para os propósitos deste trabalho: a) o questionamento às abstrações dos
contextos em que os pesquisadores produzem os seus dados etnográficos 23 ; b) a
incorporação, em uma história constitutiva, das diferentes temporalidades; c) as sociedades

22
Sua reapropriação da análise situacional de Gluckman vai além da sua compreensão como sendo referida a
um “repertório de atores relacionados por determinadas ações e eventos”, remete a contextos de interação e
formas de inter-relação, tornando mais denso o relato das situações (ao apreendê-las através da observação das
condutas manifestas). O objeto de investigação é concebido como uma “comunidade” no sentido de um
conjunto de atores interagindo socialmente em um certo momento, o que é distinto da noção de sociedade como
uma unidade predefinida, “podendo abranger efetivamente duas ou mais sociedades, classes, grupos étnicos ou
culturas”.
23
“Os povos indígenas estão hoje tão distantes de culturas neolíticas pré-colombianas quanto os brasileiros
atuais da sociedade portuguesa do século XVI, ainda que possam existir, nos dois casos, pontos de continuidade
que precisam ser melhor examinados e diferencialmente avaliados. As sociedades indígenas são efetivamente
contemporâneas àquela do etnógrafo (Laraia, 1995), da qual participam mediante interações socioculturais que
precisam ser descritas e analisadas, pois constituem uma dimensão essencial à compreensão dos dados
gerados.” (Pacheco de Oliveira, 1998:68).

17
indígenas, em suas complexidades e diversidade, não projetam unicamente em suas ações e
conteúdos simbólicos modelos atemporais e inconscientes 24 ; d) ênfase no caráter
constitutivo da cultura, não-estrutural, dinâmico, virtual, como sugerem autores como Barth,
abandonando “imagens arquitetônicas de sistemas fechados” e passando a trabalhar com
processos de circulação de significados.
Nessa perspectiva metodológica, apesar de fornecer uma valiosa contribuição para
uma abordagem etnográfica do Diário da Diligência, os trabalhos do etnólogo alemão Max
Schmidt parecem exemplares para uma confirmação dos equívocos de uma visão
americanista acerca das relações étnicas envolvendo os Nambiquara e os Paresi,
especialmente na contextualização da identidade atribuída “cabixi”.
Em Die Aruaken. Ein Beitrag zum Problem der Kulturver Beitrung, publicado em
Leipzig em 1917 25 , Max Schmidt estava interessado na questão da difusão das culturas
aruaque pela América do Sul, considerada por ele como um postulado da etnologia
negligenciado pelos estudos americanistas. Influenciado pela sua postura difusionista, ele viu
o que era próprio de uma situação histórica como sendo uma característica da cultura,
compreendida como algo naturalizado, atemporal.
Ele descreveu uma sociedade paresi diferenciada, com a incorporação do que chamou
de “elementos étnicos de nível inferior”, subordinados a uma classe dominante tanto cultural
quanto economicamente, composta principalmente pelos Waimare. Eram os Pareci-Kabisi
do grupo Cozárini que “se deixavam aproveitar”, transportando pesadas cargas de lenha e
empreendendo grandes caçadas, mandados para as matas por seus “senhores” diariamente,
pela manhã.
Eram também chamados de Kabisi os “Guainguacuré aruaquisados”, uma “camada
étnica subalterna” que tinha sua origem nos Nambiquara da região ocidental da Serra dos
Parecis. Os relatos de Max Schmidt indicaram os conflitos que ocorriam na constituição dos
territórios e as excursões de rapto de mulheres e crianças, já presentes no século XVIII, como
constava no Diário da Diligência:
Quando atravessei em 1910 a região da Serra dos Parecis e visitei as
diferentes aldeias dos Pareci-Kabisi, o alto Juruena formava a divisa da região
desses índios com a região dos Guainguacuré, que com eles viviam na mais
feroz inimizade. Mas, por certos dados, ainda se pode verificar e provar que a
região desses Guainguacuré anteriormente se estendia mais para o ocidente,
pelo menos até as cabeceiras do Jauru. Assim me foi assegurado pelo meu
informante, um índio meio sangue que vivia entre os Pareci-Kabisi, de nome
José Vieira, que no lugar de sua atual morada, em Calugaré, existia, ainda não
há muito tempo, uma aldeia Guainguacuré. A mesma foi assaltada pelos
Pareci-Kabisi e foi incendiada. Sob a gente de José Vieira existiam dois
irmãos que tinham sido carregados durante esse assalto, após ter seu pai sido
morto na luta. Outro assalto consta ter sido efetuado pelos Pareci-Kabisi

24
Mas sim “representam uma solução a problemas (inclusive com uma dimensão ético-valorativa) surgidos no
curso das interações sociais (vide Bellah, 1983; Velho, 1995).” (Pacheco de Oliveira, 1998:68).
25
Schmidt, M. Die Aruaken. Ein Beitrag zum Problem der Kulturver Beitrung. Studien zur ethnologie un
soziologie. Herausgeben von A. Vierkandt, Heft I. Leipzig, 1917. (“Os Aruaques. Uma contribuição ao estudo
da difusão cultural”, tradução do original alemão existente na Biblioteca do PPGAS do Museu Nacional –
UFRJ).

18
contra uma aldeia Guainguacuré, que teria existido na cabeceira do Juruena,
não longe da atual aldeia Pareci-Kabisi Hanauihahirtigo. Consta serem ainda
visíveis os vestígios de duas casas destruídas. No ataque foram mortos dois
homens e os demais habitantes, mulheres e crianças, foram carregados. Esses
assaltos foram levados a cabo, como me asseguraram, principalmente para
raptar as mulheres e crianças das tribos vizinhas, inimigas, e o grande número
de índios Guainguacuré que moravam como classe trabalhadora entre os
Pareci-Kabisi mostra claramente que esses encontros, muitas vezes, devem ter
sido muito produtivos. (Schmidt, 1917:31).
Uma das razões do sucesso dessas expedições de captura estava no fato de que os
Cozárini já adquiriam armas de fogo. Seu informante, José Vieira, “que pelos seus hábitos se
transformara em legítimo Pareci”, havia comprado de não-indígenas cartuchos para sua
espingarda de repetição, demonstrando, com mímicas, alegremente, que dali em diante
abateria com mais facilidade os Nambiquara, “para enriquecer-se com mulheres e crianças”.
Embora não portassem armas de fogo, os Nambiquara também haviam surpreendido e
carregado algumas mulheres dos Cozárini de Hanauihahirtigo, de modo que as mulheres
nessa região limítrofe viviam bastante temerosas. Os Nambiquara “aruaquisados”
demonstravam o mesmo pavor e inimizade pelos seus “irmãos de sangue independentes” e
viviam em completa dependência da proteção que os seus antigos conquistadores e
opressores lhes proporcionavam.
Na aldeia Calugaré, José Vieira vivia com a família do chefe Makazoré, deixando-se
adotar, chamando-o de pai e sendo chamado por ele de filho, cujos filhos o identificavam
como irmão. Os capturados eram “muito bem tratados” segundo Max Schmidt, apesar dessa
relação ser definida por ele como sendo de escravidão, devido ao rapto à força, servindo a um
determinado senhor, cuja posse poderia transferir.
Assim, meu companheiro José Vieira adquirira seus dois meninos
Guaiguacuré do cacique Chiquinho de Zagurigatsé, no Cabaçal, o qual por sua
vez os apanhara como presas em uma das suas caçadas na região dos
Guaiguacuré, além do Juruena (...) Essa população dependente me foi
indicada sob o nome português “camarada”, sob o qual se designam entre os
brasileiros os trabalhadores que vivem em servidão da gleba (...) (Schmidt,
1917:40).
As crianças raptadas eram criadas “em absoluta união com os próprios filhos”, mas
logo cedo eram moldadas para determinadas ocupações, destinadas na juventude a formar a
população dependente, colocadas em trabalhos que correspondiam à sua capacidade física,
preparadas para a posição de “classe trabalhadora”. Aos dependentes, que recebiam abrigo e
alimentação, só era permitido possuir bens destinados ao consumo do momento: a terra de
cultura, os objetos produzidos para troca com outras mercadorias, tudo pertencia à chamada
classe dominante. Principalmente as miçangas de fabricação européia que a eles chegavam e
que eram incorporadas como símbolo de riqueza, tornando-se uma unidade de valor
generalizado.
Orientado por sua postura difusionista, Max Schmidt acreditava que haveria um
modelo de cultura aruaque baseado em um “instinto de dominação”, em “formas econômicas
mais elevadas” do que as encontradas entre os seus dependentes. Um instinto que se
sobrepunha aos demais instintos humanos, “até que esses, com o desenvolvimento humano

19
mais elevado”, pudessem ser satisfeitos pelo “instinto de aquisição”. Ao seu ver, aí estava a
comprovação natural da desigualdade, este seria o ponto central da divisão da humanidade
em duas “classes”: os dominadores e os dominados. Essa expansão cultural aruaque era
comparável com o que a cultura européia realizava naquele momento no continente africano.
Esse “instinto de colonização” das culturas aruaque era descrito como puramente
econômico-administrativo, sem qualquer relação com o poderio político. Os que eram
chamados de “Parecis puros”, ou seja, os Waimare e Caxíniti que não se misturavam com os
grupos nambiquara, “sempre reconheciam os caciques das comunidades de Uazírimi” e nas
tentativas de reduzir Makazoré à dependência econômica, “não se tratava de tirar-lhe a
dignidade de cacique para apoderar-se da posição política dominante”
Os Parecis devem ter já há muito tempo penetrado como portadores de
cultura nas regiões da cabeceira do Cabaçal, do Jauru, do Juruena e do
Guaporé, anteriormente habitados pelos Guaiguacuré, absorvendo a parte da
população restante após os encontros guerreiros, como esposas e como
camada dependente, trabalhadora, da população. A população mesclada assim
formada, classifica a si mesma, pela parcela preferida dos habitantes, como
Parecis, que consideram mais avançados quanto à cultura, considerando
ofensa violenta quando alguém quer duvidar da sua pura qualidade Pareci.
Mas os dois subgrupos da tribo Pareci, localizados ao norte, os Uaimaré e
Kaxíniti, que vivem disseminados pelos rios Arinos, Sucuri-uma, Tahuru-ina e
Timalatiá, de maneira alguma reconhecem esses irmãos da tribo do sul,
denominados Kozurini, como iguais, chamando-os pela denominação
pejorativa Kabisi. São distinguidos como Kabisi mansos dos Kabisi bravos,
por sua vez idênticos aos Guaiguacuré.” (Schmidt, 1917:63).

Não seria difícil demonstrar como, mesmo se fosse o caso de uma identificação com
a postura americanista, a eleição da superioridade das culturas aruaque não resistiria a outros

20
exemplos históricos. Os índios Terena (grupo Guaná, também falante de língua aruaque, cujo
território está hoje em Mato Grosso do Sul), por exemplo, vivenciavam no século XVIII
uma condição bastante comparável ao que é retratado quanto aos “cabixi”.
Em outra oportunidade (Machado, 2002), discuti as relações entre os Guaná, os
Guaicuru e os portugueses, através dos documentos produzidos por Ricardo Franco de
Almeida Serra. Em um de seus últimos relatos, de 1803 26 , logo depois de compor uma junta
que governou Mato Grosso, em decorrência da morte de João de Albuquerque, ao elaborar
um parecer sobre o aldeamento desses índios, ele descreveu entre seus usos e costumes o
mito de origem dos Guaicuru que, nascidos de uma ave de rapina, receberam de sua
divindade a lança e o porrete, para com eles “conquistar as outras nações, e fazê-las suas
captivas, pois sobre todas ellas lhes dava o domínio e senhorio”.
Ricardo Franco se perguntava se essa “fábula”, bastante respeitada pelos índios, que
não matavam a ave que era o pai fundador do seu povo, não teria alguma semelhança com a
ficção que os romanos haviam espalhado, de que os deuses haviam concedido a eles o
domínio sobre os demais povos do universo. Supunham os Guaicuru serem eles mesmos “a
primeira e dominante nação de índios”, não se julgando inferiores nem aos portugueses e
nem aos espanhóis. Ao contrário, apesar de serem os portugueses “muito bravos”, gabavam-
se diariamente de tê-los “amansado”.
Em sua produção etnográfica, Roberto Cardoso de Oliveira, ainda entre os anos de
1958 e 1959, quando escreveu o seu livro clássico sobre os Terena, já chamava a atenção
para a impossibilidade de compreender a cultura dos Guaná sem estar atento para as relações
que se estabeleceram no passado entre eles e os Mbaya-Guaicuru. Relatos históricos já
apontavam, na primeira metade do século XVI, o que poderia ser visto como sendo uma
posição subalterna dos Guaná, tidos como “vassalos ou súditos dos Mbayá”, tal qual
acontecia com os camponeses, sujeitando-se aos seus senhores.
Nas palavras do espanhol Félix Azara, em relato de sua viagem à América
Meridional, de 1871 a 1801, citado por Cardoso de Oliveira (1976:320):
À época da chegada dos espanhóis, os Guaná iam, como atualmente,
se reunir em bandos aos Mbayás, para lhes obedecer, servi-los e cultivar suas
terras, sem nenhum salário. Daí o motivo dos Mbayás os chamarem sempre
escravos seus. É verdade que a escravidão é bem doce, porque o Guaná se
submete voluntariamente e renuncia quando lhe agrada. Mais ainda, seus
senhores lhes dão bem poucas ordens, não empregam jamais um tom
imperativo, nem obrigatório, e tudo dividem com os Guanás, mesmo os
prazeres carnais (...).
Havia relações de parentesco entre eles, meio através do qual era estabelecido o
domínio, sem recorrer às armas. Denominados Niyololas pelos Guaicuru, os Guaná casavam
com eles as suas “cacicas” e, quando essas morriam, seus “vassalos” permaneciam nos
“feudos” dos descendentes dos seus maridos. Nem todos os Guaná eram “vassalos” e só os
chefes Guaicuru tinham criados. Não era uma situação de escravidão, embora os Mbayá os
chamassem de escravos.

26
Parecer sobre o aldeamento dos Índios Uaicurus e Guanás, com a descripção dos seus usos, religião,
estabilidade e costumes. (RIHGB, T. VII, 1845). Esse parecer teve continuidade no T. XIII da mesma RIHGB.

21
As visitas Guaicuru às aldeias Guaná eram retribuídas com alimentos e presentes
(grãos, mantas de algodão). Segundo Cardoso de Oliveira, é preciso entender como se
processava o “estilo da interação intertribal”, para compreender que havia interesse por parte
dos Guaná no relacionamento com os Guaicuru, pois eles eram fontes de bens bastante
desejados, “como facas, machados e outras coisas mais, que somente seus hóspedes podiam
fornecer, graças aos assaltos que efetuavam contra os espanhóis e portugueses”.
A presença portuguesa no cenário de domínio pode ter favorecido o recrudescimento
de conflitos entre eles, descritos também por Ricardo Franco. Desde o início da expansão
espanhola, os Guaicuru exerciam sua superioridade bélica inclusive em relação aos
colonizadores, tornando o seu rebanho eqüino uma arma de guerra. A aproximando-se dos
Guaná, os portugueses passaram a supri-los com os bens e serviços mais cobiçados,
aproximação essa facilitada pelos aldeamentos e pela construção do forte de Coimbra a
Nova, no Fecho dos Morros, na margem oriental do Rio Paraguai.
Desde o começo de 1791, os Guaicuru também se aproximaram dos portugueses do
forte Nova Coimbra, reunindo-se em torno de Albuquerque (hoje Corumbá) e Miranda.
Aldeados, ao conhecer as ordens da Coroa portuguesa para construir as casas, plantar milho,
feijão e criar porcos, em troca de ferramentas roupas, rapaduras e aguardentes, quiseram
saber quantos escravos iriam receber para o serviço, por não serem eles cativos. Quanto às
casas, as madeiras foram consideradas “muito duras” e “mollestavam” seus ombros: todos
queriam, mas que “lh’as fossem fazer os portugueses...”
Essas abordagens das relações históricas, suscitadas pelas observações acerca dos
contatos entre colonizadores, índios e negros, parecem ser um material de reflexão promissor
para a constituição de um novo diálogo entre antropólogos e historiadores, desde que
superem uma intencionalidade quase ritual e impliquem em um esforço conjunto para a
proposição de bases conceituais, que possam resultar em um avanço na produção de
conhecimento.
No momento atual, como o que é vivido em Mato Grosso, com a ampliação e
diversificação dos estudos historiográficos e antropológicos, em grande parte impulsionados
pela consolidação da pós-graduação e de novos ambientes de pesquisa, documentos como o
Diário da Diligência, assim como as etnografias produzidas por etnólogos consagrados, da
expressão de Roquette-Pinto, Max Schmidt e outros, podem efetivamente contribuir para
renovações nas maneiras de olhar os temas já consolidados.
Por certo, a discussão sobre as relações históricas envolvendo os Paresi, os
Nambiquara, os negros e os colonizadores portugueses, assim como outras relações referidas
a outras situações históricas, como as que envolveram os Guaná e os Guiacuru, apontam uma
necessidade de tornar mais complexas tanto as abordagens sobre os quilombos e as
populações negras - vistas geralmente através de um esforço para fazer uma historiografia
“correta”, que Marshall Sahlins (1990) chamou de “populista” - quanto as que se referem aos
povos indígenas, compreendidos ora como vítimas passivas, ora como agressores
sanguinários dos colonizadores, quando as fronteiras econômicas avançam sobre os seus
territórios. Eles produzem e produziram, com o recurso de suas culturas, dinâmicas,
versáteis, respostas que incorporam novos significados, que constituem estratégias de
sobrevivência diferenciada em uma situação mais ampla de dominação.
Do que foi exposto aqui, especialmente acerca da identidade atribuída “cabixi”,
coloca-se o desafio de decifrar os seus diversos significados, em torno dos quais é preciso

22
construir novos instrumentos para a compreensão. Um categoria de identificação, norteadora
de relações sociais, que oscila entre seus vários sentidos: “servos”, “vassalos”, “criados”,
“escravos”, “súditos”, “classe trabalhadora”, “camaradas”, “filhos” e “irmãos”, submetidos a
uma relação de dependência e de complementaridade com o seu “patrão”, “pai”, “senhor” e
até mesmo “dono”, como evidencia a categoria yuáykate, entre os Paresi, entendido também
como “companheiro” e “compadre”.
A complexidade dessas relações não cabe no universo limitado dos nossos conceitos,
o que nos obriga a reconhecer que remetem a uma história totalmente desconhecida, cujas
pistas estão nos documentos da qualidade do Diário da Diligência, disponíveis e à espera de
novas abordagens de fato multidisciplinares.

Bibliografia
ALMEIDA, A. W. Os quilombos e as novas etnias. In: O’DWYER, E. C. Quilombos. Identidade étnica e
territorialidade. Rio de Janeiro: ABA,FGV, 2002.
BANDEIRA, M. de L. Território negro em espaço branco. São Paulo: Brasiliense, 1988.
BORGES, F. C. Anais de Vila Bela da Santíssima Trindade desde o descobrimento do sertão no anno
de 1734. Publicações avulsas, nº 28. Cuiabá: IHGMT, 2001.
CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Do índio ao bugre. O processo de assimilação dos Terena. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1976.
COSTA, A. M. R. F. M. Senhores da Memória. Uma história do Nambiquara do cerrado. Cuiabá:
Unicen, 2002.
FERREIRA, A. R. Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá.
Memórias, Antropologia. Conselho Federal de Cultura, 1974.
FERREIRA, J. A. Notícia sobre os índios de Mato Grosso dada em ofício de 2 de dezembro de 1848
ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, pelo Diretor Geral dos Índios da então
Província. [Revista O Archivo, ano 1, vol. 2, 1905] Publicações avulsas nº 33. Cuiabá: IHGMT, 2001.
GRÜNEWALD, R. de A. Apresentando: índios e negros na Serra do Uma. In: BACELAR, J. &
CAROSO, C. (org.). Brasil: um país de negros? 2ª ed. Rio de Janeiro: Pallas; Salvador, BA: CEAO,
1999.
LÉVI-STRAUSS, C. Tristes Trópicos. Lisboa: Edições 70, 1986.
MACHADO, M. F. R. Índios de Rondon. Rondon e as linhas telegráficas na visão dos sobreviventes
Wáimare e Kaxíniti, grupos Paresi. Tese de doutorado, PPGAS, 2 vols. Rio de Janeiro, Museu
Nacional, 1994.
Memórias portuguesas sobre os selvagens: cultura e história nas relações étnicas em
Mato Grosso no século XIX. Actas do Congresso Luso-Brasileiro “Portugal: Memórias e Imaginários”,
Vol II. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: 2000.
Relações coloniais e confrontos culturais: índios e portugueses em Mato Grosso no
século XVIII. ANPOCS, 2002.
Que história é essa? Que barulho é esse? Uma introdução ao debate sobre a
antropologia história e a história cultural. In: MACAHDO, M. F. R. (org.) Mato Grosso Português:
ensaios de antropologia histórica. Cuiabá: EdUFMT, 2002.

23
MAIA, A. da S. Lições de Gramática de Quimbundo (Português e Banto). Dialecto Omumbuim, língua
indígena de Gabela, Amboim – Quanza, Sul de Angola, África Ocidental Portuguesa.2ª ed. Luanda:
Ed. do autor, 1964.
MELLO, F. P. de. Diário da Diligência que por ordem do Ilmo. Exmo. Sr. João de Albuquerque de
Mello Pereira e Cáceres, Governador e Capitão General da Capitania de Mato Grosso, se fez no ano
de 1795, afim de destruir vários quilombos e buscar alguns lugares em que houvesse ouro.
Publicações avulsas nº 24. Cuiabá: IHGMT, 2001.
MONTEIRO, J. M. Negros da Terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
MOURA, C. F. A expedição Langsdorf em Mato Grosso. Cuiabá: EdUFMT, 1984.
MOUTINHO, J. F. Notícia sobre a Província de Matto Grosso seguida d’um roteiro da viagem da sua
capital a São Paulo. São Paulo: Typ. De Henrique Schroeder, 1869.
PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nosso governo. Os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo: Marco Zero,
1988.
Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e fluxos
culturais. Mana 4(1) 47-77, 1998.
PRICE, D. Nambiquara society. Department of Anthropology, Faculty of the Division of Social
Sciences, The University of Chicago, 1972.
Pareci, Cabixi, Nambikwara: a case study in the western classification of native
people. Journal de la Société des Americanistes, Musée de l’Homme, T.69, Paris, 1983.
RODRIGUES, N. Os africanos no Brasil. 8ª Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.
ROQUETTE-PINTO, E. Rondônia. Brasiliana, Série V, vol. XXXIX. 3ª ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1935.
ROSA, C. A. & JESUS, N. M. de. A terra da conquista. História de Mato Grosso colonial. Cuiabá: Ed.
Adriana, 2003.
SAHLINS, M. Ilhas de história. Antropologia Social. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
SCHMIDT, M. Die Aruaken. Ein Beitrag zum Problem der Kulturver Beitrung. Studien zur Ethnologie
und Soziologie. Herausgeben Von A. Vierkandt, Heft 1. Leipzig, 1917. (Os Aruaques. Uma
contribuição ao estudo da difusão cultural. Tradução existente na Biblioteca do PPGAS-Museu
Nacional, UFRJ).
Los Paressis. Revista de la Sociedad Cientifica Del Paraguay, 6 (1), 1943.
SERRA, R. F. de A. Extracto da descripção geographica da província de Matto Grosso feita em 1797,
por Ricardo Franco de Almeida Serra, sargento mor de Engenheiros. RIHGB, T. vi, 1844.
SIQUEIRA, E. M. História de Mato Grosso. Da ancestralidade aos dias atuais. Cuiabá: Entrelinhas,
2002.
TRAVASSOS, E. A tradição guerreira nas narrativas e nos cantos Caiabis. in: COELHO, V. P. (org.)
Karl von den Steinen. Um século de antropologia no Xingu. São Paulo: Edusp, Fapesp, 1993.

24

Você também pode gostar